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TEIA DO TEIA DO SABER SABER 2005 METODOLOGIA DE ENSINO DE DISCIPLINAS DA ÁREA DE CIÊNCIAS DA NATUREZA, MATEMÁTICA E SUAS TECNOLOGIAS DO ENSINO MÉDIO: FÍSICA, QUÍMICA E BIOLOGIA Fundação de Apoio às Ciências: Humanas, Exatas e Naturais Material Pedagógico para uso do professor E Venda Proibida Coordenação Geral Prof. Dr. Mauricio dos Santos Matos (16) 3602-3670 e-mail:[email protected] Acompanhe a programação pela internet: http://sites.ffclrp.usp.br/laife Paradigmas, espécies ancestrais e o ensino de Zoologia e Botânica Prof. Dr. Dalton de Souza Amorim GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DIRETORIA DE ENSINO - REGIÃO DE RIBEIRÃO PRETO Av. Nove de Julho no. 378 - Ribeirão Preto TURMA INICIAL

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TEIA DOTEIA DO SABERSABER2005

METODOLOGIA DE ENSINO DE DISCIPLINAS DA ÁREA DE CIÊNCIAS DA NATUREZA, MATEMÁTICA E SUAS TECNOLOGIAS DO ENSINO

MÉDIO: FÍSICA, QUÍMICA E BIOLOGIA

Fundação de Apoio às Ciências: Humanas, Exatas e Naturais

Material Pedagógico para uso do professorEVenda Proibida Coordenação GeralProf. Dr. Mauricio dos Santos Matos(16) 3602-3670 e-mail:[email protected]

Acompanhe a programação pela internet: http://sites.ffclrp.usp.br/laife

Paradigmas, espécies ancestrais e o ensino de

Zoologia e Botânica

Prof. Dr. Dalton de Souza Amorim

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULOSECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO

DIRETORIA DE ENSINO - REGIÃO DE RIBEIRÃO PRETOAv. Nove de Julho no. 378 - Ribeirão Preto

TURMA INICIAL

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TEIA DO SABER 2005 Metodologia de Ensino de Disciplinas da Área de Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias do Ensino Médio: Física, Química e Biologia (Tuma Inicial)

Paradigmas, espécies ancestrais e o

ensino de Zoologia e Botânica

APRESENTAÇÃO DO PROFESSOR DO MÓDULO DE ENSINO

Dalton de Souza Amorim

Bacharel em Ciências Biológicas pelo Instituto de Biociências da USP, Mestre

em 1982 e Doutor em 1987 pelo Departamento de Zoologia do IBUSP. Docente do

Departamento de Sistemática e Ecologia da Universidade Federal da Paraíba entre

1985 e 1990, e docente do Departamento de Biologia da FFCLRP/USP a partir de

1990. Livre-Docente em 2002 pela FFCLRP/USP. Associate Researcher do

American Museu of Natural History, de Nova Iorque, desde 1995. Docente das

Disciplinas de Graduação “Zoologia dos Invertebrados II, Evolução II, Sistemática e

Biogeografia, Biologia e Educação, e Seminários Integrados de Biologia. Na Pós-

Graduação, docente de “Elementos de Sistemática Filogenética” e “Introdução à

Biogeografia Histórica”. Co-coordenador do Curso de Especialização “O Genoma, a

Célula e Você, Professor”, promovido pela Fundação Hemocentro de Ribeirão

Preto. Autor de 3 livros e mais de 50 artigos científicos e de divulgação.

APRESENTAÇÃO DO CURSO

O objetivo do módulo de ensino é permitir que os professores compreendam a

origem e a natureza das dificuldades encontradas para o ensino de Zoologia e Botânica

para o Ensino Fundamental e Médio —que têm suas raízes na visão pré-evolutiva de

Platão e Aristóteles. É mostrado como mudar o paradigma do ensino dessas áreas para

uma visão efetivamente evolutiva, trabalhando não com método filogenético, mas com

esquemas filogenéticos em que seja possível visualizar as mudanças de ancestral para

ancestral ao longo da evolução dos grupos.

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Paradigmas, espécies ancestrais e o ensino de Zoologia e BotânicaDalton de Souza Amorim1

O modelo de Kuhn (1975) de dinâmica da ciência,com surgimento de paradigmas e períodos de acúmulo dedados, tornou-se ele mesmo um paradigma. Contudo, adinâmica paradigmática no ensino da ciência, com asubstituição dos velhos por novos paradigmas no conteúdodas várias áreas, ainda é um objeto de investigaçãorelativamente pouco abordado.

O próprio Kuhn (1990) discutiu a relação entre oensino e a formação de novas gerações de pesquisadores(Dutra, 2002), mas muitos dos esforços nessa áreaconcentram-se na transposição do modelo de ciência para oensino (Pietrocola, 1996; Pombo, 1999; Arruda et al., 2001).As dificuldades da indução pelo professor de novosparadigmas para os alunos envolvem, além dos aspectos deconteúdo, elementos sociológicos e de psicologia cognitiva(Duschl et al., 1990; Duschl & Gitomer, 1991; Duschl &Hamilton, 1992; Cobern, 1995). O estudo recente de Alters& Nelson (2002), com uma análise do ensinoparticularmente na área de Evolução, mostra conclusõesimportantes sobre a influência de paradigmas pré-estabelecidos no aprendizado de novos conteúdos. Noentanto, quase nenhum desses estudos aborda diretamentea análise Do processo de substituição de paradigmas –ouseja, de evolução dos conteúdos– no ensino de cada área daciência.

Dentro da comunidade de pesquisadores de uma área,é comum que haja convívio entre paradigmas conflitantes,em especial em períodos revolucionários de uma área deinvestigação (Kuhn, 1975). O delay para a substituição deparadigmas na comunidade científica de modo geral nãosão muito grandes. Atualmente, o turn-over de paradigmasnos núcleos de produção de ciência costuma ser ágil, aindaque a extensão desse período varie entre áreas e tenha seacelerado nas últimas décadas. À medida que nos afastamosdo núcleo da comunidade produtora do conhecimento,entretanto, em direção ao que às vezes se chama decomunidade reprodutora do conhecimento –o ensino, emseus vários níveis–, paradigmas antigos têm prevalênciacada vez maior.

No caso do ensino de Zoologia e Botânica, noentanto, o problema é particularmente atípico. Em umaépoca em que não se questiona o conceito de evolução nacomunidade científica, a compreensão de alguns aspectosmais profundos da teoria evolutiva e de suas implicaçõesainda é consideravelmente limitada. Em certo grau, issonão parece diferente do que ocorre com a teoria quântica,com conceitos que guardam enorme distância em relaçãoao senso comum. No entanto, no caso da teoria quântica, aruptura do paradigma newtoniano ocorreu a menos de umséculo. No caso da evolução, o referencial teórico anterior éformado por uma mistura de aspectos do essencialismoaristotélico, do idealismo platônico e do criacionismo doGenesis, cuja idade supera 23 séculos. Mesmo deixando delado a questão do paradigma criacionista, boa parte doensino de Zoologia e Botânica (inclusive em níveluniversitário) ainda se apoia largamente em uma visão

essencialista-idealista. Apesar da declaração de endosso doparadigma evolucionista, a maior parte dos pesquisadorese professores ainda tem uma conceituação e uma praxisessencialista ao lidar, respectivamente, com a natureza dadiversidade biológica e com a organização da informaçãosobre ela.

