2. fundamentos epistemológicos da medicina - o conhecimento

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Fundamentos Epistemológicos da Medicina 2. O CONHECIMENTO Luiz Salvador de Miranda Sá Jr. A ciência é grande, mas a inteligência do homem cava cada vez mais fundo. Maimônides, médico judeu cordobês (1135-1204) Introdução Qualquer animal desfruta da possibilidade de se dar conta do local em que está e da situação em que existe ali, naquela parte da natureza no exato limite de suas possibilidades sensoriais e motoras. Mas só o Homem tem capacidade de conhecer a si mesmo e o mundo à sua volta cada vez mais ampla, profunda e corretamente tem sido um dos elementos mais importantes para o desenvolvimento da humanidade e de cada ser humano. Saber como se conhece e divulgar este saber tem sido um dos desafios mais fascinantes dos que estimulam a atividade das pessoas que se interessam por desvendar os mistérios do mundo desde as épocas mais remotas. Este trabalho compõe parte desse esforço. O que é Conhecimento Como sucede a muitas palavras substantivas portuguesas terminadas em ão e em mento, a expressão conhecimento guarda uma curiosa ambigüidade que é própria dessa categoria vocabular: signifca ao mesmo tempo, uma ação ou processo e seu resultado. 1

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Epistemologia da Medicina, Gnosilogia Médica

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Page 1: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

Fundamentos Epistemológicos da Medicina

2. O CONHECIMENTO Luiz Salvador de Miranda Sá Jr.

A ciência é grande, mas a inteligência do homem cava cada vez mais fundo.

Maimônides, médico judeu cordobês (1135-1204)

Introdução

Qualquer animal desfruta da possibilidade de se dar conta do local em que está e da

situação em que existe ali, naquela parte da natureza no exato limite de suas

possibilidades sensoriais e motoras. Mas só o Homem tem capacidade de conhecer a

si mesmo e o mundo à sua volta cada vez mais ampla, profunda e corretamente tem

sido um dos elementos mais importantes para o desenvolvimento da humanidade e de

cada ser humano. Saber como se conhece e divulgar este saber tem sido um dos

desafios mais fascinantes dos que estimulam a atividade das pessoas que se

interessam por desvendar os mistérios do mundo desde as épocas mais remotas.

Este trabalho compõe parte desse esforço.

O que é Conhecimento

Como sucede a muitas palavras substantivas portuguesas terminadas em ão e em

mento, a expressão conhecimento guarda uma curiosa ambigüidade que é própria dessa

categoria vocabular: signifca ao mesmo tempo, uma ação ou processo e seu resultado.

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A palavra conhecimento contém dois sentidos complementares mas distintos e ambos

devem ser sabidos por quem estuda a matéria.

Primeiro, o como conhecer, oconhecimento entendido comu procedimento de

conhecer, isto é, o modo como se dá a apropriação pelo sujeito das qualidades do

objeto, isto é, significa também o processo de conhecer; e

Segundo, o conhecimento-resultado, o saber o quê, que significa o resultado desse

processo cognitivo, o conhecimento que o sujeito cognoscente incorporou ao se

apropriar de informações referentes ao objeto conhecido.

O conhecimento-processo de conhecer, doravante denominado apenas conhecimento (é

uma expressão originada do verbo latim, cognoscere = conhecer) costuma ser definido

como a apropriação pelo sujeito (cognoscente) de propriedades e qualidades do objeto

(conhecido), o que sempre está associada a alguma convicção de que aquilo que se

conhece é uma expressão da verdade. Tal convicção de realidade é diferente no

conhecimento comum, de um lado, e no conhecimento científico e filosófico, do outro.

O conhecimento é uma forma superior e cracterísica de interação e adaptação humana

à realidade externa e interna. O conhecimento. Sob qualquer de suas formas. não é

concebido como um fenômeno elementar ou unitário e indivisível. Analisado e, sua

primeira forma, podem ser diferenciadas nele algumas modalidades importantes de

saber que, apesar de conservarem suas característica gerais, podem ser especificadas

por suas peculiaridades conceituais e factuais.

Do segundo ponto de vista – o conhecimento resultado do procedimento de conhecer –

é possível diferenciar alguns aspectos particulares do conhecimento; como os aspectos

psicológicos, os fisiológicos e os sócio-culturais. Aqui, neste texto, leva-se em conta,

principalmente, a dimensão epistemológica (ou gnosiológica) do conhecimento e sua

possibilidade de chegar à verdade (sua eficácia como instrumento cognitivo válido e

fidedigno).

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Os antepassados dos humanos começaram a existir no mundo como os demais seres

da natureza. Não viviam apenas na natureza, viviam exclusivamente da natureza e

para a natureza, mudando a forma de seu corpo e seu funcionamento para se

adaptarem às exigências naturais como sucede com todos os demais seres vivos. E tal

qual sucede com os demais seres que vivem na, da e para a natureza. Situação na

qual, há de se admitir, revelou notável desvantagem quando se compara suas

possibilidades animais com os demais seres desta série biológica. O processo

evolutivo que lhes assegurou existir com nova qualidade, foi o que os libertou desta

dita.

O processo denominado de hominização inclui a mudança estrutural e também uma nova

realidade ambiental – o ambiente social, a sociedade humana em suas muitas

manifestações (pares afetivos, famílias, comunidades, ambientes laborais, associativos

ou outros).

O conhecimento pode ser entendido como uma das formas mais importantes do ser

humano se relacionar com o mundo à sua volta, se adaptar a ele e de empregá-lo para

satisfazer suas necessidades. Por isto, parece muito importante saber como isto se dá.

Saber se existe mesmo o conhecimento, como ele se dá e quais são as possibilidades

reais de uma pessoa conhecer e como isto se dá.

As respostas a estas perguntas são fornecidas pela Filosofia através da Teoria do

Conhecimento e pela Psicologia, atrávés do estudo da capacidade cognitiva e da

Psicologia da Aprendizagem.

Quase todos concordam que as manifestações mais primitivas do conhecimento se

originaram de um atributo muito primitivo uma necessidade de conhecer - a

curiosidade. Conhecer é bem mais que uma necessidade objetiva, é importante

necessidade subjetiva. Os seres humanos necessitam conhecer, tanto quanto

necessitam pensar, sentir e agir. Pois, necessitam explicar e entender as tudo o que

desperta seu interesse pois isso lhe dá segurança. Enquanto não conseguem explicar

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factual ou logicamente alguma coisa ou acontecimento, inventam explicações

fantásticas empregando o pensamento mágico.

A elaboração mágico-superticiosa foi a maneira mais elementar que o ser humano

primitivo inventou para expressar sua necessidade de conhecer. O espírito curioso,

quando não sabe, inventa e sempre surge alguém que acredita no inventado. Por isso,

pode-se supor com bastante facilidade que a capacidade de conhecer e elaborar

inteligentemente os dados conhecidos, que pode ser denominada cognoscibilidade

inteligente, seja uma marca característica da humanidade e um marco de sua

hominização na luta permanente do homem e da humanidade sobreviverem e se

desenvolverem como indivíduos e como espécie.

Pois, praticmente todos os outros animais se mostram capazes de conhecer e

reconhecer construtos como atributos ou outras informações sobre o concreto nas

coisas materiais com as quais entram em contato no desenrrolar de sua existência. No

entanto, o conhecimento simbólico, referente a informações abstratas, parece ser

apanágio humano. Somente ele tem a capacidade de experimentar esta atividade

simbólica. A capacidade de abstrair e operar mentalmente com símbolos de símbolos é

uma qualidade tipicamente humana. E a de operar de tal maneira que possam

entender e empregar esta capacidade em seu próprio proveito e nas relações com os

demais. Esta capacidade, como sucede aos demais atributos animais ou de

humanidade estão distribuídos desigualmente nas pessoas. Umas, são mais bem

dotados e outras, menos.

Conhecimento, Gnosiologia e Epistemologia

A Gnosiologia ou Teoria do Conhecimento é o estudo sistemático que constitui o ramo

mais geral da teoria do conhecimento ou seja, é a disciplina filosófica que abrange o

estudo de todas as modalidades do conhecimento. Isto é, os elementos de significação

do conhecimento são chamados gerais quando não se referem só ao conhecimento

científico ou ao filosófico mas abrande o conhecimento comum. Isto porque o

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conhecimento vulgar educado deve estar dirigido por pressupostos lógicos e

inteligentes, além de organização eficiente que o delimitem e possibilitem saber quando

pode ser tido como verdadeiro e identificar o porquê de sua veracidade e probabilidade

de ser verdadeiro.

A designação de cienciologia para designar a ciência filosófica que estuda o conhecimento científico se deveu à sua apropriação por uma tendência supersticiosa, além de explícita e radicalmente anticientífica.

A Gnosiologia estuda o conhecimento desde a capacidade humana de conhecer o

mundo e a si mesmo; além de estudar os mecanismos lógicos que lhe permitem

elaborar e acumular seu acervo cognitivo. Neste sentido particular, faz-se inseparável

da psicologia da aprendizagem, da história das idéias e da sociologia do conhecimento.

Estas e muitas outras disciplinas que contribuem para a elaboração do conhecimento

humano. Conhecimento que pode assumir formas bastante numerosas. Aqui cuida-se

particularmente do conhecimento médico, dos fenômenos que interferem em sua

elaboração e aquisição e das possíveis aplicações da teoria do conhecimento nele.

Esta distinção entre Gnosiologia (teoria do conhecimento) e Epistemologia (teoria do conhecimento científico) coloca em foco algumas situações interessantes para quem pretende se debruçar sobe a estrutura do conhecimento médico. Trata-se do fato das ciências médicas terem menor alcance que as necessidades da prática dos médicos, isto é, a ciência explica menos que a necessidade dos doentes. O que há se ser objeto de estudo noutra ocasião.

É disto que se pretende tratar neste texto, ainda que de modo inteiramente sem pretenßão. Sua maior pretensão se limita a servir de apoio aos estudantes que se iniciam nestes estudos, especialmente os aprendizes de médicos, que tradicionalmente fogem destas matérias, devido a seu caráter abstrato e por considerá-las demasiado distantes de seu campo de interesse. E esta tendência deve ser afrontada a todo custo. Pois constitui importante fator de alienação dos médicos.

O conhecimento médico deve ser entendido sempre uma modalidade de conhecimento

científico sobre os enfermos, as enfermidades e os recursos para intervir em benefício

dos seres humanos; especialmente no que interessa à profilaxia e ao diagnóstico das

enfermidades e ao tratamento e à reabilitação dos enfermos.

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Desde sua origem, o conhecimento médico vem sendo elaborado como manifestação

importante da atividade cognitiva humana acerca das doenças e dos doentes, sendo

pouco provável que qualquer cultura tenha negligenciado dele. E, talvez por isso, tenha

sido um dos precursores da atividade científica e um de seus motivadores mais

influentes. Contudo, dentre todas as outras formas de conhecimento científico, o

conhecimento médico é (e deve ser) o mais exigido em termos de rigor ético e cientíco,

tanto em sua investigação quanto em sua aplicação prática. Principalmente por conta

da vulnerabilidade do paiente, por conta de sua condição de enfermo e de sua

dependência do médico.

É bastante possível afirmar que, ao menos até o século XX, que o conhecimento científico se vem mantendo como vanguarda do que há de mais avançado dos processos culturais (ao mesmo tempo individual e social) pelos quais os seres humanos conhecem a natureza, a sociedade e a humanidade do mundo em que habitam. Assim, conhecendo-as, poderem transformá-las de modo a melhor atender às suas necessidades. Pois, diferentemente dos outros seres vivos que só podem se adaptar modificando sua estrutura e seu funcionamento para adaptar seus organismos às mudanças nas exigências do meio, os humanos também têm a possibilidade de mudar o meio (natural e social) para ajustá-lo às suas necessidades. Mesmo àquelas necessidades mais recentes, as psicossociais, reconhecidas como necessidades resultantes da evolução das necessidades naturais, as mais primitivas.

O conhecimento médico iniciou e prossegue sendo um ramo importante do

conhecimento humano e só isto bastaria para justificar o estudo atento de seu

conteúdo e de sua estrutura. Ao menos pelos médicos. A possibilidade humana para

conhecer costuma ser denominada capacidade cognitiva ou cognição e seu produto, o

conhecimento.

Por cognição designa-se a reunião de todos os processos integrantes da ação subjetiva

que permitem conhecer e se diferencia do intelecto ou inteligência, que é uma de suas

dimensões, porque existem formas automáticas de conhecer que se mostram bastante

independentes das operações intelectuais que possibiluatm o raciocínio.

O processamento intelectual é uma das fontes do conhecimento (outra, são as informações sensoriais e dos demais atributos psicológicos como a memória) e o conhecimento constitui a base fundamental de toda atividade racional dos seres

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humanos, atividade que os diferencia de todos demais seres da série animal. Neste sentido particular, a atividade inteligente e o pensamento inteligente devem se consideradas como categorias essenciais ao entendimento da existência humana e seu desempenho cognitivo, notadamente pela capacidade de resolver problemas e de inferir novos conhecimentos a partir dos já conhecidos. O conceito de cognição foi invocado pelos neocondutistas para substituir os de inteligência e intelecto, que lhes parecia muito amplo e inexato. Porém, hoje, passou a padecer dos mesmos defeitos. Muitos deles usam conceito de cognição como sinônimo de intelecto.

Ainda que a cognição envolva praticamente todas as qualidades psíquicas, notadamente a senso-percepção, a atenção, a memória, o pensamento inteligente e a memória. Mas também há que empregue o conceito de cognição para mencionar os fenômenos psíquicos da esfera impressivo-gnósica ou como sinônimo de aprendizagem ou referente ao conhecimento, como se emprega aqui.

A configuração formal do conhecimento médico não difere em nada do conhecimento

em geral. A não ser ao que se refere às peculiridades de seu objeto e aos métodos e

técnicas especificamente adequados a ele. Por isto, no que é essencial, o

conhecimento médico não deve ser diferenciados das outras modalidade do conhecer,

especialmente das modalidades de conhecer cientificamente, pois o conhecimento

médico deve ser científico. Por isto, o conhecimento médico pode ser definido como a

modalidade do conhecimento preferencialmente científico que se refere ao que se sabe

e ao que se procura saber sobre as enfermidades e os enfermos e sobre as relações

que existem entre eles; tudo dirigido para o objetivo de ajudar as pessoas afetadas ou

ameaçada por enfermidades. Com o tempo e a evolução da Gnosiologia como teoria

geral do conhecimento, enquando se identifica em seu interior um ramo mais exigente,

a Teoria do Conhecimento Científico ou Epistemologia. O que se detalhará mais

adiante neste texto. No entanto, deve-se ressaltar que os termos Gnosiologia (teoria

geral do conhecimento) e Epistemologia (teoria do conhecimento científico) se refere

ao conhecimento processos cognitivos, mecanismos lógicos e psicológicos para

conhecer e não, ao conhecimento resultado, ao acervo de conhecimentos obtidos com

esses processos. Cada tipo particular de conhecimento constitui objeto de uma ciência

partucular.

Há quem denomine a Epistemologia de cienciologia ou cientologia, fato inconveniente

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porque este conceito, como já se mencionou, é usado por uma atividade mágico-supersticiosa para designar uma religião. Religião que exerce certa influência na cultura norte-americana e que, por sinal, sustenta virulenta campanha anticientífica, anti-médica e anti-psiquiátrica, que também recebe a aprovação de diversas tendências políticas anarquistas e detergentes.

Senso Comum sobre o Conhecimento

Na linguagem vulgar conhecer é sinônimo de saber algo sobre alguma coisa; aí o

conhecimento guarda relação com os processos de saber, ter ciência de algo com

diferentes graus de extensão, minudência e de convicção; informar-se e conceber,

além do conhecer com ter algum contacto, saber de que ou de quem se trata. Na maior

parte dos dicionários, define-se conhecimento como o ato ou o efeito de conhecer.

Seus sentidos figurados incluem: aprendizagem, entendimento, compreensão,

inteligência, razão natural. Utilizada no plural, conhecimentos, a palavra quase sempre

se refere a ciência, saber sabedoria, prática da vida, experiência, cultura, erudição,

sapiência. A palavra conhecimento chegou ao idioma português e às demais línguas

românicas através do latim. Especificamente, através do verbo latino cognoscere, que

significa conhecer.

Etimologicamente, a palavra conhecimento foi formada pela junção de duas palavras. Como prefixo, a preposição latina co, cum (que em português assumiu o, o significado de com, junto a, perto de, ao lado de – em colega, co-presidente, companheiro); e, como raíz de palavra, pelo substantivo gnoscere, vindo da palava grega genesis, que quer dizer gênese, origem, proveniência, nascimento.

Caso se empregue rigor etimológico, conhecer quer dizer co-nascer, nascer com, nascer

junto. Neste sentido particular, nascer junto se refere à experiência de se descobrir

numa unidade originária com o que está sendo mencionado na palavra-raiz, o que os

gregos chamaram de alétheia, isto é, o modo de ser da verdade objetiva. 1 Nascer com

querendo dizer e experiência subjetiva que reflete as características de um objeto

objetivou subjetivo do sujeito. Portanto, caso se empregue o termo com o necessário

rigor etimologico, contata-se que o verbo conhecer significa nascer-junto ou

1 http://www.enciclopedia.com.br/med2000/pedia98a/filo79ps.htm

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compartilhar a mesma origem, sentido que se conserva muito evidente na forma

francesa desta palavra, que é con-naître (co-nascer, compartilhar o nascimento).

A palavra também pode ter uma conotação comercial. Conhecimento aqui também tem o sentido particular e comercial de registro formal de uma mercadoria transportada, o documento que descreve a mercadoria; mas não é o caso aqui. Como não se dá o caso de outra conotação qualquer que a palavra conhecimento possa ter.

Recursos para Conhecer:

No processo de conhecimento intervêm as sensações diretas, o pensamento

inteligente e mais os recursos indiretos de conhecer (aparelhos ópticos, de gravação

sonora, recursos de mensuração e outros) e os processos mentais que ampliam as

possibilidades cognitivas (senso-percepção, atenção, memória, pensamento

inteligente, imaginação, capacidade verbal). Ainda que não seja desprezível a

influência de fatores afetivos e volitivos.

