articulo jose carlos barcellos

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Literatura e teologia: perspectivas teórico-metodológicas no pensamento católico contemporâneo José Carlos Barcellos· Sinopse Este artigo apresenta uma visão global das propostas de articulação entre literatura e teologia no pensamento católico contemporâneo. Através do estudo de autores como Chenu. Jossua. Gesché e Kuschel. entre outros. podem-se distinguir três grandes paradigmas na abordagem dessa questão: um paradigma hermenêutico. um paradigma heurístico e um paradigma interdisciplinar. Palavras-chave: Literatura e Teologia; Hermenêulica Literária; Metodologia Teológica. Abstract This paper intends to presenl a global view of some pattems of the relationship between Iiterature and theology in Catholic contemporary thought Through the study of some well-known authors Iike Chenu. Jossua. Gesché and Kuschel. among others. it is possible to establish three main paradigms lhal have presided over lhe approach lO lhis subject: lhe hermeneutical. the heuristic and lhe inlerdisciplinary paradigms. Key words: Lilerature and Theology; Lilerary Hermeneutics; Theological Method. • Doutor em Lelras pela USP e em Teologia pela PUC-R!; professor da Universidade Federal Fluminense-UFF; bolsista da FAPER!.

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Literaturaeteologia: perspectivasterico-metodolgicasno pensamentocatlicocontemporneo JosCarlosBarcellos SinopseEsteartigoapresentaumavisoglobaldaspropostasdearticulaoentreliteraturae teologia nopensamentocatlicocontemporneo.AtravsdoestudodeautorescomoChenu.Jossua. Gesche Kuschel.entreoutros.podem-sedistinguirtrsgrandesparadigmasnaabordagem dessaquesto:umparadigmahermenutico.umparadigmaheursticoeumparadigma interdisciplinar. Palavras-chave:Literaturae Teologia;HermenulicaLiterria;MetodologiaTeolgica. Abstract This paper intends to presenl a global view of some pattems of the relationship between Iiterature and theology in Catholic contemporary thought Through the study of some well-known authors IikeChenu.Jossua.GeschandKuschel.amongothers.it ispossibletoestablishthreemain paradigmslhal have presidedover lhe approachlOlhis subject: lhe hermeneutical. theheuristic andlheinlerdisciplinary paradigms. Key words:LileratureandTheology;Lilerary Hermeneutics;TheologicalMethod. DoutoremLelraspelaUSPe emTeologiapelaPUC-R!;professordaUniversidadeFederal Fluminense-UFF;bolsistadaFAPER!. los Carlos BarcellosAproduocrticacontemporneaque,dealgummodo, sere-porta relaoentreliteraturaeteologiajpropriamente inabarcvel. Chamaa atenono apenaso grandenmerode obrasrecentementepublicadas, nos maisdiferentes quadrantes, acercadessaproblemtica,massobretudo a extremadiversida-dedeobjetivos,fundamentostericoseprocedimentos metodolgicosporelasadotados.Defato,temosdesdeuma comparao- deresto,inteligentssimae profundamenteorigi-nai- entre Mme Bovary e santaTeresinhado Menino Jesus,1at o estudo circunstanciado da presena da mstica renano-flamenga naobradeGuimaresRosa.2Ouainda,desdea exposioda cristologiadequatro destacadosliteratosfeitapor umtelogo derenome,3ata anlisehistrico-cultural dasrelaesentrea teologiadalibertaoe a literaturalatino-americana.4Podera-mosmencionar aindaa grandetrilogiadevonBalthasar - Gl-ria,Teodramtica,Teolgica- , cujapublicaooriginaldata dosanos60a 80e naqualserecorrecopiosamentea fontes Iiterrias,5alguns trabalhos de cunho maisbiogrfico,6 e mesmo vriosestudossobrea teologianaobradeautoresmanifesta-menteateusouagnsticos,?almdeinmerasanlisesdete-mas religiososouteolgicosnaliteratura.B Micheline HERMINE, Destinsdefemmes,dsird'absolu.[Para referncias bibliogrficascompletas destes edos demais ttulos,cf. as Referncias Bibliogrficas no final do artigo.]2 Heloisa Vilhena de ARAJO, OroteirodeDeus. 3 Olegario GONZLEZ DE CARDEDAl, Cuatropoetasdesdelaobraladera. 4 Jos Luiz GMEZ- MARTINEZ (org.), Teologiay pensamientodelaliberacinenla literaturaiberoamericana;Luis N. RMRA PAGN, Mito,exilio ydemonios;Ral FORNET-BETANCOURT (org.], AteologianahistriasocialeculturaldaAmricaLatina,v. 3, p.107-69.5 Hans Urs von BALTHASAR. Gloria; Id., Teodrammatica;Id., Teologica.Ainda ~ h umestudo exaustivo da "teologia da literatura' de von Balthasar. Aesse respeito, cf. Alois M.HAAS. Hans Urs von Balhasa(s "Apocalypse ofthe German Soul.6 Cf., p. ex., Marlin C TAYlOR. SensibilidadreligiosadeGabrielaMistral;Christine VANROGGER-ANDREUCCI, Posieet religiondans/'oeuvredeMaxJacob;Peter STILWELL, A condiohumanaemRuy Cinatti. 7 Cf., p.ex., Maria Joaquina Nobre JLIO, OdiscursodeVerglioFerreiracomoquestionao deDeus;WaldecyTENRIO, A bailadoraandaluza;Id., Aconfisso da nostalgia.8 P. ex., Leopoldo DURN, Lacrisisdei sacerdoteenGrahamGreene;losef IMBACH, GesiJ nella letteratura contemporanea; GuidoSOMMAVILLA, Uomo,diavolo e Dio nella letteratura Numen:revista de estudos epesquisa da teligi.1o, Juiz de Fora, v. 3, n. 2, p. 9-30Literaturaeteologia: perspectivas terico-metodolgicas no pensamento catlico contemporaneo No entanto, poucos soostextosque seocupamdasques-testerico-metodolgicasenvolvidasnessasmlJltiplase diversificadastentativasdeaproximaoentrealiteraturaea teologia.Neste artigo,procederemosa umestudosintticodo pensamentodealgunsautorescatlicosqueversaram precipuamente essaproblemtica,9tentando apresentar uma vi-sodeconjunto dasposiespor elesassumidas. 