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1 INTRODUÇÃO
O fenômeno social, da população de rua, é um problema que vem crescendo no
Brasil ao longo do ultimo século. Tal questão apresenta suas raízes no inicio do
século XIX, no entanto foi na atualidade que se verificou índices mais alarmantes.
Sob essa ótica esse relatório demonstrara o problema de uma maneira geral, dando
ênfase nas omissões estatais frente à causa, e da não observação das políticas
publicas acerca da moradia digna desse grupo minoritário.
Sendo assim o objetivo do presente trabalho é mostrar que o tema é de extrema
relevância, haja vista que moradia digna é uma previsão constitucional, além de
estar descrita na Declaração Universal dos Direitos Humanos, e mais que qualquer
previsão legislativa, viver com dignidade é condição essencial a todo e qualquer ser
humano.
Para uma maior compreensão acerca do tema, será feito a descrição do perfil dos
moradores de rua bem como o seu comportamento na atualidade, além de um breve
histórico acerca do fenômeno social e de sua problemática. Subseqüentemente será
elaborado um confronto de ideias entre a análise de dados e a realidade vivida,
tendo como referência a pesquisa de campo realizada.
Para o enriquecimento do relatório, a metodologia utilizada se valeu de uma
pesquisa bibliográfica minuciosa, e uma pesquisa de campo realizada na ONG
Cidade Refúgio para Moradores de Ruas, que luta pela tutela jurídica desse grupo
minoritário em análise.
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2 REFERÊNCIAL TEÓRICO
Os Direitos humanos também conhecidos como direitos subjetivos públicos, direitos
do homem e direitos individuais, é resultado de um longo processo evolutivo que
teve origem em diversas circunstâncias, caracterizados por lutas contra o poder e a
opressão dos soberanos através dos séculos. Sendo assim os direitos humanos não
surgiram todos de uma só vez, eles foram sendo descobertos e declarados de
acordo com transformações,que ocorreram na civilização humana no decorrer dos
tempos.
A necessidade de proteger os direitos inerentes ao individuo, foi o que impulsionou o
surgimento de diversas revoluções, pois para a sociedade a construção de um
mundo justo e igualitário dava-se apenas quando esses diretos eram respeitados.
Historiadores como Dirceu Siqueira e Miguel Piccirillo,acreditam que os direitos
humanos já eram observados na Antiguidade Clássica, quando na Grécia Antiga, o
direito natural em algumas ocasiões era superior ao direito positivo.Como exemplo
disto pode-se citar a peça Antígona, de Sófocles, onde Antígona usava leis
imutáveis contra a lei particular que a impedia de enterrar o seu irmão. Outra
manifestação de proteção dos direitos humanos deu-se no inicio do cristianismo
onde o individuo passou a ser dotado de valor,por assemelhar-se à figura de Deus.
Porém tanto na Antiguidade clássica, quanto no período do inicio do Cristianismo a
proteção desses direitos era de certa forma mínima, uma vez que a pratica da
escravidão, e a segregação por classe e sexo eram comuns na sociedade dessa
época.
Foi na Idade Media que houve um salto em relação à proteção dos direitos
humanos, mais precisamente no século XII, com a publicação da Carta Magna por
João Sem Terra. Esse documento foi de extrema importância, pois reconheceu
vários direitos como a liberdade à propriedade privada, a liberdade de ir e vir,
liberdade de expressão e a desvinculação da lei a figura do monarca. Esses direitos
que vieram com a Magna Carta são os chamados de Direitos Humanos de primeira
geração.
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Em quatro de julho de 1776 foi elaborada a Declaração de Independência dos
Estados Unidos na qual os direitos a vida, a liberdade, e a busca pela felicidade
eram direitos inalienáveis de todos os homens, pois os mesmos eram iguais perante
á Deus, e por isso mereciam ser tratados com o mesmo respeito e igualdade.
Com o Welfare-States urgido no século XX,vieram os famosos direitos sociais, ou
diretos de segunda geração, que compreendem a educação, cultura, habitação,
saúde, lazer, entre outros. Essa corrente de direitos foi impulsionada pela Revolução
Industrial européia, e tem como principais documentos o Tratado de Versalhes, e a
Constituição de Weimar da Alemanha.
A declaração da terceira geração de direitos fundamentais ocorreu logo após a
Segunda Guerra Mundial, onde inúmeras atrocidades foram cometidas contra os
seres humanos. Essa geração de direitos engloba os direitos à paz, qualidade de
vida saudável, à proteção ao consumidor, e à preservação do meio-ambiente.