O conhecimento pode advir das sensações, da experiência mais ou menos elaborada

ou do raciocínio. Cada uma dessas três fontes de conhecimento ocasionou o

surgimento de uma tendência doutrinária que a pretende exclusiva em seu mister: o

sensualismo, o pragmatismo e o racionalismo. Aqui se sustenta que cada uma destas

doutrinas contém uma vertente da verdade, inclusive da verdade científica

Definição Científica de Conhecimento

Como acontece com muitos objetos do conhecimento científico, o próprio

conhecimento deve ser adequadamente difinido para facilitar seu estudo, pois é a partir

da definição de seus termos que se pode raciocinar adequadamete sobre alguma

coisa, assim como sem uma definição adequada de de de seus objetos ou fenômenos

mais essenciais não pode haver progresso em qualquer atividade científica.

Uma definição aceitável de conhecimento pode ser a que se segue. O conhecimento

pode ser consiste na apropriação pelo sujeito (cognoscente) de qualidades do objeto

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(conhecido), que sempre está associada a alguma convicção de que aquilo se trata da

verdade. Esta apropriação se faz sempre pela elaboração de um construção mental

(um construto) que leva em conta não apenas os dados recebidos neste processo, mas

sua interação com todo o conteúdo restante da consciência, com a experiência

passada e a expectativa de futuro. A atividade cognitiva médica aspira a ser uma

modalidade cada vez mais científica, ainda que receba muita influência do

conhecimento vulgar e do conhecimento filosófico. Todo conhecimento traz implícita,

por definição, uma certa convicção em ele corresponde à verdade. Mesmo que seja

objetivamente falso.

Aqui há uma contradição ontológica a ser considerada: uma mesma proposção pode

ser tida como conhecimento ou uma pessoa e ter negado seu caráter de conheciemnto

por outra. Devendo-se ressaltar que, a rigor, um conhecimento falso não é

conhecimento, é uma crença, uma ilusão, uma fantasia, um dogma. O que implica no

entendimento do termo verdade com duas dimensões – uma, subjetiva (a impressão

subjetiva de verdade) e outra, objetiva ( asim chamada verdade objetiva). No entanto,

como a informação falsa pode ser tida como verdadeira (o que acontece muito), isto

justifica a noção de conhecimento falso. Embora, pareça estar havendo aqui, uma

confusão entre juízo e conhecimento. Tudo isto aconselha evitar a expressão

conhecimento falso, sendo melhor, informação falsa, convicção falsa. Para que uma

informação possa ser tida como conhecimento, é necessário que seu agente a tenha

por verdadeiro, precisa ter uma convicção mínima de que se trata de uma verdade. Se

não o for, e isto ficar comprovado no futuro, daí em diante, deixa de ser tida como

conhecimento.

O mínimo que se pode esperar dos intelectuais e cientistas profissionais, que vivem do que conhecem e do que aprenderam a fazer, é ter boa noção da estrutura do conhecimento, por isto, se deve esperar que este assunto interesse a todos quantos se preparam para a atividade científica. Principalmente os médicos, que jamais devem se conformar em serem técnicos ou tecnólogos, isto é, meros aplicadores de tecnologia. O que implica conhecer o conhecimento que produz e aplica.

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Todo conhecimento se inicia na possibilidade de reconhecer o objeto conhecido, e se

amplia e se enriquece na medida em que se pode saber e explicar mais e mais sobre

aquela coisa, além de poder prever os fenômenos que se darão com ela. O seu

conteúdo de verdade é o que há de mais essencial em todo conhecimento.

Para alguns psicólogos, o conceito de conhecimento se confunde com a noção de

aprendizagem, ainda que sejam bem fenôenos bem diferentes, ainda que

convergentes. Uma corrente psicológica que está estudando muito atentamente o

conhecimento é a chamada Psicología Cognitiva, assim chamada pelo destaque que

dá a este aspecto da atividade mental. Do ponto de vista cognitivista, o conhecimento

representa:

a) a conservação e a recuperação de alguma experiência do sujeito;

b) a renovação do processo fisiológico estimulo – resposta, como base da atvidade

neuro-píquica;

c) além de permitir entender o organismo como realidade ativa e atuante.

Aí se destaca a importância de reconhecer a excitação e a inibição, os dois processos neurais mais elementares como igualmente ativos. E o reflexo como padrão de atividade nervosa. Nesta perspectiva, reconhece-se que as principais formas assumidas pela atividade cognitiva são a percepção, a atenção, a imaginação, a memória, o pensamento inteligente e a linguagem. Piaget e Chomski são influências importantes na investigação. Mas, não se deve ignorar a contribuição de Walon, Leontiev e Luria, dentre outros. A propósito, convém lembra que Piaget foi o primeiro a definir o conhecimento como uma modalidade particular de relação entre o sujeito e o objeto, intervindo neste processo diversas influências puramente biológicas e adaptativas às imposições do meio, além de elementos do tipo lógico-formal, que são elaborados nas funções psíquicas cognitivas.

Outros autores, como Freud, destacaram a influência dos fatores afetivos. Entre os pedagogos, desde Bloom, tem-se o conhecimento como o primeiro e mais importante dos objetivos educacionais a serem perseguidos em toda atividade docente.

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Classificação do Conhecimento

Do ponto de vista de sua exatidão, confiabilidade e validade, além da qualidade de seu

objeto e dos métodos que usa, reconhece-se desde há muito três modalidades mais

importantes de conhecimento:

- o conhecimento comum (senso comum),

- o conhecimento científico e

- o conhecimento filosófico.

Há quem pretenda uma quarta categoria de manifestações do conhecimento, o que

denominam conhecimento religioso. No entanto, seundo os critérios aqui empegados

para caracterizar os fenômenos de crença e conhecimento, o que alguns chamam de

“conhecimento“ religioso é, na verdade, outra modalidade de crença, mais

precisamente uma fé à qual se atribui qualidade cognitiva para ampliar sua

respeitabilidade.

O conhecimento científico e o conhecimento filosófico se originaram do conhecimento

comum através dos mitos, de outros recursos imaginários e da superstição. Enquanto o

conhecimento científico se estruturou através do desenvolvimento da razão,

especialmente da lógica, enquanto a ciência, além de empregar a lógica

subsidiariamente se baseou sobretudo na investigação empírica. Invistigação que se

iniciou pela observação sistemática e continuou por meio da investigação

metodicamente conduzida.

Existem vários e diferentes significados que são atribuídos à palavra crença. Pode significar convicção sem verificação, qualquer que seja sua origem ou mecanismo de sua aquisição. Pois, neste caso, crenças seriam todos os conteúdos psíquicos aos quais o agente atribui veracidade. Aqui, usa-se crença como modalidade de convicção caracterizada pela confiança na verdade que uma informação não verificada possa conter. E, como se viu, aqui, se usa conhecimento quando o teor de verdade de uma proposição pode ser verificado, seja logicamente na demonstração ou factualmente na comprovação. Isto é que se pode denominar conhecimento. Quando não, trata-se de fé ou crença com sentido restrito.

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Classicamente, diferenciava-se o conhecimento sensível (obtido a objetivamente partir

das sensações também denominado conhecimento objetivo) do conhecimento lógico

ou conhecimento subjetivo (obtido a partir do raciocínio lógico, do processo subjetivo

de processar mentalmente as idéias). Igualmente, diferenciava-se o conhecimento

teórico do conhecimento prático, como se fossem qualidades diferentes do saber.

Ambas as diferenciações são erradas, estes dois pares de conceitos se referem a

aspectos diferentes de uma mesma coisa: o conhecimento por meio de canais

cognitivos diferentes.

Não se pode omitir a relação entre o conhecimento e a consciência; nem do carácter

comportamental dos conteúdos e processos cognitivos, porque são fenômenos de

reação imediata ou mediata a um estímulo ou a um conjunto deles; nem, muito menos,

sua utilidade imediata e mediata.

Em sua origem bastante remota, as palavras conhecimento, filosofia e ciência se

referiam a uma só atividade, tendo todos idêntica significação. No início, havia uma só

maneira de conhecer e este conhecimento podia ser denominado de diversas

maneiras. Depois, com o tempo e aperfeiçoamento dos procedimentos para conhecer,

os sentidos de conhecimento, filosofia e ciência foram se individualizando e cada uma

destas atividades assumiu o sentido que correspondia a seu papel como procedimento

cognitivo e como instrumento de desenvolvimento individual e coletivo.

A tal ponto se misturaram as raízes destes três processos e seus conceitos

respectivos, que hoje é impossível saber razoavelmente sobre qualquer um destes

fenômenos interligados sem conhecer os outros dois ou sem fazer referência a eles.

Por isto, a seguir, há de se fazer uma breve revisão de cada um destes termos,

procurando identificar suas possíveis relações recíprocas, sobretudo no que diz

respeito a suas implicações na teoria da Medicina.

Adiante, se há de mostrar como o conhecimento, a filosofia e a ciência, apesar de sua origem comum, se diferenciaram; e como cada um destes tipos de conhecimento tem hoje um significado específico perfeitamente distintos

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dos demais. Não obstante, também se há de verificar como seus sentidos são atualmente complementares e interdependentes apesar de distintos.

Conhecimento Comum (ou vulgar)

O conhecimento comum (ou senso vulgar, ou senso comum) é sempre mais ou menos

espontâneo, impreciso, assistemático e casual porque não resulta de programação

científica; trata-se de um procedimento mental superficial e associativo, auto-

contraditório e acrítico, fragmentário e ametódico, tanto do ponto de vista de sua

aquisição, quanto de sua ordenação. Mas, sobretudo, não dispõe de instrumentos

confiáveis de auto-avaliar-se, de auto-criticar-se nem de retificar-se. O senso-comum é

dirigido pelas características formais e pela aparência e impressão superficial das

coisas e se refere a objetos específicos; mescla elementos de opinião e crença,

misturando dados cognitivos e afetivos; mas se caracteriza, acima de tudo, por não ter

compromisso com o rigor, a exatidão, a comprobabilidade ou a veracidade. O

conhecimento comum é predominantemente subjetivo e mesmo quando se refere a

fatos objetivos, sofre decisiva influência da subjetividade de seu agente. O

conhecimento comum é acrítico, não inclui a dúvida, nem qualquer outro critério de

verdade; é heterogêneo e contraditório consigo mesmo, não persegue a coerência de

sua informações entre si ou com o restante do conhecimento e não se dirige pela

confrontação com a realidade e valoriza mais os elementos qualitativos que os

quantitativos.

Tudo isto acontece, mesmo no senso comum culto. Porque existe senso comum em todas as pessoas, independente de suas aptidões intelectuais e de seu repertório de conhecimentos, fenômenos individuais em que está apoiado.

Cada pessoa elabora e manifesta seu senso comum de acordo com suas próprias possibilidades, seus interesses e suas necessidades. O senso comum de alguém depende do seu patrimônio de informações e da sua capacidade intelectual, mas também depende de suas necesidades subjativas (amor, respeito, prestígio, poder) e objetivas (dinheiro, bens de consumo, propriedades, posição e trânsito social).

Todas as pessoas, intelectuais, os artistas e os cientistas são sempre mais ou

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menos influenciados pelo conhecimento vigente, pelo senso comum de sua época, de sua cultura, e sua sub-cultura, de sua ideologia e dos interesses de sua classe social.

Existe notável correspondência entre os aspectos subjetivos (conceitos e juízos) do

conhecimento comum e seus aspectos objetivos (palavras, linguagem).

O registro mental do resultado da experiência assistemática, ainda que intensa e

intensiva, que é típica do conhecimento vulgar, resulta em conclusões muito

enganadoras; e isto tem se revelado muito na Medicina, tanto na construção do

conhecimento sobre as patologias quanto na indicação e avaliação dos recursos

terapêuticos. O conhecimento comum difere principalmente do conhecimento científico

que, de certa maneira, é seu oposto. No conhecimento comum, a verossimilhança

(maior ou menor convicção de verdade, potencial de veracidade) se reduz a uma

impressão inteiramente subjetiva; a pessoa que experimenta o conhecimento tem uma

certa convicção de sua verossimilitude, que pode ser maior ou menor, mas não pode

demonstrá-la ou comprová-la.

A noção de conhecimento vulgar, conhecimento comum ou conhecimento popular não tem qualquer conotação pejorativa, nem encerra qualquer implicação elitista, discriminadora ou anti-popular. Ainda que, eventualmente, possa ser empregada com esta intenção. Mas aqui se emprega apenas para significar conhecimento mais ou meno espontâneo, assistemático e acrítico. Uma manifestação inicial da capacidade cognitiva humana.

O conceito de conhecimento vulgar, senso comum ou conhecimento comum significa exclusivamente conhecimento que não é científico nem filosófico (por sua estrutura ou pela metodologia da qual se originou. Sua confiabilidade e validade mais baixas decorrem dos procedimentos empregados nele e não em sua procedência.

O conhecimento comum é assistemático, subjetivo, acrítico, heterogêneo, impreciso e

auto-contraditório; dirige-se pela aparência e pela forma das coisas que pretende

conhecer; está isento de rigor, de exatidão e de precisão; não dispõe de mecanismos

de comprovação ou controle de sua aquisição; por isto, seu critério de verdade se

resume a uma impressão subjetiva de verossimilitude.

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Mesmo na universidade, existe um conhecimento comum inculto que soma a todos estes defeitos uma incapacidade para uso do idioma (tanto sintática, quanto fonética e, principalmente, semântica), o que ainda complica muito mais a situação da cognoscibilidade científica e de construção do conhecimento.

O senso comum pode ser equivocadamente confundido coma sabedoria popular por aqueles que têm no povo, mesmo ignorante e carente, a única fonte de verdade e de conhecimento confiável. Assim como a esperteza, inteligência prática, é confundida com a inteligência abstrata. Mas esta deformação política pode ser empregada para esconder ou para enfeitar a estupidez.

A convicção na veracidade que existe no conhecimento comum pode ser

extremamente arraigada; como acontece na fé e na confiança nos dogmas religiosos

ou políticos, por exemplo, que podem mobilizar extrema convicção em quem as cultiva,

mas que não lhes permite comunicar esta confiança inteligentemente a outrem. Mas é

preciso ter presente que, em princípio, o conhecimento comum se manifesta como

crenças e dogmas, quando o caráter afetivo-ideológico predominante. O caráter

assistemático implícito na aquisição do conhecimento vulgar e em sua estrutura lógica,

o fato de se constituir, muitas vezes, unicamente de memorização mecânica e a

natureza subjetiva da impressão ou noção de veracidade produzida por este tipo de

conhecimento, por maior que seja, são características essenciais suas.

O conhecimento comum pode ser verdadeiro, mas não é provado ou verificado,

comprovável ou verificável; pois, quando isto acontece, ele se converte em

conhecimento científico. O conhecimento comum inclui o mito, a magia (inclusive o

pensamento religioso como todas as outras superstições), as ideologias (falsa

consciência induzida por interesses objetivos ou secundários) e as fantasias neuróticas

(induzidas por interesses subjetivos ou primários). Embora parte do conhecimento

comum, em seu interior deve-se caracterizar as crenças e os mitos. Porque, embora

todo senso comum seja muito vulnerável às ideologias e à repercussões na

consciência das necessidades subjetivas, os mitos e nas crenças mágico-

supersticiosas constituem os fenômenos são mais evidentes e, por isto, determinam

1

Page 17: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

convicções as mais arraigadas.

Deve-se diferenciar o conhecimento vulgar culto das impressões e expressões cognitivas das pessoas incultas, sejam ricas ou pobres, analfabetas ou portadoras de diplomas de cursos superiores. Até bons professores universitários, peritos em certas áreas do conhecimento científico, podem revelar notável incultura quando tratam de temas que não são os seus, mesmo em áreas limítrofes.

Outro aspecto do senso comum é a influência de fatores que combinam traços

ideológicos e psicopatológicos, como as crenças mágico-supersticiosas mais ou menos

dogmáticas. mas sempre alienadoras. Crenças fundamentadas no pensamento mágico

e a serviços de de conteúdos neuróticos fóbicos, anancásticos, fanáticos. Tais

motivações impulsionam mais do que se costuma pensar as crenças superstiosas, que

muitos denominam conhecimento religioso e o têm por equiparado ao conhecimento

científico e ao filosófico. Destaca-se a influência ideológica materializada nas

manifestações de falsa consciência, relacionadas com a satisfação de necessidades

materiais de quem as idealiza e as cultiva. As crenças ideológicas dos patrões são

diferentes das dos empregados, como as dos fazendeiros e dos sem-terra, dos

credores e dos devedores).

Conhecimento Filosófico

Para muitos, o conhecimento filosófico deve ser considerado uma terceira forma radical

e rigorosa de conhecimento, distinto do conhecimento vulgar e do científico; um

conhecimento valorativo de objetos não sujeitos à observação ou à experimentação,

que abrange a totalidade universal e, até, as causas e conseqüências últimas. Para

outros, os que consideram a Filosofia como uma atividade cognitiva científica, uma

ciência formal, o conhecimento filosófico é inseparável do conhecimento científico, é

uma de suas modalidades, apenas sua forma mais abrangente. O conhecimento

filosófico, definido como ciência das generalidades, se caracteriza pela extensão

ilimitada de seu objeto. Generaliza sobre tudo o que existe. O conhecimento filosófico é

o mais extenso e válido possível e sempre deve ser empregado em benefício da

1

Page 18: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

humanidade.

A Filosofia é o ramo do conhecimento que se ocupa da essência e do valor de todas as

coisas que existem no mundo, todas as coisa do mundo todo. Enquanto cada ciência

tem por objeto uma parcela limitada do mundo e generaliza para aquela parcela,

porque as leis e os princípios que desvenda são válidos apenas para seu objeto, a

filosofia generaliza e descobre leis e princípios válidos para tudo o que existe. O

conhecimento filosófico é essencialmente racional, lógico e se refere a tudo o que

existe, e por sso deve ser aplicável a todas as coisas da natureza, da sociedade e do

Homem. Enquanto o conhecimento de cada ciência se refere particularmente aos

objetos e fenômenos contidos no âmbito de seu objeto de estudo. Para exemplificar, a

Física trata dos fenômenos e objetos físicos, a Química dos objetos e fenômenos de

seu campo.

Neste trabalho, embora se considere as diferenças verificadas no método de estudo e no resultado dos conhecimentos filosófico e científico, o conhecimento filosófico costuma se cada vez mais freqüentemente mencionado como um tipo particular de conhecimento científico (ciência das generalidades ou uma ciência formal, ao lado da lógica e das matemáticas), uma vez que comparando as duas estruturas cognitivas não se encontra qualquer diferença essencial e fundamental entre elas, além do grau de generalização alcançado por suas conclusões.