10 2Atese de doutoramento do dominicano PieDuploy,La religion dePgUy-11 apresentadaemEstrasburgoem1964,teveumpa-peifundamentalemtermos de legitimao e perspectivao cr-ticado recursoliteraturapor parte dateologia. Nela, levanta-sedeformapioneiraa questo daratiohumaniorum Iitterarum theologica,isto ,do estatuto epistemolgico daliteraturapara ateologia.Partindodocontrasteentreimagemeconceito, Duploy trabalhacomumanoo deliteraturae umanoo de teologia primeiravistadicotmicas,masquelogoaseguir evidenciarosuaspossibilidadesarticulatrias: Seaceitarmos definir a literatura como uma certa viso do mundo ligadaa umsistemacoerentedeimagensquetraduzem,umae outro, a personalidade profunda de umautor (...),podemos admi-tir, aomenosa ttulo dedefinio antittica,a seguinte definio dateologia:umacertavisodeDeus,e do mundo queElecriou, emumconjunto coerentedeconceitos.Namedidaemque uma teologiaconcede imagem, elatende a setornar elaprpriauma contemporane;r, CristbalSARRIAS, Dios yiesucristo en la literatura actuaf, GiovanniCASOU,Presenzae assenzadiDionel/aletteraturacontemporanea. 9 Os textos seguintes tambm contm algumas observaes terico-metodolgicas pontuaisacerca da r e l ~ o entre literatura eteologia. No nos deteremos neles, porm. em prol dostextos em que essa r e l ~ o perspectivada de maneira mais ampla esistemtica. CharlesMOELLER, EI telogo ante la evolucin de la literatura y de la imagen dei hombre; UrbanoZILLES, Literaturaeteologia;AntonioBLANCH,Lo estticoy loreligioso:cotejodeexperienciasyexpresiones; Jean-Pierre JOSSUA, La posie, le savoir, le religieux.IO ~ o temos, evidentemente, a pretenso de propor um modelo que d conta de maneiraexaustiva de todas as possibilidades de relaes entre literatura e teologia. Interessa-nos,neste momento, apenas o pensamento daqueles autores que procuraram refletir teorica-mente sobre essa questo no mbito da teologia catlica.I1Pie DUPLOY, LareligiondePguy. Numen:revistadeestudose pesquisadarel1giao,JuizdeFora, v.3. n.2,p.9-30 losCarlosBarcellos literatura.Arelaoqueumateologiamantmcoma imagem exatamente,ento,aquelaque elamantmcom a /iteratura. 12 Parafundamentar a articulao entre a literatura e a teologia assimdefinidas,DuployrecorreaningummenosqueSo TomsdeAquino,quandoeste,reportando-seaoPseudo-Dionsio, afirma: Asrealidadespoticasnopodemser compreendidaspelarazo por causadeumadeficincia de verdadequeestnelas; asreali-dades divinas no podem ser compreendidas pelarazopor causa de suasuperabundante verdade. Realidadespoticase realidades divinas, por razes opostas, so obrigadas a apelar paraimagens. '3 Portanto,joprprioSoTomspercebiaaafinidadelin-gsticaentreodiscursoteolgicoeodiscursoliterrio,na medidaemque ambosrecorrem imagem.Ora, a grande crise do pensamento teolgico ocidental posterior a So Toms deve-seprecisamente perdade contato dateologiacoma cultura, que decorre demaneirainexorveldaperdade contato coma imagem, valedizer, coma literatura: No diaemque a teologiadeixou deser simblica, abriu-sea era dasgrandesdissociaesparaa culturacrist.Notendomais contatocoma culturaquea veiculou- a culturabblica-,bem maisradicalmente,perdeo seupotencialparaviveremsimbiose comtodaculturahumana,sejaelaqualfor,e antesdemaisnada coma culturaantiga. Nunca sepoderigualar smbolos a concei-tos. A relao que a teologia mantm com asimagens e a literatu-ra(Weltanschauung)deumapocadefineexatamentea relao que a teologiamantmcoma culturadessapoca.Umateologia semimagens umateologiasemcultura.C-)No diaemque a teologiapretenderviversemseussmbolosnativos,aquelesda Bblia, e comseus smbolos complementares, aqueles dasdiferen-tesculturas que asveiculam, umaalmaque pretende viver inde-pendentementedeseucorpo.Elatendea umaaxiomtica,a um sistema intemporaL14 12Ibid.,p.VII-VIII(nfasenooriginal). 13SoTomsdeAQUINO,Summatheologiae,gIIg,q. 102. a. 2, ad2,citapudPie DUPLOY,LareligiondePguy,p.X 14Ibid.,p.XI-XII(nfasenooriginal) 12 Numen:revistadeestudos e pesquisadareligi30,luizdeFora,v.3,n.2, p.9-30 Uteratura eteologia:perspectivasterico-metodolgicasno pensamentocatlicocontemporneoDuploy valorizaemPguy exatamente o reencontrodateo-logiacoma culturacontemporneaatravsdaliteratura.Parao crticodominicano,aliteraturadePguyumateologiasob formaliterria, o que abreperspectivasmuito ricase instigantes tantoparaa teologiaquantoparaosestudosliterrios. Doponto de vistametodolgico, cabeaindadestacar a nfa-sedadaporDuploy necessidadedeserespeitarocarter especificamenteliterrio emque estvazadoopensamentote-olgico de umautor como Pguy.Enfatizando a irredutibilidade do discursoliterrioa outrosdiscursos,Duployafirma: SeopensamentoreligiosodePguy umateologiasobforma literria(umateologiareveladapor umaliteratura), a primeirajus-tia a lhe ser feitatrat-Iacomo uma literatura e,por conseguin-te,nopretender compreend-Iaindependentemente daobrana qualelaseinscreve. 