A conseqüência é que, constando Evolução doconteúdo programático de Biologia no ensino básico,convivem formalmente no ensino dois paradigmasantagônicos: um deles, evolutivo quanto ao processo deorigem da diversidade; o outro, essencialista-idealistaquanto à natureza das espécies e da organização dainformação biológica. As filosofias essencialista e idealistanão são ensinadas ou claramente apoiadas, de modo que oensino tradicional de Zoologia e de Botânica reduz-se a umprocesso de memorização de características, sem que secomponha uma unidade clara do ponto de vista biológicoou filosófico. O resultado é pífio do ponto de vista doaprendizado dos alunos e da motivação de professores ealunos.

Não é propósito deste capítulo rever historicamenteo desenvolvimento da Zoologia e da Botânica ou mesmo ahistória do ensino dessas áreas. Essa tarefa demanda décadase já está sendo feita em boa extensão (Papavero et al., 1999,etc.). O objetivo deste capítulo é considerar o conflitoparadigmático no ensino tradicional de Zoologia e Botânicae apresentar uma alternativa para o ensino dessas áreas emtodos os níveis sob uma abordagem estritamente evolutiva.Em alguma extensão, essa discussão serve como estudo decaso das dificuldades do processo de substituição de umparadigma no ensino de ciências.

Zoologia e Botânica: morfologia ou ordem?É comum em alguns círculos atuais da ciência e do

ensino de ciências uma visão relativamente antipática daZoologia e da Botânica. São vistas como áreas“ultrapassadas” em sua abordagem mais morfológica, facea vertentes que incorporam tecnologia nova, particularmentea molecular. Essa é uma compreensão pobre da área. Ela éreflexo de uma compreensão deficiente de seus objetivos ede seu escopo. Ainda que a morfologia pudesse serconsiderada esgotada –definitivamente não está–, nessecontexto ela é um detalhe, apenas uma ferramenta, não ameta.

Zoologia e Botânica são parte do que se chama deSistemática, que inclui ainda o conhecimento de bactérias,fungos, vírus e organismos unicelulares com núcleo. Oobjetivo da Sistemática, de fato, é, a partir do conhecimentodos grupos, organizar a informação sobre a diversidade. Écurioso que, no momento em que o planeta vive sua crisemais grave de conservação da biodiversidade, oconhecimento da diversidade em si atinge seu nível de menorprestígio.

A diversidade biológica já descrita pela ciência estáum pouco abaixo de dois milhões de espécies. Estimativasda diversidade real variam entre cinco e 50 milhões de

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espécies atuais. Esse volume de informação não pode serapresentado e trabalhado —em seu uso científico ou leigo—como listas de nomes das espécies ordenadosalfabeticamente. Algumas contas podem mostrar acomplexidade envolvida. Na construção de uma hierarquiade espécies, organizando-as em grupos menores, há trêsmaneiras diferentes de agrupar três espécies duas a duas;há 15 maneiras diferentes de agrupar quatro espécies,número que sobe a 105 quando há cinco espécies. Para 22espécies, há mais de 13 setilhões de possibilidades deagrupá-las (ou 1,3 x 1025). O número de possibilidades decombinar todas as quase duas milhões de espéciesconhecidas é virtualmente incalculável (veja Amorim,2002).

O significado desses números é que deixar aosusuários do sistema de classificação o papel de reordenaras centenas de milhares de espécies listadas apenasalfabeticamente seria lançá-los em um labirinto infinito.Ordenar o conhecimento da diversidade biológica é umadas tarefas mais elementares da Biologia e crucial para todotipo de uso que se quiser fazer da informação biológica.

O sistema tradicional de classificação proposto porLineu (1758), ainda que às vezes visto como uma ferramentaprimária, corresponde a uma das mais extraordinárias obrasde engenharia do conhecimento já desenvolvidas pelohomem. Lineu construiu um sistema aplicável a toda adiversidade. A proposição de um sistema hierárquicoelimina quatrilhões e quatrilhões de relações possíveis entreas espécies, formando grupos que teriam pouca ou nenhumautilidade para o usuário. Um grupo que inclua as palmeirase o samambaiaçu, por exemplo, apesar de algumasemelhança superficial, corresponderia a apenas uma dastrilhões de associações indevidas entre espécies de plantas,imediatamente evitada pelo sistema. Note-se que o trabalhoda Sistemática nos últimos dois séculos e meio é tãoimportante que boa parte dos agrupamentos foi incorporadaao conhecimento comum, passando aos léxicos e glossáriosde cada língua. Talvez exatamente por se tornar parte dalinguagem, no entanto, o sistema deixa de ser visto comoproduto de uma área da ciência e fica pouco destacado oenorme impacto que a Sistemática tem na pesquisa e nocotidiano humano.

O uso do sistema de classificação no meio científicoé imenso e demanda enorme precisão. Na verdade, aclassificação biológica corresponde a um sistema geral dereferência para todas as áreas, implicando economia,eficiência e precisão na construção de hipóteses sobrequalquer aspecto biológico. No teste de novos fármacos,por exemplo, é indispensável uma compreensão exata darelação entre os vários grupos de vertebrados, e do nível desurgimento de características morfológicas, fisiológicas ebioquímicas para que a aplicabilidade dos testes para ohomem possa ser devidamente inferida (Amorim &Amorim, 1992).

Zoologia e Botânica, portanto, são apenas nomes paraduas delimitações do imenso ordenamento proposto para adiversidade biológica conhecida. O uso da morfologia nãodeve ser vista com estranheza: apenas é a fonte mais baratade informação, a de uso mais antigo e a que dispõe de maisdados acumulados, permitindo comparabilidade ampla entretodas as espécies já descritas. A Sistemática, portanto, nãoapoiada sobre a morfologia em particular, mas sobre uma

base de dados –morfológicos, moleculares, fisiológicos,histoquímicos, comportamentais etc.– que cresce apenasgradualmente.

Paradigmas idealistas e essencialistas na Zoologia e naBotânica

Essencialismo e idealismo são assuntos da filosofia,extremamente difíceis e profundos. Contudo, é necessárioconsiderar aqui pelo menos com brevidade sua relação coma Zoologia e a Botânica. O idealismo platônico é relevante,neste contexto, no quanto ele estabelece um modelo para anatureza das espécies e para as relações entre elas. Nomodelo de Platão, a cada espécie existente, corresponderiaum tipo ideal dessa espécie. Todos os indivíduos de umamesma espécie corresponderiam a cópias imperfeitas dessemesmo tipo ideal da espécie, que existiria em um mundoideal ou das idéias. Por causa da natureza atemporal eperfeita desse mundo, os tipos seriam perfeitos e imutáveis.Portanto, se o tipo jamais se modifica, as imperfeições nasinúmeras cópias do tipo ideal ao longo das geraçõescorresponderiam apenas a “variações sobre o mesmo tema”:nunca haveria qualquer direção nas mudanças oumodificação do que fosse a natureza da espécie. Igualmenterelevante, como os indivíduos das várias espécies são cópiasde entidades distintas –os vários tipos ideais–, não háqualquer conexão histórica ou material entre as espécies.

Aristóteles opõe-se sob diversos pontos de vista àvisão de mundo e à maneira de Platão fazer filosofia, masnão nega o conceito de inalterabilidade das espécies e aausência de conectividade entre elas. Além de seu domíniofilosófico e de outras área de ciências empíricas, Aristótelesera detentor de um imenso conhecimento zoológico ebotânico, e foi capaz de avançar conceitos extremamenteelaborados em Biologia, como os de homologia e analogia,semelhanças compartilhadas, hierarquia de grupos etc. Assemelhanças entre as espécies, para Aristóteles, teriam suaorigem em essências compartilhadas. Essas essências seriamatemporais, implicando que elas e as espécies que as portamseriam fixas. As diferenças entre indivíduos da mesmaespécie seriam devidas a “acidentes da matéria” –portantoalheias ao interesse da ciência, que busca universais e nãoparticulares. As diferenças entre espécies, por sua vez,seriam resultado de diferentes combinações entre essências,além da presença de essências próprias de cada espécie.Ainda que, na visão de Aristóteles, as espécies não tivessemnenhum tipo de relação material ou histórica, ocompartilhamento de essências permitia a criação de grupostaxonômicos utilizando o método da diérese platônica,representados em um sistema lógico —uma classificação.As classes ou agrupamentos são definidos, nesse contexto,por listas de características –essências– compartilhadas. Eisas bases do ensino atual de Zoologia e Botânica.

