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UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO, DIREITO E CIÊNCIAS ECONÔMICAS - FADE CURSO DE DIREITO ANDERSON BRAGATTO JAVARINI A RESPONSABILIDADE CIVIL NO TRANSPORTE DE PESSOAS Governador Valadares 2009

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UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE

FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO, DIREITO E CIÊNCIAS ECONÔMICAS - FADE

CURSO DE DIREITO

ANDERSON BRAGATTO JAVARINI

A RESPONSABILIDADE CIVIL NO TRANSPORTE DE PESSOAS

Governador Valadares

2009

ANDERSON BRAGATTO JAVARINI

A RESPONSABILIDADE CIVIL NO TRANSPORTE DE PESSOAS

Monografia elaborada para obtenção de grau de bacharel em Direito, apresentada a Faculdade de Administração, Direito e Ciências Econômicas da Universidade Vale do Rio Doce. Orientador: Fabiano Batista Correa

Governador Valadares

2009

ANDERSON BRAGATTO JAVARINI

A RESPONSABILIDADE CIVIL NO TRANSPORTE DE PESSOAS

Monografia apresentada como requisito para obtenção do grau de bacharel em Direito pela Faculdade de administração, Direito e Ciências Econômicas da Universidade Vale do Rio Doce.

Governador Valadares , ___ de __________________ de ________.

Banca Examinadora:

__________________________________________________________

Prof. Dr. Fabiano Batista Correa - Orientador

Universidade Vale do Rio Doce

__________________________________________________________

Prof. Dr. ____________________________

Universidade Vale do Rio Doce

__________________________________________________________

Prof. Dr. ____________________________

Universidade Vale do Rio Doce

RESUMO

A presente monografia tem o objetivo de fazer um breve levantamento histórico sobre todo o desenvolvimento da responsabilidade civil desde os tempos mais remotos — onde prevalecia o princípio da vingança privada — à nossa visão mais moderna do mundo atual. Demonstrar por completo a evolução legislativa dos alicerces legais que tratam do assunto bem como abordar os aspectos jurídicos pertinentes a todas as minúcias da responsabilidade civil nos transportes. Debater sobre os elementos fundamentais da responsabilização civil, os quais sempre foram, de forma unanimemente admitida. Quais sejam: a) a conduta antijurídica estampada na ação ou omissão voluntária (dolo); ou, alternativamente imperita, imprudente ou negligente (culpa); b) o dano; c) o nexo de causalidade. Explicar que na responsabilidade civil objetiva, não existe a necessidade da comprovação de culpa, e, na responsabilidade civil subjetiva, deve-se comprovar a culpa do agente. A responsabilidade civil do transportador poderá ser examinada sob três aspectos distintos: em relação aos seus empregados, em relação a terceiros e em relação aos passageiros, sendo necessária à aplicação do Código de defesa do Consumidor para a resolução de muitos impasses. E, por fim, tratar-se-á da maneira mais clara possível sobre todos os detalhes que envolvem o mundo da responsabilidade civil no transporte de pessoas. Palavras-chave: responsabilidade civil; inovações legislativas; elementos e pressupostos; culpa do agente causador; transporte de pessoas.

ABSTRACT

This monograph want to make a brief historical survey on the development of civil responsibility, since ancient times, where the prevailing principle of private revenge, to our more modern view of the world today. Demonstrate the way about the legislative developments that belong the topic as well as board the legal aspects pertinent to all the minutiae of civil responsibility in transport. Discuss the basic elements of civil responsibility, which have always been so universally accepted. Which are: a) action and omission, b) the damage, c) causation. Explain that the objective responsibility, there is no need to prove his guilt, and the subjective responsibility, one must prove the guilt. The carrier's responsibility may be reviewed under three distinct aspects: in relation to their employees by third parties and in respect of passengers, being necessary to implement the Code of Consumer Protection for the resolution of many impasses. These are the main factors, briefly described in this summary, so that we discuss about child labor that still plagues the world. And finally, deal will be the clearest way possible about all the details involving the world of civil responsibility in transporting people. Key-words: civil responsibility; legislative innovations, information and assumptions; fault of the agent, the transport of people.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................... 7 1 CONTEXTO HISTÓRICO.................................................................................. 9 2 CONCEITO E OBJETIVOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL........................ 3 CLASSIFICAÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL 3.1 RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA..................................................... 3.2 RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA.......................................................

11 14 14 15

3.3 RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL....... 18 4 RESPONSABILIDADE CIVIL NO CONTRATO DE TRANSPORTE DE PESSOAS E A CLÁUSULA DE INCOLUMIDADE..............................................

20 5 OS ELEMENTOS ESSENCIAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL................. 25 5.1 AÇÃO/OMISSÃO............................................................................................ 25 5.2 DANO............................................................................................................. 28 5.3 NEXO CAUSAL.............................................................................................. 31 6 A RESPONSABILIDADE CIVIL NOS CONTRATOS DE TRANSPORTE DE PESSOAS..............................................................................................................

35

6.1 FATO DE TERCEIRO...................................................................................... 37 6.2 TRANSPORTE GRATUITO.............................................................................

40

CONCLUSÃO.................................................................................................. 42

REFERÊNCIAS................................................................................................. 44

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INTRODUÇÃO

Toda sociedade importa necessariamente de uma ordem: importa, pois a

conjugação de vários elementos, a demarcação das posições relativas destes, para a

obtenção de um fim ou função comum.

O direito não é um fenômeno do homem isolado, é um fenômeno social: há

uma ligação necessária e constante entre o direito e a sociedade. Por isso se diz que

ubi ius ibi societas (onde está o direito está a sociedade). Então, desde os tempos

mais remotos da história da humanidade, diante da lesão de um direito, prevalecia o

princípio da vingança privada, ou seja, era a pena de talião, a qual consistia na

famosa regra do ―olho por olho, dente por dente‖. A própria pessoa lesada ou os

familiares da vítima realizavam o cumprimento da pena, dado pela responsabilidade

existida do culpado.

Portanto, origina-se assim, a responsabilidade civil, a obrigação de reparar

um dano, seja por conseqüência de uma culpa ou de qualquer outra circunstância

que a justifique.

A fim de introduzir acerca deste trabalho monográfico, discorrer-se-á,

preliminarmente, no capitulo um, sobre os lineamentos históricos acerca da

responsabilidade civil no transporte de pessoas. Relatando no sentido de que desde

os primórdios da civilização, já se encontravam os rastros das primeiras formas

organizadas de sociedade. Ou seja, a origem do instituto está elencada numa idéia

de vingança privada, que, de certa forma parece um tanto quanto compreensível se

analisado através de um pensamento do ser humano à época, que tinha uma

imediata reação pessoal contra o mal sofrido.

No segundo e terceiro capítulo, abordar-se-ão de forma pedagógica os

conceitos básicos da responsabilidade civil na visão de vários doutrinadores de

renome. Tratará, portanto, sobre os conceitos da responsabilidade civil objetiva,

subjetiva, contratual e extracontratual.

O quarto capítulo discorrerá sobre a responsabilidade civil no contrato de

transporte de pessoas e a cláusula de incolumidade, bem como sua natureza

objetiva. O que vale ressaltar é a dificuldade doutrinária em fixar um significado do

tema proposto, graças à incansável evolução da sociedade em que o homem está

inserido.

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Já no quinto título, avaliar-se-ão a respeito dos elementos essenciais da

responsabilidade civil (ação/omissão, dano e nexo causal), uma vez que, não há

como compreender a responsabilidade civil sem se antes que se faça uma

abordagem sistemática e profunda quanto a seus elementos essenciais que são

aqueles imprescindíveis para a responsabilização.

O último capítulo tratará de um assunto que será bem especificado nesta

monografia que é a relação da responsabilidade civil no transporte de pessoas. Nota-

se que esta responsabilidade está contida nas normas legais que tratam diretamente

da relação contratual de transporte de pessoas, dentre elas o Decreto Lei nº 2.681/12

(art. 17), o Código de Defesa do Consumidor (art. 14), e o Código Civil de 2002 (art.

734 e ss.).

Por fim, abordar-se-ão todas as entrelinhas que incidem na caracterização da

responsabilidade civil nos transportes. Visto que, o ultimo capítulo tratará diretamente

das características distintas que municiam a aplicabilidade da responsabilidade

objetiva no transporte de pessoas bem como os seus requisitos e elementos do

mesmo. Nasce-se uma obrigação para o transportador, de fim, de resultado, onde

não basta a este aplicar toda a diligência e cuidados exigidos para a consecução dos

serviços, deve, portanto, garantir a segurança e a incolumidade da pessoa que está

sob sua custódia, sendo, portanto, responsabilizado por qualquer acontecimento

danoso ao passageiro.

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1 CONTEXTO HISTÓRICO

Desde os tempos mais remotos, a idéia de responsabilidade civil nos leva aos

primórdios do homem vivendo em sociedade. Ocorre que, nasceu da vontade bem

primitiva de vingança pelo mal sofrido, graças à conduta de outro homem. Naquela

época, pode-se dizer que a vingança privada era a única forma para se tentar

resolver os conflitos, o que era feito através da auto-tutela, ou seja, era a denominada

―Pena de Talião‖, a popularmente conhecida como ―olho por olho, dente por dente‖.

É instinto da natureza humana, cuidar e proteger aquilo que lhe pertence,

seja usando o seu juízo/razão, ou em muitos casos, agindo com a sua emoção

buscando preservá-lo e prevenir que qualquer tipo de prejuízo ocorra, e é claro, se já

ocorreu, parte em buscar o retorno ao estado precedente ou até mesmo um

ressarcimento pelo dano causado por outrem.