's Essaadvertncia, emperfeita sintonia com osprocedimentos dahermenuticaliterriacontempornea,parece-nosconstituir umprocedimentometodolgico bsicoparaqualquer trabalho sriosobreo sentidoteolgico daliteratura. UmaoutraobservaodeDuploytemtambmprofundas conseqnciasmetodolgicasparaessareadepesquisa.Lem-braele que, estabelecidaa separaoentreumateologiapura-mente conceitual e a literatura, estaltimapode aindapropiciar exemplosouilustraesparaaquela,mas,nessecaso,estare-moslidando comalgo meramente acessrioe,emltimaanli-se, suprfluo.16O debate que se seguiupublicao de La religion dePguy,centradonaidiade que a literaturapoderiaser o ~sideradaum "Iugar teolgico", mostraria a acuidade e relevncia dessasconsideraesdeDuploy. Foioutrotelogodominicano,Marie-DominiqueChenu, quem,numartigode1969,J7retomouaargumentaode 15 Ibid., p. xx. 16 Ibid., p. XI: "O divrcio entre a literatura e a teologia sendo fato consumado, a matria Iiterria,de vez em quando. pode fornecer reflexo teolgica exemplos. citaes. palavras.Tratar-se- apenas de ilustraes. - extrfnsecas. oprprio regime da teologia que deixoude ser literrio. para se tornar dialtico".17 Marie-Dominique CHENU. LaIiltrature comme"lieu"de la thologie.Numen:revista de estudosepesquisa da religio,Juiz de fora,v. 3,n. 2, p. 9-3013 JosCarlosBarcelios Duploye,pelaprimeiravez,referiu-se literaturacomo"lugar teolgico",sem,noentanto,explorarmaisamplamenteesse novoenfoquedoproblemaempauta.Numcertosentido,a leituraque Chenufezde Duploy desviouo eixo daquesto da possibilidadedeseconsideraraliteraturacomoformano-tericadeteologia(possibilidadeestaafirmadaenfaticamente porDuploya propsitodePguy)paraestoutradaliteratura como "lugar teolgico". Essamudana de enfoque, no obstante a recepoentusiastae francamentepositivaque Chenudao trabalhodeDuploy,nodeixadeserumasutilformadese voltar aoparadigmadeumateologiaespeculativa, numproces-sodereapropriaodo literriopeloteolgico. Odebateprosseguiria, em1976, quando Jean-Pierre Jossua e JohannBaptistMetzassinamoeditorialdeumnmeroda revistaConcilium totalmente dedicado aotemaliteraturae teo-logia.Nessetexto,decarterprogramtico,afirmamque Tambmnoseriasuficientevernaliteraturaum'lugarteolgico' onde uma teologia imutvel fosse buscar ilustrao eelementos que, no fundo, poderia igualmente ter descoberto por seus prprios mei-os.(-JTemosdeperguntar o que quesa literaturae nenhuma teologiaconceitualsercapazdedizer e expressar eficazmente. I8 Essamesmaargumentao foi retomadaeampliadapor Jossua emseulivro Pour une histoire reJigieuse de I'exprience Jittraire, de1985.19 Nele, Jossuavoltaa denunciar oquepoderiahaver deredutore instrumentalizantenaperspectivaodaliteratura como"lugar teolgico": A meu ver, satingimos o ponto essencialquando nos interroga-mos sobre o potencialcriador de linguagemreligiosaque a litera-turapossuie sobre suacapacidadeautenticamenteteolgica, ou seja, sualucidez crticasobre essacriao. C.)Assim, no somente uma produo de linguagem religiosa, usando recursos da criao literria, seriapreciosahoje, como tambmelapoderiaser consi-deradapropriamenteteolgica- seumcertoideal(seriapreciso dizer um certo fantasma)de "cientificidade" especulativa ou erudi-18JeanPierreJOSSUA,JohannBatistaMETZ,Teologiae literatura. 19JeanPierreJOSSUA,Pourunehistoirereligieuse deI'exprienceIittraire. Numen:revistadeestudos e pesquisadareligiao, JuizdeFora, v.3.n.2,p.9-30 I literaturaeteologia:perspeClivas terico-metodolgicasnopensamentocatlicota no amedrontasse sempre acomunidade dos telogos, ame-nos que ele justifique c el seu statusuniversitrio ameaado.Porpreliminarqueela seja,uma exploraodopoderreligiosodaliteratura,efetuado,deagora emdiante,visandoaincitar criao- enomaissomentecomopesquisadeumvago loeus theologieus entreoutros- participariadessecarterverdadeiramenteteolgico.20 Assim, o que haveria de problemtico (e no propriamenteerrado, note-se bem) na consideraoda literaturacomo"lugarteolgico"seria apossibilidade de ela ser reduzida aum teste-munhoamais- uma ilustraoouexemplo,porassimdizer- deverdadesconhecidastambm,quideforma maisamplaecom-pleta, atravs de outras fontes. Repudiando a idia do "lugarteolgico", Jossua retoma aperspectiva de Duploy que via naprpria literatura uma forma legtima de teologia.21Por outro lado, no debate acerca do que "s aliteratura enenhuma teologia conceitual ser capaz de dizer eexpressareficazmente",percebe-senitidamente,umafortepreocupaocomoproblemadomal.Essa preocupaosubjaztantoaopensamentodeRahner22quantoaodeHerv Rousseau,23 porexemplo.Esteltimoautorfaz uma distino,anossoverpoucorent-vel,entre"poderteolgicoimplcito"e"poderteolgicoexplci-to"da literatura. Poderteolgico explcitoteriam