Modelos evolutivosA questão da evolução das espécies confronta, dessa

maneira, antes com a visão fixista do idealismo platônicoque com a visão criacionista. Há modelos criacionistasevolucionistas viáveis, como a própria proposta de Lamarck(1809). De fato, no período entre o final do século XVIII eo início do século XIX, o aspecto do idealismo platônicoque confere estabilidade às espécies –o fixismo– parece tersido o conceito a superar. O contexto filosófico na discussão

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da origem da teoria evolutiva é largamente relegado noensino, o que dificulta a compreensão dos modelos propostose de seus significados. Parece claro que a exclusão dafilosofia como matéria na formação básica –em uma épocafortemente positivista e de redução de custos na educação–é responsável por inúmeras das deficiências no aprendizadode ciências e na formação de conceitos.

Ainda que com um modelo hoje considerável frágil,Lamarck tem o grande mérito de ter questionado o conceitofixista das espécies. A visão evolutiva de Lamarck, noentanto, não ataca a explicação criacionista para a origemdas espécies. Questionar o fixismo, mesmo com uma basecriacionista, certamente correspondia a questionar o conceitode tipos ideais e, ultimamente, por extensão, o conceito deideal ou de perfeição. É necessário compreender, portanto,que a ruptura do paradigma fixista das espécies posiciona-se além dos limites de uma discussão biológica, no domínioda filosofia. Isso ajuda a entender a dificuldade de superaros conceitos pré-evolutivos no ensino, incluindo tanto alunoscomo professores.

Darwin e Wallace propuseram um modeloexplicativo extremamente poderoso para o processo demodificação nas espécies. O modelo darwinista derruba ofixismo clássico com apoio em dois conceitos dificilmentequestionáveis: a existência de variabilidade herdávelsubjacente às espécies (mecanismo pouco compreendido àépoca, mas demonstrado por Darwin) e a sobrevivênciadiferencial dos indivíduos de populações. Uma vez que aspopulações não crescem geometricamente, as mortes a cadageração resultam em um mecanismo natural de seleção dascaracterísticas dos sobreviventes. A associação entre essesdois conceitos resulta que as espécies se alteramdirecionalmente ao longo do tempo.

O aspecto da seleção da variabilidade pré-existenteé o mais conhecido e discutido do paradigma darwinista.No entanto, o modelo contém um elemento adicionallargamente subestimado em estudos de história da Biologia.Fosse apenas pela abordagem selecionista, o modelo deDarwin se reduziria a mais uma visão criacionista-evolucionista. Mais que isso, no entanto, a proposta deWallace e Darwin adiciona o conceito de que as espéciestenham conexão histórica, material: a origem das espéciesatuais é explicada por um processo de divisão de espéciespré-existentes, as espécies ancestrais, gerando novasentidades. Isso derruba o segundo aspecto da visão idealista-essencialista, a ausência de conexão direta entre as espécies.Esse é um conceito efetivamente revolucionário. Sem ele, ateoria evolutiva de Darwin não teria sequer um traço de seuimpacto científico e social. Ainda assim, a importância desseconceito no contexto da teoria evolutiva passa desapercebidoem um sentido histórico, cognitivo, epistemológico emetodológico.

Uma das implicações mais importantes desse aspectodo modelo darwinista é que passou a ser possível representara história da diversidade, conectando as espécies atuais emdiferentes níveis em uma grande unidade. Os diagramasque representam essa história são chamados de filogenia.Uma filogenia é constituída por nada mais que espéciesancestrais, em diferentes níveis até chegar às espécies atuais.A hierarquia de parentesco entre as espécies é a explicaçãopara a hierarquia de semelhanças entre elas.

De fato, é relativamente surpreendente que a maioria

dos historiadores do evolucionismo tenha dado uma ênfasetão grande ao processo que explica a mudança e uma ênfasepequena no que é a contribuição mais original dodarwinismo, a percepção da existência de uma filogenia.Essa ênfase limitada talvez se justifique pelo fato de que afilogenia é um dos conceitos evolutivos mais abstratos. Amudança nas características das espécies é algorelativamente palpável, que se pode observar e medir. Masa conexão entre as espécies pertence ao tempo passado ejamais pode ser observada diretamente. Espécies ancestraisnão são um “processo”, que possa ser repetidoexperimentalmente, mas indivíduos históricos, umaentidade transtemporal. Certamente, um modelo em que asespécies se fragmentam é universal, mas as espéciesancestrais dos grupos existentes são “fatos” e não podemser observadas diretamente.

Considerando que o conceito de filogenia ocupa umaposição central no modelo de Darwin e de Wallace, seriamais razoável que o modelo darwinista tivesse sido chamadode filogenético-evolutivo, para diferir da visão lamarckista,apenas evolutiva. É bem conhecido que a idéia de que aRainha Vitória pudesse ter um ancestral símio causou certofuror no entorno social do darwinismo emergente. Ou seja,o conceito de filogenia –a idéia de que as espécies, inclusivea humana, se conectem no passado– parece ter sido umafonte de controvérsias mais grave na metade do século XIXdo que os aspectos não-fixistas do modelo.

As dificuldades na compreensão das implicações doconceito de uma filogenia podem ser vistas em outrosaspectos da história do evolucionismo. De um lado, Darwinpropôs que existe uma filogenia que interliga todas asespécies. A filogenia, portanto, é algo que se descobre. Noentanto, ele não propôs um método que permitisse descobrirou recuperar essa filogenia. Haeckel (e.g., 1886), com apoioem seu enorme conhecimento de Zoologia e Botânica,começou muito cedo a propor “árvores filogenéticas” paraos vários grupos de animais e plantas. Contudo, tampoucoHaeckel tratou de um método de inferência filogenética.Esse método precisou esperar quase cem anos para serlançado, com os trabalhos do entomólogo alemão WilliHennig (1950, 1965, 1966; veja Amorim, 2002).

Além da ausência de um método de reconstruçãofilogenética, Darwin, Wallace e boa parte dos evolucionistase neodarwinistas que lhes seguiram não viram a necessidadede rever o sistema classificatório proposto por Lineu. Darwinpercebeu a relação entre a hierarquia filogenética e ahierarquia sistemática (Hennig, 1966, p. 20), mas nãoavançou além disso para propor um novo sistema declassificação, o que veio apenas com Willi Hennig (1950).

Assim, a despeito da revolução a que o surgimentodo conceito de uma filogenia corresponde, a compreensãolimitada de suas implicações provavelmente minou aspossibilidades de estender rapidamente a outras áreas asmudanças que ele gera. A ausência de um métodofilogenético (e, por conseqüência, a ausência de umafilogenia reconstruída de forma rigorosa) e a ausência deuma conexão entre a filogenia reconstruída e a classificaçãoproposta fabricaram o convívio pacífico desses doisparadigmas antagônicos: o modelo filogenético-evolutivode Darwin e de Wallace e o sistema idealista-essencialistadas classificações tradicionais. O resultado colhe-seinclusive no ensino.