Zuliani (2009) cita em seu artigo uma passagem do jurista espanhol Ángel

Martinez Sarrión de sua obra ―LA EVOLUCIÓN DEL DERECHO DE DAÑOS‖, Casa

Editorial Bosch, Barcelona: 1992 p. 16., onde revela que: ―a vingança, primeira

fórmula dos povos bárbaros de reparar o dano, poderá ser traduzida em capítulos

bíblicos, em histórias gregas, romances clássicos e dramas de Shakespeare

(Hamlet), embora situe a Lei de Talião como obra fundamental da legalidade da

justiça com as próprias mãos ou reação equivalente ‘si membrum rupsit, ni cum eo

pacit, talio esto’”, que, traduzindo para o vernáculo quer dizer: ―se alguém fere a

outrem, que sofra a pena do Talião, salvo se existiu acordo‖.

A Lei das XII Tábuas, que não reprimia a pena do Talião (Tábua, VII, Lei 11ª -

de delicts 26), criou a primeira alternativa para reparação de danos fora da vingança,

com a ―composição tarifada‖, conferindo oportunidade para que o lesado e o ofensor

se acertassem mediante o recebimento de um resgate, isto é, soma de dinheiro ou

entrega de objetos. A vingança é substituída pela composição a critério da vítima,

substituindo, portanto, como fundamento ou forma de reintegração do dano sofrido.

No meio social, surgiu à necessidade de impor limites. Logo, em meados do

século III a.C. o Direito Romano estabeleceu a Lex Aquilia — primeira lei que

regulamentou de maneira sistemática a responsabilidade civil delitual e que tinha a

figura da culpa como requisito para a reparação de danos, e com isso as penas

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proporcionais aos prejuízos sofridos —, substituindo as penas fixas: o resgate a partir

desta deveria ser no valor real da coisa. Nasce aí a responsabilidade civil subjetiva.

A Lex Aquilia abriu a oportunidade de,

[...] se obter indenização pelo dano sofrido (o damnum iniuria datum - o dano causado à coisa alheia). Não resta dúvida de ter sido a Lex Aquilia o ponto de referência para a interpretação de Ulpiano, de que, para efeito de caracterizar a culpa, como razão do dever de indenizar, basta a mais leve culpa (in lege Aquilia et levissima culpa venit). Portanto, devemos aos jurisconsultos romanos o gérmen da teoria da responsabilidade subjetiva (consagrada no art. 186 do C.C.) (ZULIANI, 2009)

Após longos anos, nota-se que o C.C. Francês (conhecido como Code

Napoleón), no ano de 1804, positivou e reafirmou a importância do elemento subjetivo

da responsabilidade civil, em seu artigo 1.382, ao dispor que o ―causador do dano só

seria obrigado indenizar se fosse comprovada a sua culpa na conduta‖.

Contudo, com o início da Revolução Industrial inglesa, por volta do século

XVIII, que se espalhou para todo o mundo com uma velocidade assustadora, se

tornou cada vez mais árdua a tarefa de conseguir provar o elemento ―culpa‖ nas

ações danosas do autor, especialmente, no que tange a acidentes com o uso das

inovações tecnológicas da época tal como: a máquina a vapor.

Assim sendo, mesmo que a culpa do autor fosse reconhecida como um

elemento subjetivo válido para determinar a responsabilização pelo dano causado,

ela passou a ser um enorme obstáculo para que fosse realizada a justiça.

Por fim, para tentar perfilhar a regra à realidade, a doutrina e a jurisprudência

daquela época adotaram a idéia de privilegiar casos onde a prova de culpa na

conduta do lesante não era desnecessária. Nasceu-se assim, a atualmente conhecida

responsabilidade civil objetiva.

O Código Civil de 1916 optou pela predominância da teoria subjetiva,

[...] o que fez do seu art. 159 um dos dispositivos mais citados nas ações de responsabilidade civil. O novo Código não deixa de centralizar o ato ilícito como fonte do dever de indenizar (arts. 186 e 927); porém, com inegável avanço, introduziu a responsabilidade objetiva (arts. 933 e 927, parágrafo único), o que merecerá, para ser bem compreendido e aplicado, da ―genialidade‖ dos jovens operadores do direito ―que estão com a carreira pela frente‖, como enfatizou o ilustre desembargador Sérgio Cavalieri Filho, do TJRJ. (ZULIANI, 2009)

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2 CONCEITO E OBJETIVOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Ab initio, é interessante dizer que a responsabilidade civil tem como objetivo

principal atingir o equilíbrio em todas as relações sociais que por ventura tenham sido

atingidas por eventuais danos oriundos de condutas ilícitas.

Basicamente, de acordo com as idéias traçadas pelo artigo 927 do Código

Civil Brasileiro pode-se dizer que a responsabilidade civil é uma obrigação imposta a

uma pessoa ressarcir, indenizar, ou reembolsar, os danos sofridos por alguém,

independentemente de culpa.

Stoco (2001, p. 90) leciona sabiamente no sentido de que ―toda manifestação

da atividade humana traz em si o problema da responsabilidade. Isso talvez dificulte o

problema de fixar o seu conceito, que varia tanto como os aspectos que pode

abranger, conforme teorias filosófico-jurídicas‖.

Consiste na obrigação de reparar,

[...] os danos sofridos por alguém. Trata-se de indenizar os prejuízos de que esse alguém foi vítima. Fala-se de indenizar porque se procura tornar o lesado indene dos prejuízos ou danos, reconstituindo a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento causador destes. A responsabilidade civil traduz-se pois na obrigação de indenização (ZULIANI, 2009)

De acordo com o Nunes (1999, p. 948) ―responsabilidade civil é quando

resulta de dano culposo direto ou indireto, causado ao patrimônio de terceiro,

voluntariamente, ou por imprudência, negligência ou imperícia, falta de exação de

dever funcional, ou inadimplemento voluntário de uma obrigação‖.

A noção de responsabilidade pode ser haurida,

[...] da própria origem da palavra, que vem do latim respondere, responder alguma coisa, ou seja, necessidade que existe de responsabilizar alguém por seus atos danosos. ―Essa imposição estabelecida pelo meio social regrado, através dos integrantes da sociedade humana, de impor a todos o dever de responder por seus atos, traduz a própria noção de Justiça existente no grupo social estratificado‖ (STOCO 2001, p. 89-90)

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Caio Mário da Silva Pereira em seu clássico conceito nos ensina que "a

responsabilidade civil consiste na efetivação abstrata do dano em relação a um

sujeito passivo da relação jurídica que se forma‖.

Responsabilidade civil é a aplicação de medidas,

[...] que obriguem alguém a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou de animal sob sua guarda, ou ainda, de simples imposição legal (DINIZ, 2007, p. 33).

De acordo com os ensinamentos de Cavalieri Filho (2007 p. 24), diz-se que ―o

emprego dos substantivos ‗obrigação‘ e ‗responsabilidade‘ como se fossem

sinônimos, ao passo que ‗obrigação‘ invariavelmente representa um dever jurídico

originário. A ‗responsabilidade‘, por sua vez, é um reflexo da violação da ‗obrigação‘‖.

Como podemos ver, tais conceituações englobam tanto o dano moral como o

patrimonial, a responsabilidade civil objetiva, que independe da existência da culpa,

bastando, apenas, o dano e o nexo de causalidade; e a subjetiva, que se baseia na

culpa.

A responsabilidade civil carrega dupla função,

1) garantir o direito do lesado (função-garantia) – decorrente da necessidade de segurança jurídica que a vítima possui, para o ressarcimento dos danos por ela sofridos; e 2) servir como sanção civil (função-sanção) – decorrente da ofensa à norma jurídica imputável ao agente causador do dano, e importa em compensação em favor da vítima lesada (LISBOA, 2004, p. 428).

A luta pelo direito consiste em reprimir a injustiça do meio social. Tanto é que

Zuliani (2009) considera como a interdição do ato ilícito representa, no plano

estratégico, a batalha mais importante a ser vencida, justamente porque a sentença

que manda reparar o dano injusto (aquele que a ilicitude causou), quando bem

executada, satisfaz o interesse do Estado, eliminando, com uma sanção pecuniária

corretamente amoedada, um sentimento de insegurança que atormenta a todos,

indistintamente.

O objetivo da reparação civil volta-se, num primeiro lance, aos personagens

afetados pela situação concreta a ser resolvida pela sentença judicial.

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De um lado, há a parte que foi lesada, na esperança de receber um

ressarcimento, e, que este seja o quão bastante para que atenda a sua função que é

de restauração do prejuízo. Afim de que seu acervo material permaneça pelo igual ao

que era no instante imediatamente antecedente ao do ato ilícito.

Ainda quando for pleiteada reparação por ofensa à honra (bem imaterial),

recomenda-se que o magistrado ordene o pagamento de um montante em dinheiro,

evitando-se indenizações alternativas. Portanto, seria melhor aplicar essas sanções

cumulativamente, para que o lesado ficasse completamente reparado.

Já do outro lado, está o lesante, que, com toda a parcimônia que lhe é

peculiar, aguarda a análise do Poder Judiciário, das causas do evento indicado como

danoso, fazendo-o por meio de um processo justo (arts. 5º, LV e LVI, da CF),

confiando que o arbitramento se faça com eqüidade, evitando, assim que seja fixado

quantum abusivo, capaz de levá-lo à ruína (art. 944 do CC).

Por fim, não se admite a idéia de que se pague ao que sofreu o dano uma

quantia que seja acima do prejuízo sofrido, uma vez que segundo Zuliani (2009)

―qualquer superação do teto constituído pelo valor do dano afronta a ideologia da

função reparadora, fundamento primeiro da responsabilidade civil‖.

