19 - psiquiatria forense

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PSIQUIATRIA FORENSE

469© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

Psiquiatria ForenseAntonio Matos Fontana

A pesquisa científica não tem confirmado a associação en-tre doença mental e violência na intensidade noticiada pelosveículos de comunicação (Gattaz, 1999). Em geral, o maiorrisco para a expressão de violência ocorre quando se combi-nam abuso de álcool e/ou drogas e transtorno de personalidadeanti-social. Indivíduos psicóticos ou não-psicóticos, quandoalcoolizados e/ou drogados, podem tornar-se altamente des-trutivos.

A maior parte dos homens é sadia e vive de maneira paca-ta e não perigosa para os seus semelhantes. O mesmo ocorreem relação aos loucos: a maioria não exibe periculosidade.Porém, assim como há homens aparentemente sadios de altapericulosidade social, como, por exemplo, os de espírito be-licoso, também existem loucos extremamente perigosos (Pa-lomba, 1997).

A psiquiatria colabora com a justiça na busca da soluçãode três questões médicas fundamentais relativas à:

• responsabilidade criminal;

• capacidade civil;

• capacidade de trabalho, quando a pessoa é vítima deacidente no exercício da sua atividade profissional (Tei-xeira Lima, 1981).

Uma personalidade íntegra e sã constitui o pressuposto bá-sico do que se considera responsabilidade criminal e capaci-dade civil. A noção de responsabilidade criminal adquire-sedesde os primórdios da vida por meio do exemplo (na relaçãode objeto), da educação, dos princípios éticos e da instrução. Acapacidade civil é algo que se desenvolve mais tarde com aevolução intelectual, por meio do raciocínio e das experiênciasem relação ao meio sociocultural. Portanto, o exercício da ca-pacidade civil é algo que depende de uma série de fatores, taiscomo sexo, idade e estado psíquico (Paim, 1991).

Responsabilidade e imputabilidade são termos equivalen-tes na terminologia jurídica. Imputabilidade é a qualidade doque é imputável; uma pessoa imputável é alguém suscetívelde se imputar; imputar é atribuir a responsabilidade de erroou crime, atribuir culpa. A responsabilidade liga-se basica-mente à vida social. O indivíduo que viola as normas da soci-edade expõe-se às conseqüências do seu comportamentoanti-social, ficando sujeito às medidas ou sanções que a au-

toridade competente está obrigada a aplicar. A psiquiatria fo-rense ocupa-se da mutualidade entre a doença mental e o Di-reito (Portela Nunes Filho, Bueno, Nardi, 1996).

PSIQUIATRIA CRIMINAL

A questão da responsabilidade criminal é abordada noartigo 26 do Código Penal Brasileiro (Delmanto, 1998).

Artigo 26. É isento de pena o agente que, por doença men-tal ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era,ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz deentender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acor-do com esse entendimento.

Parágrafo único: A pena pode ser reduzida de um a doisterços, se o agente, em virtude de perturbação da saúde men-tal ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado,não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito dofato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Portanto, o diagnóstico de doença mental, de perturbaçãoda saúde mental ou de desenvolvimento mental incompletoou retardado não é o bastante. Ao médico psiquiatra, cabeverificar, após o exame do agente, qual era a sua capacidadede entendimento ou a sua capacidade volitiva ao tempo daação ou omissão. É o que se chama de critério biopsicológi-co, ou seja, o diagnóstico da doença é complementado pelonexo existente entre ela e a ação delituosa.

O termo doença mental, contido no artigo 26, deve serentendido como transtorno mental grave do tipo psicóticoem termos psiquiátricos (descritivos). A expressão perturba-ção da saúde mental, presente no parágrafo único do artigo26, diz respeito aos desvios quantitativos da normalidade doponto de vista afetivo ou volitivo (personalidades, desenvol-vimentos ou reações anormais).

No que respeita à incapacidade de entendimento, é algoque só se observa nos casos extremamente graves, sendo,portanto, muito raro. Geralmente, o que se detecta é uma fa-lha na volição, ou seja, uma incapacidade de determinaçãodo agente.

Diz-se que há imputabilidade quando a pessoa é capaz deentender que o fato é ilícito e age de acordo com esse enten-

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ANTONIO MATOS FONTANA

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dimento. Logo, a imputabilidade é um pressuposto da culpa-bilidade.

Emoção e paixão não excluem a imputabilidade penal.Com relação à embriaguez, depende de cada caso em parti-cular.

Artigo 28. Não excluem a imputabilidade penal:

I — a emoção ou a paixão;

II — a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ousubstância de efeitos análogos.

Parágrafo 1o. É isento de pena o agente que, por embria-guez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior,era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz deentender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acor-do com esse entendimento.

Parágrafo 2o. A pena pode ser reduzida de um a dois ter-ços, se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortui-to ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou daomissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito dofato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Não há culpabilidade na ausência de capacidade psíquicade compreender que a ação é ilícita. Nesse caso, diz-se que oagente é inimputável (não-imputável). Quando a capacidadeé parcial, o agente é considerado semi-imputável (semi-res-ponsável). Ao perito psiquiátrico, compete esclarecer se oindivíduo é ou não mentalmente desenvolvido e mentalmen-te são, sendo da competência exclusiva do juiz sentenciar sobrea capacidade e a imputabilidade. Ou seja, o perito psiquiátri-co fornece à justiça elementos elucidativos que farão parte dadecisão judiciária.

Uma outra questão importante é a que diz respeito à peri-culosidade do agente.

A periculosidade que embasa as medidas de segurança éa probabilidade de o sujeito vir ou tornar a praticar crimes.Ela é prevista pelo Código Penal Brasileiro em dois casos:

1. periculosidade presumida por lei: quando o sujeito forinimputável (artigo 26);

2. periculosidade reconhecida pelo juiz: quando o sujeitofor semi-imputável (artigo 26, parágrafo único), mas pre-cisar de tratamento médico-psiquiátrico especializado.

Quando um agente é perigoso, o juiz aplica-lhe determi-nada medida de segurança, que pode ser detentiva ou não-detentiva.

Artigo 96. As medidas de segurança são:

I — internação em hospital de custódia e tratamento psi-quiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado;

II — sujeição a tratamento ambulatorial.

Parágrafo único. Extinta a punibilidade, não se impõe me-dida de segurança nem subsiste a quem tenha sido imposta.

Portanto, a internação é uma medida de segurança detentivaque consiste na internação em hospital de custódia e tratamentopsiquiátrico (anteriormente chamado manicômio judiciário) ou,à falta dele, em outro estabelecimento adequado.

A sujeição ao tratamento ambulatorial é uma medida desegurança não-detentiva, também chamada restritiva.

Assim como as penas, as medidas de segurança são tam-bém sanções penais. Porém, enquanto as penas baseiam-sena culpabilidade, as medidas de segurança são apenas pre-

ventivas e fundamentam-se na periculosidade do sujeito. Alémdisso, as medidas de segurança são indeterminadas no tem-po, sendo somente suspensas com o cessar da periculosidadee não se aplicam aos agentes plenamente imputáveis, masapenas aos sujeitos inimputáveis ou semi-imputáveis (semi-responsáveis).

A imposição da medida de segurança para inimputável éregida pelo artigo 97 do Código Penal.

Artigo 97. Se o agente for inimputável, o juiz determinarásua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto comocrime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo atratamento ambulatorial.

Parágrafo 1o. A internação, ou tratamento ambulatorial,será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não foraveriguada, mediante perícia médica, a cessação de periculo-sidade. O prazo mínimo deverá ser de um a três anos.

Parágrafo 2o. A perícia médica realizar-se-á ao termo doprazo mínimo fixado e deverá ser repetida de ano em ano, oua qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução.

Parágrafo 3o. A desinternação, ou a liberação, será sem-pre condicional, devendo ser restabelecida a situação anteri-or se o agente, antes do decurso de um ano, pratica fatoindicativo de persistência de sua periculosidade.

Parágrafo 4o. Em qualquer fase do tratamento ambulato-rial, poderá o juiz determinar a internação do agente, se essaprovidência for necessária para fins curativos.

Lei Antitóxicos

A Lei no 6.368, de 21 de outubro de 1976 (lei antitóxi-cos), dispõe sobre as medidas de prevenção e repressão aotráfico ilícito bem como uso indevido de substâncias entor-pecentes ou que determinem dependência física ou psíquica.Em termos gerais, pune tanto o traficante quanto o portador,preconizando o tratamento do usuário.

Artigo 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produ-zir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, forne-cer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazerconsigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qual-quer forma, a consumo substância entorpecente ou que deter-mine dependência física ou psíquica, sem autorização ou emdesacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena — reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e paga-mento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

Parágrafo 1o. Nas mesmas penas incorre quem, indevi-damente:

I — importa ou exporta, remete, produz, fabrica, adquire,vende, expõe à venda ou oferece, fornece ainda que gratuita-mente, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guardamatéria-prima destinada à preparação de substância entorpe-cente ou que determine dependência física ou psíquica;

II — semeia, cultiva ou faz a colheita de plantas destina-das à preparação de entorpecente ou de substância que deter-mine dependência física ou psíquica.

