h - suplemento do hoje macau #31

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h ARTES, LETRAS E IDEIAS O IMPERADOR E O DRAGÃO PARTE INTEGRANTE DO HOJE MACAU Nº 2537. NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE

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Suplemento h - Parte integrante da edição de 27 de Janeiro de 2012

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O IMPERADOR E O DRAGÃO

PARTE INTEGRANTE DO HOJE MACAU Nº 2537. NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE

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DESPONTA A AURORA no deserto do Gobi. Alguém sabe, mas não já o imperador da China. Assombrado por uma série de acontecimentos interpre-tados como funestos por aqueles que o rodeiam, o Filho do Céu morre a cami-nho da sua quinta batalha nas terras do Norte, na oitava lua do ano de 1424. Tinha sessenta e cinco anos, um núme-ro que já superava o limite de variações simples propostas no oráculo Yijing. E, no entanto, ao olhar para a sua vida e a sua acção como imperador, nada ve-mos de simples. Permanece uma sen-sação de perplexidade, de esboços de gestos, pensamentos abandonados, factos estéticos cruzados com uma im-placável ambição. O seu foi um tempo marcado por uma vontade de saber tão ambiciosa que in-cluía até aquilo que pela sua natureza é incompreensível: a Astronomia e a sua antecessora, a Astrologia Arcaica. O impulso de afirmação externa con-duziu às grandes viagens do eunuco Zheng He (1371-1433) que visitou cerca de trinta territórios da Ásia e da África por mar, estabelecendo relações com muitos povos de diversas culturas. E um análogo ambicioso gesto de re-clusão conduziu à construção, numa nova capital no Norte, dentro de uma Cidade Proibida, de um Palácio Impe-rial cercado de altos muros pintados de uma auspiciosa cor púrpura, concebido para ser o centro do Mundo, o Grande Interior. Dentro dos limites da cidade interdita também erigiu um fabuloso Templo do Céu destinado aos rituais que asseguravam a sucessão tranquila dos dias. Uma sabedoria antiga indicava-lhe que o domínio do poder não se exerce só no espaço mas também no tempo, não só uma soberania geográfica mas também o domínio dos dias que se sucedem. Igual-mente, para assegurar uma narrativa, impunha-se a manipulação do passado. É tarefa comum dos príncipes. Porém, o modo como se exerce esse controlo pode adquirir formas opostas. Na pro-digiosa História da China há factos que superam a mais caprichosa imaginação literária. Foi lá que ocorreu o imprová-vel gesto de Qin Shihuang, que unificou a China em 221 a. C. e que mandou queimar todos os livros, a memória do seu império. Mas também – e como num espelho de opostos – o ambicioso méto-do de Yongle (1360-1424), que mandou recolher numa monumental enciclopé-dia a compilação de todos os assuntos e todos os conhecimentos.Turistas que visitam a Cidade Proibida em Pequim admiram aquela majestosa memória. Talvez não seja imediata-mente evidente que tudo aquilo já era memória quando foi construído. Me-mória de memória, como a imagem do dragão, animal provavelmente recons-truído a partir dos fósseis de ossos de dinossauros.

YONGLEO imperador que fez

uma casa para o dragão

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Paulo Maia e CarMo

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DECISÕES URGENTES NA FRONTEIRAO nosso passado não explicará tudo. Muitas das nossas acções dependem de contingências que não controla-mos e em cujas respostas imprevistas se dá a inesperada revelação do eu. E como é muito mais difícil perdoar, são as ofensas, as feridas e os conflitos que a memória trabalha mais facilmente. O futuro imperador Yongle habituou-se desde cedo a viver acossado, a reagir à beira de perder o fôlego. Era o quar-to filho de Zhu Yuanzhang, que viria a ser o imperador Hongwu, o fundador da dinastia Ming, e o seu nascimento está imerso em rumores. Filho de mãe desconhecida, dizem uns, filho de uma princesa com quem o pai casara antes de saber que já estava grávida, dizem outros. O que é certo é que recebeu o nome de família do pai, Zhu Di. Quando Zhu Yuanzhang conquista o poder em 1368 ele tem oito anos. Ser-lhe-ia destinada a tarefa de reinar em Yan, na actual região de Pequim. As distantes províncias do Norte es-tavam sujeitas às permanentes inves-tidas mongóis. E o jovem governante de Yan torna-se notado pela sua lide-rança e no modo como combate numa região perigosa e assolada pela fome e pela doença nas distantes fronteiras do Império. Cientes de que a proximi-dade pode gerar identificação, porém, tanto o velho imperador como o seu neto e sucessor Hui Di, desconfiavam dele. O facto de se ter apaixonado por uma bela mulher mongol aumentava as razões da desconfiança. Assassinos teriam sido contratados para eliminar o prestigiado Senhor de Yan e Zhu Di

teve que viver clandestino, vagueando durante meses pelas ruas de Beiping, a cidade que já fora Dadu, a antiga capi-tal da dinastia Yuan e futura Pequim, como um mendigo. Irreconhecível, mas reconstituindo o seu exército, ma-quinando uma espectacular tomada de poder. O que conseguiu em 1402 ao tomar a capital imperial, então situada em Nanquim, com o auxílio dos eunu-cos descontentes com a distribuição de cargos oficiais que favoreciam os mandarins sujeitos aos rigorosos exa-mes imperiais. No pânico que se se-gue à entrada do exército na capital, o palácio imperial fica em chamas e, no meio do pavoroso incêndio, o seu sobrinho e imperador Jianwen e a sua esposa desaparecem. Rumores, nunca confirmados, correram de que teria escapado disfarçado de monge. Após

uma breve e ritual visita ao túmulo do seu pai, Zhu Di seria coroado impera-dor Yongle com a idade de quarenta e dois anos.