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3 CLASSIFICAÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL

3.1 RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA

A responsabilidade subjetiva é aquela que leva,

[...] em conta o ânimo do autor do dado, ou seja, o cometimento de ofensa causada por ação culposa do agente. Nesse sentido, a ocorrência de culpa aqui, tomada em seu sentido lato, abrangendo dolo, negligência, imprudência e imperícia, será essencial para se configurar o dever do ofensor de reparar a ofensa. (ANDRADE JUNIOR, 2009)

Em face da teoria clássica,

[...] a culpa era fundamento da responsabilidade. Esta teoria, também chamada de teoria da culpa, ou subjetiva, pressupõe a culpa como fundamento da responsabilidade civil. Em não havendo culpa, não há responsabilidade. (GONÇALVES, 2007, p. 21)

Conforme já dito anteriormente, a responsabilidade civil subjetiva foi

positivada pelo Código Civil Francês em 1804, e, seguindo a tendência mundial foi

adotada pelo Brasil no Código Civil de 1916. Assim sendo, seguindo o exemplo, o

Código Civil atual trabalha como regra geral com a Responsabilidade Civil Subjetiva,

devendo ser comprovada a existência de culpa para que possa surgir a necessidade

de qualquer ressarcimento (art. 186 c/c 927):

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

A responsabilidade civil subjetiva surgiu graças à necessidade de buscar a

comprovação de um elemento subjetivo para sua afirmação, isto é, prova inequívoca

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por parte da vítima do evento danoso, da culpa — imprudência, imperícia e

negligência — ou dolo na conduta do autor.

Porquanto, sequer importava a dimensão do dano causado ou da conduta

empreendida pelo agente causador do dano se não ficasse evidenciada a culpa

deste, para, enfim, a vítima pudesse pleitear uma possível reparação/ressarcimento.

Foi tendo a teoria clássica como sustentação que a culpa era fundamento da

responsabilidade. Essa teoria, também chamada de teoria da culpa, ou ―subjetiva‖,

pressupõe a culpa como fundamento da responsabilidade civil. Em não havendo

culpa, não há que se falar em responsabilidade.

Portanto, a obrigação de indenizar, e/ou, reparar o dano é a conseqüência

juridicamente lógica do ato ilícito.

A prova da culpa do agente,

[...] passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Nesta linha de raciocínio, só resta configurada a responsabilidade do causador do dano quando a conduta é praticada com dolo ou culpa. (GONÇALVES 2007, p. 30)

Se o agente tinha a intenção,

[...] de praticar o ato danoso ou, ainda se a sua conduta foi imprudente, negligente ou imperita. Tal comprovação somente é dispensável quando a lei expressamente presumir a culpa do agente, ainda que for fato de terceiro. (LISBOA, 2004, p. 277).

E, por fim, Gagliano e Pamplona Filho (2006, p. 14) ensinam que ―por se

caracterizar em fato constitutivo do direito à pretensão reparatória, caberá ao autor,

sempre, o ônus da prova de tal culpa do réu‖.

3.2 RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA

Utilizando um linguajar simples pode-se dizer que a responsabilidade civil

objetiva dispensa a comprovação, por parte da vítima do evento, do elemento

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subjetivo (culpa). Uma vez não sendo obrigado a demonstração de tal elemento, há

uma tendência positiva no que concerne o êxito nas demandas.

Nos casos de responsabilidade objetiva não se exige prova,

[...] de culpa do agente para que seja obrigado a reparar o dano. Em alguns, ela é presumida pela lei. Em outros, é de todo prescindível, porque a responsabilidade se funda no risco (objetiva propriamente dita ou pura). [...] É conhecida como a teoria do risco, que tem como postulado que todo dano é indenizável, e deve ser reparado por quem a ele se liga por um nexo de causalidade, independentemente de culpa. (GONÇALVES, 2007, p. 21)

Portanto, a teoria objetiva que também é conhecida como a teoria do risco,

como já dizia Lisboa (2004, p. 227) ―fundamenta-se na causalidade extrínseca,

desprezando a intenção do agente, pois aquele que obtém vantagens pelos riscos

criados, deve responder pelas conseqüências da atividade exercida, cuja

periculosidade é a ela inerente ou fixada em lei‖.

A lei impõe a certas pessoas, em determinadas situações,

[...] a reparação de um dano cometido sem culpa. Quando isto acontece, diz-se que a responsabilidade é legal ou ―objetiva‖, porque prescinde da culpa e se satisfaz apenas com o dano e o nexo de causalidade. Esta teoria, dita objetiva, ou do risco, tem como postulado que todo dano é indenizável, e deve ser reparado por quem a ele se liga por um nexo de causalidade, independentemente de culpa. (GONÇALVES, 2007, p. 30)

De acordo com tal espécie de responsabilidade Gagliano e Pamplona Filho

(2006, p. 14-15) entendem que ―o dolo ou culpa do agente causador do dano é

irrelevante, pois, somente será necessária a existência do elo de causalidade entre o

dano e a conduta do agente responsável para que surja o dever de indenizar‖.

É importante lembrar que o atual Código Civil, não se esqueceu de tratar da

responsabilidade objetiva, in verbis:

Art. 927. Aquele que por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a reparar.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (g.n)

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A insuficiência da fundamentação da teoria da culpabilidade,

[...] levou à criação da teoria do risco, com vários matizes, que sustenta ser o sujeito responsável por riscos ou perigos que sua atuação promove, ainda que coloque toda diligência para evitar o dano. Trata-se da denominada teoria do risco criado e do risco benefício, O sujeito obtém vantagens ou benefícios e, em razão dessa atividade, deve indenizar os danos que ocasiona. (VENOSA, 2004, 14-15)

Em determinadas circunstâncias é a lei que enuncia,

[...] a presunção. Em outras, é a elaboração jurisprudencial que, partindo de uma idéia tipicamente assentada na culpa, inverte a situação impondo o dever de ressarcir, a não ser que o acusado demonstre que o dano foi causado pelo comportamento da própria vítima (STOCO, 2001, p. 108).

Quando a culpa é presumida inverte-se o ônus da prova, pois, o autor da

ação só precisa provar a ação ou omissão e o dano resultante da conduta do réu, já

que a sua culpa já é presumida.

É exatamente o que encontramos positivado no art. 936 do Código Civil, que

presume a culpa do dono do animal que venha a causar dano a outrem. Mas faculta-

lhe a prova das excludentes ali mencionadas (culpa da vítima ou força maior), com

inversão do ônus. Portanto, caso o lesante não consiga demonstrar a Caso o réu não

prove a existência de qualquer excludente, este será culpado, visto que sua culpa já

se encontra presumida.

Mostra-se de forma verdadeira tal distinção entre as formas assumidas pela

responsabilidade objetiva visto que será de suma importância para a definição e

fixação da responsabilidade contratual no transporte de pessoas.

A responsabilidade estabelecida pelo Código de Defesa do Consumidor,

[...] é objetiva e fundada no dever e segurança do fornecedor em relação aos produtos serviços lançados no mercado de consumo, razão pela qual não seria também demasiado afirmar que, a partir dele, a responsabilidade objetiva, que era exceção em nosso Direito, passou a ter um campo de incidência mais vasto do que a própria responsabilidade subjetiva. (CAVALIERI FILHO, 2007, p. 17)

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E, ainda, não há dúvidas quanto ao Código de Defesa do Consumidor em

relação a sua escolha pela responsabilidade civil objetiva, sendo amparada pela

teoria do risco do empreendimento, onde o fornecedor tem a obrigação de assegurar

a eficiência e qualidade dos serviços e produtos que coloca a disposição do

consumidor em geral. Consequentemente basta que o consumidor apenas prove a

conduta violadora, o dano e a causalidade.

3.3 RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL

Quanto à origem da responsabilidade civil, nosso ordenamento jurídico,

adotando a teoria dualista ou clássica, se classifica em contratual e extracontratual.

Oportuno dizer que a responsabilidade civil contratual é a que se encaixa como uma

luva no contrato de transporte.

A responsabilidade civil subjetiva,

[...] por ato ilícito lato sensu, divide-se em extracontratual e contratual. Aquela existe em função de norma erigida por lei e não por negócio jurídico, prevendo uma cláusula geral de responsabilidade a partir da ocorrência de um dano por ato culposo do agente. [...] A responsabilidade civil extracontratual, ou seja, por ato ilícito no sentido estrito ou aquiliana, pode também aparecer na legislação através de preceitos que suscitam a presunção de culpa do ofensor. Será também esta presunção que servirá de elemento técnico para apuração da responsabilidade contratual. (ANDRADE JÚNIOR, 2009)

Primeiramente diz que é extracontratual — também chamada de aquiliana —,

se resultar graças a um inadimplemento normativo, ou seja, da prática de um ato

ilícito por pessoa capaz ou incapaz (art. 156 CC), da violação de um dever fundado

em algum princípio geral de direito (art. 159 CC), uma vez que não existe uma ligação

anterior entre as partes. E por não estarem conectadas por uma relação obrigacional,

lembra-se ainda, que caberá à vítima provar a culpa do agente.

E, será contratual, quando ocorrer a falta de adimplemento ou da mora no

cumprimento de qualquer obrigação. É violação de um dever especial que foi

pactuado pela vontade dos contratantes, isto é, decorre de relação obrigacional

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preexistente e pressupõe capacidade para contratar. E, diferentemente da

extracontratual, não necessitará o agente provar a sua culpa, e, sim, somente o

inadimplemento.

Segundo Zuliani (2009), a responsabilidade contratual ―é a que prove da falta

de cumprimento ou da mora no cumprimento de qualquer obrigação, ou de um dever

jurídico especial‖.

Deve-se lembrar, portanto, que a responsabilidade contratual é o resultado da

violação de uma obrigação anterior, logo, para que exista é imprescindível a

preexistência de uma obrigação.

