h - suplemento do hoje macau #36

12
h ARTES, LETRAS E IDEIAS SOMOS TODOS SÍRIOS? PARTE INTEGRANTE DO HOJE MACAU Nº 2562. NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE A outra verdade sobre um país debaixo de armas

Upload: jornal-hoje-macau

Post on 09-Mar-2016

234 views

Category:

Documents


7 download

DESCRIPTION

Suplemento h - Parte integrante da edição de 2 de Fevereiro de 2012

TRANSCRIPT

Page 1: h - Suplemento do Hoje Macau #36

hAR

TE

S, L

ET

RA

S E

IDE

IAS

SOMOS TODOS SÍRIOS?

PARTE INTEGRANTE DO HOJE MACAU Nº 2562. NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE

A outra verdade sobre um país debaixo de armas

Page 2: h - Suplemento do Hoje Macau #36

I D E I A S F O R T E S

MUITO JÁ se disse sobre o que ocor-re na Síria hoje. Os meios de comuni-cação expressam, basicamente, o que ordena o Pentágono. Com honrosas excepções, tudo que o que se lê em Português reproduz quase que sem re-tirar nenhuma frase, o que as agências noticiosas internacionais despacham para o mundo todo. Para auxiliar os leitores, eis um pequeno resumo do que se diz sobre a República Árabe da Síria. 15 pontos:

1. GOVERNO DE BASHAR AL-ASSAD MATA MILHARES - MENTIRADia após dia, manchetes garrafais es-tampam que o governo tem matado “milhares” de sírios, todos “inocen-tes”. A única fonte de informação que o Ocidente inteiro possui sobre tais “dados” de mortes é um obscuro Ob-servatório Sírio de Direitos Humanos (sic), com sede em Londres e que re-cebe farto financiamento de países do Golfo Pérsico, todos, sem excepção, monarquias antidemocráticas, absolu-tistas, extremamente reaccionárias e pró-EUA.Como isto esta é uma vergonha para quem pratica um jornalismo sério, a grande imprensa, quando publica os números “assustadores” de mortos, ul-timamente tem pelo menos acrescen-tado sempre “segundo o Observatório Sírio de DH”, que “não puderam ser comprovadas”. De facto, os únicos dados confiáveis são fornecidos pelo próprio governo, que atesta que pelo menos dois mil soldados, polícias e cidadãos sírios foram assassinados por grupos terro-ristas e mercenários, seja em ataques directos ou em atentados à bomba que vêm ocorrendo com maior intensida-de nas últimas semanas.

2. EXÉRCITO SÍRIA LIVRE É FORMADO POR DESERTORES - MENTIRANão há desertores no Exército sírio. Pelo menos não de forma significa-tiva. Todas as deserções em todas as divisões do exército são pontuais e ocorrem apenas e exclusivamente na baixa oficialidade. De concreto sabe-se que essa organi-zação é composta por mercenários al-tamente remunerados que usam armas contrabandeadas, algumas do arsenal líbio. Esse “exército” está acampado na fronteira com a Turquia e é por esta estimulado e as suas ordens vêm de Istambul. O governo turco, que presta um péssimo papel achando que voltará a ter o comando do sultanato otomano, tem dado guarida a essa mi-lícia terrorista e facínora, apoiada por Israel e pelos EUA. O seu “comandante”, o coronel deser-tor Riad El Assad, está na folha de pa-gamento do Departamento de Estado norte-americano.

3. LIGA ÁRABE PEDE DEMOCRACIAE LIBERDADE NA SÍRIA - MENTIRA.NÃO TEM MORAL PARA ISSOA Liga Árabe, organismo multilateral fundado em 1945, é integrado pelos 21 países árabes e a OLP que representa a Palestina. Ainda que possa ser duvidoso que em algum momento tenha cumprido algum papel relevante na vida dos árabes, a certeza é de que hoje é um organismo fracassado.Tomada de assalto pelas monarquias do Golfo, com os seus bilhões de dólares, este organismo presta-se hoje como au-xiliar tanto do CS da ONU, quanto da União Europeia e dos EUA. De árabe a Liga tem muito pouco. Não representa mais os anseios e as verdadeiras aspira-ções do povo árabe, que hoje são quase 400 milhões de pessoas.Esse organismo serve apenas para propor ao CS da ONU resoluções que os EUA e a União Europeia não teriam a coragem de propor. Os petrodólares da Casa de Saud e do emirado do Qatar é que sus-tentam a organização, que está comple-tamente esvaziada. Iraque, Líbano, Argé-lia e a própria Síria não têm comparecido nas reuniões, que perderam completa-mente a sua eficácia. Mas que moral têm a Arábia Saudita e o Qatar para pedir democracia na Síria? Falam em liberdade, mas não a praticam nos seus países, que não têm parlamento e nenhum partido político. Uma hipo-crisia completa. Uma falsa moralidade. Indignam-se com o que ocorre na Síria, mas é uma indignação selectiva.

4. RÚSSIA E CHINA VETAM RESOLUÇÃO ANTI-SÍRIA NA ONU - VERDADE.E AMBOS TÊM SUAS RAZÕESAs duas potências mundiais - ambos BRICS - ficaram escaldadas com o golpe EUA-UE que, usando a OTAN, rasgou a resolução 1973 de 17 de Março de 2011, que mencionava apenas “protecção” a civis líbios. Com essa resolução a OTAN bombardeou toda a Líbia no sentido da ordem dada por Obama/Hilary: façam cair o regime! O sentido foi a mudança de regime, coisa que só o povo líbio teria poder de decidir. Os EUA e os seus clientes europeus não aceitaram nenhuma modificação propos-ta pelos dois países na nova resolução proposta em 4 de Fevereiro passado. E pior que isso. Expressaram a sua indig-nação sobre o veto exercido dentro das regras da Carta das Nações. Quando os EUA vetam dezenas de resoluções con-tra Israel no CS/ONU nada se diz. Uma vez, duas potências vetam uma resolução que abriria brecha para a OTAN atacar a Síria, chega a indignação selectiva.A embaixadora dos EUA da ONU, Susan Rice, chegou a dizer que o “mundo não poderia ficar refém de dois países” (sic). Tenho em mãos uma investigação sobre os vetos dos EUA contra resoluções a fa-vor dos palestinianos, críticas de Israel. A investigação abrange apenas dez anos (1972 a 1982).  Só nesse curto período foram exactamente 43 resoluções vetadas pelos EUA!

As verdades, as mentiras e os media ao serviço

do Pentágono

Lejeune Mirhan*in Pravda SÍRIA

h22

3 20

12

Page 3: h - Suplemento do Hoje Macau #36

I D E I A S F O R T E S

Hoje, tanto a China como a Rússia, têm visto o que realmente ocorre no OM. Derrubar o governo sírio hoje, passando por cima da soberania do país pode sig-nificar ainda um maior fortalecimento do imperialismo americano e dos seus esta-dos clientes europeus.O facto é que a Rússia volta com força ao cenário internacional. Não titubeou nem uma vez na defesa da soberania síria. En-viou armas e uma frota naval que está an-corada no estratégico porto de Tartous. A unipolaridade no mundo tende para o seu fim. Vários pólos estão a ser criados e a Rússia está a ganhar o seu espaço, de-pois de mais de vinte anos de um mundo unipolar.