Seguindo essa mesma corrente, em 10de Dezembro de 1948, a Assembléia Geral
das Nações Unidas proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que
como o próprio nome já diz são declaratórios, ou seja, não foram criados, já são
inerentes ao individuo:
Esses direitos declarados são os que derivam da natureza humana, são
naturais, portanto. Ora, vinculados à natureza, necessariamente são abstratos,
são do homem, e não apenas de franceses, de ingleses etc. São imprescritíveis,
não se perdem como o passar do tempo, pois se prendem á natureza imutável
do ser humano. São inalienáveis, pois ninguém pode abrir mão da própria
natureza. São individuais, porque cada ser humano é um ente perfeito e
completo, mesmo se considerado isoladamente, independentemente da
comunidade (não é um ser social que só se completa na vida em sociedade).
Por essas mesmas razões, são eles universais – pertencem a todos os homens,
em consequência estendem-se por todo o campo aberto ao ser humano,
potencialmente o universo. (Bertramello 2013)
Com essa declaração, os direitos Humanos passaram a ganhar destaque, tanto na
esfera internacional, quanto no ordenamento jurídico interno de cada Estado.Um
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desses estados foi o Brasil que inseriu em seu texto constitucional os preceitos da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, como direitos fundamentais. Para
Fernandes (2013, p. 311) os direitos fundamentais são todos aqueles direitos
positivados e protegidos pelo Direito Constitucional interno de cada Estado. O
ordenamento jurídico brasileiro adotou uma teoria literal dos direitos fundamentais,
os agrupando e organizando em cinco estruturas, compreendendo: os direitos
individuais e coletivos, os sociais, de nacionalidade, os políticos, e os de
organização em partidos políticos.
Dentre os direitos fundamentais a nossa Constituição Federal (1988)deu uma
atenção especial quanto aos direitos sociais, estabelecendo uma série de
dispositivos que assegurassem ao cidadão todo o básico e necessário para uma
existência digna.Para isso aprofunda José Afonso da Silva que os direitos sociais
são:
Prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. (SILVA, 2009, p. 286-287)
Após a promulgação da emenda constitucional de numero 26 no ano de 2000, que
será retratada posteriormente, o direito a moradia,mesmo já sendo um direito
previsto implicitamente, foi inserido na Constituição Federal, o tornando assim,
necessário e inquestionável para gerar a igualdade dentre os brasileiros.
Partindo desse ponto, o direito à moradia é um direito social, sem o qual não há a
proteção à dignidade do ser humano, e para isso Carbonari advoga que:
A proteção da dignidade humana deve efetivar-se em vários aspectos: naqueles que dizem respeito a saúde, alimentação, educação, lazer, moradia, os quais envolvem uma complexidade de situações e peculiaridades. (CARBONARI, 2007, pag. 35)
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O site do Centro em Referência em Direitos Humanos¹ Considera sem moradia
digna a população que não possua um lar, e que vivam nas ruas, ou aquela parte da
população que não contam com infraestrutura básica como água, esgoto e coleta de
lixo para ter habitação de qualidade. Ainda segundo o site, dentre as pessoas sem
uma moradia digna destaca-se a população de rua, grupo heterogêneo composto de
pessoas de diferentes realidades cuja renda per capita é inferior à linha de pobreza,
que não possuem domicílio e pernoitam nos logradouros da cidade, nos albergues
ou qualquer outro lugar não destinado à habitação.
Por ser um fenômeno recorrente das grandes cidades, os mendigos ou pedintes
como são chamados em geral a população de rua, deixaram de ser notados
por parte da população, que se tornaram indiferentes ao problema social. É o
que relata Delano Augusto Corrêa de Almeida:
Para indivíduos que caem no esquecimento da própria sociedade. Tornam-se invisíveis aos olhos dos cidadãos, ora provocando estranheza como se não fossem seres humanos ora piedade. Estereotipados em imagens de pessoas sujas, fedorentas, doentes, viciadas, criminosas e violentas. (ALMEIDA, 2011, p.80)
Em artigo publicado em 2010, pelo professor da Faculdade de Filosofia da
USP,José de Souza Martins,os moradores de rua são considerados migrantes
temporários, morando em condições precaríssimas em favelas e cortiços, e com
uma modalidade extrema e dramática de desempregado, com pouca chance de
ressurreição (MARTINS, 2010).
Sendo assim o respeito ao direito a moradia digna, passou a ser objeto de ampla
proteção estatal, fato que será demonstrando com mais detalhes no tópico a seguir.
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¹http://www.uniaoplanetaria.org.br/direitoshumanos/seus-direitos/direitos-dos-moradores-de-rua
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3 MARCO LEGAL E JURISPRUDENCIAL
A moradia adequada é um direito humano universal. Foi previsto inicialmente em
1948 com a declaração Universal dos Direitos Humanos. A partir desta previsão este
direito passou a ser aplicável em todo o mundo como direito fundamental. Surgiram,
a partir de então, tratados internacionais que reafirmaram a obrigação dos Estados
signatários em promover e manter este direito. O direito a moradia nos dias atuais
está previsto em mais de 12 textos diferentes da ONU.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece um padrão de vida
mínimocomo direito de qualquer cidadão e inclui como forma de alcançá-lo, o
requisito de direito a moradia equiparada com a habitação.
Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle. (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 1948)
Foi em 1966 com o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
que a declaração de direito à moradia passou a ser uma declaração normativa de
força obrigatória e coativa. O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais (PIDESC) é um tratado multilateral adotado pela Assembleia Geral das
Nações Unidas em 16 de dezembro de 1966 e entrou em vigor desde 3 de janeiro
de 1976.O PIDESC é parte da Carta Internacional dos Direitos Humanos,
juntamente com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e o Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP). O PIDESC reafirmou o
reconhecimento de um direito de moradia universalmente assegurado e impôs aos
Estados signatários que ratificassem. O Brasil teve em 1992 o último documento
ratificado através do Decreto nº 591 reconhecendo de forma inequívoca o direito a
moradia no plano interno do nosso Direito.
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O Brasil, através da Constituição da República, em 1988 internalizou este direto
dentre os chamados direitos sociais no Art 6º como um direito social básico do
individuo:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (BRASIL, 1988)
Em 15 de fevereiro de 2000 a moradia passou a constar expressa, autônoma e
formalmente do rol de direitos fundamentais de nossa Constituição, pois a emenda
de n. 26 alterou a redação original do artigo 6º para passar a enunciar o seguinte:
São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, 1988)
Existem ainda diversos diplomas legais que garantem e regulamenta o direito a
moradia nas esferas federal, estadual, distrital e municipal além de programas
habitacionais implantados pelo governo federal como, por exemplo, Programa Minha
Casa Minha vida, Sistema Financeiro de Habitação (SFH) Programa de
Arrendamento Residencial (PAR) entre outros.
Existem ainda, nas normas constitucionais, previsões implícitas da proteção ao
direito à moradia tais como as que fazem a vinculação da propriedade à sua função
social bem como a necessidade de o salário-mínimo ser suficiente para custear as
despesas com moradia e ainda a competência comum dos entes federativos para
“promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições
habitacionais e de saneamento dentre outras”.
Em 2001 foi aprovado e promulgado o Estatuto da Cidade, lei 10.257/2001 e
também a Medida Provisória 2.220. Nesta Medida Provisória foi incluído em 2007
no Código Civil o direito real de uso especial para fins de moradia.
Art. 1o - Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, será aplicado o previsto nesta Lei.Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam
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o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. (BRASIL, 2001)
O Estatuto da Cidade prevê uma série de instrumentos urbanísticos que concernem
direta ou indiretamente ao direito à moradia, seu artigo 2º, I e XIV, expressamente
aponta como diretriz a ser seguida pelo desenvolvimento das funções sociais da
cidade e da propriedade urbana, a garantia do direito à terra urbana e à moradia,
assim como a regularização fundiária e a urbanização de áreas ocupadas por
populações de baixa renda.
Dentre os diplomas legais referentes ao direito a moradia, temos também artigo 1º
da Medida Provisória n. 2.220, por sua vez, estabelece requisitos para a concessão
de uso especial para fins de moradia aos possuidores de imóveis públicos até a data
de 30 de junho de 2001 que estivessem nessa condição há mais de cinco anos.
Art. 1o Aquele que, até 30 de junho de 2001, possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e cinqüenta metros quadrados de imóvel público situado em área urbana, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em relação ao bem objeto da posse, desde que não seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural. (BRASIL, 2002)
Em 23 de dezembro de 2009 com o Decreto nº 7053 o Brasil institui a Política
Nacional para a População em situação de rua:
Parágrafo único: Para fins deste Decreto, considera-se população em situação de rua o grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória. (BRASIL, 2009)
Constatamos, portanto, existência em tese de um considerável arcabouço normativo
a proteger o direito à moradia.
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4 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
O fenômeno social, acerca dos moradores de rua no Brasil tem seu início ligado á
inconstância econômica do pais. Tal situação se arrastou por todo o século XIX,
quando pessoas se deslocavam aos grandes centros á procura de melhores
condições de vida.
O grande número de moradores de rua é reflexo dos movimentos migratórios
internos, que ocorreram no Brasil no século XIX, estes movimentos atenderam
principalmente a questões econômicas e sociais. Um exemplo de migração foi a que
ocorreu devido às secas que assolaram o Nordeste brasileiro na década de 1960,
esta fez com que milhares de pessoas abandonassem suas casas no sertão
brasileiro por falta de alternativa agrícola e políticas sociais na região. Outro exemplo
histórico foi a migração de nordestinos para a região Norte do Brasil no fim do século
XIX, esta se deu por dois motivos: o início do Ciclo da Borracha, e a grande seca
que assolou a região Nordeste. A elevada taxa de urbanização (72,8) na Região
sudeste, em 1970, foi o fator que mais contribuiu para transformar o Brasil em pais
urbano, ou seja, sua população urbana (56%) superou a rural (44%).
