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h ARTES, LETRAS E IDEIAS PARTE INTEGRANTE DO HOJE MACAU Nº 2871. NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE ANTóNIO CONCEIçãO JúNIOR O TRâNSITO DA LUZ

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Suplemento h - Parte integrante da edição de 14 de Julho de 2013

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PARTE inTEgRAnTE DO HOJE MACAU nº 2871. nÃO PODE SER VEnDiDO SEPARADAMEnTE

antónio ConCeição Júnior

o trânsito da luz

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Mapas da alMa

“TrânsiTos”, exposição de foTografia de anTónio ConCeição Júnior, paTenTe no CreaTive MaCau

A conceptuAlidAde que presi-de à actividade artística define eixos de pesquisa que implicam determinadas es-colhas estéticas, técnicas-instrumentais e tecnológicas, em ordem a determinada síntese expressiva, propiciatória de um acto de comunicação visivo. os pressu-postos teóricos e metodológicos são de enorme flexibilidade, tornam-se flutuan-tes, articulando-se dinamicamente com outros conhecimentos, apropriações de diferentes modos de fazer em constante

redefinição dos conteúdos expressivos da proposição plástica.em Trânsitos, exposição de fotografia da autoria de antónio Conceição Júnior, que inaugurou ontem no Creative Ma-cau, as fotografias são “mapas da alma”. são canas, estiletes, rolos e trinchas que dilaceram a superfície, provocam diálo-gos, materializam emoções em manchas e brechas, escorrências que surpreen-dem as imagens que vão surgindo. o espaço é desabitado, fenomenológico, não existe. o espaço sem pontos de ancoragem, sem linha de horizonte, as-sume a tensão dramática do vazio, em

que se constata a intransponibilidade do abismo caótico. são sugeridas cintila-ções de um magma informe que poten-cia os corredores fenomenológicos de significação da imagem fotográfica. as texturas que sulcam as fotografias, con-tam coisas indizíveis, anunciam territó-rios sagrados, intemporalidades.em Trânsitos estamos perante o vazio. falo de um vazio saturado de realida-de, de uma des-realização da própria realidade: a realidade não surge estru-turada mediante ficções simbólicas. e é então que a violência entra em cena. antónio Conceição Júnior inicia o

processo de transformação do lugar, nos seus componentes artificiais e na-turais, sempre sustentado numa recusa da ostentação e sobrecarga expressi-va, contemplando, sobretudo, aspec-tos mais subtis e reflexivos, como por exemplo, a cor da luz, a matéria e as suas qualidades tácteis. no entanto, o tema não é a simplificação, a pura abstracção formal, mas antes a essên-cia material, a “clareza tectónica”. as matérias fotografadas por antónio Conceição Júnior são o território exis-tente, a resposta ao problema surge numa fotografia que omite, reduz e

Tiago Quadros

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simplifica, sempre com o mesmo rigor – o rigor das matérias e das suas cores.Desse modo, o objecto-fotografia, com a pele gravada em sulcos como rugas de expressão, denuncia o tempo que pas-sou. Na sua fisicalidade de obra acabada, material e permanente, reflecte parte da sua própria arqueologia constituinte, um devir feito de impermanências e descon-tinuidades, de certo modo contraditório à estabilidade da aparência final. Ao mesmo tempo, colocando em presença um misto de dispositivos linguísticos típicos ou atí-picos, desloca a leitura para um território informe onde o processo se cruza com a sua própria história, com as suas muta-ções, rupturas e lutos (há um sentido me-lancólico e a sua antíntese pragmática); e remete para uma história mais geral, com significados e possibilidades interpretati-vas diversas, expandindo o espaço pictó-rico para além da própria obra.Um espectador que chegue e, tentado a confirmar a dúvida perceptiva suscitada pela relação entre a tactilidade da matéria e a fotografia, caia na armadilha do jogo da leitura e da interpretação dos sinais visíveis, talvez possa, por uns momentos que seja, deixar-se levar pela sua própria construção de sentidos. Se isso suceder, se essa experiência tiver lugar, então poderá acontecer a experiência da fotografia, de novo, agora do lado de “lá”, do “outro”.A linguagem que a exposição de Antó-nio Conceição Júnior integra, pressupõe uma presença visitadora distinta. O es-pectador é obrigado a fazer um esfor-ço reflexivo e perceptivo muito maior que o habitual quando são empregues artifícios como as omissões num texto de Hemingway, as reduções de Carlos Ferrater, as notas ausentes numa peça musical de Philip Glass, os vazios das esculturas repetitivas de Donald Judd ou os silêncios do cinema de Antonio-ni ou Bergman. Com efeito, ao vivo, a escala e a cor de Trânsitos instauram um impacto inicial e os primeiros sintomas do regime híbrido da imagem fotográfi-ca oferece-se ao olhar e ao tacto, como uma imagem e uma coisa, virtual e, ao mesmo tempo, física. Grandes fissuras, remetendo para feixes de luz artificial ou electrónica, contaminam tons de remi-niscência natural, residentes nas muta-ções dos espessamentos da matéria, fa-zendo interferir, por meios “abstractos”, a mudança e efemeridade a que tudo parece destinado. Na exposição que pode ser vista até ao próximo dia 29 de Junho, no Creative Macau, António Conceição Júnior ul-trapassa o trauma da errância da ausên-cia e apresenta um corpo de trabalho à escala da sua realidade, numa “territoria-lização” circulante, intercomunicante e plural. Neste tempo de movimentos, de reciclagens apressadas da experiência criativa em nome da evocação liberta-dora de um qualquer formalismo, Antó-nio Conceição Júnior procura entender a natureza das dificuldades específicas na fundação de horizontes de diferença. E as suas fotografias elevam-se, rejeitan-do ideias de relação, compromissos for-mais ou estéticos.

Olhar para esta série de fotografias implica reconhecer-lhe uma certa qua-lidade abstracta, semelhante a muita da pintura feita na senda do Abstraccionis-mo lírico ou mesmo expressionista. To-davia, e pelo contrário, existe nela uma essência intrinsecamente concreta.Esta observação advém do facto destas imagens serem, na verdade, inspiradas numa realidade bastante mundana: pas-sadeiras da estrada de alcatrão. Mas por afirmá-las mundanas não poderemos dizer que são fruto da banalidade. São superfície mas que afirma na aparência toda a sua profunda complexidade.A visão que as trouxe à luz do dia pro-vem de uma eterna curiosidade perante o mundo que nos rodeia. Esta atitude permite trabalhar com o Real como uma ferramenta criativa, por um lado e, por outro, estar permissivo a sua eterna reinvenção. Trata-se de mostrar que aquilo que todos vemos não é uma realidade única, unívoca ou consensual mas sim proveito de múltiplas perspec-tivas. A reminiscência mencionada por António Andrade advém deste facto (ver catálogo). Desta maneira não é apenas o olhar do criador que é prove-niente de uma eterna curiosidade mas também o nosso, o de observadores que, perante o que vemos e de acor-do com as nossas próprias “bases de

dados” , imaginamos um conjunto di-verso de situações, desde montanhas a rios, e por aí adiante. Lembro-me a este respeito da altura em que era criança e viajava de carro olhando pela janela para as nuvens que, para mim, faziam figuras de animais. E, ainda, para o es-tranho facto de que mais ninguém via as mesmas figuras que se desenhavam no meu olhar...Para que não percamos esta reinven-ção criativa da Vida em torno, bastará que continuemos a olhar para o Mundo com o olhar fresco de uma criança. No caso específico destas fotografias elas alertam-nos para o facto de todos nós passarmos inúmeras vezes pelas estradas e passadeiras de uma cidade agitada sem dar crédito às marcas que estão debaixo dos nossos pés. Em António Conceição Júnior estes tornam-se leitmotivs que fa-zem do pormenor um objecto artístico. Curioso será observar que nos singelos detalhes de um pavimento, aqui recor-tado e isolado do seu contexto, o micro-cosmos se torna macroscosmos e vice--versa. Estas fotografias podem, assim, tornar-se imagens cósmicas que lem-bram o caos algo ordenado das forma-ções das galáxias ou das estrelas. Quase nos arriscamos a designá-las como ide-ográficas, próximas do arquétipo outro-ra presente nas manifestações artísticas arcaicas e pré-históricas, mais próximas do contemporâneo que poderíamos adivinhar. Aqui encontramo-nos, igual-

mente, na imensa maravilha do abstrac-to, aberto às múltiplas interpretações do visível. Como afirma Paul Klee, a Arte não re-produz o visível, antes torna visível... Desta forma, no momento em que es-tas obras fazem alusão ao chão, elas es-tão, também, a falar-nos do seu oposto, como se, e de acordo com o Tao, o todo estivesse incluído em tudo. “ Assim na terra como no céu”...Um último aspecto decorrente da ob-servação desta série é a alusão à memó-ria e, em última instância, ao Tempo. Este talvez seja o grande denominador destas trabalhos. Onde vemos o que poderiam ser começos de formações celestes estão, na verdade, as marcas de um desgaste das várias passagens de transeuntes que, nos seus passos, carre-gam consigo as inúmeras vivências pes-soais e, simultaneamente, o testemunho de uma cidade em mudança. Deparamo--nos, assim, com a verdadeira originali-dade destas imagens. Não é apenas nos edifícios em ruínas e nas transformações urbanísticas de grande porte que assis-timos à passagem do tempo na urbe. É em todos estes pormenores (aos quais ninguém parece dar valor) que existem as camadas da história. E é na atitude do artista que estas se reinventam, ao mes-mo tempo que se conservam. Não sendo tábuas rasas, estão na imi-nência do palimpsesto, prontas para uma nova escrita.