Há três elementos básicos que são divisores de águas entre a

responsabilidade civil contratual e extracontratual, quais sejam: (a) preexistência de

relação jurídica; (b) o ônus da prova quanto à culpa; e (c) diferença da capacidade.

Referente a preexistência de relação jurídica, a responsabilidade contratual

se origina de uma combinação entre as partes, devendo, assim, existir anteriormente

um contrato para sua ocorrência. Configurar-se-á o inadimplemento contratual

apenas no momento em que for descumprido o que tiver sido previamente tratado no

contrato. Já na responsabilidade extracontratual originar-se-á apenas na

inobservância do dever genérico de não lesar e não causar dano a ninguém (imposto

pela lei).

Em relação ao item (b) alhures, na responsabilidade extracontratual a culpa

deve ser provada pela vítima, ao contrário do que acontece na responsabilidade

contratual. Nesta linha de raciocínio, o causador do dano deverá, portanto, buscar

provar de que não agiu com culpa, a fim de se esquivar da obrigação inadimplida.

E, por fim, quando a letra (c), diz-se que, o incapaz não pode proceder a

qualquer quebra de contrato, uma vez que, há vínculo com o menor incapaz apenas

quando for assistido por seu representante legal.

20

4 RESPONSABILIDADE CIVIL NO CONTRATO DE TRANSPORTE DE PESSOAS

E A CLÁUSULA DE INCOLUMIDADE

Como já dito anteriormente, a responsabilidade contratual é a que prove da

falta de cumprimento ou da mora no cumprimento de qualquer obrigação, ou de um

dever jurídico especial. Portanto, uma vez que se trata de uma relação jurídica

obrigacional proveniente de um contrato, fica compelido o transportador a, dentre

outras, transportar o passageiro com a maior segurança possível ao seu destino final.

Importante ressaltar que tal relação contratual (empresa de transporte x passageiro),

começa exatamente no momento em que o passageiro adentra no transporte (ônibus,

trem, metrô, taxi, avião...), e se finda apenas com o seu desembarque.

Lembra-se que no Brasil, a primeira lei que cuidou da responsabilidade do

transportador foi o Decreto Legislativo nº 2.681/1912, que por ampliação

jurisprudencial teve sua aplicabilidade estendida a todos os meios de transportes de

pessoas, inclusive, para o elevador. Interessante, pois, traçar abaixo os ditames do

art. 17 do Dec. Legislativo nº 2.681/1912 que tem a seguinte redação:

Art. 17. As estradas de ferro responderão pelos desastres que nas suas linhas sucederem aos viajantes e de que resulte morte, ferimento ou lesão corpórea.

A culpa será sempre presumida, só se admitindo em contrário algumas das seguintes provas: I – caso fortuito ou força maior; II – culpa do viajante, não concorrendo culpa da estrada.

O art. 17, do Decreto 2.681/12,

[...] (Lei das Estradas de Ferro) fala em culpa presumida. Com base na literalidade do texto, sustentou-se, e ainda há quem sustente que a responsabilidade do transportador, em relação aos passageiros é subjetiva, com culpa presumida. Nos casos de culpa presumida inverte-se apenas o ônus da prova, cabendo ao causador do dano demonstrar que não agiu com culpa. (GALO, 2001)

21

Com um olhar mais aguçado, verifica-se que o dispositivo supra, não admite

ao transportador, que faça qualquer tipo de prova de que não agiu com culpa. O

artigo só admite o caso fortuito ou força maior e a culpa do viajante, não concorrendo,

assim, culpa da estrada de ferro.

Quando se trata de culpa presumida há apenas inversão do ônus da prova,

[...] carreando-se ao causador do dano o encargo de provar que não agiu com culpa. Uma vez provado que não agiu com culpa, elide-se a presunção e safa-se do dever de indenizar. Na responsabilidade objetiva, não temos de cuidar da culpa: o autor da conduta, o causador do dano, somente se exonera do dever de indenizar se provar a ocorrência de uma das causas excludentes do nexo causal, em síntese, caso fortuito ou força maior, bem como culpa ou fato imputável exclusivamente à vítima. (VENOSA, 2004, p. 137-138)

Por fim, Galo (2001) analisa que ―de acordo com o texto do artigo 17, do

Decreto 2.681/12), conclui-se que a responsabilidade do transportador, em relação

aos passageiros, é objetiva, mesmo que a lei tenha disposto por culpa presumida‖.

O CCB, em seu art. 734, nos ensina que:

Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente de responsabilidade. (g.n)

E, como se não bastasse, o CDC, em seu artigo 14 atribuiu a

responsabilidade objetiva ao prestador ou fornecedor de serviços, que se enquadra

perfeitamente no contrato de transporte de pessoas, onde vejamos:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (g.n)

O Código do Consumidor segundo (GALO, 2001) ―provocou uma verdadeira

revolução no Direito obrigacional, sobretudo no campo da responsabilidade civil,

22

estabelecendo a responsabilidade objetiva em todos os acidentes de consumo, quer

de fornecimento de produtos (art. 12) quer de serviços (art. 14)‖.

Com a entrada em vigor do CDC, o fundamento da responsabilidade civil do

transportador passou a ser o ―defeito do produto ou do serviço‖, que venha a causar

um acidente de consumo.

A responsabilidade no Direito do Consumidor é objetiva, não mais com base

em um ato ou em uma conduta do agente, mas pelo defeito do serviço.

Não há incompatibilidade entre,

[...] o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor, visto que ambos adotam a responsabilidade objetiva do transportador, só elidível mediante a prova de culpa exclusiva da vítima, do caso fortuito e da força maior, ou do fato exclusivo de terceiro, porque tais excludentes rompem o nexo de causalidade. Malgrado não sejam todas mencionadas expressamente nos referidos diplomas, não podem deixar de ser aceitas como excludentes da responsabilidade do transportador, por afastarem, como mencionado, o nexo causal. (GONÇALVES, 2007, p. 279)

Venosa (2004, p. 138) nos ensina que ―o fornecedor de produto ou serviço é

responsável desde que se demonstre o nexo causal e defeito de seu produto ou

serviço ou acidente de consumo‖.

Chega-se então a idéia de que a tarefa principal do transportador é de fim

(resultado), e não apenas de meio. Por conseguinte, a empresa de transporte de

pessoas, o transportador, tem a empreitada de zelar pela incolumidade (chegar ao

destino são e salvo) do passageiro, na medida em que possa evitar o acontecimento

de qualquer evento de caráter danoso.

O que o Código do Consumidor fez foi mudar,

[...] o fundamento dessa responsabilidade que agora não é mais o contrato de transporte, mas sim a relação de consumo, contratual ou não. Mudou, também, o seu fato gerador, deslocando-o do descumprimento da cláusula de incolumidade para o vício ou defeito do serviço, consoante o art. 14, CDC. O fornecedor do serviço terá que indenizar desde que demonstrada a relação causa e efeito entre o defeito do serviço e o acidente de consumo, chamado pelo Código de fato do serviço. (GALO, 2001)

O objeto da obrigação de custódia é garantir ao credor (passageiro) contra de

quaisquer riscos contratuais, e, pôr a cargo do devedor (transportador) a álea do

23

contrato, salvo, na maioria dos casos, a força maior. Visto que o devedor se sujeita,

não apenas a explorar a sua atividade, mas, atingir o resultado esperado, qual seja:

levar o passageiro são e salvo até o seu destino final.

Pelo fato de o foco principal deste trabalho ser o contrato de transporte de

pessoas, faz com que haja um leque muito extenso de discussão acerca da

responsabilidade civil das empresas de ônibus em diversas ocasiões tais como:

assaltos, acidentes, perda de bagagens, dentre outras.

A princípio, quanto ao contrato existente entre as empresas de transporte e

os passageiros, a principal característica é a cláusula de incolumidade, a qual se

encontra implícita neste tipo de ajuste.

Como já dito anteriormente, o foco desta implícita cláusula é obrigar o

transportador que o passageiro chegue ao destino são e salvo sem que nada lhe

venha a acontecer, já que, ela prega por resultado, não apenas de meio, e sim, pelo

fim.

A característica mais importante do contrato de transporte é,

[...] sem sombra de dúvida, a cláusula de incolumidade que nele está implícita. A obrigação do transportador é de fim, de resultado, e não apenas de meio. Isto é, garante o bom êxito. Tem o transportador o dever de zelar pela incolumidade do passageiro na extensão necessária a lhe evitar qualquer acontecimento funesto. (GALO, 2001) (g.n)

Em poucas palavras diz-se que a cláusula de incolumidade é a obrigação que

tem o transportador de conduzir o passageiro com segurança ao seu destino final.

A cláusula de incolumidade, que está implícita no contrato de transporte,

[...] trata-se de conseqüência da obrigação de resultado. O transportador assume a obrigação de levar a pessoa ou coisa incólume, em perfeitas condições de segurança, até seu destino final. Uma vez descumprida, ocorre o inadimplemento, aflora o dever de indenizar. (VENOSA, 2004, p. 134-135)

Com relação ao caráter objetivo da responsabilização do transportador, vários

são os dispositivos legais que atribuem ao contrato de transporte, a responsabilidade

civil objetiva: art. 734, CCB, art. 14 do CDC e o art. 17 do Dec. Lei nº 2.681/12.

24

Ou seja, a obrigação de resultado do transportador se concretiza na cláusula

de incolumidade que está implícita em toda relação contratual de transporte de

pessoas. Esta cláusula tem o objetivo maior de trazer à superfície os vestígios da

responsabilidade objetiva.

O compromisso de entregar a coisa ou pessoa em perfeitos estados no local

destinado deve ser cumprido fielmente pelo transportador, sob pena de ter que

reparar por eventual prejuízo ocasionado à vítima usuária do serviço.