Parágrafo 2o. Nas mesmas penas incorre, ainda, quem:

I — induz, instiga ou auxilia alguém a usar entorpecenteou substância que determine dependência física ou psíquica;

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II — utiliza local de que tem a propriedade, posse, admi-nistração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem delese utilize, ainda que gratuitamente, para uso indevido ou trá-fico ilícito de entorpecente ou de substância que determinedependência física ou psíquica;

III — contribui de qualquer forma para incentivar ou di-fundir o uso indevido ou tráfico ilícito de substância entorpe-cente ou que determine dependência física ou psíquica.

Artigo 16. Adquirir, guardar ou trazer consigo, para usopróprio, substância entorpecente ou que determine dependên-cia física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo comdeterminação legal ou regulamentar:

Pena — detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, epagamento, de 20 (vinte) a 50 (cinqüenta) dias-multa.

Logo, o artigo 12 pune o traficante e o 16, o usuário. Poroutro lado, a jurisprudência vem entendendo que a simplescessão de entorpecente ou droga afim entre usuários não con-figura o delito do artigo 12, inserindo-se na descrição do arti-go 16 (Jesus, 1999).

O artigo 19 da lei antitóxicos segue, em essência, o artigo26 do Código Penal. Aliás, o Código de Processo Penal dis-ciplina toda a matéria processual da Lei no 6.368/76, excetono que esta dispõe de modo diverso (Jesus, 1999).

Artigo 19. É isento de pena o agente que, em razão dadependência, ou sob o efeito de substância entorpecente ouque determine dependência física ou psíquica proveniente decaso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou omis-são, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, intei-ramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou dedeterminar-se de acordo com esse entendimento.

Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de 1/3 (um ter-ço) a 2/3 (dois terços) se, por qualquer das circunstâncias pre-vistas neste artigo, o agente não possuía, ao tempo da ação ouda omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito dofato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

PSIQUIATRIA CIVIL

De acordo com o Código Civil1 dos Estados Unidos doBrasil, em seu artigo 1o, toda pessoa é capaz de direitos edeveres na ordem civil. Além disso, em seu artigo 2o, a pers-nalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida;mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nas-cituro.

A. Ao médico psiquiatra, compete verificar, quando solici-tado, se determinado indivíduo é incapaz para os atosda vida civil.

“Toda pessoa tem capacidade de direito, isto é, a capaci-dade de adquirir direitos e de contrair obrigações. Por exem-plo, menor com cinco anos de idade pode ser proprietário deimóvel, ser titular de direito de pensão alimentícia, contrairempréstimo, etc.” (Nery Junior & Nery, 2003, p.145). Quan-to à capacidade de exercício, ou seja, a capacidade para pra-ticar de modo válido os atos da vida civil, os maiores de 18anos. Quanto aos menores, relativamente incapazes, só po-dem praticar atos, assistidos ou representados.

Artigo 3o. São absolutamente incapazes de exercer pesso-almente os atos da vida civil:

I — os menores de dezesseis anos;

II — os que, por enfermidade ou deficiência mental, nãotiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;

III — os que, mesmo por causa transitória, não puderemexprimir sua vontade.

Artigo 4o. São incapazes, relativamente a certos atos, ou àmaneira de os exercer:

I — os maiores de dezesseis anos e menores de vinte e umanos;

II — os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que,por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;

III — os excepcionais, sem desenvolvimento mental com-pleto;

IV — os pródigos2.

Parágrafo único. A capacidade dos índios será reguladapor legislação especial.

Artigo 5o. A menoridade cessa aos dezoito anos comple-tos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atosda vida civil.

Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapaci-dade:

I — pela concessão dos pais, ou de um deles na falta deoutro, mediante instrumento público, independentemente dehomologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tu-tor, se o menor tiver dezesseis anos completos;

II — pelo casamento;

III — pelo exercício de emprego público efetivo;

IV — pela colação de grau em curso de ensino superior;

V — pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela exis-tência de relação de emprego, desde que, em função deles, omenor com dezesseis anos completos tenha economia própria.

De modo geral, os incapazes não têm condições de reger asua pessoa nem de administrar os seus bens, sendo, por isso,representados pelos pais, tutores ou curadores em todos osatos jurídicos.

Artigo 1.767. Estão sujeitos a curatela3:

I — aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental,não tiverem o necessário discernimento para os atos da vidacivil;

II — aqueles que, por outra causa duradoura, não pude-rem exprimir a sua vontade;

1O novo Código Civil Brasileiro foi instituído pela lei 10.406, de 10 de

janeiro de 2002.

2Indivíduos que gastam de forma imoderada, podendo chegar a

comprometer o patrimônio, como decorrência de transtorno mental.3Curatela ou curadoria: cargo, poder ou função de curador (pessoa

que tem, por incumbência legal ou judicial, a função de zelar pelos

bens e pelos interesses dos que por si não o possam fazer e que por

tal motivo tornam-se interditos). “A interdição é medida de proteção

ao incapaz, que se insere no direito de Família, onde pode ser

assegurada, com mais eficácia, a proteção do deficiente físico ou

mental, criando mecanismos que coíbam o risco de violência à sua

pessoa ou perda de seus bens” (Nery Junior & Nery, 2003, p. 771).

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III — os deficientes mentais, os ébrios habituais e os vici-ados em tóxicos;

IV — os excepcionais sem completo desenvolvimentomental;

V — os pródigos.

Artigo 1.768. A interdição deve ser promovida:

I — pelos pais ou tutores;

II — pelo cônjuge, ou por qualquer parente;

III — pelo Ministério Público.

Artigo 1.769. O Ministério Público só promoverá interdi-ção:

I — em caso de doença mental grave;

II — se não existir ou não promover a interdição algumadas pessoas designadas nos incisos I e II do artigo antecedente;

III — se, existindo, forem incapazes as pessoas mencio-nadas no inciso antecedente.

Artigo 1.775. O cônjuge ou companheiro, não separadojudicialmente ou de fato, é, de direito, curador do outro, quan-do interdito.

Parágrafo 1o. Na falta do cônjuge ou companheiro, é cu-rador legítimo o pai ou a mãe; na falta destes, o descendenteque se demonstrar mais apto.

Parágrafo 2o. Entre os descendentes, os mais próximosprecedem aos mais remotos.

Parágrafo 3o. Na falta das pessoas mencionadas neste ar-tigo, compete aos juiz a escolha do curador.

B. Procedendo ao exame do indivíduo, o médico psiquia-tra deve estar atento em relação aos atos jurídicos con-siderados nulos ou anuláveis.

De acordo com o artigo 166, é nulo o negócio jurídicoquando, conforme o inciso I, celebrado por pessoa absoluta-mente incapaz. Além dos casos expressamente declarados nalei, é anulável o negócio jurídico (artigo 171), por incapa-cidade relativa do agente (inciso I).

Com relação ao casamento, não podem casar as pessoaspor qualquer motivo coatas4 e as incapazes de consentir oumanifestar, de modo inequívoco, o consentimento. Se o atojá ocorreu, o casamento pode ser anulável.

Segundo o artigo 1.548, é nulo o casamento contraído: peloenfermo mental sem o necessário discernimento para os atosda vida civil (inciso I) ou por infringência de impedimento(inciso II). Além disso, é anulável o casamento (artigo 1550):de quem não completou a idade mínima para casar (inciso I);do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu re-presentante legal (inciso II); por vício da vontade, nos termosdos artigos 1.556 a 1.558; do incapaz de consentir ou manifes-tar, de modo inequívoco, o consentimento (inciso IV).

Artigo 1.551. Não se anulará, por motivo de idade, o ca-samento de que resultou gravidez.

O casamento é também anulável se houve por parte deum dos nubentes, ao consentir, erro essencial quanto à pes-soa do outro.

Artigo 1.556. O casamento pode ser anulado por vício davontade, se houve por parte de um dos nubentes, ao consen-tir, erro essencial quanto à pessoa do outro.

Artigo 1.557. Considera-se erro essencial sobre a pessoado outro cônjuge:

I — o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boafama, sendo esse erro tal que o seu conhecimento ulteriortorne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado;

II — a ignorância de crime, anterior ao casamento, que,por sua natureza, torne insuportável a vida conjugal;

III — a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físi-co irremediável, ou de moléstia grave e transmissível, pelocontágio ou herança, capaz de pôr em risco a saúde do outrocônjuge ou de sua descendência;

IV — a ignorância, anterior ao casamento, de doença men-tal grave que, por sua natureza, torne insuportável a vida emcomum ao cônjuge enganado.

Artigo 1.558. É anulável o casamento em virtude de coa-ção, quando o consentimento de um ou de ambos os cônjugeshouver sido captado mediante fundado temor de mal consi-derável e iminente para a vida, a saúde e a honra, sua ou deseus familiares.

C. O médico psiquiatra pode ser solicitado a opinar acer-ca de capacidade de um indivíduo de fazer testamentoou, mesmo, quando o ato já foi consumado.

Artigo 1.860. Além dos incapazes, não podem testar osque, no ato de fazê-lo, não tiverem pleno discernimento.

Parágrafo único. Podem testar os maiores de dezesseisanos.

Detectada a incapacidade, o testamento não deve ser fei-to e, no caso de já ter sido realizado, poderá ser anulado, emespecial quando o testador ainda estiver vivo. Entretanto, aten-te para o artigo 1.861.

Artigo 1.861. A incapacidade superveniente do testadornão invalida o testamento, nem o testamento do incapaz sevalida com a superveniência da capacidade.