Cada ciência particular generaliza sobre seu objeto; a Filosofia generaliza sobre tudo o

que existe no universo. Do ponto de vista ontológico, as ciências se distinguem da

Filosofia apenas pela abrangência de suas conclusões e pelo alcance de suas

generalizações. Por isto, o conhecimento filosófico pode ser considerado como um tipo

de conhecimento científico. Bunge encara a Filosofia como uma ciência formal, como a

matemática e a lógica. Entretanto, parece ser bastante defensável considerar a

Filosofia como um terceiro tipo de conhecimento, simultaneamente distinto do

conhecimento vulgar e da ciência, como faz a maior parte dos estudiosos que tratam

do assunto.

Desde os tempos antigos, os primeiros filósofos tinham a Filosofia como um tipo

1

Page 19: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

especial de saber a serviço da humanidade. Uma das formas de estabelecer este saber

reside na possibilidade de estruturar regras de comportamento para o convívio social e

para a obtenção do conhecimento científico. O método científico, com o sentido de

caminho ou de melhor caminho, é o traço que melhor diferencia o conhecimento

científico das demais formas de conhecer. A Filosofia é um ramo superior do

conhecimento que estabelece as diretrizes e o controle sobre a estrutura de obtenção

do conhecimento e sobre seu emprego e interesse social, através da ontologia, da

metodologia, da lógica, da epistemologia e das disciplinas axiológicas (principalmente a

ética).

Conhecimento Científico

O conhecimento científico representa o momento mais evoluído do processo humano

de conhecer o mundo com mais certeza naquilo que está conhecendo. Esta

característica de informação mais fidedigna, válida e verossímil em cada momento da

evolução civilizatória é o principal traço do conhecimento científico frente às demais

formas de conhecer. Ainda que não seja completo, absoluto ou definitivo como querem

os adeptos do cientificismo. No presente, deve-se denominar conhecimento científico ao

conhecimento estruturado e verificado acerca de um objeto cognitivo definido, adquirido

sistematicamente voltado para avançar para além das características da sua aparência,

buscando os elementos essenciais dos objetos ou fenômenos para os quais se dirige;

nas ciências, o estabelecimento da causalidade deve fugir a toda explicação aparente e

superficial; mas também é assinalado pela capacidade cada vez mais critica e

autocrítica.

Cada ciência particular ou disciplina científica constitui uma teoria ou em um sistema de

teorias a cerca do seu objeto (porque cada ciência se carateriza exatamente pelo seu

objeto). O conhecimento científico está voltado para categorias particulares de objetos.

Mas teorias que contêm uma massa crítica de informações verificadas por métodos e

procedimentos reconhecidos como validos e confiáveis pela comunidade de cientistas

1

Page 20: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

e filósofos da ciência.

O conhecimento científico, na medida em que é a forma mais aperfeiçoada de

conhecer, se estrutura da forma para o conteúdo, da aparência para a essência, da

simplicidade para a complexidade e dos casos particulares para generalidades cada

vez mais amplas, ainda que o que se conhece sobre conteúdo, essência e

complexidade enriqueça o processo de saber e o que se sabe sobre a forma, a

aparência e as formas mais simples, num processo permanente de retroalimentação

cognitiva.

A palavra ciência se origina do latim scientia que, por sua vez, deriva do verbo scire que

quer dizer conhecer, saber.

A diferenciação que se fez do conhecimento científico e do conhecimento comum (e do

conhecimento filosófico ) é relativamente recente, como se mostra adiante. Mais

adiante no capítulo específico sobre a ciência, o tema é estudado com mais detalhes.

Cada momento da evolução civilizatória da humanidade produziu o melhor

conhecimento científico que era possível naquela época, tanto em termos de

confiabilidade (ou fidedignidade, que é a confiança que merece em relação às

possibilidades da época) e de validade (grau de correspondência daquele

conhecimento com a realidade).

O conhecimento científico é essencialmente explicativo, embora possa embora possa

ter que se ater a uma etapa descritiva enquanto não restar outra alternativa mais eficaz

e deve ser preferentemente quantitativo, ainda que não recuse a elaboração

qualitativa; todo conhecimento científico deve referir-se sempre a um objeto definido,

homogêneo e estudável objetivamente; seus achados devem ser obtidos sempre por

meios que admitem o controle da qualidade de seusresultados, em termos de

confiabilidade e validade (ver estes termos adiante).

Por tudo isto, o conhecimento científco resulta em um conjunto teórico harmônico de

2

Page 21: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

conceitos, categorias, leis e princípios que formam um sistema teórico e lógico sujeitos

à verificabilidade formal ou empírica da verdade semântica ou sintática que contenham

através da comprobabilidade ou verificação pela falsicabilidade e deve ser

racionalmente sistematizado, o que significa que o acervo de conhecimentos

científicos, em geral, e o elenco de informações, de cada ciência específica, devem

resultar em um sistema de enunciados coerentes entre si e correspondentes com a

realidade.

Senso Comum e Conhecimento Científico

Não há descontinuidade qualitativa entre os diferentes tipos de conhecimento, como o

conhecimento vulgar e o conhecimento científico, até porque o conhecimento científico

de uma geração costuma ser o senso comum das seguintes. A diferença conceitual,

mas não objetiva (pois não existe por si mesma mas resulta de uma valoração), é uma

convenção decorrente do avanço do conceito de ciência e das possibilidades dos

critérios e procedimentos práticos vigentes para o estabelecimento da verdade. A cada

passo da evolução do conceito de ciência, amplia-se sua diferença do conhecimento

comum. A credibilidade e a verossimilhança do conhecimento científico separam-no do

conhecimento vulgar. A maior credibilidade do conhecimento científico resulta de dois

mecanismos conhecidos como confiabilidade e validade.

A confiabilidade (ou fidedignidade) e a validade, dos meios de sua obtenção e dos

resultados obtidos, são traços diferenciais essenciais entre o conhecimento vulgar e o

conhecimento científico.

Tal como acontece com o conhecimento filosófico, existe uma certa oposição do conhecimento comum ao conhecimento científico que se traduz em uma ideologia que subestima as linguagens científica e filosófica (como jargão científico, por exemplo) e sua avaliação como conhecimento pedante.

No mesmo sentido, mas com direção inversa, dá-se a dificuldade que têm os médicos e outros profissionais de saúde para se comunicarem com seus pacientes porque empregam a terminologia científica que parece ininteligível para seus interlocutores ou, o que é bem pior, é interpretada com sentido

2

Page 22: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

bem diferente da intenção com que foi produzida.

Em princípio, o conhecimento científico deve merecer maior confiança que o

conhecimento comum porque pode (e deve) estabelecer o grau de verossimilitude de

seus enunciados e porque não há conhecimento mais verossímil. Em cada momento

da história da humanidade, a ciência que pode produzir (com suas possibilidades e

limitações), fornece o conhecimento mais confiável e mais preciso sobre o mundo.No

início da civilização, o conhecimento era de um só tipo.

A história da ciência mostra que o limite entre o conhecimento científico e o vulgar tem

sido diferente em cada período histórico e resulta muito fortemente da correlação

existente entre as possibilidades da metodologia científica e a necessidade social da

ciência e dos conhecimento e técnicas que ela produz. A primeira diferenciação foi o

conhecimento vulgar educado, com seus termos bem definidos.

O conhecimento científico se diferencia também pela objetividade de seus critérios de

verdade que, exatamente por isto, devem estar ao alcance de todos. A verossimilhança

ou verossimilitude (grau de probabilidade de veracidade) do conhecimento científico

pode ser estabelecida com alguma precisão e comunicada de forma convincente, sem

qualquer apelo afetivo.

Existem procedimentos estatísticos padronizados (como o qui2) empregados para determinar o grau de verossimilhança de um procedimento e estes procedimento se aperfeiçoam com o tempo e o avanço do conhecimento científico e metodológico (isto é, do conhecimento filosófico).

Conhecimento Direto e Indireto

O conhecimento pode ser direto e indireto.

A noção de conhecimento direto se confunde com a de conhecimento sensorial.

Enquanto o conhecimento indireto resulta de um cálculo, um raciocínio, de uma

inferência lógica. O conhecimento direto é aquele que é dado pela experiência senso-

perceptiva do sujeito que conhece.

2

Page 23: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

Conhecimento Autoconexo e Heteroconexo

Do ponto de vista bio-psico-individual, pode-se constatar a existência de duas

modalidades qualitativamente diferentes de conhecimento: a primeira, que Paul M.

Churchland 2 denomina de conhecimento autoconexo, que se refere ao conhecimento

como experiência consciente (pela qual se conhecem as cores, os odores; experências

que explicam por que uma percepção elementar, como a de uma cor ou um odor, pode

evocar inteiramente toda uma experiência anterior mais complexa, inclusive o contexto

afetivo em que ele se dera.

A segunda, que Churchland denominou conhecimento heteroconexo indica algo

situado fora do campo da experiência sensoperceptiva (a concepção da sensação do

passar do tempo ou de voar por ejemplo.

Conhecimento Imediato e Mediato

Conhecer é mais que atividade mental e operação intelectual, a capacidade de

conhecer existe como propriedade humana, caracterítica essencial sua que,

inicialmente, conhece apenas com seus sentidos e seu raciocínio. Depois, constrói

instrumentos que ampliam suas possibilidades perceptivas e racionais, de modo a

aumentar sua possibilidade de conhecer, conservar e utilizar o conhecimento

previamente adquirido. .

O conhecimento pode ser mediato e imediato (o conhecimento recém adquirido e a

bagagem das informações que a pessoa sabe). O conhecimento direto provém dos

sentidos, o indireto, do racicínio e de isntrumenos auxiliares da sensibilidade e do

pensamento.

O conhecimento se expressa por meios de informações que podem ser elaboradas por

quem as produz e comunicadas aos demais. Tal comunicação se denomina

comunicação científica e está submetida a regras estritas. Originalmente, o

2 No livro The engine of the reason, the seat of the soul, MIT Press, 1995)

2

Page 24: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

conhecimento só existia na consciência das pessoas que o tivesse memorizado. Só

com a invenção da escrita, que ele pode se tornar um fenômeno inteira ou

predominantemente social, intersubjetivo e, até, extra-subjetivo (porque passou a poder

existir latentemente nos registros escritos, mesmo depois que tivesse desaparecido há

muito a última pessoa que o tivesse conhecido. .

Os recursos técnicos auxiliares da cognição (gravadores, material fotográfico e de

filmar, microscópios, telescópios, instrumentaos radiológicos, tomógrafos, detectores

de radiação, computadores) podem propiciar, permitir, registrar, conservar, facilitar ou

ampliar as possibilidades do conhecimento. Eles próprios não conhecem coisa alguma,

nem podem conhecer. Como acontece com as ciência, elas nada conhecem ou

afirmam, isto fazem os que as conhecem e as praticam.

Há muito tempo se pode inferir que as pessoas conhecem muito mais do que sua consciência lhes mostra na sua mente; quer se trate do conhecimento ou do mundo à sua volta, quer se trate do conhecimento de si mesmo, de seu corpo e de sua mente, do auto-conhecimento.

O Sujeito e o Objeto do Conhecimento

Todo conhecimento existe como uma interação especial entre dois polos: o polo do

sujeito que conhece e o opolo do do objeto do conhecimento, aquilo que estiver sendo

conhecido conhecido naquele processo.

O sujeito, o ser cognoscente e o objeto do conhecimento estes são os dois

componentes do ato ou processo cognitivo. Esta relação é elaborada, intermediada e

modulada por fatores ambientais, fisiológicos e psicossociais. O conhecimento, repita-

se, manifesta-se como uma modalidade especial de relação entre o sujeito e o objeto.

A relação cognoscente.

Como já se verificou, ao longo deste capítulo, o verbo conhecer, em todas as suas

modulações, deve ser entendido como apropriação pelo sujeito cognoscente de

informações acerca de um objeto, o objeto conhecido, e a incorporação daquelas

2

Page 25: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

informações à sua bagagem cognitiva.

Neste processo, depois de tudo isto considerado, denomina-se

- sujeito cognoscente ou sujeito do conhecimento à pessoa que conhece;

- objeto conhecido ou objeto do conhecimento, àquilo que se conhece no

procedimento ou processo cognitivo; sendo que

- no autoconhecimento, dá-se a síntese do sujeito e do objeto do processo de

conhecer.

Devendo-se dizer que o mecanismo básico de conhecer o mundo objetivo é análogo ao

empregado no auto conhecimento, o conhecimento subjetivo. Esta apropriação se faz

sempre pela elaboração de uma construção mental (um construto) que leva em conta

os dados recebidos neste processo e sua interação com todo o conteúdo restante da

consciência, com a experiência passada e a expectativa de futuro.

No auto conhecimento, dá-se a síntese do sujeito e do objeto do processo de conhecer.

Devendo-se dizer que o mecanismo básico de conhecer o mundo objetivo é análogo ao

empregado no auto conhecimento, o conhecimento subjetivo, o conhecimento de si

mesmo. Exatamente pela mesma razão, não se denomina conhecimento (ou cognição)

às crenças que não forem elaboradas como cognições. Outro aspecto da diferenciação

essencial se faz a partir do critério de veracidade usado em cada um destes fenômenos

psicológicos, além das manifestações afetivas que acompanham a demonstração ou

comprovação de sua invericidade.

O conhecimento científico está permanentemente submetido aos recursos mais

exigentes possíveis de comprovação de sua veracidade. A convicção de veracidade no

conhecimento vulgar é buscada, mas de modo assistemático e metodologicamente

insuficiente. Nas crenças, não existe nenhum esforço de comprovação de veracidade

(de validade nem de fidedignidade ou confiabilidade). Por tudo isso, denomina-se

2

Page 26: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

cognição à capacidade de conhecer e conhecer-se; conhecer o mundo e conhecer a si

mesmo empregando recursos perceptivos e inteligentes. Enquanto se denomina dogma

ou crença ao fenômeno subjetivo que toma a forma de convicção e que está

fundamentado em uma base afetiva, estruturando-se a partir processos afetivo-

psicológicos ou ideológicos, há muito tempo, reconhecida como processo subjetivo

arracional e incomprovável.

A falta de apoio sensorial ou racional para uma dada convicção é a marca essencial

para reconhecer uma crença. Sua base afetiva pode ser negada (inclusive por ser

desconhecida) mas existe sempre.

O que não é conhecido é ignorado enquanto não se o conhece. Por isto, pode-se

afirmar que todo conhecimento se inicia na cognoscibilidade, ou seja na possibilidade

de se conhecer a coisa conhecida; procede em um primeiro contacto direto ou onfireto

com a coisa a conhecer; amplia-se e se enriquece na medida em que se pode saber

mais e explicar mais e mais sobre aquela coisa, além de poder prever os fenômenos

que se darão com ela e se completa na possibilidade de reconhecer a coisa conhecida

como objeto do conhecimento.

O seu conteúdo de verdade de um conhecimento, isto é, a convicção que mobilize no

sujeito cognoscente é o que há de mais essencial em todo conhecimento. O primeiro

elemento da possibilidade de conhecer, reside na integridade das estruturas funcionais

que o realizam.

Os instrumentos da apreensão direta da informação (a atividade senso-perceptiva) e da apreensão indireta (o pensamento inteligente) são o ponto de partida do conhecimento. A memória, incumbe-se de sua conservação e recuperação. O reconhecimento (gnosia) é o elemento psicológico responsável pelo reconhecimento da imagem mental com o que for a previamente conhecido.

Recorde-se que, pela própria definição de conhecimento, o sujeito que o realiza

sempre reconhece a informaçãon recuperada naquele processo como sendo

verdadeira. O que se dá pela ação do reconhecimento. Entretanto, há que se utilize da

2

Page 27: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

expressão conhecimento falso ou falso conhecimento. Devendo-se ressaltar que, a

rigor, um conhecimento falso não é conhecimento, é uma crença, uma ilusão, uma

fantasia, um dogma ou qualquer outra coisa. Menos um conhecimento. No entanto,

como a informação falsa pode ser tida como verdadeira (o que acontece muito), isto

justifica a noção de conhecimento falso. Embora, pareça que muitos estão fazendo,

neste ponto, uma certa confusão entre o que seria um juízo e o que deve ser um

conhecimento. Tudo isto aconselha evitar a expressão conhecimento falso, sendo

melhor mencionar ilusão mnêmica, informação falsa, convicção falsa, juízo falso,

impressão falsa de conhecer.

Para que uma informação ou uma elaboração mental qualquer possa ser tida como

sendo um conhecimento, é necessário que seu agente a tenha por verdadeira. No

plano psicológico, quando se trata do conhecimento acerca da subjetividade de quem o

experimenta, o agente do conhecimento precisa ter alguma convicção, ainda que

mínima, de que aquilo que ele pensa ou crê saber que se trata de uma verdade. Se

não o for, e isto ficar comprovado no futuro, daí em diante, deixa de ser tida como

conhecimento.

Muita informação costuma ser tida como conheciemnto, até que seja verificada como

falsa pelo seu agente que, então, deve descaracterizá-la como conhecimento. O que

não sucede quando se considera o conhecimento objetivo. Principalmente porque,

embora o conhecimento racional seja verificado por demonstração lógica, a convicção

presente no conhecimento objetivo se verifica por comprovação prática, a comprovação

da correspondência entre o conhecimento e os objetos ou fatos que se refere. Por tudo

isto, não se deve denominar conhecimento (ou cognição) às crenças incomprovadas

por que jamais foram verificadas ou, o que é bastante pior, aquelas que são

comprovadamente falsas. E a diferenciação essencial se faz a partir do critério de

veracidade usado em cada um destes fenômenos psicológicos e nos recursos de

verificação usados para aferi-las.

2

Page 28: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

O conhecimento científico deve estar permanentemente submetido aos recursos mais

exigentes possíveis de comprovação de sua veracidade, por isto a comprobabilidade é

uma de suas características essenciais. Enquanto a convicção de veracidade no

conhecimento vulgar é buscada, mas de modo assistemático e metodologicamente

insuficiente. Nas crenças acientíficas, não existe nenhum esforço de comprovação de

veracidade (de validade) nem de confiabilidade.

O mínimo que se pode esperar de intelectuais e cientistas, profissionais, agentes

sociais que vivem do que conhecem e do que aprenderam a fazer com técnicidade; e

que fazem-no com o propósito de construir informações e conhecimentos válidos e

confiáveis, é ter uma boa noção do que seja a estrutura do conhecimento. Por isto,

deve-se esperar que este assunto interesse a todos quantos se preparam para exercer

alguma atividade científica. Seja produzindo conhecimento científico, seja avaliando a

qualidade dessa produção.