UMA BIBLIOTECA EM CHAMASUma vez no poder tentou assegurar-se que nada se pudesse escapar do poder central. No episódio da mudança da capital nota-se a compreensão estra-tégica que presidiria ao seu reinado. De acordo com uma lenda popular, conselheiros imperiais conduziram--no às colinas à volta de Nanquim e mostraram-lhe a vulnerabilidade do palácio imperial a ataques de artilha-ria. E assim Pequim, a velha capital do norte, deixaria de ser a fronteira e passaria a ser o centro do Império. O clássico de Sunzi, A Arte da Guerra, ser-viria de manual da actuação imperial. As armas próprias da estratégia militar

que incluíam a surpresa, os enganos propositados passariam ao quotidiano uso político. Estabeleceu uma nova organização civil do governo, espécie de constituição, a Hanlin yuan; e tra-balhou para a reorganização das várias tribos chinesas. Nos primeiros anos do seu Mandato Celeste, enfrentando ondas de banditismo e rebelião, as li-ções do general de campo não foram esquecidas e na tentativa de pacificar as feridas provocadas por contínuas guerras internas foram aplicados os métodos propostos nos treze capítulos de Sunzi. Sempre tomando a iniciativa, como nele está escrito: “Se conheceres o inimigo e te conheceres a ti mesmo não tens que recear o resultado de cem batalhas.”Outra forma de assegurar a tranquili-dade e promover a união popular era investir nas tradições do rico cerimo-nial dos rituais chineses. De facto este era o caminho que serviria para legiti-mar, de modo radical, a nova dinastia Ming. Para preservar todos os conhe-cimentos da cultura e da literatura da China, em Dezembro de 1404 Yongle nomeia o seu secretário-geral Xie Jin, que assessorado por mais de dois mil eruditos, colige num único projec-to uma monumental enciclopédia – a Yongle Dadian. Os números referentes ao seu conteúdo exacto variam entre mais de quatro mil e perto de vinte e três mil volumes de texto. A razão da imprecisão estará no facto de o origi-nal ter desaparecido. Uma série de acontecimentos nefastos acompanharam a mítica enciclopédia. Em 1557 um incêndio no Palácio Im-

O futuro imperador Yongle habituou-se desde cedo a viver acossado, a reagir à beira de perder o fôlego. Era o quarto filho de Zhu Yuanzhang, que viria a ser o imperador Hongwu, o fundador da dinastia Ming, e o seu nascimento está imerso em rumores.

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perial levou à execução de uma cópia e o original teria desaparecido após o funeral do imperador Jiajing. A partir de 1860, durante os combates das po-tências Ocidentais contra a revolta dos Boxers, incêndios e pilhagens condu-ziram à destruição ou fragmentação de uma parte substancial do manuscrito. Dos volumes que restaram pode haver cerca de oitocentos volumes, actual-mente espalhados por bibliotecas e museus em vários países do mundo. Na China, apenas cento e vinte e oito.

A FRONTEIRA FLUTUANTEServem as fronteiras para separar ou no domínio da linguagem para dizer “nós” e “os outros”. O desdobramento do “nós” é a afirmação da identidade, é dizer: “nós somos assim”. As viagens marítimas da era de Yongle têm essa marca assertiva. Queriam provar que na China não precisavam de nada. Num espantoso gesto, que alguns poderiam ver como puramente inútil – as viagens das Descobertas dos Europeus, iniciadas em 1498 por Vasco da Gama, repetiram--se durante séculos, testemunho do seu carácter de vantagem prática, mas as viagens chinesas só queriam consolidar prestígio, mostrar a face. Mas de um en-contro resulta sempre uma riqueza. No Mundo onde os navios chineses toca-ram, e ainda mais além pela difusão do comércio, passou a conhecer um povo através da eloquência dos seus produtos. A produção da porcelana azul e branca, ela mesmo resultado de uma troca para obtenção da cor azul-cobalto, foi in-

crementada pelo estabelecimento dos fornos imperiais em Jingdezhen. Leva-da nos navios, ela deixaria uma marca impressiva do engenho dos Chineses que iria perdurar. A delicada manufac-tura e a caprichosa decoração falariam de um país sofisticado de tal modo que em certas línguas a palavra china desig-na, ainda hoje, um serviço de loiça de porcelana.

A INVENÇÃO DA GLÓRIADos incontáveis prodígios da Era de Yongle, que incluíram a continuação de grandes projectos do passado como a reconstrução da Grande Muralha e o melhoramento do Grande Canal (co-meçado no na séc. IV a. C.) nenhum terá sido porventura tão espantoso como a descoberta do poder expressi-vo da memória. Um paraíso intuído de onde nunca poderemos ser expulsos. É certo que os Chineses conheciam a memória factual. No século II a.C., no

início da China unificada, Sima Qian (145-87? a.C.) que tinha o cargo de escriba-mor e astrólogo real a quem competia registar os acontecimentos oficiais e fiscalizar a sucessão do ca-lendário, estabeleceu o padrão da es-crita da História na China. Nos Anais do Historiador, a sua obra mais impor-tante, estão descritas lendas do tempo do mítico Imperador Amarelo, aconte-cimentos das dinastias Shang e Zhou, o aparecimento e queda da dinastia Qin, e o nascimento e consolidação da dinastia Han. E ainda o registo das eras das Primaveras e do Outonos e dos Es-tados Combatentes, que se tornaria um marco incontornável para contar a História da China. Mas a ideia da gló-ria de pertencer a uma identidade bri-lhante – que é o que significa a deno-minação dinástica Ming – é algo que, para preservar intacto o seu poder, tem que ser mostrado através de sinais, ves-tígios, alusões indirectas.

O respeito pela tradição obrigava Yon-gle a conceber um “palácio subterrâ-neo”, que falasse dele para a posterida-de. De modo característico a constru-ção em madeira, que resiste impecável há mais de quinhentos anos, e que o recorda, situada a noroeste de Pequim, acabada em 1413, no décimo primeiro ano do seu reinado, tem uma escala e um poder evocador surpreendentes. O mausoléu de Changling, integrado hoje no conjunto de treze túmulos de impe-radores da dinastia Ming, está rodeado de picos montanhosos em todas as di-recções com a entrada a sul protegida por duas imponentes montanhas – do tigre e do dragão - de cada lado da en-trada. No caminho sagrado que conduz ao Mausoléu estão alinhadas estátuas de mármore que representam funcionários imperiais e animais. Alguns dos animais são autênticos, outros são fantasias. Um deles é uma quimera que se tornara re-alidade perante os olhos atónitos dos súbditos de Yongle. No ano de 1415, na sétima lua do décimo terceiro ano do seu reinado, o eunuco Zheng He regressa da sua terceira viagem trazen-do com ele o mítico qilin, que vinha da parte do Sultão de Bengala. O facto deste animal, oriundo da Somália, ser designado no seu país de origem como girin, que soava tão próximo do som que o designava em chinês, indicava que só podia ser esse animal cuja presença sempre fora entendida como um bom augúrio. A chegada da girafa foi um acontecimento a que o próprio impera-dor assistiu, conferindo-lhe o carácter

Dos incontáveis prodígios da Era de Yongle, que incluíram a continuação de grandes projectos do passado como a reconstrução da Grande Muralha e o melhoramento do Grande Canal (começado no na séc. IV a. C.) nenhum terá sido porventura tão espantoso como a descoberta do poder expressivo da memória.