5. EUA, ISRAEL E OS SEUSALIADOS ÁRABES SÃO OS MAIORES INIMIGOS - VERDADEÉ preciso chamar os bois pelos nomes.Os maiores entraves para o avanço da Revolução no mundo Árabe são as petro-monarquias. Elas têm nome: Arábia Sau-dita, Kuwait, Emirados Árabes UNidos, Qatar, Omã e Bahrein. A estes somam-se os países que não são fortes produtores de petróleo, mas são monarquias reac-cionárias e pró-EUA, como a Jordânia e Marrocos.O centro da resistência ao avanço revolu-cionário árabe vem de Riad, no reino dos sauditas. Estes reservaram em 2011 mais de cem mil milhões de dólares para a re-volução. E contratam mercenários a peso de ouro. Apoiados pelos EUA, ainda que discretamente, e mais discretamente por Israel e a sua inteligência Mossad. Isto está amplamente documentado. Pelo Wi-kiLeaks e pela imprensa verdadeiramente livre e a blogosfera.

6. SE A SÍRIA CAIR, TERÁ REFLEXOSEM TODO O MÉDIO ORIENTE - VERDADEHá hoje um eixo de resistência ao im-perialismo americano. Este eixo apoia as mudanças profundas no Médio Oriente, apoia a causa palestiniana, faz oposição a Israel, defende o fim dos acordos de paz assinados com este país pelo Egipto e a Jordânia, de forma unilateral.O bloco de países que integram o eixo da resistência são hoje, além da Síria, o Ira-que, Líbano, a Argélia e o Irão (que é per-sa). O Partido de Deus (Hezbollah), do Líbano, que forma governo com os cris-tãos patrióticos (maronitas do Marada e MPL de Aoun), sunitas e xiitas de várias organizações (Amal de Berri e drusos de Jumblat) e o PC Libanês de Khaled, se-ria o primeiro a sofrer consequências. O Hezbollah - apesar do nome, é uma orga-nização política e não defende no Líba-no um estado religioso - além de muitos deputados e ministros, tem a maior milí-cia armada de resistência ao exército de Israel que insiste em ocupar o Sul do país.A própria luta de resistência palestiniana contra a ocupação, com todas as organi-zações que compõem a OLP e o Hamas (que não integra a Organização), enfra-queceriam imensamente com a queda do governo sírio e a instalação no país de um governo pró-EUA.

7. A IRMANDADE MUÇULMANA ENCABEÇA A OPOSIÇÃO NA SÍRIA - VERDADEA organização tem os seus tentáculos em mais de 70 países. Fundada por Hassan El-Bana em 1928, funciona como partido político, tendo uma ideologia de carácter teológico de linha islâmica fundamenta-lista. Na maioria das ditaduras e monar-quias árabes, cujas liberdades são pratica-mente nenhumas, a única forma de uma parte da população se expressar acaba por ser através da Irmandade.Não fiquei surpreeendido pelo facto do seu braço político recém-legalizado no Egipto e na Tunísia terem ficado em pri-meiro lugar nas eleições após a queda dos ditadores nesses países. Não havia outra forma de expressão política além do isla-mismo, além da máscara de apelo ao Islão fundamentalista.No entanto, é preciso deixar claro. Ape-sar de terem tido algum papel na resis-tência à ditadura de Mubarak, sempre fizeram acordos com ele. Aceitavam as regras do jogo, qualquer que fosse, que a oposição ao ditador pudesse chegar a no máximo 20% dos votos – em eleições fraudulentas - tanto para o presidente como para o parlamento.A Irmandade é uma organização conser-vadora, que prega o fundamentalismo islâmico mais próximo do Wahabiya - li-nha da família Al-Saud, portanto sunitas. Sempre foi e sempre será anticomunista.

Por baixo da mesa sempre fez acordos, inclusive com o imperialismo britânico e mais recentemente norte-americano. Os seus líderes rapidamente disseram, depois dos resultados das eleições parlamentares no Egipto, onde venceram, que não rom-periam o acordo de paz com Israel.Hoje, na Síria, os principais líderes da insurreição interna, que organizam os ataques terroristas aos prédios públicos, oleodutos, gasodutos, escolas e hospitais, são membros da Irmandade. Lamentável. Mas é a verdade amplamente documen-tada, ainda que omitida pela imprensa. 

8. A OPOSIÇÃO SÍRIA NÃO TEM UNIDADE E TEM FORÇA APENASNO EXTERIOR - VERDADE. MASA IMPRENSA NÃO MOSTRA ISSO.É preciso que se diga. Há duas oposições na Síria hoje. Uma interna e outra que funciona apenas no exterior. A que tem sede no exterior, os seus escri-tórios ficam em Londres, Paris e Istam-bul. Não tem nenhuma credibilidade. Financiada pelas monarquias do Golfo e pelo Departamento de Estado norte--americano - amplamente documentado - vivem para dar entrevistas aos medias internacionais, que repercutem ampla-mente essas “reportagens”. Todas falsas, sem provas, com “líderes” que nunca nin-guém viu. É uma oposição sem cobertura do povo sírio. Defende abertamente uma

resolução no CS/ONU que abra a pos-sibilidade - que eles tanto sonham - da OTAN atacar a Síria. Como acreditar em “lideranças” que pedem que potências estrangeiras bombardeiem o seu próprio país, ainda que a pretexto de “proteger civis inocentes”?Há outra oposição. A interna. No en-tanto, esta também se divide em duas grandes facções. Uma delas, participa do chamado Diálogo Nacional. Há uma mesa de negociações formada pelo go-verno da Síria. No rumo das mudanças que o país precisa de facto. E, tais mu-danças, vêm ocorrendo (falaremos disso mais à frente). Não se sabe o tamanho dessa oposição. As eleições devem mos-trar a dimensão dessa oposição que prega a construção de um governo de unidade nacional. Em hipótese alguma defende a intervenção externa. Diz que os proble-mas dos sírios devem ser resolvidos pelos próprios sírios, sem ingerência externa. A outra parte da oposição interna, não dialoga com o governo. Está radicali-zada. Arma-se até aos dentes e apoia a sabotagem de prédios públicos. Alia-se com o autointitulado Exército da Síria Livre e com o Conselho Nacional Sí-rio. Prega também abertamente a inter-venção externa, ainda que não de forma clara defenda os ataques da OTAN. Faz, na prática, o jogo das potências imperia-listas. 

Terroristas do Exército de Libertação Sírio atacam casa de funcionário público.

h3

2 3

2012

Page 4: h - Suplemento do Hoje Macau #36

I D E I A S F O R T E S

A oposição não se unifica. Há pelo me-nos 53 grupos políticos e tendências que actuam de forma conflituosa no tal Conselho Nacional Sírio, organis-mo criado no exterior e apoiado pelos EUA. Em reuniões com as autoridades europeias, essa oposição exige que sejam feitas várias reuniões, pois não conseguem sequer sentar-se à mesma mesa. Não há unidade política entre eles. Talvez o único ponto em comum seja remover Assad do poder. Nada mais. Mesmo que as reformas sejam profundas - como a que está de facto a ocorrer - isso hoje pouco importa. A única agenda, a agenda da CIA, dos EUA, de Israel, da Casa de Saud e da Mossad é mudar o regime. Nada mais lhes interessa. 