Acidente de Trabalho

Em algumas oportunidades, cabe ao médico psiquiatradizer se realmente houve acidente de trabalho e precisar anatureza do transtorno mental e/ou do(s) comportamento(s)resultante(s). Simultaneamente, deve verificar se, decorrentedesse transtorno, houve perda ou redução, permanente ou tem-porária, da capacidade laborativa.

Esta matéria é regulada atualmente pela Lei no 8.213 de24/07/1991 (Lex, 1991)5 e pelo Decreto no 3.048 de 06/05/1999 (Lex, 1999)6.

Com relação à Lei no 8.213 (24/07/1991), são de interessedo médico psiquiatra os artigos 19, 20 e 21.

Artigo 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exer-cício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício dotrabalho dos segurados referidos no inciso VII do artigo 11desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcio-nal que cause a morte ou a perda ou redução, permanente outemporária, da capacidade para o trabalho.

4Coatos: coagidos, que sofreram coação.

5Coletânea de Legislação e Jurisprudência. Legislação federal e

Marginália. Organizada segundo o plano de autoria do Dr. Pedro

Vicente Bobbio, São Paulo, Lex Editora, 1991.6Idem, 1999.

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§ 1o A empresa é responsável pela adoção e uso das medi-das coletivas e individuais de proteção e segurança da saúdedo trabalhador.

§ 2o Constitui contravenção penal, punível com multa,deixar a empresa de cumprir as normas de segurança e higie-ne do trabalho.

§ 3o É dever da empresa prestar informações pormenori-zadas sobre os riscos da operação a executar e do produto amanipular.

§ 4o O Ministério do Trabalho e da Previdência Socialfiscalizará e os sindicatos e entidades representativas de clas-se acompanharão o fiel cumprimento do disposto nos pará-grafos anteriores, conforme dispuser o Regulamento.

Artigo 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos ter-mos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:

I — doença profissional, assim entendida a produzida oudesencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determi-nada atividade e constante da respectiva relação elaboradapelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;

II — doença do trabalho, assim entendida a adquirida oudesencadeada em função de condições especiais em que otrabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, cons-tante da relação mencionada no inciso I.

§ 1o Não são consideradas como doença do trabalho:

a) a doença degenerativa;

b) a inerente a grupo etário;

c) a que não produza incapacidade laborativa;

d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante deregião em que ela se desenvolva, salvo comprovação deque é resultante de exposição ou contato direto determi-nado pela natureza do trabalho.

§ 2o Em caso excepcional, constatando-se que a doençanão incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigoresultou das condições especiais em que o trabalho é execu-tado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Socialdeve considerá-la acidente do trabalho.

Artigo 21. Equiparam-se também ao acidente do traba-lho, para efeitos desta Lei:

I — o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenhasido a causa única, haja contribuído diretamente para a mortedo segurado, para redução ou perda da sua capacidade para otrabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para asua recuperação;

II — o acidente sofrido pelo segurado no local e no horá-rio do trabalho, em conseqüência de:

a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado porterceiro ou companheiro de trabalho;

b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por mo-tivo de disputa relacionada ao trabalho;

c) ato de imprudência, de negligência ou de imperícia deterceiro ou de companheiro de trabalho;

d) ato de pessoa privada do uso da razão;

e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos for-tuitos ou decorrentes de força maior;

III — a doença proveniente de contaminação acidental doempregado no exercício de sua atividade;

IV — o acidente sofrido pelo segurado, ainda que fora dolocal e horário de trabalho:

a) na execução de ordem ou na realização de serviço sob aautoridade da empresa;

b) na prestação espontânea de qualquer serviço à empresapara lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito;

c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudoquando financiada por esta dentro de seus planos paramelhor capacitação da mão-de-obra, independentemen-te do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo depropriedade do segurado;

d) no percurso da residência para o local de trabalho oudeste para aquela, qualquer que seja o meio de locomo-ção, inclusive veículo de propriedade do segurado.

§ 1o Nos períodos destinados a refeição ou descanso, oupor ocasião da satisfação de outras necessidades fisiológicas,no local do trabalho ou durante este, o empregado é conside-rado no exercício do trabalho.

§ 2o Não é considerado agravação ou complicação de aci-dente do trabalho a lesão que, resultante de acidente de outraorigem, se associe ou se superponha às conseqüências do an-terior.

Os transtornos mentais e do comportamento relacionadoscom o trabalho (grupo V da CID-10) encontram-se na Tabela19.1. Complementando, a Tabela 19.2 exibe o regulamento dePrevidência Social, anexo II, relativo aos agentes patogênicoscausadores de doenças profissionais ou do trabalho (QuadrosIII, VIII, XIII, XV, XVI, XVII e XIX, referidos na Tabela 19.1).

A PERÍCIA PSIQUIÁTRICA. LAUDO E PARECERPSIQUIÁTRICOS

O perito psiquiátrico deve conhecer os preceitos legaisatinentes à sua tarefa, manter-se atualizado em relação aopensamento jurídico, assim como possuir clareza quanto aoslimites das suas atribuições, de modo a não invadir o campode competência da justiça.

Um laudo psiquiátrico forense é uma observação psiqui-átrica na qual os dados objetivos (= anamnese objetiva) sãoobtidos usualmente pela leitura dos autos do processo. As-sim, antes de mais nada, num laudo psiquiátrico para finspenais, por exemplo, o perito psiquiátrico deve analisar cui-dadosamente a denúncia e a história criminal constantes dosautos do processo criminal.

O parecer psiquiátrico é um documento menos complexoque o laudo. É solicitado pela autoridade competente para es-clarecer os processos criminais em fase policial, para instruiros processos administrativos e colaborar com a justiça civil emcasos de desquite ou interdição (Paim, 1991). Do parecer psi-quiátrico, devem constar a identificação do indivíduo, umaobservação psiquiátrica sumária, internações em hospitais psi-quiátricos, diagnóstico(s) e três conclusões sobre:

1) o diagnóstico psiquiátrico;

2) a situação psiquiátrica atual;

3) as condições do examinando quanto a reger a sua pessoae administrar seus bens.

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Tabela 19.1

Transtornos Mentais e do Comportamento Relacionados com o Trabalho (Grupo V da CID-10)

Doenças Agentes Etiológicos ou Fatores de Risco de Natureza Ocupacional

I — Demência em outras doenças específicas 1. Manganês (X49.-; Z57.5) (Quadro XV)

classificadas em outros locais (F02.8) 2. Substâncias asfixiantes: CO, H2S, etc. (seqüela) (X47.-; Z57.5) (Quadro XVII)

3. Sulfeto de carbono (X49.-; Z57.5) (Quadro XIX)

II — Delirium não sobreposto a demência como 1. Brometo de metila (X46.-; Z57.4 e Z57.5) (Quadro XIII)

descrita (F05.0) 2. Sulfeto de carbono (X49.-; Z57.5) (Quadro XIX)

III — Outros transtornos mentais decorrentes de lesão 1. Tolueno e outros solventes aromáticos neurotóxicos (X46.-; Z57.5) (Quadro III)

e disfunção cerebrais e de doença física (F06.-): 2. Chumbo ou seus compostos tóxicos (X49.-; Z57.5) (Quadro VIII)

Transtorno Depressivo Orgânico (F06.32); 3. Tricloroetileno, tetracloroetileno, tricloroetano e outros solventes orgânicos

transtorno afetivo misto orgânico(F06.33); halogenados neurotóxicos (X46.-; Z57.5) (Quadro XIII)

transtorno cognitivo leve (F06.7) 4. Brometo de metila (X46.-;Z57.4 e Z57.5) (Quadro XIII)

5. Manganês e seus compostos tóxicos (X49.-; Z57.5) (Quadro XV)

6. Mercúrio e seus compostos tóxicos (X49.-; Z57.4 e Z57.5) (Quadro XVI)

7. Sulfeto de carbono (X49.-; Z57.5) (Quadro XIX)

8. Outros solventes orgânicos neurotóxicos (X46.-; X49.-; Z57.5)

IV — Transtornos de personalidade e de 1. Tolueno e outros solventes aromáticos neurotóxicos (X46.-; Z57.5) (Quadro III)

comportamento decorrentes de doença, lesão 2. Tricloroetileno, tetracloroetileno, tricloroetano e outros solventes orgânicos

e de disfunção da personalidade (F07.-): halogenados neurotóxicos (X46.-; Z57.5) (Quadro XIII)

Transtorno Orgânico do Personalidade (F07.0); 3. Brometo de metila (X46.-; Z57.4 e Z57.5) (Quadro XIII)

Outros Transtornos de Personalidade e de 4. Manganês e seus compostos tóxicos (X49.-; Z57.5) (Quadro XV)

comportamento decorrentes de doença, lesão 5. Mercúrio e seus compostos tóxicos (X49.-; Z57.4 e Z57.5) (Quadro XVI)

ou disfunção cerebral (F07.8) 6. Sulfeto de carbono (X49.-; Z57.5) (Quadro XIX)

7. Outros solventes orgânicos neurotóxicos (X46.-; X49.-; Z57.5)

V — Transtorno Mental Orgânico ou Sintomático 1. Tolueno e outros solventes aromáticos neurotóxicos (X46.-; Z57.5) (Quadro III)

não-especificado (F09.-) 2. Tricloroetileno, tetracloroetileno, tricloroetano e outros solventes orgânicos

halogenados neurotóxicos (X46.-; Z57.5) (Quadro XIII)