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espantoso, que só o Filho do Céu podia prodigalizar, de um encontro com uma memória perdida.

PALÁCIO DA MEMÓRIAJá existia um palácio imperial em Pequim no tempo da dinastia Yuan, mandado erigir por Kublai Khan, mas o Palácio inaugurado no dia de Ano Novo, portanto na primeira lua de 1421, superava tudo quanto o mundo antes vira. Denominado Zijincheng, a cidade púrpura proibida, continha no carácter zi, para dizer a cor púrpura, uma referência à estrela do norte, o centro do mundo, lugar onde habitam os deuses. Na sua concepção foram atendidas as exigências da antiga arte do feng shui, de modo a que as formas visíveis, a água, se adaptassem às formas invisíveis intuídas no vento. As suas nove mil e novecentas e noventa e nove divisões, para além do simbolismo do número nove que se refere ao céu, e por isso repetido até nos degraus do Pavilhão das Orações Para uma Boa Colheita no Templo do Céu, recordam que é apenas menos uma do que o número de divisões da mítica morada dos deuses. Num dia do ano de 1582 chegaria à Chi-na um viajante que trazia na bagagem uma riqueza invisível. Matteo Ricci S.J. (1552-1610) conhecia uma arte descon-certante que mostrava como aceder a uma memória. Como ele mesmo conta, há muito tempo no Ocidente vivera o poeta Xi-mo-ni-de, transcrição fonética do nome grego Simónides de Ceos (c. 556-468 a. C.), considerado o funda-dor da arte da memória, que ao associar imagens mentais a lugares conhecidos concebera uma técnica para gravar aqui-lo que não queremos esquecer. Era par-ticularmente útil na arte da retórica o percorrer na memória as divisões de uma construção habitual dentro das quais se colocavam os assuntos a lembrar. Uma imagem desatando uma torrente de pala-vras. Ao mostrá-la na China Matteo Ricci produziu uma extraordinária coincidên-cia, aplicando uma das mais insistentes sentenças atribuídas aos Chineses: uma imagem vale por mil palavras. Nos Palá-cios da Memória, a obra em que aplica a arte Ricci utiliza os caracteres chineses, desconstruindo-os. Mostra como no ca-rácter Wu para guerra, separando o ide-ograma para “lança” daquele que designa “parar” ou “impedir”, está contida a possi-bilidade para a paz. Segundo conta Cícero, um dia Simó-nides ofereceu-se para ensinar ao aris-tocrata ateniense Temístoles a arte da memória mas este recusou dizendo: “não me ensines a arte de lembrar mas sim a de esquecer pois lembro-me de coisas que não desejo e não consigo esquecer coisas que desejo esquecer.” Yongle, que dedicara tanto do seu tem-po a cultivar a memória, talvez tivesse coisas que preferia esquecer nos seus últimos dias no deserto a caminho de uma nova batalha. Mas o seu nome perduraria, alheio a toda humana mu-tação e à sequência inevitável da noite e do dia. O sol e a lua reunidos no ca-rácter ming, a memória brilhante.

O mausoléu de Changling, integrado hoje no conjunto de treze túmulos de imperadores da dinastia Ming, está rodeado de picos montanhosos em todas as direcções com a entrada a sul protegida por duas imponentes montanhas – do tigre e do dragão - de cada lado da entrada.

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António GrAçA de Abreu

Tibete

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SAIO DE Chengdu, capital da Sichuan, para o voo rumo ao Tibete. Situada a dois mil quilómetros de Lhasa, a cidade de Chengdu faz a ligação aérea mais próxima com as estranhas e quiméricas terras do Tecto do Mundo. Eis finalmente a viagem para o Tibete!Nos meus bons velhos tempos de vida e trabalho em Pequim, corria o ano de 1978, sugeri à direcção das Edições de Pequim em Línguas Estrangeiras, na altura a minha danwei, ou seja, a entidade chinesa de trabalho que me dava emprego, me pagava um mísero mas honesto salário, me concedia uma humilde mas digna casa e de algum modo me controlava parte da vida, propus dizia, viajar até Chengdu e depois embarcar numa daquelas enormes caravanas de viaturas quase todas militares, mais de cem camiões de carga que todas as semanas por estradas sinuosas a tocar as nuvens seguiam para o Tibete carregadas de quase tudo o que faltava nas montanhas e vales das terras altas da pátria do Dalai Lama. A viagem Chengdu-Lhasa demorava doze dias. A minha contrapartida, se me fosse concedida e autorizada tão excelente e privilegiada jornada, era escrever umas tantas crónicas para as revistas em línguas estrangeiras publicadas pelas Edições de Pequim sobre as aventuras da viagem e sobre o Tibete. Os camaradas responsáveis pelas Edições em Línguas Estrangeiras, sempre com a política por detrás – estava a começar o kaifeng, a abertura, a era Deng Xioping com todas as graduais mudanças possíveis e impossíveis no dia a dia das Edições, e de toda a sociedade chinesa – devem ter ficado surpreendidos com tal proposta e fizeram-se desentendidos. Ainda hoje, passados trinta e quatro anos, estou à espera de resposta.Aqui para nós que ninguém nos lê, o meu sonho era ser uma espécie de Fernão Mendes Pinto dois, ou um António de Andrade três. O genial autor da Peregrinação jamais subiu pelas montanhas do Tibete, andou sempre pelas extensas bordas do mar. Quase toda a China de Mendes Pinto, do seu inventado António de Faria, é marítima. Mas o jesuíta António de Andrade (1581-1634), na companhia do irmão Manuel Marques, foi o primeiro europeu a viajar por cordilheiras cobertas de neve desde Acra, na Índia até ao Tibete Ocidental, fixando-se no reino de Guge, na cidade de Tsarapangue, hoje um montão de ruínas a 4.700 metros de altitude e uns bons mil quilómetros a oeste de Lhasa. O padre Andrade partia em busca das míticas terras do Prestes João das Índias onde, por detrás de mil montanhas, se imaginava ainda existirem igrejas, cristãos e muita fé em Jesus Cristo. O beirão António de Andrade, que se pensa ter morrido envenenado em Acra depois do regresso da sua segunda viagem ao Tibete, em1634, tem um bonito retrato da época na sala dos Actos da Academia das Ciências de Lisboa. Deu o nome à praça principal de Oleiros, a

