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TEIA DO TEIA DO SABER SABER 2005 Fundação de Apoio às Ciências: Humanas, Exatas e Naturais Produção do Conceito de Natureza Prof. Dr. Marco A. de Almeida GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DIRETORIA DE ENSINO - REGIÃO DE RIBEIRÃO PRETO Av. Nove de Julho no. 378 - Ribeirão Preto METODOLOGIA DE ENSINO DE DISCIPLINAS DA ÁREA DE CIÊNCIAS DA NATUREZA, MATEMÁTICA E SUAS TECNOLOGIAS DO ENSINO MÉDIO: FÍSICA, QUÍMICA E BIOLOGIA Material Pedagógico para uso do professor E Venda Proibida Coordenação Geral Prof. Dr. Mauricio dos Santos Matos (16) 3602-3670 e-mail: [email protected] Acompanhe a programação pela internet: http://sites.ffclrp.usp.br/laife Curso II (Continuidade) Profa. Dra. Giulia Crippa

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TEIA DOTEIA DO SABERSABER2005

Fundação de Apoio às Ciências: Humanas, Exatas e Naturais

Produção do Conceitode Natureza

Prof. Dr. Marco A. de Almeida

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULOSECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO

DIRETORIA DE ENSINO - REGIÃO DE RIBEIRÃO PRETOAv. Nove de Julho no. 378 - Ribeirão Preto

METODOLOGIA DE ENSINO DE DISCIPLINAS DA ÁREA DE CIÊNCIAS DA NATUREZA, MATEMÁTICA E SUAS TECNOLOGIAS DO ENSINO

MÉDIO: FÍSICA, QUÍMICA E BIOLOGIA

Material Pedagógico para uso do professorEVenda Proibida Coordenação GeralProf. Dr. Mauricio dos Santos Matos(16) 3602-3670 e-mail: [email protected]

Acompanhe a programação pela internet: http://sites.ffclrp.usp.br/laife

Curso II (Continuidade)

Profa. Dra. Giulia Crippa

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TEIA DO SABER 2005 Metodologia de Ensino de Disciplinas da Área de Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias do Ensino Médio: Física, Química e Biologia (Tuma de Continuidade)

Produção do Conceito de Natureza

Prof. Dr. Marco Antônio de Almeida e Profa Dra Giulia Crippa

APRESENTAÇÃO DOS PROFESSORES RESPONSÁVEIS PELO MÓDULO DE ENSINO

Prof(a). : apresentação do professor.

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APRESENTAÇÃO DAS ATIVIDADES A SEREM DESENVOLVIDAS

Caros Professores:

Na primeira parte, discutiremos a evolução humana, propondo uma possível uma

síntese entre os pontos de vista das ciências biológicas e das ciências humanas.

Recuperaremos aspectos relacionados a velha discussão da natureza humana que envolve a

oposição Natureza X Sociedade. Ressaltaremos também a importância da Cultura no

processo de desenvolvimento das capacidades humanas, inclusive em seus aspectos

biológicos. Na segunda parte, procuraremos mostrar como a idéia de Natureza é construída

através da História, indicando a forma como ela é percebida e operacionalizada em

diferentes contextos sociais. Além disso, procuraremos mostrar como diversas formas de

conhecimento - a Filosofia, as Artes, as Ciências - estabeleceram trocas e diálogos nesse

processo de elaboração do conceito de Natureza.

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PRIMEIRA PARTE – Natureza, Cultura & Hominização

1a Parte: Natureza, Cultura & Hominização Prof. Marco Antônio de Almeida /DFM/FFCLRP/USP

E-mail: [email protected]

O problema da ligação entre o homem e os demais animais é um tema constante nas

discussões científicas. Dois pontos de vista em geral antagônicos monopolizaram essa

discussão durante décadas. O primeiro foi o das ciências biológicas, que tendem a ver uma

continuidade entre as diversas forma de vida, considerando a evolução como um fluxo

relativamente independente, ressaltando nosso parentesco com os demais seres vivos. O

segundo ponto de vista, o das ciências sociais, embora não negue a natureza animal do

homem, tende a considerá-lo como espécime único no seu gênero, diferindo em “grau” e

“qualidade” dos demais seres vivos. Ou seja, para os cientistas sociais

“O homem é um animal que consegue fabricar ferramentas, falar e criar símbolos. Só ele ri; só ele sabe que um dia morrerá; só ele tem aversão a copular com sua mãe ou sua irmã; só ele consegue imaginar outros mundos em que habitar, chamados religiões por Santayana, ou fabricar peças de barro mentais a que Cyril Connoly chamou arte. Considera-se que o homem possui não só inteligência, como também consciência; não só tem necessidades, como também valores, não só receios, como também consciência moral; não só passado, como também história. Só ele __ concluindo à maneira de grande sumário __ possui cultura.” (GEERTZ, 1980:22)

No campo das Ciências Sociais, a Antropologia Física tentou conciliar esses dois

pontos de vista, agregando a história cultural à história física do homem. O problema que

ela buscou inicialmente abordar foi o da origem da cultura. Vamos acompanhar a exposição

que Clifford Geertz faz acerca da maneira pela qual esse debate ocorreu.

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Na segunda metade do século XIX estabeleceu-se a teoria do “ponto crítico”. O

antropólogo Alfred Kroeber resume esse ponto de vista ao dizer que a conquista da

habilidade de adquirir cultura foi uma conquista repentina, uma espécie de salto quântico na

filogenia dos primatas. Ou seja, em algum momento, de uma geração para outra, ocorreu

uma alteração orgânica prodigiosa (mas provavelmente pequena em termos genéticos e/ou

anatômicos) que tornou esses indivíduos, diferentes de seus genitores, capazes de

comunicar, aprender, ensinar, generalizar. Uma transformação quantitativa marginal gerou,

portanto, uma mudança qualitativa radical: surgia assim a cultura. Kroeber utiliza como

exemplo o processo de congelamento da água: a temperatura vai se reduzindo de grau em

grau sem que o líquido perca sua fluidez, até que, subitamente, ao atingir 0o; ele se

solidifica.