aquelas obrasliterriasquetematizamexplicitamentequestesteolgicas,po-der teolgico implcito teria qualquerobra literria, na medidaem quequalquerobra podeserobjetodeuma leiturateolgica.Parece-nos haver aqui uma pequena confuso de planos. Seriamais adequado falar na possibilidade de uma leitura teolgicade qualquer obra literria, sim, desde que se trate ou de umaleitura pragmtica (decarterteolgico)da obra em questoouentodesua utilizao em alguma etapa domtodoteolgico.Nessesdoiscasos,submeteramosaobra literria- diretamente,de maneira ingnua,ou atravs doconhecimentodohomem e20Ibid. p. 17-8.2I Essa perspectiva tambm foi compartilhada edefendida pelo grande escritor catlico ale-mo Heinrich Boll.Aesse respeito. cf.oexcelente artigo de Paulo AstorSOETHE. HeinrichBolI ealegitimao teolgica dodiscurso literrio.22 Karl RAHNER, Lapalabra potica y el cristiano.23 Herv ROUSSEAU. A literatura: qual seu poder teolgico?Numen:revista de estudos epesquisa da religio,Juiz defora,v. 3, n. 2, p. 9-30Jos Carlos Barcellosda histria por ela propiciado, de maneira mais elaborada - auma hermenuticateolgica,oqueem princpioperfeitamen-telegtimo,sem dvida.HMas,poroutrolado,poderamoscon-sideraralgumasobrasliterriaspropriamentecomoobrasteol-gicas, na medida em quearticulam significados teolgicos con-sistentes erelevantes j no momentoem quesejam submetidasapenasauma hermenuticaliterria. esta aposiodeDuployede Jossua, conformevimos acima.3Um exemplotpico doque seria autilizaoda literatura numaetapadomtodoteolgico- deresto,magnificamenteconduzida- pode ser encontrado na tese de Antonio Manzatto sobre aantropologiadeJorgeAmadoluzda teologia da Iibertao.25Na perspectiva de Manzatto,ateologia pode edeve recorrer literatura como mediao para a leitura da realidade,complementando ou at eventualmente substituindo amedia-o das cincias humanas esociais:Para chegarao antropolgico,compreenso doqueohomemedoqueelesignifica,ateologiapodeserajudadaporvriostiposdemediao,comodissemos.Ela podefazerapelofilosofia escinciasemgeral,comdestaqueparaas chamadascinciashuma-nas. Mas ela pode tambm fazer apelo s artes. Estas, por suanaturezaeporseuantropocentrismoradical,sotambm lugarderevelao do humano. Sendo assim, aliteratura de fico revelauma forma decompreenso do humano,uma antropologia.26Atravsda literatura,ateologiateria acessoa"esferasdorealque escapam anlise das cincias",27A distino proposta por Herv Rousseau, acima apontada,est, de alguma forma, na base desse trabalho de Antonio24 Essa perspectiva j aparece claramente delineada em termos terico-metodolgicos emluan Carlos SCANNONE, Poesia popular e teologia: a contribuio do Martn Rerro auma teologia da libertao.25 Antonio MANZATIO. Teologia eliteratura. 26 Ibid., p. 5 27 Ibid., p. 9. 16 Numen: revista de estudosepesquisa da religi30, Juiz de Fora, v. 3, n. 2, p. 9-30Uteraturaeteologia:penpectivasterico-metodolgicasnopensamentocatlico Manzatto sobre Jorge Amado, pois estaramos aqui no mbitodo que Rousseau descreve como "poder teolgico implcito"da literatura,num equacionamentoda questoabertamente re-cebido porManzatto.28Ora, nessa perspectiva, estaramos considerando aliteraturacomo "lugarteolgico alheio"29 oque evidentemente no estincorreto,mas no deixa de ser uma viso um tanto limitada eeventualmente empobrecedora das mltiplas possibilidades dearticulaoentreliteraturaeteologiaedacontribuioqueessarelao pode dar para a prpria comunidade eclesial em seuexercciodeaprofundamentoda compreensoda f.Tem razo,pois, Antonio Carlos de Melo Magalhes quando tece as se-guintes consideraes crticas sobre olivrode Manzatto:otrabalhode Manzattopartedeum princpioteolgicoque su-gere uma revelao j definida de Deus e acessvel atravs datradio da Igreja. O problema divino j tem asua resposta, en-quantooproblema humano mediadopela literatura. Em tal re-laoatarefa teolgica noestabeleceumdilogoquepossibiliteumareavaliaodoschamadostemascentraisdocristianismocomorevelao,encarnao,crucificao,etc.D antidaimpressoqueateologia em si j tem suas solues, suas respostas estabeleci-das, precisando somente de uma melhoremais eficaz mediaodesuasverdades,tendonestecasoaliteraturacomointerlocutoraprivilegiada.30Assim,orecurso literatura porparteda teologia no preci-sa servisto exclusivamente em termos de mediao para oco-nhecimento da realidade humana, sobre aqual se ir refletirteologicamente,apartirdeoutroscritrios,num momentopos-terior, mas tambm pode ser perspectivado, de maneira mais28 Ibid., p. 68: 'Sabemos que a literatura no uma apresentao do mundo, mas sim suarepresentao. Se ela interessa teologia como mediao para a leitura do real vivido.isso acontece enquanto ela se esfora por abordar a problemtica humana de uma formaque lhe particular. nesse sentido que a obra literria pode ser teolgica ouapresentarum poder teolgico. Essa teologia que se encontra presente na obra literria pode serexplcita, se o autor cristo ou se ele ocupa-se de um tema teolgico, ou ento serimplicita