9. BASHAR AL-ASSAD É UM SANGUINÁRIO E GENOCIDA - MENTIRA É evidente que os processos eleitorais tanto na Síria como em qualquer país árabe não seguem os padrões que do Ocidente. No entanto, não se pode fa-lar em democracia na Síria e não se fa-lar do mesmo tema noutros países ára-bes. Mesmo no Ocidente. Os mesmos monarcas que falam em “democracia” na Síria, são os que mais reprimem os seus próprios povos, como na Arábia Saudita, Qatar e Bahrein. Essa gente não tolera qualquer manifestação, não tolera o povo organizado. As monar-quias nem sequer têm um parlamento funcional e os partidos políticos são proibidos.Apesar de todas as restrições às amplas liberdades na Síria, este país ainda é o mais livre em termos de funcionamen-to de partidos políticos em todo o Mé-dio Oriente. São oito os partidos polí-ticos existentes e legalizados. Claro, o Partido Socialista Árabe Sírio, o Baath é o maior e do governo. Está no poder há pelo menos 42 anos. Mas existem dois partidos comunistas no país. Te-mos o Partido Nacional Sírio e outros. Depois dos pedidos por amplas refor-mas, outros cinco partidos foram lega-lizados, ampliando para 13 o número de partidos com direito a concorrer nas próximas eleições.O relatório dos observadores da Liga dos Estados Árabes - 160 pessoas que fica-ram na Síria por trinta dias - menciona que contactaram e viram a funcionar 147 órgãos de imprensa! Entre rádios, TVs e jornais.Bem ou mal, as eleições para o parlamen-to sírio ocorrem a cada quatro anos e os oito partidos funcionam livremente. Não é a democracia mais avançada, popular, que defendemos, mas não se pode dizer que as restrições são totais. Há muito que se fazer. E está a ser feito. Mas a imprensa não divulga uma só linha sobre tudo isto. Chegou às minhas mãos - nunca divulga-das pela imprensa - um conjunto de 33 grandes medidas, acções governamen-tais, decretos e leis adoptadas entre Abril de 2011 e Fevereiro de 2012 que mudam completamente a realidade política do país.

10. A SÍRIA É O ÚNICO PAÍS ÁRABE QUE APOIA COM FIRMEZA A CAUSA PALESTINIANA - VERDADE E não se pode falar em apoio pela meta-de, parciais. Apenas na Síria, na sua ca-pital, funcionam escritórios de todas as organizações da resistência palestiniana. O confronto que o povo e o governo da Síria têm dado a Israel, contra as ocupa-ções que o estado sionista faz em terras árabes é o maior que se tem visto em todo o Médio Oriente.Desde a queda do governo de Saddam Hussein e o seu assassinato, que procu-rava dar enfrentar a ocupação america-na de toda a região; desde a queda e o assassinato de Muammar Khadaffi em Outubro passado, um a um foram caindo todos os focos de resistência ao imperia-lismo americano e a Israel. Restou a Síria. É preciso instalar governos dóceis aos norte-americanos e aos sionistas em todo o mundo árabe para que se complete seu projecto neocolonial na região.E é preciso deixar claro: derrubar Bashar hoje significa enfraquecer a resistência libanesa e palestiniana e isolar comple-tamente o Irão! Quem não compreender essa geopolítica no Médio Oriente não

entende nada nem de Médio Oriente nem de política internacional!

11. A OTAN E A AL QAEDASÃO ALIADOS - VERDADEAqui é preciso esclarecer muitas coisas. Ainda que isto possa parecer inacreditá-vel, para quem foi bombardeado durante anos com a informação de que a rede Al Qaeda de Osama Bin Laden sempre foi uma rede terrorista, que teriam feito os atentados às torres gémeas no 11 de Se-tembro de 2001, isto pode parecer mes-mo um verdadeiro absurdo. Mas não é.Escritores, jornalistas independentes e intelectuais progressistas todos os dias trazem informações precisas e importan-tes que comprovam esta informação. E os próprios comunicados da organização Al Qaeda pelo seu novo “comandante”, o médico pediatra egípcio Ayman Al Zawahiri o atestam. Textos recentes da sua lavra ou a ele atribuídos, mencionam a importância fundamental da queda do governo sírio em aliança com as forças do autoproclamado Exército da Síria Li-vre, uma organização que prega o Estado Islâmico.A Al Qaeda faz questão de não dialo-

gar com o governo. Foi assim na Líbia quando apoiou abertamente a queda de Khadaffi e fez aliança com as for-ças da OTAN. Agora, da mesma forma, conversações de alto (?) nível entre emissários da OTAN com líderes da Al Qaeda que actuam na Síria mostra esta aliança, que é abastecida fartamente com dólares do petróleo árabe das mo-narquias do Golfo e dinheiro da CIA e da Mossad, via território curdo.Como diz Pepe Escobar, combativo jornalista brasileiro correspondente do Asia Times, “quem imaginaria que o que a Casa de Saud deseja ver na Síria é exactamente o que a Al Qaeda deseja para a Síria? Quem imaginaria que o CCG e a OTAN desejam para a Síria é o mesmo que a Al Qaeda deseja para esse país?”.

12. A TURQUIA E O SEU GOVERNO VOLTAM AS COSTAS AOS ÁRABES - VERDADEÉ lamentável ter que reconhecer, mas o governo de Recep Tayyip Erdogan, cujo partido governa a Turquia há qua-se nove anos (desde 14 de Março de 2003), com o seu Partido da Justiça e do Desenvolvimento - PJD (em turco AKP, ou Adalet ve Kalninma Partisi), tem outros projectos para o seu país e para uma liderança de toda a região.Como bem sabemos, a região do Mé-dio Oriente é habitada por diversos povos. Além do árabe, que são a esma-gadora maioria, temos ainda os persas (Irão), os judeus (Israel) e os turcos na Turquia, que é um país laico (ape-sar de 97% da população pertencer ao islamismo sunita) e foi ocidentalizado de tal forma que até o seu alfabeto foi modificado. A separação das entidades e instituições religiosas do Estado é ab-soluta. No entanto, com Erdogan isto tem sido gradualmente modificado.Na verdade, o seu partido tem ganho as eleições por modificar o cenário turco de tal forma que boa parte da popula-ção já admite uma certa islamização da sociedade. A imprensa apresenta Erdo-gan como membro de um partido “mu-çulmano moderado”. Sabe-se lá o que isso significa. No entanto, o grande sonho, o grande projecto desse Partido, o AKP (em tur-co), é integrar-se na Europa. O falecido cientista político Samuel Huntington já o havia previsto no seu artigo clássico da Foreing Office de 1995 que causou polémica académica em todo o mundo, intitulado Clash of Civilizations. A crítica que a Turquia recebeu de Huntington era de que o país viraria as costas para ao mundo islâmico e teria mais interesses em olhar para a Euro-pa. Hungtinton afirmou - quase como uma profecia - que nunca seria admi-tida na Europa, por ser um continente extremamente preconceituoso, cristão e anti-islâmico, por mais que a Turquia fosse um país laico. Sabe-se que o Vati-cano se pronuncia contra a entrada da Turquia na Europa. Era discreto com João Paulo II, agora é aberto com Ben-to XVI.