3. Brometo de metila (X46.-; Z57.5) (Quadro XIII)

4. Manganês e seus compostos tóxicos (X49.-; Z57.5) (Quadro XV)

5. Mercúrio e seus compostos tóxicos (X49.-; Z57.4 e Z57.5) (Quadro XVI)

6. Sulfeto de carbono (X49.-; Z57.5) (Quadro XIX)

7. Outros solventes orgânicos neurotóxicos (X46.-; X49.-; Z57.5)

VI — Transtornos mentais e comportamentais 1. Problemas relacionados ao emprego e desemprego: condições difíceis

devidos ao uso do álcool: Alcoolismo Crônico de trabalho (Z56.5)

(relacionado com o trabalho (F10.2) 2. Circunstância relativa às condições de trabalho (Y96)

VII — Episódios Depressivos (F32.-) 1. Tolueno e outros solventes aromáticos neurotóxicos (X46.-; Z57.5) (Quadro III)

2. Tricloroetileno, tetracloroetileno, tricloroetano e outros solventes orgânicos

halogenados neurotóxicos (X46.-; Z57.5) (Quadro XIII)

3. Brometo de metila (X46.-; Z57.5) (Quadro XIII)

4. Manganês e seus compostos tóxicos (X49.-; Z57.5) (Quadro XV)

5. Mercúrio e seus compostos tóxicos (X49.-; Z57.4 e Z57.5) (Quadro XVI)

6. Sulfeto de carbono (X49.-; Z57.5) (Quadro XIX)

7. Outros solventes orgânicos neurotóxicos (X46.-; X49.-; Z57.5)

VIII — Reações ao Estresse Grave e Transtornos 1. Outras dificuldades físicas e mentais relacionadas ao trabalho: reação

de Adaptação (F43.-): Estado de Estresse após acidente do trabalho grave ou catastrófico, ou após assalto no trabalho

Pós-traumático (F43.1) (Z56.6)

2. Circunstância relativa às condições de trabalho (Y96)

IX — Neurastenia (inclui a síndrome de fadiga) (F48.0) 1. Tolueno e outros solventes aromáticos neurotóxicos (X46.-; Z57.5) (Quadro III)

2. Tricloroetileno, tetracloroetileno, tricloroetano e outros solventes orgânicos

halogenados neurotóxicos (X46.-; Z57.5) (Quadro XIII)

3. Brometo de metila (X46.-; Z57.5) (Quadro XIII)

4. Manganês e seus compostos tóxicos (X49.-; Z57.5) (Quadro XV)

5. Mercúrio e seus compostos tóxicos (X49.-; Z57.4 e Z57.5) (Quadro XVI)

6. Sulfeto de carbono (X49.-; Z57.5) (Quadro XIX)

7. Outros solventes orgânicos neurotóxicos (X46.-; X49.-; Z57.5)

X — Outros transtornos neuróticos especificados 1. Problemas relacionados com o emprego e desemprego (Z56.-): desemprego(incluem neurose profissional) (F48.8) (Z56.0); mudança de emprego (Z56.1); ameaça de perda de emprego

(Z56.2); ritmo de trabalho penoso (Z56.3); desacordo com o patrão e colegasde trabalho (condições difíceis de trabalho) (Z56.5); outras dificuldadesfísicas e mentais relacionadas com o trabalho (Z56.6)

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XI —Transtorno do Ciclo Vigília-sono devido a Fatores 1. Problemas relacionados com o emprego e com o desemprego: má adaptação à

Não-orgânicos (F51.2) organização do horário de trabalho (trabalho em turnos ou trabalho noturno)

(Z56.6)

2. Circunstância relativa às condições de trabalho (Y96)

XII — Sensação de Estar Acabado (síndrome de 1. Ritmo de trabalho penoso (Z56.3)

burn-out, síndrome do esgotamento 2. Outras dificuldades físicas e mentais relacionadas ao trabalho (Z56.6)

profissional) (Z73.0)

Tabela 19.2

Regulamento da previdência social(1)

Anexo II

Agentes patogênicos causadores de doenças profissionais ou do trabalho, conforme previsto no art. 20 da lei no 8.213, de 1991

Agentes Patogênicos Trabalhos que Contêm o Risco

III — Benzeno ou seus homólogos tóxicos Fabricação e emprego do benzeno, seus homólogos ou seus derivados aminados e nitrosos:

1. instalações petroquímicas onde se produz benzeno

2. indústria química ou de laboratório

3. produção de cola sintética

4. usuários de cola sintética na fabricação de calçados, artigos de couro ou

borracha e móveis

5. produção de tintas

6. impressores (especialmente na fotogravura):

7. pintura a pistola( 1)

8. soldagem

VIII — Chumbo ou seus compostos tóxicos 1. Extração de minérios, metalurgia e refinação do chumbo

2. Fabricação de acumuladores e baterias (placas)

3. Fabricação e emprego de chumbo-tetraetila e chumbo-tetrametila

4. Fabricação e aplicação de tintas, esmaltes e vernizes à base de compostos de chumbo

5. Fundição e laminação de chumbo, de bronze, etc.

6. Fabricação ou manipulação de ligas e compostos de chumbo

7. Fabricação de objetos e artefatos de chumbo, inclusive munições

8. Vulcanização da borracha pelo litargírio ou outros componentes do chumbo

9. Soldagem

10. Indústria de impressão

11. Fabricação de vidro, cristal e esmalte vitrificado

12. Sucata, ferro-velho

13. Fabricação de pérolas artificiais

14. Olaria

15. Fabricação de fósforos

XIII — Hidrocarbonetos alifáticos ou aromáticos

(seus derivados halogenados tóxicos)

— Cloreto de metila Síntese química (metilação), refrigerante, agente especial para extrações

— Cloreto de metileno Solvente (azeites, graxas, ceras, acetato de celulose), desengordurante, removedor de pinturas

— Clorofórmio Solvente (lacas), agente de extração

— Tetracloreto de carbono Síntese química, extintores de incêndio

— Cloreto de etila Síntese química, anestésico local (refrigeração)

1.1 Dicloroetano Síntese química, solvente (resinas, borracha, asfalto, pinturas), desengraxante

1.1.1 Tricloroetano Agente desengraxante para a limpeza de metais e limpeza a seco

1.1.2 Tricloroetano Solvente

1Leg. Fed., 1999, p. 2.641–. O Decreto no 3.048, de 6 de maio de 1999 (D.O 115, de 18/6/1999, p. 32; retificação feita no D.O. 116, de 21/

6/1999, p. 1) aprova o Regulamento da Previdência Social e dá outras providências.

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— Tetracloroetano Solvente

— Tricloroetileno Desengraxante, agente de limpeza a seco e de extração, sínteses químicas

— Tetracloroetileno Desengraxante, agente de limpeza a seco e de extração, sínteses químicas

— Cloreto de vinila Intermediário na fabricação de cloreto de polivinila

— Brometo de metila Inseticida em fumigação (cereais), sínteses químicas

— Brometo de etila Sínteses químicas, agente especial de extração

1.2 Dibromoetano Inseticida em fumigação (solos), extintor de incêndio, solvente (celulóide, graxa, azeite,

ceras)

— Clorobenzeno Sínteses químicas, solvente

— Diclorobenzeno Sínteses químicas, solvente

XV — Manganês e seus compostos tóxicos 1. Extração, tratamento e trituração de pirolusita (dióxido de manganês)

2. Fabricação de ligas e compostos do manganês

3. Siderurgia

4. Fabricação de pilhas secas e acumuladores

5. Preparação de permanganato de potássio e fabricação de corantes

6. Fabricação de vidros especiais e cerâmica

7. Soldagem com eletrodos contendo manganês

8. Fabricação de tintas e fertilizantes

9. Curtimento de couro

XVI — Mercúrio e seus compostos tóxicos 1. Extração e fabricação do mineral de mercúrio e de seus compostos

2. Fabricação de espoletas com fulminato de mercúrio

3. Fabricação de tintas

4. Fabricação de solda

5. Fabricação de aparelhos: barômetros, manômetros, termômetros, interruptores,

lâmpadas, válvulas eletrônicas, ampolas de raios X, retificadores

6. Amalgamação de zinco para a fabricação de eletrodos, pilhas e acumuladores

7. Douração e estanhagem de espelhos

8. Empalhamento de animais com sais de mercúrio

9. Recuperação de mercúrio por destilação de resíduos industriais

10. Tratamento a quente de amálgamas de ouro e prata para a recuperação desses metais

11. Secretagem de pêlos, crinas e plumas, e feltragem à base de compostos de

mercúrio

12. Fungicida no tratamento de sementes e brilhos vegetais na proteção

da madeira

XVII — Substâncias asfixiantes

1. Monóxido de carbono Produção e distribuição de gás obtido de combustíveis sólidos (gaseificação do carvão);

mecânica de motores, principalmente os movidos a gasolina, em recintos semifechados;

soldagem acetilênica e a arco; caldeiras, indústria química; siderurgia, fundição, mineração

de subsolo; uso de explosivos; controle de incêndios; controle de tráfego; construção de

túneis; cervejarias

2. Cianeto de hidrogênio ou seus Operações de fumigação de inseticidas, síntese de produtos químicos orgânicos;

derivados tóxicos eletrogalvanoplastia; extração de ouro e prata; produção de aço e de plásticos

(especialmente o acrilonitriloestireno); siderurgia (fornos de coque)

3. Sulfeto de hidrogênio (ácido sulfídrico) Estações de tratamento de águas residuais; mineração; metalurgia; trabalhos em

silos; processamento de açúcar de beterraba; curtumes e matadouros; produção de viscose

e celofane; indústria química (produção de ácido sulfúrico, sais de bário); construção de

túneis; perfuração de poços petrolíferos e gás; carbonização do carvão a baixa temperatura;

litografia e fotogravura

XIX — Sulfeto de carbono ou dissulfeto

de carbono 1. Fabricação de sulfeto de carbono

2. Indústria de viscose, raiom (seda artificial)

3. Fabricação e emprego de solventes, inseticidas, parasiticidas e herbicidas

4. Fabricação de vernizes, resinas, sais de amoníaco, tetracloreto de carbono, têxteis,

tubos eletrônicos a vácuo, gorduras

5. Limpeza a seco; galvanização; fumigação de grãos

6. Processamento de azeite, enxofre, bromo, cera, graxas e iodo

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Tanto o laudo como o parecer psiquiátrico devem ser re-digidos de modo claro, conciso e simples, contendo os ele-mentos indispensáveis ao esclarecimento das questões quecompetem ao perito psiquiátrico elucidar.