ou latente, se o autor no cristo ou apenas expressa experincias humanasoutras que a religiosa'29Cf. Clodovis BOFF. Teoriadomtodo teolgico, p. 20L 30AntnioCarlos de Melo MAGALHES, Notas introdutriassobreteologia eliteratura.p. 37.Numen:revista de estudos epesquisa da reJigido, Juiz de Fora, v. 3, n. 2,p. 9-3017 densa eincisiva, ao sustentarmos que determinadas obras lite-rrias podem ser tidas como propriamente teolgicas, comoDuploy postula em relao a Pguy. Nesse caso, assumimosqueatravs dessas obras acompreenso doprpriodepsitoda revelao e das verdades de f que aprofundada e quecresce no seio da Igreja.Umoutrotextoimportantequetambmprocurasituaralite-ratura em uma das etapas do mtodo teolgico - e que, porsinal, se reporta ao trabalho de Manzatto - ainterveno deAdolpheGeschnocolquioLes cultures europennes: un dfi pourles thologiescatholiques, realizadoem Louvain,em 1994.31Preocupadocom arelevncia dodiscursoteolgico nocontex-to cultural da atualidade, Gesch defende atese de que, semdescurar outras mediaes, antropologia, mais especifica-mente antropologia cultural, que a teologia deveria recorrerpara assegurar everificarapertinncia de seu prprio discurso.Valendo-se do critrio de "falsificao", apresentado por KarlPopper como condio do discurso cientfico, edas dificulda-des queesse critriocoloca para ateologia,Geschchega mes-mo aafirmar que aantropologia hoje o lugar porexcelnciadeverificao dodiscurso teolgico,poistorna-se impossvel,de fatoededireito,falarbem de Deusse noconhecemos ohomem ese noprocuramosencontr-lonaquiloqueoconstituinomaisntimodesuaverdade. (...)Aantropologiatorna-se, assim, como que aepistemologia da teologia.32 Nesse projeto,Geschd um lugarderelevo antropologiaIiterria,33 repetindoosconhecidosargumentosdequealitera-tura capaz de apreender aspectos da realidade, tanto em ex-tenso quanto em profundidade, que escapam s cincias hu-manas esociais eprpria filosofia. Cabe sublinharque, nessecontexto,Gesch retoma aidia de "lugarteolgico",precisan-do, noentanto, que ateorizaoda literatura como"lugarteo-lgico"aindaest porfazer. Comosev, acontribuiooriginal3t Adolphe GESCH, lathologiedans le temps de I'homme: littrature et rvlation. 32lbid.,p. 113-14. 33 Ibid., p. 117:-Por 'antropologia literria', pretendo designar aqui acompreensao do homem queencontramosconvivendo com aliteraturaeparticularmente com aliteratura romanesca."Numen:revisradeestudos e pesquisadareligi30,JuizdeFora, v.l, n.2,p.9-30 I Literaturae teologia: perspectivas terico-metodolgicas no pensamento catlico contemporneo de Gesch problemtica que vimos estudando estno situar a literaturano apenas enquanto fonte de subsdiosparaa elabo-raodeumateologia, mas,sobretudo, comoumlugar de veri-ficaodapertinnciae relevnciadequalquer discursoteol-gico quesepretendeproduzir, o que ampliaconsideravelmente a noode"lugar teolgico". 4 Curiosamente,umdosenfoquesmaisoriginais,maisdensose bemarticuladosteoricamenteacercadarelaoentreliteratura e teologiaencontramosemdoispequenosartigospublicados naAlemanhahcercade vinte e cinco anos e que, ao que tudo indica, no tiverammuita ressonnciafora do domnio lingstico germnico.Referimo-nosa doistextosdeErnstJosefKrzywon, publicadosnarevistaStimmender Zeit34 Neles,recorrendoa umateoriadaliteraturaelaboradapor JensIhwee baseadana lingsticamoderna,nomeadamentenagramticagerativo-transformacionaldeNoam Chomsky,Krzywonprope umate-ologiadaliteratura(Literaturtheologie)comopartedacincia daliteratura(Literaturwissenschaft)- e nodateologia,note-se bem-,emparalelo comoutrasdisciplinasliterrias taiscomoa teoria da literatura, ahistria da literatura, apsicologia da literatura, a sociologia daliteratura, a crticaliterria e a didtica daliteratura. Coma noo de 'teologia daliteratura' no se deve entender, de formaalguma,a passagemdaliteraturateologiacomoa uma outradisciplina, masumasubdiviso dacinciadaliteratura - no sentido de uma'anlise que transcende a obra', paraserecorrer a umconceitodeleoPollman-,quepermaneceincondicional-menterelacionadaa seuponto de partida, a literatura. A teologia daliteraturano portanto, de formaalguma- como,compara-tivamente,asociologiadaliteraturaemrelaosociologia-umateologia especial, masumasubdiviso da cincia daliteratu-ra,daqualeladepende tanto emvistadeseuobjeto quanto em vistadeseusmtodos. Demaneiraanlogae tointensaquanto 34ErnstJosel.KRZYWON,LiteraturwissenchaftundTheologie;Id.,Literaturwissenschaftund Theologie:berIiteraturtheologischeKompetenz. Numen:revistadeestudose pesquisadareligio, JuizdeFora,v.3,n.2, p.9-30 Jos Carlos Barcellosadacinciadaliteratura,tambmateologiadaliteraturase interessapelaobradearteliterriaenquantoobjetoesttico; transcende,todavia,esseobjeto,soboaspectodeumaanlise teolgicaadicionalecomplementar.Aoladodoscritriosde valor estticos, sotambmaceitose empregadospelateologia daliteraturacorrespondentesehomlogoscritriosteolgicos de valor - emcontraste com critrios de valorao - como funda-mento