A violência mascarada é apoiada pela Europa e pelos EUA

h42

3 20

12

Page 5: h - Suplemento do Hoje Macau #36

I D E I A S F O R T E S

Nesse sentido, desde 2003, Erdogan tem-se aproximado da Europa. O seu país é membro da OTAN e tem bases militares dessa organização militar, an-tes contra a URSS e hoje contra qual-quer mudança progressista ou revolu-cionária em qualquer país do mundo. Chegou a ensaiar passos contra Israel. Não é para menos. O governo sionis-ta de Netanyahu interceptou em 2010 uma frota de vários navios e fuzilou nove cidadãos turcos. Erdogan teve que subir o tom. Chegou a desempe-nhar um papel importante na tentativa de tirar o Irão do isolamento, que con-tou com o apoio de Lula do Brasil.Mas mudou de posição. Voltou ao que sempre foi. Tem um sonho de ser a grande liderança do Médio Oriente e, inclusivamente, dos árabes. Baixou completamente o tom de voz contra Israel. Apoiou os ataques da OTAN/Europa à Líbia e apoia abertamente a queda do governo na Síria numa cla-ra ingerência nos assuntos internos de um país vizinho que teria que respeitar. Dá abrigo ao exército mercenário esta-cionado nas suas fronteiras com a Sí-ria. Faz uma manobra arriscada. Coloca em pé de guerra todos os milhões de curdos que vivem em território turco e odeiam o seu governo (pelo menos na Síria são mais bem tratados). A política de Erdogan de “zero problemas com os vizinhos” hoje vemos uma situação de “zero amigos”. Talvez sonhe com a volta do império turco-otomano. Mas não há espaço

para isso. Terá que fazer a sua escolha. E, neste momento, tem escolhido o que há de pior para o mundo árabe e para toda a Ásia, ouseja, uma aliança tácita com o imperialismo americano e euro-peu.

13. RELATÓRIO SOBRE A SITUAÇÃODA SÍRIA SÓ VALE QUANDO FALA MAL DO GOVERNO - VERDADEDois relatórios foram produzidos nos últimos 90 dias sobre a Síria. Um, da lavra do representante da ONU para Direitos Humanos na Síria, o brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, da USP e outro, assinado pelo general sudanês, Mo-hammed Ahmad Al-Dabi.Escrevi um artigo sobre o primeiro re-latório. O Prof. Paulo Sério nem sequer entrou na Síria, mas escreveu sobre o que não viu. Fez um relatório faccioso, tendencioso, parcial. Não ouviu nin-guém do governo, apenas opositores no exílio. Tal relatório foi amplamente saudado pela imprensa internacional como “equilibrado”. Atacava o governo de todas as formas possíveis.O outro relatório foi feito sob a coor-denação do experiente general sudanês, ex-presidente de seu país. A comissão formada era da Liga Árabe e integrada por 160 pessoas. Passaram trinta dias na Síria. Visitaram várias cidades, ouviram a oposição e o governo. Não constata-ram a violência que o mundo diz haver no país. Não atestaram o número exor-bitante de mortos que a imprensa oci-dental divulga. Antes pelo contrário.

Constaram sim milhares de mortos das forças regulares, do exército e da polícia. Presenciaram milhões nas ruas em apoio ao governo de Bashar Assad. Mas, como disse Kissinger num re-cente artigo, o governo é amado pelo povo, mas mesmo assim tem que cair (sic). Esse foi o relatório que apontou a existência de 147 órgãos de impren-sa a funcionar livremente na Síria. Imediatamente, a Liga Árabe, que representa hoje apenas as petro-mo-narquias do Golfo e os interesses da OTAN, prontamente rejeitou tal rela-tório, levando o seu presidente a re-nunciar aos trabalhos. De facto, dois pesos e duas medidas. Só não vê quem não quer. 

14. OS EUA VIVEM UMA INDIGNAÇÃO SELECTIVA - VERDADENunca a famosa frase de “um peso e duas medidas” ficou tão clara e tão evi-dente como no momento actual da di-plomacia norte-americana com Barak Obama. O Pentágono e o Departa-mento de Estado são hoje mais ideó-logos que planeadores. São selectivos nas suas análises, facciosos. Colocam-se contra o Irão e o seu pro-grama nuclear pacífico, mas nada di-zem sobre as duzentas ogivas nuclea-res que Israel possui. Falam contra o “ditador” Bashar, mas não se pronun-ciam contra as monarquias absolutis-tas, obscurantistas, fascistas e feudais do Golfo, por estas serem seus aliados, amigos e pró-Israel. Pronunciaram-se

contra a “repressão” na Síria, mas ca-laram-se com o massacre dos xiitas no Bahrein. Falam contra o uso das forças armadas sírias que defende o país, mas calam-se contra a invasão que as forças armadas sauditas fizeram no Bahrein, sede da 5ª Frota dos EUA que patrulha o Golfo Pérsico-Arábico. Abusam do direito de veto no CS/ONU a favor de Israel, mas indignam-se contra um veto exercido dentro das regras pre-vistas na Carta das Nações usado pela China e pela Rússia.

15. TERRORISTAS AGEM ABERTAMENTE NA SÍRIA - VERDADEA imprensa apenas acusa o governo de matar dezenas, centenas de cidadãos. No entanto, tem sido obrigada a no-ticiar mais e mais atentados terroristas contra prédios públicos, oleodutos, gasodutos, escolas e até mesmo hos-pitais. São feitos por mercenários con-tratados a peso de ouro pelo obscuro Exército da Síria Livre. O objectivo desses ataques é destruir a infraestru-tura do país e voltar a opinião pública contra o governo.É preciso destacar que a acção destes grupos mercenários conta com apoio e total suporte da OTAN que os treina e financia, a partir de campos na frontei-ra da Turquia. Estão envolvidos nessa operação a CIA e o MI6 inglês, além, claro, como sempre, a Mossad.

* Sociólogo, Professor, Escritor e Arabista

Esta é a liberdade prometida pelos rebeldes sírios

h5

2 3

2012

Page 6: h - Suplemento do Hoje Macau #36

h6 E N S A I O2

3 20

12

SABER SE os homens são capazes de fazer es-colhas e eleger o seu caminho, ou se não passam de joguetes de alguma força misteriosa, tem sido há séculos um dos grandes temas da filosofia e da religião. De certa maneira, a primeira tese saiu ven-cedora no mundo moderno. Vivemos no mundo de Cássio, um dos personagens da tragédia Júlio César, de William Shakespeare. No começo da peça, o nobre Brutus teme que o povo aceite César como rei, o que poria fim à República, o regime adotado por Roma desde tempos imemoriais. Ele hesita, não sabe o que fazer. É quando Cássio procura induzi-lo à acção. Seu discurso contém a mais célebre defesa do livre-arbítrio encontrada nos livros. “Há momentos”, diz ele, “em que os homens são donos de seu fado. Não é dos astros, caro Brutus, a culpa, mas de nós mesmos, se nos rebaixamos ao papel de instrumentos.”