Por fim, basta apenas que o passageiro — ora lesado — demonstre o que de

fato aconteceu, o dano e o nexo causal existente entre um e o outro, afim de que seja

ressarcido do sinistro, sem ter que demonstrar qualquer tipo de culpa.

25

5 OS ELEMENTOS ESSENCIAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Numa concepção atual de responsabilidade civil, três são os seus elementos

constitutivos essenciais. São eles: uma conduta humana (ação/omissão), a

ocorrência de um dano, e a existência do nexo de causalidade entre os fatos.

Impossível trabalhar com a Responsabilidade Civil sem antes se faça uma

análise profunda quanto a seus elementos essenciais, ou seja, aqueles fundamentais

para a responsabilização. Pode-se dividi-los em subjetivos, referindo-se ao agente e a

vítima, e objetivos, ação ou omissão (conduta humana), dano e nexo de causalidade.

5.1 AÇÃO/OMISSÃO

O elemento primário de todo ilícito é uma conduta humana e voluntária no

mundo exterior. Não há responsabilidade civil sem determinado comportamento

humano contrário à ordem jurídica existente.

A ação e a omissão constituem, por isso, exatamente como ocorre no crime,

o primeiro momento da responsabilização civil.

Ato humano,

[...] comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado. (DINIZ, 2007, p. 34)

Parafraseando o grande Frederico Marques,

[...] a conduta humana relevante para essa responsabilização apresenta-se como ―ação‖ ou como ―omissão‖. Viola-se a norma jurídica, ou através de um facere, ou de um non facere. Uma e outra conduta se situam no campo naturalístico do comportamento humano, isto é, no mundo exterior, por serem um ―trecho da realidade‖ que o Direito submete, ulteriormente, a juízo de valor, no campo normativo. (STOCO, 2001, p. 95)

26

Na conduta dessas pessoas, só adquire relevância jurídica a ação voluntária,

questão esta que encontramos guarida no texto disposto no art. 186 do CC/2002 que

nos ensina que ―aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou

imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral,

comete ato ilícito‖.

Pode-se dizer, portanto, que a voluntariedade é o ponto chave da noção de

conduta humana ou ação voluntária, sendo, assim, o primeiro elemento da

responsabilidade civil, não traduz necessariamente intenção de causar o dano, mas

sim, a consciência daquilo que se está fazendo.

Destarte, a voluntariedade não se traduz na intenção do agente causar o

dano, mas na consciência do ato que se está praticando.

Na lição de Caio Mário da Silva Pereira,

[...] cumpre, todavia, assinalar que se não insere, no contexto de voluntariedade o propósito ou a consciência do resultado danoso, ou seja, a deliberação ou a consciência de causar prejuízo. Este é um elemento definidor do dolo. A voluntariedade pressuposta na culpa é a da ação em si mesma. (STOCO, 2001, p. 95)

Pode-se dividir a ação humana através da forma pela qual se manifesta em

duas classificações, quais sejam: positiva ou negativa.

A conduta comissiva (positiva) é uma ação que se solidifica no plano

concreto, através de um facere. Já a conduta omissiva (negativa), deve se revelar por

um non facere, ou seja, uma conduta contraproducente que demonstre ser relevante

para o ordenamento jurídico, atingindo bem juridicamente tutelado, externando assim

um resultado danoso, e, a sua questão principal está exatamente em não se ter agido

de determinada maneira.

De acordo com os ensinamentos de Stoco (2001, p. 94) é interessante

lembrar que ―para que haja ilícito, necessária se faz a conjugação dos seguintes

fatores: a existência de uma ação, a violação da ordem jurídica, a imputabilidade e a

penetração na esfera de outrem‖.

Assim sendo, percebe-se a necessidade de haver um comportamento do

agente, seja ele positivo (ação) ou negativo (omissão), que, desrespeitando o

regramento jurídico, cause prejuízo a outrem, pela ofensa a bem ou a direito deste.

27

Ora, esse comportamento deve ser imputável à consciência do agente, tanto

por dolo (intenção) ou por culpa (negligência, imprudência, imperícia), contrariando,

seja um dever geral da ordem jurídica ou uma obrigação em concreto

(inadimplemento contratual).

Em relação à culpa, esta estaria presente somente nas responsabilizações

civis decorrentes de atos ilícitos, segundo a orientação adotada pelo Código Civil

pátrio, uma vez que as responsabilidades provenientes de atos lícitos não exigem tal

pressuposto.

Stoco (2001, p. 96) nos ensina que a culpa ―é falta de diligência na

observância da norma de conduta, o desprezo por parte do agente, do esforço

necessário para observá-la, com resultado não objetivado, mas previsível, desde que

o agente se detivesse na consideração das consequências eventuais da sua atitude‖.

O nosso Código adota o princípio da culpa como fundamento genérico da

responsabilidade, ou seja, uma maneira que engloba tanto a culpa stricto sensu,

quanto o dolo, pois ambos, quando provados, têm o condão de gerar o dever de

indenizar.

Pode-se compreender o dolo como sendo a vontade conscientemente dirigida

à produção de um resultado ilícito. Ou seja, o agente mesmo prevendo o dano que

sua atividade causará, resolve continuar com a a fim de alcançar o resultado danoso.

―A culpa, stricto sensu, é o agir, equivocado, por força de comportamento

negligente, imprudente ou imperito, embora o agente não tenha querido o resultado

lesivo, desde que inescusável‖. (STOCO, 2001, p. 135)

E, No entendimento de Cavalieri Filho (2007, p. 32), ―a culpa (stricto sensu)

acaba tendo por essência o descumprimento de um dever de cuidado, que o agente

podia conhecer e observar‖.

Assim sendo, percebe-se que na conduta dolosa o lesante, quer,

conscientemente, praticar a ação e causar o seu resultado danoso; ao contrário da

culpa em sentido estrito, onde a ação alcança um resultado diferente da sua

pretensão consciente.

A imprudência é mais que uma mera falta de atenção, e sim, ato que pode

revelar-se de má-fé, com conhecimento do mal e a intenção de praticá-lo. A ação

imprudente é aquela revestida de dolo, e, portanto, embora não almejada pelo agente

também não revestida de absoluta ausência de intenção. Pode-se citar como

28

exemplo de quem age com imprudência, o motorista que ultrapassa em faixa

contínua, não respeita as placas de trânsito, ou que avança o sinal vermelho.

Quanto à negligência, também conhecida como desatenção ou falta de

cuidado ao exercer certo ato (necessidade de todo o indivíduo ser prudente), consiste

na ausência de necessária diligência, implicando em omissão ou inobservância de

dever, ou seja, aquele de agir de forma diligente, prudente, agir com o devido cuidado

exigido pela situação em tese. Cita-se como exemplo o motorista que anda com os

faróis queimados, pneus carecas e limpadores do vidro estragados.

Com relação à imperícia, requer-se do agente a falta de técnica ou de

conhecimento (erro ou engano na execução, ou mesmo consecução do ato), de outra

forma, tem-se uma omissão daquilo que o agente não deveria desprezar, pois

consiste em sua função, seu ofício exigindo dele perícia - uso de técnica que lhe é

própria ou exigível até mesmo pelo seu mister. Refere-se, por fim, a uma falta

involuntária, mas também eivada de certa dose de má-fé com pleno conhecimento de

que seus atos poderão vir a resultar em dano para outrem. Exemplo de imperícia

seria o motorista que provoca acidente por não saber dirigir veículo com câmbio

hidramático, razão pela qual, acontece o sinistro graças ao seu despreparo e perícia.

Oportunamente diz-se a culpa pode ser dividida em: a) in eligendo, que

decorre da má escolha do representante, do preposto (extinta no CC 2002); b) in

vigilando, é aquela que decorre de má fiscalização, falta do dever de vigiar (extinta no

CC 2002); c) in custodiando, proveniente da falta de cuidados na guarda de algum

animal ou objeto (extinta no CC 2002); d) in omittendo, decorrente de uma omissão,

quando havia o dever de não abster; e, e) in committendo, que advém de um ato

positivo do agente, ou seja, de uma ação.

Portanto, a culpa stricto sensu ou através do dolo, é elemento indispensável

para a configuração do dever de indenizar apenas nos casos configurados da

responsabilidade civil subjetiva.

5.2 DANO

Não há reparação com ausência de prejuízo; sendo assim, o dano é um

elemento indispensável para com a caracterização da responsabilidade civil.

29

Portanto, o dano nada mais é que uma circunstância fundamental da

responsabilidade civil, presente em ambas as teorias anteriormente citadas.

Configura-se o dano no momento em que há lesão (sofrida pelo ofendido),

em seu conjugado de valores protegidos pelo direito, relacionando-se a sua própria

pessoa (moral ou física) aos seus bens e direitos. Podendo o dano ser patrimonial ou

moral, conforme análise posterior.

Deste modo, seja em qualquer configuração da responsabilidade, tanto a

contratual quanto a extracontratual, subjetiva ou objetiva, deverá existir o prejuízo

para que haja o dever de indenizar.

A título de exemplo, nota-se que Gonçalves (2007, p. 37) é enfático ao dispor

que ―mesmo que haja violação de um dever jurídico e que tenha havido culpa, e até

mesmo dolo, por parte do infrator, nenhuma indenização será devida, uma vez que

não se tenha verificado o prejuízo‖.

Conceitua-se o dano,

[...] como a subtração ou diminuição de um bem jurídico qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral [...] (CAVALIERI FILHO, 2007, p. 71).

Para o dano ser passível de indenização há a necessidade de apuração de

alguns requisitos: 1) atualidade; 2) certeza; 3) subsistência. Somente o dano certo,

efetivo, é indenizável. Assim sendo, impossível será ressarcir um dano abstrato ou

hipotético.