Para os médicos, este compromisso com o conhecimento verificado é particularmente

importante. Porque o médico não tem o direito de submeter seus pacientes a suas

crenças, supersticiosas ou não, se houver a possibilidade de empegar conhecimento

verificado. Mesmo se não haja conhecimento devidamente verificado para atender a

uma necessidade clínica do paaciente, o médico deve expor porque não emprega algo

comprovado, suas ventagens e desvantagesm suas possibilidades e limitações. Se

esta proposição se mostrar suficientemente válida no que respeita a qualquer atividade

científica, encontrará ainda maior validade quando se tratar do conheciemento médico,

por causa de sua responsabilidade. Do conhecimento elaborado para ajudar as

pessoas a se libertarem do sofrimento, da enfermidade, da incapacidade e da morte

evitável.

Um dos aspectos que a ciência moderna considera essencial para a validade do

conhecimento consiste na separação que deve haver entre o sujeito e o objeto da

cogitação e da investigação científicas; - a objetividade científica e técnica, primeira

exigência metodológica da investigaão científica, da qual se tratará em outro momento

2

Page 29: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

deste trabalho.

Os positivistas e os materialistas convergem nesta opinião que se manifesta na

necessidade de estabelecer regras para assegurar a objetividade científica de quem

investiga e de quem aplica o conhecimento científico.

Objetividade não deve ser confundida com objetivismo. O objetivismo é um

reducionismo sistemático ao objetivo, sempre acompanhado da negação da

subjetividade ou sua subestimação.

Conhecimento: Processo e Resultado

Aquilo que se denomina conhecimento, procedimento de conhecer ou o resultado deste

processo cognitivo) não é um ato simples nem um processo unívoco ou um processo

unitário com uma única qualidade de resultado de sua atividade.

Como já ficou claro na definição de conhecimento usada acima, dela, pode-se inferir

sem dificuldade que conhecer algo é um procedimento lógico e sócio-psicológico. Mas

é ambém um processo mental de natureza predominantemente cognitiva pelo qual

alguém (que é chamado o sujeito do conhecimento, o ser cognoscente, aquele que

conhece) capta, introjeta e assimila em sua mente (através do chamado processo de

apropriação cognitiva), os atributos de uma coisa qualquer (que é chamada de objeto

do conhecimento). Realiza tudo isso de modo a poder reconhecê-la em outras

circunstâncias e utilizar sua noção na construção de juízos e raciocínios.

O reconhecimento é o selo do conhecimento, pois só há conhecimento quando a

informação é reconhecida.

O conhecimento é modalidade particular de relação entre o sujeito que conhece e um

objeto a conhecer ou já conhecido. O conhecimento é sempre uma ação subjetiva

humana, ao menos no sentido com que se emprega aqui, que se apropria de alguma

informação sobre algo ou sobre alguma ou pessoa. Conhecer é uma atividade mental,

os recursos técnicos que o auxiliam em sua atividade (microscópios, telescópios,

2

Page 30: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

tomógrafos, computadores) são recursos para conhecer, podem propiciar, permitir ou

facilitar o conhecimento. Não conhecem. Eles próprios não conhecem coisa alguma.

As pessoas conhecem muito mais do que sua consciência lhes mostra na sua mente,

quer se trate do conhecimento ou do mundo à sua volta, quer se trate de auto-

conhecimento.

O conhecimento existe como tipo particular de relação do ser humano com o mundo

que o circunda e consigo mesmo. Uma interação entre o sujeito cognoscente e o objeto

conhecido; uma ação subjetiva humana, ao menos no sentido com que se emprega

aqui, que se apropria de alguma informação sobre algo, inclusive sobre si. Essa forma

de relação dos seres humanos com o mundo pode ser chamada de cognitiva porque se

concretiza no conhecimento que produz. Uma relação especial através do

conhecimento. O objetivo mais importante de tal relação é se assegurar que que aquilo

que se conhece corresponde à verdade objetiva. Pode ser considerado como

verdadeiro. Com isso, o sujeito cognoscente pode usar o que conhece em seu

processo permanente de se adaptar ao mundo, de se defender dos riscos, de aumentar

seu conforto, sua segurança e se assegurar maior probabilidade de sobreviver com o

maior bem-estar que lhe for possível. Inicialmente, o ser humano necessita conhecer

para atender às suas necessidades imediatas e urgentes. Depois, as mais distantes.

Do ponto de vista semântico, o conceito de conhecimento envolve duas dimensões

inseparáveis: o conhecimento-processo de conhecer uma coisa e o conhecimento-

produto deste processo (o acervo de conhecimento, os fatos conhecidos). Muitas vezes

se confundem três fenômenos diversos que se expressam sobre a mesma

denominação: o conhecimento (cognição, atividade mental impressivo-gnósica); com a

ação do pensamento inteligente (intelecto, raciocínio, inteligência); e a capacidade

psicológica de conhecer o que deve ser evitado porque o segundo é mais amplo que o

primeiro e, ainda que eventualmente possa contê-lo, isto não acontece sempre.

O conhecimento procedimento cognitivo, é o processo psicológico-individual de se

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apropriar das qualidades de uma coisa (ciência-atividade cognitiva); mas, também

podem se denominar de conhecimento às informações resultantes desta atividade

cognitiva (o conhecimento-resultado, o saber acumulado, o patrimônio de informações

de uma pessoa ou de uma cultura). Como acontece a todas as condutas e qualidades

humanas que podem ser consideradas essenciais, a possibilidade de conhecer (e o

conhecimento dela resultante) surgiram e se desenvolveram para satisfazer às suas

necessidades. Culminaram com a necessidade de conhecer e necessidade de

aprender para melhorar suas possibilidades de adaptação e sobrevivência.

A necessidade de conhecer para prever, para planejar e para agir com eficiência,

eficácia e efetividade. A ciência, como modalidade especial de conhecimento, o

conhecimento científico, constitui o momento mais refinado do desenvolvimento

cognitivo que possibilita o conhecimento do mundo e de si mesmo. Tal conhecimento

não é o melhor por ser científico; é chamado científico porque é o melhor. A cada

momento da História, denomina-se como científica a maneira mas fidedigna e mais

válida para conhecer que então se conhece.

Ao mesmo tempo que se pode conceber o conhecimento como processo para

conhecer (o conhecimento centrado no sujeito), também se denomina conhecimento às

informações e capacidade aprendidas, que são o resultado deste processo; isto é, ao

conhecimento adquirido no processo de conhecer, ao cabedal ou o acervo dos fatos

conhecidos por alguém, daquilo que ele sabe inclusive daquilo que se sabe fazer

(conhecimento centrado no objeto). Porque, também se denomina conhecimento

(saber ou, ainda que um tanto pedantemente, saberes, como está muito na moda em

certos círculos de novos-ricos da ciência) ao acervo de informações que resulta do

processo de conhecer, o patrimônio de conhecimento de quem conhece.

Analogamente, pode-se empregar a expressão “conhecimento coletivo“ como o acervo

de conhecimento das pessoas que integram uma coletividade.

O conhecimento-resultado, ou seja, o patrimônio de informações, capacidades,

3

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habilidades e outras coisas sabidas por alguém, aquilo que pode ser denominado

conhecimento-resultado do processo de conhecer de um indivíduo; o conhecimento

acumulado na consciência de quem conhece, não pode ser concebido como um

agregado mais ou menos caótico de dados, um amontoado mais ou menos

desorganizado de informações e outros conteúdos cognitivos na mente da pessoa que

conhece, do sujeito cognoscente.

Quando se diz que alguém tem muito conhecimento sobre alguma coisa, está empregando este segundo sentido do termo para referir a quantidade de informações que se tem sobre alguma coisa, sempre uma pessoa concreta, um indivíduo específico o a um conhecimento compartilhado simultaneamente por diversas pessoas.

Neste sentido particular, quando é aplicado a uma entidade coletiva (a Medicina, a

ciência, a igreja, a cultura) trata-se sempre uma metáfora ou de outra figura de

linguagem usada para ilustrar a informação; quando se aplica ao conhecimento

compartilhado por uma coletividade qualquer (nós três temos este conhecimento), a

informação diz respeito ao conhecimento de cada um dos componentes deste coletivo.

Pode-se dizer, sem sacrifício da verdade, que o único juízo aplicável a uma

coletividade composta por um grande número de idivíduos é aquele que a designa.

A consciência social, como a consciência individual, contém variadas crenças,

conceitos, juízios, atitudes e ideologias. Mas este conteúdos não são conhecimentos,

com sentido estrito, ainda que um conhecimento possa ser compartilhado por todas as

pessoas em uma entidade coletiva. Quando uma informação deste tipo é assimilada

pela consciência social, assume uma dessas formas acima mencionadas.

Conhecimento, no sentido de saber, consiste na soma dos conhecimentos de uma

agente cognoscente.

“Em português, como em outras línguas românicas, as palavras que terminam em -mento e -ção, como conhecimento ou informação, sempre detêm uma ambigüidade que lhes é própria, porquanto mantêm dois significados simultâneos, posto que costumam significar tanto um processo, uma ação, uma atividade ou procedimento

3

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construtivo, como pode se referir ao resultado deste processo, atividade ou procedimento”, como diz TSUKÂNOV. 3

Em alemão, os conceitos Erkenntnis (conhecimento, tanto como processo psicológico, quanto como dado da teoria do conhecimento, epistemologia ou gnosiologia) e Wissen (saber, acervo mais ou menos estruturado de informações) têm significados diferentes. Em francês, a mesma diferenciação pode ser verificada entre os conceitos de connaissance e savoir. Em russo, poznáie significa o processo do conhecimento; e znáie quer dizer o conhecimento como resultado daquele processo. Na língua inglesa, na prática, knowledge guarda mais analogia com Wissen que com Erkenntnis, embora, às vezes, seja utilizado com este derradeiro sentido. De qualquer maneira, quando se estuda o conhecimento, deve-se diferenciar o patrimônio de conhecimento de alguém (que valoriza principalmente seus dotes senso-percepção e de memória), de sua maior ou menor capacidade para aprender, assimilar, conservar e desenvolver o aprendido.

O conhecimento, com esta sua dupla identidade, a de processo de conhecer e coisa

conhecida, é o fenômeno simultaneamente psicológico, lógico, sociológico e filosófico

(especificamente gnosiológico) pelo qual as pessoas manifestam a possibilidade de se

apropriar das qualidades de um objeto de sua percepção e cogitação e fazer isto com

alguma convicção a imagem mental que este fao gera corresponde à verdade. Ainda

que se denomine conhecimento tanto a capacidade de conhecer quanto o resultado

desta atividade cognitiva, isto é, o ato ou processo de elaborar e assimilar o

conhecimento. Isto é. o conhecimento processo e o conhecimento resultado deste

processamento mental. Tanto como fenômeno psicológico quanto sociológico ou

gnosiológico, a capacidade humana para conhecer se origina em três qualidades

humanas herdadas de espécies ancestrais, muito comuns e inteiramente

desprentenciosas: a curiosidade, a desconfiança e a aptidão para conhecer e

reconhecer o mundo e a si mesmo.

O patrimônio de informações de alguém, aquilo que pode ser denominado o

conhecimento-resultado do processo de conhecer, porque resultante do procedimento

cognitivo – o conhecimento-processo, não pode ser concebido como um agregado

caótico de dados, um amontoado mais ou menos desorganizado de informações.

3 Tsukânov, O., Comunicação Pessoal, 1993.

3

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O conhecimento, neste sentido de patrimônio ou acervo de informações de alguém,

constitui-se como um sistema subjetivo de carácter lógico-psicológico e é justamente

sua sistematicidade que lhe garante o máximo de eficiência e operabilidade (por isto, é

reconhecida como um penhor de sua cientificidade).

A noção de patrimônio cognitivo de uma pessoa pode dar a impressão falsa de ser uma atividade mecânica de acumulação mais ou menos passiva de informações na memória. Isto não corresponde à realidade, o processo de conhecer não deve ser entendido como a acumulação mais ou menos mecânica de informações mnêmicas e dados sensoriais ou, mesmo, como um reflexo automáticos da realidade (como a imagem de um espelho ou a gravação em um dispositivo qualquer de registro sonoro).

O conhecimento, entendido como ato ou processo de conhecer, deve ser tido como um

processo mental mais ou menos complexo e ativo que exige uma estrutura lógico-

racional dinâmica, capaz de elaborar inteligentemente os conteúdos fornecidos pela

sensorialidade e conservá-los sem sacrifício de sua integridade.

Nisto se radica o processamento sistêmico do pensamento inteligente embutido na

noção de organização racional e de processamento lógico de informações (o

conhecimento como sistema lógico e como elaboração inteligente).

A recepção, a elaboração, a assimilação, a conservação e a recuperação dos dados de

conhecimento parecem se dar em um só processo funcional integrado, sem que se

possa mostrar uma diferença significativa em cada uma dessas etapas ou níveis

funcionais. O conhecimento é inseparável da recepção, do registro, do processamento

inteligente e da utilização racional do que é conhecido.

Quando se estuda os processos e procedimentos empregados pelos humanos para

conhecer, verifica-se que quanto mais se conhecer sobre uma coisa qualquer, quanto

mais amplo e verdadeiro for o que se sabe sobre ela, mais numerosos, melhores e

mais confiáveis serão os juízos e raciocínios que se poderão construir com aquilo que

se conhece. Da mesma maneira, quanto mais estruturado e melhor organizado for o

procedimento de conhecer, mais eficiente será seu resultado prático. Como, aliás,

3

Page 35: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

acontece com o desempenho de todas as estruturas operacionais, qualquer que for sua

natureza e sua utilidade.

Estes elementos de significação do conhecimento são gerais, não se referem só ao

conhecimento científico e filosófico, porque até o conhecimento vulgar deve estar

dirigido por pressupostos lógicos e inteligentes, além de organização eficiente que o

delimitem e possibilitem saber quando pode ser tido como verdadeiro e identificar o

porquê de sua veracidade e probabilidade de ser verdadeiro.

O termo conhecimento como resultado do procedimento de conhecer pode se referir a

duas coisas distintas enre si, mas que devem ser bem diferenciadas:

- o ato, procedimento ou o processo de conhecer (aptidões, capacidades e

processamento gnosiológico seja lógico ou psicológico) e

- o seu resultado (o saber, o conhecimento resultante do emprego do processo

cognitivo).

Este caráter dual do conhecimento, ser um ato (o ato de conhecer) e o efeito deste ato,

é característica primordial sua. O conhecimento processo trata-se um processamento

lógico e sócio-psicológico complexo, de natureza predominantemente cognitiva.

Conhecer é o processo pelo qual alguém (o sujeito do conhecimento, aquele que

conhece) capta, introjeta e assimila em sua mente (através do chamado processo de

apropriação cognitiva), os atributos de uma coisa qualquer (que é chamada de objeto

do conhecimento), de modo a poder reconhecê-la em outras circunstâncias e utilizar

sua noção na construção de juízos, raciocínios e projetos de investigação.

A curiosidade que faz desejar saber e a desconfiança que aponta para a necessidade

de segurança e leva a reconhecer, avaliar, evitar ou livrar-se de situações de risco (que

implica em exercer certo domínio, controle das de si mesmo e das circunstâncias

determinantes do risco).

3

Page 36: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

A segunda das raízes do conhecimento é o resultado das necessidades humanas – é

preciso conhecer para satisfazê-las. Como acontece a todas as demais espécies vivas.

A esta se soma a detenção de aptidões psicológicas que permitem aos humanos

conhecer a si mesmo e ao mundo à sua volta, especialmente as funções superiores da

cognição, da afetividade e da psicomotricidade. Por tudo isto que se mostrou acima,

quando se estuda o conhecimento, qualquer tipo de conhecimento, inclusive o

conhecimento médico, deve-se diferenciar o patrimônio de conhecimento de alguém

(que valoriza principalmente seus dotes senso-percepção e de memória), de sua maior

ou menor capacidade para aprender, assimilar, conservar, desenvolver e empregar o

aprendido.

Como estrutura composta por informações, capacidades e habilidades objetivas e

subjetivas, o conhecimento resulta em síntese de elementos objetivos e subjetivos e

envolve componentes da objetividade e da subjetividade; por exemplo, existe íntima

relação entre o conhecimento e a senso-percepção, bem como entre o conhecimento,

o pensamento e a memória. Contudo, conhecer não se reduz completamente à mera

apreensão da realidade imediata, nem da memorização automática, porque nele

intervêm outros fenômenos cognitivos, afetivos e psicomotores que interagem com

aquela. Igualmente existe muita relação entre o processo de conhecer em um momento

dado e o que já se conhecia com anterioridade. O conhecimento novo amplia, atualiza

e retifica o anterior. Igualmente existe muita relação entre o processo de conhecer e o

que se conhece, bem como entre o objeto do conhecimento e os recursos metológicos

e metódicos para conhecer. E envolve também a possibilidade de prever

acontecimentos futuros, o que em Medicina caracteriza o prognóstico. Como já se

menionou existem pensadores que situam o motor principal (ou exclusivo) do

conhecimento na sensorialidade; outros, na capacidade associativa ou na inteligência;

outros, na memória; outros, na psicomotricidade e mais outros, na afetividade. Para

muitos, o conhecimento é processo exclusivamente consciente; para outros, é

essencialmente inconsciente (senão nos elementos aparentes de sua estrutura, ao

3

Page 37: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

menos em sua motivação). Em todos estes casos, todos parecem ter uma parte da

razão, todos estes aspectos são manifestaçòes parciais do processo de conhecer e issi

não pode nem deve ser ignorado por quem pretende entender o tema.

Em Filosofia, o termo coisa pode ter a mesma significação que apresenta no vocabulário comum; pode querer dizer tudo o que existe e que pode ser pensado, qualquer objeto ou fenômeno (qualquer modificação que acontece aos objetos); uma coisa pode ser objetiva ou subjetiva, concreta ou abstrata; enfim, qualquer elemento da realidade objetiva ou subjetiva. Mas também há quem utilize o termo coisa mais restritamente, apenas para objetos materiais, dotadas de extensão, excluindo as abstrações e os fenômenos que ocorrem aos objetos, por mais reais que possam ser. Entende-se, aqui, por real um atributo que não se resume à aparência ou um dado subjetivo, quer dizer tudo o que tem existência objetiva e tal existência independente de seu observador. A realidade existe independente do observador. Os fenômenos subjetivos devem ser considerados como reais, na medida em que se manifestem objetivamente, sejam objetiváveis, ainda que secundariamente; como acontece com os fenômenos psíquicos que são objetivados na conduta (por exemplo, pelas palavras, mímica e outros comportamentos objetivos observáveis). Realidade é o substantivo que designa uma coisa real (tal como foi caracterizada logo acima).