Exemplo de Parecer Psiquiátrico para Interdição(Teixeira Lima, 1981, pp. 127-130)

“Parecer por nós elaborado sobre o estado mental dointerditando S.B., brasileiro, branco, com 44 anos de idade,solteiro, mecânico.

O exame do paciente foi feito em B, onde esteve interna-do por duas vezes, datando a primeira de 1947 e a segunda eúltima de 1950.

Segundo informação que nos prestou, internara-se antesno sanatório A, onde pelo espaço de dois meses, aproxima-damente, recebeu tratamento convulsivante. Como não serecuperasse, foi transferido para o hospital B e depois parauma das dependências da divisão C, de onde mais tarde foiretirado com licença. Voltando ao serviço, piorou, sendo porisso reinternado.

De acordo com informações prestadas por pessoa da fa-mília por ocasião de sua entrada no hospital, o paciente ado-eceu em 1945, havendo depois disso alternâncias de melhorae de piora no seu estado de saúde.

De sua observação psiquiátrica, feita no hospital, constaque no início da doença o examinando tentou suicidar-seseccionando os punhos. Tinha ele, nessa ocasião, crises dedesespero, nas quais ‘vinha vontade de gritar’ (sic). Pareciaque algo de grave (não sabe precisamente o que fosse) esta-va para acontecer. Daí ter medo de sair de casa.

Da observação psiquiátrica já referida, consta que o pa-ciente também foi vitimado por alucinações e chegou a ma-nifestar idéias persecutórias, perturbações estas que levaramo psiquiatra a fazer o diagnóstico de ‘síndrome delirante-persecutória em personalidade psicopática’. Diante do re-sultado do exame nele procedido, foi-lhe feita uma série de20 choques elétricos pelo método de Cerletti e Bini. Revistoapós a convulsoterapia, apresentava-se apático, indiferente,retraído e pouco sociável.

Estado Atual — o primeiro dado que nos revela o examesomático é que o paciente apresenta um quadro de tireotoxi-cose, caracterizado por bócio nodular, taquicardia (FC aci-ma de 90 b/min) e tremor das extremidades. A inexistência deexoftalmia no caso não nos permite falar em doença de Ba-sedow.

Do ponto de vista físico, nada mais há de importante aassinalar.

Quanto ao estado mental, apuramos o seguinte: conver-sando com os peritos, o paciente não foi capaz de rememorarcom precisão os dados de sua história. Pela descrição queele faz das manifestações de sua doença, não é possível che-gar-se ao diagnóstico clínico. Do que ele hoje se queixa é deuma ‘sensação esquisita na cabeça’ (sic) e, por vezes, nocorpo, distúrbios que o incomodam bastante e que lhe tiramo ânimo para tudo. Não acusa atualmente as alucinaçõesobservadas pelo psiquiatra no exame anterior, tampouco idéi-as de caráter delirante. Inegável é, porém, a persistência daapatia assinalada na observação constante do arquivo clíni-

co, estando ele perfeitamente conformado com a atual situa-ção: é o primeiro a não querer sair do hospital e a achar quetudo está muito bom, inclusive a função não-remunerada dofaxineiro. Por contrastar com a sua vida pré-psicótica demecânico ajustador, adquire esse fato particular valor emsua observação.

Digno de registro é também o fato de que ele não falaespontaneamente nas pessoas da família nem mesmo no ir-mão que o internou. Sua conduta em nossa presença não apre-senta qualquer anormalidade, tratando-se de indivíduo dócile de boas-maneiras.

Conclusão

Pelo que foi exposto, o paciente adoeceu da mente em1945, tendo sido internado por esse fato, primeiro num sana-tório da Capital e depois, por duas vezes, no hospital B, ondeora se encontra. A observação de que foi alvo neste últimohospital o dá como personalidade psicopática com delíriopersecutório.

Atualmente, não se encontram idéias delirantes tampou-co falsas percepções, a não ser que se tomem por tais os dis-túrbios cenestésicos de que se queixa. Não resta dúvida,porém, de que sua saúde não voltou à normalidade, mesmoque se dêem por inexistentes os distúrbios da percepção e dopensamento. É que bem patente ainda se apresenta no caso aapatia assinalada pelos psiquiatras do hospital A, preferin-do ele a vida simples do hospital à de fora cheia de atrativos.

Falta de iniciativa é outro traço de sua personalidade nomomento atual, não pensando ele presentemente na execuçãode qualquer programa, por simples que seja. A família, bemcomo sua própria profissão, não constitui para ele motivo depreocupação. O dinheiro, a vida relativamente confortável quepoderá levar lá fora, mediante trabalho honesto para o qualestá habilitado, não constitui para ele motivo de cogitação.

A nosso ver, não cabe aqui falar de demência propria-mente dita, mas apenas de um embotamento de personalida-de (Verödung dos alemães), estado principalmentecaracterizado por defeito nas esferas afetiva e volitiva, e quecom freqüência se encontra na etapa final de muitas psicosescomo expressão de um dano irreparável por elas produzido.

Nesse estado, segundo o nosso modo de ver, o interditan-do deve ser considerado como incapaz de reger sua pessoa eadministrar seus bens, grave como é o defeito de que é porta-dor na esfera psíquica como expressão de doença mental emfase já adiantada de sua evolução.”

Exemplo de Laudo Pericial

• Em outubro de 1998, o juiz de Direito da cidade de P.encaminhou um ofício ao Diretor da Faculdade de Medi-cina de Sorocaba com o seguinte teor:

“Pelo presente, expedido nos autos de Incidente de de-pendência toxicológica, apenso aos autos da Ação Criminalno x/96 que a Justiça Pública move contra JV, filho de EV, R.G. no -, requisito de V. S. as providências necessárias no sen-tido de nomear perito, bem como designar data para a reali-zação de exame de dependência toxicológica no sentenciadoacima mencionado, a fim de instruir os autos em referência”.

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O ofício foi encaminhado à unidade de psiquiatria onde oProf. Dr. Antonio Matos Fontana nomeou como perito o mé-dico Marcelo Mora Doretto7 . Desde logo solicitou-se o en-vio do Processo no x/96 (mencionado no ofício) onde constavao Auto de prisão em flagrante delito, datado de fevereiro 1996,a partir do qual o delegado de Polícia da Comarca de P. des-pachou nos seguintes termos:

Despacho Fundamentado (Art. 37 § Único, Lei no

6.368/76)

Considerando a natureza da substância (Cannabis sativaL., popularmente conhecida por maconha), embora tenha sidopositivada a quantia total de 15,133 g; considerando o de-poimento de sua companheira por ocasião da prisão; consi-derando que a maior parte da droga apreendida não seencontrava em poder do indivíduo no momento de sua pri-são, embora estivesse nas proximidades; considerando, ain-da, que não houve resistência à prisão e ao fato de o indiciadoadmitir tratar-se de viciado, Enquadro-o como incurso naspenas do art. 16 da Lei acima referida, ou seja, por porte deentorpecente”.

Em abril de 1996, depois de cientificado da acusação (pelaJuíza foi lida a denúncia ao interrogando), passou o réu a serinterrogado de acordo com o artigo 188, I a VIII, do Código deProcesso Penal, e às perguntas da Juíza de Direito, respondeu:

“Os fatos narrados na denúncia são verdadeiros, sendoque eu portava para meu consumo um cigarro e uma peque-na porção de maconha. Eu me utilizo de maconha há unstrinta anos desde que eu era criança; me considero viciado.Nunca fiz tratamento para parar de usar maconha. Há maisde cinco anos, fui processado em Belo Horizonte por briga,não sei o resultado do processo. Desde o dia dos fatos, nãousei mais maconha. Não sei informar de quem adquiri amaconha. Sou casado, mas a minha filha mora em Belo Ho-rizonte. Conheço as testemunhas arroladas, mas nada tenhocontra elas.”

O réu foi advertido para não se ausentar da comarca pormais de oito dias.