Diniz (2007, p. 64) confirma tal raciocínio quando leciona no sentido de que,

―a certeza do dano refere-se à sua existência, e não à sua atualidade ou seu

montante‖.

Consoante a sua subsistência, significa-se que o dano somente será

indenizável quando ainda não reparado. Ora, se o dano foi reparado, a relação se

tornará lícita e saudável, sem qualquer afetação ao bem jurídico em questão. Se

houve a reparação espontânea por parte do lesante, não há que se falar em

responsabilização civil.

O dano poderá ser patrimonial ou moral.

30

É configurado como dano patrimonial aquele que afeta o patrimônio da vítima,

perdendo ou deteriorando total ou parcialmente os bens materiais economicamente

avaliáveis. Engloba os danos emergentes (o que a vítima efetivamente perdeu) e os

lucros cessantes (o que a vítima razoavelmente deixou de ganhar), conforme o

regramento positivado no art. 402 do Código Civil de 2002.

[...] Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidos ao credor abrangem, além do que efetivamente se perdeu, o que razoavelmente se deixou de lucrar.

Em relação ao dano moral, é aquele que corresponde à lesão de bens

imateriais, denominados bens da personalidade (honra, imagem...).

Dano moral é o prejuízo,

[...] que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima. [...] É lesão de bem integrante da personalidade, tal como a honra, a liberdade, a saúde, a integridade psicológica, causando dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação ao lesado. (VENOSA 2004, p. 39)

Interessante frisar ainda que a CF/1988 elevou ao patamar de direito

fundamental a possibilidade de indenização à vítima de prejuízo que lhe cause a dor

moral (art. 5º, inc. X).

Atualmente a maior dificuldade dos juristas é quanto à configuração e ao

arbitramento dos danos morais indenizáveis. Não há critérios expressos a serem

seguidos nem regras para a fixação de um valor. Portanto, deve-se seguir uma linha

coerente para que não haja injustiças tanto para o lesante quanto para o lesionado.

Um fato que deve se atentar é que a cada dia que passa, na prática cresce a

―Indústria do Dano Moral‖, tentando alicerçar, em terreno pantanoso, teorias

fantasiosas e desprovidas de fundamentos fáticos e técnicos, com o escopo único de

auferir renda de maneira fácil, no mais escancarado enriquecimento ilícito.

Portanto, o julgador deve ficar atento e se direcionar no sentido de que o

dano não pode ser fonte de lucro. Não se pode deixar que o DIREITO seja lesado

dessa maneira, tendo a tão almejada JUSTIÇA como meio.

31

5.3 NEXO CAUSAL

O terceiro e último elemento, nexo de causalidade, consiste na relação de

causa e efeito entre a conduta praticada pelo agente e o dano suportado pela vítima.

É o mais delicado dos elementos e dos mais difíceis de ser determinado.

De acordo com Venosa (2004, p. 45), conceitua-se nexo causal como o

―liame que une a conduta do agente ao dano. É por meio do exame da relação causal

que concluímos quem foi o causador do dano‖.

Geralmente, é árdua a tarefa de buscar a origem do dano, uma vez que há a

possibilidade de surgir inúmeras causas, chamadas de concausas, concomitantes ou

sucessivas.

Quando o resultado danoso decorre de uma única conduta do agente, torna-

se fácil a identificação de causalidade. Porém, no momento em que as concausas

são simultâneas ou concomitantes a questão resolve-se com a regra do artigo 942 do

Código Civil, a qual estipula a responsabilidade solidária de todos aqueles que

concorram para o resultado danoso.

Graças à problemática criada pelas concausas sucessivas, surgiram três

teorias a respeito, onde veremos a seguir.

1) A Teoria da equivalência das condições determina que, caso exista várias

circunstâncias que poderiam ter causado tal prejuízo, qualquer uma poderá ser

apontada como a causa eficiente, isto é, se suprimida alguma delas, o resultado

danoso não teria ocorrido. Um exemplo interessante é se uma pessoa foi atropelada,

a causa pode ter sido tanto a imperícia do condutor, como também a constituição

débil da vítima, a natureza do pavimento sobre o qual esta foi projetada, a demora na

prestação do socorro e etc. Tal teoria, quando aplicada de forma isolada, chega beirar

o absurdo dos resultados, provocando incontáveis responsabilidades.

2) A Teoria da causalidade adequada vale a regra de que a causa deve ser

apta a produzir o resultado danoso, excluindo-se, portanto, os danos decorrentes de

circunstâncias extraordinárias, ou seja, o efeito deve se adequar estritamente à

causa.

3) Por fim, a Teoria da causalidade imediata, trabalha com a determinação de

que é preciso que exista entre o fato e o dano uma relação de causa e efeito direta e

imediata. É esta teoria que vale no nosso ordenamento jurídico, a qual se encontra

32

positivada no art. 403 do Código Civil Brasileiro. Deste modo, será causa do dano

aquela que está mais próxima deste, imediatamente e diretamente.

Exemplificando a última teoria seria o seguinte: Joãozinho, dirigindo em

altíssima velocidade, acaba por atropelar Maria. Esta é socorrida por seu amigo

Antônio, que no caminho para o hospital choca-se com outro veículo, onde Maria vem

a falecer.

Em atenção a esta terceira teoria a causa para a morte de Maria seria o

segundo acidente, uma vez que o evento anterior deixou de ser observado, criando-

se uma relação de causalidade diferente.

A culpa exclusiva da vítima, a culpa de terceiro, o caso fortuito ou a força

maior, a cláusula de não indenizar, as excludentes de ilicitude, o estado de

necessidade e a legítima defesa retiram o nexo causal. Importante também salientar

que a coincidência não implica em causalidade.

Determinados fatos podem interferir de forma significativa nos

acontecimentos ilícitos e que acabam por desfazer o nexo causal, excluindo, assim, a

responsabilidade do agente causador.

As principais excludentes da responsabilidade civil objetiva, que em suas

particularidades envolvem a negação da relação de causalidade, sendo elas: a) fato

exclusivo da vítima, b) caso fortuito e força maior, c) fato de terceiro.

A culpa ou fato exclusivo da vítima é causa de exclusão do nexo causal, visto

que o agente, aparente causador direto do dano, é mero instrumento do acidente. A

título de exemplo: Joãozinho, num ato suicida, atira-se sob as rodas de um ônibus da

empresa Transportes S/A em movimento. O veículo em questão foi apenas um

simples instrumento do acidente, ou seja, a conduta da vítima como fato gerador do

dano elimina a causalidade da empresa que ―atropelou‖. A empresa ficará, portanto,

isenta da tarefa de ressarcimento.

A força maior é um fenômeno natural, um acontecimento imprevisível,

inevitável ou estranho ao comportamento humano. Pode-se exemplificar um raio, uma

tempestade ou um terremoto. Nestes casos, graças à imprevisibilidade das causas

determinantes de tais fenômenos, exaure-se quanto à responsabilidade, uma vez que

não está presente o nexo de causalidade.

Quanto ao caso fortuito, pode-se dizer que o dano decorre de ato humano,

gerador de resultado danoso e alheio à vontade do agente, embora por vezes

previsível. Como é considerado um acaso, imprevisão, acidente, algo que não

33

poderia ser evitado pela vontade humana, ocorre, da mesma maneira da força maior,

o rompimento da causalidade.

Interessante frisar que a força maior e o caso fortuito estão dispostos no art.

393 do CCB. Mas, tal ordenamento não os definiu de forma isolada, fato este, que

vem provocando certo fervor entre os doutrinadores para com as definições de cada

um, ou seja, não há um entendimento doutrinário unânime.

A característica básica da força maior é,

[...] a sua inevitabilidade, mesmo sendo a sua causa conhecida (um terremoto, por exemplo, que pode ser previsto pelos cientistas); ao passo que o caso fortuito, por sua vez, tem a sua nota distintiva na imprevisibilidade, segundo os parâmetros do homem médio. (GAGLIANO E PAMPLONA FILHO, 2006, p. 111)

A imprevisibilidade é o elemento fundamental para que se caracterize o caso

fortuito. E, quanto à força maior, o detalhe principal é para com a inevitabilidade.

Conforme Stoco (2001, p. 125), ―para que se possa afirmar que o fato de

terceiro constitui causa estranha e atue como excludente da responsabilidade, o

comportamento do terceiro causador do dano deve ser inevitável e imprevisto‖.

No que tange a responsabilidade do transportador, o Código Civil, em seu art.

734, mencionou apenas a força maior como excludente do dever de indenizar.

Porém, o caso fortuito e o fato exclusivo do passageiro também são causas de

exclusão da responsabilidade já que extinguem a causalidade.

Art. 734 O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade.

Interessante dizer que a jurisprudência invariavelmente não admite nos

contratos de transporte a cláusula de irresponsabilidade, sendo peremptória a Súmula

161 do STF neste sentido: ―Em contrato de transporte, é inoperante a cláusula de não

indenizar‖.

Atualmente a doutrina e jurisprudência têm dividido o caso fortuito em duas

classificações: a) interno e b) externo.

34

Entende-se por fortuito interno o fato imprevisível,

[...] e, por isso, inevitável, que se liga à organização da empresa, que se relaciona com os riscos da atividade desenvolvida pelo transportador. O estouro de um pneu do ônibus, o incêndio do veículo, o mal súbito do motorista, são exemplos do fortuito interno, por isso que, não obstante acontecimentos imprevisíveis, estão ligados à organização do negócio explorado pelo transportador. (GALO, 2001)

Assim, pode-se citar como exemplos de caso fortuito interno a quebra da

suspensão de um ônibus, um incêndio, um ataque cardíaco no motorista etc. Fatos

estes que não exoneram o transportador de indenizar, pois estão ligados à

organização do negócio explorado.