Três considerações fundamentais serviram de apoio a essa tese:

1. Abismo entre as capacidades mentais do homem e de seus parentes mais próximos, os

grandes símios.

2. A linguagem, a simbolização, a abstração, não admitem meio-termo: ou existem ou não

existem. Não existiriam religiões parciais, meias-línguas ou meias-artes.

3. A idéia de uma unidade psíquica da humanidade: não existem diferenças importantes na

natureza do processo do pensamento entre as diferentes raças humanas atuais, o que

permite supor que as capacidades culturais do homem surgiram antes da diferenciação

racial, em um ancestral comum.

A “pedra no sapato” em relação a essa teoria foram, justamente, as evidências fósseis

colhidas pela Antropologia Física. Desde a descoberta em 1891, na ilha de Java, do

Pithecanthropus erectus, acumularam-se provas que tornam cada vez mais difícil traçar

uma linha definida entre o homem e o não-homem do ponto de vista anatômico. Apesar de

algumas tênues tentativas de estabelecer um turning point, um tamanho cerebral crítico, as

descobertas paleontológicas suavizaram cada vez mais a curva de ascendência do homem.

A descoberta do Austhralopitecus, em 1924, só colocou mais lenha nessa fogueira. Esse

espécime de ancestral do homem apresentava um grande contraste entre características

morfológicas primitivas e avançadas (formação da pélvis e da perna muito semelhante a do

homem moderno e capacidade craniana pouco maior que a dos símios atuais). Apesar do

cérebro diminuto, os austhralopitecus manifestavam alguns traços da cultura: eram capazes

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de fabricar ferramentas, de caçar animais pequenos e, muito provavelmente, já haviam

estabelecido um sistema de comunicação mais avançado que o dos grandes símios atuais __

embora menos avançado que um efetivo sistema lingüístico.

Na medida em que os austhralopitecus possuíam uma forma de cultura elementar (que

alguns antropólogos denominaram de “proto-cultura”), com um cérebro cujo tamanho era

apenas um terço do homem moderno, apresentavam para os defensores da teoria do “ponto

crítico” um questionamento fundamental. O que se podia inferir das evidências é que a

expansão do córtex cerebral humano seguiu, e não precedeu, o “início” da cultura. A teoria

do ponto crítico pressupunha um ser humano mais ou menos completo, pelo menos

neurologicamente, como condição sine qua non para o desenvolvimento da cultura. Ou

seja, a predisposição biológica para a aquisição de cultura era uma questão de “ou tudo ou

nada”:

“O fato de assim não ter acontecido, segundo se julga, do desenvolvimento cultural se verificar muito antes de terminar o desenvolvimento orgânico, tem uma importância fundamental para a nossa noção de natureza do homem. Ele converte-se, agora, já não só no produtor de cultura, mas também, num sentido biológico específico do termo, no seu produto.” (GEERTZ, 1980: 28,)

O que essas evidências fósseis apontaram, além de um recuo imenso na história da

evolução do homem, foram as pressões exercidas pela cultura sobre o padrão de seleção.

Por exemplo, a dependência de ferramentas confere maior importância à destreza manual e

à previsão, favorecendo os indivíduos que possuíssem essas características em maior grau.

A caça em bando demandava habilidades comunicativas, de previsão e de liderança. As

pressões desse tipo de seleção favoreceram o desenvolvimento do cérebro anterior. Deve-se

considerar, portanto, que uma grande parte de nossa estrutura física decorre de processos

culturais.

A Era Glacial desempenhou um papel importante nesse processo, marcando um

período em que o meio ambiente cultural se sobrepôs ao meio ambiente natural de uma

forma particularmente rápida, em função das condições adversas com as quais o homem

teve que se defrontar. Surgem aí características que são consideradas marcadamente

humanas: o tabu do incesto como base da estrutura social, a capacidade de criar e utilizar

símbolos, o desenvolvimento do sistema nervoso.

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“O fato destas diferentes características da humanidade terem surgido a um mesmo tempo, numa complexa interação e não sucessivamente, como se supôs durante muito tempo, é de excepcional importância para a interpretação da mentalidade humana, uma vez que sugere que o sistema nervoso do homem não só lhe permite adquirir cultura, como também é necessário que o faça para que possa funcionar. Em lugar de considerar a cultura apenas na sua função de suprir, desenvolver e aumentar capacidades com base orgânica, geneticamente anteriores a ela, dever-se-ia considerá-la como integrante das mesmas capacidades. (GEERTZ, 1980:31)”

Desse modo, alguns tópicos relacionados à teoria do “ponto crítico” sofreram uma

reconsideração. Em primeiro lugar, estabeleceu-se uma distância maior entre o homem e os

atuais grandes símios. Estes seriam troncos bastante diferenciados de um ancestral comum,

e que teriam passado por processos diferentes de seleção natural. Em segundo lugar, fez-se

uma necessária revisão de teorias concernentes ao desenvolvimento (gradual) da

comunicação e da linguagem, estabelecendo-se a distância entre ambas __ a distância entre

o sistema de comunicação que é dança das abelhas e a linguagem humana articulada, por

exemplo. O terceiro e talvez mais importante ponto seja a revisão da idéia de “raças”, já

que não há comprovação de diferenças significativas na capacidade mental entre elas. As

raças modernas seriam vistas apenas como adaptações tardias e secundárias, posteriores aos

processos formativos básicos, relacionadas, provavelmente, a diferenças climáticas quando

do processo de expansão do homem pelo globo. Desse modo,

“O fato patente das etapas finais da evolução biológica do homem terem tido lugar depois das etapas iniciais do crescimento da cultura implica, como já foi assinalado, que a natureza humana ‘básica’, ‘pura’ ou ‘não condicionada’, no sentido da constituição inata do homem, é tão incompleta do ponto de vista funcional que se torna impraticável. As ferramentas, a caça, a organização familiar, mais a arte, a religião e uma forma primitiva de ‘ciência’ moldaram o homem somaticamente, e são, portanto, não só necessárias para a sua sobrevivência, como também para a sua realização existencial. É certo que sem homens não existiriam manifestações culturais. Mas é igualmente certo que sem manifestações culturais não existiriam homens.” (GEERTZ, 1980:34)