Na audiência de instrução, debates e julgamento realiza-da em junho de 1996, a Juíza de Direito proferiu a seguintesentença:

“Vistos, presentes os requisitos do art. 89, da Lei no 9.098/95, bem como do art. 77 do Código Penal, homologo, paraque produza seus jurídicos e legais efeitos, a proposta elabo-rada pelo Representante do Ministério Público e aceita peloacusado e seu defensor, para conceder a suspensão do pro-cesso, pelo prazo de dois anos, mediante o cumprimento dasseguintes condições: a) não se ausentar da comarca por maisde oito dias sem autorização judicial; b) comparecimentopessoal e obrigatório, mensal, a este juízo, para informarsua residência e local de trabalho; c) fazer tratamento médi-co, com envio de laudos semestrais. Publicada em audiên-cia, saem intimados todos os presentes. Registre-se ecomunique-se.”

Em agosto de 1998, o Promotor de Justiça da 2ª Promoto-ria de Justiça de P. assim requereu:

“Meritíssimo Juiz,

I — Requeiro a revogação da suspensão condicional doprocesso concedida ao acusado neste feito.

II — Por meio da certidão de fls. 108 se dessume que JVveio a ser processado por infração ao disposto no artigo 16da Lei no 6.368/ 76 no curso do prazo do benefício que lhe foiaqui concedido. Incidiu, pois, na hipótese prevista no pará-grafo 3º do artigo 89 da Lei no 9.099/95.

III — Aguardo, dest’arte, a revogação da benesse e a de-signação de interrogatório do doravante processado”.

No mesmo mês, o Juiz de Direito assim decidiu:

“Nos termos do artigo 89, parágrafo 3o da Lei no 9.099/95,dou por revogada a suspensão do processo em face da cotaministerial retro amparada pela certidão de fls. 107 dos autos.

O réu já foi interrogado e o feito saneado (fls. 26 e 27).Alegando ser viciado, determino a realização de exame dedependência químico-toxicológica e, para tanto, faculto àspartes a formulação de quesitos.

Para defesa do réu, nomeio o Dr. —, que deverá ser inti-mado.

Intimem-se.

Em setembro de 1998, o 1o Promotor de Justiça de P. apre-sentou os seguintes quesitos:

“2a Promotoria de Justiça de P.

Autos de Incidente de Dependência Toxicológica (apensoaos autos no x/96)

Réu: J.V.

Exame de Dependência Toxicológica

QUESITOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO

1) O agente, em razão de dependência, ou sob o efeito desubstância entorpecente ou que determine dependênciafísica ou psíquica proveniente de caso fortuito ou forçamaior, era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquerque tenha sido a infração penal praticada, inteiramenteincapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de de-terminar-se de acordo com esse entendimento?

2) Caso negativa a resposta do item anterior, o agente, emrazão de dependência, ou sob o efeito de substância en-torpecente ou que determine dependência física ou psí-quica proveniente de caso fortuito ou força maior, nãopossuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena ca-pacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de de-terminar-se de acordo com esse entendimento?

3) Caso positiva a resposta de qualquer dos itens anteriores,qual o tratamento médico adequado e o prazo mínimo deimposição de Medida de Segurança recomendado?”

Em outubro de 1998, o advogado de defesa ratificou osquesitos formulados pelo representante do Ministério Público.

• J. V. submeteu-se a 16 consultas (avaliações) de 60 minu-tos cada uma a partir de novembro de 1998. Em quatrodelas, contou-se com a participação da esposa, que forne-ceu dados objetivos importantes.

Em maio de 1999, o laudo médico-pericial pôde ser envi-ado ao Juiz de Direito que o solicitou, precedido do seguinteofício:

7Marcelo Mora Doretto, médico estagiário III em psiquiatria, Faculdade

de Ciências Médicas, CCMB, PUCSP, Conjunto Hospitalar de Sorocaba.

Laudo realizado sob a orientação do Prof. Dr. Antonio Matos Fontana.

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“Exmo. Sr.

Dr. —

MM. Juiz de Direito da Comarca de P. — ESP

Senhor Juiz

Em cumprimento à determinação de V.S., constante doofício y/98 (Processo no x/96), eu, Marcelo Mora Doretto,médico, CRM 89.653, perito nomeado para proceder ao exa-me de dependência física e psíquica no réu J.V., estou, ane-xo a este, enviando a V.S. o respectivo laudo médico-pericial.

Sem mais, com protestos de consideração e respeito,subscrevo-me.

Atenciosamente,

Dr. Marcelo Mora Doretto

Médico Estagiário III em Psiquiatria – Faculdade deCiências Médicas–CCMB–PUCSP Conjunto Hospitalar

de Sorocaba

Laudo Psiquiátrico — Exame de DependênciaToxicológica

Identificação. JV, 44 anos, pardo, casado, aposentado,natural de B, MG, procedente de P, SP.

História atual. JV, relata que tudo começou quando, háquatro anos, foi a um terreno baldio junto com uma mulher,portando aproximadamente 25g de maconha. Refere que nãose lembra direito do que aconteceu, porque estava muito em-briagado.

Segundo sua esposa, nessa época JV estava exagerando nouso de droga (maconha) e de bebida alcoólica. “Ele só andavacom maus elementos e parecia estar procurando a morte. Pare-cia que não tinha coragem para se matar e estava querendo quealguém o matasse. Vivia no meio de bandidos, drogados, de gentecom AIDS...” (sic). JV afirma: “Para mim, não havia diferençaentre aquelas pessoas e as outras. Hoje em dia se me pergunta-rem quem eram aquelas pessoas eu não sei dizer se eram boasou más. Eu não lembro de quase nada” (sic).

JV ficava dias fora de casa. Não tomava banho, andavatodo sujo, com roupas de maloqueiro (sic). Uma vez, um en-fermeiro amigo de sua mulher contou-lhe que JV chegou aopronto-socorro alcoolizado e drogado, extremamente agita-do, tendo agredido todos os funcionários.

No dia em que foi preso, os policiais disseram que JVestava extremamente agressivo e que foi muito difícil conse-guir contê-lo. Ficou preso durante quatro dias. Era carna-val, sua mulher pagou a fiança e levou-o para uma clínica derecuperação de alcoolistas e drogados. Conseguiu ficar 20dias na clínica, pediu para sair e voltou a beber. Todo diaprimeiro de cada mês tem de assinar um livro no fórum.

Foi preso pela segunda vez no mesmo local, alcoolizadoe com droga. Ficou detido, e sua mulher foi buscá-lo. Depoisdisso, parou de beber e de usar drogas. Há quase três anos,está abstinente. “Se eu fumar maconha, eu volto a beber. Seeu beber, eu volto a fumar maconha” (sic).

Queixa-se de “esquecimento” (sic) há mais ou menos umano. Acha que de seis meses para cá piorou muito da memó-

ria. “Esqueço comida no fogão, esqueço onde deixei a ferra-menta que acabei de usar” (sic). Queixa-se de desmaios. Estáaposentado devido à doença de Chagas desde 1992. Atual-mente, vive de bicos (sic). É palestrante dos A.A. (alcoólicosanônimos). Já ganhou a medalha dos dois anos de abstinên-cia e está para ganhar a medalha dos quatro anos.

História pessoal pregressa. Nascido de parto normal, do-miciliar. Caçula de uma prole de quatro filhos. Morava coma mãe e os três irmãos em uma casa de pau-a-pique, de trêscômodos, na fazenda de seu pai em B, MG. Seu pai moravana sede da fazenda. Sua mãe tivera cinco filhos de um casa-mento anterior. Seu pai teve várias mulheres; conheceu 24irmãos “fora os que nem conheci” (sic). Irmãos provenien-tes do seu pai e sua mãe, apenas os três já referidos.

JV refere que seu pai bebia muito e batia nos filhos com“arreio de burro” (sic). Ele era bravo e violento, e lembra-sede sua mãe fugindo com os filhos para o mato de medo dele.

Aos oito anos de idade, foi para Belo Horizonte com oirmão mais velho e a irmã. O irmão conseguiu arrumar em-prego, a irmã foi trabalhar em uma casa de família comodoméstica, e ele acabou indo morar na favela, em um barra-co junto com outros pivetes. Diz ter saído de casa para li-vrar-se das surras do pai. Em Belo Horizonte, às vezes sentiamedo de que alguém da sua família o encontrasse. Experi-mentou maconha aos nove anos de idade e, desde então, pas-sou a beber quase diariamente.

Aos 14 anos, reencontrou sua “mãe com outro marido”(sic) morando na mesma favela. Passou a morar com elesmas o padrasto (sic) começou a ficar doente, com câncer, eresolveu retornar a B para se tratar. JV voltou a ficar sozi-nho. Lembra-se de que morou em uma caixa de papelão degeladeira, no porão de uma igreja. Lavava carros, carrega-va sacolas na feira, vendia limões... e bebia diariamente.

Aos 19 anos, conheceu uma mulher com quem “amigou”(sic); foram morar em um barraco na favela. Viveram juntospor três anos e tiveram um filho. Nessa época, trabalhava comojardineiro em uma floricultura. Bebia diariamente e fazia usode maconha, quando a conseguia. Brigava muito com a mu-lher e, então, resolveram se separar. Saiu da floricultura e co-meçou a trabalhar como soldador. O patrão fornecia bebida,porque assim ele trabalhava mais. Às vezes, ficava uns dois outrês dias sem beber, para conseguir se alimentar.

Aos 23 anos de idade, conheceu a sua mulher atual. Elatrabalhava como garçonete e ele como garçom. Após o ser-viço, iam para outro bar e continuavam bebendo. Depois queseu padrasto morreu, sua mãe foi morar nos fundos da casade sua irmã. Como a mãe estava muito doente (doença deChagas), JV ia visitá-la, mas só podia fazê-lo às escondidas,pois a sua irmã o maltratava, chamando-o de bêbado.