O fortuito externo é também imprevisível e inevitável,

[...] mas estranho à organização do negócio. É fato que não guarda nenhuma ligação com a empresa, como fenômenos da natureza. Duas, portanto, são as características do fortuito externo: autonomia em relação aos riscos da empresa e inevitabilidade, razão pela qual alguns autores o denominam força maior. (GALO, 2001)

Deste modo, usa-se como exemplo uma tempestade, um furacão, um

terremoto. Portanto, como são estranhos à organização do negócio, afastam a

responsabilidade do transportador.

Esse entendimento é mais forte ainda quando nos deparamos com o CDC, no

momento em que determina que para que se configure a responsabilidade do

fornecedor de serviço, basta que o acidente de consumo tenha por causa um defeito

do serviço. Assim sendo, a cláusula de incolumidade (entregar o passageiro são e

salvo) é a que deve prevalecer acima de tudo nesse tipo de serviço prestado,

independentemente de qualquer fator externo ou interno que por ventura ocorra.

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6 A RESPONSABILIDADE CIVIL NOS CONTRATOS DE TRANSPORTE DE

PESSOAS

De acordo com ordenamento jurídico brasileiro, as normas que tratam

diretamente desta responsabilidade civil no contrato de transporte de pessoas estão

dispostas nos: Dec. Lei nº 2.681/12 (art. 17), o CDC (art. 14), e o Código Civil de

2002 (art. 734 e ss.), conforme demonstrado em capítulos anteriores.

Oportuno frisar que o Código Civil estatui, em seções próprias, regras para os

contratos de transporte de pessoas (arts. 734 a 742) e para os de transporte de

coisas (arts. 743 a 756). Reservou, porém, uma seção para os preceitos comuns a

todos os contratos de transporte, qualificando-os como "Disposições Gerais" (arts.

730 a 733).

Desde o Decreto nº 2.681, de 1912, é que a responsabilidade civil se definiu

como responsabilidade objetiva. O art. 734 do novo CC segundo (VENOSA, 2004, p.

480) ―mantém essa sistemática, de sorte que havendo dano pessoal ou econômico ao

passageiro, durante a viagem, o transportador responderá pelo respectivo

ressarcimento, independentemente de culpa pelo evento‖.

Ao contrário do Código Comercial,

[...] e do Código Civil de 1916, o Novo Código Civil regula e conceitua o contrato de transporte utilizando, quase literalmente, a definição de Pontes de Miranda: "Pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas‖. (THEODORO JÚNIOR, 2009)

O que constitui o objeto específico,

[...] dessa modalidade contratual é a obrigação de deslocar uma pessoa ou um objeto de um lugar para outro. O contrato, nesse sentido, é da categoria dos contratos que geram obrigação de resultado: somente se cumpre quando a mercadoria ou pessoa transportada chega ao seu destino. Por isso, o contrato de transporte deixa de ser simples modalidade de locação de serviço. Não basta trabalhar para o deslocamento do objeto previsto no contrato. É indispensável que o transportador o faça chegar ao ponto convencionado. Sem isto, o contrato não terá sido cumprido. (THEODORO JÚNIOR, 2009)

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Como já foi dito no capítulo anterior, o contrato de transporte de pessoas tem

características peculiares, tal como a cláusula da incolumidade que já foi

exaustivamente explicada em capítulo anterior.

Consoante ao contrato de transporte de pessoas é considerado por sua

natureza um contrato de adesão. A característica marcante é que as partes não

discutem as suas cláusulas, pois, estas já foram estipuladas pela empresa

transportadora e aderidas pelo passageiro.

Classifica-se ainda como um contrato bilateral e oneroso, visto que gera

obrigações para ambas as partes, sendo que, de um lado há a realização do

transporte com segurança e da outra o pagamento da passagem.

No caso do transporte, o contrato ajusta-se no exato momento em que o

passageiro e o transportador entram num acordo sobre o objeto do negócio, qual

seja: a compra do bilhete. Assim que se compra o bilhete o passageiro firma com a

outra parte um contrato, gerando, assim direitos e obrigações para ambas as partes.

Oportuno dizer que a responsabilidade do transportador iniciar-se-á assim que o

passageiro entrar no veículo.

Apesar de ser uma praxe o uso de bilhetes, tais documentos não são da

essência do contrato do transporte de pessoas, uma vez que, este é classificado

também como um contrato não-solene, cujo aperfeiçoamento não se sujeita a

nenhuma formalidade. Essa posição é tomada pela doutrina pelo simples fato de que

caso um passageiro, sem oposição, foi admitido a bordo, e sem o bilhete de viagem,

ter-se-á como concluído o contrato de transporte, de forma oral ou tácita.

No mesmo sentido, anota Theodoro Júnior (2009) que "o bilhete de

passagem constitui a prova do contrato de transporte". Porém, "a falta, irregularidade

ou perda do bilhete de passagem não prejudica a existência e eficácia do contrato,

dentro do prazo de validade"

A título de exemplo é interessante dizer que, assim sendo, Joãozinho no

momento em que adentra num veículo que realiza o serviço de transporte,

automaticamente (tacitamente), já celebra um contrato de adesão com o

transportador. Este, implicitamente, assume a obrigação de conduzi-lo ao seu

destino, são e salvo (cláusula de incolumidade). E, caso, no trajeto, ocorra algum

evento danoso com Joãozinho, configurar-se-á o inadimplemento contratual, disposto

expressamente nos artigos, 389 c/c 734 do Código Civil, onde vejamos:

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Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade.

A responsabilidade pela integridade,

[...] da pessoa do passageiro só se inicia, a partir do momento em que esse mesmo passageiro incide na esfera de direção do transportador. Portanto, a partir do momento em que a viagem ou trasladação começa, tem início o contrato de transporte, bem como a responsabilidade do transportador, que persistirá até o final do percurso. (GONÇALVES, 2007, p. 206)

6.1 FATO DE TERCEIRO

Por terceiro deve-se entender,

[...] alguém estranho ao binômio transportador e passageiro; qualquer pessoa que não guarde nenhum vínculo jurídico com o transportador, de modo a torná-lo responsável pelos seus atos, direta ou indiretamente, como o empregador em relação ao empregado, o comitente em relação ao preposto, entre outros. (GALO, 2001)

Porém, pensando de forma divergente, a jurisprudência não tem admitido o

fato de terceiro como uma excludente de responsabilidade em casos de transporte

(exclusivamente de passageiros). Por fim, ressalte-se que a jurisprudência segundo

Galo (2001) ―tem responsabilizado o transportador por assaltos, pedradas e outros

fatos de terceiros ocorridos no curso da viagem somente quando fica provada a

conivência dos seus prepostos, omissão ou culpa inequívoca do transportador‖.

Primeiramente, baseado na Súmula 187/STF, o transportador era obrigado a

indenizar. Com o passar dos anos, a jurisprudência foi construindo um pensamento

contrário, aceitando o fato de terceiro, firmando em sentido contrário, sob a

consideração de que o fato exclusivo de terceiro, sobretudo quando doloso, uma vez

que é característica do caso fortuito externo (inteiramente estranhos ao risco do

transporte).

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Não cabe ao transportador,

[...] transformar o seu veículo em carro blindado, nem colocar uma escolta de policiais em cada ônibus para evitar assaltos. A prevenção de atos dessa natureza cabe ao Estado, inexistindo fundamento jurídico para transferi-la ao transportador. (GALO, 2001)

Por fim, com a entrada em vigor do CC/2002, a mesma se tornou dispositivo

deste Codex, contida nas normas de seu artigo 735. Portanto, entende-se que

qualquer acidente que ocorra com o passageiro, obriga o transportador a indenizar os

prejuízos eventualmente causados.

De acordo com Venosa (2004, p. 142) ―fato de terceiro ingressa no âmbito da

cláusula de incolumidade do transportador e faz parte do risco do negócio. Constitui o

que a doutrina denomina de fortuito interno, fenômeno previsível ao negócio‖.

Traçando na mesma linha de raciocínio Cavalieri Filho (2007, p. 295) alega

que ―o fato culposo de terceiro se liga ao risco do transportador, ou seja, se relaciona

com a organização do seu negócio, caracterizando o fortuito interno, que não afasta a

sua responsabilidade‖.

Pelo fato de Súmula 187/STF bem como o art. 735 do CC não tratarem do

dolo de terceiro, Venosa (2004, p. 142) leciona no âmbito de que ―parte da

jurisprudência posiciona-se no sentido de que o transportador não se responsabiliza

pelo dolo de terceiro, este sim aspecto alheio aos riscos normais do transporte‖.

Portanto, o fato doloso de terceiro jamais poderá ser classificado como um

fortuito interno, já que além de ser imprevisível e inevitável, não mantém nenhum elo

com os riscos do transportador.

Com o desenvolver do ordenamento jurídico pátrio, por meio do art. 14, § 3º,

II, do CDC, esse entendimento passou a ter uma fundamentação legal, pois se

transformou em causa exonerativa da responsabilidade do prestador de serviços:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 3º. O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. (g.n)

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Em breves palavras pode-se concluir que o fato exclusivo de terceiro, quando

doloso, configura o fortuito externo (alheios ao transportador), logo, pode ser

responsabilizado. E, o simples fato de terceiro é construído baseado nas

características do fortuito interno (riscos inerentes ao negócio), consequentemente, o

transportador deve arcar com a responsabilização.

Consoante aos danos causados por arremesso de pedra contra trens ou

ônibus, bem como nos assaltos e disparos ocorridos no interior das conduções no

curso da viagem, no início desses problemas, a jurisprudência entendia que o

transportador deveria arcar com a tarefa de indenizar as vítimas, com base na

Súmula 187/STF, justificando-se somente ao fato de terceiro.