Conhecimento e Convicção

Recorde-se que a definição convencionada e aceita aqui para conhecimento inclui a

exigência de que haja convicção de veracidade sobre o seu conteudo. A aquisição do

conhecimento consiste no processo funcional de apreensão, elaboração e conservaçao

ativas de informações sobre uma coisa qualquer. Informações de qualquer qualidade e

com qualquer grau de confiabilidade, que mobilize qualquer convicção. Conhecimento

que pode se apresentar sob a forma de uma imagem perceptiva, uma apreensão, uma

noção antecipada, um conceito elaborado ou outro componente qualquer da

consciência que possa ser processado logicamente e assimilado pela mente do sujeito

como uma imagem da memória (representação), possível de ser evocada

posteriormente e reconhecida como verdadeira.

Isto é, todo conhecimento, em última análise, consiste na apreensão pelo sujeito de

qualidades do objeto, sempre acompanhada de alguma certeza de verdade. Por isto,

3

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todo conhecimento está, sempre e de alguma maneira, associado a algum grau de

convicção de verdade da coisa conhecida, porque quem conhece é capaz de

reconhecer como verdadeiro o seu conhecimento. Por definição, todo conhecimento

implica necessaiamente em alguma certeza de que ao menos um certo grau verdade

esteja contido nele. Convicção que se expressa pelo reconhecimento da

correspondência daquilo com a realidade, com a logicidade de um raciocínio ou com a

correção de uma convenção. Todo conhecimento implica em convicção de que seja

verdadeiro. Nisso, principalmente, diferencia-se o conhecimento como uma crença

particular. Crença, com o significado limitado de algo em que se acredita, algo que

mobiliza uma certa convicção. Muitos fenomenistas, por causa de sua negação da

eficácia cognitiva da percepção e da razão, definem o que aqui se chama conhecimento

como uma crença que pode ser verificada (por meio de uma demonstração lógica, de

uma comprovação factual ou da comparação com a convenção que o tenha

estabelecido).

Como se vê, recusam o conceito realista e materialista de conhecimento (e mudam seu nome para crença). Enquanto chamam de fé o que outros denominam crença. Deste ponto de vista estrito, a fé (inclusive a religiosa, mas não apenas ela) é uma crença que não pode ser verificada como racional ou empiricamente, nem comparada com uma convenção. Por isso, desde sua origem perdida no tempo, o conhecimento se opõe à fé porque a remove das consciências.

Porque existem crenças que não podem ser verificadas por inviabilidade metodológica, convém que não sejam tidas como conhecimento enquanto essa situação perdurar.

Parece importante afirmar que o grau de convicção que alguém alimente por um conteúdo mental qualquer não é suficiente para fazê-lo passar por um conhecimento (nem, muito menos por uma conhecimento científico). Ambos, fé e conhecimento podem apresentar qualquer grau de convicção. Pode haver convicção muito arraigada, uma fé muito firme, que não possa ser denominada de conhecimento por ser inverificável.

Nem toda convicção, mesmo intensa e muito carregada de afetividade pelo sujeito provém da correspondência com a verdade de uma experiência psico-sensorial vivida, de um raciocínio bem elaborado, de uma convenção aceita. Muita convicção se origina na credulidade, que consiste na capacidade de acreditar em algo independente de comprovação ou demonstração.

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No plano psicológico estas crenças decorrem de interesses objetivos ou subjetivos. Enquanto no plano psicopatológico, os exemplos mais comuns são os delírios e as obsessões.

Por isso, muitas pessoas denominam fé à convicção sem a verificação, seja de sua

correspondência com a realidade, seja com a racionalidade lógica do sua obtenção, ou

seja de seu caráter convencionado. Isto é, seja a verdade factual, a verdade lógica ou a

verdade convencional (axiomática) e verdade narrativa (influenciada pela

subjetividade). A convicção da realidade de uma informação depende de sua

correspondência com a realidade ou da tendência do sujeito acreditar nela. Pois, o grau

de motivação para crer é um dos componentes estruturais mais eficazes da

credulidade.

Quanto maior o interesse de alguém crer em alguma coisa, tanto mais elevada a

possibilidade daquili se realizar. Muito frequentemente, o fenômeno da psicologia

individual encerrado da tendência a acreditar (creduldade).

O que não deve ser confundido com credibilidade que é a confiação que uma proposição

ou uma teoria merece das pessoas.

Graus de Convicção nas Informações

Desde Aristóteles, se conhece que o ato ou processo de conhecer se faz em etapas,

mesmo que possa parecer instantâneo, qundo estas etapas se encadeiam muito

rapidamente. O conhecimento pode ser definido como uma estrutura de informações,

de capacidades e de habilidades que coexistem com a noção de manter a coerência

internamente quando àquela estrutura cognitiva e, além disso, consistente em sua

relação com a realidade objetiva ou subjetiva que pretende refletir. Desta maneira, a

partir dessa possibilidade de utilizar um critério de verdade, é possível diferenciar as

simples crenças das convicções provindas do conhecimento.

Ainda para Aristóteles, o pensamento seguia o seguinte caminho da busca do

conhecimento da verdade na apropriação de conhecimento sobre um objeto até então

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desconhecido ou mal conhecido: ignorância, dúvida, opinião ou impressão e certeza.

Classificação que se aplica tanto ao conhecimento de objetos e fenômenos que

existem fora do sujeito cognoscente, como para o auto-conhecimento, ainda que esses

duas modalidades de conhecer possam guarder algumas características diferenciadas.

Como também se aplica ao conhecimento de qualquer objeto.

A palavra crença tem diversas significações e nuances de significado. O conhecimento

de alguém é, por definição, uma crença para quem conhece porque o sujeito

cognoscente crê que aquela proposição ou aquele sistema proposicional coresponde à

verdade. Não obstante, a palavra crença pode ser empregada para significar a

conviccão sem fundamento factual ou logico e com conteúdo mágico, supersticioso,

religioso. Neste sentido, não se pode chamar o conhecimento de crença.

O conhecimento se diferencia das crenças da fé e do pensamento mágico-mítico-

religioso (formas particulares de fé) cujos resultados não podem ser chamados de

dados do conhecimento, ainda que componham o patrimônio de certezas de muitas

pessoas e sejam potencialmente capazes de exercer influência na propulsão, direção e

modulação de seus comportamentos (inclusive as atitudes cognitivas, afetivas e

referentes à conduta interpessoal). Sabe-se que as crenças da fé exercem papel

motivador muito importante nos comportamentos e que correspondem a necessidades

psicológicas ou ideológicas sempre mais ou menos valiosas para quem as experimenta

e cultiva. As crenças da fé (ou dogmas) são conteúdos mentais de natureza

predominatemente afetiva e não cognitiva, embora se expressem como conceitos,

juízos e raciocínios como o conhecimento. E porque são fenômenos afetivos, se

consolidam, se ampliam e se enraízam em função de sua estutura de moivação e não

pelo convencimento provindo da razão, da convenção utilitária ou de outra modalidade

de consenso.

Costuma-se discutir se o conhecimento se limita a uma atividade da consciência, uma representação mental de seu sujeito, que incluiu uma imagem do objeto, ou se o processo de conhecer se dá pela incorporação e assimilação pelo sujeito de

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Page 41: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

algumas características do objeto.

E, neste segundo caso, o fato de conhecer, determina uma transformação em quem conhece. Pois, ao conhecer alguma coisa, o sujeito daquele conhecimento fica, de alguma maneira acrescentado com aquele conhecimento e, assim, modificado por ele e por sua inclusão na consciência.

Estrutura do Conhecimento

Ao se avaliar a estrutura do conhecimento-processo para conhecer em-se como

verdadeiro que conhecimento se faz pela superposição do resultado da atividade de

diversas estruturas mentais cognitivas interdependentes e complementares, as quais

se associam as estruturas afetivas. Do ponto de vista de sua estrutura, o conhecimento

é uma realidade simultaneamente psicológica e lógica, subjetiva e objetiva, natural e

cultural; mas constitui sempre um acontecimento real (ainda que subjetivo e abstrato)

que se materializa e se concretiza geralmente em um dado verbal, mas pode ser

objetivado por qualquer outro comportamento e representado de muitas maneiras. O

conhecimento se realiza pela superposição de duas modalidades de estruturas

interdependentes. O conhecimento depende da integridade anátomo-fisiológica do

organismo (e não apenas do cérebro) e da interação de duas estruturas cognitivas:

uma estrutura lógica e, simultaneamente, um estrutura psicológica.

Contudo, é preciso destacar que tais qualidades psicológicas por si sós não possibilitam o conhecimento. A concretização o procedimento de conhecer depende da integridade anátomo-fisiológica do cérebro mas não só das estruturas cerebrais impressivo-gnósicas e intelectuais; mas do organismo inteiro (e não apenas do cérebro) e da interação de duas estruturas cognitivas: uma estrutura lógica e, simultaneamente, um estrutura psicológica.

Como depende também do funcionamento das outras estruturas somáticas que são, direta ou indiretamente, responsáveis pelo desempenho funcional das funções psicológicas e disfunções psicopatológicas.

Todo conhecimento é uma estrutura cognitiva lógica composta por três tipos de

elementos: as percepções, os conceitos, os juízos e as conclusões obtidas através dos

raciocínios.

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No plano psicológico, a estrutura cognitiva se manifesta em três tipos de processos: a

sensopercepção, a capacidade conceitual, a capacidade de ajuizar e a capacidade de

raciocinar. As imagens perceptivas, os conceitos, os juízos, os raciocínios e as

imagens mnêmicas, são os dados da consciência são os seus elementos mais

importantes.

Contudo, deve-se destacar a importância da memória para o conhecimento em suas

três dimensões – a fixação, a evocação e o reconhecimento, todas essenciais para a

cognição.

Do ponto de vista estritamente racional, todo conhecimento é uma estrutura cognitiva

lógica composta por três tipos de elementos: os conceitos, os juízos e as conclusões

obtidas através dos raciocínios. No plano psicológico, a estrutura cognitiva se

manifesta em três tipos de processos: a capacidade conceitual, a capacidade de ajuizar

e a capacidade de raciocinar. Os conceitos são simultaneamente processos lógicos e

atributos psicológicos. Procedem da capacidade conceitual que é um atributo

psicológico. Embora esses dois fenômenos sejam, frequentemente nomeados

indistintamente como conceitos, convêm diferenciaá-los. Ao menos no discurso técnico

científico.

O conceito é uma idéia que sintetiza as propriedades mais essenciais de alguma coisa,

da coisa ou da idéia conceituada; constitui uma síntese lógica que encerra uma idéia

descritiva ou explicativa sobre aquela coisa. A capacidade conceitual se revela na

produção dos conceitos e na capacidade de estabelecer relações conceituais.

A capacidade conceitual é um atributo psicológico que expressa a possibilidade do ser

humano estabelecer relações entre idéias, como as idéias de um objeto conceitual e

seus atributos; depois, tem a possibilidade de escolher daqueles atributos, quais o mais

geral e mais essencial para sua caracterização. O fundamento da capacidade

conceitual é a capacidade de relacionar conceitos entre si. A capacidade conceitual se

revela na produção dos conceitos e na capacidade de estabelecer relações

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Page 43: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

conceituais. Os conceitos expressam a possibilidade de relacionar uma coisa com seus

atributos e a capacidade de escolher qual o atributo lhe é mais geral e mais essencial

para representar todos os demais e este atributo passa a representar toda a coisa

conceituada.

Como expressões da capacidade conceitual, os conceitos expressam a possibilidade

de relacionar uma coisa com seus atributos e a capacidade de escolher qual o atributo

lhe é mais geral e mais essencial para representar todos os demais e este atributo

passa a representar toda a coisa conceituada. Existem conceitos comuns e conceitos

científicos (que são conceitos que podem ter sido originalmente comuns, mas que

foram deliberada e sistematicamente aperfeiçoados para se tornarem os mais exatos,

fidedignos e válidos que for possível elaborar em um dado momento). E, deve-se

vincar, a exatidão, a validade e a fidedignidade são os únicos elementos diferenciais

que devem ser tidos como importantes para diferenciar entre os conceitos científicos e

os conceitos do conhecimento vulgar. A disciplina com a qual os conceitos são

elaborados e formulados assinalam a qualidade inicial mais importante da conceituação

científica.

Tal qual o conceito, o juízo é fenômeno simultaneamente lógico e psicológico que

resulta da dimensão asseverativa do pensamento inteligente - a capacidade de julgar -

e se concretiza através processo psíquico do pensamento: a possibilidade de atribuir

qualidades a um conceito.

A capacidade mental de produzir juízos reesulta no segundo nível de complexidade da

estrutura do pensamento inteligente, o primeiro é a capacidade conceitual. A

capacidade de julgar evidencia a capacidade de relacionar dois conceitos, atribuindo ou

negando um deles ao outro.

Considerando-se os conceitos como os dados lógicos mais elementares, os juízos são o segundo grau desta estrutura de complexidade, porque os juízos são estruturas compostas por dois conceitos. O sujeito e o objeto do juízo. O juízo, mesmo um juízo de valor, não é bom ou mal do ponto de vista da filosofia e da ciência, como muitos supõem, mas expressa uma verdade ou um erro, isto é, deve

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ser considerado falso ou verdadeiro. Os juízos são expressos por proposições ou proposições cientificas (que são juízos elaborados com o maior rigor e a maior precisão possíveis). As proposições são orações ou frases com sentido completo. Nenhum juízo pode ser elaborado sem uma base conceitual verbal, nem pode se exteriorizar senão envolucrado por palavras.

Como os conceitos, existem juízos científicos e não científicos. Os juízos científicos

denominam-se proposições ou proposições científicas. As proposições científicas,

modalidades particulares de juízos científicos, consoante seu potencial de

generalização, se expressam por leis e princípios (as proposições mais gerais daquele

campo).

As leis naturais traduzem a conexão interna essencial, regular e estável dos fenômenos

da natureza em seu desenvolvimento necessário; no mesmo sentido, as leis da

natureza permitem antecipar, com certeza, o curso de um processo natural.

Os princípios científicos são proposições ou juízos científicos de grande abrangência que

impõem diretrizes gerais ao estudo de um determinado ramo de atividade humana

bastante amplo ou de uma certa disciplina científica, (porque alcança todos os

componentes de seu objeto).

A correlação entre as leis e os princípios científicos é análoga àquela que se dá entre

conceitos e categorias mo plano dos conceitos. Nas ciências da natureza, as leis são

leis naturais; nas ciências sociais, leis sociais.

Do ponto de vista psicopedagógico, quando se estudam os processos fisio-psicológicos e os procedimentos metodológicos e lógicos empregados pelos humanos para conhecer, verifica-se que quanto mais se conhece sobre alguma coisa e quanto mais amplo e verdadeiro for o que se sabe dela, mais numerosos, melhores e mais confiáveis serão os juízos e raciocínios que podem ser construídos com o que se conhece. Principalmente quando este conhecimento é confirmado por provas confiáveis de verificação factual ou lógica.

Da mesma maneira, quanto mais estruturado e melhor organizado for o procedimento de conhecer, mais eficiente será seu resultado prático.

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Como, aliás, acontece com o desempenho de todas as estruturas operacionais, qualquer que for sua natureza e sua utilidade.

Quando se estuda com cuidado, deve-se procurar distinguir os juízos (fenômenos

lógicos) da capacidade de julgar ou de ajuizar (que é atributo psicológico humano).

A capacidade de ajuizar consiste em uma qualidade psicológica que possibilita aos

humanos aperfeiçoar a capacidade conceitual e relacionar dois conceitos de forma

assseverativa; isto é, afirmando ou negando um deles em relação ao outro.

O raciocínio ou a conclusão racional resulta do encadeamento lógico de juízos, conceitos,

categorias e outros conteúdos do pensamento que permitam à consciência chegar a

conclusões fidedignas e válidas, além de inteligentes. Isto é, o procedimento racional

possibilita o descobrimento de fatos verdadeiros até então desconhecidos a partir

daquilo que já se conhecia anteriormente.

Os raciocínios são procedimentos lógicos e psicológicos resultantes da atividade

racional capaz de promover a elaboração lógica das idéias. As formas mais

elementares do raciocínio são:

- o raciocínio indutivo, quando se conclui acerca do que é geral, a partir do

conhecimento acerca de casos particulares;

- o raciocínio dedutivo, quando o conhecimento acerca do geral permite concluir

sobre um caso particular; e

- o raciocínio analógico, quando se conclui sobre um caso particular, através da

comparação com outro caso particular.

Além de processos psicológicos, a indução e a dedução são categorias lógicas chamadas dialéticas (como acontece com a análise e a síntese, a abstração e a concreção) porque constituem uma unidade inseparável apesar de sua aparente contradição. Assim como os conceitos são o produto da capacidade conceitual e os juízos do julgamento (ou capacidade de julgar), os raciocínios produzem a lógica.

Os raciocínios são procedimentos lógicos da atividade racional. Suas formas mais

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elementares são: o raciocínio indutivo, quando se conclui acerca do que é geral, a partir do conhecimento acerca de casos particulares; o raciocínio dedutivo, quando o conhecimento do geral permite concluir sobre um caso particular; e o raciocínio analógico, quando se conclui sobre um caso particular, através da comparação com outro caso particular.

Além de processos psicológicos, a indução e a dedução são categorias lógicas

chamadas dialéticas (como a análise e a síntese, a abstração e a concreção) porque

constituem uma unidade inseparável apesar da aparente contradição de seus

componentes.

Assim como os conceitos são o produto da capacidade conceitual e os juízos do

julgamento (ou capacidade de julgar), os raciocínios produzem a lógica.

A capacidade de raciocinar ou capacidade de concluir é o processo psicológico que permite

aos seres humanos relacionar conceitos e juízos e tirar conclusões que antes lhe eram

desconhecidas.

