rota 66 caco barcellos
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Rota 66 Caco Barcellos
29 EDIAO Copyright 1992 by Caco Barcellos Foto de capa: Agncia Ondas Direitos mundiais de edio em lngua portuguesa cedidos a EDITORA GLOBO S.A. Rua Domingos Srgio dos Anjos, 277, CEP 05136, So Paulo. Tel.: (011) 836-5000, Fax: (011) 864-0271, SP. Brasil Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta edio pode ser utilizada ou reproduzida em qualquer meio ou forma, seja mecnico ou eletrnico, fotocpia, gravao etc. nem apropriada ou estocada em sistema de banco de dados, sem a expressa autorizao da editora. CIP-Brasil. Catalogao-na-fonte Cmara Brasileira do Livro, SP Barcellos, Caco. Rota 66 / Caco Barcellos apresentao de Narciso Kalili. 29. ed. So Paulo : Globo, 1997 Crimes e criminosos - So Paulo (SP) 2. Reprteres e reportagens So Paulo SP 3. Violncia - So Paulo (SP) 1. Titulo. ndices para catlogo sistemtico: 1. So Paulo : Cidade : Jornalismo investigativo Reportagens criminais : So Paulo : Cidade : So Paulo : Cidade : Reportagens Crimes e criminosos ISBN 85-250-1118-5
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Sumrio
Apresentao
Primeira Parte Rota 66
1. A Perseguio
2. Doutor Barriga
3. Reservada aos Heris
4. O Futebol
5. Quero Ser Primavera
6. No Atirem!
7. A Armao
8. O Pior do Passado
9. O Julgamento
Segunda Parte Os Matadores
10. Crime sem Castigo
11. O Rei da Pontaria
12. Hospital: Esconderijo de Cadver
13. Matador de Inocentes
14. O Campeo dos Matadores
15. Os Desaparecidos
16. Matador Modelo
Terceira Parte Os Inocentes
17. A Polcia Fala Mais Alto
18. Deputado Matador
19. Mataram um Amigo Seu
20. Pixote, Como no Cinema
21. Pelo Amor de Deus, No me Mate!
22. O Bbado
23. Radiografia
COLABORADORES INVESTIGAO Reprteres Especiais:
Daniel Annenberg, Luciana Burlamaqui
BANCO DE DADOS Operadores: Wanderley Aparecido Silveira e Luis Carlos Sardinha (em
memria)
Levantamento de dados: Sidney M., Dcio Mercaldi Galina, Ana Cristina Carvalho, Carlos
Maurcio de Souza
Digitadores: Rosngela Pcolo Garcia (criao de programa), Daniela Azevedo,
Renata Carvalho, Flvio Siqueira
AGRADECIMENTOS
Albeniza Garcia, Alberico de Souza Cruz, Aldo Galiano Jnior,
Augusto Fragelli, Carlos Schroder, Celso Kinj, Cludio Tognoli,
Eduardo Muylaert, Emilio Chagas, FamiliaJunqueira, Famlia
Noronha, Funcionrios da Auditoria Militar de So Paulo,
Funcionrios do Distribuidor Criminal da Justia Civil de So
Paulo, Funcionrios do Instituto Mdico Legal, Hugo S Peixoto,
lan, Jorge Pontual, Jos Reginaldo de Carvalho, Luiz Gonzalez,
Maurcio Maia, Mnica Thau, Nelson Massini, Pastoral Vila
Brasilndia, Patrcia Melio, Pedro Montoam, Raul Bastos, Renato
Rodrigues, Rubens Brasil MaIuf, Silvio Roberto Richetti, Suzana
Lisboa, Sylvia Saio, Toninho Pereira, Wilson Serra
Agradecimento especial: Beatriz Fragelli
Apresentao de Narciso Kalil
Apresentao
Caco Barcellos um jornalista que tem lado.
Alis, lado que ele, desde o comeo da carreira, no Rio
Grande do Sul, nunca escondeu. Um lado que continua o mesmo
o dos mais fracos, o das vtimas. Ele no est sozinho neste lado
do jornalismo. Caco segue o exemplo de gente daqui e de fora, que
no se aquece na prpria vaidade nem proclama uma viso cnica
de mundo, quase sempre um horizonte que no vai alm do
prprio umbigo. Lendo o livro do Caco, me vem lembrana um
jornalista, Donald Wood, e o livro dele, Biko, escrito em
homenagem ao lder estudantil negro Stephen Biko, torturado e
morto pela polcia poltica da frica do Sul. Alis, o livro de Wood
comea onde termina o livro do Caco uma relao de pessoas
torturadas, assassinadas, e verso oficial para justificar as
mortes. Verses que variam pouco: tentativa de fuga, resistncia a
priso, suicdio...
Os jornalistas que escolhem ter lado, no importa onde
estejam, acabam tendo comportamentos muito parecidos: sofrem
as mesmas presses, lutam pelos mesmos princpios. Este lado
que jornalistas como Donald Wood e Caco Barcellos escolheram
no confortvel. E lugar para ser ocupado por gente de talento,
sensibilidade; gente que, antes de tudo, tenha coragem. A coragem
que levou o branco sul-africano a escrever um livro defendendo
um negro na sociedade mais racista do mundo. Coragem, alis,
tambm presente nas reportagens do Caco Barcellos. No me
saem da cabea as imagens e o choro dos personagens que ele foi
conduzindo em quase uma hora de pura emoo, revelando a cada
momento a sordidez e a violncia dos crceres militares. Guardo
at hoje a emoo que travou meu peito depois de ter assistido ao
trabalho sobre brasileiros desaparecidos durante a ditadura
militar; homens e mulheres assassinados nas sesses de tortura.