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Fim do conflito? AlternativasA compreensão deficiente do conceito de filogenia

tem implicações tanto na pesquisa quanto no ensino. Cadavez que um agrupamento que não corresponde a umaunidade histórica –tecnicamente, um grupo que não sejamonofilético– é equivocadamente tomado como tal, muitasdas inferências feitas com base nesse tipo de “grupo” sãoequivocadas. Não apenas as conclusões a que se chega sãoerrôneas, mas perde-se o poder preditivo que a filogeniacomo ferramenta gera (Amorim & Amorim, 1992).

Alguns docentes de diferentes níveis de ensino,incluindo universitário, dizem que ministram Zoologia “naseqüência evolutiva”, o que é muito insuficiente. Nas aulas,às vezes afirma-se que as relações de proximidade entre osfilos animais se devem à evolução, mas mesmo quando issoocorre não se explicita o conceito de filogenia ou seconsideram suas implicações. De fato, o ensino de Zoologiae Botânica continua constituído apenas pela apresentaçãode grupos taxonômicos e pelos conjuntos de característicasde cada grupo. Memorizar “na seqüência evolutiva” nãocorresponde a uma visão darwinista. Ainda que sobroupagem evolucionista, a praxis subjacente éexclusivamente essencialista.

As mesmas dificuldades do período inicial doparadigma evolucionista na pesquisa existem no ensino: afalta de percepção da importância dos conceitos deancestralidade e de filogenia, a ausência de um métodofilogenético, a ausência de filogenias reconstruídas de modopreciso e a falta de percepção das relações entre filogenia eclassificação. Com essas condições de entorno, éperfeitamente natural que o ensino de Zoologia (e o mesmose aplica à Botânica) se reduza à memorização decaracterísticas pouco claras de agrupamentos taxonômicoscom nomes em latim.

Não se deve levantar queixa contra os professoresque ensinam Zoologia e Botânica sob essa abordagemtradicional. De um lado, os paradigma permeiasessencialistas permeiam a formação que receberam, deconceitos, de conteúdo e de método de ensino. De outro,alguns professores têm tal habilidade didática que sãocapazes de tornar interessante para os alunos mesmo umamatéria em que convivem dois paradigmas incompatíveis.

É possível, no entanto, escapar desse conflito. Odesenvolvimento da Sistemática Filogenética (Hennig,1966) e de um conjunto de ferramentas conceituais geraramas bases para transpor a visão filogenética para o EnsinoBásico. Esse modelo foi desenvolvido e colocado em práticaem diferentes circunstâncias nos últimos anos, revelandouma capacidade de gerar motivação e compreensão deconceitos (Amorim et al., 1999; Amorim et al., 2002) .Essa opinião a respeito do método foi emitida tanto poralunos quanto por professores que o tem aplicado no EnsinoFundamental e no Ensino Médio.

No Anexo deste capítulo, está uma descrição dodesenvolvimento dessa aula, no caso estruturada para alunosde 6a Série. A aula pode ser dado no início do semestre paraque está programada Zoologia. A aula pode ser dada tambémem séries mais adiantadas, como na 2a Série do EnsinoMédio ou na Universidade, fazendo-se as adaptações deextensão de conteúdo. Aulas com esse perfil tem sido dadasno ensino universitário desde 1987. A partir de 1997,

começaram a ser aplicadas para a 6a Série e para o EnsinoMédio, dentro do Programa LEC-PEC de Ensino deCiências (Barbieri, 1999). Recomenda-se que o Anexo sejalido antes de seguir adiante.

Abaixo, são considerados alguns elementosconceituais que sustentam essa estrutura e algumasimplicações importantes em termos de aprendizado. Éinevitável considerar o modus faciendi dessa aula um ovode Colombo, mas é necessário atenção para a quantidadede pressupostos e elementos subjacentes que condicionamsua estrutura e seus resultados. Se não houver um grandecuidado na formação complementar de professores e noestabelecimento de novos programas, corre-se o risco deteorização desnecessária e domínio incompleto de conceitose práticas, de modo que sua aplicação em escala mais amplaapenas resultará apenas em mudança do conteúdo a sermemorizado sem compreensão e não uma modificação emdireção a uma formação de qualidade.

SimplicidadeA aula é intencionalmente simples em relação à

adição de conhecimento técnico novo e à dependência detecnologia. Isso permite seu uso em situações escolaresmesmo rudimentares. De fato, a dinâmica da aula baseia-se principalmente na indução da compreensão a partir doquestionamento dos próprios alunos e em uma visãoestrutural dos organismos.

É necessário deixar claro que, na abordagem aquiproposta, essa aula não pretende transmitir especificamenteconteúdos de evolução, de filogenia, de método filogenético,de sinapomorfias ou de grupos monofiléticos. A aula deveráapenas consolidar a percepção da existência de ordemsubjacente à diversidade para que, em um outro momento,esses conceitos possam parecer naturalmente. Essa ordemestá e sempre esteve sob nosso nariz e pode ser visualizadainclusive com o universo de conhecimento dominado porcrianças e adolescentes. A descoberta da ordem é umprocesso empírico (na aula, induzido), o que repete a históriada ciência, em que a percepção de que há ordem taxonômicana natureza biológica (além da ordem energética ouecológica) precedeu a explicação evolutiva e o conceito defilogenia. A compreensão da existência dessa ordem temvárias decorrências no ensino, criando para os alunos ascondições cognitivas necessárias para perceber ecompreender (1) a conectividade entre os planos deorganização dos grupos, que mais à frente pode levar aosconceitos de (2) evolução, (3) ancestralidade, (4) filogenia,(5) características derivadas compartilhadas(sinapomorfias), (6) homologia e (7) grupos com origemúnica (monofiléticos).

Ao menos na 6ª Série, não é necessário colocar essesconceitos em pauta, a não ser que os alunos perguntem.Isso significa que o modelo explicativo deveria surgir naaula como resposta a uma pergunta levantada –pelo alunona aula ou, mais adiante, colocado pelo próprio professoraos alunos: “Como é possível que os grupos sejam tãoparecidos em sua estrutura, apesar das diferenças externas?”.

Praticamente todo o conhecimento de Biologia (enão apenas de Zoologia e Botânica) ministrado no restantedos Ensinos Fundamental e Médio colaboram para reforçara percepção de ordem biológica e para responder a essapergunta sobre causalidade. O fato de, nesse primeiro

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momento, não serem apresentados em aula elementosteóricos adicionais –hipóteses, conceitos, modelos,explicações– permite uma sinalização mais clara sobre aordem existente.

Construção da aula com os alunosDesse ponto de vista, a aula é construída a partir do

conhecimento dos alunos. É necessário considerar as críticasao construtivismo (p.ex., Sucthing, 1992; Matthew, 1994),evitando que a discussão em sala se reduza à capacidade deassociação contida no senso comum. Os principais conceitosevolutivos a serem formados com a aula são exatamente osque faltam no senso comum. Feito esse óbice, vale observarque os alunos mesmo em áreas altamente urbanizadas detêmuma quantidade relevante de conhecimento descritivo deZoologia. Ainda que ignorado ou visto pelos professores naestrutura tradicional de ensino como se não fosse técnicoou legítimo, esse conhecimento é mais que suficiente parafazer uma discussão extensa sobre ordem dos grupos deanimais.

AncestralidadeO conceito de ancestralidade, como afirmado acima,

é a decorrência natural mais importante por trás da aula. Éuma decorrência, não uma premissa que os alunos devemter para que possam compreender a aula. Apesar de não sercolocado explicitamente aos alunos, o professor deve ter oconceito de ancestralidade em mente quando desenvolve oplano de aula, uma vez que a representação dos ancestraisaparece repetidamente. Eles são desenhados em cada níveldo diagrama –que corresponde à própria filogenia– e sãomodificados para gerar outros ancestrais.