terra no fundo de um vale entre montes lusitanos onde nasceu, no distrito de Castelo Branco. A Escola Básica e Secundária da vila de Oleiros também tem o seu nome.Quando viajei desde Lisboa para me instalar e trabalhar em Pequim, em 1977, levei comigo um livro de Aquilino Ribeiro intitulado Portugueses das Sete Partidas, no dizer do mestre de Soutosa “viajantes, aventureiros e troca-tintas” qualidades e defeitos que na altura, e hoje, me assentam na perfeição. Aquilino Ribeiro dedica quarenta e duas páginas do seu livro às atribulações de António de Andrade “escalador dos Himalaias e descobridor do Tibete”. As aventuras deste jesuíta e de alguns dos seus seguidores, como os padres Estêvão Cacela e João Cabral -- estes os primeiros portugueses a chegar em 1627 a Shigatsé, a segunda cidade do Tibete --, têm sido objecto de inúmeros estudos. Tanto como sei, homens como António Franco, Manoel Severim de Faria, Esteves Pereira, Branquinho da Fonseca, Aquilino Ribeiro, Neves Águas, Benjamim Videira Pires, Luís Graça, Fernando Castelo Branco, Luís de Albuquerque, Rui Loureiro, Giuseppe M.Toscano e Hugues Didier debruçaram-se sobre as vidas e os testemunhos dessas vidas escritos por tão singulares figuras. Com menção especial e conhecimento actual dos lugares, destaco hoje a importância do livro sobre os portugueses no Tibete e as viagens tibetanas de Joaquim Magalhães de Castro, que de resto resultaram numa recente e interessante série de televisão que passou em quatro episódios na RTP 2.Tsarapangue, Shigatse, o Tibete Ocidental estão longe da cidade de Lhasa que vou conhecer. Resta-me, como orientação e estímulo, a memória viva destes portugueses idos das Índia que nos precederam nos Himalaias há quatrocentos anos atrás e que, ao descobrirem as montanhas do Tibete encontraram, por vias tão sinuosas, os caminhos que conduzem ao bem-estar eterno do vazio pleno de Deus, para além das nuvens.Humilde português, viajei desde Chengdu para Lhasa num Boeing 757 voando entre cumes de montanhas cobertas de neves há muitos, muitos séculos. O avião desceu para o aeroporto de Gongar construído na margem de areia e lama do grande rio Bramaputra, que por aqui nasce e, depois de atribulada e longa jornada, vai desaguar no Bangladesh. Do aeroporto até Lhasa percorrem-se noventa majestosos e esfuziantes quilómetros de estrada. Respira-se a magia dos lugares: as rochas pintadas com imagens de Buda, as bandeirolas coloridas ao vento, o caudal impetuoso e barrento do rio, o rasgar das montanhas translúcidas espelhando as nuvens, tudo envolto no silêncio absoluto do tempo. O Tibete. Após mais mil viagens, apaziguado o bater do coração, hei-de voltar um dia a Lhasa, ao Tibete para um sereníssimo encontro com Buda. Depois, transformar-me-ei num pássaro, abrirei as asas à carícia do vento, voarei alto no azul frio dos espaços do vazio e desaparecerei por detrás das montanhas. Ao encontro dos nossos jesuítas de seiscentos, ao encontro do Céu.

AS VIAGENS PARA LHASA 拉萨

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A resposta do Grande Oriente Lusitano aos acontecimentos que têm perturbado a sociedade portuguesa

Fernando LimaGrão-Mestre

No difícil momento económico e social que Portugal vive e cujos efeitos na vida quotidiana dos cidadãos são infelizmente cada vez mais sentidos, é urgente saber orientar as energias para o que efectivamente é importante: a mobilização patriótica para as responsabilidades colectivas, num ambiente de paz, de esperança, de solidariedade e de coesão social.O Grande Oriente Lusitano, fundado em 1802, além de ser a mais permanente instituição democrática portuguesa e a segunda mais antiga Obediência maçónica mundial em exercício continuado, não aceita ser envolvido em assuntos decorrentes de interesses empresariais conjunturais em que são projectadas posições anti-maçónicas que misturam velhas perspectivas anti-progressivas com pretensas abordagens pós--modernas enxertadas de algum aventureirismo intelectual pseudo-progressista.Portugal conheceu em 1935 uma lei dita sobre “associações secretas” e é com mágoa que somos obrigados a denunciar, no Portugal de hoje, a retoma do projecto do então deputado do Estado Novo, José Cabral.Sobre esse projecto, Fernando Pessoa escreveu no Diário de Lisboa de 4 de Fevereiro desse ano: “Provei neste artigo que o projecto de lei do sr. José Cabral, além do produto da mais completa ignorância do assunto, seria, se fosse aprova-do: primeiro, inútil e improfícuo; segundo, injusto e cruel; terceiro, um malefício para o País na sua vida internacional.”.Para aqueles que, recém-convertidos ou indiferentes ao Estado de Direito Democrático, defendem que a Maçonaria não tem sentido em democracia e quando muito o teria no combate aos autoritarismos – que, de esquerda ou de direita nunca su-portaram a Maçonaria – é bom lembrar quantos totalitarismos nasceram em democracias e que a indiferença é a mãe dos que só despertam quando, já tarde, a opressão lhes bate à porta. Os ataques à Maçonaria, sejam eles de ontem, de hoje ou de amanhã, vêm sempre eivados do mesmo ódio aos princípios da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade e aos valores da Justiça e da Razão, verdadeiros alicerces do edifício onde se cultivam os Direitos Humanos.Vivemos hoje na Europa o mais longo período de paz pela qual lutaram e morreram muitos maçons e para cuja construção a Maçonaria muito tem contribuído.Para os que alimentam desejos e ilusões autocráticas e ex-clusivistas, é bom lembrar uma recente decisão de uma das mais vibrantes instituições europeias,  o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que cortou cerce mais uma tenta-tiva anti-maçónica, desta vez ocorrida na região italiana de “Friuli Venezia Giulia”, onde uma lei de 15 de Fevereiro de 2000 obrigava os candidatos a cargos públicos dessa região a declararem “a sua pertença a associações maçónicas ou, em todo o caso, de carácter secreto”.O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem concluiu que aquela lei constituía uma “violação do artigo 14 (interdição de discriminação) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem combinado com o artigo 11 (liberdade de reunião e de associação)”, condenando a Itália por ter permitido tal lei e atribuindo 5.000 € de indemnização por gastos ao queixoso (Grande Oriente de Itália).A evocação deste acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem não poderia ser mais oportuna no contexto recentemente gerado em Portugal em torno de uma questão em que uns por interesses gananciosos, alguns por vocação obscurantista e outros por oportunismo pseudo-moderno querem fazer regredir direitos humanos arduamente con-quistados e pelos quais, sem qualquer pretensão exclusivista, nem arrogância serôdia, continuamos na primeira linha da sua defesa e exaltação.