Assim nA TerrA, como no céu

Carla de Utra Mendes

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O seu anterior trabalho na área da fotografia “Primum Lumen“ reflectia sobre o estatuto da luz e a sua trans-cendentalidade. O que está agora em jogo nestes “Trânsitos”?A.C.J.: O que está em jogo é a mesma coisa. São encontros, insólitos porque fruto de acasos, embora as co-incidên-cias sejam coisas em que não acredito. Retrospectivamente vejo que houve uma progressão, apesar de essa trans-cendência ser transversal à maioria dos meus livros de fotografia.A primeira imagem que me ocorreu quando me fez a pergunta, foi a de uma fotografia de umas portas verdes debru-adas a vermelho, do meu álbum “En-quadramentos” (1983), uma de entre várias cujo hieratismo já se anunciava como significante do que é imanente, porque há que dotar toda a emanação daquilo que chamamos de divino, da suficiente solenidade correspondente à sua sacralidade. Daí que lhe diga que tudo acaba por ser uma e a mesma coisa com roupa-gens diferentes.

Existe uma relação de contiguidade ou trata-se de algo completamente diferente?A.C.J.: Há certamente uma relação de contiguidade. E ela expressa-se essen-cialmente através do olhar. O olhar é tudo. Sempre me interessou o olhar, que é a vizinhança primeira do acto de ver. Sempre me me atraiu a visão em toda a dimensão da palavra. É assim que dei por mim a ler com avidez “Da Cegueira dos Pintores” de Júlio Pomar e

naturalmente o “Ensaio sobre a Ceguei-ra” de Saramago e, depois, ter escrito uma crónica sobre a cegueira e como esta era (e ainda é) na China tradicio-nal, um pressuposto para se ser adivi-nho ou de como, por vezes, é preciso cegar para se começar a ver. É preciso que se dê à morte uma parte para que se renasça para o esclarecimento, para aquilo que é claro e que dá então lugar à verdadeira visão, o mais puro acto de ver através das aparências.

Neste seu trabalho, como encarar o título “Trânsitos”? Acredita num mun-do sob constante metamorfose e mo-vimento?A.C.J.: Certamente que sim. Aos de-

Carlos Morais José

o que me

interessa no

primeiro instante

é a plasticidade

dos temas, para

depois emergir o

insondável.

António Vale da Conceição

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zoito anos descobri o “Tao te Qing” na Bertrand, em pleno Chiado, e fiquei maravilhado com a obra e com essa edição em particular, a melhor que en-contrei até agora em português. Depois, com o regresso a Macau, foi todo um processo de abertura e curio-sidade pelo Oriente, pela China, pelo Japão, e necessariamente pelo Budismo e Taoísmo. Ora se por um lado “aquilo que se nomeia deixa de o ser” por outro lado, a característica primeira do “mun-do” é a impermanência. Se escolher-mos uma outra via, olhemos então para as narrativas da obra de Ron Fricke, seja “Chronos” ou “Baraka” para assis-tirmos ao primado da transitoriedade, cada vez maior, embora não haja maior metáfora do que a própria existência.

O que sucede em “Trânsitos” é o ob-jecto tornar-se “espectador” da transi-toriedade dos passantes. Geralmente olha-se a fotografia como o conge-lamento de um instante, partindo do pressuposto que a cena está em cons-tante mutação. Entramos então no pla-no do transcendente quando aceitamos que “o Tao está em toda a parte, mesmo nos sítios desprezados pelos homens”. Assim, atrevo-me a dizer que as foto-grafias deste livro e as que estão expos-

tas, representam a parte visível de uma intangibilidade, de uma emanação.

Até que ponto tal está relacionado com o pensamento oriental?A.C.J.: Inteiramente, ainda que seja um mero aprendiz dos saberes orientais. Nos finais da administração portugue-sa em Macau, com a participação de muitos, ajudei a criar a AMEDAFO, Associação de Macau para o Estudo e Desenvolvimento do Aikido e das Fi-losofias Orientais. Infelizmente nunca conseguiu arrancar por razões várias, mas talvez esta pergunta possa ser o empurrão para a sua reactivação, uma vez que se assiste à manifestação do in-teresse por assuntos que vão das filoso-fias orientais ao chamado esoterismo. Funciono muito dentro dum registo in-tuitivo, talvez porque para o racional não caibam outros planos, partindo do princípio de que não adianta procurar. Os encontros dão-se quando se têm de dar, o que importa é estarmos atentos a eles. Não deixa porém de ser curioso, mes-mo para mim, que os últimos três li-vros, “Macrocosmos”, “Primum Lumen” e “Trânsitos”, tenham um compasso de quatro anos entre si e, no fundo, cons-tituem uma trilogia. Com isto quero significar que, enquanto autor, não corro atrás de nada porque é ilusório pensar que dominamos alguma coisa a que chamamos, por isso mesmo, acaso. E tem sido este acaso que determinou intervalos de quatro anos... Praticamente desde o início que as suas intervenções na área da foto-grafia nos proporcionam imagens de carácter fundamentalmente abstracto. Porquê esta opção?A.C.J.: Fiz dois álbuns “habitados”. Um chama-se “Portugal à Beira da Estrada” e o outro chama-se “Envolvências”. O primeiro álbum, publicado em 1983, “Enquadramentos”, já buscava o hie-ratismo solene de que há bocado lhe falava. Ainda era puramente intuitivo. A Sílvia Chicó classificou-o, na altura, de Cartesiano. Eu penso que se por um lado ela tinha a sua razão ocidental, sinto que havia contudo uma preocu-

pação com o rito, com o hierático e o solene.Isto dito, acrescentarei que o que me interessa no primeiro instante é a plas-ticidade dos temas, para depois emer-gir o insondável. Assim, não me pare-ce importante que o público procure descortinar do que se trata. Essa busca de algo identificável está relacionado com a nossa necessidade de domínio do olhar. A maioria das minhas fotografias aqui-rem uma dimensão abstracta porque

são excisadas do seu próprio ambiente. Isso torna-as irreconhecíveis o que é a condição primeira – penso eu – para que elas se assumam na sua nova di-mensão e significado.

António Conceição Júnior espraia a sua criatividade por diversas áreas,

do desenho à moda, da pintura à lite-ratura. Qual o lugar da fotografia no seu processo criativo? Guarda-a para comunicar especificamente algo que considera não ser remível através de outro media?A.C.J.: A mim interessa-me muito mais a parte conceptual do que a parte ofi-

a característica primeira do “mundo” é a

impermanência

A mAioriA

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Enquadramentos, 1983

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cinal. Por outro lado, para mim é uma e a mesma coisa desenhar moedas, me-dalhas, sapatos, jóias, roupa, embora tenha regressado ao desenho, sobretu-do à caricatura, como um processo de intervenção que vai sendo guardado para talvez um dia pensar em publicar e expôr os originais. Eu acredito e procuro ter uma prática holística. Não consigo entender a rea-lidade como uma cuvete de gelo, toda compartimentada. Por isso a fotografia é apenas um instrumento. São tudo ins-trumentos interactivos. Isto é, eu por vezes apetecer-me-ia pin-tar o que fotografo, mas imediatamen-te repilo a ideia porquanto para mim o melhor registo do tipo de realidade que me interessa é a fotografia, por todas as razões a que, ao longo da conver-sa, fui explanando. Por outro lado está na minha natureza gostar de praticar diferentes expressões, e como estive desde 1978 ligado ao então Museu Luís de Camões e depois à chefia dos Serviços Recreativos e Culturais, optei naturalmente por linguagens e expres-sões onde a parte oficinal não exigisse demasiado de mim por razões óbvias.Para mim pintar é um desafio que man-tenho, porque me soam aos ouvidos, ainda hoje, as palavras de um velho amigo já desaparecido, Manuel de Bri-to, que me disse que o António Dacos-ta tinha passado 30 anos sem pintar e depois tinha regressado... Para mim como para todos, há sempre um tempo certo para tudo. As suas fotografias organizam-se inter-namente de um modo, na minha opi-nião, próximo da pintura. Concorda?

A.C.J.: Concordo por inteiro. Aliás, sou por formação, designer e pintor. Daí que seja natural que (novamente) o meu olhar esteja formado de um ponto de vista estético. Como dizia há boca-do, por vezes gostaria de ter pintado o que fotografo. Mas tenho um projecto figurativo que tem levado mais tempo do que pensava. Sou interiorizadamen-te muito ritualista, e só quando sinto que estão reunidas todas as condições, então sinto que é tempo de acção. Mas não sinto uma vontade obsessiva de pintar. Penso que com a idade e a di-versidade de interesses que tenho, vou--me preenchendo. Qual é para si o estatuto da fotografia no mundo contemporâneo, pensando sobretudo no advento do digital?A.C.J.: O advento do digital, e o seu constante desenvolvimento, veio, por um lado, conferir uma maior autono-mia e rapidez à fotografia e, por outro, disseminá-la. A digitalização vem de-mocratizar não apenas a autoria foto-gráfica, mas também a do video, que lhe está indelevelmente associada. Essa democratização já criou outras expres-sões que já deixaram de ser novas. De qualquer modo, sou fervorosamente a favor da fotografia de arte, soit disant, não como um múltiplo mas como peça única. Só assim ela pode atingir, simbo-licamente, outro estatuto. Depois o estatuto intrínseco da fo-tografia é tão poderoso que temos os prémios Pullitzer e, por exemplo, foi através de processos fotográficos que os grandes autores da Pop Art se ex-pressaram. Veja-se o caso de Andy Wa-rhol, Bob Rauschenberg e outros. Sou

decididamente a favor do trânsito entre os meios de expressão, e nem faria sen-tido de outro modo.