Em termos de mudança de paradigma, como foicomentado acima, é a inserção do conceito de ancestralidadeque supera o essencialismo e o idealismo, embutidos naabordagem tradicional. Assim, se o desenho que correspondeaos ancestrais não estiver presente, os demais elementos desimplificação gráfica, homologia e ordenamento contidosna aula não teriam um efeito tão nítido e continuam sobuma óptica essencialista. A apresentação de grupo apósgrupo sem indicar a condição do ancestral mantém a noçãode que os filos seriam entidades estanques, e que ascaracterísticas compartilhadas não são homólogas em umsentido estritamente evolutivo.

Uma das fontes da força cognitiva da imagem doancestral advém de sua própria natureza evolutiva: ele nãodetém nenhum das características próprias de seusdescendentes; ou seja, ele é livre das “idiossincrasias” dosdescendentes (ou, tecnicamente, das autapomorfias). Alémdisso, os ancestrais em cada nível acumulam todas ascaracterísticas surgidas antes de sua origem. Assim, oancestral tem o poder de síntese, de conexão entre o passadoe o futuro em cada grupo. Ele é o elemento central deagregação dos grupos –ou seja, dos organismos e de suascaracterísticas. Como ocorre com o próprio modelofilogenético-evolutivo de Darwin e de Wallace, é aancestralidade que confere o sentido de unidade àdiversidade.

HomologiaÉ necessário dizer para uma criança que a cabeça de

uma ema é homóloga à cabeça de um tiranossauro, de uma

anta, de um peixe ou de um inseto? Evidentemente quenão. Ainda que a base teórica subjacente ao conceito dehomologia seja muito profunda, ele nasce empiricamente:homologia é a explicação mais simples ou parcimoniosapara uma enorme quantidade de observações empíricas. Oconceito de homologia surgiu antes da teoria evolutiva, tendoestado presente em Aristóteles, Lancaster e Owen. Dentrodo paradigma evolutivo, ele reaparece em Darwin e Haeckelcom um sentido evolutivo para as semelhançascompartilhadas. No caso da homologia, também vale arecomendação de dar aos alunos a explicação apenas depoisda pergunta. As cores iguais para os vários grupos chama aatenção dos alunos subliminarmente para as relações dehomologia. Levantar a difícil discussão conceitual dehomologia na 6ª Série não parece útil ou desejável.

Sinapomorfias ou características derivadascompartilhadas

Mesmo em ambientes acadêmicos na Biologia, oconceito de sinapomorfia ainda é ignorado ou poucocompreendido. Os alunos, no entanto, respondemnaturalmente à pergunta “O que é que os cnidários têm,que os coanoflagelados e poríferos não têm, e que o restantedos animais também têm?”. Ainda que tecnicamente essenão seja exatamente o método de inferência, as respostas aperguntas como essa são as sinapomorfias de um grupo.Novamente, compreender a pergunta e saber respondê-la apartir do próprio conhecimento dos grupos é maisimportante do que decorar listas de características ou aprópria definição de sinapomorfia. Questionados, os alunosfornecem “sinapomorfias” para virtualmente todos os níveis,da base ao alto do diagrama, sem maiores dificuldades.Certamente, é necessário um guia das características maisimportantes para ajudar o professor a conduzir essadiscussão. Há características que valem a pena não esquecere outras que são completamente dispensáveis, dependendodo nível de ensino.

Representações diagramáticasQuanto mais artísticos e elaborados forem os

desenhos na lousa, maior parece ser a quantidade de alunosque, não dispondo de habilidade técnica para desenho,deixam de copiá-los em seus cadernos e envolver-se na aula.A simplicidade do desenho aproxima o aluno do conteúdoda aula. Além disso, a representação diagramática retira dadiscussão tudo o que não é do interesse específico da aula.Incluir fotografias dos animais de cada filo (que sempre deespécies atuais) é útil ou indispensável em outro momento,mas dentro dessa aula faz com que se perca a visão estrutural–o bauplan– dos grupos.

De modo geral, as características de qualquer espécieatual acumularam-se durante dezenas ou centenas demilhões de anos, entre a origem do ancestral de um filo e aorigem dessa espécie particular (com inúmeras ancestraisintermediárias). Isso significa que uma espécie atual temum número grande de características que não existiam naancestral. Assim, a representação diagramática –ao invésde uma reprodução fiel–, na construção de um modelo decada filo, evita a confusão que resulta da inclusão decaracterísticas que não existiam na ancestral.

Finalmente, o excesso de informação faz com que seperca o foco. Em aulas particulares sobre cada filo, é possível

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acrescentar outras características ao plano-básico dos filos,como coloração externa, textura, tamanho absoluto, formade locomoção e detalhes de hábitat, alimentação, sistemarespiratório, sistema reprodutor etc. Portanto, nessa aula,nada do que não está sendo discutido é incluído nos desenhosdiagramáticos. Mantém-se, à medida que vão surgindo,apenas forma geral, tubo digestivo, sistema nervoso, sistemacirculatório e talvez pouco mais.

Conhecimento prévioA maior parte de todo o conteúdo dado em uma aula

como essa sobre os animais ou suas características é dodomínio de alunos da 6ª Série. De modo geral, os gruposacrescentados são apenas coanoflagelados, poliquetos elírios-do-mar (sem ênfase para a memorização dos nomes).Quase todas as características compartilhadas pelos filostambém estão presentes na espécie humana. Isso éextremamente importante, pois faz com que o conteúdo dasaulas de Zoologia seja auto-referenciado (uma diferença emrelação à Botânica). De modo geral, os alunos de cidadespequenas ou que moram mais próximos de áreas rurais têmmuito mais domínio do assunto que os alunos em condiçõesestritamente urbanas. Isso permite, adicionalmente aosganhos acadêmicos da aula, um processo de valorizaçãodos alunos por atributos pouco usuais, que não são os declasse social, oportunidade de acesso à informação,intelectualização etc. Na experiência acumulada até agoracom a prática dessa aula esse fato provoca uma mudançana dinâmica de atribuição de valor entre os alunos porexcelência no domínio de conteúdos. Isso está de acordocom preceitos e práticas amplamente utilizados napedagogia de Paulo Freire (Freire, 1959), em que se partedo conhecimento disponível pelos alunos para a construçãode novos conceitos. De fato, dificilmente conceitos abstratose novas formas de ver o mundo, a que os novos paradigmascorrespondem, conseguem implantar-se se não é feita umaponte com os referenciais disponíveis no universo cognitivodisponível.

LatimÉ comum a confusão entre domínio de conhecimento

em Zoologia e Botânica com conhecimento de nomes.Zoologia não é conhecimento de nomes em Latim ou denomes técnicos de morfologia. Zoologia é o conhecimentodescritivo dos animais –que os alunos têm em algumaextensão– e das deduções de ordem ecológica, funcional eevolutiva que possam ser feitas a partir desse conhecimento.

A maior parte do conhecimento estrutural dos gruposde animais nessa aula já é de domínio dos alunos na 6ª Série.Alguns poucos nomes novos precisam ser usados, como“coanócitos” ou “protonefrídeos”. Os nomes latinos dos filos,como Porifera, Cnidaria, Platyhelminthes etc., podem sercolocados, adicionados da observação de que eles não são oobjetivo da aula ou a parte mais importante e que amemorização vem aos poucos. No início, os coletivosesponjas, medusas e anêmonas e planárias são suficientes.Isso soluciona a ansiedade que a presença de novos nomespode causar.