A reportagem, impecvel, permanece indita at hoje. A busca da
verdade no impede que Caco exercite sua sensibilidade: os
relatos que faz tm fora, so substantivos. Para ele, estar de um
lado no significa distorcer a realidade, mas aprofundar
discordncias, radicalizar diferenas. E o respeito conquistado em
razo da honestidade e da credibilidade deixa-o vontade para
circular em qualquer uma das verses dos acontecimentos, o que
traz como resultado ser sempre ele o autor da melhor histria.
As andanas de Caco Barcellos, reprter, levaram-no a
caminhos e situaes dspares. Ele foi dado como perdido,
seqestrado e vagando pela selva colombiana; refm de
guerrilheiros e procura dos seqestradores de engenheiros da
Petrobrs; viveu horas de angstia quando junto com equipe foi
aprisionado por contrabandistas do Paraguai e ficou a um passo
da morte. As situaes repetiram-se nos seus mais de 18 anos de
carreira. No importa se foram sensacionais ou simples registros.
Ele est sempre recomeando. A marca principal do trabalho
desse reprter a dedicao, a pacincia e o talento para
descobrir onde ficam as pontas que ligam todas as histrias.
Histrias que ele conta neste livro que nunca parou de escrever e
que vai continuar escrevendo durante toda a vida. Com a mesma
diligncia, a mesma dedicao, a mesma humildade, o mesmo
respeito pelas pessoas e por suas histrias. Respeito que ele
sempre teve e ter. Porque Caco Barcellos um jornalista que est
do lado da maioria. O lado dos desgraados, dos miserveis. Gente
sem privilgios, indefesa, e para quem o trabalho de jornalistas
como Caco Barcellos ou Donald Wood representa a porta de
entrada em direo vida.
Narciso Kalili
So Paulo, 6 de agosto de 1992
Primeira Parte
Rota 66
Captulo 1
A Perseguio
A Veraneio cinza nunca esteve to perto. A 200, 300 metros,
15 segundos. A sirene parece o rudo de um monstro enfurecido.
Os faris piscam sem parar. O farolete porttil de 5 mil watts
lana luzes no retrovisor de todos os carros frente. Os
motoristas, assustados, abrem caminho com dificuldade por
causa do trnsito movimentado nesta madrugada de quarta-feira,
no Jardim Amrica. A Veraneio, com manobras bruscas, vai
chegando perto, cada vez mais perto do trs homens do Fusca
azul. Eles esto na Maestro Chiafarelli e tm frente uma parede
de automveis espera do sinal verde para o cruzamento da
avenida Brasil. O motorista do Fusca azul, Francisco Noronha,
sem tirar o p do acelerador, reduz da quarta marcha para a
terceira, em seguida para a segunda, e, ao girar o volante
esquerda, a roda dianteira bate no canteiro divisor de pista. Sem
perder o controle, imediatamente ele gira direita e segue em
direo calada oposta. Sobe o meio-fio. Quase atropela um
grupo de jovens, que tenta proteo junto ao muro. Ao desviar
deles, por sorte, bate com a traseira em um poste na esquina. O
Fusca se alinha sobre a calada da Brasil, com a frente apontada
direita, que est livre para a fuga. Ateno, tigro. Prioridade
rua Maestro Chiafarelli. Maestro Chiafarelli, QSL, tigro? A
prioridade agora Maestro Chiafarelli. Trs elementos Fusca azul.
QSL. QSL, tigro? Cmbio. Os cinqenta tigres esto espalhados
pela cidade, cinco em cada uma das dez Veraneios cinza. to logo
ouvem a ordem da Central de Operaes, via rdio, comeam a
voar baixo em direo ao Jardim Amrica. Os tigres que esto
mais perto do Fusca azul so 05 da Rota 13. O ponteiro do
velocmetro marca 110 quilmetros. O soldado motorista reduz,
breca, gira todo o volante direita. A Veraneio roda em um ngulo
de 90 graus. Bate de lado na traseira dos carros que aguardavam
a abertura do sinal. Com o carro ainda em movimento, o soldado
posiciona o cmbio na terceira marcha, em vez da primeira, e a
Veraneio avana sem fora alguns metros. O barulho das velas do
motor acusa o erro at ele acertar a posio. Ao lado do motorista,
o sargento comandante da Rota 13 tem o dedo indicador esquerdo
grudado no boto da sirene. Com a mo direita, ele pega o
microfone do rdio e grita ao operador da Central de Operaes
(Copom).
Fusca azul agora na Brasil. QSL, Copom. Brasil! QSL?
Positivo, tigro. Brasil. Viva o Brasil!
O rudo da sirene est mais distante. Noronha tenta tirar
vantagem da feliz manobra da esquina. Percorre todo o quarteiro
forando a segunda mar