Tendo em conta a sua experiência, como analisa hoje o estado das artes plásticas – e da cultura, em geral – em Macau?A.C.J.: No capítulo das artes plásticas há uma enorme actividade compara-da com o final do século passado. Há uma multidão de praticantes das artes que, observo, como que sofrem de um estado de febril ânsia de sucesso, uma espécie de overdose de desejo expositi-vo. Em alguns casos isolados encontro uma grande qualidade, mas estes serão a excepção que confirma a regra e que representam não apenas o talento mas a busca de um ensino de qualidade que, infelizmente, no campo das artes se não encontra em Macau. Há pois um excesso e até sobreposição enorme de exposições e, ao mesmo tempo, uma ausência quase total, pare-ce-me, de grupos de teatro, de uma es-cola de bailado de qualidade, de maior frequência de actuação das orquestras que Macau possui. Esta actividade fe-bril denota sempre, e invariavelmen-te, imaturidade face à realidade da R.A.E.M. cujas prioridades, por muito que se deseje o contrário, não passam pelas artes. No capítulo da cultura, acredito que esta deve partir mais da sociedade civil, criteriosamente apoia-da. As instituições culturais deveriam desempenhar sobretudo um papel de mediação, de provedores e apoiantes dos agentes culturais da sociedade ci-vil, no sentido da análise das suas ne-cessidades. Em vez de concorrentes de-

veriam ser complementares. Há ainda muitas carências. Ateliers para artistas, alugados a preços simbólicos, uma pre-vidência que desde os anos 60 já existia em Lisboa, sem nunca ter sido tão rica como Macau. Criação de uma Acade-mia de Artes de qualidade, com pro-fessores vindos de todo o lado. Gestão do Património de uma forma activa que passasse pela sensibilização dos agen-tes económicos. Repare-se que não foram as instituições culturais oficiais que organizaram, por exemplo, o festival da Rota das Le-tras. A Livraria Portuguesa é privada. Há editoras privadas que carecem de apoio. Que política de apoios a edições há? Quem é que ajuíza?Que destino se pretende dar, por exemplo, à Rua das Felicidades? Há planos para implementar o charme dessa e de outras áreas? Mas o palco onde tudo isto se deveria desenrolar – a cidade – está ainda for reformular. Ora sendo todos produto da circuns-tância que habitam, como é que se pode ter, na presente circunstância, com magotes de gente a povoarem Macau, de permeio com o trânsito caótico, qualquer assomo de acções de rua, senão aquelas poucas promo-vidas pelas autoridades? Como é que se pode coartar o direito de desfrutar a rua, a cidade, face às maleitas apon-tadas? Será possível ter uma orquestra a tocar num largo sem morrerem to-dos com o CO2 do caótico trânsito? Será possível que um músico possa tocar na rua como sucede em tantos países? Estamos na cultura do estado ou é este o estado da cultura por ser o estado da cidade?

sou

fervorosamente

a favor da

fotografia de

arte, soit disant,

não como um

múltiplo mas

como peça única.

só assim ela

pode atingir,

simbolicamente,

outro estatuto.

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Ao longo da Civilização, o poder mais duro de conquistar foi o do pensa-mento. Todos os outros, derivados sem dúvida dele, não tiveram a mesma di-ficuldade em se insurgir. O pensamen-to individual, digo, o pensamento do indivíduo no grupo, o seu contributo para aumentar a esfera de memória nas margens de memórias consentida pelo conjunto das sociedades do pensador. Daí que ele foi sempre correndo riscos imensos e sacrificando o próprio esta-tuto junto ao clã, que muitos homens foram compondo uma “lira” muito pró-pria e inovadora que seria imprescindí-vel para formar o tecido humano das coisas pensantes. A sociedade moderna é, em ampla es-cala, o resultado desta batalha, a muito cognominada Sociedade Moderna. Um tecido outro, mais virtual, energético, quase telepático, faz com que a dita li-berdade atravesse fronteiras, galáxias, num segundo do tempo, restituindo à Humanidade uma consciência mais alta de si. Porém, ainda vamos a cami-nho. O conceito está muito longe de se esgotar aqui. Vejamos o que acon-teceu por estes dias: Edward Snowden, assistente técnico da C.I.A., revelou o grau de acesso que os serviços secretos têm face a um qualquer cidadão. Que liberdade então no estrito sentido de privacidade, cada um herdou, e de que forma querem que a usemos? Sabe-se que os nossos textos, corres-pondência, podem ser vistos sem que o saibamos, que fórmulas então tere-mos de codificar (todos os escritores o fizeram para fugir às Inquisições e perseguições), que uso hermético dos

DA LIBERDADE E DA RAZÃO DO ENUNCIADO

símbolos teremos de aprender para que a leitura esteja em segurança e não nos escaparates do Mundo como uma mercadoria rotativa que deu lugar aos contadores de histórias regionais? Pen-so que destas coisas ainda pouco sabe-mos. Estamos muito habituados a uma inócua relevância dos nossos dizeres. O facto de o podermos fazer quase não nos deixa espaço para a continuada in-dignação perante algo que a viole. Não me admiro nada que o próprio Amos Oz seja vigiado de perto pela Mossad e pela CIA e tenha amplo conhecimen-to disso. Também é preciso aprender a viver com as contingências e delas tirar partido. Dante, o divino Dante, fora expulso da sua Florença natal, e condenado ao desterro de onde nunca voltou. Outros foram perseguidos e presos, mais não seja porque a natureza psíquica coli-diu com a “paz” das Nações, caso de Camões. Lorca foi apanhar ar porque estava cansado de estar em casa e, mu-nido de um optimismo muito poético, arriscou. Não faltaria gente para nome-ar, de facto! Como bem disse Rimbaud na célebre frase: «Liberdade Livre». É quase um roteiro literário moderno esta frase, pois que alargou a zona de contacto com ela... ele, que foi exiliado para locais distantes e lhe foi amputa-da a perna que levou o tiro… ele que negociava em armas e não quis saber mais de Poesia. Ele, o Livre Artesão de si mesmo. Trágico e indomável como as forças naturais, ou diria mais, anti-naturais. Poder-nos-íamos indagar a partir destes novos dados que qualidade libertária oferece a contemporaneidade aos cida-dãos e a que preços os querem presos a uma “segurança” que só cada um cons-

trói. É um problema duas vezes literá-rio, duas vezes ético, duas vezes moral. Se em surdina nos violentarem sistemá-tica ou pontualmente nesse exercício, em nome de quê iremos adjectivar tal acto? Penso que são urgentes debates e formas de contornar a quimera. Por-que a quimera sempre existirá! Eles são os «amanhãs que cantam «os «paraísos perdidos» o regresso a...Mas nós que estamos aqui, não quere-mos ser os que nos antecederam nem aperfeiçoar os métodos, desejamos ra-surar esta nódoa feita ao mais alto grau do conceito humano. No fundo somos cidadãos muito desprotegidos, a nossa privacidade não é sagrada, os nossos sonhos não transcendem, a vida não nos restitui paz. Sabemos por herança de um longo legado mas não lhe tes-tamos a fímbria, o domínio, a virtude de a ser, não estamos preparados para nada, salvo para ampliar na esfera das Nações os nossos egos que querem os quinze minutes de fama, resolvendo aí, o problema da noção da existência. Ver para crer! Talvez corramos riscos de morte cere-bral, pois que rasgado o tecido oníri-co onde dormem as noções, tenhamos uma vida mal irrigada de lembranças, se ainda por cima somos vigiados, num torpor muito lúdico com desgarradas e alucinadas narrativas soltas, somos bem aquela máxima Romana: «os deuses en-louquecem antes aqueles que querem perder», mas os deuses já tiveram o seu crepúsculo. Quem nos olha então e com que olhos no drama crescente do Mundo? Enunciarei alguns pequenos aspectos associados ao tema: Sartre achou por exemplo que a liberdade é a condição ontológica de qualquer ser; já Marx, no

O que lemOs, quem nOs lê, para

que fins? É precisO, cOntudO,

cOntinuar e estar atentO

aO minOtaurO. É precisO

invOcarmOs Os crepusculares

deuses, bem antes de aceitarmOs

cegOs O que de cegO fOi feitO.

entanto, deixou clara a sua antipatia pela concepção metafísica da liberda-de. Também a ilusão ilustrativa de uma certa literatura acabará sempre como bem averiguou Guy Debord (escolher, consumir) como um acto passivo cujo enquadramento constrói as mentes e prepara a longa aceitação. O capita-lismo é também uma área plenamente intelectual é uma linha de montagem que dilacera os suportes autênticos das consciências livres. Narrar factos não significa transformar coisas pois que a criatividade humana luta arduamente entre dois tempos dis-tintos: o da aceitação e o da transfor-mação. O último tem de ganhar, numa concordância e tenacidades quase im-placáveis. Se não for assim, o exercício será doravante o estilo que temos para perdermos a memória. Quais os caracteres com que iremos pronunciar coisas tão simples como olhar maravilhado para a Humanidade quando já quase não houver Homem? Que alfabetos preparam os telepáticos sinais, que se sabe, actuam, no rigor informativo? Hoje só tenho questões. Talvez porque me inquietou vivamen-te o que vim de saber da espionagem enquanto exercício comunicante. Se fossem Vasos, eu mesma lhe deposi-taria todos os meus sonhos. Parecem--me muito mis os célebres e metafísi-cos buracos negros cuja existência me impede de pronunciar os verbos mais bonitos….. pois que sem eles nada há para dizer. O que lemos, quem nos lê, para que fins? É preciso, contudo, continuar e estar atento ao Minotauro. É preciso invocarmos os crepusculares deuses, bem antes de aceitarmos cegos o que de cego foi feito.