Como nem sempre é o caso com os temas filosóficos, a crença no livre-arbítrio tem reflexos bastante concretos no “mundo real”. A maneira como a lei atribui responsabilidade às pessoas ou pune criminosos, por exemplo, depende da ideia de que somos livres para tomar decisões, e portanto devemos responder por elas. Mas a vitória do livre-arbítrio nunca foi completa. Nunca deixaram de existir aqueles que acreditam que o destino está escrito nas estrelas, é ditado por Deus, pelos instintos, ou pelos condiciona-mentos sociais. Recentemente, o exército dos deterministas – para usar uma palavra que os engloba – ganhou um reforço de peso: o dos neurocientistas. Eles são enfáticos: o livre-arbítrio não é mais que uma ilusão. E dizem isso munidos de um vasto arsenal de dados, colhidos por meio de testes que controlam o cérebro em tempo real. O que muda se de facto for assim?

MAIS RÁPIDO QUE O PENSAMENTO Experiências que vêm a ser realizadas por cientistas há anos conseguiram mapear a existência de activi-dade cerebral antes que a pessoa tivesse consciência do que iria fazer. Ou seja, o cérebro já sabia o que seria feito, mas a pessoa ainda não. Seríamos como computadores de carne - e nossa consciência, não mais do que a tela do monitor. Um dos primeiros trabalhos que ajudaram a colocar o livre-arbítrio em suspensão foi realizado em 2008. O psicólogo Benjamin Libet, numa experiência hoje considerada clássica, mostrou que uma região do cérebro envol-vida em coordenar a actividade motora apresentava actividade eléctrica uma fracção de segundos antes dos voluntários tomarem uma decisão – no caso, apertar um botão. Estudos posteriores corroboraram a tese de Libet, de que a actividade cerebral precede e determina uma escolha consciente.

ArethA YArAk

Novas investigações sugerem que o que cremos serem escolhas conscientes são decisões automáticas tomadas pelo cérebro.

Livre-arbítrio MITO OU REALIDADE?O investigador Stefan Bode e a sua equipa

realizaram exames de ressonância magnética em 12 voluntários, todos entre 22 e 29 anos de idade. Assim como na experiência de Libet, a tarefa era apertar um botão, com a mão direita ou a esquer-da. Resultado: os cientistas conseguiram prever qual seria a decisão tomada pelos voluntários sete segundos antes deles tomarem consciência do que faziam.

O pai da neurociência cognitiva apresenta argumentos contra o senso comum de que somos guiados pelo livre-arbítrio. Para Gazzaniga, a mente é gerada pelo cérebro, que guiado pelo determinismo biológico define quem nós somos. 

Nesses sete segundos entre o acto e a consci-ência dele, foi possível registar actividade eléctrica no córtex polo-frontal — área ainda pouco co-nhecida pela medicina, relacionada com o maneio de múltiplas tarefas. Em seguida, a actividade eléctrica foi direccionada para o córtex parietal, uma região de integração sensorial. A pesquisa não foi a primeira a usar ressonância magnética para investigar o livre-arbítrio no cérebro. Nunca, no entanto, havia sido encontrada uma diferença tão grande entre a actividade cerebral e o ato consciente.

Patrick Haggard, pesquisador do Instituto de Neurociência Cognitiva e do Departamento de Psicologia da Universidade College London, na Inglaterra, cita experiências que comprovam que o sentimento de querer algo acontece após (e não antes) de uma actividade eléctrica no cérebro.

“Neurocirurgiões usaram um eléctrodo para estimular um determinado local da área motora do cérebro. Como consequência, o paciente manifestou em seguida o desejo de levantar a mão”, disse Haggard. “Isto evidencia que já existe actividade cerebral antes de qualquer decisão que a pessoa tome, seja ela motora ou sentimental.”

O psicólogo Jonathan Haidt, da Universidade da Vírginia, nos Estados Unidos, demonstrou que grande parte dos julgamentos morais também é feito de maneira automática, com influência directa de fortes sentimentos associados a certo e errado. Não há racionalização. Segundo o pesquisador, certas escolhas morais – como a de rejeitar o incesto – foram seleccionadas pela evolução, porque funcionou em diversas situações para evitar descendentes menos saudáveis pela expressão de genes recessivos. É algo inato e, por isso, comum e universal a todas as culturas. Para a neurociência, é mais um dos exemplos de como o cérebro traz à tona algo que aprendeu para conservar a espécie.

1920: ALBERT EINSTEIN“Sobre a liberdade humana, no sentido filosófico, sou definitivamente um descrente. Todo mundo age não só sob compulsão externa, mas também

de acordo com uma necessidade interior. (...) Não acredito em liberdade de arbítrio. Esse reconhecimento de não-liberdade protege-me de me levar a mim e aos outros homens muito à sério, como agir e julgar os indivíduos e perder o bom humor.”

A mente como produto do cérebro — como o cérebro já se encarregou de decidir o que fazer – e o acto está feito —, é preciso contextualizar a situação. É aí que entra a nossa consciência. Ela também é um produto da actividade cerebral, que surge para dar coerência às nossas acções no mundo. O cérebro toma a decisão por conta própria e ainda convence o seu ‘dono’ de que o responsável foi ele.

Noutras palavras: quando se pára, pensa e toma decisões pontuais, tem-se a sensação de que um eu consciente e racional, separado do cérebro, segura as rédeas da vida. Mas para cientistas como Michael Gazzaniga, coordenador do Centro para o Estudo da Mente da Universidade da Califórnia e um dos maiores expoentes da neurociência na actualidade, não existe essa diferenciação. Segun-do ele, somos um só: o que é cérebro também é mente. A sensação de que existe um eu, que habita e controla o corpo, é apenas o resultado da actividade cerebral que nos engana. “Não há nenhum fantasma na máquina, nenhum material secreto que é a pessoa”, diz Gazzaniga, que, no seu mais recente livro, “Who’s in Charge – Free Will and the Science of the Brain”, esmiúça a mecânica cerebral das decisões. 

Segundo Gazzaniga, o cérebro humano está sempre a inventar. A invenção de pequenas his-tórias para explicar as nossas escolhas seria uma maneira sagaz de estruturar a nossa experiência quotidiana. Essa estrutura narrativa, segundo Patrick Haggard, tem um significado importante na evolução humana.

“Criar histórias sobre as nossas acções pode ser útil para quando nos depararmos com situações similares no futuro. É assim que iremos decidir como agir, relembrando resultados anteriores”, diz. Ou seja, funcionamos na base do certo e do erro, e da cópia do comportamento de pessoas próximas – principalmente os nossos familiares. “Por isso a educação das crianças é tão importante. É um momento em que o cérebro absorve uma grande carga de informações e está a ser moldado, criando parâmetros para saber como se portar, como viver em sociedade.” 

DÚVIDAS Em artigo publicado no “Advances in Cognitive Psychology”, o pesquisador W. R. Klemm coloca em questão a metodologia usada em diversas experiências recentes da neurociência. Segundo Klemm, que é professor na Universidade do Texas e autor do livro “Atoms of Mind. The ‘Ghost in the

Page 7: h - Suplemento do Hoje Macau #36

h7E N S A I O

2 3

2012

Novas investigações sugerem que o que cremos serem escolhas conscientes são decisões automáticas tomadas pelo cérebro.