Mas, com o passar do tempo, foi-se construindo a decisão de que o fato

exclusivo de terceiro, quando doloso, caracteriza o fortuito externo, que é aquele

inteiramente estranho aos riscos do transporte e nada tem a ver com a atividade do

transportador.

Ora, pedras atiradas contra trens e ônibus, assaltos e disparos ocorridos no

interior dos veículos transportadores, é uma atitude dolosa mais do que clara por

parte dos agentes que a praticam. Cabe, portanto, excluir a responsabilidade do

transportador e jogar para o Estado.

Em recente decisão proferida no Supremo Tribunal Federal ilustra

perfeitamente a situação acima explanada:

"Responsabilidade Civil – Assassinato de passageiro, em virtude de assalto praticado por desconhecido, num trem da REFISA durante a viagem – Ato de terceiro equiparável a caso fortuito – Incidência de obstáculo previsto no art. 325, inciso V, do Regimento Interno do STF – Argüição de relevância rejeitada – Inocorrência de divergência da Súmula n. 187 do STF, por inexistir o nexo de causalidade entre o acidente e o transporte". (2ª Turma do STF, RE 99.978-7, Rel. Min. Djaci Falcão – revista Amagis XI/503)

Conveniente lembrar uma situação em que, caso se prove que um assalto

aconteceu pelo fato de o transportador romper a segurança dentro do transporte, é

mais do que claro a total responsabilização do transportador, sendo dever a

indenização do passageiro. A título de ilustração, caso o motorista da empresa

transportadora pare o veículo em um local escuro, ermo e que não seja um ponto

determinado e o ônibus for assaltado por esta razão.

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6.2 TRANSPORTE GRATUITO

Muito se tem discutido acerca da responsabilidade daquele que transporta

alguém de forma gratuita. A pergunta em questão é: tal responsabilidade é contratual

ou extracontratual?

Inicialmente já cumpre frisar que o art. 736 do CC diz que: "não se subordina

às normas do contrato de transporte o feito gratuitamente, por amizade ou cortesia".

Antes mesmo da promulgação do Código Civil atual, o STJ já havia sumulado

entendimento em sua Súmula nº 145 de que ―no transporte desinteressado, de

simples cortesia, o transportador só será civilmente responsável por danos causados

ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave‖.

Após muitos embates doutrinários acerca do transporte gratuito, discutindo-se

acerca da sua natureza, se seria contratual ou extracontratual, nota-se que o

entendimento majoritário é a que o vê como um contrato gratuito, visto que o

transportador não cobra preço (sem onerosidade) algum pelo serviço prestado.

Ora, o transporte gratuito, benéfico,

[...] não traz vantagem ao transportador. É a ele que o contrato não favorece. Portanto, só deve ser responsabilizado, em caso de acidente, por dolo ou culpa gravíssima, ficando exonerado de qualquer responsabilidade em caso de culpa leve ou levíssima. (GONÇALVES, 2007, p. 330)

Tal entendimento compartilha com as regras do artigo 392 do CC/2002,

segundo o qual, nos contratos gratuitos, a parte que não extrai vantagem do negócio

somente responde por dolo, ao qual se deve equiparar a culpa grave.

Silvo Rodrigues, que comunga da mesma,

[...] opinião enfatiza que seria indesculpável eximir-se o transportador de responsabilidade pelo dano causado ao passageiro que ele conduzia gratuitamente, quando este dano derivou de culpa grave de sua parte. Se o desastre ocorreu de ato abusivo, tal como a travessia de uma rua principal em alta velocidade, ou se o condutor arriscou-se a atravessar a rua quando o semáforo se encontrava fechado, em hipóteses desse jaez a culpa grave ao dolo se equipara, e deve ser o motorista obrigado a reparar o dano experimentado pelo passageiro, embora o transporte fosse desinteressado. Todavia, em caso de culpa leve ou levíssima, e aplicando-se a regra do art. 1057 do CC, o transportador que conduz gratuitamente o seu passageiro não está sujeito a reparar. (GONÇALVES, 2007, p. 330-331)

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Portanto, chega-se a conclusão de que, sendo contratual a responsabilidade

do transportador gratuito, a sua responsabilidade pela reparação do dano causado ao

passageiro transportado apenas se consolidará se ficar provado de que agiu com

dolo ou culpa grave, conforme as regras do artigo 1.057 do CCB.

Vale dizer em caso de acidente,

[...] derivado de culpa leve ou levíssima, o transportador, que conduz gratuitamente o passageiro, não se sujeita à reparação em favor deste. [...] A orientação que prevaleceu na jurisprudência (Súmula nº 145 do STJ), se tem aplicado à espécie a sistemática dos contratos unilaterais ou benéficos, isentando o transportador gratuito de responsabilidade nas situações de culpa leve ou levíssima (o que não ocorreria se o caso fosse de responsabilidade aquiliana). (THEODORO JÚNIOR, 2003)

E, por fim, é plausível dizer ainda acerca do transporte que é aparentemente

gratuito, pois, não se pode afirmar que o transporte é totalmente gratuito no momento

em que o transportador, embora não esteja cobrando uma quantia, tem algum

interesse naquele transporte.

Tal transporte não está sendo feito por uma mera cortesia, e, sim, com um

interesse maior por trás.

É o que acontece, verbi gratia,

[...] com o vendedor de automóveis, que conduz o comprador para lhe mostrar as qualidades do veículo; com o corretor de imóveis, que leva o interessado a visitar diversas casas e terrenos à venda; com o transportado que paga uma parte do combustível; com o amigo, que é conduzido para fazer companhia ao motorista e conversar durante a viagem, afastando o sono e etc. (GONÇALVES, 2007, p. 337)

Deste modo, os exemplos de gratuidade aparente demonstrados acima não

constituem hipóteses de contratos verdadeiramente gratuitos, devendo ser regidos,

pois, pelas regras do CC (art. 730-734), que estabelece a culpa presumida do

transportador, só elidível em caso de culpa exclusiva da vítima ou caso fortuito ou

força maior.

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CONCLUSÃO

Após árduo trabalho de pesquisa, pode-se determinar que a responsabilidade

civil, no ordenamento jurídico pátrio possui a espécie objetiva — não há a

necessidade em comprovar a culpa — e a subjetiva — que é necessária a

comprovação da culpa do agente.

Que a responsabilidade civil evoluiu gradativamente, acompanhando a

mudança de pensar e agir da humanidade; primeiro, com a satisfação pessoal do

desejo de vingança, depois ainda para a necessidade material, com a solução da

compensação em dinheiro. Também se passou da evolução da responsabilidade

subjetiva, quando somente onde houvesse culpa poderia haver indenização, para a

responsabilidade objetiva, que obriga a indenizar até atividades lícitas, pois se quer

chegar à satisfação total do lesado, reparando a vítima o melhor possível.

Torna-se inquestionável a natureza objetiva da responsabilidade do

transportador em vista dos dispositivos legais que tratam deste tema, como o art. 17

do Dec. Lei nº 2.681/12, o art. 14 do CDC, e o CC/2002, em seu art. 734, e, poderá

ser examinada sob três aspectos distintos: em relação aos seus empregados, em

relação a terceiros e em relação aos passageiros. Bastando apenas que a vítima

demonstre a conduta, o dano e a causalidade.

O Novo Código Civil não introduziu grandes inovações no contrato de

transporte de passageiros. Realizou, porém, obra importante ao acolher e

sistematizar preceitos esparsos em leis especiais e teses consolidadas na

jurisprudência, tornando-as aplicáveis a todos os contratos, sejam quais forem os

veículos utilizados.

Os aspectos mais relevantes do contrato do transporte de pessoas são

acerca da dispensabilidade do elemento culpa (exceto nos casos excludentes de

responsabilidade), e, principalmente, a cláusula de incolumidade — implícita em todo

o contrato de transporte —, que determina que a obrigação contratual do

transportador seja de fim, de resultado, ou seja, compromete-se ele a levar o

passageiro a seu lugar de destino são e salvo, caso contrário será totalmente

responsabilizado.

Que a ocorrência do fato de terceiro, apesar de ser uma excludente de

responsabilidade, não isenta o transportador de indenizar o passageiro, graças aos

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ditames da Súmula 187/STF e do art. 735 do CC/2002. Pois, o fato de terceiro é visto

como uma causa que faz parte dos riscos do negócio de transporte (fortuito interno).

Já o fato doloso de terceiro (pedras atiradas, assaltos), constituem, fato

exclusivo de terceiro (fortuito externo), e, esquivam qualquer responsabilidade do

transportador por tais eventos.

Percebe-se o quão forte é a presunção de responsabilidade do transportador,

uma vez que, sequer o fortuito interno o exonera do dever de indenizar; só o fortuito

externo, isto é, o fato estranho à empresa, sem ligação alguma com a organização do

negócio.

Por fim, se o transporte for gratuito o transportador deverá ser

responsabilizado apenas por dolo ou culpa grave; no entanto, se for enquadrado

como um transporte aparentemente gratuito aplicar-se-ão todas as regras pertinentes

ao contrato de transporte de pessoas.

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REFERÊNCIAS

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DINIZ, M. H. Curso de Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil. 21 ed.. São Paulo: Saraiva, 2007.

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VADE MECUM, obra da Editora Rideel com a organização de Anne Joyce Angher. Código Civil Brasileiro – Lei nº 10.406/2002; Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078/1990; Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 8 ed. São Paulo: Rideel, 2009.

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ZULIANI, E. S. Responsabilidade civil e reparação de danos – Raízes históricas. Disponível em: <http://www.rc-pro.com.br/arquivos/DOUT/20081217_DOUT_004805.html>. Acesso: 05 out. 2009.