AméliA VieirA

Florian Henckel von Donnersmarck, A Vida dos Outros

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Li há pouco tempo um artigo muito in-teressante de Jorge Rodrigues Simão neste jornal sobre a importância de comer com peso e medida, sem desperdícios, a fim de criar um mundo com menos fome e dese-quilíbrios económicos. Não podia estar mais de acordo com as palavras do autor e por isso me apresso a juntar a minha voz à dele. Para quê excessos e desperdícios?Se me permitirem vou um pouco mais além nesta questão da alimentação. Podíamos comer muito menos e bem melhor se fizés-semos uma dieta essencialmente concen-trada em frutos e vegetais. Pitágoras de Samos, o primeiro a chamar--se a si mesmo filósofo, defendeu no século VI a. C uma filosofia existencial muito rigo-rosa. O filósofo não é apenas o estudioso, o grande matemático e defensor da música, ele é antes de mais alguém que obedece a uma disciplina física muitíssimo rigorosa, sobretudo em termos alimentares, com o objectivo de purificar o organismo, pois uma mente equilibrada necessita de um corpo são. Este tipo de filosofia, que floresceu no Sul da Itália, não se distanciava dos princípios religiosos que a guiavam, ao contrário da pré-socrática de Mileto, concentrada no estudo da natureza.Pitágoras e os seus discípulos encaravam a filosofia como uma maneira de estar no mundo. Nos acusmata, as coisas ouvidas, dos ensinamentos pitagóricos, somos introdu-zidos a uma série de regras de abstinências e outros preceitos proibitivos, entre os quais consta a expressa proibição de sacrifi-car animais para adorar as divindades, bem como de comê-los. Logo após Pitágoras ter vivido gerou-se uma enorme discussão sobre se o vegetarianismo que praticava se-ria total ou parcial. Era com certeza, como

bem chamam a atenção Kirk, Raven and Schofield, em The Presocratic Philosophers, o corolário natural da sua doutrina da trans-migração (1983:231) da alma. Pitágoras é o pré-socrático que mais se aproxima das filosofias orientais, tendo in-fluenciado Platão em diálogos como o Fé-don, o Fedro e certos livros da República.Se a alma é imortal e realiza um proces-so de metempsicose, transmigrando entre humanos, animais e todas as outras formas de vida, então corremos o risco de nos an-darmos a comer uns aos outros, incluindo, como é óbvio, amigos e familiares. Relativamente aos ensinamentos sobre a reincarnação, Xenófanes regista que certa vez ao passar por um cachorro que estava a ser espancado, Pitágoras pediu que paras-sem imediatamente com tamanha selvaja-ria, uma vez que reconhecia no bichinho a alma de um amigo (1983:219, fr. 260). Defendia o filósofo que os animais nos en-tendiam perfeitamente contra muitos dos contemporâneos que encaravam as suas te-orias com desconfiança e perplexidade. Além da abstenção da carne animal, havia ainda outros produtos agrícolas interditos à alimentação humana, como os feijões, por razões religiosas e não só, já que dificultam a digestão e provocam flatulência; mas, se-gundo a sua opinião, muitas das proibições se deviam estender ao reino animal, já que estes também se deviam abster de comer os tais feijões. Certa vez em Tarento aconselhou um pastor a evitar que os seus bovinos come-cem feijões-verdes. Ao que o homem lhe respondeu, rindo, não lhe ser possível co-municar com o gado, mas que o desafiava a tentar a proeza. Então Pitágoras aproxi-mou-se do boi e sussurrou-lhe longamen-te ao ouvido, o certo é que a partir dessa

altura o animal nunca mais toucou nos fei-jões, como lemos em The Pythagoren Source-book and Library, compilado e traduzido por Kenneth Sylvan Guthrie (1987: 71).É indiscutível a importância dos ensina-mentos pitagóricos relativos aos preceitos alimentares. Quem se abstém de maltratar e matar os animais desenvolve uma natural disposição para a justiça, proporcionando uma vivência pacífica em comunidade, ao contrário dos que manifestam comporta-mentos agressivos relativamente aos seus semelhantes, esses facilmente entram em guerra provocando o caos social.Os discípulos da escola pitagórica seguiam o modelo existencial do fundador, vivendo de um modo frugal e simples, porque para Pitágoras o mal andava à solta pelo mundo por causa dos excessos e da luxúria a que as gentes se entregavam. Poucos eram os que poupavam e conservavam. De acordo com a teoria pitagórica da natureza da alma tripartida, que Platão adoptou, há três tipos de vidas humanas, em estreita ligação com divisão da alma predominante: os cobiço-sos, desejosos de lucro, que podem desen-volver, já segundo a teoria platónica, a vir-tude da temperança; os ambiciosos, a que corresponde a alma intrépida, susceptíveis de alcançar a virtude platónica da coragem; e os curiosos, nos quais domina a alma ra-cional, que aspiram ao conhecimento e de-senvolvem a sabedoria.Pitágoras procurou desenvolver a alma ra-cional das pessoas por meio da matemática, da música e da alimentação, com vista a re-alizar um mundo melhor, mais harmonioso e pacífico, defendendo o apoio terapêutico da música e da gastronomia para o alcançar. Dos ensinamentos de Pitágoras retenho que não adianta falar de paz se diariamente provocarmos a guerra com as nossas atitu-des dissonantes e distanciadas da restante natureza. A paz cultiva-se não na teoria mas na prática de cada dia que nasce. Mais: nem sequer é preciso acreditar na metempsico-se, isto é, na transmigração de uma alma imortal que gira na roda dos seres naturais, para nos concentrarmos no que andamos a fazer. Pitágoras tinha um preceito que con-sidero muito valioso. Para desenvolvermos a memória do que somos, nada melhor do que os exames de consciência ao deitar e ao levantar. Uma palavra ainda sobre a justiça pitagó-rica, que se define em termos de reciproci-dade e igualdade. Nas nossas comunidades humanas precisamos tanto de justiça como de pão para a boca. Ora não pode haver pão para todas as bocas sem accionar o princípio da justiça, que defende a distri-

Pitágoras e o Qilin (麒麟)

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Ecos naturalistas AnA CristinA Alves*

Pitágoras e o Qilin (麒麟)buição equitativa dos bens e das funções. A justiça começa em cada um de nós quando equilibramos sabiamente as nossas facul-dades para as colocar ao serviço da comu-nidade. Depois realiza-se e desenvolve-se com os outros, em humana convivência, à maneira da benevolência chinesa (ren 仁). Esta virtude do ponto de vista etimológico só é possível em relação, e para tal são pre-cisas pelo menos duas ( er二) pessoas (renイ/人), onde cada uma, devidamente educada, contribui para gerar harmonia no todo, exercendo a função que lhe compete e para a qual está melhor preparada. A justiça pitagórica, definida em termos de cuidado e atenção aos outros, estende-se da esfera da humanidade a todos os seres vivos, que devemos tratar como amigos íntimos. Qualquer situação susceptível de gerar injustiça e desatenção, como a falta de dinheiro, deve ser evitada. Daí a im-portância da economia e da poupança que Pitágoras realizava diariamente, bem como do desenvolvimento da sabedoria e da obe-diência às leis, a fim de criar a harmonia (1987:99) e desenvolver comportamentos justos.Vem a propósito recordar o Qilin (麒麟), o unicórnio chinês, uma das quatro divin-dades desta cultura (Si Shen 四神). Ele é

um dos principais símbolos do Confucio-nismo, a filosofia que fez da benevolência o seu primeiro princípio, sendo que esta tam-bém pode ser definida como uma atenção profunda à humanidade.O Qilin é o animal mitológico do amor be-nevolente (ren’ai 仁愛). Só raramente apa-rece na terra, apenas em tempos de grande paz ou quando nasce e morre um grande sábio, como sucedeu nos tempos de: Fuxi (伏羲), o Primeiro Imperador mítico; Shun (舜), o imperador sumamente benevolente que demonstrou uma piedade filial inigua-lável; ou pela altura do nascimento e morte de Confúcio (孔子). Quando este grande sábio nasceu, o Qilin foi visto no jardim com um livro de jade na boca ( kou tu yu shu口吐玉書). Por associação ao nascimento de Confúcio, o Qilin passou também a simbolizar a con-cessão de descendência masculina ( Qilin song zi麒麟送子).Este animal maximamente auspicioso, símbolo da sabedoria, longevidade e paz, encarna ainda a completa vitória do mun-do espiritual. Pode viver cerca de dois mil anos e tem um temperamento muito mo-derado e manso. Na sua faceta guerreira de poderoso defensor da casa e dos seus te-souros alimentares, surge como Pi Xiu (貔