desuasconcluses.3s Assim,Krzywonprope a seguintedefinio paraa teologia daliteratura:"A teologiadaliteraturaenquantodisciplina,isto ,subdiviso dacincia daliteratura, a cincia - isto , a teoria - daliteratura em vistadateologiaa elacondicionadae por ela caracterizada."36Ouseja,oqueKrzywonprope oestudo dotextoliterriocomoinstrumentalfornecidopela hermenuticaliterriatendoemvistaapreender e avaliar cri-ticamenteseuspossveissentidosteolgicos.37Paratanto,naperspectivadeKrzywon, degranderenta-bilidade a distino entre competncia e performance, tal qual desenvolvidaeexploradanosestudoslingsticospelagra-mticagerativo-transformacionale aplicadaaoestudodali-teraturaporJensIhwe.3B Paraesteautor,cabe teoriada literaturaa tarefadedescrever e explicar a competncialite-rriaa partir deumahipteseacercadacapacidadeliterria daspessoas.Tendoemvistaa grandevariabilidadeemprica dessa competncia, Ihwe postula umacompetncia ideal como objeto dateoriadaliteratura,reservando sociologiadali-teraturae psicologiadaliteraturaatarefadeestudaros mltiplosfatoresqueinfluemdecisivamentenarealizao concretadaquelacompetncia. Analogamente,Krzywonpostulaumacompetnciateol-gica,paralelacompetncialiterria, cujafundamentaose 35KRZYWON, literaturwissenschaft und Theologie, p. III. (tnfase no original.) 36Ibid. p. I12. 37Ibid. p. 113:"Para uma teologia da literatura, portanto,ser igualmente possvel recolhero conjunto de intuies teolgicas Que est contido na prpria literatura, principalmente nabela literatura, e analisar sua relevncia e sua conscincia teolgica. Isso s poder serrealizado Quando ateologia da literatura utilizar uma hermenutica especificamente liter-ria. Com isso, diferentes pontos de vista so possveis como posiode partida".38Jens IHWE, Linguistik inder Literaturwissenchaft 20Numen:revista de estudosepesquisa da religi.1o, Juiz deFora.v. 3, n. 2, p. 9-30Literatura e teologia: perspectivas terico-metodolgicas no pensamento catlico contempor.1neo dapartirdeumahiptesesobreacapacidadeteolgica daspessoas,e quetambmestsujeitaa grandevariabilida-de.Nessatica,oobjetodateologiadaliteraturatambm umacompetnciaideal. Ou seja, a teologia daliteratura estuda-riaprecisamente a convergncia entre a competnciaIingstico-literriae a competnciateolgica,ambasentendidasemter-mos ideais, numa competncia teolgico-literria tambmideal. Ora, essacompetnciateolgico-literriaseriaa baseparaade-quadase fecundasperformancesteolgico-literrias,tantopor partedosautores,quanto dosleitoresecrticos.39 Peloexposto,v-sequeKrzywon,nopequenoespaodos artigosquepublicou, chegoua apresentar ummodelo operaci-onalbastantecomplexo e sofisticado paradar contadarelao entre literaturae teologia, tantonaticados autores quantona dosleitores e dos crticos literrios. Chamama ateno tambm a consistnciadaperspectivaepistemolgicaquepresidea sua hiptesedeumateologiadaliteraturacomodisciplinaliterria enoteolgica,bemcomoorigordosprocedimentos metodolgicospor eleapontados. 5 Finalmente, cumpre voltar nossaateno parao pensamento do autor quemaisextensae profundamente temabordado o tema dequenosocupamosnesteitem,Karl-JosefKuschel,professor de Teologia daCulturae Dilogo Inter-religioso naUniversida-de de Tbingen. De suaamplaproduo bibliogrfica, fixar-nos-39KRZYWON,LiteraturwissenchaftundTheologie:berIiteraturtheologischeKompetenz,p. 204: '0 empregoeficientedeumacompetnciateolgico-literrialevarassim,numcaso ideal, a umaperformance teolgico-literria, produao detextosteolgico-literriosrele-vantes,cujaanlisee interpretao,poroutrolado,ajudama patentear a singularidadee a qualidadedacompetnciateolgico-literriadeumdeterminadoautor.Essacompreenso ereconhecimentodetextosteolgico-literriossignificativospodeassentar,porumlado, nosobjetivosdeumleitororientadoemtermosdeprazere conhecimento,ou,poroutro lado,nosdeumcrticointeressadoemapreciaoe valor.Noentanto,leitore crticos podero atingir o prazer e o conhecimento ou,respectivamente, o valor e altaqualidadeda obradearteteolgico-literriarelevante,namedidaemqueelestambmdispuseramde umacompetnciateolgico-literriapelomenostorefinadaquantoa doprprioautor." Numen:revistadeestudose pesquisadareligi30. JuizdeFora, v.3, n,2,p.9-30 2/ Jo,Carla,Barcello< emosemdoislivrosextremamenteimportantesparaoestudo dasquestesterico-metodolgicasimplicadasnarelaoen-tre literatura e teologia:'Vielleicht hlt Gott sich einige DichteL ': Iiterarisch-theologischePortrats,40de1991,eImSpiegelder Dichter.Mensch,GottundJesusinderLiteraturdes20. Jahrhunderts,41de1997. Entre ambos, o pensamento deKuschel evolui,demaneirabastantehomognea,deumateopoticaa umateologiaintercultural. NaconclusodeOs escritorese asEscrituras,intitulada "A caminhode umateopotica",Kuscheldistingue, a propsito da metodologiaparaumdilogoteolgicocoma literatura,dois mtodos:o confrontativoe ocorrelativo,Oprimeiro,nalinha deSrenKierkegaarde deKarlBarth,p.ex.,opee contrasta violentamente a palavrahumanadaliteratura PalavradeDeus daSagradaEscritura,reduzindo "o dilogo