Também é preciso diferenciar o raciocínio (atributo lógico) da capacidade de raciocinar

(condição psicológica). A capacidade de ajuizar ou capacidade de julgar consiste na

qualidade psicológica que possibilita aos humanos aperfeiçoar sua capacidade

conceitual ao relacionar dois conceitos de forma assseverativa, ampliando sua

possibilidade de conhecer o mundo e atuar sobre ele; isto acontece, afirmando ou

negando um deles ao outro. A capacidade de raciocinar ou de concluir logicamente, por

sua vez, consiste no processo psicológico que permite aos seres humanos relacionar

conceitos e juízos e tirar conclusões que antes lhe eram desconhecidas. Junto com a

senso-percepção, a imaginação, a memória, aafetividade, apsicomotricidade e a

consciência, estes atributos psicológicos constituem o nível essencialmente cognitivo

do trabalho mental.

Os processos psicológicos representados pela capacidade conceitual, a capacidade de ajuizar e a capacidade de raciocinar compõem uma importante estrutura psicológica denominada de pensamento inteligente. Na prática, os processos lógico-psicológicos de conceituar, ajuizar e raciocinar compõe uma estrutura sistêmica de complexidade crescente, na qual os conceitos são os processos mais elementares e

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os raciocínios, os mais complexos.

O pensamento inteligente se compõe sempre de uma estrutura mais ou menos

complexa de conceitos, juízos e raciocínios que constituem um dos mais importantes

atributos de adaptação que os seres humanos podem empregar para se adaptar às

exigências de sua vida. O pensamento inteligente se manifesta através de um conjunto

de atributos lógicos e psicológicos conhecidos como as qualidades do pensamento.

Quando se estuda o pensamento inteligente, verifica-se que a qualidade do processo

de raciocinar depende, basicamente. de um conjunto de qualidades do pensamento

que garantem seu desempenho e o resultado obtido.

As qualidades mais essenciais identificadas no pensamento inteligente são:

= a) amplitude que diz respeito à possibilidade de racionar com um número variável de

questões;

= b) profundidade que vai desde considerações sobre a aparência, até a ponderação

das qualidades essenciais e das causas últimas;

= c) independência que se expressa pela fuga aos esquemas e padrões

preestabelecidos, e da influência catatímica ou dos interesses;

= d) flexibilidade, capacidade para buscar novos meios e novos caminhos para

solucionar um problema lógico;

= e) consecutividade, manifesta a ordem e sistematização da atividade mental.

O pensamento inteligente opera baseado em um certo número de processos lógicos

conhecidos como operações racionais. As operações racionais, em última análise, são

processos lógicos empregados como padrões de elaboração inteligente para elaborar

raciocínios e produzir conclusões. Tais operações racionais manejam um conjunto de

instrumentos racionais mais elementares, as categorias lógicas. As categorias lógicas

que configuram os mecanismos mais elementares e mais importantes do pensamento

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inteligente são: análise e síntese, generalização e sistematização, abstração e

concreção, identificação e comparação de semelhanças e diferenças.

As operações racionais não podem ser consideradas como processos lógicos

independentes, mas como componentes de pares dialéticos que atuam sinergicamente

na solução dos problemas racionais.

ANÁLISE e SÍNTESE. Análise é a decomposição do todo lógico em suas partes

constituintes. Síntese, ao contrário, consiste na unificação das partes para a

reconstituição mental da totalidade.

GENERALIZAÇÃO e SISTEMATIZAÇÃO. Generalizar é identificar o que há de comum

em um conjunto de objetos ou fenômenos. Sistematizar ou classificar é a distribuição

dos objetos ou fenômenos em categorias (grupos ou subgrupos que tenham algo em

comum) usando como critério um elemento compartilhado por todos os componentes

de uma categoria .

ABSTRAÇÃO e CONCREÇÃO. Abstrair é isolar um detalhe, elemento ou parte de um

objeto, mecanismo ou processo, imaginando-o distante de sua configuração e

funcionando isoladamente; separar mentalmente um aspecto do todo. Concreção é

como se denomina à interconexão de uma totalidade desmembrada; a partir do

conhecimento de um detalhe, recria-se a imagem da totalidade.

COMPARAÇÃO. Atividade mental que estabelece as semelhanças e diferenças entre

os objetos, fenômenos ou processos.

O processamento inteligente das idéias e dos dados objetivamente recebidos do meio

ou já existentes da consciência do indivíduo faz-se como processo sistemático de

resolver os problemas racionais com que ele se defronta.

O que depende do funcionamento harmônico, integrado e eficaz de todas as operações

racionais. Aqui se chama processamento inteligente à organização mais eficiente e

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eficaz dos recursos intelectuais para se encontrar conclusões inteligentes.

A solução dos problemas racionais na mente inteligente depende do funcionamento

harmônico, integrado e eficaz das capacidades psicológicas que produzem as

operações racionais. O processamento inteligente é a organização do pensamento

inteligente e o emprego mais adequado das operações racionais para resolver

problemas lógicos.

Exigência preliminar para solucionar um problema lógico é seu entendimento (a clara

elucidação da tarefa a ser realizada); segue-se o estabelecimento de associações

(correlações entre os conteúdos de um problema com os conhecimentos

preexistentes); a seguir, vem a construção das hipóteses (estabelecimento das

soluções possíveis ou prováveis).

Uma vez elaboradas as hipóteses, estas são submetidas à comprovação (porque a

demonstração é um componente das ciências formais que não empregam hipóteses)

através de procedimentos metodológicos; desta maneira, as hipóteses podem ser

comprovadas ou recusadas nas conclusões, pelo raciocínio ou pela prática.

O conhecimento pode ser confundido com o aprendizado, apsar de seu conceito ser mais amplo que o deste. Denomina-se aprendizado ou conhecmento mecânico ao conhecimento adquirido por memorização sem entendimento. Enquanto se denomina conhecimento racional àquele obtido a partir do entendimento do conteúdo aprendido. Há muito se sabe que o conhecimento adquirido racionalmente tem muito maior amplitude, profundidade e duração do que o mecânico.

Caso não sejam comprovadas, elaboram-se novas hipóteses a serem processadas

inteligentemente, até que se encontre solução satisfatória. Este processo intelectivo

constitui o próprio cerne da cognição e do pensamento inteligente, não devendo ser

confundido com uma sucessão mecânica de etapas isoladas, mas como

processamento simultâneo e global que inicia na percepção e no qual influem todos os

demais atributos psicológicos e se articula, também, com cada nível de construção do

conhecimento. Em geral, a construção das hipóteses é a tarefa inteligente, mais

4

Page 50: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

elaborada, sofisticada e difícil de ser construída que a eleição da hipótese mais

adequada em um cnjunto delas.

Construir hipóteses pertinentes é mais importante e inteligente que verificar sua

correção. Isto fundamenta as sérias objeções que vêm sendo levantadas contra o

emprego dos chamados “testes objetivos” no procedimento de avaliação pedagógica,

porque retira do estudante a tarefa de elaborar hipóteses, limita o raciocínio, estimula o

pensamento estereotipado e a fixação mecânica, além de atrofiar as possibilidades

criadoras.

Por isto, é possível inferir que os instrumentos de avaliação que fornecem as

possibilidades de solução (as hipóteses possíveis), são pouco recomendáveis como

instrumentos educativos. É mais interessante deixar que os alunos elaborem eles

mesmos as hipóteses exigidas pelo caso que estiverem cuidadando. Por isto, os

instrumentos de avaliação que fornecem as possibilidades de solução (as hipóteses

possíveis, são pouco recomendáveis como instrumentos educativos. A razão é a

maneira inteligente de explicar o que acontece no mundo. O conhecimento racional se

baseia na razão e é extraído a partir dela, mas não se reduz a ela. Os raciocínios

partem da sensopercepção e se comprovam na prática concreta. No entanto, os

processos e procedimentos racionais têm melhor rendimento que funcionam integrados

com a ação e a sensopercepção.

A razão é a maneira inteligente de explicar o que acontece no mundo. O conhecimento

racional se baseia na razão e é extraído a partir dela. A razão deve presidir toda

atividade inteligente e crítica dos seres humanos para explicar os acontecimento da

realidade objetiva e subjetiva. Inteligência e razão, razão e conhecimento,

conhecimento e verdade são conceitos inseparáveis. Os processos e procedimentos

racionais buscam explicar o que acontece ao homem, em suas circunstâncias físicas e

psicossociais, no mundo à sua volta e no universo.

Insight é o entendimento súbito de um acontecimento ou uma situação. Também pode representar o conhecimento ou consciência da explicação de alguma coisa.

5

Page 51: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

Processo que se dá de maneira súbita (como a iluminação causada por um relâmpago em um ambiente completamente escuro, de onde provém sua designação).

Embora haja numerosos reducionistas que entendam o conhecimento como produto da

atividade sensoperceptiva ou da atividade racional, o conhecimento pode se originar

em qualquer dessas fontes. Existe o conhecimento sensível e o conhecimento lógico.

Ao primeiro se chega por meio das estruturas sensoperceptivas e ào segundo, por

meio do raciocínio (como na demonstração de um teorema, por exemplo).

Os autores que se revelam imaterialistas ou anti-materialistas, que costumam ser

denominados genericamente como idealistas, tendem a imaginar o conhecimento como

algo desvinculado da matéria, especificamente do organismo de quem conhece

(criação do espírito, comunicações sobrenaturais, intuição), idéias preformadas

(platonismo e neoplatonismo) ou resultantes de um mero jogo de palavras

desvinculadas inteiramente daquilo a que se referem. Em geral, supõem uma

existência sobrenatural, na qual e da qual as almas dos viventes controlariam sua

existência na natureza.

Outra modalidade destes idealistas situam as idéias como entidades naturais ou

sobrenaturais, mas pre-formadas e pre-existentes em relação às pessoas nas quais ela

irão se manifestar. (ou as palavras) No outro extremo do espectro doutrinário, os

autores materialistas situam o conhecimento como resultante de uma atividade

particular do organismo em interação particular com o ambiente (físico e social). Uma

função cerebral que se exerce com o auxílio de numerosas estruturas periféricas que

relacionam o organismo com o meio. Mas que resltam basicamente da interação do

indivíduo cognoscente com o ambiente e que integra sua experiência passada com a

presente e sua expectativa do futuro.

Há pensadores que situam o motor principal (ou exclusivo) do conhecimento na

sensorialidade (os sensualistas); outros, na capacidade associativa ou na inteligência

5

Page 52: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

(os racionalistas); outros, na memória; outros, na psicomotricidade e mais outros, na

afetividade.

Para muitos, o conhecimento deve ser considerado processo exclusivamente

consciente; enquanto que, para outros, é essencialmente inconsciente (senão nos

elementos aparentes de sua estrutura, ao menos em sua motivação). Em todos estes

casos, todos os opinantes parecem ter uma parte da razão, todos estes aspectos são

manifestaçòes parciais do processo de conhecer.

Entender como real qualquer atributo de algo que não se resuma à aparência ou

constitua dado subjetivo de quem observa; quer dizer tudo o que tem existência

objetiva e tal existência independente de seu observador; existe por si mesmo. A

realidade está composta de tudo que existe fora do observador e independe de sua

atividade psíquica.

A realidade existe e deve existir independente do observador. Deste ponto de vista, os fenômenos subjetivos devem ser considerados como reais, na medida em que se manifestem objetivamente, sejam objetiváveis, ainda que secundariamente; como acontece com os fenômenos psíquicos que são objetivados na conduta (por exemplo, pelas palavras, mímica e outros comportamentos objetivos observáveis).

A capacidade de conhecer é mais que uma atividade mental singular, pode ser tida

como uma propriedade humana, uma caracterítica essencial das pessoas que,

inicialmente, conhece empregando apenas seus sentidos e seu raciocínio; depois,

passa a construir instrumentos que ampliem suas possibilidades perceptivas e

elaborativo-racionais para além de suas possibilidades originais. Grande parte do

estudo da capacidade cognitiva decorre dessa tecnologia que as pessoas colocam a

serviço de sua capacidade de conhecer. A tecnologia contemporânea cria, amplia e

aperfeiçoa recursos deste tipo a cada momento. Os recursos técnicos (microscópios,

telescópios, tomógrafos, computadores) podem propiciar, permitir, registrar, conservar,

processar ou facilitar o conhecimento. Eles próprios não conhecem coisa alguma,

apenas possibilitam ao ente cognoscente conhecer. Como acontece às demais

condutas e qualidades humanas que podem ser consideradas essenciais, a

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Page 53: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

possibilidade de conhecer (e o conhecimento dela resultante) surgiram e se

desenvolveram para satisfazer às suas necessidades. E ao emergirem e se

desenvolverem, fizeram surgir novas necessidades que, atendidas, geraram novas

práticas e novos conhecimento interminavelmente. Culminaram com a consciência da

necessidade de conhecer e da necessidade de aprender para melhorar suas

possibilidades de adaptação e sobrevivência. A necessidade de conhecer para prever,

para planejar e para agir com eficiência, eficácia e efetividade em seu propósito de se

adptar às circunstâncias de sua exisrência. A experiência da divisão social do trabalho

e a consequuente especialização reforçaram a necessidade de aprender e geraram a

necessidade de novos conhecimentos.

Conhecimento, Realidade e Objetividade

Realidade e objetividade são duas qualidades que constituem a primeira exigência de

cientificidade. Toda tradição científica existe enraizada na convicção de que o objeto do

conhecimento é real e independente do observador.

Realidade é o substantivo que designa uma coisa real ou a qualidade de tudo aquilo que

é real (tal como foi caracterizada logo acima, como independente da consciência ou da

vontade de seu agente). Os fenômenos reais podem ser concretos e abstratos.

Fenômenos como a justiça, a beleza, a enfermidade e a bondade (e seus antônimos),

apesar de abstratos fazem parte da realidade porque se realizam em condutas humans

objetivas.

Com relação à questão da realidade objetiva, existem quatro posições teóricas que

resultam em quatro tipos diferentes de conduta frente a ela:

- os realistas e os materialistas, que pretendem que a realidade objetiva exista

verdadeiramente, e que é possível reconhecê-la (ainda que imperfeita, provisória

e parcialmente);

- os idealistas, em geral, especialmente os solipsistas, que negam a existência da

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Page 54: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

realidade objetiva, pretendem que o que julgam ser realidade não passa de uma

ilusão dos sentidos, que a unica realidade existente é a realidade subjetiva de

quem supõe ilusoriamente contatá-la;

- os ceticistas ou cépticos, que pretendem não saber se existe ou não uma

realidade objetiva, contentam-se em duvidar de sua existência; e

- os adeptos da prescindência, que prescidem desta decisão, não dão qualquer

importância à existiencia ou não da realidade objetiva.

Os realistas e os materialistas, de um lado, e todos os idealistas (inclusive os

fenomenistas (entre eles os positivistas e neo-positivistas) e, de outro, polarizam

principalmente o estudo filosófico deste tema.

A objetividade, com o sentido de dado da realidade, de coisa existente fora e

independente da consciência de quem cogita dela ou a etuda, é a primeira exigência de

cientificidade. Não pode existir conhecimento científico ou qualquer outra modalidade

de expressão da ciência ou da investigação científica sem objeto, com objeto mal-

definido ou indefinido. Como não pode haver ciência cujo objeto não possa ser

estudado objetivamente.

Isso porque a objetividade implica nestas duas dimensões: a existência como realidade

e sua definição como parte especificada dessa realidade. Também se define como

objetividade a capacidade de alguém avaliar um objeto, um fenômeno, um fato ou uma

situação sem que seus interesses objetivos ou subjetivos influam naquela atividade.

No primeiro sentido, a objetividade talvez seja o elemento mais essencial da isenção do

cientista, da perspectiva crítica da ciência. A atividade científica se corporifica no objeto

que lhe é dado estudar. E é a partir da sua cognoscibilidade objetiva e da possibilidade

de seu estudo objetivo que se estrutura a metodologia científica. Mas não deve ser

confundida com a neutralidade da ciência, que é sua perversão.

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Page 55: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

O objeto do conhecimento ou procedimento científico também deve ser considerado

objetivo por que pode ser definido objetivamente, isto é quando existe independente

do observador. Uma técnica ou um artefato tecnológico pode ser e até costuma ser

definível por seu método. Uma ciência define-se por seu objeto. No segundo sentido,

quando se verifica a relação do objeto com seu observador, a objetividade do objeto do

conhecimento expressa-se por sua existência objetiva, por sua existência independente

do observador. Ainda que o observador não seja necessariamente independente dela,

como se observa em muitas ocasiões (notamente na chamada observação

participante, na qual a observação é realizada por um protagonista do processo social

ou natural).

Com relação à ponderação acerca da possível (e, até, provável) influência da

objetividade e da subjetividade no conhecimento, existem três tendências na filosofia

da ciência contemporânea:

- o objetivismo (que nega ou subestima toda contribuição da subjetividade);

- o subjetivismo (que faz o mesmo com relação ao que for objetivo) e

- o ecletismo consiste na síntese dialética dessas duas (que trabalha com ambas as

vertentes desta dicotomia, sem se deixar levar por qualquer uma delas).

Neste terreno, como em outros tantos semelhantes ou análogos, o ecletismo não deve ser confundido com o sincretismo (que consiste na mistura anárquica de conteúdos de procedências diferentes, sem preocupação com a harmonia e a coerência do processo).

Não há cientificidade sem objeto ou sem especificidade. A especificidade, entendida

como exigência de cientificidade, ou seja, a especificidade científica, apresenta duas

dimensões que não devem ser confundidas. Tais dimensões são as seguintes:

a) a dimensão ontológica e b) a dimensão gnosiológica.

Quanto ao aspecto ontológico se refere ao objeto. Isto é, o objeto de uma disciplina

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Page 56: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

científica ou de um procedimento científico deve ser específico; isto é, estar bem-

especificado, bem definido e ser objetivo. Nesta dimensão da teoria do objeto, a

especificidade se confunde com a objetividade. Entes abstratos ou subjetivos como

personagens de mitos, lendas ou da literatura não são nem podem ser objetos de

invetigação científica.

O ponto de vista gnosiológico a objetividade expressa a cognoscibilidade deste objeto,

que deve ser estudável objetivamente e ser comunicável (de possuir cognoscibilidade

objetiva e comunicabilidade, que é objetiva por definição). Já do ponto de vista

ontológico, avalia-se a cientificidade do objeto de uma ciência factual (ou o

conhecimento da realidade tido como científico) a partir de dois dados essenciais:

a) sua objetividade e

b) sua cognoscibilidade.

A objetividade é a primeira exigência ontológica de cientificidade. Não pode existir

conhecimento científico ou outra modalidade de ciência ou da investigação científica

sem objeto, com objeto mal-definido ou indefinido. Como não pode haver ciência cujo

objeto não possa ser estudado objetivamente.

Porque a objetividade implica nestas duas dimensões ontológicas:

1. sua existência como real ou elemento da realidade e

2. sua definição como parte especificada dessa realidade.

