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breve biografia de jung

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  • I RINCiPI00

    Gustavo Barcellos

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    Gustavo Barcellos PSiC6fogo Cfinico. Mestre em PSicofogia Clinica

    pefa New School for SOCial Research d.&..J:L.OX9_-f2rk. Membro da C. G: Jung Foundation for Analytical

    Psychology, Nova York,

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  • Direc;ao Benjamin Abdala Junior

    Samira Youssef Campedelli Preparac;ao de texto

    Sergio Roberto Torres -.

    Edic;ao de arte (miolo) Milton Takeda

    Divina Rocha Corte Composic;ao/Paginac;ao em video

    Marco Antonio Fernandes Concei~ao Aparecida Santos

    Capa Ary Normanha

    Antonio Ubirajara Domiencio

    UN(VERS~DAD:- :- ~RAL D'; PARANA SISTt-{'EoE Giq~'O-~t I 'lC16.~40 I

    Data: '5/6 )Q.,2 TR: c2Cla)

  • "A diferenga-entre a maioria dos homens e eu reside no fato de que em mim as 'paredes divisorias' sao transparentes."

  • Todas as citagoes de C. G. Jung que aparecem neste livro sem a referElncia da fonte mencionada foram extraidas da edi
  • 5. Oa disiunctio a coniunctio: envolvimento com 0 inconsciente 47

    o terreno da ~ao--_________ - 49 A reconcilia~ao dos opostos 51 Tipos psico16gicos 54 228 Seestrasse: a rua do Lago 57 As mulheres de lung 58

    6. Rumo ao sabio _________ 62 Aurum hermeticum: alquimia e psicologia? __ 63 Psicoterapia: travelling da alma 65 Mandala na pedra: 0 retiro para Bollingen __ 67 Dois milhoes de ~nos 69

    7. Conclusao: mem6rias e perspectivas - 70 8. Cronologia 72 9. Vocabulario crftico ________ 76

    10. Bibliografia comentada ______ 81

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    Introdu9ao: 0 espirito 'da garrafa

    Em urn 'de seus estudos sobre alquimia, Jung faz uso de um'conto de fadas para lidar com a figura de Mercurio e seu significado simb6lico. A pequena hist6ria que 0 corito de fadas na,rra serve para n6s como uma metaJora de aber-tura neste trabalho sobre a vida de Jung. Trata-se de 0 esp(-rito na garraja, de Grimm, e portanto n6s come~amos uma hist6ria com outra hist6ria:

    Era umavez um pobre lenhador. Ele tinha um s6 filho, 0 qual qU,eria mandar para a escola. Entretanto, 0 pai pede dar ao filho pouco dinheiro, e este acabara muito tempo antes dos exarnes finais. 0 filho entao voltou para casa a fim de ajudar seu pai com 0 trabalho na floresta. Certa vez, durante o descanso do meio-dia, vagando pela floresta, encontrou urn imenso e velho carvalho. Ouviu uma voz que vinha do chao: "Deixe~me sair, deixe-me sair!", gritava. Ele cavou a terra por entre as ralzes da arvore e encontrou uma garrafa de vidro muito pem-fechada, de onde, claramente, vinha a voz. Abriu-a, e nurn instante um espirito pulou para fora, ime diatamente tornando-se tao grande quanta a metade daquela arvore. 0 esp{rito entao gritou com uma voz horr{vel: "Ja tive meu castigo' e vou me \lingar! Eu sou 0 grande e poderoso espirito Mercurio, e agora voce tera sua recompensa. Aquele que me Iiberar, este eu devo estrangular". 1550 fez com que o menino ficasse muito iriquieto e. raDirl~m"nt'"' ~---.

  • 10

    um truque, disse: "Primeiro, eu preciso ter certeza de que voce e 0 mesmo espirito que estava fechado naquela pequena garrafa". Para provalo, 0 espirito entrou novamente na gar-rata. Entao 0 menino, bem depressa, fechou a garrafa prell' dendo 0 espirito outra vez. Mas agora 0 espirito prometia recompensar ricamente 0 menino se ele 0 deixasse sair de novo. Entao ele 0 liberou e recebeu como recompensa um trapinho. Oisse 0 espirito: "Se voce passar uma das pontas deste trapinho num ferimento, ele ficara curado, e, se voce polir ago ou ferro com a outra ponta, eles se transformarao em prata". Oito isso, 0 menino poliu imediatamente seu machado estragado com 0 trapinho, e 0 machado tornouse prata, que ele pOde em seguida vender por quatrocentos tha ler. Oessa maneira, pai e filho ficaram Iivres de qualquer preo-cupa9ao. 0 jovem pede retomar os estudos e, mais tarde, gra9as ao mesmo trapinho, tornou-se um famoso medico.