Conclui-se do exposto que os padrões e as referências externas produzidas pela

cultura são necessidades fundamentais para que o homem consiga manifestar sua condição

humana. Sem esses guias “exteriores” ele não pode efetivar a sua humanidade. O exemplo

de crianças criadas longe do convívio humano é exemplar nesse sentido (vide box).

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BOX: INTERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO HUMANO

Em 1920, Rev. A. L. Singh confirmou um boato que circulava entre os aldeões da Índia rural: a

existência de crianças vivendo com lobos. Colocando uma torre de observação do lado de fora

de uma grande caverna em um formigueiro abandonado, ele e alguns aldeões observaram uma

mãe e seus filhotes, dois dos quais se pareciam com homens, mas não agiam como tal. O povo

local tinha medo de abrir o lugar onde esses “fantasmas” moravam, mas Rev. Singh finalmente

encontrou trabalhadores a fim de abrir o formigueiro. A mãe atacou os trabalhadores e foi

morta, mas uma vez dentro, os trabalhadores encontraram quatro pequenas criaturas __ dois

filhotes de lobo e duas garotinhas. Uma das crianças tinha cerca de oito anos de idade, a outra

cerca de dezoito meses. Elas eram como lobos na aparência e no comportamento. Tinham

calos duros nos joelhos e nas palmas da mão, pois andavam de quatro. Mexiam suas narinas

para cheirar comida, abaixavam seus rostos para comer e beber. Comiam carne crua e caçavam

animais selvagens. Quando trazidas de volta à civilização, Kamala e Amala evitavam outras

crianças e, de fato, preferiam a companhia do cachorro e do gato. Quando dormiam,

enrolavam-se juntas no chão.

Nunca se soube como essas crianças entraram na toca do lobo, mas o que é revelador é o bom

desempenho que tiveram como lobas. Casos como esse demonstram como nossas experiências

sociais influenciam o que nos tornamos. Nós não saímos do útero completamente “humanos”.

Devemos aprender o que ser, como nos comportar e como pensar. Se for criado por um lobo,

você se tornará mais próximo de um lobo, mesmo que sua fisiologia não seja muito adequada

para isso e, no fim, você morrerá por causa disso. Criado por pais humanos, você se torna

humano __ uma direção mais adequada ao seu comportamento biológico.

Nossa composição biológica não assegura nossa “humanização”. Casos de crianças isoladas

dos homens por ocasião do nascimento claramente documentam a necessidade de aprender

como se tornar humano. Lembremos o caso de “Anna do Sótão”, uma criança bastarda cujo

avô a manteve viva no sótão, mas a privou de todo o contato humano. Quando encontrada

por assistentes sociais, Anna não podia andar ou conversar e, porque ela não reagia aos gestos

humanos, inicialmente pensaram que ela fosse surda e muda. Antes que morresse quatro anos

depois, ela tinha conseguido fazer considerável progresso no aprendizado de como

movimentar-se e comunicar-se, mas estava claro que ela jamais seria normal. Outro caso de

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criança isolada, Isabelle, demonstra que, quando o isolamento não é tão completo, deficiências

podem rapidamente ser superadas através de treinamento intenso. Como Anna, Isabelle era

bastarda, e tinha sido isolada por sua mãe que era surda-muda. Ela não tinha aprendido a falar

de forma convencional, mas, ao contrário de Anna, tinha aprendido a se comunicar;

comunicava-se com sua mãe através de uma série de sons guturais, coaxados. Mais tarde, ela

conseguiu se tornar quase normal quando lhe deram treinamento especial.

TURNER, Jonathan H. Sociologia: conceitos e aplicações. São Paulo: Makron Books, 2000, p. 76.

Como bem resume Clifford Geertz,

“O conhecimento no homem, ao contrário do que acontece com os símios, depende da existência de modelos simbólicos da realidade, objetivos e externos. Emocionalmente, a situação é a mesma. Sem o guia das imagens exteriorizadas, dos sentimentos falados no ritual, os mitos e a arte, não saberíamos, de fato, como sentir. Tal como o cérebro anterior, as idéias e emoções são artefatos culturais do homem.” (GEERTZ, 1980:35)

Nossa capacidades humanas mais básicas, como discriminar sons, utilizar e reagir a

gestos, conversar e andar são aprendidas pelo convívio humano. Nosso aparato biológico,

nossa herança genética, possibilita essa aprendizagem, muitas vezes até a direciona, mas

não é uma garantia por si só de que ela ocorra. Nossa condição humana decorre da

interação com outros seres humanos, numa ampla diversidade de contextos sociais e

culturais.

Sugestão de atividade em sala de aula:

Discussão do filme A Guerra do Fogo. Dirigido por Jean-Jacques Annaud, retrata o

cotidiano da humanidade há 80.000 anos atrás. Mostra hominídeos em diferentes estágios

de desenvolvimento evolutivo e sociocultural, mostrando especialmente a relação que o

homem estabelece com o fogo. Baseado no que se conhece cientificamente acerca da

evolução humana, o filme contou com a colaboração do escritor e lingüista Anthony

Burgess, que desenvolveu uma “proto-linguagem” especialmente para o filme, e do biólogo

Desmond Morris, que desenvolveu a linguagem corporal e gestual dos personagens.