João GuedesIn Tempos do Oriente

Muito se tem escrito sobre o papel da Maçonaria na implantação da Repú-blica em Portugal e também no papel decisivo que a Carbonária nela terá desempenhado como braço armado da primeira. Todavia, para além de uma ou outra referência bibliográfica, não é muito o que se sabe da acção destas organizações na instituição do regime republicano em Macau.É certo que os dados escasseiam (mes-mo em Portugal), mas do que se co-nhece pode concluir-se que a Maçona-ria também aqui desempenhou papel equivalente ao da sua congénere da “Metrópole”.O mesmo não se poderá dizer da Car-bonária. Sobre esta associação secreta a bibliografia não é abundante, mas pelo menos existem alguns trabalhos, de certo detalhe, identificando-a es-sencialmente como o “exército civil” que apoiou os heróis da Rotunda nos acontecimentos que culminaram no dia 5 de Outubro de 1910. Um dos seus chefes era o próprio Machado dos Santos. O outro era Carlos da Maia que viria a governar Macau em 1914. Todavia, sobre a organização no Terri-tório o silêncio é absoluto.Embora a história de associações des-se género seja sempre difícil de fazer dado o grau de secretismo de que se rodeavam pode dizer-se, com razoá-vel certeza, que o silêncio que reina se deve apenas ao facto da organização não ter existido de todo na então co-lónia portuguesa da China, pelo menos nesse período.A única referência à Carbonária em Macau diz respeito à estada na cidade de cinco dos seus elementos presos por subversão em Portugal que para aqui foram exilados em 1898. Os cinco te-riam, pouco depois da chegada, tenta-do aliciar alguns militares no sentido de sublevar a guarnição, prender o Go-vernador e proclamar a República.A tentativa fracassou e os cinco volta-ram a ser detidos cumprindo o resto da pena de exílio a que tinham sido ante-riormente condenados, mas agora mais longe ainda, ou seja em Timor. Refira--se todavia que o relato destes factos se baseia apenas em alusões breves sem citação de fontes reproduzidas nalgu-ma bibliografia relativa à história do movimento anarquista em Portugal e nada mais.No que toca à Maçonaria o caso é bem diferente. A sua acção em Macau está relativamente documentada graças ao trabalho de investigação de alguns au-tores com destaque para o historiador A. H. De Oliveira Marques.Assim sabe-se hoje que o papel dos “pedreiros livres” na colónia portugue-

A MAÇONARIA E MACAU

sa, reunidos em torno da “Loja Luís de Camões” foi decisivo não só na procla-mação da República, como posterior-mente no afastamento da elite dirigen-te monárquica e na consolidação do novo regime.De facto a “Loja Luís de Camões” in-cluía no seu seio um grande número de funcionários públicos de todos os escalões, militares da marinha e do exército, para além de advogados, en-genheiros e jornalistas, ou seja o escol da colónia. Assim não é de admirar que o próprio ajudante de campo do últi-mo governador monárquico (Eduardo Marques) Álvaro de Melo Machado tenha sido escolhido para o substituir dois meses depois da proclamação do regime republicano.Melo Machado era maçom desde 1907 tendo aderido nesse ano à loja lisboeta “Liberdade”. Aqui chegado passou, na-turalmente a integrar-se nos quadros da “Loja Luís de Camões”. Para além deste à mesma loja pertenciam também, ou-tros vultos que desempenhariam papel fulcral no rumo político que o Territó-rio haveria de tomar no futuro.Entre muitos conta-se com particular destaque a figura bem conhecida de Constâncio José da Silva, advogado jornalista e polemista, proprietário e redactor do jornal “A Verdade”que esteve na primeira linha do republica-nismo na campanha pelo afastamen-to das figuras de proa da monarquia. Constâncio inspirou nomeadamente o levantamento das tropas que cercaram o Palácio da Praia Grande e obrigaram à ponta das baionetas o governador Eduardo Marques a publicar as novas leis da república que insistia obstinada-mente em guardar na gaveta.Outro jornalista que ficaria para a posteridade pelas suas relações de medianeiro entre os revolucionários republicanos chineses e as autoridades locais, amigo pessoal de Sun Yat-sen (fundador da República da China) e igualmente redactor e proprietário de vários jornais era Francisco Hermene-gildo Fernandes, figura sobre a qual muito se tem escrito e de quem ainda hoje pouco mais se sabe a não ser o que ele próprio de si deixou publicado.