No primeiro sentido e como atributo da subjetividade do agente, a objetividade talvez

seja o elemento mais essencial da isenção do cientista, da perspectiva crítica da

ciência. A atividade científica se corporifica no objeto que lhe é dado estudar. E é a

partir da sua cognoscibilidade objetiva e da possibilidade de seu estudo objetivo que se

estrutura a metodologia científica. Mas não deve ser confundida com a neutralidade da

ciência, que é sua perversão. O objeto do conhecimento ou procedimento científico

5

Page 57: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

também deve ser considerado objetivo por que deve ser definido objetivamente,

porquanto existe independente do definidor.

Este é um dos problemas da psicologia para se definir e ser legitimada como disciplina científica. A falta de objetividade de seu objeto, os fenômenos psíquicos,

Uma técnica ou um artefato tecnológico pode ser definível por seu método. Uma

ciência define-se por seu objeto. No segundo sentido, quando se verifica a relação do

objeto com seu observador, a objetividade do objeto do conhecimento expressa-se por

sua existência objetiva, por sua existência independente do observador. Ainda que o

observador não seja necessariamente independente dela, como se observa em muitas

ocasiões (notamente na chamada observação participante, na qual a observação é

realizada por um protagonista do processo social ou natural).

Com relação à ponderação acerca da possível (e, até, provável) influência da

objetividade e da subjetividade no conhecimento, existem três tendências na filosofia

da ciência contemporânea:

- o objetivismo (que nega ou subestima toda contribuição da subjetividade);

- o subjetivismo (que faz o mesmo com relação ao que for objetivo) e

- o ecletismo que consiste na síntese dialética dessas duas (que trabalha com ambas

as vertentes desta dicotomia, sem se deixar levar por qualquer uma delas).

De maneira extremamente simplificada, pode-se pretender que, depois que o princípio

da objetividade científica obriga ao investigador a definir com a maior precisão possível

o objeto que estuda cientificamente para que se permita proceder à investigação

científica que almeja, impõe-se saber o como isto é realizado de forma confiável. Qual

o grau de confiabilidade que se estudo pode merecer. O que significa na prática o

quanto uma expressão tem o mesmo significado para que a codifica e emite em relação

a quem a recebe (e decodifica).

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Page 58: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

Gnosiologia, a Ciência do Conhecimento

Na abertura deste texto, já se definiu Gnosiologia ou Teoria do Conhecimento como a

disciplina filosófoca que estuda o conhecimento. Deste ponto de vista e deixando de

lado quaisquer explicações mágicas, a capacidade de conhecer deve ter se originado:

a) com o aparecimento da humanidade e se desenvolveu com ela em sua

trajetória histórico-social, no plano coletivo; e

b) com o nascimento de cada ser humano e o desenvolvimento de seu acervo

cognitivo, tendo se desenvolvido com ele em sua biografia, no plano individual.

E por que não gnoseologia, como muitos preferem? Porque a palavra gnoseologia foi apropropriada por uma crença supersticiosa e parece útil evitar a confusão entre uma atividade científica e uma crença mágico-supersticiosa.

A teoria do conhecimento se coloca, não só como meio progressivamente confiável e

válido de estudar e conhecer o mundo e a si mesmo (a Gnosiologia), como importante

recurso adaptativo no dia a dia das pessoas com a natureza e a sociedade, mas existe

como um dos mais valiosos ramos do conhecimento filosófico para quem pretende

estudar cientificamente qualquer área do mundo natural, social ou humano (a

Epistemologia).

No idioma português se grafa a palavra que expressa a teoria geral do conhecimento de sua formas: gnosiologia e gnoseologia. Os defensores de ambas as proposições dispõem de valiosos argumentos para sustentá-los, ainda que não se entendam completamnte. Adotou-se neste texto a forma gnosiologia, principalmente para evitar que seja confundida com as diversas manifestações culturais autodenominadas “gnose”, que nada tem a ver com o que se trata aqui ou com a atividade científica ou com a comunidade científica no mundo. Principalmente porque carecem de cientificidade.

Cientificidade é a concordância com os critérios vigentes para caracterizar a atividade científica em cada momento da história. Um exercício cognitivo poderia desfrutar de cientificidade e seu resultado ser considerado científico em um momento da História e não ter noutro. Em um determinado cenário e não noutro qualquer.

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Page 59: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

A cientificidade dos processos e conteúdos cognitivos (conhecimento gnosiológico e o

epistemológico, radicado nele) parece ser essencial para quem pretende fazer ciência

ou, ao menos, diferenciar a informação científica da não científica). Esta possibilidade é

particularmente cara para o médico, cuja credibilidade profissional decorre, ao menos

em grande parte, da fundamentação científica de sua atividade. Esta é a principal

justificativa para que se informe sobre o conhecimento, tanto como processo (lógico e

psicológico), quanto como da informações resultantes. Antes de estudar a teoria do

conhecimento convém passar a vista por alguns problemas, ainda que rápida e

superficialmente, porque estes são unanimemente considerados como fundamentais

nesta matéria. (Aliás, uma das pouquíssimas unanimidades nela). Esta medida deve

interessar porque aí se colocam as principais questões controvertidas na base da teoria

do conhecuimento e conhecê-las pode ser essencial para entender muito do que se

tratará adiante.

O conhecimento humano existe como interação especial entre o sujeito e o objeto do

conhecimento, a chamada relação cognoscente. Aquela relação que se dá entre aquele

que conhece e o que é conhecido por ele. O que constitui uma ação subjetiva humana,

ao menos no sentido com que se emprega aqui, que se apropria de alguma informação

sobre algo, inclusive sobre si mesmo. Essa forma de relação dos seres humanos com o

mundo pode ser chamada de cognitiva. Uma relação do homem com o mundo através

do conhecimento.

O objetivo mais importante da relação cognoscente entre o sujeito e o objeto parece

ser assegurar-se de que aquilo que se conhece corresponde a uma verdade objetiva.

Esta é a qualidade essencial do conhecimento que corresponde ao conhecer o quê se

conhece. O outro tipo de conhecimento corresponde a conhecer como se conhece. A

explicação daquele processo que integra o sujeito e o objeto do conhecimento. Além

disto, quem conhece distingue as imagens mentais do seu conhecimento dos demais

conteúdos da consciência, como as recordações e as fantasias da imaginação. Quem

conhece, reconhece seu conhecimento como sendo verdadeiro porque corresponde ao

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Page 60: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

que foi conhecido. O que constitui a dimensão mnêmica e gnósica do conhecimento.

Os transtornos da memória que se revelam com defeitos ou incapacidade do reconhecimento são denominados disgnosias ou agnosias. Contudo, este fenômeno psicológico só tem em comum com a gnosis do conhecimento a coincidência verbal. São fenômenos diversos.

Com isso, o sujeito cognoscente pode usar o que conhece em seu processo

permanente de se adaptar ao mundo, de se defender dos riscos, de aumentar seu

conforto, sua segurança e se assegurar maior probabilidade de sobreviver com o maior

bem-estar que lhe for possível.

No processo de conhecer e de conhecer-se, o sujeito do conhecimento, ou seja, a

pessoa que realiza o processo de conhecer aquilo que o cerca, realiza uma relação

particular com o mundo na qual s entrelaçam fenômenos e processos de diversas

qualidades, mas todos se consubstanciam na apropriação realizada pelo sujeito

cognoscente de características do objeto que estiver sendo conhecido, com uma certa

convicção de aquilo é verdadeiro.

Conhecer é uma Necessidade Humana

A sobrevivência dos animais depende da satisfação de suas necessidades, todas

naturais e isso depende da aquisição de capacidades dirigidas para sua satisfação. A

sobrevivência e o bem estar dos seres humanos, por sua vez, dependem da satisfação

de suas necessidades biológicas e psicossociais; e, dentre elas, as necessidades de

procriar, de sobreviver, de se sentir em segurança e desfrutar o máximo de conforto

que lhe for possível. Porque ao se humano, não basta sobreviver, necessita buscar as

condições mais agradáveis que lhe for possível; da mesma maneira qu não he basta

reproduzir, mas buscar aprceria mais compatível para isso; e, na mesma medida, evitar

situações desagradáveis (de dor, de medo, de vergonha). Boa parte da atividade

humana é canalizada para estes propósitos; numa marcha evolutiva que transita das

formas mais primitivas para as mais sofisticadas. O conhecimento dá importante

contribuição para isto. Nessa busca incessante de satisfazer às suas necessidades, os

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Page 61: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

seres humanos, desenvolveram e aperfeiçoaram constantemente suas possibilidades

de conhecer o mundo e a si mesmo e, mais que isto, de modificá-lo. Diferentemente do

outros animais que modificam seu organismo para se adaptar às mudanças do

ambiente, os seres humanos mudam o ambiente para ajustá-lo às suas possibilidades.

O conhecimento parece existir em todos os animais, porque são capazes de aprender

e de reconhecer objetos e fenômenos cujas imagens fixam na memória. Entretanto, o

conhecimento, entendimeno como parte do logos – razão explicativa, não se resume à

capacidade de fixar, conservar, evocar e reconhecer. O conhecimento, com o sentido

humano, é abstrato, vai para além da comparação de duas imagens, a da memória e a

da percepção: envolve o raciocínio abstrato e a capacidade de concluir

inteligentemente. Integra-se no pensamento lógico, no sentido estrito desta expressão.

O reconhecimento humano é inteligente. Pode realizar o salto lógico de descobrir que

existe no pensamento sobre a coisa reconhecida e ir além dela, qualidade

essencialmente humana, que é tarefa da inteligência que se inicia nas possibilidades

de generalizar e abstrair.

O conhecimento simbólico e abstrato existe apenas como uma das características

essenciais da condição humana que, no plano individual expressa uma forma particular

de relação do ser humano com o mundo que o circunda e consigo mesmo; e, no plano

social, indica as possibilidades cognitivas de cada cultura em cada momento de sua

trajetória histórica. Aqui, o conhecimento, ao menos em sua forma abstrata e simbólica,

é considerada como apanágio de humanidade. Embora se saiba que os seres não

humanos, mesmo muito elementares, possuem recursos que podem ser denominados

protocognitivos de se relacionar com o mundo que os circunda e no qual existem. Nos

dias que correm, parece impossível pensar em formas dignas de sobrevivência da

humanidade sem as aplicações do conhecimento, sobretudo, do conhecimento

científico, com o objetivo de produzir recursos destinados a assegurar a sobrevivência

e o bem-estar das pessoas e comunidades humanas.

O fator principal na origem do conhecimento deve ser o aparecimento da necessidade do homem se adaptar

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ao mundo e satisfazer duas necessidades, tornando-se uma maneita de ambos coexistirem articulados na unidade do nascimento comum do conhecimento.

O conhecimento científico ou conhecimento certo ou com certeza, tem possibilitado

avanços incríveis nas formas de organização da sociedade e nas maneiras das

pessoas e das comunidades humans se relacionarem com a natureza, de modo a

assegurar, o mais plenamento possível, os procedimentos de satisfazer as

necessidades. O progressivo desenvolvimento técnico é um dos fatores mais

importantes de reforço da concepção melhorista (ou progressista) da Filosofia e das

Ciências Humanas.

A despeito da necessidade humana de conhecer para satisfazer suas necessidades,

tudo indica que conhecer é, por si mesmo, uma necessidade humana, que independe

da possibilidade mais ou menos imediata usar pragmaticamente o conhecimento. A

pele dos humanos é extremamente frágil; não apenas para defendê-los dos

traumatismos, como para preservá-lo das variações agressivas da temperatura

ambiente; comparado com a maioria dos outros animais, o homem desloca-se no

espaço com grande lentidão; sua força muscular é quase ridícula, quando comparada

com a dos outros animais; os humanos vivendo em condições naturais, consomem

mais que a quarta parte de sua existência dependendo dos outros para assegurar sua

sobreviência; suas possibilidades sensoriais são insignificantes.

No entanto, a despeito de tantas desvantagens, o ser humano não só sobreviveu como

espécie em meios hostís, mas dominou quase toda superfície da terra, tendo sido

capaz de se adaptar a praticamente todas as condiçõs ambientais existentes na

superfície da Terra. Fato que se mostrou impossível para a quase totalidade das

espécies animais terrestres. A barata terá sido a única outra espécie a realizar esta

proeza.

Entretanto, há outra coisa que diferencia os humanos de todas as demais espécies

biológicas. Esta diferença reside exatamente em sua condição de ser cultural. Um ente

biológico capaz de gerar mais ou menos intencionalmente uma atmosfera inteiramente

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Page 63: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

original para habitar nela. A atmosfera da cultura, entendida como tudo que a pessoa

sabe e usa para atender suas necessidades e se adaptar ao mundo. O ser humano,

como existe atualmente, existe como produto da interação dinâmica entre um ser

natural e sua cultura, algo que ele mesmo construiu. Pois, tanto as construções

materiais (instrumentos, máquinas e outros recursos materiais) quanto os artefatos

abstratos (produtos da arte e da ciência) que elabora para atender às suas

necessidades, alicerçam a condição humana e permitem seu aperfeiçoamento.

Diferentemente dos outros seres vivos que só dispôem de sua estrutura física e de

seus recursos instintivos para se adaptar. Pois, houve um momento em que o ente

biológico tornou-se humano. E a hominização operou uma transformação radical

naquele ser vivo, doravante qualitativamente diferente da espécie mais primitiva que o

originou. Não necessariamente melhor, mas mais apto a sobreviver e a criar um novo

ambiente para viver. O ambiente cultural, tanto da cultura material (coisas, objetos,

ferramentas, máquinas) ou imaterial (crença, vaores, conhecimentos, instituições).

Neste momento da hominização, o ente biológico passou a existir também como ente

cultural. O mamífero gregário passou a existir como ente comunitário. O que fez

imensa diferença em sua existência e em suas possibilidades.

No momento em que o ser humano passou a desfrutar da possibilidade de mudar

intencionalmente a natureza para adaptá-la às suas necessidades. Momento que

resultou da conjugação de três componentes que ele aprendeu a manejar

produtivamente:

- o saber inteligente (fruto refinado da sua curiosidade que mobilizou sua

potencialidades impressivo-cognitivas);

- o fazer racional (função operativa que se manifesra como labor - resultante de

suas possibilidades psicomotoras de transformar idéias em fatos da realidade); e

- o amar (decorrente de suas possibilidades de reagir emotiva e sentimentalmente

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Page 64: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

ante os estados de satisfação ou frustração das necessidades).

Aqui se emprega o verbo amar apenas como expressão de sentimento (vivência

relacionada com as necessidades superiores, psicossociais) e não como emoção

(vivência relacionada com a satisfação ou frustração de necessidades naturais). Estas

capacidades, uma vez desenvolvidas e operadas, possibilitaram-no estabelecer uma

relação adequada entre suas necessidades e suas possibilidades.

Aqui se enfocam as possibilidades e as capacidades cognitivas humanas. Possibilidades e capacidades que resultam no conhecimento. Conhecimento que possibilita o reconhecimento e reconhecimento que viabiliza a intervenção humana na realidade. Intervenção entendida como ação ou atividade intencional para mudar algum aspecto da realidade. Para atingir este escopo, aqui se busca tratar do conhecimento em geral e do conhecimento médico em particular, em todas as formas e em todas as manifestações cognitivas, desde as mais elementares

Como o conhecimento emergiu a cultura, o que não seria possível tornar-se como é

sem aquelas mesmas condições que possibilitaram seu aparecimento e que passam a

influir em seu desenvolvimento como capacidade idividual e como artefato sócio-

cultural:

a) a voluntariedade (capacidade de atuar intencionalmente, que faz os humanos

agirem de modo planejado, de modo que cada ato humano vem a ser a

concretização de um projeto motor, por mais complexo que for);

b) a cognição inteligente ou capacidade de conhecer, de produzir conhecimentos cada

vez mais confiáveis e úteis; e

c) a afetividade tipicamente humana, caracterizada pelos sentimentos (vivências

relacionadas com a satisfação ou a com a frustração das necessidades

superiores), que emergiu como estágio superior da emotividade (capacidade de

manifestar agrado ou desagrado com a satisfação ou a insatisfação das

necessidades naturais).

Tudo isto resultou em uma outra qualidade tipicamente humana: a capacidade laboral.

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Page 65: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

Surgiu o trabalho como mudança intencional da natureza com o propósito de satisfazer

as necessidades humanas naturais e sociais. Atividade que passou a se refletir na

própria identidade do trabalhador, determinando ao menos grande parte daquelo em

que ele se torna.

O Potencial para Conhecer

Outro aspecto da dinâmica dos conhecimentos como patrimonio coletivo é seu

potencial de ampliação e aperfeiçoamento traticamente ilimitado. Só a imaginação.

Fenømenos da consciênca individual, tem horizontes mais ilimitados que o

conhecimento e, em geral, a imaginação e a curiosidade são os fatores

predisponentes mais importantes para conhecer. Os recursos que formam o potencial

para conhecer se dividem em duas vertentes: os individuais e os coletivos (sociais).

O conhecimento humano (individual e coletivo) evolui permanentemente, em termos de

crescimento quantitativo e em reformulação qualitativa. Os conhecimentos de um

instante são reformulados ou inteiramente substituídos nos momentos seguintes. A

cada dia publicam-se milhares de trabalhos científicos que ampliam, aperfeiçoam e

derrubam conhecimento tidos como verdadeiros. Pode-se presumir que este ritmo

evolutivo tende a se acentuar vertiginosamente no futuro imediato. Tanto em termos do

conhecimento acumulado nos indivíduos, como nas entidades sócio-culturais e

recursos para conhecer.

O potencial individual humano para conhecer se assenta em praticamente todos os

atributos psicológicos: sensopercepção, pensamento inteligente, pensamento criador,

memória, consciência, afetividade (notadamente o interesse e a auto-estima), a

psicomotricidade (especialmente a liguagem), a curiosidade, as necessidades.

Dois aspectos importantes dos fatores sociais determinantes do potencial cognitivo de

uma população são:

a) o grau de desenvolvimento sócio-econômico e cultural daquela população e

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b) o grau de justiça na distribuição dos fatores propiciadores do desenvolvimento.

Quanto maior o mais bem distribuído o potencial cognitivo de um povo, maior será seu

desenvolvimento econômico e social.