貅). Mas na forma de Qilin não é capaz de se zangar ou magoar nenhum ser vivo, seja pessoa, animal ou planta.Pela Enciclopédia Chinesa Online Baidu (百科百度) sabemos que o macho se cha-ma Qi (麒) e a fêmea Lin (麟). O Qilin é descrito como possuindo cabeça de dragão, corpo de cavalo e escamas de peixe (麒麟是龍頭、馬身、魚鱗). (…) Tem aparência de veado, na cabeça um único corno, o corpo coberto por escamas e cauda de bovino (外形像鹿,頭上獨角、全身有鱗甲,尾像牛尾). Num retrato mais pormenorizado, descobrimos-lhe ainda olhos de leão, cos-tas de tigre, barriga de urso, escamas, que podem ser de peixe ou de cobra, e cascos de cavalo.É senhor de uma constelação celestial ( xingzuo星座), a do unicórnio, como se diz ao jeito ocidental, onde também simboliza a sabedoria. A constelação é de uma beleza inexcedível a olhos telescópicos e para os chineses, já que é vermelha, pertencendo--lhe uma das figuras celestiais mais bonitas, denominada a Nebulosa da Rosa ( Meigui xingyun玫瑰星雲).Terá sido Pitágoras uma reincarnação do Qilin? Não me espantaria que o primeiro a atribuir-se o nome de filósofo no Ociden-te, que muitos defenderam ter origem sa-grada, fosse uma espécie de alma transmi-grada ou personificação da divindade chi-nesa. Mas ainda que tal conclusão possa ser considerada um delírio interpretativo, é fundamental não esquecer as mensagens do Qilin e da Escola Pitagórica. Viver bem não é uma arte, mas uma sageza e só os sábios estão em condições de oferecer modelos existenciais capazes de concreti-zar a paz e a harmonia no mundo, todos os outros bem podem pregar, pois as suas palavras carecem de fundamento e cairão em saco roto.

Bibliografia e WebgrafiaKirk, G,S., J.E. Raven. 1983. The Presocratic Philosophers. Cambridge: Cambridge Uni-versity PressGuthrie, Kenneth Sylvan. 1987. The Pytha-gorean Sourcebook and Library. Michigan; Pha-nes PressQilin: Http://baike.baidu.com/view/15837.htm

* A autora lecciona nos Mestrados de Tradução e de Língua e Cultura do Departamento de Português da Universidade de Macau

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Este documentário de Imre Azem estreou há cerca de dois anos no Festival de Cine-ma de Istambul mas algumas das tensões que nele se exibem ganharam, nas últimas semanas, especial actualidade.As denúncias que em Ekümenopolis são re-tratadas prendem-se com uma obsessão imobiliária neo-liberalista e com a arro-gância que esta impunemente ganhou ao longo dos últimos anos. Ao de leve encontramos paralelos com o que acontece actualmente na cidade de Macau, em que o crescimento imobiliário desenfreado atirou com uma percenta-gem da sua população, economicamente mais desprotegida, para uma situação de esquecimento e marginalidade social e geográfica.É principalmente de um afastamento dos pobres para zonas cada vez mais periféri-cas que o documentário trata, ao mesmo que denuncia a prepotência dos podero-sos. O paralelo com Macau subsiste no exemplo da construção de habitação social (de qualidade desumana) em zonas perifé-ricas, como Coloane ou a Ilha Verde ou a grotesca ocupação de todo o centro da cidade com espaços comerciais dedicados apenas ao turismo e a consequentemente expulsão dos residentes dessa zona nobre.Em Istambul tudo isto começa nos anos 80, as privatizações, o investimento no imobiliário, os centros comerciais, a lenta expulsão dos residentes mais pobres para zonas cada vez mais afastadas do centro a coberto da idealização de um grande centro turístico, financeiro e cultural. Até a destruição das zonas arborizadas locali-zadas mais a norte da cidade. Os recentes distúrbios têm um historial complexo, mesmo que tenham partido de uma ten-

tativa bem definida de transformação na cidade. Os protestos que se espalharam por várias cidades turcas prender-se-ão porventura com instabilidades mais pro-fundas mas acenderam-se a partir de uma tentativa de construção de um edifício comercial numa praça ocupada por um parque que tem funcionado como zona de encontro no centro da cidade. A ideia é construir na Praça Taksim um centro co-mercial e um quartel em estilo otomano, aquilo que um historiador turco chamou “um esplendor otomano em estilo de Las Vegas” . Sempre Las Vegas.O documentário de Imre Azem recusa deter-se apenas num registo de imagem, assim como recusa a utilização de uma banda sonora que deprima demasiado as imagens. Utiliza um registo jornalístico directo nas imagens que se prendem com as demolições de barracas mas utiliza também a animação num registo informa-tivo e quase humorístico. O tom do nar-rador é tão neutro que quase não se nota. Os locais escolhidos para colocar alguns dos entrevistados são locais destituídos, abandonados, como se os próprios pen-santes mais iluminados tivessem sido, também eles, sido vítimas de um qual-quer tipo de expulsão. E aparentemente foram-no.Ayazma é um bairro em Istambul, emble-ma perfeito do sinistro mecanismo que criou o conceito de que a cidade existe apenas enquanto valor especulatório. Apenas pela altura das eleições emerge, como quem é forçado a jantar com al-guém com quem não tem conversa, um fugaz interesse dos políticos pelas pesso-as que vivem nestas zonas, permanente-mente ameaçadas de expulsão.

É esta a denúncia essencial deste docu-mentário. A expulsão. A especulação for-ça a expulsão e a deslocação para zonas cada vez mais periféricas onde se cons-troem blocos habitacionais isolados e sem vida social e comercial. Como se fizera na Europa depois da guerra, seguindo um modelo que em 20 anos provou ser total-mente insatisfatório. Há cerca de 40 anos estes blocos começaram a ser demolidos. Istambul não é a única cidade em que esse modelo, provadamente ineficaz, continua a ser praticado. A ausência de uma rede de transportes públicos eficiente obriga a população ao uso de carro próprio. Este hábito cria um congestionamento que promove inevita-velmente a construção de mais vias para carro próprio. Esta nova vaga de constru-ção só vai chamar mais carros privados. Em 1980 havia 800.000 automóveis em Istambul, à data de filmagem de Eküme-nopolis 2.000.000. Istambul é a terceira maior cidade da Europa, com mais de 15 milhões de habitantes, encontra-se à bei-ra da ruptura e sucedem-se mega projec-tos no valor de biliões de dólares.Ekümenopolis explica com clareza a pre-potência do sistema e como este se tem vindo a afirmar nos últimos dez anos. Um exemplar artigo de Tim Arango, na edi-ção de dia 5 de Junho do IHT, explica, por seu lado, de modo muito claro, como a revolta turca se estrutura em torno não apenas de fracturas religiosas e de um processo de intoxicação pelo poder (Er-dogan, o Primeiro Ministro turco está no poder há 10 anos, democraticamente eleito) mas também de profundas fractu-ras geográficas e culturais e de problemas de construção de identidade.

Tim Arango nota que as mudanças na paisagem da cidade trouxeram também à superfície as clivagens entre a cidade e a ruralidade enquanto lembra que a maioria do seu eleitorado tem uma origem campe-sina anatoliana. A classe capitalista que se tem aproveitado do crescimento econó-mico tem esta base sócio-cultural – uma classe capitalista religiosa, conservadora, e largamente com origem na Anatólia. Quem se habituou a pensar na Turquia dos últimos 5 anos como um país inter-nacional, moderno, laico e com uma cena artística vibrante deve lembrar que não é a franja da população que originou esta imagem, que algumas revistas de arqui-tectura, design e artes plásticas espalha-ram, que está no poder. Parte da classe laica, tem mostrado oposição ao estilo de Erdogan e um escárnio elitista pelo mau gosto da maior parte das construções da sua era, mas tem-se mostrado tolerante ao aumento de manifestações públicas de religiosidade.Ersin Kalaycioglu, Professor de Relações Internacionais na Universidade de Sa-banci, queixa-se, no mesmo artigo, que a cidade foi “invadida por camponeses da Ana-tólia”.Três anos depois do documentário conti-nuam as expulsões dos mais desprotegi-dos.As manifestações filmadas no final de Ekü-menopolis reivindicam direitos de partici-pação nas grandes decisões respeitantes à idealização da cidade que são os mesmos que levaram aos protestos das últimas se-manas. Há três anos atrás. Se as cidades são, essencialmente, os seus habitantes, o que acontecerá no futuro se estes forem sistematicamente ignorados?

luz de inverno Boi Luxo

EkümEnopolis: UcU olmayan sEhir, imrE azEm, 2011

p r i m e i r o b a l c ã o

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t e r c e i r o o u v i d o

Na mitologia chinesa, Pan Gu (ou Pangu, ou 盤古) é o homem primitivo, o primeiro, nascido do ovo cósmico. Na história contada pelos monges taoistas, ao partir-se em dois, o ovo que condensou o universo deu origem a tudo o que existe, tendo a parte de cima sido transformada no céu e a parte de baixo na ter-ra. Conforme Pan Gu foi crescendo, céu e ter-ra foram ficando cada vez mais separados. Ao fim de 18 mil anos, o homem-deus morreu e, tal como aconteceu com o ovo cósmico, tam-bém as partes do seu corpo se transformaram em diferentes elementos da terra: os olhos tornaram-se no sol e na lua, o sangue nos rios e nos mares, o cabelo nas florestas, o suor nas chuvas, o bafo nos ventos, a voz na tempesta-de e, finalmente, as pulgas que carregava de-ram origem à humanidade.