O mais pode resumir-se à frieza de um currículo constante na “Repartição dos Assuntos Sínicos” onde era tradutor e os dados oficiais inclusos nos autos que contra si foram levantados pelos tribu-nais em diversos processos por alegado abuso de liberdade de imprensa que contra si foram movidos.Com menor destaque, mas não menos eficácia política salientou-se também o coronel José Luís Marques, um dos fundadores da maçonaria organizada em Macau que ocuparia durante largos anos a presidência do Leal Senado.Igualmente pouco citado, mas bem in-serido nos centros de decisão encontra-va-se o seu camarada de armas António Antunes, igualmente co-fundador da “Loja Luís de Camões”, que nos anos subsequentes a 1910 comandaria a Po-lícia de Segurança Pública.Outro advogado de renome e republi-cano estrénuo pertencente à mesma loja era Damião Rodrigues, persona-lidade cujo perfil já abordei aqui em anteriores artigos igualmente devido às suas ligações estreitas à revolução republicana da China e também pelo combate desassombrado que travou, especialmente, contra a ditadura do “Estado Novo” de Salazar, já numa fase adiantada da sua vida.Para além dos nomes citados muitos outros o poderiam ser. O poeta Camilo Pessanha, que dispensa biografias, mes-mo maçónicas, que outros já fizeram e com pormenor, seria um deles.Deste destaque, necessariamente limi-tado, fica excluído Rosa Duque, por-ventura um dos mais combativos jorna-listas republicanos de Macau, que com a aproximação do golpe de 28 de Maio de 1926 chegou a anunciar na primei-ra página do jornal “O Combate” a sua filiação maçónica e o alto grau de que era detentor naquela organização inici-ática. A exclusão deve-se apenas ao fac-to de no momento em que a república se instaurava nos confins do Oriente, se contar entre os sargentos que na Ro-tunda, de armas na mão, com Machado Santos, sofriam o cerco e as arremetidas das tropas fieis a D. Manuel II coman-dadas por Paiva Couceiro.Este breve artigo não ficaria completo sem uma referência curiosa que parece subscrever o dito do rei D. Carlos se-gundo o qual “Portugal era uma monar-quia sem monárquicos”. Seria? Não se sabe!O que se sabe é que, em Macau, Bernar-dino de Senna Fernandes, 2º Conde de Senna Fernandes, tal como o ex-realista seu homónimo, Presidente Bernardino Machado, era já maçom e republicano numa época em que a monarquia vigo-rava em pleno e a República não passa-va de um ideal cuja concretização até entre os seus correligionários gerava dúvidas.

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T E R C E I R O O U V I D O

A MÚSICA, O CANTO E A DANÇA(221 A.C. - 960 D.C.)

música chinesa Sun Wei

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Este período durou quase 1.200 anos  e consiste de duas fases: a primeira inclui as dinastias Qin (221 a.C. - 207 a.C.), Han do Oeste (206 a.C. - 24 a.C.) e Han do Leste (24 a.C. - 220 d.C.), os Três Reinos (220 - 265), e Jin (221 a.C. - 420 d.C.); e a segunda inclui as dinastias do Norte e do Sul (420 - 589), Sui (581 - 618), Tang (618 - 907) e as Cinco Dinastias (907 - 960). As duas fases têm uma coisa em comum, é que as músicas do período são todos grandes obras que combinam a música, o canto e a dança. E a dis-tinção entre elas é que na primeira frase, a música da etnia Han era a composição principal da música, e na segunda frase, intercâmbios de musicais entre as etnias e entre a China e outros países ao seu redor en-riqueceram muito a música e a levaram a um apogeu.

A Dinastia Qin (221 a.C. - 207 a.C.) uniu os reinos e fundou a China pela primeira vez na história, mas ela durou 14 anos só. Mesmo assim, a Dinastia Qin foi um período de iniciação em vez de transição. Na Dinastia Qin, houve duas organizações que administraram os negócios da música: uma chamava-se «Tai Yue», e era responsável pela música utilizada em eventos oficiais; a outra chamava-se «Yue Fu», e era responsável por procurar e escolher boas músicas para o imperador se divertir. Depois da Dinastia Qin, a Dinastia Han (206 a.C. - 220 d.C.) herdou esta estrutura.

Cerca do século I antes de Cristo, Yue Fu foi con-siderada muito importante pelo imperador e desen-volveu-se muito neste período: muitas músicas folcló-ricas de área vasta foram recolhidas e muitos poemas, canções e músicas foram compostas por intelectuais convidados. Yue Fu iniciou um outro apogeu da músi-ca folclórica depois de Shi Jing, e muitas obras dessa época alcançaram grandes sucessos artísticos. Apesar das melodias se terem perdido, as letras sozinhas já são comoventes.

Depois da Dinastia Han, as posições principais do sino e do Qing na banda foram gradualmente substitu-ídas pelo Yu (instrumento musical de sopro) e Se (ins-trumento musical de corda). Yu e Se conseguem tocar músicas melodiosas e bem rápidas. Num livro escrito na Dinastia Han do Oeste, descreveu-se uma música toca-da pelo Se, falando de mãos que se moviam tão rápido em cima das cordas, como insectos voadores. E isso é o que falta na música do sino e do Qing, que é boa para tocar músicas solenes e respeitosas.

Outros dois instrumentos musicais que foram desenvolvidos depois da Dinastia Han são o Qin e

o Zheng, ambos são instrumentos musicais de cor-das. Neste período, o Zheng foi reformado: o novo Zheng tinha uma caixa muito maior que antigamente. Depois dessa mudança, o Zheng tornou-se imediata-mente muito importante: é menor que o Se, mas tem um registo maior; o som é mais alto e melodioso e a técnica de tocar mais fácil. Gradualmente, Zheng substituiu Se.

Outros dois instrumentos musicais importantes nesse período são a Pi Pa e o Kong Hou, que são também instrumentos musicais de cordas. E eles na verdade vieram de fora da China.

Depois das dinastias Qin e Han, a tendência para grandes performances de músicas e danças diminuiu, mas as músicas e danças para banquetes tornaram-se muito mais activas. Há estudiosos que acham que os principais instrumentos musicais desse período são o tambor, o Yu, o Se, o Xiao (instrumento de sopro), o Xun, o sino e o Qing. Muitos pesquisadores acham que todas as músicas importantes desse período acompanhavam danças. Mas as duas opiniões são conjecturas a partir de livros antigos. Para provar a sua autenticidade, são necessários mais estudos arque-ológicos.