Os alunos poderiam ser estimulados a: a-) inventariar as diferenças físicas e

culturais entre as diversas tribos retratadas no filme, correlacionando-as entre si; b-) apontar

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os diversos artefatos culturais mostrados e a maneira pela qual os homens se relacionavam

por meio deles com a natureza; c-) comentar as trocas culturais que se estabelecem no

decorrer do filme.

Outro filme que poderia ser visto e comentado é Greystoke, a lenda de Tarzan. Esta

película traz subsídios para a discussão acerca das visões românticas sobre a relação entre

homem e natureza.

Sugestão de atividade extra-aula:

Leitura do livro Por que almocei meu pai, de Roy Lewis (Companha das Letras,

2000, 155 páginas). De forma romanceada e bem humorada, o autor conta a história de

Edward, homem-macaco criativo, inquieto, preocupado com o progresso da espécie e

obcecado com a idéia de acelerar a evolução e fazer com que sua horda dê passos decisivos

na direção de se tornar a primeira tribo de homo sapiens. Apesar do tom de sátira, quase

tudo o que ocorre tem sólidos fundamentos científicos e exatas reconstruções ambientais.

Referências Bibliográficas

GEERTZ, Clifford (1980). “Transição para a Humanidade”. In: VVAA, O papel da cultura

nas Ciências Sociais. Porto Alegre: Editorial Villa Martha.

MARCONI, Marina A. & PRESOTTO, Zélia Maria N. (2001) Antropologia: uma

introdução. São Paulo: Atlas.

TURNER, Jonathan H. (2000) Sociologia: conceitos e aplicações. São Paulo: Makron

Books.

V.V.A.A./Centro Royaumont para uma Ciência do Homem (1978) A unidade do homem:

invariantes biológicos e universais culturais. São Paulo: Cultrix: EDUSP.

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SEGUNDA PARTE –

Atividade para a aula Produção do Conceito de Natureza

Profa. Giulia Crippa, DFM/FFCLRP/USP

E-mail: [email protected]

A proposta dessa atividade a ser realizada em sala de aula implica em suas

adaptações ao nível da série em que for proposta.

A idéia é introduzir o conceito de Natureza como culturalmente e historicamente

construído através de classificações de ordem diferente ao longo das várias épocas. Se o

mundo natural se torna conhecido, o faz através da linguagem que classifica seus

elementos. A modernidade científica levou à construção de classificações fundamentadas

na observação, dissecação e comparação entre espécimes animais, vegetais, minerais,

eliminando, aos poucos, aqueles conhecimentos fundamentados em narrativas e relatos não

comprovados pela experiência, principalmente de natureza mítica e mágica.

A natureza sempre foi objeto de conhecimento sujeito às construções sociais em

relação à possibilidade de se tornar objeto de discurso, portanto objeto de conhecimento.

Todas as épocas conhecem a natureza, mas a perspectiva desse conhecimento encontra

finalidades diferentes conforme as épocas e culturas. O entendimento disso pode se realizar

através das imagens que ilustraram elementos do mundo natural, nas escolhas das formas e

dos sentidos que cada representação assume.

Em 1749 as tipografias parisienses aprontam rolos e matrizes para realizar o

empreendimento de imprimir os grandes e bonitos volumes da Encyclopedie, resultado de

um longo processo de elaboração da ciência e, ao mesmo tempo, abertura de uma nova

estação cultural, o Iluminismo.

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Diderot e D’ Alembert, filósofos autores da obra, corrigem os esboços dos primeiros

verbetes impressos, no mesmo clima que acompanha a impressão do primeiro dos quarenta

e quatro volumes da Histoire Naturelle, do conde de Buffon, diretor do Jardin des Plantes.

Para completar a edição da obra, quase meio século será necessário. Em termos

cronológicos, a publicação da História Natural acompanha as transformações da Europa

entre o Antigo Regime e o apogeu de Napoleão. Com base na impostação fundamental do

sistema de Lineu, Buffon realiza uma cuidadosa catalogação do mundo natural.

O sistema de Lineu denomina, de forma binária, com duas palavras, o nome do

gênero e um adjetivo específico que distingue a espécie entre todas as outras do mesmo

gênero - analogamente à identificação por nome e sobrenome – de plantas e animais

conhecidos. As formas se reúnem em grupos cada vez mais amplos e abrangentes: raça,

espécie, gênero, família, ordem, classe, tipo (phylum) e reino. O sistema de nomenclatura

binômica permite, na medida em que se conhece a estrutura dele, o acesso a uma

quantidade notável de informações. A identificação da espécie implica não somente sua

distinção entre as outras, mas também as afinidades com aquelas que pertencem ao mesmo

gênero. Cada nível mais restrito da classificação limita progressivamente as propriedades

que deve possuir aquele ser vivo específico, enquanto os mais amplos aumentam também

as propriedades e os organismos afins. Certamente, essa classificação sofreu muitas

mudanças, na medida em que o século XIX coloca o problema da evolução, já revelando

como a grande obra renovadora de Lineu e Buffon, entre outros, reflete, na verdade, a visão

mecanicista dos séculos XVII e XVIII: as espécies eram consideradas fixas, e para os

estudiosos e eruditos, animais e vegetais são iguais ao primeiro dia em que a mão de Deus

os colocou no mundo. A proposta de uma História Natural isenta do mito revela uma

natureza ainda alheia à transformação e, todavia, é a origem do que toma as formas da

ciência moderna. Graças aos cientistas e aos letrados do século XVIII, o conhecimento

humano adquire dimensões concretas e definidas em suas fronteiras.