O mito criacionista que faz de nós des-cendentes de insectos que se alimentam do sangue do homem e de outros animais serve de inspiração à estreia, em disco, da dupla formada pelo singapurense Leslie Low (The Observatory, Arcn Temple) e pelo norueguês Lasse Marhaug (nome de proa da cena “noi-se” norueguesa, colaborador de Merzbow e Kevin Drumm, entre outros). Pan Gu é pre-cisamente o nome que a dupla escolheu para assinar o disco “Primeval Man Born of the Cosmic Egg”, editado este ano pela Utech, do Wisconsin, que assim vai dando continuidade à ligação ao Extremo Oriente (uma das mais recentes edições é “Ephemeral as Petals”, de Keiko Higuchi, e o excelente “Emanations of a New World”, dos Arcn Temple, saiu com o selo Utech, em 2010).

A acreditar na informação que a edito-ra norte-americana fornece sobre “Primeval Man Born of the Cosmic Egg”, o álbum resul-ta de uma sessão de improvisos, sem qualquer ideia pré-definida, no estúdio de Marhaug, sendo que ambos tinham tocado juntos ape-nas uma vez durante um concerto, em Singa-pura, onde terá ficado explícito que as sonori-dades de cada um complementar-se-iam sem problemas.

Com a excepção de certos momentos em que o “noise” do norueguês se sobrepõe até ao pensamento de quem escuta o disco, é justo dizer que, na maior parte dos temas, o “ruído” industrial de Marhaug e o “ambient” gótico de Low vão sendo explorados num atitude de “vi-ver o momento”, numa lógica não invasiva do espaço do outro. Há uma sensação de que o som está a ser construído, esculpido, com algu-ma cautela, mas tudo parece fluir e, por vezes, não nos lembramos que se tratam de improvi-sos de dois músicos que mal se conhecem.

Mais interiorizado, no entanto, aparenta estar o mito de Pan Gu, reduzido à sua essên-cia: morte e vida, destruição e renascimento, pólos extremos separados mas tocados pelo mesmo ser, ideias contrastantes coexistindo e ganhando formas através dos mesmos sentidos – a electrónica abrasiva de Lasse Marhaug, por vezes no limite do suportável, fria, e a música

próximo oriente Hugo Pinto

envolvente, profunda, tridimensional de Les-lie Low, amparando as agruras da criação.

O melhor exemplo das dicotomias que entrelaçam as unidades em jogo talvez seja “Elixir of Death”, o tema mais longo (09:43), marcado pela guitarra sombria de Low, que se estende sob uma electrónica desfeita em resquícios tremeluzentes do fogo de artifício, cujo silvar confere à música um inusitado sa-bor oriental e, já agora, festivo – o feitiço da morte, afinal, deu-nos a vida. E a revisitação

de um mito antigo, das suas histórias, tal-vez seja o maior mérito deste disco, que não destrói um mito, nem o faz renascer, antes o transforma, do mesmo modo que ele possibi-litou, ou inspirou, a transformação de ideias em sons. Nada se perde. Nada se cria.

“Primeval Man Born of the Cosmic Egg”Utech 2013Pan Gu

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Mito de tudo e nada

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perspectivas Jorge rodrigues simão

As crises sociais, antecedência e con-sequência das crises financeiras e econó-micas, ao invés de criar o debate constru-tivo de ideias, promovem a discussão so-bre tudo, revelando-se a maior parte das vezes em resíduo verbal inaproveitável para reciclagem, e o que é reaproveita-do a custo alto para os cidadãos, termina depositado no aterro desinteressado dos pensamentos sem possibilidade de serem experimentados na prática.

A história tem a maldade de se repe-tir, e o momento presente é de novo o tempo dos conflitos formais, das aparên-cias, da comunicação ilusória, mas des-pudoradamente enganosa e ignorante e não da informação lúcida, apaixonante e educativa.

O que existe são muitas discussões entre peritos, sobre o custo das medidas a aplicar (mesmo assim erradas), sobre algumas das suas presumíveis consequên-cias, esquecendo sempre as fundamentais e sobre as grandes dificuldades de as pôr em prática.

Fazem-se conferências, seminários, mesas redondas e ovais, colóquios, reu-niões e debates sobre as dificuldades e culpas passadas, presentes e futuras, so-bre o tempo necessário – muito tempo, em geral, – para remover as dificuldades do presente. Mas as dificuldades são tão grandes que nenhuma medida proposta conduz ao optimismo.

Tudo isto produz constrangimento, uma percepção confusa que obriga os cidadãos a calarem-se ou a não fala-rem o que deviam, como uma forma de auto-censura que impede a troca de ideias, sem que se consiga identificar as razões.

Os termos do debate são como uma clausura que parece não ser possível es-capar. É certo que o silêncio nem sempre é a expressão de um constrangimento; pode significar um reconhecimento, uma reflexão; no fundo, provém de perma-necermos interditos (no sentido de per-plexos e perturbados) perante a aparente força de convicção, a justeza das motiva-ções das políticas pelos governos, como acontece em Portugal e nos demais par-ceiros da crise declarada ou por declarar e da União Europeia (UE).

Talvez exista, pela primeira vez, a situ-ação das democracias não apresentarem alternativa. O debate necessário e urgen-te tornou-se interdito porque irá discutir

OrtOdOxiainescapávelvalores, objectivos, e não os meios que permitiriam alcançá-los. Os governos dos países procuram o bem-estar da po-pulação e, geralmente, não é possível pôr em dúvida a sinceridade da sua determi-nação. É impossível debater tal situação, tal como não se pode discutir os méritos do bem e do mal, da coragem e da cobar-dia, da beleza e da fealdade.

O legítimo, urgente e necessário é que se discutam os meios para atingir os fins propostos, cujas boas intenções se-rão sempre difíceis de pôr em causa. A grande questão não é, pois, de saber se é necessária ou não a redução sustentada do défice orçamental e da rácio dívida--produto para um valor igual ou inferior a 60 por cento e uma redução do défice orçamental para um valor igual ou infe-rior a 3 por cento do PIB, que são dois critérios de finanças públicas relativos ao défice orçamental e à dívida pública (critérios de convergência orçamental) em momento de crise e forte recessão económica na UE e nos países da “Zona Euro”.

A importante questão do debate que urge é o de saber do acerto das políticas a serem executadas, tendo por fim uma contracção orçamental com êxito, na perspectiva de uma redução sustentada das responsabilidades dos Estados-mem-bros da UE e da sua duração. A integra-ção europeia, bem como o desenvolvi-mento de novos factores competitivos sustentáveis para a UE, que correspon-dam às expectativas de progresso e bem--estar social das populações, enfrentam momentos decisivos que obrigam a unir acção e reflexão.

Tais momentos, passam pela rejeição das fáceis, mas falsas soluções dos diver-sificado conservadorismo, pois é tempo de mudanças e reformas estruturais que vão tardias, ou dos diversos modernis-mos simplistas que se traduzem em fugas para a frente, insuficientemente reflecti-das e preparadas.

O grande desafio do desenvolvimen-to económico na UE, é o da recriação de condições para um crescimento mais rápido, duradouro e sustentável, nos pla-nos social e ambiental, capaz de eliminar as novas formas de desemprego estru-tural e de exclusão social, produzido ao longo das últimas décadas e agravado neste momento único que a UE vive, enquanto realidades que não se podem aceitar por muito mais tempo, não só nos planos social e político, como no plano económico, tendo em conta os desafios da globalização.

A resposta a este e outros desafios exi-ge levar a sério, e em conjunto, as ques-

tões da competitividade, da inovação e da solidariedade, ou seja, exige inicia-tivas e decisões que renovem os funda-mentos da capacidade de criar riqueza nas empresas, aumentando significativa-mente a rendibilidade das actividades e investimentos que não são possíveis com políticas de austeridade que conduzem ao estrangulamento da actividade econó-mica.

Tudo, sem pôr em causa, os funda-mentos e princípios do modelo social europeu, porque uma contracção orça-mental bem sucedida não deve nunca ser feita à custa da redução da despesa social, mas, também, não pode adiar a sua im-prescindível reforma e desenvolvimento.