No início do século IV, o norte da China, que era o centro político, económico e cultural do país, so-freu de novo uma grande perturbação. Depois disso, a China foi novamente dividida e, por 300 anos, acon-teceram muitas guerras. A cultura saiu danificada.

Mas mais tarde, por causa da abertura da Rota de Seda, as músicas dos países e reinos do oeste che-garam à China e isso trouxe um culminar de inter-câmbios musicais e culturais de todas as etnias. Isso compensou um pouco a grande perda da música nos 300 anos anteriores. Nessa época, Se, que é grande e fácil de quebrar, desapareceu; mas muitos instru-mentos musicais menores, que podem ser tocados ao viajar nas costas de cavalos e tinham sido utilizados pelo povo nómada ao norte e ao oeste entraram na China. Do Leste, veio a música de Gao Li (a Correia de hoje); do oeste, vieram as músicas de Gui Zi (pro-víncia de Xinjiang), Shu Le (província de Xinjiang), An Guo (província de Hebei); e do sul veio a música da Índia. Todas essas músicas se tornaram populares primeiro no norte da China, e gradualmente, foram sendo consideradas músicas nativas.

Uma coisa que vale a pena mencionar é o nas-cimento da partitura. No livro Li Ji, escrito cerca

do século II a.C., estão documentadas duas manei-ras diferentes de bater tambor em duas regiões di-ferentes. O livro usou os caracteres “quadrado” e “redondo” para indicar o tambor grande e o tambor pequeno, cada batida nos tambores foi registada pelo caracter respectivo. O tambor é o instrumen-to mais antigo, e é relativamente fácil documentar os toques.

A primeira partitura de canto apareceu pela pri-meira vez num livro escrito no século I a.C.. Houve dois livros neste período, que documentaram separa-damente as músicas e as letras de sete canções. Mas hoje encontra-se somente a categoria dos livros, não dá mais para saber o seu modo de documentar as mú-sicas.

A primeira partitura de melodia é uma música de Qin. Usando a escrita, documentou o dedilhado de duas mãos de uma música. Esta partitura é do século VI, o que existe hoje é uma cópia feita na Dinastia Tang (618 - 907).

Depois do grande intercâmbio de músicas de et-nias diferentes durante centenas anos, as músicas fun-diram-se e influenciaram muito as obras musicais da Dinastia Tang (581 - 907). As grandes obras de mú-sicas de Tang combinam a música, o canto e a dança, têm estruturas enormes e são de uma forma muito ele-vada: as típicas músicas dessa época consistem de três partes e dúzias de parágrafos. Sabe-se hoje que havia 40-50 grandes obras de músicas na Dinastia Tang, e a mais famosa chama-se Ni Shang Yu Yi - «a Rou-pa Colorida Feita de Penas». No começo do século passado, uma partitura de Tang, escrita em 933, foi encontrada no norte da China. Muitos especialistas tentaram interpretá-la, mas diversas opiniões existem sobre o compasso, por causa do modo de documen-tar a música, que não era exacto nessa época: de uma partitura escrita podemos saber somente o esboço da música.

Nas dinastias Sui (581 - 618) e Tang (618 - 907), surgiram muitas músicas folclóricas de etnias diferen-tes. Mais tarde, mesmo os músicos profissionais com-punham músicas folclóricas. Isso aconteceu porque a mudança da situação social nesse período levou a música das classes mais elevadas até ao povo. Com maiores direitos, o povo criou muitas músicas novas e compôs muitas letras novas para as músicas existen-tes. Com o passar do tempo, muitas músicas ficaram: são chamadas de Qu Pai.

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metrópolis Tiago Quadros*

TRÊS SOMBRAS

C I D A D E S I N V I S Í V E I S

EM JUNHO DE 2007, OS FOTÓGRAFOS RONG RONG,

CHINÊS, E INRI, JAPONESA, FUNDARAM – NO CORAÇÃO DO ANIMADO BAIRRO ARTÍSTICO DE CAOCHANGDI, E A UMA CURTA DISTÂNCIA DO 798 E DO ATELIER DE AI WEIWEI – O CENTRO DE FOTOGRAFIA TRÊS SOMBRAS.

Weiwei, cujas obras em suportes como a instalação, a escultura, o video ou a fotografia têm marcado presença em várias exposições na Europa e na América, projectou o centro, estabelecendo uma estrutura modular que, adaptando-se à topografia do local, cria espaços públicos reservados, bem como espaços privados mais abertos.

O Centro, com 4600 m2 de área, 880 dos quais destinados a actividades expositivas, apresenta-se como a primeira galeria dedicada exclusivamente à fotografia e vídeo arte na China. O percurso expositivo desenvolve-se em dois andares, sendo completado por uma biblioteca, um bar e diversas oficinas e espaços de trabalho para os artistas em residência. As fachadas e os pátios revelam padrões complexos – recriações de sombras manifestadas pelas composições tridimensionais dos tijolos – lançados pela folhagem das árvores.

Ai Weiwei gosta de desconstruir objectos históricos, suscitando reflexões sobre o seu valor e a sua ligação à vida das pessoas comuns. Numa entrevista publicada no portal de arte chinesa “ArtZineChina”, há uns anos, dizia que gostava de usar “restos” (de objectos ou edifícios históricos) “como prova da nossa actividade passada”, colocando-os em contextos contemporâneos criando um “contexto misto, problemático e interrogativo”. A exposição recentemente inaugurada em Taipé revela isso mesmo ao apresentar exemplos como o tríptico fotográfico “Dropping a Han Dystany Urn” (1995) ou “Colored Vases” (2010), este último um conjunto de vasos neolíticos datados de 5000-3000 a.C. a que Ai aplicou tintas industriais de várias cores. Essa iconoclastia estende-se a objectos de datação mais recente mas igualmente valiosos, como mobiliário da dinastia Qing (1644-1911). Em “Grapes” (2010), criou uma estrutura a partir de 32 bancos dessa época que se assemelha a um cacho de uvas, provocando uma sombra estrelar no chão e desafiando as convenções de uso do objecto e até a própria ideia de gravidade. Mesas do mesmo período foram reconstruídas em estruturas bizarras mas evocadoras de uma certa fragilidade em “Table with Two Legs on the Wall” (2010) e “Table with Three Legs” (2010). Em “Map Of China” (2004), feito a partir de madeira de um templo da dinastia Qing, Ai reflecte sobre a dimensão geopolítica do país, com a particularidade de incluir o mapa de Taiwan, cujo estatuto internacional permanece vago. Mas, nesse suporte, nada supera a monumental criação “Through” (2007-2008), em que mesas, feixes e pilares de templos da última dinastia chinesa foram colocados num conjunto de linhas diagonais com mais de um quilómetro de extensão.