Nos censos de 1960 e 1970, apenas a Região Sudeste aparecia como urbana. Foi
só a partir do Censo de 1980 que as demais regiões se incluíram nessa categoria,
de acordo com o IBGE.
No inicio do século XX com a multiplicação do setor industrial no Brasil na região
sudeste, foi grande a imigração interna aos grandes centros urbanos em busca de
emprego. A princípio, as grandes cidades ofereciam condições de vida vantajosas,
emprego na indústria, na construção civil, melhorias na saúde e educação, desta
maneira atraia- se a população rural. Entretanto esse crescimento da população
urbana foi muito rápido e não foi acompanhado com a necessária criação de
políticas públicas, capazes de se garantir uma existência digna aos novos
moradores dos grandes centros, há difusão de uma enorme desigualdade social e
começam a se formar favelas nas periferias das grandes cidades. Segundo o IBGE,
em 2000, o percentual de população urbana elevou-se para 81,2, bem próximo dos
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percentuais encontrados em países desenvolvidos 137,6 milhões de pessoas viviam
em áreas urbanas no Brasil.
Com o passar dos anos e terminada a necessidade de se ter uma mão de obra não
qualificada, há um enorme crescimento de pessoas desempregadas, agora o
mercado passa a ser mais exigente e seleciona quais pessoas serão empregadas,
há uma procura por trabalhadores qualificados. Como consequência dessa nova
exigência, surgem famílias inteiras que se transformam em moradores de rua,
pessoas essas que vieram as metrópoles em busca de melhores condições de vida
e agora passam fome e vivem a margem da sociedade.
Atualmente no Brasil há cerca de 192 milhões de habitantes, segundo o CENSO do
IBGE. Entre 0,6% à 1% são população de rua.
Em Pesquisa realizada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate á
Fome em Abril de 2008 foram identificadas quase 32 mil pessoas vivendo em
situação de rua, foram pesquisadas 71 cidades brasileiras. Desse total, fizeram parte
48 municípios com mais de 300 mil habitantes e 23 capitais, independentemente de
seu porte populacional.
Segundo a pesquisa essas pessoas vivem em calçadas, praças rodovias, parques,
viadutos, prédios abandonados, ou pernoitando em albergues ou abrigos. Os dados
estatísticos também mostram que a população em situação de rua é predominante
masculinas sendo 82% do total. Em relação á escolaridade, 74% dos entrevistados
sabem ler e escrever tendo a maioria estudado até o 1° Grau incompleto, 35,5%
disseram que os motivos por estarem ali se referem a problemas com alcoolismo e
drogas, 29,5% por causa do desemprego e 29,1% por causa de desavenças
familiares. Os municípios brasileiros que possuem mais moradores em situação de
rua são: Rio de Janeiro (4.585), Salvador (3.289), Curitiba (2.776), Brasília (1.734),
Fortaleza (1.701), São José dos Campos (1.633), Campinas (1.027), Santos (713),
Nova Iguaçu (649), Juiz de Fora (607) e Goiânia (563).
Diante dos diferentes perfis dos moradores de rua há uma dificuldade em se realizar
políticas públicas que atendam as diferentes particularidades. Desse modo na
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tentativa de resolver esse impasse, está sendo feito na cidade de Belo Horizonte
uma pesquisa com parceira entre Prefeitura e a Universidade Federal de Minas
(UFMG), esta fará o levantamento do número de moradores de rua na capital
mineira. O censo vai também traçar características desta parcela da população, com
o objetivo de aprimorar políticas públicas. Segundo a coordenadora Soraya Romina,
o trabalho de campo será feito por cerca de 20 equipes, constituídas por estudantes
de medicina, ciências humanas, técnicos da prefeitura e pessoas que já viveram a
trajetória de rua e superaram esta condição. Ao todo o trabalho deve envolver 200
pesquisadores. A abordagem será feita embaixo de viadutos e marquises, nas ruas,
em abrigos e albergues da capital mineira. A partir da coleta de dados, o governo do
município afirma que será possível aprimorar as políticas na área de segurança
alimentar e nutricional, de acolhimento institucional, como vagas em abrigos,
albergues e repúblicas, de saúde e de habitação.
Devido a ineficácia das políticas públicas, historicamente se destacou o trabalho das
Organizações Não Governamentais (ONGs) e das Instituições religiosas. Como
exemplo temos a instituição Cidade Refugio para moradores de rua, situada em Belo
Horizonte. Este abrigo foi criado pelo pastor Júlio Flávio Lacerda em 2007 e hoje
atende cerca de cento e cinquenta homens que viviam nas ruas. Além de oferecer
alimentação, auxilio a saúde e outras condições básicas de existência eles também
oferecem cursos de capacitação profissional aos seus moradores.
Tais políticas, cujo objetivo é amparar as pessoas que delas necessitam, são
insuficientes e geralmente não atacam a causa do problema, apenas tentam suprir
as necessidades básicas de sobrevivência.