entre teologiae lite-raturaa um conflito entre ideologia everdade."4z O segundo, na linhadePaulTillich e dateologia catlicado Vaticano11,traba-lhaascorrelaesentreasquesteshumanase a revelaodi-vina, de talsorte que estaltima steriasentido pleno namedi-daemqueestivesse"emcorrelaocomperguntasrespectivas aotododaexistnciahumana".43 Numacrticacerrada,profundamente inteligente e perspicaz, aosdois mtodosapontados,Kuschelmostracomoambos "s podemfazer valer a literaturanamedidaemqueelaseprestea constituir umnegativo dateologia",44 Seessaconcluso mais oumenosevidenteemrelaoaoprimeiromtodo,talvezno o sejatantoemrelaoaooutro.Valea pena,pois,determo-nos por ummomento nacrtica aomtodo correlativo, inclusive porque elamanifesta uma das intuies mais importantes e opor-tunasdopensamentodeKuschel: o mtodocorrelativo,por suavez,tambmdispedaliteratura parafinsprprios.Seomtodo confrontativoreduziaodilogo 40Karl-JosefKUSCHEl,VielleichtMltGott sicheinigeDichter_.parcialmentetraduzidono BrasilsobomulodeOsescritores e asEscrituras.Citaremospor estaltimaedio. 4 IId.,ImSpiegelder Dichter. 42Id.Os escritores e asEscrituras,p.221. 43Ibid., p.219. 44Ibid., p.22 1. 22 Numen:revistadeestudose pesquisadare/igi30, JuizdeFora,v,3,n.2,p.9-30 Literaturae teologia:perspectivas terica-metodolgicas napensamento catlica contempornea teologia-literatura aum conflitoentre ideologiaeverdade, om-todocorrelativoimpe-lheumesquema deperguntaserespostas.No percebe, com isso,que arevelao crist,tal como testemu-nhada nas Escrituras esempre recolocada pela teologia,nodemodo algum idntica ao anseio pela 'soluo'de todas as ques-tes.A'revelao'crist porcertocontm muitasrespostas,mas acaracterstica dessas respostas reside justamente noem fazerca-Iaras perguntas fundamentais da existncia humana,mascondu-zi-Ias auma perspectiva correta. As perguntas ltimas doser hu-manonososuspensaspelarevelao,mas formuladasporela.4sMaisadiante,veremoscomoessa perspectiva acerca da reve-lao tem profundas conseqncias para ateologia de Kuschele para o papel fundamental que nela tem aprpria literatura.Porora,bastasublinharoquoseriamenteessavisoreconfigura,em termos crticos, afamosa "virada antropolgica"que marcaboa parte da melhor teologia catlica do sculo XX:segundonossoautor,arevelao antes uma pergunta queuma respos-ta aos problemas humanos.Constatados os problemas dos mtodos confrontativo ecorrelativo,Kuschel passa aproporomtododaanalogiaestru-turaicomomaisadequado tarefa depromoverodilogoentrealiteratura eateologia. Por recorrer analogia, esse mtodobusca simultaneamente apontar correspondncias ediferenasentre os doisdiscursos:Com esse mtodo, torna-se possvel considerar seriamente tam-bm aexperincia eainterpretao literria em suas correspon-dncias com ainterpretao(crist) da realidade, mesmoquandoaliteraturanotemcartercristooueclesistico.Ebuscarcorres-pondncias no significa 'cooptar'oobjeto analisado, apropriar-se dele. Pensarem termos deanalogias estruturais significa justa-menteevitarqueainterpretaoliterriada realidadesejacooptadacomocrist, semicrist ou anonimamentecrist. Quem pensa es-trutural-analogicamente capaz de encontrar correspondnciasentre o que lhe prprio eo que lhe estranho.Quem pensasegundoessemtodoconstata tambm oquecontraditrionasobras literrias em relao interpretaocrist da realidade, ouseja, oque estranho experincia crist de Deus.46 45 Ibid.(nfase no original). 46 KUSCHEL., Osescritores e asEscrituras,p.222. Numen:revistadeestudase pesquisadar l i g i ~ o JuizdeFora, Y. 3. n.2.p.9-30 23 FoiessemtodoqueKuschelaplicoumagistralmenteao longodolivrode1991, aopassaremrevistaalgunsdosprin-cipaisnomesdaliteraturadelnguaalemdossculosXIXe XX,taiscomoKafka,Heine,Rilke,B611,Hessee lhomasMann. Seisanosdepois,publicaaquelaquetalvezsejaa obramais ambiciosae profunda sobre a relaoliteratura-teologia de que temosnotcia:ImSpiegel der Dichter.Naaberturadesselivro, colocouumbelssimoe intensotestemunhopessoalacercada importncia daliteratura emseuprprio percurso humano, reli-giosoe teolgico: Voufalaraquidosescritoresquemecomoverama mentee o corao, desde que eu comeceia pensar teologicamente. Eles no soofundamentodaminhaf,massimfreqentemente,seu incentivador. Experincias de vidaforamparamim amide experi-nciasdeleitura.Pensarveiodaintuioconcreta,a teoria,das formassensveis. No meu caminho, experimenteitambmsempre maise maisqueeramosescritores- e poucashomilias,catecis-mos e tratados teolgicos- quemeabriam, emsinceridade,uma parceladaverdade.Elesmedesaloiaramdemeuautocontenta-mento,deminhaautocondescendnciacoma plausibilidadej adquirida, dareconciliao comasrespostasjencontradasY Esselivro deKuschelpoderiaser descrito comoumatentati-vabrilhante de se constituir limateologiasistemticaa partir da literaturae emdilogo comela, segundoo mtodo daanalogia estrutural.Dividido emtrspartes- "O enigmado homem", "O abismodeDeus", "O rostode Jesus" -,prope, atravsdoestu-do consecutivo de umasrie de autores de vriasliteraturas, um desdobramentodetemase perspectivasque,no conjunto,for-mamumamplopaineldo tratamentoliterrio dado, aolongo do sculo XX,squestesdohomem, deDeuse deCristo. No prlogo, de carter terico-metodolgico, encontram-se vriasidiasmuito importantes parao nosso tema.Emprimeiro lugar,a dequeo granderiscodateologianovemdo ceticis-mo,massimdatentaodeavanar"certezassuperficiais,na produodesentidoe consoloprecipitados".48Essaobserva-47 Id.,ImSpiegel derDichter,p.I. 48Ibid.,p.6. 