O “Euro”, é um poderoso instrumento de progresso e desenvolvimento, quer no plano da UE, quer no plano internacio-nal, que continuará a realizar em tempo útil, oportuno e consolidado por meio de políticas e estratégias adequadas, passa-dos os maus momentos, novos modelos de protagonismo e iniciativas no centro da construção europeia sempre renova-da e continuada, que será decisiva para a melhoria sustentada do nível de vida da população europeia e para uma redistri-buição mais justa e equilibrada da riqueza e do rendimento.

O tão desejado debate de ideias não chegado, ajudaria os cidadãos europeus a compreender melhor a realidade e, ao mesmo tempo, estimularia a afirmação dos direitos e iniciativas que configu-ram a cidadania nas sociedades demo-

cráticas onde, em momentos de grandes decisões, o amplo e aberto debate das grandes questões do presente e futuro só pode conduzir a um maior nível de con-sensualização das opções de fundo, por-tanto, a um reforço das condições da sua exequibilidade e consolidação.

As políticas de estabilidade e de ri-gor macroeconómico, traduzidas em baixa inflação, numa redução do nível do endividamento público consistente com o controlo e redução do défice or-çamental, num quadro de estabilidade cambial foi a base da prossecução da convergência nominal indispensável para a realização com sucesso das vá-rias fases de construção da União Eco-nómica e Monetária.

Os critérios de convergência de Maastricht (mãe de todos os males) têm moldado as políticas macroeco-nómicas da UE sendo considerados como os elementos fundamentais de um paradigma dominante prossegui-dos pelos Estados-membros da UE, in-dependentemente da sua diversidade, apresentando-se como uma espécie de ortodoxia inescapável.

A manutenção de uma preocupan-te taxa de desemprego no conjunto do espaço europeu, que bateu os máximos históricos, acompanhadas de formas de exclusão social, no quadro de uma ten-dência anterior de crescimento de médio prazo dinâmica, que no presente é de de-clínio ou estagnação, tem gerado fortes dúvidas e críticas em relação ao mode-lo definido pelos critérios de Maastricht que deveria ter sido revisto há muito e que olimpicamente se mantém.

A este sentimento de insatisfação jun-ta-se, muitas vezes, a concreta perda de autonomia na utilização de instrumentos tradicionais das políticas económicas conduzidas à escala nacional. A crise do “Euro” vez revivescer os nacionalismos adormecidos.

Todavia, o “Euro” é um marco posi-tivo de alcance europeu e nacional dos Estados-membros da “Zona Euro”, que contribui e continuará no futuro, pas-sados os ventos ciclónicos do presente, para uma redução duradoura e sustentada das taxas de juro, constituindo-se como a base necessária para a promoção de mais e, sobretudo, melhor investimento, capaz de criar empregos mais qualifica-dos e melhor remunerados e favorecer um ritmo de crescimento mais elevado e sustentado.

A existência da “crise” faz criar um elevado cepticismo quanto ao futuro do “Euro”. É possível defender o “Euro” de forma aberta e construtiva, não como um mal necessário com custos inevitá-veis agravados que há que suportar com resignação, mas como um caminho po-sitivo para responder com inteligência aos problemas concretos dos cidadãos e criar novas janelas de oportunidade para o emprego e crescimento.

“The euro is evidently an advantage for those democracies that have chosen to adopt it. It has proven its stability, its resistance to shocks and its resilience in the face of financial economic turmoil. Once again, I would say, the euro has been a key factor in providing a shield against international turmoil. […] We were the first central bank to react immediately when the international financial turbulence first appeared (9 August 2007). […] Europe was able to take decisions even in the most difficult circumstances. […] The euro is a big success.”

Euro Crash: The Implicationsof Monetary Failure in Europe

Brendan Brown

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AméliA VieirA

OrtOdOxiainescapável

A primeirA vez que tive o prazer de es-tar com esta obra aconteceu-me o impac-to de a associar a «Anabase», de Saint-Jo-hn Perse, uma palavra também de origem grega que indica cavalgada, partindo do mar, para o interior dos países, e logo me dei conta do sentido íntimo dos dois, pois ambos são um roteiro de viagem.

“Anastasis” é um livro maravilhoso, um roteiro de viagem, um poema de inicia-ção aos mistérios e aos ritos mais felizes da Civilização, profundamente poético, onírico, através dos estados de alma do caminhante na sua tarefa de peregrino. É uma obra que bem poderia ser da Idade Média, numa dessas formas de evasão e de exotismo, antes do último baluarte mouro ter caído na Andaluzia. Começa assim: «Perdera o primeiro barco, e das mãos cerradas, um resto de luz. Perdera a sombra na taberna dos devotos. Do céu deslocou-se uma retina, e, por um magro momento todos os homens foram Gregos. Nessa noite tresmalhada iniciei a queda dando-lhe o distintivo nome de viagem». Estamos diante de uma “aterragem”, um projeto de queda, uma incorporação pela carne que o enviado vai fazer, prosseguir, com os encantos, riscos, nascimentos, que ela pressupõe. Esta ideia da queda, é aliás, uma temática iminentemente poéti-ca: lembro-me de um poema «Queda Li-vre», muito menos refinado na sua busca de progressão, muito mais abrupto, mas nem por isso menos iniciático de um ou-tro poeta português. Esta ideia é comum ao ciclo poético, como se de Arautos es-paciais se tratassem em luta com a Terra.

E vamos descendo….. Este longo po-ema, que bem pode ser uma Barcarola, uma Nau Catrineta, um Canto dos Cân-ticos, uma recordação, vai agora deitar-se numa horizontal muito sonhada, mas so-bretudo vivida, como efeito de uma len-da, que começa para os lados do Orien-te, com sonhos maus que irrompem com missas em Patmos, com belos cafés da manhã, o nosso romeiro, na busca do seu Graal, vai passar por todas as instâncias indo ao fundo de todas as memórias. Es-tes locais são numa leitura quase diago-nal, o seu Sargaço, há um cromossoma--memória que o leva fundo nesta busca pelo Médio Oriente e, se olharmos o po-eta, entendemos muito bem essa divisa.

O périplo tem o efeito por vezes so-nâmbulo da deambulação e de um so-nho, porque embora seja um recitativo ele é analisado como tecido feérico de uma vontade permanente de lembrar as rotas do Médio Oriente que têm o eter-no sabor das lendas e a passagem pelo Irão é um escavar na dimensão do tem-po profundo como se cada vez se des-cesse mais nesta viagem, tão bela, tão repleta de minaretes, de orações, de re-cantos, onde a grave poesia mora, como daquela de uma rua de Damasco em que o comerciante não vendia música co-mercial considerada uma preservação, um mundo ainda hermético, vinculado

anastasis

ao legado de um tempo em que ainda rezavam aos poetas.

Os países árabes estão repletos de ga-tos bem como todo o Mediterrâneo, e os gatos de Istambul, estão aqui, passeando graves e belos: os gatos de Istambul! E diz: “a fatalidade de concebermos a graça fatal-mente nos torna desengraçados” mas “nada é excesso e defeito no felino”: curioso que vamos encontrar inserido no texto um ver-so clássico de terceto e quadra, perfeitos, pertencente ao capítulo VIII, que abre com uma pequena epígrafe de Baudelaire.

E estamos na Síria, na Cidade Velha, e há uma passagem suave como segre-dos… Que diz: «despercebido entra-rei na tua casa. Dormirei no teu leito e quando deres por mim terei partido sem deixar descendência. A viagem... as mi-nhas mãos, vejo-as coroadas de perdão», um momento sibilino, mágico: o poeta sabe que, como um forasteiro na noite ou como um gato, não deve deixar vestígios da sua passagem, afinal, está em queda até a um «Gólgota» qualquer…. Sabe que os leitos são feitos para a transgressão mas não para a multiplicação, originando na matéria o que o impeliu a cair.

Tão similar o sentido inverso em D.H. Lawrence no «Homem que mor-reu» que diz:- assim: “quando eu partir, vive em paz com o fruto que amadurece. E eu virei outra vez: tudo é bom entre nós. Os sóis voltam nas suas estações: e eu virei outra vez” Há que acrescentar que este poema em prosa que o autor nos dá se pode ler como uma espécie de hip-ertexto litúrgico. Há toda a composição linguística, verbal (excepcionalmente bem escrito) de uma hierofania muito próxima dos mistérios e das raízes reli-giosas que elas encerram, e enquanto o nosso autor faz a viagem Crística do si-lêncio sem filhos, este Cristo de Lawren-ce, parace-nos mais Abrâamico. Aliás, é nas suas terras que este livro se revela um prodígio de fecundidade e ausência dela, porque há passagens de enorme cansaço e saudade da amada distante que as belas noites enluaradas das cidades islâmicas não fazem mais que acentuar. Estamos num “reino” de Amor! Amor outro não conceitualizável, estamos numa esfera de Civilização da delicadeza do gesto.

Para concretizar o que acima disse, há ainda no capítulo IX – Das Rosas - esta

expressão: «a cortesia é uma dádiva e não a dúvida hospitaleira de quando se temia no viajante um deus disfarçado», por-tanto, um modelo civilizacional muito mais que uma manobra de defesa. Omar Khayyam aqui anda……”Quem seria o bebedor? Quem seria o bebedor…?” Ainda as Rosas….. uma bela sinfonia quase de canção de gesta…. Mas há algo sempre de Barcarola e a do menino em-balado: “Dorme, dorme... Que sorte será a tua? Que sorte será a tua….”