Portanto, esse desinteresse do Estado pelas pessoas que se encontram na referida
situação influencia diretamente no comportamento da sociedade, sendo que os
moradores de rua são tratados ora com compaixão, ora são expostos à violência,
ora se quer são lembrados, sendo tratados com grande indiferença.
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5 CRUZAMENTO E ANÁLISE DE DADOS
Como podemos observar no presente trabalho, temos entre os vários avanços
proporcionados pelo desenvolvimento das garantias trazidas ao longo da história
pelos Direitos Humanos, o direito à moradia digna, como um dos componentes
fundamentais para que se garanta a plenitude dos direitos sociais, bem como levá-lo
em consideração como proteção e dignidade da pessoa humana.
É de se destacar também, que podemos contar atualmente com um relevante
conteúdo teórico-científico, assim como legislação e jurisprudência, que vem no
sentido de defender tanto os que ainda necessitam da moradia digna, e ainda não
conquistaram esse direito, mas encontram-se alcançados por algum programa
estatal, ou de alguma outra estrutura social cuja posse de alguma modalidade de
moradia, mesmo que de forma precária, poderá futuramente se transformar em
posse definitiva, como prevê a nossa própria Constituição de 1988 e o Estatuto das
Cidades. Como proteger também aqueles que têm essa necessidade, porém estão
em uma posição muito menos privilegiados socialmente, são os que se apresentam
abaixo da linha de pobreza, e por vários fatores e características, estão em uma
posição mais distanciada no que diz respeito a serem alcançados pelo direito,
inalienável, da moradia digna.
Fenômeno crescente, principalmente nos grandes centros urbanos, os moradores
em situação de rua por vezes tratados como ”invisíveis”, ignorados, simplesmente
como se não fossem pessoas merecedoras de tratamento digno tanto por parte da
sociedade como por parte do estado, que quando não ignoram totalmente os tratam
como “sub-cidadãos”, rotulando-os como mendigos, fedorentos, drogados, pedintes,
entre outros. Porem esses mesmos estereótipos e rotulações vêm de certa forma se
transformando na mesma proporção que tal fenômeno crescente vem mudando seu
próprio perfil de atuação, como consequência do desenvolvimento da atual fase da
sociedade capitalista já no século XXI, tendo na acentuação das causas da pobreza
e da miséria, tendo como uma das consequências a moradia dessa parcela da
população em condições de quase absoluta precariedade, ocupando logradouros
públicos, se afastando cada vez mais do que conhecemos como vida digna.
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Infelizmente alguns dos principais fatores ao qual podemos conferir no que se trata
dessa “invisibilidade” dessa significante parcela da população em situação de rua
são a ineficácia e a omissão do aparelho estatal, em todos os níveis (União, Estados
e Municípios) o que vem abrindo espaço para a atuação das ONGs e outras
instituições que vem, mesmo que de forma precária atuando na tentativa de corrigir
esse erro histórico na preservação e garantia dos Direitos Humanos e dignidade que
vem sendo negado a essa parcela da população.
Nesse contexto, tanto Estado como Sociedade, podem e devem exercer papeis
diferentes no que se refere aos moradores em situação de rua, tanto no
levantamento e compreensão de quais são as causas que faz desse fenômeno uma
realidade crescente, como um primeiro passo, para modificar o olhar e a atuação, de
forma positiva e transformadora em uma nova realidade que traga mais dignidade
para as pessoas e para a própria cidade de forma geral.
Como podemos ver a existência fundamental de uma normatização sistematizada
pelo poder estatal, e importante no que diz respeito à garantia de moradia digna, no
que se refere essencialmente a fração populacional totalmente desassistida, não
tem surtido na prática políticas que tenham sido praticadas com o êxito que seria
razoavelmente desejável pela sociedade, em consonância com o nosso sistema
constitucional vigente, como norma garantidora fundamental.
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6 CONCLUSÃO
A sociedade Brasileira é marcada por desigualdades sociais que afetam uma grande
parte de sua população. Nesse contexto apresentamos a população em situação de
rua, e evidenciamos que esta parcela de nossa sociedade vem aumentando
consideravelmente como mostra as pesquisas consultadas.
Evidenciamos também que a existência de mecanismos públicos previstos para
atender ou solucionar estes problemas ainda são precários e incapazes de
atenderem esta demanda. Como cidadãos nossa legislação lhes atribuem direitos
que garantem a igualdade e a dignidade de todas as pessoas. Contudo, estas
pessoas, muitas vezes não conseguem ter seu valor humano garantido.
Existem projetos e pesquisas que estão sendo elaborados para identificar as
particularidades referentes a estas pessoas para quantificar e facilitar novas
medidas de aprimoramento.
O que a Constituição e as leis definem como direito são, muitas vezes, violados pelo
próprio Estado através de seus servidores ou através de políticas públicas que
restringem o acesso a saúde, a segurança e ao trabalho. O Estado atua com
desinteresse por estas pessoas e acaba por influenciar o comportamento da
sociedade gerando desrespeito e até violência contra esta camada da população.