MITO OU REALIDADE?Machine Materializes”, alguns estudos sugerem que não é possível medir com precisão o tempo entre o estímulo cerebral e o acto em si. O que poderia deitar abaixo toda a tese de Gazzaniga e seus aliados.

O argumento principal do pesquisador, no entanto, recai sobre a generalização dos testes. “Não é porque algumas escolhas são feitas antes da consciência em uma tarefa, que temos a prova de que toda a vida mental é governada desta maneira”, escreve no artigo. Klemm defende ainda a tese de que actividades mais complexas do que apertar um botão ou reconhecer uma imagem devem ser feitas de maneiras muito mais complexas. “As experiências feitas são muito limitados.”

Ainda que as pesquisas estejam correctas, os próprios neurocientistas reconhecem que a ideia de um mundo sem livre-arbítrio provoca estra-nheza. Esforçam-se, sobretudo, para conciliar a sua teoria com o problema da responsabilidade pessoal. “Mesmo que a gente viva num universo determinista, devemos todos ser responsáveis pelas nossas acções”, afirma Gazzaniga. “A es-trutura social entraria em caos se a partir de hoje qualquer um pudesse matar ou roubar, com base no argumento simplista de que o ‘meu cérebro mandou-me fazer isso’.”

Para o cientista cognitivo Steven Pinker, a solução talvez seja manter a ciência e moral como dois reinos separados. “Creio que ciência e a ética são dois sistemas isolados de que as mesmas enti-dades fazem uso, assim como póquer e bridge são dos jogos diferentes que usam o mesmo baralho”, escreve no livro “Como a Mente Funciona”. “O livre-arbítrio é uma idealização que torna possível o jogo da ética.”

Continuaríamos, assim, a viver no mundo descrito por Cássio em Júlio César. “Há momentos em que os homens são donos de seu fado”, diz ele. Neurocientistas como Pinker estão prontos a concordar com isso - desde que se entenda o livre-arbítrio como uma ilusão necessária para o jogo das leis e da ética - e desde que se ponha o cérebro o lugar dos astros, como o grande condutor de nossos actos.

EMOÇÃO VS. RAZÃONo seu recente livro “Thinking, Fast and Slow”, o vencedor do prémio Nobel de Economia de 2002, Daniel Kahneman, defende a tese de que grande parte das nossas decisões são puramente emocionais. Mesmo quando um pessoa acredita que está a racionalizar, e que faz um determinado investimento baseado em dados, está, na verdade, a agir através emoção.

Isso explica por que razão as pessoas criam empatia por um político apenas pela sua fi-sionomia ou porque professores tendem a dar

melhores notas a alunos que já se destacam. Kahneman ainda discorre sobre a substituição do problema, mecanismo pelo qual criamos opiniões intuitivas sobre assuntos complexos. Quando alguém lhe pergunta, por exemplo: “Quanto daria para salvar uma espécie amea-çada?”, a pergunta a que se responde é “Quão emotivo fico quando penso em golfinhos ameaçados?”

Abaixo estão dois testes propostos por Kah-neman. Segundo a tese do Nobel, a tendência é que se responde às perguntas motivado pela intuição e pelos estereótipos — deixando de lado a pura racionalidade. 1) Linda é uma mulher de 31 anos, solteira, e muito inteligente. Ela é graduada em filosofia. Enquanto estudante, envolveu-se profundamente com assuntos como discriminação e injustiça so-cial, e participou de demonstrações antinucleares. Qual a afirmação correcta?a) Linda é caixa de bancob) Linda é uma caixa de banco e participa acti-vamente do movimento feminista.Solução: Nas respostas de todos os grupos avaliados por Kahenaman, houve um consenso: quase 90% dos participantes colocaram a opção caixa de banco e feminista com altos índices de probabilidade. Mas a probabilidade de que Linda seja uma caixa feminista é menor do que a de ser apenas uma caixa de banco. Aqui, fica estabelecido um conflito entre a intuição de representatividade e a lógica de probabilidade. Pela lógica (e não a intuição e o estereótipo), Linda seria apenas uma caixa de banco.2) Quantos encontros amorosos teve no mês passado?a) 1 – 3b) 3 – 5c) 0Numa escala de 1 a 5, o quão feliz se tem sentido nesses dias (sendo 5 o mais feliz)?a) 1b) 2c) 3d) 4e) 5Solução: Independentemente da resposta, é bastante provável que a resposta à segunda pergunta esteja directamente relacionada com a primeira. Se você teve poucos encontros, vai-se sentir menos feliz – e vice-versa. Entretanto, quando as mesmas perguntas são feitas em ordens trocadas, a quantidade de encontros não influencia o quão feliz a pessoa se acha. Quando deparado com uma pergunta objectiva (quanto encontros teve no mês), seguida por outra subjectiva (felicidade), a resposta da primeira acaba por influenciar a segunda. Essa projecção é chamada de substituição.

Page 8: h - Suplemento do Hoje Macau #36

D E P R O F U N D I Sh82

3 20

12

BAR AZUL II

Pedro Lystmanna revolta do emir

“Blue is darkness made visible”

Passados quinze dias permanece a insistên-cia no patrocínio deste longínquo bar do Ho-tel Four Seasons. Por trás dela pode estar ainda a inocente esperança de que finalmente, uma noite, aqui aconteça alguma coisa. A esperança de que uma noite a influência tranquilizante do azul não seja suficiente e alguém cometa uma loucura. Se tal não acontecer aproveite-se a gradual intoxicação que este lugar permite, no meio de um luxo preciso, para deleitosamente procurarmos entender esta cor azul que tende a afastar-se de nós para uma distância cerúlea e espiritual - para muitos.

Condenados ao seu distanciamento, a con-templação da sua fuga não pode deixar de tra-

zer os seus prazeres, certos estes se nos deixar-mos abandonar aos cocktails cremosos que o Bar Azul ostenta, promessas espessas de uma arro-gância pequena.

Há quem não pense deste modo e não veja o azul como uma cor de distanciação mas como uma de imersão. Acontece assim no filme de Derek Jarman do mesmo nome, precisamente, Blue, apenas. Seria difícil não associar a voz se-pulcral que percorre o filme ao sussuro que este bar inspira. Será quase impossível, hoje em dia, não pensar neste filme à mínima sugestão de azul.

Neste filme de Jarman o ecrã está sempre azul porque esta é a cor em que o realizador viu o mundo durante a última fase da doença que precocemente o vitimou. Que eu conheça ape-

nas um outro filme dele, precisamente um em que a cor e as sombras são um dos seus elemen-tos gritantes e fundamentais, Caravaggio, vem acentuar de forma ainda mais dramática o eco que esta interrogação, que é uma interrogação que a predominância do azul sublinha, pode provocar. “In the pandemonium of images I present you with the universal blue”.

É ao olhar durante mais de uma hora para um ecrã de uma só cor que pensamos na força atraente, quase centrífuga, de alguns quadros com manchas de cor de grandes dimensões. Como se de uma porta ou de uma escada dum romance de Murakami Haruki se tratasse.

É nesses momentos que pensamos nas emo-ções que uma mancha de cor concentra, esteja esta bem colocada na nossa frente, para nos re-ceber.