Há uma questão adicional aqui. O uso de umaabordagem técnica e hermética é referido na teoria daeducação como uso de um mecanismo de poder por partede professores (veja, por exemplo, Foucault, 1995; Furlani,

1991). A isso está associado o conceito do que é ser umbom professor. Deter conhecimento –ao invés de deter osmeios de despertar a compreensão– é visto com algumafreqüência como indicador de qualidade do professor. Nocaso de Zoologia e Botânica, é possível que algumhermetismo da maioria dos professores seja devido à simplesconfusão entre o que é conhecimento zoológico de fato e oque é apenas nomenclatura técnica. A experiência com essemodelo de aula mostra uma grande motivação dos alunospela simples descoberta de que eles não são tão ignorantesassim, que a Zoologia não é tão difícil assim, que o objetivonão é ficar decorando nomes e que eles podem chegar àsprincipais conclusões a partir de seu conhecimento –responde às perguntas apropriadas. Com esse clima, oaprendizado de nomes dos grupos e de suas estruturas ocorrecomo pano de fundo.

Filogenia dos animaisA ordem particular utilizada na aula do Anexo –isto

é, a filogenia particular utilizada–não é casual. Ela é apoiadaem um estudo de vários anos de filogenia dos grandes gruposanimais (Christoffersen & Araújo-de-Almeida, 1994;Christoffersen et al., 1997; Christoffersen et al., 1998;Almeida & Christoffersen, 2001; Almeida et al., 2003) erepresenta uma, dentre várias hipóteses conflitantes naliteratura. Na opinião desses autores, essa é a filogenia maisprovável e mais econômica para a evolução dos animais, seconsiderada uma grande quantidade de informaçãofreqüentemente descartada nos estudos tradicionais. Issosignifica que, mesmo que não colocada em discussão,determinadas decisões por trás da cena modelam osresultados.

Essa filogenia diferencia-se da maior parte dasalternativas por colocar os deuterostômios entre ospoliquetos tubícolas, e os artrópodes, entre os poliquetoserrantes. No entanto, a simplificação devido à retirada damaior parte dos filos faz com que o impacto da topologiaparticular usada seja relativamente baixo. A compreensãonesse momento, restringe-se aos conceitos de ordem, dehomologia e de conectividade entre os diversos planoscorporais e não da filogenia particular apresentada entre osgrupos. Ainda assim, essa mesma estrutura de aula podeser dada a partir de qualquer filogenia, sendo apenasnecessário fazer surgir independentemente algumascaracterísticas. No caso de manutenção da monofilia dosProtostomia, como é proposto pela maior parte dos livrosatuais, o tubo digestivo completo, o peristaltismo, osprotonefrídeos, os metanefrídeos, os pacotes celomáticos, osistema circulatório, o coração, o pedúnculo, ametamerização, as larvas com formato trocoforóides, entreoutras características, precisariam surgir duas ou mais vezesna evolução dos animais.

Fragmentação do conhecimentoA fragmentação no ensino é alvo fácil de críticas

na teoria do ensino (veja Lück, 1994; Ball, 2000). Contudo,não é fácil encontrar alternativas que permitam conexõesmúltiplas entre as matérias. Romper a fragmentação emuma área de ensino demanda novos paradigmas de ensinona área. Isso implica mudanças de cultura escolar, de culturado professor e de estruturação didática e cognitiva dosconteúdos; mudanças mais amplas, para evitar essa

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fragmentação da educação, escapam a uma disciplinaespecífica. A própria fragmentação burocrática dasdisciplinas dificulta a comunicação entre professores e aintegração de conteúdos.

Na Biologia, parte dessa mudança está no uso defilogenias para correlacionar grupos diferentes,características diferentes, tempo e processos evolutivos. Masa disponibilidade dos conceitos é insuficiente, no sentidode que eles estão na literatura há décadas sem que tenhasido possível romper o ensino fragmentário. É necessáriomodos de articulá-los, o uso de uma linguagem adequada ede estratégias de formação de conceitos por parte dos alunos,ainda por ser desenvolvidos. A proposta feita aqui pretendeservir como elemento integrador, se os demais conteúdospuderem ser referenciados a essa aula.

Noções de saúde humanaA apresentação de conteúdos de biologia humana é

indispensável na formação escolar básica. Em várias séries,no entanto, os conceitos de saúde costumam preceder umacompreensão mais ampla dos problemas biológicosenvolvidos. Pelo menos para as séries mais adiantadas, épossível utilizar esse conceito de ordenamento dos grupos(ou a própria filogenia) na apresentação de outros grupos,como bactérias, vírus e organismos eucariotos unicelulares.Isso integraria a compreensão dos grupos, seus ciclos devida e suas características biológicas.

Muito da parte aplicada do conhecimento biológicoestá ligado a doenças humanas. A compreensão da naturezadas bactérias e dos vírus faz com que seja fácil compreendera biologia das doenças parasitárias e infecciosas e das açõesde prevenção. Animais e plantas também adoecem porviroses e infecções bacterianas! A eficiência de açõespúblicas de saúde está diretamente relacionada àcompreensão da biologia dos agentes patogênicos, dosorganismos afetados e, quando é o caso, dos agentestransmissores. É bem sabido que há uma enorme confusãoentre o mosquito transmissor da dengue e a virose que eletransmite. Para que campanhas educativas tenham sentidocognitivo, é necessário algum conhecimento biológicosubjacente. O mesmo se aplica a grupos de animais parasitas,como em Platyhelminthes, Nematoda ou Arthropoda. Acompreensão da origem da vida, das modificações debactérias autotróficas em vários tipos de bactériasheterotróficas, da origem dos vírus, da origem dosorganismos eucariotos e da condição multicelular em plantase animais torna compreensível a origem das doençasinfecciosas.

De outra parte, temas que portam grande tabu, comoa sexualidade, permitem uma abordagem indireta. Acompreensão de que a união entre gametas em qualquergrupo de animais (e outros eucariotos, como as plantas)resulta em reprodução permite apresentar a questão dareprodução humana apenas como um caso particular, sobuma óptica completamente diferente. O ponto de abordagemserá a indicação das diferenças nas condições em quegametas são liberados no homem e na mulher, nas condiçõesem que a união dos gametas pode ocorrer e no quanto o atode transmissão de gametas pode transferir tambémorganismos patogênicos. DST não são apenas problemashumanos. Da mesma forma, outros assuntos, comoalimentação adequada, o funcionamento de órgãos e as

mitocôndrias como bactérias intracelulares simbióticas,podem ser abordados dentro de uma perspectivacomparativa, a partir das relações de proximidade da espéciehumana com outros organismos.

Novos desenvolvimentosA aula apresentada no Apêndice inclui apenas a

exposição inicial da ordenação dos grupos de animais,indicando características compartilhadas em vários níveis.Um programa que usa esse sistema, no entanto, não se esgotaaqui. Como foi comentado acima, o mesmo sistema podeser aplicado a plantas e aos demais grupos de organismos –bactérias, fungos, víruos, protozoários etc. Além disso,mesmo ao longo do semestre em que se ministra Zoologiana 6a Série do Ensino Fundamental ou na 2a Série do EnsinoMédio, outras aulas podem ser referenciadas a essa. Aulaspráticas extremamente simples, por exemplo, podem terimplicações importantes. Não é necessário microscópio oulupa para comparar os segmentos do abdômen de umbesouro, dos segmentos do corpo de um camarão e de umaminhoca chamando a atenção para característicascompartilhadas. Conexões dessa aula com os demaisconteúdos de genética, ecologia, fisiologia, saúde etc. podemser feitas. Esse é um universo a ser explorado e depende dacriação de material específico.