Todavia, esse processo, realizado através do entendimento comum de que nomear

significa conhecer (como afirma Lineu: “O fundamento da botânica é duplo: a disposição e

a denominação”), se entrelaça com visões da Natureza que, pelo próprio fato de implicar

uma língua que se pretende universal, é, por sua essência, cultural, pois a linguagem é uma

construção cultural não neutra.

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A linguagem visual, por sua vez, possui características próprias, em termos de

forma, cor, textura, relação de afastamento ou proximidade com a observação direta.

Selecionamos, aqui, um pequeno repertório de imagens, tentando mostrar como, ao longo

do tempo, a cultura da Natureza se transforma.

Ao longo do século XVII assiste-se a uma dessas grandes transformações: quando a

wunderkammer, o Gabinete de Curiosidade que recolhia as “maravilhas” naturais e

artificiais do mundo se torna Museu. Na descrição científica anterior à Enciclopédia

rancesa, o mundo natural se carrega de significados simbólicos que não definem uma

classificação unívoca: todos os elementos que compõem o mundo remetem, por analogia, a

hierarquias abertas na fronteira entre o mundo físico e o metafísico. Observe-se, por

exemplo, a figura 1:

Aqui, nessa imagem que ilustra um tratado publicado em 1619, de Robert Fludd, aparece

com clareza a relação que se estabelece entre o microcosmos anatômico do homem e a

estrutura do macrocosmos, do universo, do qual o homem é parte e, ao mesmo tempo,

espelho. Sob essa ótica, é possível entender a relação entre conhecimento científico, ditado

pela lógica, e conhecimento analógico, ditado pela simpatia entre a parte e o todo: na

medida em que existem correspondências entre os elementos singulares, que remetem a

outros, justifica-se a influência dos astros, por exemplo, nas ações humanas. Se cada parte

do corpo é o reflexo de algum elemento natural, a ação sobre o elemento externo, análogo,

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provoca efeitos no âmbito do próprio corpo. É o princípio da magia, que se realiza por

“simpatia” ou antipatia entre os elementos.

Fenômeno dessa natureza pode ser identificado, com os alunos, com os efeitos da

homeopatia, prática que se coloca, na atualidade, em disputas sobre sua cientificidade, pois

se apóia em um esquema de “simpatia” analógica entre uma “memória” diluída (e quanto

mais diluída, mais poderosa será a poção homeopática) do princípio ativo e o estado físico e

mental da pessoa.

A prática das analogias se coloca na origem da anatomia comparada, como pode ser

observado na figura 2:

Aqui, nessa pagina impressa em 1670, obra de Charles Le Brun, observa-se a tentativa de

desvelar o mistério do homem através da analogia com outras espécies animais. Trata-se de

uma prática muito antiga, presente tanto na medicina de Galeno e Orígenes como na

filosofia moral. A anatomia comparada se desenvolve rapidamente no século XVII,

seguindo o modelo de uma comparação que, mesmo eliminando aos poucos as

correspondências espirituais, ainda busca as “regras silogísticas”: pretende, de fato,

descobrir os hábitos das pessoas através da semelhança que os homens possuem com os

animais. Basicamente, os tratos de semelhança com os animais que as pessoas tenham,

revelam as mesmas inclinações.

Transfere-se uma analogia de natureza “simpática”, portanto, mágica, em um plano

de observação do mundo natural. O autor dessa estampa, Le Brun, aproveitando as

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experiências de dissecação dos animais às quais participara na Academia das Ciências,

além de oferecer um retrato constituído por ilustrações científicas, fundamentadas na

observação de dados reais, elabora uma verdadeira teoria das paixões, que expõe em duas

conferências, oferecendo bases “científicas” e experimentais. Vale lembrar que, ainda no

século XX, alguns sistemas de classificações ligados à criminalidade, como Lombroso, ou

Krafft-Ebing, utilizam comparações dessa natureza.

O conhecimento da natureza, como dissemos, atrela-se, por muitos séculos mais ao

“maravilhoso” do que ao cotidiano: o inventário das maravilhas que podiam ser

colecionadas na antiguidade e na Idade Média desemboca na modernidade com

prepotência, quando se observa a busca de uma descrição científica dos seres que povoam a

realidade distante e desconhecida feita de criaturas cujo conhecimento é resguardado pela

tradição.

É o caso dos povos descritos nos livros da História Natural de Plínio, que habitam

as terras desconhecidas: os blêmios, os ciópodes e outros monstros são pontualmente

registrados e classificados por suas características ao mesmo tempo humanas e animais.

Os Blêmios, por exemplo, pertencem ao grupo de monstros sem cabeça, enquanto

os Ciópodes são, em uma descrição do século XV, “pessoas [...] que só têm um pé; e andam

tão depressa que é de maravilhar, e esse pé é tão grande que com ele fazem sombra em todo

o corpo contra o sol, quando se deitam de costas” (Mandeville).

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Um animal controvertido, em sua classificação, é o rinoceronte. Quando Marco

Pólo, no século XIV, se depara com essas criaturas, seu sistema classificatório entra em

crise; apesar de o rinoceronte ser conhecido desde a antiguidade, é interpretado pelo

viajante como unicórnio. O primeiro autor clássico que fala desse animal é Heródoto, e

Plínio, o Velho, assim se refere ao animal:

“[...] foi mostrado também um rinoceronte, com um único corno sobre o nariz [...]. Este

animal, que é o segundo inimigo do elefante, afia seu corno sobre uma pedra e se prepara

ao combate, e na luta procura, principalmente, golpear o ventre do elefante, pois sabe que é

particularmente macio. Possui o mesmo tamanho do elefante, as patas muito mais curtas, a

cor marrom acinzentada”. (N.H. X, 29).