O potencial médico-científico do Brasil se assenta nas investigações básicas

(pesquisas que se realizam no âmbito das ciências básicas e as pesquisas clícas que

se realizam nas ciências clínicas e nas ciências básicas aplicadas e ambas as

situações, vale-se do método clínico, que se vale da semiologia médica, das clínicas,

especialmente da terapêutica.

A observação é a essência metodológica dos procedimentos clínicos de investigação,

impropriamente denominado método clínico, porque não é um método mas uma técnica,

uma aplicação prática do método de observar sistematicamente os enfermos em busca

da verdade para auxiliá-los. O método clínico que foi iniciado como experiência

indutiva, se completou com o avento dos procedimentos hipotéticos-dedutivos. Da

mesma maniera que os métodos quantitaivos e qualitativos de investigação se

completam na busca de conhecer cientificamente.

O que se denomina método clínico é um procedimento de observação sistemática de um

ou mais casos clínicos e que caracteriza a investigação médica desde tempos

imemoriais e que foi fixado em sua essência desde o século dezoito. Os procedimentos

experimentais podem lhe ser agregados (e é necessário reconhecer sua vantagem

como instrumento científico por sua maior capacidade preditiva e heurística) sempre

que isto for possível e não sacrifique os objetivos, a confiabilidade e a validade do

estudo. Os processos experimentais não substituem o método clínico, completam-no.

A observação é o método científico no qual o investigador não interfere nos fenômenos

estudados; divide-se em: observação subjetiva, auto-observação ou autoscopia,e observação

objetiva.

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Page 67: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

Dinâmica do Conhecimento

Os processos mentais são fenômenos mais complexos e dinâmicos que acontecem

aos seres humanos, entes complexos e dinâmicos por definição. Por isto, mesmo a

metáfora do reflexo para explicar o paralelismo entre o conhecimento e os fatos

conhecidos não podem nem devem ser entendidas estaticamente. Por isto, sua

apreciação deve ser dialética. Dinâmica por definição.

Quando se pretende estudar a dinâmica do conhecimento, com o sentido de

processamento cognitivo sensível e inteligente, verifica-se que este se dá na

dependência de diversos níveis estruturais e cada um deles desempenha seu papel no

processo, ainda que algum deles se destaque mais que os outros nesta ou naquela

situação, nesta ou naquela fase. Quanto melhor o funcionamento de cada um desses

níveis, tanto melhor há de ser o resultado cognitivo final.

Os diversos níveis funcionais do processamento lógico do conhecimento são: o

anátomo-fisiológico (que pressupõe a integridade das estruturas anátomo-funcionais

indispensáveis à sua existência);

- o psicológico (porque envolve mecanismos subjetivos sensoriais, perceptivos, do

pensamento inteligente, do pensamento criador e da memória e os mecanismos que

permitem acessar o acervo já existente de informações);

- o lógico (que abrange a estruturação racional e o processamento inteligente das

idéias, principalmente o elenco de métodos e procedimentos inteligentes) e

- o sócio-cultural (os valores culturais, inclusive a quantidade e a qualidade das

relações estabelecidas entre os elementos do acervo de informações representado

pelo conhecimento de alguém e de sua comunidade cultural).

Os níveis estruturais e funcionais responsáveis pelo conhecimento, através da

experiência sensorial ou por meio do processamento lógico das idéias, são:

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Page 68: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

- o nível anátomo-fisiológico (pressupõe a integridade das estruturas e funções

humanas indispensáveis ao seu desempenho, não apenas as do sistema

nervosos central, mas as de todo organismo, notadamente da adaptabilidade e

plasticidade das estruturas neuropsicológicas);

- o nível psicológico (porque envolve mecanismos subjetivos sensoriais,

perceptivos, do pensamento inteligente, do pensamento criador e da memória e

os mecanismos que permitem acessar o acervo já existente no psiquismo de

informações; aos quais se deve acrescentar os fenômenos e processos afetivos,

especialmente o interesse, a motivação e a auto-estima);

- o nível psicopatológico (porque os fenômenos psicopatológicos como as

paixões, as muitas formas de ansidade, a depressão, as esquizopatias e outros);

o lógico (que abrange a estruturação racional e o processamento inteligente das

idéias, principalmente o elenco de métodos e procedimentos inteligentes);

- o nível lógico (que abrange a estruturação racional e o processamento

inteligente das idéias, principalmente o elenco de métodos e procedimentos

inteligentes);

- o nível gnosiológico e o sócio-cultural (os valores, inclusive a quantidade e a

qualidade das relações estabelecidas entre os elementos do acervo de

informações representado pelo conhecimento de alguém e de sua comunidade

cultural);

- o nível epistemológico (disciplina que estuda o conhecimento científico).

- o nível sócio-cultural (os valores culturais, inclusive a quantidade e a qualidade

das relações estabelecidas entre os elementos do acervo de informações

representado pelo conhecimento de alguém e de sua comunidade cultural).

Quanto melhor o funcionamento de cada nível, tanto melhor há de ser o resultado

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Page 69: 2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento

cognitivo. Também é possível considerar a dinâmica do conhecimento do ponto de

vista objetivo. Neste sentido, leva-se em conta a progressiva acumulação de

informações resultantes do acúmulo e da integração de conhecimento obtidos em

todas as fontes. O processo de acumulação do conhecimento pela humanidade deve

ser entendido como uma forma particular de trabalho social, ainda que ele se

concretize em indivíduos.

Contudo, a rigor, devem ser extremamente raros os conhecimentos ou procedimentos

cognitivos que possam ser atribuídos inteiramente a um único sujeito cognoscente.

Principalmente quando se trata do conhecimento científico, sempre uma obra coletiva

que ultrapassa os limites das gerações, muito mais que das individualidades, por mais

que um procedimento cientício pasa ser realizado por um único investigador ou

aplicador. Caso se inicie da linguagem esta é um patrimionio coletivo porque fruto da

contrbuição de inumeráveis falantes em incontáveis gerações.

Neste aspecto, deve-se destacar a interação completa que existe entre a produção de

conhecimentos, sobretudo de conhecimentos científicos, e sua transformação em

recursos tecnológicos; o incremento que a fartura de recursos tecnológicos

proporcionam à produção de bens, serviços e riqueza. Enquanto o incremento da

produção de bens serviços e riqueza aumenta a produção de conhecimentos científicos

e o aperfeiçoamento dos conhecimentos existentes.

Outro aspecto da dinâmica dos conhecimentos é seu constante aumento e

aperfeiçoamento. Os conhecimentos estão em permanente evolução nesses dois

sentidos – o quantitativo e o qualitativo.

Os conhecimentos de um dado momento não são apenas ampliados quantitativamente,

são reformulados inclusive qualitativamente ou, mesmo, inteiramente substituídos em

momentos seguintes. A cada momento estão sendo publicados trabalhos científicos

que aperfeiçoam e derrubam conhecimento tidos como verdadeiros até então esta

superação (ou negação) do momento anterior de um processo pelo momento que se

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lhe segue é o que se denomina progresso ou desenvolvimento.

Ainda na primeira metade deste século, os cientistas acreditavam que os átomos eram as menores partículas existentes na natureza e que eram, como informa se nome, indivisíveis.

Logo descobriu-se que os átomos eram fracionáveis e compostos por elementos menores, as partículas elementares subatômicas, as quais foram tidas como as menores frações da matéria e também tidas como indivisíveis. Entretanto, este conhecimento também já foi desmentido, sabe-se, hoje, que as partículas subatômicas elementares também têm uma estrutura de componentes mais elementares. Outras disputas para explicar a natureza do mundo como a relação matéria e energia, corpúsculos e ondas também são bons exemplos.

Além disto, estrutura do mundo (natureza, sociedade e ser humano) está dividida em

diversos níveis de organização e os conhecimento sobre cada um deles não são,

necessariamente, transponíveis para outro.

Influências Objetivas e Subjetivas no Conhecimento

Qualquer que seja a forma pela qual se aborda o estudo do conhecimento ou a

intenção de que promove tal estudo, deve ser sempre possível verificar que confluem

para ele influência objetivas e subjetivas.

Quando se avalia a contribuição de fatores objetivos e subjetivos deve-se destacar que

nem sempre é possível separar e distinguir completamente cada uma destas duas

instâncias da existência humana. Tal separação se dá sempre como um exercício de

abstração, impossível de ser concretizado.

E o leitor deve ser advertido disto. Quem se dedica a estudar qualquer ciência, especialmente uma ciência do Homem, deve ter sempre presente a impossibilidade de separar os fatores objetivos e os subjetivos, os materiais e os psicossociais na emergência e no desenvolvimento dos construtos psicológicos. Sejam afetivos, cognitivos, psicomotores ou integrativos (da memória – integração mediata – ou da consciência – integração mediata)..

Considerando a dinâmica do conhecimento objetivamente, deve-se considerar, antes

de mais na seus motivos objetivos, principalmente os interesses objetivos que motivam

sua busca e sua construção. Neste sentido, leva-se em conta a progressiva

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acumulação de informações resultantes do acúmulo e da integração de conhecimento

obtidos em todas as fontes, devendo-se considerar a existência dos conhecimento pré-

existentes na consciência que possam ser relacionados com o que estiver sendo

elaborado. Em princípio, quando mais se conhece, mais aptidão existe para conhecer.

O caráter social do conhecimento é outro condicionamento objetivo que deve ser

considerado nele. O processo de acumulação do conhecimento pela humanidade deve

ser entendido como uma forma particular de trabalho social, ainda que ele se

concretize em indivíduos. Não fosse por outra razão, a natureza verbal das cognições,

sobretudo, as mais elaboradas, asseguram-lhe o caráter social. Principalmente quando

se trata do conhecimento científico, sempre uma obra coletiva que ultrapassa os limites

das gerações, muito mais que das individualidades.

Neste aspecto, deve-se destacar a interação completa que existe entre a produção de

conhecimentos, sobretudo de conhecimentos científicos, e sua transformação em

recursos tecnológicos; o incremento que a fartura de recursos tecnológicos

proporcionam à produção de bens, serviços e riqueza. Enquanto o incremento da

produção de bens serviços e riqueza aumenta a produção de conhecimentos científicos

e o aperfeiçoamento dos conhecimentos existentes.

Recursos para Conhecer

As pessoas dispõem de uma gama relativamente grande de recursos para conhecer.

Recursos naturais diretos (as diferentes qualidades de senso-percepção) e indiretos

(raciocínio ou pensamente inteligente). Uma consequência direta da separação que a

ciência e a filosofia que os positivistas da modernidade trataram de fazer, foi a distinção

que se estabeleceu entre a linguagem e o pensamento. Separação esta que é

inaceitável por quem pretende saber o que há de essencial no processo de conhecer.

A linguagem articulada e sua correspondência gráfica – a escrita – têm se revelado os

melhores meios para conhecer o pensamento e o mundo subjetivo da outras pessoas

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(que não o sujeito cognoscente), conseqüentemente, o processo cognitivo e aprodução

que ele gera tem se mostrados componentes essenciais no conhecimento do mundo e

no domínio da natureza.

Recursos artificiais auxiliares (conhecimento dos procedimentos químicos e biológicos

es instrumentos físicos que ampliam a capacidade sono-perceptiva e racional, ou que

as substituem são conseqüências da capacidade cognitiva e do uso da linguagem).

Aqui se destacam os recursos computacionais que não apenas possibilitaram aplicar

velocidade vertiginosa ao processamento das informações, possibilitaram a criação de

bancos de dados com farta acessibilidade, disponibilizaram modelos incíveis para

serem trabalhados (inclusive do pensamento).

Nos processos de conhecimento, em geral, intervêm ou podem intervir os seguintes

recursos lógico-psicológicos:

- as sensações e as sínteses perceptivas elaboradas com elas podem ser

consideradas como os primeiros frutos dos processos diretos de conhecer;

- além deles, existem os recursos indiretos para conhecer (recursos tecnológicos

destinados a ampliar as possibilidades sensoriais em termos de acuidade e até

de tornas perceptiveis impossíveis de serem captados e processados pelos

humanos, aparelhos ópticos, de gravação sonora, de raios-x e outras

radiaçnoes, recursos de mensuração e outros); e

- os processos mentais que ampliam as possibilidades cognitivas (senso-

percepção, atenção, memória, pensamento inteligente, imaginação, capacidade

verbal).

Parece essencial reconhecer o caráter simultaneamente lógico e psicológicos dos

recursos cognitivos, além de seu caráter, simultaneamente fisiológico e sócio-cultural.

Estes atributos dialéticos dos recursos para conhecer assinalam a identidade do

conhecimento produzido com eles. Os dados sensensoperceptivos, da imaginação, da

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memória e do pensamento inteligente se revelam através de funções mentais

específicas.

A razão e a sensibilidades configuram-se como instrumentos e caminhos psicológicos

naturais para conhecer o mundo. Os reducionsmo naturalista e culturalista servem

como fatores de atraso ou retrocesso na missão e do compromisso científico e ajudar

os humanos em sua busca incessante de sobrevivência e bem estar.

Nenhum reducionismo recionalista ou empiricsta poderá dar conta de entender a

realidade bio-psicossocial dos seres humanos.

Conteúdos Mentais Conscientes e Não Conscientes

Desde Aristóteles já se supunha a existência de três planos nos quais se manifestava a

atividade mental: o plano da consciência (as imagens mentais presentes), o plano da

subconsciência (composta por dados que não estão na consciência mas são

evocáveis) e o plano da inconsciência (território mental dos dados inevocáveis). A

inconsciência (que muitos preferem chamar inconsciente) consta de imagens mentais

que nunca foram conscientes (porque captados nas franja sub-liminares ou supra-

liminares da percepção); de engramas que já foram conscientes mas esquecidos (por

economia biológica, desuso ou repressão defensiva).

A evocabilidade é a chave para diferenciar a consciência, da sub-consciência e da

inconsciência.

Esses condicionamentos e mais as aptidões cognitivas humanas lhes permitiram

desenvolver a capacidade de conhecer e ampliar cada vez mais seu acervo de

conhecimentos. Por isto pode-se situar as raízes do conhecimento como resultado da

curiosidade e da tendência biológica e psicológica de satisfazer suas necessidades.

Tanto a necessidade indeterminada de conhecer-se e de conhecer o mundo, quanto a

necessidade de resolver problemas específicos, de explicar, de prever, todas

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entendidas como mecanismos adaptativos.

A informação conhecida pode ser verdadeira ou inteiramente falsa, mas o ato de

conhecer é sempre real. Sim, o conhecimento pode ser mencionado como uma

realidade humana simultaneamente psicológica e lógica, subjetiva e objetiva, natural e

cultural; mas constitui sempre um acontecimento real (ainda que subjetivo e abstrato)

que se materializa e se concretiza geralmente em um dado verbal, mas pode ser

objetivado por qualquer outro comportamento e representado de muitas maneiras

diretas e indiretas, imediatas e mediatas, como haverá de se verificar adiante, no

estudo deste capítulo. Todo conhecimento existe como conhecimento de alguma coisa.

Não existe nem pode existir conhecimento sem sujeito ou sem objeto.

Tanto como fenômeno psicológico ou psicopatológico, quanto como manifestação

lógica, gnosiológica ou epistemológica, a capacidade humana de conhecer o mundo,

especialmente o conhecimento científico das coisas, se origina em duas ordens de

qualidades humanas muito comuns e desprentenciosas: a curiosidade e a

desconfiança, de um lado, de outro, sus necessidades. Inicialmente, a necessidades

biológicas, sobretudo as necessidades de sobrevivência, procriação e mais as outras

todas que redundam em segurança e conforto para si e para os seus.

A manifestação comportamental consciente (desejo) ou automática (tendência) da necessidade de conhecer pode ser chamada de curiosidade. Primeiro, o ser humano precisa conhecer para atender às suas necessidades essenciais de sobreviver e procriar. e de satisfazê-las com a maior comodidade que for possível nas circunstâncias em que vive. Depois, passa a procurar conhecer mais para satisfazer às necessidades menos prementes e mais distantes de sua origem e de suas intenções imediatas.

Contudo, quanto mais o ser humano conhece, mais cria recursos mais sofisticados para satisfazer suas necessidades e com isto cria novas necessidades a serem satisfeitas. E estas novas necessidades multiplicam a necessidade de saber mais e mais, cada vez mais, sempre mais. Incessantemente. Por isto, o ser humano nunca está completamente satisfeito. A satisfação de uma necessidade humana gera-lhe outras e outras mais, indefinidamente. Os homens se mostram seres permanentemente insatisfeitos.

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Quanto mais conhece, mais os humanos necessitam saber. Não apenas movido por necessidades imediatas e mediatas conscientes, mas por uma tendência psíquica específica de conhecer e de poder fazê-lo. Necessidade de dispor dos recursos que criou e necessidades de satisfazer as necessidades geradas por tais recursos. Em um círculo evolutivo permanente. Mas também aumenta sua curiosidade.

Não é demais repetir que, como todas as condutas e qualidades humanas consideradas essenciais, a possibilidade de conhecer (e o conhecimento resultante) surgiram e se desenvolveram para satisfazer às suas necessidades. Culminaram com a necessidade de conhecer e necessidade de aprender para melhorar suas possibilidades de adaptação e de intervir no mundo visando sua sobrevivência e seu conforto.

A experiência de produzir para viver e para sobreviver, seus sucessos e seus fracassos

mesta atividade, ensinaram a necessidade de conhecer para prever, planejar e agir

com eficiência, eficácia e efetividade. Cada uma destas palavras encerra um

significado necessário de ser aprendido, exercitado e aperfeiçoado pelos humanos.

A ciência, modalidade especial de conhecimento, o conhecimento científico, resultou

desse processo e constitui o momento mais refinado do desenvolvimento cognitivo que

possibilita o conhecimento do mundo e de si mesmo. Tal conhecimento não é o melhor

por ser científico; é chamado científico exatamente porque é o melhor.

A cada momento da História da humanidade, denomina-se como científica a maneira

mas fidedigna e mais válida para conhecer. Categorização que se mostra diferente em

cada momento histórico, na dependência de várias circunstâncias, destacando-se a

quamtidade e a qualidade dos recursos disponíveis para conhecer.

O caráter interativo, tanto do conhecimento-processo como do conhecimento-resultado

se destaca entre as qualidades do conhecimento, desvela uma interação entre o sujeito

cognoscente e o objeto conhecido; uma ação subjetiva humana, ao menos no sentido

com que se emprega aqui, que se apropria de alguma informação sobre algo, inclusive

sobre si. Essa forma de relação dos seres humanos com o mundo pode ser chamada

de cognitiva. Uma relação especial com o mundo através do conhecimento que se

tenha dele.

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