Estou a pensar na sua capacidade de nos cha-mar e de nos convidar. Como se percorrêsse-mos o corredor de um bordel romano, aliciado por duas filas de messalinas. Estou a pensar mais precisamente em Mark Rothko provavelmente porque nele encontro um chamamento que não encontro em muitos outros pintores (certamen-te não nos figurativistas), um chamamento que é muitas vezes abissal. É precisamente em algu-mas das suas manchas azuis que pressinto, com medo, esse apelo espiritual (é numa fase mais tardia e mais negra que aparecem com mais fre-quência os seus azuis mais tenebrosos). É nestas enormes manchas que eu não entro apenas por-que nada me assegura o retorno.

Mas poderia estar a pensar em Barnett New-man, em Jules Olitski, ou em muitos outros pintores. Poderia estar inclusivamente a pensar em alguns quadros de Ângelo de Sousa, os pri-meiros que dele conheci, onde não reconheço, contudo, qualquer perigo. É especialmente em alguns azuis de Newman ou Rothko que eu sin-to convocado esse poder de atracção que nos obriga a tentar neles entrar, e assim passar para outro lugar.

Pode também ser que tudo isto me esteja a atingir porque os martinis, que neste bar não serão muito generosos mas são de confecção muito decente, excitem a tendência para o en-golimento saturnino do azul.

Pode ser que, afinal, o sistema de metro ligeiro a construir em Macau sirva para algu-ma coisa. Ficaremos, pelo menos, mais perto dos bares desta zona. De regresso, sem ca-bina para o maquinista, poderemos apreciar de uma perspectiva completamente nova e ligeiramente elevada, embriagados e com o nariz colado ao vidro da frente, a cidade à noite, pictoricamente abstracta, húmida e azul escura.

Page 9: h - Suplemento do Hoje Macau #36

T E R C E I R O O U V I D O

DA TERRA PROMETIDA

h9

2 3

2012

Em 1983, Nile Rodgers (lendário produtor que pôs meio mundo a dançar quando formou, com Bernie Edwards, os Chic) lançou “Adven-tures in the Land of the Good Groove”. Na capa do disco surge o que parece ser um mapa dos antigos, daqueles do tempo em que o mundo tinha ainda outra forma, outra dimen-são. A imagem, na sua imprecisão, deixa-nos com a sensação de estarmos a olhar para um daqueles outros mapas de tesouros escondidos que ciosos piratas desenhavam para não se es-quecerem do local onde enterravam arcas va-liosas, numa representação misteriosa que só eles poderiam deslindar. Talvez por isso, hoje, The Land of the Good Groove continue um paraíso virgem, intacto, ainda à espera de ser descoberto. Mas há outros trópicos desconhe-cidos, algures.

Vinte e sete anos depois de Nile Rodgers foi a vez de dois japoneses apresentarem ao mundo as coordenadas de uma outra terra pro-metida. “Gozmez Land * Chaosexotica” é o tí-tulo do primeiro longa-duração de COS/MES, duo formado por Flatic e 5ive (Koji Hanaza-to e Takanori Goto). Ambos fazem parte do colectivo artístico Tasha Hisha, baseado em Tóquio, um colorido grupo que junta “skaters” e “ravers”, realizadores e “graffiters” e tudo o mais que a capital japonesa albergar na sua urbe imensa.

Fazendo jus à diversidade do ambiente, a música que os COS/MES, desde 2007, têm vindo a editar reflecte influências díspares que praticamente atravessam os últimos 50 anos de música popular, comprimidos aqui numa mú-sica que, na sua forma, tem os parentes mais

directos na House Music e no Jazz de vocação interplanetária, tal como foi imaginado por Miles Davis ou por Sun Ra.

Apesar da regularidade em certos circuitos alternativos iluminados por bolas de espelhos que não param de girar, a carreira de COS/MES só haveria de disparar para outros níveis depois de Andrew Hogge (Lovefingers) os ter acolhido na sua editora, ESP Institute, o selo que “Gozmez Land * Chaosexotica” trouxe no verso da capa quando veio ao mundo, em 2010.

Tinha sido ainda nesse ano que os COS/MES editaram quatro EP, material aproveitado depois para o LP, ao qual se junta meia dúzia de temas inéditos até então.

Se tivéssemos que definir a música de “Goz-mez Land * Chaosexotica” numa única expres-são, talvez a mais acertada fosse “psychedelic disco”, mas mesmo a junção destes dois des-vairados universos não evita que se deixe de fora um sem fim de facetas de uma sonoridade sem complexos e livre com que os dois japo-neses nos brindam.

Logo a abrir, “From Outer Space” oferece--nos os sons de uma selva nocturna que ser-vem de pano de fundo a um ritmo que parece decalcado de “Moments in Love”, o clássico balear dos Art of Noise. Quando nos julgamos em terra firme, familiar, irrompe aquilo que se assemelha a um canto difónico, típico das es-tepes mongóis. Mas eis que “Gozmez Land”, logo de seguida, nos devolve à selva e nos dei-xa a meio de um ritual tribal. Ressoam con-gas diabólicas e cânticos esporádicos, vozes de homens e de mulheres e outras criaturas,

e ainda mais vozes processadas para se asse-melharem a máquinas. Ainda não passaram 5 minutos e estamos completamente perdidos no caos exótico desta terra nova.

A propósito do tema que dá título ao ál-bum, a ESP Institut admite que os COS/MES apresentam uma música “difícil de descrever por palavras”, para a seguir nos sugerirem ima-ginar Fitzcarraldo (o obstinado personagem do filme de Herzog que queria, a todo o custo, construir uma ópera na selva) a ser incitado não por Enrico Caruso, mas por música Hou-se.

Aos poucos, vamos recuperando o fôlego e os passos já dados para assimilar que esta é música de dança para ouvir como se assistísse-mos a um filme de “suspense” dos bons, daque-les em que nunca se sabe o que vai acontecer a seguir.

Há por aqui o que não julgaríamos possí-vel encontrar numa pista de dança, seja numa discoteca, seja no areal de uma praia deserta. Pathos, por exemplo, carga dramática, paixão, soberba.

Num tempo em que a falta de ideias é mui-tas vezes disfarçada com o excesso de referên-cias e colagens que quanto mais absurdas mais originais parecem, ainda que não disfarcem a inevitável inconsequência e não resistam à atenção demorada, “Gozmez Land * Chaose-xotica” é um dos documentos que melhor defi-ne uma época da música electrónica. Que este disco tenha vindo do Japão, sorvedouro por excelência e simultaneamente recalcitrante e infinitamente criativo, não admira. “The sun rises in the east”, de facto.

próximo oriente Hugo Pinto

Page 10: h - Suplemento do Hoje Macau #36

h102

3 20

12

gente sagrada José simões morais

C I D A D E S I N V I S Í V E I S

Bao Zheng (999-1062) foi um juiz que ficou para a História pela sua inte-gridade e justiça, pois tinha a capaci-dade de descer aos Infernos para inter-rogar os mortos. Excepcional oficial e homem de Estado da dinastia Song do Norte, Bao Gong, como ficou conhe-cido, nasceu numa família de intelec-tuais de Luzhou, em Hefei, na actual província de Anhui. Aos 29 anos pas-sou nos exames imperiais e qualificado como Jinshi (candidato aprovado nos exames nacionais) foi apontado como magistrado do concelho, mas resignou para ir tratar dos idosos e doentes pais durante 10 anos.