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Todavia, quando Marco Polo encontra, em Java, essa criatura, o identifica com um ser

destinado a ser descartado pela ciência moderna:. Marco Polo distingue o corpo, as quatro

patas e o corno e, por analogia com outros animais conhecidos, utilizando a referência que

a cultura lhe colocava a disposição, o identifica com o unicórnio. Geralmente, este é

representado como um cavalo branco, com um longo corno pontiagudo e espiraliforme na

testa. Aparece também com barbicha de cabrito, rabo de leão e patas bovinas. Mas Marco

Polo se apressa em relatar que estes unicórnios são, na verdade, bastante atípicos, pois

possuem “pelos de búfalo e pés como leonfantes”, o corno é preto e feio, a língua Espinosa

e a cabeça é parecida com a de um javali.

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Sua figura mítica remonta à antiguidade, e é conhecida praticamente no mundo

inteiro. A certeza de sua existência prolongou-se até o século XIX, tornando essa criatura

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fantástica uma das criações humanas sobre a natureza mais duradoura. As primeiras

testemunhas da existência desse animal remontam ao historiador grego Ctesia, entre o V e

VI séc. a.C., que relata, em seus escritos sobre a Índia da existência, nesse país, de um

animal selvagem, parecido com um cavalo, com um corno na testa e dotado de

propriedades terapêuticas extraordinárias. Tratava-se, provavelmente, do rinoceronte

indiano, mas logo esse relato cria raízes no imaginário coletivo, tornando-se emblema de

pureza e castidade na mitologia cristã, que torna suas feições visíveis nos bestiários,

catálogos medievais de uma história natural alegórica e espiritualizada que combina,

analogicamente, a morfologia aos elementos metafísicos, as propriedades terapêuticas para

o corpo às características de virtudes ou pecados dos animais.

O poder do unicórnio reside, para a medicina, no corno, que permite descobrir e

neutralizar venenos. É descrito como um animal bravo e rebelde, impossível de ser

capturado, a não ser com um estratagema. Conforme a tradição, de fato, somente uma

donzela pode se aproximar dele. Os caçadores, então, deixam sozinha a donzela em uma

clareira, deixando o animal, amansado, se aproximar e deitar no seu colo, adormecendo,

permitindo assim sua captura. Nesse estratagema, a “história natural” medieval enxerga

uma alusão à Paixão de Cristo, que se encarna no ventre da Virgem e se submete,

voluntariamente, a seus inimigos. A bem ver, Marco Polo relata, também, que não é

verdade que se deixa capturar por uma donzela, mas sim, o contrário.

Se o caso do unicórnio é de um animal “fantástico”, cuja existência é, todavia

testemunhada pela presença de seus cornos em inúmeras coleções de maravilhas medievais,

de interesse é também a relação que se estabelece com criaturas que povoam realmente o

mundo natural. Se observe, por exemplo, o caso do leão.

Na antiguidade, o leão era emblema de força e coragem, mas com a cristandade

torna-se um animal ambíguo: os bestiários realçam suas qualidades, que correspondem a

outras tantas simbologias.

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Em primeiro lugar, observa-se que o leão apaga, com seu rabo, suas próprias

marcas, assim como Cristo, com sua vinda humana, “apagou” seus vestígios divinos.

Quando a fera dorme, seus olhos permanecem abertos: Cristo também dormia na

cruz e no sepulcro, mas sua natureza divina vigiava. Acreditava-se, enfim, que os filhotes

viessem ao mundo mortos, e assim permanecessem ao longo de três dias, quando o pai,

assoprando em seus rostos, dava-lhes a vida, fenômeno, obviamente, interpretado como

símbolo da Ressurreição de Cristo. Ao mesmo tempo, o leão é emblema do demônio, com

base na primeira epístola de São Pedro, em que se lê: “Vosso inimigo, o demônio, como

leão que ruge anda procurando quem devorar”. Ainda, o leão acompanha alguns santos,

amansado por eles. Representa a virtude da Fortaleza, mas também o vício da Ira, compõe a

alegoria da África e do mês de Julho.

Tentamos fazer um percurso sobre a história da história natural do leão: hoje se

classifica como Pantera Leo, felino de pelo avermelhado, que vive em grupos nas savanas

africanas. É um carnívoro de grandes dimensões de corpo ágil e vigoroso, com patas

dotadas de garras, dentadura muito desenvolvida, cuja fêmea diferencia-se do macho pela

ausência de um manto mais rico em volta da cabeça e dos ombros. A simples designação de

Pantera Leo é suficiente para que o animal seja colocado em um intero sistema. Mas o leão

já teve outras “descrições”, como podemos ver pelos trechos (reduzidos) retirados da

História Natural de Plínio, que assim descreve os leões:

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“Há duas espécies de leões: um menor, pequeno, com o manto encaracolado. Este é menos

corajoso daqueles de tamanho maior, com pelo liso, que não se preocupam quando são

feridos. Os machos urinam como os cachorros, levantando a pata. Emitem um cheiro

revoltante, e o bafo não é melhor. Bebem e comem raramente, em dias alternados; quando

estão satisfeitos, se abstém da comida por três dias (nota nossa: Plínio não é cristão,

todavia a referência ao número três é absorvida pelo mundo cristão). Aquilo que

conseguem comer, devoram-no inteiro, e se o ventre não consegue reter tudo que

ingurgitam por avidez, enfiam as garras na garganta e retiram o excesso. [...] Entre as feras,

somente o leão é clemente com os súplices; poupa quem se prostra na sua frente e, quando

enfurece, ataca preferencialmente os homens do que as mulheres, e as crianças somente

quando estiver muito faminto. Na Líbia, acredita-se que entenda o sentido das orações. Eu

mesmo ouvi uma escrava [...] afirmar que em um bosque ela repeliu um ataque de muitos

leões, graças a um discurso que ousou fazer, afirmando que uma mulher, fugitiva,

enfraquecida, súplice em relação ao animal mais poderoso de todos, e que sobre todos

dominava, era uma presa indigna de sua glória. [...]. Indicador do estado de ânimo do leão é

o rabo [...]. Portanto, o rabo não se agita quando ele está tranqüilo; mexe-se um pouco

quando está feliz, coisa que é rara. Com maior freqüência o leão está com raiva, e nesse

estado o rabo bate com violência no chão e, conforme a ira cresce, o leão bate suas costas,

como para se incitar. Grande é a força que possui. De cada ferida [...] jorra um sangue

preto. Quando alimentados, esses animais são inofensivos. Sua generosidade aparece com

evidência especialmente nos perigos [...]”.