À medida que nos vamos alongando pelo texto pode-se ver, como nos ins-tantes de clarividência, que esta é tam-bém a nossa Viagem. Nós viemos daqui, algures, somos Fenícios, somos Árabes, somos Judeus, somos os semitas, ousaria dizer talvez, mais bem conservados.

Neste texto repartido em diálogo, por vezes em cânticos, há passagens muito próximas do Cântico dos Cânticos, um lado confessional, e um interlocutor per-manente, há uma demanda que é a de romar até à Terra Prometida, aquela que está dentro como sinal da consubstancial natureza de deus em nós. Mas, como diz o poeta, nem sempre é essa demanda que provoca a sua busca, mas sim, porque em queda se encontra, um desejo de evasão: – os Palácios e as Mesquitas, as fontes e as arcadas, tornam-se pretextos mudos.

No Monte – Ararat – vemos que há um Zaratrustra escondido dentro do au-tor; “Que pastores me indicas para guiar o meu rebanho?. Agrada-me o pastor que era Mestre! Belo, belo….. Eu diria que há um género muito romântico na composi-ção formal deste texto ou absolutamente romantizado.

E a viagem prossegue pelos povos Indo-europeus, agora na Índia, um efei-to sensitivo produz esta passagem: “Res-taurante Avicena - Entra, vem comer! Há galinha e muito arroz de açafrão”: é o momento mais epicurista do livro, sem aquele atávico poder de uma culpa qualquer que se herdou de um legado de Gregos, de Romanos, de Muçulmanos , de Árabes, de Judeus. No capítulo XVIII um português exclama em Bombaim: “ – Chorarei farto! Daqui não parto!”

No Sião, há no entanto uma refer-ência à hora sexta, como um alvorecer de pássaros, o que acentua a tónica pro-fundamente cristã, construída a partir do momento onde o destino se inverte. Essa hora de trevas, é a hora de Deus no homem, aqui, com muito fio-de-prumo, com olhar displicente, fino, fluido, o de um Cristo na passagem pelos seus anti-gos baluartes, vestindo a túnica do cami-nhante.

Não sei que lição mais bonita posso tirar daqui do que aquela que revela o peso e a beleza da minha própria cultu-ra e que não foram vãos os passos destes homens que estão sempre a abrir cami-nhos nas vias pedregosas da nossa huma-nidade. Obrigado Carlos Morais José.

Outra viagem vai agora começar!

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o l h o s a o a l t o

gente sagrada José simões morais

Pertencente à lista dos Oito Imortais (八仙), grupo cuja História só na dinastia Ming (1368-1644) ficou uni-formizada, Han Zhongli é reconhecido pelos daoistas como Imortal, com o nome de Wang YangZi. Várias são as lendas que falam do segundo mais idoso dos Imortais mas, sem nenhuma referência encontrada sobre o general Zhongli Quan nos livros de História da dinastia Han, esta personagem é uma construção das visões que criaram a imagem do além de si que caracteriza os Imortais.Do período da dinastia Han, Zhongli Quan era originário de Xianyang, muito próximo de capital Chang’an, actual Xian, província de Shaanxi e como general, as pessoas co-nheciam-no por Han Zhon-gli. Ao pai, Zhongli Zhang, também general do exército Han, no dia do nascimento do seu filho, décimo quinto dia da quarta lua, apareceu-lhe em casa um ancião dizendo vir de tempos antigos e depois de afirmar que ali iria renascer, entrou no quarto onde a espo-sa dava à luz. Após um enor-me clarão no compartimento, nasceu Zhongli, aparecendo já como tendo três anos de idade. Durante os primeiros seis dias, não chorou e nada comeu, mas ao sétimo dia le-vantou-se e mostrou que tra-zia o Dao.Muito tempo depois, já como general Han, Zhongli Quan foi combater o reino Cheshi (hoje Tufan na província de Xinjiang), mas o exército Han saiu derrotado.Perdida a batalha, o gene-ral em conjunto com os que sobraram fugiram, mas pelo galopar do seu cavalo foi-se afastando do grupo e quan-do deu por si, encontrava-se numa floresta só e sem saber por onde ir. Foi quando lhe apareceu um ancião, a quem perguntou onde se encontrava e como poderia dali sair.Encaminhando-o, andou com o general vários lis (alguns quilómetros), até que de re-

pente, ao aparecer uma casa, apresentou-a como sendo o lugar onde o Senhor Dong Hua se tornara um Imortal e poderia aí ficar a repousar. Após tais palavras, o ancião desapareceu.Zhongli Quan, para não in-comodar ninguém, ficou em frente à casa, sem fazer inten-são de se aproximar. Durante algum tempo absorvido pela imagem da grande casa e da vista que daí se deslumbrava, vê alguém saindo do interior e junto dele, saudando-o disse: “- Você é o general Zhongli Quan, porque não entra?”Ainda não refeito da derrota, o general pensou que pode-ria ser uma armadilha daque-le idoso homem vestido com uma pele branca de veado e com um grande cajado. Mas olhando bem para a figura do ancião e tendo ele adivinhado a sua identidade, o general mudou a ideia e viu-se perante um Imortal.Surpreendido pela paisagem que dali contemplava e se estendia à sua frente, tal be-leza em silêncio despertou--o para um novo sentido de existência. Meditando sobre o significado do viver, a fina-lidade do que viemos à Terra fazer, os encantos da vida fora das guerras pelo estar em har-monia, pertença da Natureza, levaram-no a querer aprender a filosofia do Dao com aquele mestre, o Senhor Dong Hua. O ancião, sentindo a boa energia, ensinou a Zhongli os princípios da longevidade e da Alquimia da Imortalidade, complementando com a arte da espada do Dragão Verde.Após a aprendizagem partiu e numa última visão do lugar, ao olhar para trás tudo tinha de-saparecido. Realizou a revela-ção preparada para ele entrar no Dao.O aniversário de Han Zhon-gli é no décimo quinto dia da quarta lua e em Macau uma das suas imagens, que aqui aparece em fotografia, encontra-se num quadro no Templo de Bao Gong, na rua da Figueira.

O ImOrtalHan ZHOnglI汉钟离

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Huai NaN Zi 淮南子 O LivrO dOs Mestres de Huainan

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L e t r a s s í n i c a s

Huai Nan Zi (淮南子), O Livro dos Mestres de Huai-

nan foi composto por um conjunto de sábios taoistas

na corte de Huainan (actual Província de Anhui), no

século II a.C., no decorrer da Dinastia Han do Oeste

(206 a.C. a 9 d.C.).

Conhecidos como “Os Oito Imortais”, estes sábios

destilaram e refinaram o corpo de ensinamentos taois-

tas já existente (ou seja, o Tao Te Qing e o Chuang

Tzu) num só volume, sob o patrocínio e coordenação

do lendário Príncipe Liu An de Huainan. A versão por-

tuguesa que aqui se apresenta segue uma selecção de

extractos fundamentais, efectuada a partir do texto ca-

nónico completo pelo Professor Thomas Cleary e por

si traduzida em Taoist Classics, Volume I, Shambhala:

Boston, 2003. Estes extractos encontram-se organiza-

dos em quatro grupos: “Da Sociedade e do Estado”; “Da

Guerra”; “Da Paz” e “Da Sabedoria”.

O texto original chinês pode ser consultado na íntegra

em www.ctext.org, na secção intitulada “Miscellaneous

Schools”.

A razão das leis serem leis é o seu modo de mudarem com a evolução das circunstâncias.

Do EstaDo E Da sociEDaDE – 50

Numa nação confusa, aqueles que toda a gente elogia são recompensados mesmo que nada tenham feito para o merecer.

* * *

A via dos líderes consiste em viver tran-quilamente, dedicados ao cultivo próprio, e em viver frugalmente, de modo dirigir os seus inferiores. Vivendo tranquilamente, os seus inferiores não se sentirão inquietos; vivendo frugalmente, os cidadãos não se ressentirão deles.

* * *

Numa sociedade degenerada, aqueles que detêm a riqueza da terra e se encontram

em posições de autoridade sobre outros exaurem a energia do povo comum para servir os seus apetites sensuais.

* * *

Desejar ter um papel na evolução e reagir aos tempos através da transformação de uma única geração é como usar tecidos no Inverno e peles no Verão. Não se pode alvejar cem vezes o mesmo ponto exacto; não se pode passar um ano inteiro só com uma muda de roupa. O alvejar deve conformar-se com o alto e com o baixo; a roupa tem de adequar-se ao calor e ao frio.Assim, quando a geração é diferente, as coisas transformam-se; com o passar do tempo, os costumes mudam. Por isso, os sábios examinam a sociedade

ao fazerem leis e dão inicio a projectos de acordo com os tempos. Portanto, as diferenças nas leis dos líderes iluminados não se devem a tentativas deliberadas de se contradizerem ou inverterem uns aos outros; devem-se às diferenças nos tempos e nas sociedades. Por isso não tomam as leis já estabelecidas como regras, mas tomam como regra sua a razão mesma pela qual as leis são leis. A razão das leis serem leis é o seu modo de mudarem com a evolução das circuns-tâncias. As mais valiosas são aquelas que podem mudar com a evolução das circunstâncias.

tradução de Rui cascais ilustração de Rui Rasquinho

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