O presente trabalho mostrou que a moradia digna é condição para dignidade
humana e está atrelado a direitos e garantias sociais tais como o trabalho, a
educação e a saúde, sem os quais não é possível viver dignamente.
As políticas públicas existentes em nosso país, embora criadas para concretizar os
direitos na vida destas pessoas são ainda insuficientes e mal aplicadas, visto que
não encontram apoio necessário do poder público, que deveria providenciar verbas
e assegurar os demais direitos necessários para que uma pessoa possa viver e
habitar dignamente.
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ANEXO
21
ENTREVISTA REALIZADA NA PESQUISA DE CAMPO NA ONG CIDADE
REFÚGIO PARA MORADORES DE RUA
Direção: Pr. Júlio Flávio Lacerda
Entrevistada: Flávia Eller – Psicóloga e coordenadora do projeto
Depoimento do Acolhido: Paulo
1 – GRUPO: Como e por quem foi criada a ONG?
FLÁVIA: Fundada em 2007, por Júlio Flávio Lacerda, ex-usuário de drogas, hoje
casado, 45 anos, pastor integral com um chamado de Deus. Que tem no coração
uma vontade enorme de fazer algo por aqueles que ficavam a margem da
sociedade, no caso os moradores de rua.
Para que isso acontecesse, ele morou por três dias nas ruas de Belo Horizonte, sem
banho, comida, passou frio, sede, ficou sem ter um banheiro pra usar e com muito
medo. Precisava saber na realidade, o que essas pessoas passavam. E com todas
as pragas de rua, a maior dificuldade foi o desprezo. A falta de cidadania mesmo. O
que fez com que amasse ainda mais cada morador de rua, pois percebeu que em
cada um deles existia uma decepção, uma ausência, uma frustração, uma dor.
2 – GRUPO: O que leva essas pessoas à rua?
FLÁVIA: Eles não estão na rua por que querem. A grande e maior parte é devido a
dependência do álcool, drogas, decepção com a família.
3 – GRUPO: Além da falta de moradia, a fome, o frio, quais são os maiores
problemas enfrentados por eles?
FLÁVIA:As pragas, doenças e principalmente o crime, etc.
4 – GRUPO: As estatísticas que são mostradas pela impressa com a realidade?
22
FLÁVIA: Não. A realidade é que hoje em são três mil moradores de rua, segundo
dados de 2005. Está previsto uma nova pesquisa ainda pra este ano, que
provavelmente deverá ser muito superior a isso.
5 – GRUPO: Como vocês têm acesso aos que são acolhidos? Vocês os
buscam nas ruas?
FLÁVIA: Não temos equipe suficiente. Por isso, não fazemos abordagens nas ruas,
normalmente eles mesmos veem até a ONG,ou são trazidos pelos próprios
familiares que os encontram perambulando, pelos serviços sociais de hospitais, mas
a maior parte é trazida pelas igrejas ou ainda até trazidos pelo SOS DROGAS,
entidade estatal.
6– GRUPO: Como pode descrever o trabalho de vocês aqui? Desde a retirada
desses moradores das ruas?
FLÁVIA: Buscamos trazer de volta a sua dignidade, primeiramente os ajudamos
com a documentação, tiramos novos documentos de identidade, CPF. O que pra
eles são de grande importância. Inclusive, temos um bom exemplo, acolhemos um
senhorzinho, que quando entregamos a sua segunda via de identidade, ele ficou tão
feliz que tudo que ele queria era o restante dos seus documentos, rindo, diz que ele
não dava mais paz,queria por que queria tirar o restante. Era tudo que ele tinha de
mais precioso.
7 – GRUPO: Qual o perfil principal das pessoas atendidas pela ONG e qual o
perfil econômico?
FLÁVIA: São pessoas de famílias totalmente desestruturadas, não tem nenhum
padrão de família. Padrão de extrema MISÉRIA, extrema pobreza. (frisa bem).
8 – GRUPO:Onde estão localizados os abrigos, já que em BHfica apenas este
escritório?
23
FLÁVIA: Nós temos uma unidade em Caeté, uma em Sabará e outra em Raposos,
onde são acolhidos apenas homens, que ficam por 6meses. Onde nosso objetivo é
ofertar a eles cursos profissionalizantes.
9 – GRUPO: Quantos abrigados vocês têm hoje?
FLÁVIA: Hoje temos três unidades, que acolhem 150 homens com idade de 18 a 55
anos. Não trabalhamos com mulheres, nem crianças. Porque não temos estrutura
para eles, devido as mulheres serem mais vulneráveis, sofrem abusos, menstruam,
tem filhos e essa demanda está cada dia maior. Mas, a visão do pastor Júlio é criar
mais fazendas para atender este público, a terceira idade e os deficientes físicos.