Trata-se de uma pequena amostra de natureza como observada pela antiguidade.

Ainda, no sistema cristão medieval, que utiliza Plínio como referência enciclopédica, se

atribui ao leão o significado de:

Cristo/Ressureição/Demônio/Fortaleza/Orgulho/Ira/Cólera/Coragem/Magnanimidade/Gene

rosidade/Castigo/Força/Obséquio/Razão/Espanto/Virilidade/Vingança (quando ferido),

além de ser o emblema do verão, da África, de julho e da cidade de Veneza.

Todos esses fatores constituíram, até receber uma designação e um lugar em um

sistema classificatório, o conhecimento necessário sobre o Leão.

A representação da natureza, todavia, em seu aspecto iconográfico, antecipa a

observação científica do mundo natural: de fato, desde o século XV, os pintores se

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encarregam da descrição dos objetos naturais, definindo classificações morfológicas

anteriores à construção lingüística dos sistemas de Lineu ou Buffon.

A observação dos dados reais de vegetais, animais, minerais deve ser colocada

ainda nessa lógica descritiva por analogias: o requinte figurativo, a atenção ao dado da

realidade do objeto não mais “imaginado”, mas encontrado e “anatomizado” no desenho e

na pintura compõem, até o século XVIII, um discurso voltado para a apreensão de ensinos

morais e metafísicos, mesmo quando remete à implantação da experiência científica. A

pesquisa se orienta lentamente para um interesse de tipo classificatório, é movida

principalmente pela curiosidade do que é maravilhoso, que se compõe de naturalia, objetos

encontrados, e artificialia, feitos pelos homens. Observe-se, por exemplo, a alegoria da

Europa:

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Jan Van Kessel (1629-1679), autor dessa alegoria, é pintor de gabinetes de curiosidades.

Entre suas ilustrações, encontra-se uma série de quatro representações dos continentes, em

forma alegórica, permitindo uma comparação inter-cultural, quase etnográfica. As cenas se

compõem de quatro painéis centrais, emoldurados por vistas que testemunham a cultura e a

natureza de cada espaço através de coleções de animas, insetos, plantas, flores e frutos. A

Europa é representada através de Castel Sant’Angelo, pois é o centro ideal da fé cristã,

reforçada pela presença de uma bula papal de Alexandre VIII de 1665. No primeiro plano

está a personificação da Europa, ladeada por um querubim e carregando uma cornucópia,

símbolo de abundância. Estão presentes, na frente, objetos que representam a herança dos

vícios: uma garrafa, um tabuleiro de gamão, um baralho de cartas. Ainda, há uma paleta de

pintor, uma raquete, um copo com limão, moedas. O que nos interessa enfocar aqui são as

telas que aparecem com flores, animais e insetos, mais próximas das concepções botânicas

e zoológicas empíricas, como podem ser encontradas nos trabalhos de Malpighi ou

Swammerdam: nesse sentido, ainda não estamos totalmente livres das concepções mágicas,

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como se percebe pelo quadro semi-coberto onde aparecem três criaturas com formas de

mandrágora. Um particular interessante é o homem com barba, talvez o próprio artista que

apresenta uma tela com a assinatura feita através de reproduções de vários tipos de vermes

e minhocas.

Nos gabinetes há, então, quadros, cuja função é a de substituir e representar a

realidade neles reproduzida. As Naturezas Mortas com flores oferecem, nesse sentido, uma

visão concreta das variedades, mas encerram em si os vestígios da concepção mágica em

que as imagens substituem a realidade.

O século XVIII se revela, então a fronteira mais evidente entre o pensamento

analógico, mágico, que realiza o conhecimento do mundo, de suas qualidades e habitantes,

sobre uma máquina científica, na base de uma acumulação de dados que a tradição

preserva em uma cadeia de fenômenos que sempre levam a outros, em busca de uma

explicação, e a lógica da ciência que, através de uma grade classificatória, desbasta e define

o conhecimento que se torna “essencial” do mundo natural.

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Podemos observar, nessa pintura de Joseph Wright de Derby, realizada entre 1764 e

1766, uma aula de ciência. Objeto da representação é uma máquina, inventada pelo conde

de Orrery, que mostra as órbitas dos planetas em volta do sol, compreendendo as

microórbitas das luas em volta dos planetas e os anéis de Saturno. Resultam ocultados o sol

e os mecanismos de alavancas que permitem operar a máquina. O filósofo, vestido com um

casaco vermelho, se sobressai em tamanho sobre as outras figuras, ocupadas em observar e

ouvir as explicações. A presença de uma mulher e duas crianças nos coloca em um

ambiente informal, não universitário. No fundo, aparecem livros, colocando a ação em uma

biblioteca.