Em 1040, após a morte destes, foi apontado como mandarim de Duanzhou (Zhaoqing, província de Guangdong) pelo imperador Renzong (1010-63). Aí exerceu o cargo com tal eficiência que, três anos depois, foi promovido para ir trabalhar em Kai-feng, que por essa altura era a capital da dinastia Song.

Ao deixar Duanzhou, a população resolveu oferecer-lhe uma preciosa pedra de Duan, conhecida em toda a China como o melhor recipiente para manter em boas condições a tinta usa-da pelos calígrafos. Ele, ao entrar para o barco, atirou a pedra ao rio pois, pelo seu conceito ético, não queria levar consigo nada mais do que tinha trazi-do quando para ali fora exercer o seu cargo. Algo contrário ao que aconte-cia com alguns oficiais que usavam os cargos para enriquecer. O povo grato pela sua honestidade e justiça ergueu em sua honra o Templo Ancestral de Bao Gong, a Leste da cidade.

Várias são as histórias relacionadas com a sua maneira de fazer justiça. A primeira, ainda Bao Zheng era man-darim de Duanzhou, quando recebeu em audiência duas mulheres que recla-mavam a maternidade de uma criança. Com um paralelo em relação à justiça de Salomão, o juiz Bao perguntou às pretensas mães sobre qual era o peque-no-almoço que a criança tomava. Cada uma descreveu a refeição que lhe dava e então o juiz propôs que a criança fos-se aberta para ser verificado nos intes-tinos qual delas tinha razão. Enquanto uma aplaudiu tal resolução, a outra, com lágrimas nos olhos, prescindiu da maternidade para que a criança pu-desse continuar a viver. Logo ali Bao Zheng ficou a saber quem era a verda-deira mãe e assim lhe entregou o filho.

Outra história, esta passada na ca-pital, quando Bao Zheng era prefeito de Kaifeng, refere que um caso já re-solvido de um assassinato chegou às suas mãos para ele confirmar a senten-ça. Ao ler todo o processo achou mui-to estranho ser o assassino primo da vítima, uma jovem e bela rapariga que

iria em breve casar-se com quem a ti-nha morto. A prova incriminatória era o lenço que estrangulara Liu Jinchan, oferecido pelo próprio primo. Algo ali não batia certo! Quando questionou o culpado, apresentado pelo Ministro da Justiça, este disse só ter confessado o crime após inúmeras torturas sofridas e reclamou-se inocente. Acrescentou, para provar a sua inocência, que seria muito estúpido ter morto Liu Jinchan quando ia casar com ela e ainda ter deixado o lenço para o identificar.

Então Bao Zheng quis ouvir os argumentos incriminatórios dos em-pregados da justiça e enquanto assistia aos relatos, o seu espírito voou até ao Inferno para tentar encontrar Liu Jin-chan e saber por ela o que acontecera. À entrada, pediu o livro dos registos de entradas e para seu espanto desco-briu ali o nome do acusado primo, que deveria ser morto nesse dia. Depois, ao chegar à ponte onde a memória é apagada, encontrou Liu Jinchan, que em baixo desta se encontrava agarra-da. Então ouviu os acontecimentos re-latados pela própria, que denunciou o filho do Ministro da Justiça e os seus dois serventes. Este queria raptá-la mas, como ela gritasse a pedir ajuda, ataram-lhe o lenço à volta do pescoço e assim a tinham estrangulado. Com o caso deslindado, ao passar de novo pelo guardião do livro dos mortos mandou-lhe uma talhada: “Por dinhei-ro, até os maus espíritos se corrom-pem”.

Voltando à sala das Audiências, Bao Zheng mandou chamar o filho do Ministro da Justiça e, acusando-o do assassínio da jovem Liu Jinchan, sentenciou-o à morte. Virando-se para os inquiridores do processo, logo ali os demitiu do cargo por terem aceitado o suborno, tal como tinham feito ao mau espírito que registava as entradas dos Infernos. Quanto ao pai do novo acu-sado, o Ministro da Justiça, enviou ao imperador o processo com a indicação para ser demitido, o que foi deferido.

Com uma capacidade de descer aos Infernos para interrogar os mortos, este juiz resolveu muitos casos de uma forma misteriosa e justa. E pela sua in-tegridade ética conseguiu confrontar e sanear poderosos oficiais, que muito dificilmente seriam condenados.

Como divindade do panteão da-oista, Bao Gong é apresentado com o rosto preto e um crescente de Lua na testa. Conhecido em Macau por Pau Kong tem o seu templo na Rua da Figueira. É o Rei dos Raios e, segun-do uma história mitológica, antes de nascer, um espírito trocou-lhe a cara que era formosa, por outra feia e preta, com um olhar terrível como se tivesse sido fulminado por um raio.

A ÉTICADE BAO GONG

Page 11: h - Suplemento do Hoje Macau #36

h11

2 3

2012L E T R A S S Í N I C A S

A COMPREENSÃO DOS MISTÉRIOSWEN ZI 文子

“Quando o governo não é invasivo, o povo é puro; quando o governo é invasivo, o povo vive na penúria.”

O texto conhecido por Wen Tzu, ou Wen Zi, tem por subtítulo a expressão “A Compreensão dos Mistérios”. Este subtítulo honorífico teve origem na renascença taoista da Dinastia Tang, embora o texto fosse conhecido e estudado desde pelo menos qua-tro a três séculos antes da era comum. O Wen Tzu terá sido compilado por um discípulo de Lao Tzu, sendo muito do seu conteúdo atribuído ao próprio Lao Tzu. O historiador Su Ma Qian (145-90 a.C.) dá nota destes factos nos seus “Registos do Grande Historiador” compostos durante a predominante-mente confucionista Dinastia Han.

A obra parece consistir de um destilar do cor-pus central da sabedoria Taoista constituído pelo Tao Te Qing, pelo Chuang Tzu e pelo Huainan--zi. Para esta versão portuguesa foi utilizada a primeira e, até à data, única tradução inglesa do texto, da autoria do Professor Thomas Cleary, publicada em Taoist Classics, Volume I, Shamba-la, Boston 2003. Foi ainda utilizada uma versão do texto chinês editada por Shiung Duen Sheng e publicada online.

CAPÍTULO 178

Lao Tzu disse: Existe um rio com dez braças de profundidade. Como não é sujo, nele se podem ver metal e pedras. Não se trata que não seja profun-do ou limpo, mas não há peixes, tartarugas ou cobras de água que nele vivam. O cereal não cresce sobre rochas; os veados não erram em montanhas nuas, pois nelas não há camuflagem.Assim, na prática do governo, se a dureza for tida por excesso de atenção ao detalhe, ou a pressão for tida por perspicácia, ou a cruel-dade para com os subordinados for tida por lealdade, ou ser capaz de inventar numerosos esquemas for tido por feito meritório, tais coisas são formas de causar imensa ruína e divisões irremediáveis.“Quando o governo não é invasivo, o povo é puro; quando o gover-no é invasivo, o povo vive na penúria.”

Tradução de Rui Cascais Ilustração de Rui Rasquinho

Page 12: h - Suplemento do Hoje Macau #36