Os homens ao chegarem passam por uma triagem feita pela assistente social, que é
muito pouco criteriosa, mas se avalia a motivação voluntária, porque alguns são
muitos manipuladores, então precisa saber se está pessoa quer realmente ir, ou se
só está se fugindo de algum traficante ou da polícia, por exemplo, senão, se
realmente querem tentar a recuperação, após está triagem vão para a fazenda.
Onde recebem toda orientação de horários da casa, da rotina, do trabalho que é
preciso ser feito. Alguns chegam muito debilitados de saúde, então os deixam
descansando e se recuperando.
Também, recebem todo atendimento médico, psicológico, odontológico, temos
enfermeiras, ou seja, nós contamos com equipe multidisciplinar, muito pequena e
muito recente. Onde alguns destes profissionais são voluntários e outros pagos por
nós.
10 – GRUPO: Quais são as maiores dificuldades encontradas por vocês? A
ONG busca algum tipo de apoio junto aos Direitos Humanos, entidades ou
instituições não governamentais, ou até junto a órgãos governamentais
(Município, Estado, União)?
FLÁVIA:A maior dificuldade é que não temos apoio, parceria, manutenção, nem a
cooperação do Estado e da União. Do município poderíamos ter, iríamos precisar
nos afiliar a política, e isso não queremos, porque só burocratiza tudo. Ficaríamos
24
engessados, tornando mais difícil nosso trabalho, não temos reconhecimento algum,
e quando precisamos do SUS, com atendimento médico, não temos suporte. Para
impressão de documentos, ao buscarmos taxas mais baratas, também não temos
suporte. E ainda muitas outras necessidades, o Estado se omite da sua
responsabilidade totalmente.
11 – GRUPO: Qual a incidência de recuperação? Há muita desistência?
FLÁVIA: A recuperação deles é o nosso maior desejo. Olha, o tratamento dura 6
meses. E na verdade são dois períodos cruciais:
Primeiro período – é a adaptação, que são os primeiros 15 a 20 dias, muitos não
suportam e saem.
Segundo período– é a segunda fase de 3 a 4 meses. Nessa fase, eles retornam o
contato com a família e por eles acharem que estão pronto, acabam recaindo e
saem.
Agente até acredita que a recaída faz parte do tratamento. Aqueles que suportam
essas duas etapas, passam com dificuldade e ficam livres das ruas.
No período de reinserção após os 6 meses, eles saem durante o dia para
conseguirem trabalho e voltam a noite para dormirem. Muitos voltam aos seus
trabalhos anteriores por conta própria, alguns é preciso dar aquela forcinha,eu
mesma ligo para as empresas em que eles trabalhavama maior parte os aceita de
volta na hora, dizendo que a pessoa era ótimo funcionário, o que atrapalhava era a
bebida ou as drogas. Tem ainda aqueles que ingressam em atividades apreendidas
na fazenda, como padeiros, marceneiros, costureiros, etc. Retomam suas vidas de
volta resgatando sua dignidade como ser humano. Há ainda aqueles que recaindo
voltam pra fazenda, por duas ou três vezes. Apesar de serem instruídos na entrada
que não podem voltar por mais de duas vezes, eles também não podem negar a
chance de voltarem e tentar novamente, se fizerem isso estariam desacreditando no
fazem.
12 – GRUPO: Como vocês se mantêm?
25
FLÁVIA:Como não há ajuda do governo, nós sobrevivemos pela graça e com
iniciativa privada de pessoa física e jurídica, onde empresas, igrejas e a população
em geral nos doam. Temos um jornal de prestação de contas, onde encaminhamos
para população via correio, como número da conta da ONG, e assim recebemos
contribuições de várias pessoas. Não só financeira, mas também, coisas materiais
como mantimentos, é gasto mais de 1300 kg de arroz no mês, carne, insumos,
equipamentos e matéria-prima para as oficinas Inclusive nosso foco é manter essas
doações.
Ganhamos da embaixada da Austrália, uma máquina para marcenaria de fazer
caixas. Ganhamos alguns equipamentos para fábrica de blocos. Oferecemos para
terapia do trabalho, atividades que fará com que eles produzam, e vendem o que foi
produzido da maneira mais profissional possível, com quantidade e prazo pra
entregar as encomendas. Na realidade nossa visão é nos tornarmos
autossustentáveis.
13 – GRUPO: Sobre a omissão do poder público e da sociedade? Qual a visão
da ONG sobre isso?