    Como e sabido, os contos de fadas, assim como os sonhos e os mitologemas arcaicos, podem ser tratados, e portanto interpretados, como produtos da fantasia. Assim, eles sao relatos espontaneos do inconsciente sobre sua natu-reza e funcionamento. Nossa tare fa nao e a interpreta~ao exaustiva desse conto de fadas. Contudo, para que sirva a

    fun~ao metaforica que estamos querendo Ihe atribuir aqui com rela~ao a vida de nosso biografado, devemos seguir algumas linhas interpretativas que 0 proprio Jung nos for-nece. Esse pequeno exame, alem do mais, vai nos introdu-zir ao modo de funcionamento'do proprio trabalho que Jung, ao longo dos anos, desenvolveu em pnitica e teoria.

    A penetra~ao do olhar: metodo junguiano Primeirarnente, vemos que a cena, de nossa historia

    est a situada numa floresta. 13 na floresta que se da 0 acon-tecimento magico. Este ja e urn dado irnportante para sabermos do que trata exatamente a historia. As florestas, na vida real, sao lug ares geralmente escuros, espessos, onde o olhar penetra com muita dificuldade. Sao repletas de mis-

    11

    terio, e nao se conheee, de fora, tudo 0 que contem. Segundo lung, a floresta, assim como as aguas profundas e 0 pro-prio mar, sao representa90es apropriadas, para 0 incons-ciente, este outro lugar de dificil penetra~ao. As florestas, da mesma forma, contem 0 deseonhecido, 0 misterioso. Nesse sentido, nos.so heroi eneontra-se em contato direto coni 0 inconsciente. As arvores em uma floresta, como a que nosso heroi encontra, p~r urn lade representarn, assim como os peixes na agua, os eonteudos vivos, organicos do inconsciente. Por outr~ lado, uma arvore significa, nas suas qualidades de raiz, troneo, folhas, frutos e crescimento, a personalidade. Estamos desde ja, entao, envolvidos corn o inconsciente.e com a descoberta da verdadeira personali-dade, dois temas bastante caros a Jung. E a Grimm.

    Nas raizes de uma velha arvore, nosso her6i encontra uma garrafa, com umespirito trancado dentro. Segundo J ung, esse espirito e como se fosse 0 principio de vida da arvore, na linguagem'de nossoconto de fadas. Escondido na raiz, ele da vida a personalidade da arvore. Enterrado, ele faz parte de urn submundo, de urn mundo snbterraneo, abaixo, eseuro, 0 que tambem nos faz pensar no inconsciente.

    Dessa forma, 0 encontro do menino pobre com 0 espi-rito da garrafa representa, em nossa hist6ria, 0 encontro com urna for~a espiritual, nrna essencia espiritual que estava la pronta a ser libertada.

    A arnplia9ao psicologica desses simbolosdiz que a aventura de nosso her6i na historia represent a 0 encontro entre urn ser humano adorrnecido e sua verdade psicologica. o espirito e urn segredo seiado, aprisionado numa garrafa enterrada entre as raizes de uma arvore. Esse segredo, na linguagern psicologica de Jung, e 0 proprio .principio da individua9ao, 0 encontro de urn ser humane c~m seu des-tino mais i~tinio~ 'A. realiza9ao 'desse encontro e desse des-tino'e 0 que Jung, rnais tarde em teoria, vai chamar "pro-cesso de individua9ao" . Esse encontro ja est a desde 0 inicio escondido dentro de nos, em nossas raizes, enterrado no

  • inconsciente. E 0 pr6prio principio de vida. A aventura de nosso her6i traduz a aventura do autoconhecimento. Esse principio de vida, os alquimistas identificaram com a figura de Mercurio. Mercurio aqui e 0 desenvolvimento alquimico do classico Hermes, deus mensageiro grego, deus da comu-

    nica~ao, condutor das almas, que oculta e revel a ao mesmo tempo. A essencia mercurial em nossa pequena hist6ria esta hermeticamente fechada na garrafa. Fechada sob 0 signo de Hermes. Tambem a realizac;:ao da verdadeira personali-dade esta, sob 0 signa de Hermes, selada no inconsciente.