Em 1632, Rembrandt colocou, no centro de sua Lição de Anatomia, um corpo

humano, uma imagem destinada a lembrar a fragilidade e caducidade da vida, ainda que em

um contexto de descoberta científica. 130 anos depois, o lugar central da tela é uma

máquina capaz não de desvelar o universo, mas de reproduzir suas leis mecânicas, enquanto

os espectadores observam fascinados os movimentos entre os feixes metálicos. O quadro

de Wright mostra, a esquerda, uma figura masculina, elegante, ocupada em fazer anotações

em uma folha, e foi identificado, graças a um outro retrato, com Pedro Perez, explorador e

cartógrafo, membro, com Wright, da Sociedade Lunar, assim chamada porque seus

membros se encontravam uma vez por mês, na segunda feira em que a lua fosse cheia, uma

escolha talvez mais poética que propriamente científica. A Sociedade era financiada por

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homens de posse interessados nas ciências, tanto engajados na pesquisa, como

simplesmente interessados nas últimas descobertas. A distinção entre os dois grupos não é

ainda definida.

Uma coisa é certa: a demanda de uma educação nas Ciências Naturais é grande,

nesse século, em que as descobertas ainda se chocam com as necessidades religiosas. As

invenções e descobertas tornam-se objeto de aplicação na nascente industria, como no caso

da máquina a vapor inventada por James Watt, outro membro da Sociedade lunar, em 1765.

Testemunha da importância crescente das máquinas é a própria enciclopédia

francesa que ilustra amplamente os inventos e suas aplicações.

O filósofo que leciona no quadro é (ou se inspira) em James Ferguson, astrônomo e

construtor de máquinas planetárias em Londres, do qual se sabe ter feito uma demonstração

em Derby em 1762. Era através de divulgadores como ele e os membros da Sociedade

Lunar, que os novos conhecimentos mecanicistas do universo encontraram um público

atento. De acordo com Ferguson, o objetivo das demonstrações era de explicar, com a ajuda

de expedientes mecânicos, aquelas leis através das quais Deus organizava e regulava os

movimentos dos astros.

Não se trata, aqui de um retrato, mas de uma “alegoria” do filósofo, que poderia

muito bem ser chamado também de Isaac Newton, filósofo que, em termos de influência,

ocupou um espaço enorme no pensamento científico do século XVIII, assim como essa

figura ocupa um volume muito amplo na tela. Consideramos, hoje, o peso das leis da

gravidade de Sir Newton: princípios básicos do mundo natural, pertencem a um espaço

mais histórico do que científico, pois novas teorias revelaram as falhas e contradições da

natureza vista como conjunto de leis mecânicas implacáveis.

A matemática parecia a solução de todos os problemas, mas a transformação do

universo em máquina que podia ser calculada representou um problema em termos do papel

de Deus no seu funcionamento. O mundo como relógio, o cosmos como máquina ou

autômato, essas noções remetem a uma imagem da Natureza de tipo científico, e, ainda

assim, culturalmente construída: uma máquina como esta, presente na pintura, não

representa somente a fascinação do progresso, mas um verdadeiro desafio teológico. As

duas crianças representadas na tela se destacam pela aparência interessada, ativa, revelando,

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nesse sentido, um outro aspecto das mudanças culturais do século XVIII, o surgimento da

concepção de infância como algo novo.

A literatura da época confirma esse aspecto; por exemplo, o filósofo John Locke

(1632-1704), convida os educadores a prestar uma atenção especial nos interesses

peculiares das crianças, e de não limitar o ensino a uma série de noções decoradas. Ao lado

dele, coloca-se também a obra de Jean-Jacques Rosseau. Estamos, aqui, perante o retrato da

educação ideal: as crianças aprendem não forçosamente, mas seguindo sua natural

inclinação ao jogo. A presença da mulher, que observa também a demonstração, revela a

participação do gênero na vida intelectual do tempo. Lembramos na França, exemplos

como a marquesa de Chatelet, amigada com Voltaire, cuja tradução de Newton para o

francês acompanhou os físicos até o começo do século XX. Foram produzidas obras de

divulgação especialmente dirigidas a um público feminino, como as Conversações

astronômicas entre um senhor e uma senhora, de John Harris, publicado em 1719, e

Ciência newtoniana para senhoras, de Francesco Algarotti (por volta de 1740). Todavia, o

conhecimento científico das mulheres era fortemente criticado, como mostarm as palavras

de Samuel Johnson: “O conhecimento de uma mulher é como aquele de um cachorrinho

que senta nas patas traseiras, levantando as dianteiras. Não é bem feito, mas o

surpreendente é que seja realizado”.

A luz não é simplesmente um artifício técnico, nessa pintura, mas sim, novamente,

um reflexo da cultura do tempo, em que ela é o símbolo da razão e do conhecimento. Como

escreveu o poeta Alexander Pope: “ A Natureza e as leis da Natureza estão escondidas na

noite. Deus disse: que seja Newton, e tudo tornou-se luz”.

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A pintura de Wright que segue, Experiência com um pássaro em uma bomba a

vácuo, de 1768, reforça esta nova visão da natureza.

As narrativas visuais revelam, constantemente, a construção da Natureza como

resultado de perspectivas culturais. Através do jogo iconográfico, pode-se articular a

construção científica dos sistemas classificatórios, a validade da noção moderna de ciência,

a leitura mecanicista do universo. A proposta estabelece uma aproximação com os alunos:

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na medida em que as categorias conceituais se articulam em uma linguagem acessível. De

fato, remete a um repertório visual que se articula entre a ciência e sua representação, e,

principalmente, entre o conhecimento sobre o mundo natural e suas representações.

BIBLIOGRAFIAS

ROSSI, Paolo. O nascimento da ciência moderna na Europa. Bauru; Edusc, 2001.

KAPPLER, Claude. Monstros, demônios e encantamentos no fim da Idade Média. São

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BLOM, Philipp. Ter e manter – uma história íntima de colecionadores e coleções. Rio de

Janeiro; Rocco, 2003.

FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas. Rio de Janeiro, Graal, 1990.