FLÁVIA: Realmente há uma grande omissão. E infelizmente, eles mesmos nos
manda uma demanda muito grande. Mas, o maior problema, é que o governo não
tem estrutura, não está preparado para lidar com isso. Quero dizer, não sabem
como tratar, eles na verdade nem acreditam no tratamento, assim como toda a
sociedade, eles acreditam mais na prevençãoem longo prazo. Preferem trabalhar
com a prevenção. Se você falar que tem um projeto e que irá trabalhar com
crianças, na hora você consegue muitos voluntários, para isso consegue verba
facilmente, mas tratar com moradores de rua ninguém quer. Existe uma falta de
respeito muito grande pelo próprio Estado. Eles veem o nosso trabalho como
segregação vê nosso trabalho como manicômio. Ninguém acredita na recuperação
deles. Por isso, depois que saem, é muito difícil voltar a vida normal, são muito
julgados e desacreditados. Por exemplo, na cidade de Raposos a polícia não gosta
enem da nenhum suporte a ONG, porque pensam que tiraram marginais das ruas e
levando-os para cidade deles. Eles não veem que estão fazendo trabalho para eles
também, tirando pessoas das ruas que fazem furtos para se manterem.
26
14 – GRUPO: Qual é a visão da ONG em relação a moradia digna que o Estado
poderia dar?
FLÁVIA: Para se ter uma moradia digna é preciso ter o básico, como as que dão na
fazenda tudo muito simples, mas o necessário pra sobreviver, como uma casa bem
construída, com cerâmica, janela bem arejadas, um quarto, com roupas de camas,
cama e colchões limpos, comida e capacitação de trabalho.
15 – GRUPO: O que o Estado tem feito em relação a esses moradores?
FLÁVIA: O Estado dá bolsa crack, onde se cadastra esses moradores nas
instituições como o SOS DROGAS. Essa bolsa é um auxílio no valor de R$ 900,00
pago as famílias para internar o familiar dependente químico. O que não resolve,
porque eles têm uma relação doentia com dinheiro. E ainda, tanto a pessoa, quanto
os familiares deixam de trabalhar e se tratar para não perder a bolsa auxílio. Esse
projeto é focado nas drogas e não no sujeito em si.
Mas, não resolve, porque a demanda é muito além dos poucos casos em que
atuam. Tanto, que encaminha pra gente vários homens. Eles não sabem como já
disse lidar com tratamento. Pois, existe ai um tratamento trio corpo, alma e espírito.
O Estado também possui albergues, mas estão todos lotados. Eles são cadastrados,
mas como só dormem, ficam perambulando o dia todo pra dar um corre.
16 – GRUPO: O que significa essa gíria “dar um corre”?
FLÁVIA: Correratrás de dinheiro, catando papelão, latinhas até mesmo roubando pra
sustentar o vício e a comida. Muitos atravessam a cidade pra comer no restaurante
popular da cidade.
17 – GRUPO: Quantos anos você tem?
PAULO (ACOLHIDO):28 anos.
18 - Você tem família? Profissão? E porque deixou tudo?
27
PAULO (ACOLHIDO): Tenho sim, só não tenho pai, ele morreu. Tenho mãe e
irmãos que ainda tenho contato. Sou ajudante de pedreiro. Deixei tudo, por causa da
bebida e do cigarro.
19 - GRUPO: Como você veio parar no abrigo? E há quanto tempo você está lá
na fazenda?
PAULO (ACOLHIDO): Tem três meses. O Adriano me encontrou na rua andando e
me trouxe.
20 – GRUPO: Quem é o Adriano?
PAULO (ACOLHIDO): Ele trabalha com dedetização. Parou-me na rua, perguntou
se eu queria ir pra lá, eu aceitei. Ai, ele me falou que ia dar um jeito. Fiquei dormindo
três dias na porta da casa dele.
21 - GRUPO: Como você foi parar nas ruas?
PAULO (ACOLHIDO): Saí com 13 anos de casa. Comecei a beber nas festas que ia
com meus amigos. Usava drogas e brigava muito com minha família. Parei de usar
crack tem 8 anos, deixei na rua mesmo. O meu problema é só a bebida.
22 – GRUPO: Você já estudou?
PAULO (ACOLHIDO): Parei na 3ª série. Ia fazer um supletivo do 3º e 4º ano em
seis meses, pra voltar a estudar no 5º, mas não terminei.
23 - GRUPO: Como você se via e se sentia nas ruas?
PAULO (ACOLHIDO):Ruim né? As pessoas olham pra gente achando que agente é
ladrão. Sou tímido, tinha vergonha de pedir comida. Agente fica triste né, ficava
andando e pensando né.Ficava com mais gente de dia, mais a noite ficava mais
sozinho, porque é perigoso né, tem muita gente ruim também.
28
Nem sentia frio, porque vivia turbinado. Tem muita gente que dá comida pra nós,
leite quente e pão, comida em vários lugares.
24 - GRUPO: Agora que tá na fazenda, qual seu maior sonho?
PAULO (ACOLHIDO):Voltar a trabalhar né. Recuperar tudo que perdi né? Quero
sair bom pra voltar a trabalhar. Ter minha casinha né?
Análise sobre o acolhido Paulo: é um rapaz jovem, tímido e bonito. Cheio de
sonhos, preso no terrível vício do álcool.