Após nove meses desempregado, resolveu mudar-se paraSão Paulo juntamente com a sua esposa. Foram trabalhar comocaseiros em Taboão da Serra, SP. Um dia, começou a vomitarescuro (sic), foi ao pronto-socorro e acabou sendo operado doesôfago. Depois da cirurgia, ficou dois anos totalmente absti-nente. Após esse tempo voltou a beber e a usar maconha. Poste-riormente, passou a trabalhar em um condomínio em I., SP, masseu estado geral foi piorando. Não conseguia mais trabalhar;geralmente desmaiava e/ou vomitava o que comia. Após umaséria desavença com o seu patrão foi morar em um cômodo queestava construindo em P, SP; começou a fazer tratamento tendosido encaminhado a Sorocaba, SP, onde foi feito o diagnóstico

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de doença de Chagas. De Sorocaba, foi encaminhado para oHospital das Clínicas em São Paulo, capital, para continuar otratamento. Submeteu-se a três cirurgias do estômago (em vir-tude de úlceras gástricas) e a seis dilatações do esôfago. Algumtempo depois, suspendeu a medicação e voltou a beber. Sua es-posa acha que ele estava tentando suicidar-se. “O que eu estoufazendo neste mundo? Eu sou um inválido mesmo!”, dizia ele.Nessa época, sua mulher quebrou o joelho e ficou num asilo. JVaparecia por lá bêbado, drogado, xingando todo mundo.

“Eu pensava que não prestava para mais nada, que nun-ca mais iria voltar a trabalhar, que a doença não tinha curae que era melhor morrer mesmo” (sic). Nessa época, foi pre-so pela polícia.

Antecedentes familiares. Além do pai e mãe alcoolistas,dois primos maternos também são alcoólatras.

Exame do psiquismo

Tipo constitucional-atlético.

Aspecto externo — asseio presente; indumentária jovial,inadequada à fase da curva vital do paciente.

Psicomotricidade — mímica adequada.

Contato — bom.

Consciência (estado) — vígil, preservada.

Humor — adequado.

Curso do pensamento — normal.

Conteúdo do pensamento — ndn; não exibe sentimentode culpa ou de remorso.

Capacidade mental — extraiu o sentido das gravuras deBinet e dos provérbios apresentados; quanto às fábulas, for-neceu a moral da fábula sobre a abelha, a pomba e o caça-dor, e não conseguiu dar a moral da fábula sobre o burrinhoque carregava sal.

Memória de fixação — descreveu uma das três gravurasde Binet vistas anteriormente; repetiu três das sete palavrasoferecidas.

Memória remota — não conseguiu lembrar-se com cla-reza do seu passado, pedindo constante ajuda à esposa.

Exame físico

Anictérico, acianótico, afebril, corado, hidratado.

Aparelho cardiovascular — bulhas normofonéticas a doistempos. P: 80 b/min; PA: 16 × 10 cm Hg.

Aparelho respiratório — murmúrio vesicular normal, semruídos adventícios.

Abdômen — dolorido à percussão e palpação em hipo-côndrio direito.

Membros superiores e inferiores — ndn.

Sistema neurológico — ndn.

Exames subsidiários

Todos os exames solicitados (sangue, raios X, etc.) con-firmam as informações obtidas.

Exame toxicológico de urina para maconha (atual) —negativo.

Comentários

JV cresceu em um meio que não lhe proporcionou umsuporte afetivo básico para um desenvolvimento psíquico

satisfatório, o que explica, em parte, a procura pelo álcool edrogas, bem como a ausência de sentimento de culpa em re-lação às transgressões. Aos nove anos de idade, começou ausar maconha e a beber diariamente. Aos 18 anos, já se sen-tia dependente do álcool e da maconha.

O seu comportamento pueril incapacita-o a compreen-der e resolver os problemas do mundo adulto. Quando ficousabendo que tinha a doença de Chagas, voltou a beber inten-samente, buscando a autodestruição. “O que eu estou fazen-do neste mundo? Eu sou um inválido mesmo!” (sic).

Os testes de memória indicam moderado comprometimen-to psicoorgânico, possivelmente ocasionado pelo uso do ál-cool e maconha.

Embora os fatores genéticos estejam provavelmente pre-sentes na etiologia do alcoolismo (o que se presume pelosantecedentes familiares), é inegável, neste caso, que os fato-res ambientais atuaram de forma decisiva para que a depen-dência se desenvolvesse.

Diagnósticos

Desenvolvimento anormal da personalidade por abando-no (personalidade amoral). Síndrome de dependência ao ál-cool e à cannabis. Síndrome amnéstica CID-10: F60.2 +(F10.20 + F12.20) + (F10.6 + F12.6).

Respostas aos Quesitos do Ministério Público (edo Advogado de Defesa)

1. O agente, em razão de dependência ou sob o efeito desubstância entorpecente ou que determine dependênciafísica ou psíquica proveniente de caso fortuito ou forçamaior, era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquerque tenha sido a infração penal praticada, inteiramenteincapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de de-terminar-se de acordo com esse entendimento?

Resposta — Não.

2. Caso negativa a resposta do item anterior, o agente, emrazão de dependência ou sob o efeito de substância en-torpecente ou que determine dependência física ou psí-quica proveniente de caso fortuito ou força maior, nãopossuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capa-cidade de entender o caráter ilícito do fato ou de deter-minar-se de acordo com esse entendimento?

Resposta — Sim, não possuía.

3. Caso positiva a resposta de qualquer dos itens anterio-res, qual o tratamento médico adequado e o prazo míni-mo de imposição de medida de segurança recomendado?

Resposta — Tratamento psiquiátrico em regime ambu-latorial por tempo indeterminado.

Laudo Psiquiátrico — Exame de Sanidade Mental(solicitado pelo advogado do paciente)

Identificação. LT, 85 anos, comerciante, masculino, bran-co, casado, natural de Sorocaba, residente em São Paulo àRua A, de onde procede.

História atual subjetiva. Em entrevista realizada no dia26/6/78, contou-nos o paciente que nasceu e viveu por 50

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anos nesta cidade (Sorocaba) e que há 27 anos está residin-do em São Paulo (capital). Por tal razão, possui imóveis nasduas localidades.

“Uma das minhas casas, a de no x da Praça B aqui emSorocaba, vagou e ficou incumbido de arranjar um inquilinoo meu filho CSN. Aconteceu que, no dia 14 deste mês de ju-nho, apareceu em minha casa o meu filho e mais uma pessoa,dizendo-me que fosse a Sorocaba junto com a pessoa acima,desconhecida até então para mim, para irmos a Sorocabaassinar o contrato com o inquilino D.M. Embarcamos os trêsno automóvel de meu filho na maior camaradagem entre to-dos. De nada desconfiei. Quando chegamos à Rua C, esqui-na da rua D, Sorocaba, residência de meu filho, que dirigia ocarro, ele parou e disse para a pessoa (que não era minhaconhecida) que passasse para a frente e dirigisse o automó-vel até onde deveria estar a futura inquilina. A pessoa queestava no banco traseiro passou à frente e conduziu o carroaté o portão do Hospital Psiquiátrico Vera Cruz dizendo quea Dra. DM estava residindo aí, e continuou com o carro atéparar em frente a um prédio que dissera ser a secretaria doestabelecimento. Do carro saiu a pessoa minha desconheci-da com o fito de trazer Dra. DM, mas demorando-se um tan-to, talvez uns 15 minutos, e disse que a Dra. DM tinha chegadonaquele momento e estava se compondo, e que eu saísse docarro para tomar um refrigerante, se não um café. Saí doautomóvel, subi uma escada, talvez de dois degraus, e en-contrei-me numa sala cuja porta foi fechada pelo até entãodesconhecido, por detrás de mim, tendo o mesmo dito e apon-tado para o fundo do salão que lá se encontrava o refrige-rante ou o café — eu é que escolhesse.

Fui até lá, encontrei uma pessoa vestida de branco queme fechou a porta e fiquei com essa pessoa nesse recinto.Essa pessoa disse-me estar internado e ato contínuo tentoume revistar, no que não concordei e disse-lhe que só lhe per-mitiria isso, depois de saber que estava de fato internado.Depois de aproximadamente dois minutos chegou ao recintoem que eu estava uma senhora que dizia ser uma doutora,acompanhada de uma pessoa do sexo masculino, a qual sen-tou-se numa mesa que havia no pequeno recinto, e pediu-meque me sentasse ao seu lado no que foi atendida. Essa senho-ra, depois de depositar os papéis sobre a mesa, disse que euestava de fato internado. Pude então ver no papel deposita-do sobre a mesa a assinatura comum de meu filho CS. Já nãotive mais dúvida — estava consumada a internação. Aí entãoeu mesmo retirei o paletó e pus em cima da mesa o lenço,óculos de enxergar perto, dinheiro na importância de CR$545,00 e um molho de chaves. E daí eu me misturei com opessoal e fui para um cômodo que me arranjaram — um lo-cal onde ficam os doentes — um local com muitas camas.”

Perguntado acerca do que pretende fazer em relação àatitude do filho, respondeu-nos:

“Eu não pretendo fazer mal ao meu filho, mas ele precisalevar uma lição! E no caso dele precisar cumprir uma pena,à família dele nada faltará. Vou retirar seu telefone e umaprocuração que possui para receber o aluguel de três casasaqui em Sorocaba, Rua D, no X, Rua E, no Y e Rua F, no Z”.