24 Numen:reviSI'deeSludose pesquisada defora, v.3,n.2,p.9-30 Literatura e teologia: perspectivasterico-metodolgicas no pensamento carlico contemporaneo o,comosev,radicanapercepo,acimareferida,dequea revelao antesumaperguntaqueumaresposta. Defato,Kuschelafirmaque 111 Deus a pergunta pelaordem deste mundo e pelo sentido desta vida. Umapergunta aberta, s vezesumaferidalatejante".49Eminteligentssimacontraposio a umacertateologiamuito antropocntrica,concluir,nofinal dasegundaparte- "O abismodeDeus"-,queDeusno um "cho" (Grund)de sentido, mas um "abismo" (Abgrund)de sen-tido, comomuitos msticoscristosdisseram.5o Eispor que,jnaconclusodeOs escritores e asEscrituras, afirmava-se: A esto grande valor dabuscade correspondncias entre teolo-giae literatura. Ao ocupar-se dostextosliterrios e respeitar-lhes a autonomia, percebendo oscritriosfonnaisque osconformam, a teologiapodetomara srioumaspectodaliteraturaquelhe deve ser muito caro: aguda nos textos literrios a conscincia de quenosedispedoobjetodesuareflexo,emfavordoqual prestatestemunho.51 Umasegundaidia a ser sublinhada no Prlogo deIm Spiegel der Dichter decorre dessa visodeDeus,darevelaoe dateo-logia:trata-sedaproximidadeentrea fe a dvida.52 Nacon-clusodaprimeiraparte- "Oenigmadohomem"-,Kuschel tiraconseqnciasmuito belase profundasa esserespeito: Anegatividadetemvalorheursticoe nodeveserconfundida comumaontologiadanegatividade.[...}Nosedeveesquecer tambmquemesmoo textomaiscticopermanecetexto,isto , procededaconfiananalinguagem.Mesmoa experinciamais insondvelliteratura,procededaconfiananaescrita.s3 49 Ibid.p.9. 50 Ibid.p.288-89:'A expresso 'Abismo deDeus'buscaser umasntese de umpensamento. Quer apreender,porumlado,queDeusnoumsimplesfundamentoparaseresistira crises, com o qual sepode 'contar'. Deus abismo, quer dizer. ele tambm continua a ser em suapotnciafundamentadorao Livre.oIncomensurvel. oIncompreensvel.Nessesentido osgrandesmsticoscristAosfalaramdeDeuscomo abismo: 51KUSCHEL.Osescritorese asEscrituras.p.225. 52 KUSCHEL.ImSpiegel der Dichter,p.10: 'Dubito ergo credo, credo ergodubito.Euentendo que justamente a dvidaacercada criaoimplicaa fe a femDeustrazparasia dvida. A dvidae a fnosoinimigasmasirms: 53 Ibid.p.171. Numen:revistadeestudos e pesquisadareligi30,JuizdeFora, v.3, n.2,p.9-30 2 JosCarlosBarcellos Numatalvisodaliteratura,claroquesuaimportncia paraa teologiaultrapassacompletamentequalquerperspectiva "conteudista", que a valorizariaenquanto depsito detemasou fontedeinformaesparaopensarteolgico.Naesteirade GeorgeSteiner,Kuschelsustentaocarterpropriamentetrans-cendentedequalquergrandeobradearte,literriaouno,e conclui que "por isso, a grande obradeartedeve ser considera-dateolgica,enquantoiluminaodomistriodohomem,en-quantoiluminaodomistriodesuaverdade",s4E,acercado prpriolivro queestapresentandoaosleitores,diz: Ele apresentaostemas fundamentais de uma teologia intercultural; a tentativadeselanarpontesentreomundodapoesiae o mundo dateologiae vice-versa.55 Comosev,pelarpidaexposioquefizemosdopensa-mento deKuschel, omtodo daanalogiaestruturalpor ele pro-postonoapenassuperacompletamenteosmtodos confrontativoecorrelativo,mastambmultrapassaas contraposiesentretiposdeliteratura,consoantesuacapaci-dade teolgica, que seobservamemtextos deHervRousseau, Manzatto,JossuaeKrzywon.Poroutrolado,sesequiserfalar em"lugar teolgico", teremos de faz-lonum sentido bemmais amplo e abrangentequeosanteriormente vistos. Omtodo daanalogia estrutural nasuaessnciaummto-dointerdisciplinar. odiscurso ao qual eleconduz simultanea-menteteologiaecrticaliterria,aopassoqueodeKrzywon, sendo fundamentalmente crtica literria, s pode ser considera-doteologianamedidaemqueumesforoparaselevar linguagem conceitual o pensamento teolgico expresso em obras literrias.Paratanto,omtododeleituradaobrahdeser, consoanteKrzywonenfatizacomvigor,tambmfundamental-menteliterrio.a partir dahermenuticaliterria, com oaux-lio instrumentaldaepistemologiae dametodologiateolgicas, que sepode provar quedeterminadasobras,enquanto literatu-ra,jproduzemsignificadosdenaturezateolgica.Aosedis-54 Ibid.,p.27 (nfaseno original). 55Ibid.p.335. 26 Numen:revistadeestudos e pesquisadareligiao, JuizdeFora,v.3,n.2,p.9-30 Literatura e teologia: perspectivas terico-metodolgicas no pensamento catlico contemporneo cutir,numsegundomomento, a originalidade e relevnciades-sessignificados,recorre-seteologia,sim,masaindacomo disciplina auxiliar. Nessaperspectiva, conforme apregoaKrzywon, estamosnosmovendoinequivo