Os princípios geradores da obra de Weiwei estão reunidos no Centro de Fotografia Três Sombras, objecto feito de recriações puras. Ai Weiwei convida à reflexão no valor simbólico das estruturas. O Centro é feito de mutações evocadas, onde se descortinam densidades variáveis. Para Weiwei modular o espaço significa esboçar as bases de uma escrita cujo objectivo é sempre o de comunicar – no interior de uma linguagem estritamente arquitectónica, sem adjectivos ou citações. A aparente abstracção formal do Centro de Fotografia Três Sombras dissipa-se afinal no compromisso que assume com a ideia de Arte.

A situação actual de Ai Weiwei é de permanente insegurança. Num recente testemunho ao diário britânico “The Guardian”, o artista confessa viver todos os dias com medo de perder o que mais precioso tem – a liberdade. Por enquanto as suas críticas continuam a poder ser lidas, seja na sua página no Twitter ou em jornais internacionais. Ai a quem Allen Ginsberg terá ditto um dia que duvidava que alguma galeria expusesse o seu trabalho, é hoje uma celebridade mundial e respeitado como um importante porta-voz de uma certa intelectualidade acossada na China.

As diferentes espessuras que as peles de tijolo conformam, ajudam a acentuar a leitura dos seus próprio limites – o edifício existe para além dele próprio. Por isso o desenho do Centro de Fotografia Três Sombras resulta do seu próprio (re)desenho, do modo como se estabelecem os tempos de respiração que, medindo as distâncias, ajudam a fixar a escala do conjunto. Esta obra revela uma ideia de abrigo que a contraposição do tijolo sublinha. Para Ai Weiwei é quase natural que a espessura das paredes se transforme em fértil território. E é sobretudo nessa espessura que o drama se desenha.

*Arquitecto, Mestre em Cor na Arquitectura pela Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa

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L E T R A S S Í N I C A S

A COMPREENSÃO DOS MISTÉRIOSWEN ZI 文子

Observa quem promovem e será possível ver se haverá ordem ou desordem.

O texto conhecido por Wen Tzu, ou Wen Zi, tem por subtítulo a expressão “A Compreen-são dos Mistérios”. Este subtítulo honorífico teve origem na renascença taoista da Dinas-tia Tang, embora o texto fosse conhecido e estudado desde pelo menos quatro a três sé-culos antes da era comum. O Wen Tzu terá sido compilado por um discípulo de Lao Tzu, sendo muito do seu conteúdo atribuído ao próprio Lao Tzu. O historiador Su Ma Qian (145-90 a.C.) dá nota destes factos nos seus “Registos do Grande Historiador” compostos durante a predominantemente confucionista Dinastia Han.

A obra parece consistir de um destilar do corpus central da sabedoria Taoista constitu-ído pelo Tao Te Qing, pelo Chuang Tzu e pelo Huainan-zi. Para esta versão portuguesa foi utilizada a primeira e, até à data, única tradução inglesa do texto, da autoria do Pro-fessor Thomas Cleary, publicada em Taoist Classics, Volume I, Shambala, Boston 2003. Foi ainda utilizada uma versão do texto chi-nês editada por Shiung Duen Sheng e publi-cada online.

CAPÍTULO 174, PARTE III

Aqueles que compreendem a Via do céu e da terra, entendem os padrões dos sen-timentos humanos, são magnânimos o suficiente para aceitar as massas, benévo-los o suficiente para se preocuparem com quem está longe e inteligentes o suficien-te para conhecer o uso da estratégia, são homens notáveis.Aqueles cuja virtude é bastante para edu-car e guiar, que são fidedignos o bastante para lhes ser confiada a justiça e cujo dis-cernimento é bastante para estarem cien-tes dos que estão por baixo, são homens distintos.Aqueles cujo comportamento pode ser-vir de modelo, cujo conhecimento é ade-quado para a resolução de dúvidas, que são fidedignos o bastante para cumprir promessas, que são honestos o bastante

para partilhar bens materiais, cujos mo-dos de fazer as coisas podem servir de exemplo e cujas palavras podem ser se-guidas, são homens excelentes.Aqueles que mantêm os seus empregos e não desistem, que não cedem em matéria de justiça, que não tentam fugir quando se apercebem de dificuldades e não se aproveitam quando o poderiam fazer, são homens excepcionais.Quando homens notáveis, distintos, ex-celentes e excepcionais gerem os seus cargos segundo suas maiores ou menores capacidades, fluindo da raiz para os ra-mos e regulando o pesado com o leve, os que se encontram em cima iniciam acção e os que se encontram em baixo harmonizam-se. Desse modo, todos os que vivem rodeados pelos quatro mares partilham o mesmo espírito e o mesmo objectivo, afastando-se da ganância e da

baixeza, voltando-se para o que é huma-no e justo. A influência que tal tem sobre o povo é como o vento fazendo dobrar as ervas.Mas se tiveres os que não são meritórios a governar os bons, nem os mais severos castigos impedirão que sejam traiçoeiros. Os pequenos não podem regular os gran-des, os fracos não podem empregar os fortes. Esta é a natureza do universo. As-sim, os sábios promovem os que sabem de modo a executar as coisas, enquanto que os governantes não meritórios pro-movem os seus próprios associados: ob-serva quem promovem e será possível ver se haverá ordem ou desordem; examina as suas associações e poderás discernir os sábios dos não meritórios.

Tradução de Rui Cascais Ilustração de Rui Rasquinho

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