Perguntado acerca dos seus negócios, respondeu-nos quetodos estão indo muito bem e que, “quanto aos negócios atra-palhados que o meu filho alega, não houve nenhum. Essesnegócios errados só existem na cabeça doentia dele que jáesteve internado neste hospital e no Teixeira Lima”.

“Eu tentei fazer do meu filho um homem e, por isso, quan-do ele era pequeno coloquei-o num colégio interno. Ele sem-pre me deu muito trabalho e, no colégio, uma ocasião fuichamado pelo diretor da escola, o qual me informou que elee um filho de um tenente do Exército haviam empastelado umquiosque que servia para a venda de refrigerantes, sanduí-ches e doces aos alunos. E os prejuízos ascenderam a seiscontos de réis naquele tempo. Isto foi no primeiro colégio emque esteve em São Paulo, à Rua Mairinque, Colégio FrancoBrasileiro. Dali foi para outro colégio, em São Paulo, e daípara Campinas, sempre por mau procedimento. Sempre foiproblema e muito gastador. Até hoje, me maltrata barbara-mente quando se vê sem dinheiro. Em minha casa tem havidoquebra-quebras promovidos por ele por causa de dinheiro.Sempre fui metódico e nunca estive internado em qualquerhospital psiquiátrico. Sempre fui sadio e na minha famílianunca existiu nenhum caso de doença mental nem de toxico-mania. Até já sugeri ao meu filho que trocasse de nome, poisele possui o mesmo nome do meu pai que sempre foi um ho-mem honesto”.

Perguntado sobre as doenças que teve, informou-nos quesempre foi sadio, nunca teve doença de maior importância.Em 1977, foi atropelado, tendo ficado com escoriações ge-neralizadas e uma possível trinca de bacia. Foi internado nohospital S, de onde saiu totalmente recuperado. Não houvetraumatismo craniano. Nega ter perdido os sentidos na opor-tunidade.

Nota:

— Data da primeira internação (à revelia): 14.6.78.

— Responsável: CSN.

— Alta (a pedido): 20.6.78.

— Data da segunda internação: 23.6.78.

— Responsável: R (advogado).

— Alta: 28.6.78.

— Finalidade da segunda internação: observação médicacom vistas à feitura de laudo sobre a sanidade mental.

História atual objetiva. Em entrevista realizada no dia19.6.78 com os familiares (filho, nora e esposa), o então mé-dico assistente obteve as seguintes informações acerca doexaminando:

Antecedentes familiares. Pai falecido (P.G.P.). Mãe fale-cida — cirurgia da vesícula. Casado há 50 anos, o pacientetem um filho vivo (C.S.N.) com saúde. Desconhecem casosde doença mental na família.

Antecedentes pessoais. Nascimento, desenvolvimento psi-comotor, adolescência e vida adulta: nada digno de nota.Sempre teve boa saúde. Sempre foi homem de negócios. Háum ano, foi atropelado, com ferimentos generalizados.

História da moléstia atual: Há algum tempo, que não sa-bem precisar, andou fazendo negócios errados, coisa quenunca havia feito, pois sempre foi esperto em suas negocia-tas. Começou a apresentar crises de agitação e agressivida-de com os familiares, chegando a ameaçá-los de morte.

EXAME PSÍQUICO (EM 26.6.78)

Normolíneo, cuidado de si, calmo, bom contato, cons-ciente, orientado no tempo e no espaço, humor deprimido,

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bastante ansioso, coerente, curso do pensamento discreta-mente lentificado. Não exterioriza alucinações ou delírios.

Provas de inteligência e psicoorgânicas. Bons conheci-mentos gerais. Boa cultura. Bom rendimento intelectual.

Memórias de fixação e evocação bastante conservadasem relação à idade.

Compreensão e concentração — adequadas em relação àidade.

EXAME FÍSICO GERAL (EM 26.6.78)

Bom estado geral, mucosas coradas, anictérico, acianó-tico, língua: nada digno de nota, pescoço: nada digno denota, tórax enfisematoso, F.R. 20 i/min, coração rítmico, bu-lhas abafadas, sem sopros ou atritos, F.C. 78 b/min, P.A.: 15× 8 cm Hg, artérias discretamente endurecidas. Abdômensem particularidades. Exame-neurológico: ndn.

Exame físico especial. Com vistas a uma melhor obser-vação clínica, solicitamos o concurso de outros colegas espe-cializados.

Exame do aparelho cardiocirculatório (relatório anexo)— em 28.6.78.

Conclusão

Paciente portador de:

1. aterosclerose e arteriosclerose (sem comprometimentocoronariano detectável) generalizadas;

2. esclero enfisema pulmonar com processo bronquiectá-sico de bases, sem gravidade e sem infecções atuais;

3. insuficiência venosa (varizes) dos membros inferiores(maior à direita);

4. não há sinais de ICC no momento.

Nota: Eletrocardiograma anexo.

Exame oftalmológico (relatório anexo) em 28.6.78.

Descrição. O exame oftalmológico mostrou-nos ser eleportador de afacia cirúrgica no olho direito (ausência de cris-talino) decorrente de operação de catarata reduzida há 16 anos.No olho esquerdo, notamos a presença de enotropia (estrabis-mo convergente) e catarata senil madura, não havendo indi-cação para a cirurgia (facectomia) decorrente de ser um olhoambliose com escassa possibilidade de recuperação.

O exame do fundo de olho, realizado pela oftalmoscopiaindireta (quatro aumentos) e direta (16 aumentos), não mos-trou alterações de ordem funcional para o lado da rede vascu-lar da retina demonstrativa de processo hipertensivo emevolução. Notamos apenas a presença de discretas alteraçõesanatômicas demonstrativas de esclerose vascular incipiente,perfeitamente compatível com a idade do paciente. O examedo restante da retina não mostrou fenômenos exsudativos ouhemorrágicos atuais ou seqüelas de processos pregressos.

Conclusão

Pelo exposto, concluímos que o paciente apresenta no olhoesquerdo uma extropia (estrabismo convergente), ambliopiae catarata senil, sem indicação cirúrgica. No olho direito,

apresenta afacia cirúrgica e esclerose vascular retiniana in-cipiente compatível com uma função visual bastante satisfa-tória para a sua idade.

O exame do fundo de olho esquerdo foi inacessível emdecorrência da opacidade cristaliniana presente (catarata).

De acordo com Jerome Gans, podemos classificar o fun-do de olho como sendo do tipo AlH0.

EXAME NEUROLÓGICO (RELATÓRIO ANEXO) EM28.6.78

— Funções neurológicas superiores. Orientação temporo-espacial, visoespacial e audioespacial conservada. Me-mória de fixação e evocação compatíveis com anormalidade e idade cronológica. Perfeito insight e con-servação razoável da ideação. Gnosias preservadas emtodas as suas formas. Ausência de apraxias.

— Motilidade voluntária — conservada.

Motilidade involuntária espontânea — ausente, inclusivetremor.

Motilidade involuntária reflexa. Reflexos musculares clí-nicos presentes e simétricos. Reflexos aquileus hipoativos(compatíveis com a idade). Sensibilidades presentes e simé-tricas.

— Hipopalestesia nos dedos dos pés compatível com a idade.

— Nervos cranianos — ausência de lesões (Nota: estra-bismo convergente, OE).

Conclusão: exame neurológico normal para a idade.

• Concluímos por ausência de patologia encefálica nomomento.

Comentários

Constitui sinal de envelhecimento normal a diminuiçãodas forças vitais. Os sintomas mais freqüentemente observa-dos são lentidão do curso do pensamento, déficit da memó-ria (em especial da memória de fixação), acentuação dostraços de caráter, rigidez mental e afetiva, dificuldade demudar de hábitos, egocentrismo.

Quando os sintomas normais de envelhecimento estãointensificados, surgem crises e descompensações que po-dem ser conseqüentes a fatores psicorreativos ou deterio-ração orgânica.

Os processos cerebrais (doenças cerebrais orgânicas) pro-duzem quase sempre — havendo, porém, exceções — altera-ções da vida psíquica. Mas, não há no setor psíquico sintomasespecíficos de determinadas doenças cerebrais orgânicas. Ésó pelos sintomas somáticos, neurológicos, que se diagnosti-ca com segurança.

No caso em tela, não se evidenciou situação conflitivaconsistente, pregressa ao evento atual, que pudesse estar aocasionar a aceleração do curso normal de envelhecimento.

Os exames físicos geral e especial nada demonstraramde evidente, para poder concluir pela existência de processocerebral orgânico declarado ou incipiente.

Mostrou-se adequado o exame psíquico do paciente rea-lizado em 26.6.78.

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O seu comportamento, durante todo o tempo em que este-ve internado, não revelou a existência de desvio, tendo-semostrado, pois, compatível com o normal.

Conclusões

Revela o examinando boas condições gerais, físicas ementais, mostrando-se harmônico quanto às suas manifesta-ções instintivo-afetivas e intelectivo-volitivas.

Conserva a perfeita noção dos valores éticos e morais,lucidez de raciocínio e capacidade de discernimento, nadahavendo, pois, que o possa impossibilitar, no momento, paraos atos da vida civil.

BIBLIOGRAFIA

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