Formação de ProfessoresNão é possível esperar que professores dos vários

níveis do ensino passem a uma prática diferente, seconcordarem com o que está colocado aqui, apenas pelaleitura deste texto. O material disponível na literatura emportuguês (Amorim et al., 1999; Amorim et al., 2002;Amorim, 2002) fornece alguma informação, mas tambémnão é suficiente. Ainda que as aulas sejam simplificadas,os professores precisam dominar conceitos e informaçõesque não estão na formação usual dos cursos de Licenciaturaem Ciências Biológicas. Como foi dito, Zoologia “naseqüência evolutiva” não é suficiente. Infelizmente, nadado material didático ou paradidático atualmente disponíveltem os elementos para ir além do essencialismo.

Em 1994 e 1997, foram realizados projetos deinterface entre pesquisadores da USP e professores da RedePública de Ensino, em um projeto do Laboratório de Ensinode Ciências, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letrasda USP de Ribeirão Preto. Em ambos os projetos foramdados a professores de 6a Série do Ensino Fundamental ede 2a Série do Ensino Médio embasamento teórico dessaárea. Especialmente no projeto de 1997, foi possívelencontrar um protocolo para um curso de formaçãocomplementar que habilitasse o professor a assumir essasaulas nas escolas. É necessário compreender o aspectofilogenético da evolução biológica, os conceitos efundamentos do método filogenético, em alguma extensãodas reconstruções filogenéticas entre os grupos de animais,além da discussão dos aspectos pedagógicos envolvidos.Várias palestras e cursos em congresso foram dados atéagora com essa abordagem, mas ainda será necessário umgrande esforço nesse sentido para modificar o paradigmapredominante no ensino dessa área.

ConclusõesA hipótese pedagógica envolvida neste projeto é

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que o ordenamento da diversidade biológica, presente naestrutura de aula proposta aqui, permitiria romper oparadigma idealista-essencialista vigente no ensinotradicional de Zoologia e de Botânica, conferindo as basespara o desenvolvimento de uma visão filogenética e evolutivasólida. Além disso, supõe-se que essa abordagem seria capazde mudar a motivação de alunos e professores da matéria.

Ainda que sem a realização de pré-testes e pós-teste, há indicação muito clara de resultados positivos coma aula. Aulas como essa foram dadas em escolas públicas eprivadas, em cidades pequenas e médias, em bairros declasses sociais diferentes, em classes de 6ª Série do EnsinoFundamental, 2o Série do Ensino Médio, cursospreparatórios gratuitos para o vestibular e, durante muitosanos, em disciplinas de Zoologia de cursos de CiênciasBiológicas. A realização de pós-testes no Ensino Básicoainda é necessária para confirmar a transposição dosconceitos da situação em sala de aula para o domínio efetivodos alunos (e, portanto, aplicáveis em outros contextos).No ensino superior, está bastante claro que não é necessárioconhecimento prévio aprofundado de Zoologia paracompreender a linha de argumentação embutida na aula eque há uma grande mudança de motivação e envolvimentodos alunos.

Ainda que se tenha feito referências a determinadosconceitos de teorias da educação, não é intenção deste textoavançar em uma análise mais extensa dos elementospedagógicos dentro do modelo de aula apresentado. Éevidente que elementos do construtivismo, do uso doraciocínio científico aplicado ao ensino de ciências, políticasde inclusão etc. fundamentam boa parte da estruturapedagógica subjacente, mas essa é uma questão técnica quedeve ser deixada a especialistas. De qualquer maneira, aomenos para os limites do conteúdo apresentado, ela temmostrado resultados muito promissores na mudança deparadigma assimilados pelos alunos nessa área.

Agradecimentos. É necessário agradecer aqui algumaspessoas que ajudaram a gerar as bases desse projeto e apreparação deste manuscrito. A Profa. Marisa RamosBarbieri durante anos foi uma fonte de reflexão sobre oensino de Ciência e boa parte de minha compreensão daárea devo às longas conversas com ela. Adolfo Calor leu ediscutiu comigo a estrutura e o desenvolvimento do texto.

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Anexo. Minuta de aula dada em 6as Séries do Ensino Fundamental de Escolas públicas e particulares de Ribeirão Preto eBarrinha, SP. Aulas para 2as Séries do Ensino Médio seguem a mesma estrutura, mas podem ser mais detalhadas nonúmero de grupos e nas características incluídas.

A aula tem duas fases distintas. A primeira delascorresponde a um levantamento do conhecimento deZoologia dos alunos em termos de espécies conhecidas. Asegunda corresponde à apresentação dos grupos, em umaordem determinada, chamando a atenção para o que une osgrupos e fazendo esquemas do que seria o plano-básico dosfilos e dos ancestrais em cada nível.

Fase 1 – O conhecimento das espéciesPergunta aos alunos: “Vocês conhecem muita Zoologia?”.

A resposta normalmente é que não. A réplica a elesé que eles realmente conhecem muita Zoologia, não sabemdisso e que será mostrado a eles ao longo da aula o quantoeles sabem.

Pergunta: “Que espécies de animais vocês conhecem?”.Costuma demorar um pouco para que eles entendam

exatamente o que está sendo perguntado, mas aos poucoseles começam a levantar nomes como gato, cachorro,papagaio, cavalo, leão etc. Os nomes são escritos na lousa.Quando eles se dão contam que são capazes de responder àpergunta e que suas respostas se aproveitam no contexto daaula, começa uma enorme participação, às vezesdemandando um trabalho mais de contenção quenecessidade de estímulo à participação. Às vezes, quinze avinte minutos são suficientes para levantar de cinqüenta acem nomes de espécies. Nas cidades longe das praias, énecessário pedir pelos grupos marinhos. E uma conduçãopara os animais de água doce ou para ambientes especiaisacaba por contemplar espécies de uma série de filos que àsvezes são deixados de lado. Isso enche uma lousa e permitea demonstração da afirmação inicial: que eles conhecembastante Zoologia. Dependendo de como for feita aprogramação do semestre, isso pode tomar toda uma aula.

Fase 2 – O conhecimento de como são as espéciesPergunta: “As espécies são muito diferentes entre si?”

A resposta quase sempre é que sim. A provocação édizer que será mostrado que as espécies são muitosemelhantes entre si. Começa, então, um processo deexposição de representantes dos vários grupos de animais

em uma ordem que corresponde a uma filogenia aceita. Oprimeiro grupo são os coanoflagelados, representados poruma espécie esférica (há espécies ramificadas). Depois, vêmos poríferos, cnidários, platielmintes, moluscos, anelídeos,artrópodes (trilobitos, aracnídeos, camarões, miriápodes einsetos), crinóideos, peixes, anfíbios, répteis, mamíferos,tiranossauro e aves.

A seqüência apresentada não é casual. De fato, elaprecisa refletir estritamente a ordem da filogenia aceita dosanimais. Além disso, são usados apenas desenhos muitodiagramáticos de cada espécie. Eles incluem apenas partedas características em discussão, mas especialmente formageral do corpo (nos vertebrados, ossatura), tubo ou cavidadedigestiva e, dependendo do andamento da aula, sistemanervoso e circulatório. Cores diferentes são usadas para osvários sistemas, com cores iguais para sistemas homólogos.São acrescentados, em alguns poucos casos, grupos que osalunos não conhecem. Para cada grupo, são dadascaracterísticas suficientes para uma visão estrutural. De fato,não é objetivo da aula uma compreensão detalhada damorfologia interna ou tampouco uma compreensão de todaa diversidade de formas dos grupos. Isso poderá ser tratadoem outras aulas específicas ao longo do semestre.

Nas Figuras 1 a 3, são mostrados diagramas dosvários grupos e como eles são sucessivamente acrescentados.Na base estão os coanoflagelados. Na aula, é necessárioacrescentar que: (1) eles têm apenas um tipo de célula, oscoanócitos; (2) eles têm uma forma esférica, como uma bolade futebol; (3) cada célula provoca uma pequena corrented’água com o batimento do flagelo; (4) cada célula é capazde capturar partículas ou microorganismos, digeridos dentroda célula; (5) eles são de vida livre. Ainda que, em algunsdos casos os alunos, não tenham o conceito de célulaconsolidado, isso não impede o andamento da aula.O comentário que se segue diz respeito à disponibilidadedesse tipo de alimento no fundo dos oceanos e à formaçãode uma cavidade na parte inferior do corpo, dando ao animalo formato de uma bola murcha. As células da parede dacavidade digestiva continuam sendo os coanócitos, mas aparede externa passa a ser de células achatadas com os cílios.A inversão da forma do corpo e o aparecimento de aberturas

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Figura 1. Esquem

a final das relações entre os grupos basais de animais, indicando o plano-básico dos vários filos e o plano-básico dos grupos que reúnem

os filosem

vários níveis da filogenia dos animais. N

a aula, esse quadro é construído com a adição um

a um dos grupos. A

partir da base de Metam

eria (o ancestralindicado no alto à direita da filogenia, o quadro continua-se nas figuras 2 e 3).

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Figura 2. Esquema final das relações entre os grupos principais de artrópodes, partindo de um ancestral semelhantea um poliqueto errante generalizado. Na aula, o quadro é construído com a adição um a um dos grupos.

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na parede, permitindo o fluxo de água, cria a condição básicade uma esponja.

Antes de dar cada passo, é sempre interessanteperguntar qual é o grupo mais simples, dos animais queainda permanecem na lista das espécies levantadas. Nem

sempre “simples” é compreendido em termos de estrutura(às vezes, as repostas são de animais “comuns”). Tudo issotraz um enorme debate na sala. Com alguma condução, elesrespondem que a forma mais simples a seguir são asmedusas.

Figura 3. Esquema final das relações entre vertebrados e equinodermos, partindo de um ancestral semelhante aum poliqueto errante generalizado. Na aula, o quadro é construído com a adição um a um dos grupos.

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De fato, a forma geral da Figura 3C é semelhante auma medusa rudimentar. Um novo desenho em quedesapareçam os coanócitos e apareçam tentáculos torna acondição anterior em uma medusa simplificada. Aqui chega-se a uma situação em que os alunos já tem um maior domíniode conteúdos e é possível extrair as informações desejadas.Por exemplo, pergunta-se o que as medusas comem. Queelas comam peixes não é uma resposta incomum. Noentanto, pode-se mostrar que, na alimentação das medusas,os peixes não são “colocados dentro das células da parede

nós!”, segue o bordão. O que permite que um conjunto demúsculos se contraia todos ao mesmo tempo ou relaxeconjuntamente? A conclusão é a existência de um sistemanervoso, como o nosso. Dependendo do caso, pode-sediscutir a questão da presença de gônadas.Antes de passar ao próximo grupo, pergunta-se: “O que asesponjas têm, que os demais animais também têm, mas queos coanoflagelados não têm?”. A resposta inclui ao menosdois tipos de células e uma cavidade onde ocorre a digestão.Essas informações podem ser colocadas em um traço queseguirá conectando todos os grupos, ao nível dos

da cavidade digestiva”, pedindo a eles que resolvam oproblema. Um pouco de discussão leva à conclusão que asmedusas soltam “ácido” ou “enzimas”. “Como nós!” é aexclamação a ser repetida em reação à maior parte dasconclusões apresentadas pelos alunos a partir de agora.Começa o aprendizado da Zoologia por um processoautoreferenciado.À pergunta sobre locomoção das medusas, eles costumamdizer que elas fazem um jato d’água. À pergunta sobre comoelas fazem esse jato, costuma haver um debate, às vezesintenso, até que se conclua que é por causa do uso demúsculos (o que não é uma conclusão imediata). “Como

metazoários. A pergunta seguinte é “O que as medusas têm,que os demais animais também têm, mas que oscoanoflagelados e as esponjas não têm?”. Os alunos levamalguns minutos para entender a lógica da pergunta e comorespondê-la, mas a partir da segunda pergunta como essapassam a ser muito rápidos na busca e obtenção de respostas.Nesse caso: perda dos coanócitos; digestão fora das células,na cavidade digestiva; células musculares (maisprecisamente, células epitélio-musculares); células nervosase gônadas. A partir de uma medusa, é possível produziruma anêmona simplesmente invertendo o corpo. Ascaracterísticas mais gerais de cada nível estão colocadasnas Figuras 4 a 11.Para passar para o nível dos animais bilaterais, é possívelutilizar um artifício gráfico, associado a uma imagem verbal:que a forma do corpo de uma planária correspondegenericamente ao “esticamento” do corpo de uma medusa.O corpo da planária reproduz com bastante fidelidade oplano de construção com uma cavidade digestiva (e não umtubo), dentro do contexto de um animal alongado, bilateral.A partir da condição genérica de uma planária, origina-seo ancestral dos celomados, com a adição de um sistemacirculatório. Desse ancestral, derivam-se, por um lado, osmoluscos, com a adição de uma concha, e dos animaismetamerizados, com adição de segmentação. Do ancestralsegmentado, surgem dois grandes ramos: de um deles

Figura 4. Algumas das características derivadas(sinapomorfias) mais relevantes para discussão na 6a

Série na base dos metazoários.

Figura 5. Algumas das características derivadas maisrelevantes na passagem da base dos metazoários para abase dos eumetazoários.

Figura 6. Algumas das características derivadas maisrelevantes na passagem da base dos eumetazoários paraa base dos animais bilaterais.

Figura 7. Algumas das características derivadas maisrelevantes na passagem da base dos animais bilateraispara a base dos celomados.

Figura 8. Algumas das características derivadas maisrelevantes na passagem da base dos celomados para abase dos animais metaméricos.

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derivam todos os artrópodes e do outro, os animaisdeuterostômios. Do ancestral segmentado, derivadiretamente um ancestral de artrópodes, semelhante a umtrilobito. A formação de tagmas forma os ancestrais dosaracnídeos, dos malacóstracos, dos miriápodes e doshexápodes. Por outro lado, do mesmo ancestral segmentado,deriva-se primeiro um poliqueto tubícola, de onde parte umancestral que resulta em um crinóideo e um ancestral detodos os vertebrados. O número de ramos diferentes deartrópodes ou de vertebrados que são derivados depende daextensão da aula.

Ao final, coloca-se novamente a discussão: osanimais são tão diferentes assim entre si? Essa perguntaagora é respondida pelos alunos com muito mais cautela doque da primeira vez. Nesse momento, é possível trabalharo conceito de unidade na diversidade. A diversidade existee não precisa ser negada. Mesmo assim, apesar dasdiferenças, os vários grupos de animais apresentam grandesemelhanças entre si, não apenas na forma geral, masespecialmente na constituição básica, com os mesmos órgãosarranjados de diferentes formas.

Figura 9. Algumas das características derivadas maisrelevantes na passagem da base dos metazoários para abase dos Porifera.

Figura 10. Algumas das características derivadas maisrelevantes na passagem da base dos eumetazoários paraa base dos Cnidaria.

Figura 11. Algumas das características derivadas maisrelevantes na passagem da base dos celomados para abase dos Mollusca.