    Segundo lung, 0 processo de individuac;:ao prepara-se no incbnsciente e gradual mente entra na consciencia. 0 menino abre a garrafa e liberta 0 espirito Mercurio. Embora tenha de aprender rapidamente a lidar de maneira esperta com esse espirito (como em rela~ao ao inconsciente, deve-mos cuidar para nao sermos tragados por ele), no final e recompensado com 0 pleno desenvolvimento de sua poten-cialidade de estudante e, mais tarde, medico. A passagem aponta para 0 fato de que, ao libertarmos nosso processo de individuac;:ao da inconsciencia, somos recompensados com a aventura do auto conhecimento e com a possibilidade do desenvolvimento total de nossa personalidade.

    E nossa metafora? Muitas sao as biografias do psic610go suic;:o C. G.

    lung. A melhor foi ditada por ele mesmo it sua secretaria e colaboradora. A primeira frase dessas memorias diz:

    "Minha vida e a hist6ria de urn inconsciente que se realizou".

    Esta frase ficou famosa, e caminha de maneira analoga ao nossoconto de fadas.

    A vida de lung, como poderemos 'ver neste trabalho, realiza de maneira radical e penetrante 0 projeto de indivi-duac;:ao guardado em seu inconsciente, pronto para ser liber-tado. A vida de lung tern a ver com a aceita~ao da contri-buic;:ao do inconsciente. 0 espirito fora da garrafa.

    13

    A ampliac;:ao que fizemos com relac;:ao ao conto de fadas revela tambem a forma na qual 0 trabalho de Jung esta fundamentado: 0 trabalho simb6lico. Ao tratar os ele-mentos da hist6ria comosimbolos, somos capazes de encon-trar uma mensagem hermetica, fechada dentro da hist6ria. Como 0 espirito .na garrafa. 0 trabalho de lung diz que podemos pro ceder dessa .maneira com relac;:ao a qualquer evento psiquico, quer seja ele urn sonho, urn sintoma, uma imagem. Encontramos 0 deus escondido, e ganhamos seu significado.

    Aqui caminharemos da mesma forma, a entender que lung libertou seu Mercurio e teve de se ver com e1e. Uma aventura genjal.

    . 0 conto de fadas que lung escolheu para trabalhar a figura de Mercurio reflete sua trajet6ria como homem. 0 trapinho que 0 menino ganha na hist6ria represent a 0 aspecto favoravel da contribuic;:ao do inconsciente. 0 menino torna-se urn famosa medico. Tambem lung, atraves do compromisso p~ssoal e radical com as imagens do incons-ciente, e capaz de tornar-se urn grande medico. Da alma.

    A palavra Halma"

    A palavra "alma", aqui, reveste-se de considerac;:ao especial. lung, no seculo XX, e a ponta de uma linha de pensadores que privilegia a alma como uma perspectiva diferenciada daquelas do corpo e do espirito. 0 que lung fara nao e nem medicina (psiquiatria) nem doutrina mistica (religiao), como a maior parte dos criticos desavisados quer acreditar. Querer fazer uma psicologia independente dessas duas perspectivas, aMm de the ter custado uma vida inteira de trabalho e aborrecimentos, esta de acordo com uma tra-dic;:ao de pensamento que talvez comece com Heraclito, Pla-tao, assa elos alquimistas medievais, a Renascen a com Ficino, norteando marginalmente a IS ona da cultura no

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  • 14

    Ocidente. Essa tradi

  • I

    -

    Jung foi criado no campo. A J2!oximidade com a natu-~ tera uma importancia cada vez maior na sua vida e sera decisiva em seu trabalho. Essa infancia rural tambem Ihe proporcionou desde cedo uma sOlidao que de certa forma se ira mostrar ao longo de toda a sua vida ate Bollingen, a casa no campo que ele construiu mais tarde a fim de pre-servar inteiramente essa profunda necessidade de solidao.

    Jung sempre foi, antes de tudo, um solitario, a solidao de quem se sente diferente de seus contemporaneos. Suas mais importantes e decisivas experiencias s6 ocorreram quando se encontrava s6. Os problemas e as dificuldades da vida, em ultima analise, significaram em si muito pouco para ele, conforme se Ie em sua autobiografia. Perto do final da vida, em 1957, numa carta, Jung escreve:

    "A solidae e para mim uma fonte de saude e 0 que me faz capaz de viver minha vida. Falar e freqOentemente um tor mento para mim, e precise de alguns dias em silencio para me recuperar da futilidade das palavras".

    A experiencia subjetiva Ao lermos seu relato autobiografico, somos advertidos,

    logo no comec;o, de que as lembranc;as de eventos externos ou de suas relac;6es interpessoais foram quase que por com-pleto desaparecendo. Os poucos fatos que ali encontramos, sobre sua relaC;ao com 0 mundo exterior e a vida do dia-a-dia, s6 estao presentes na medida em que foram determi-nantes no seu desenvolvimento interior.

    Jung mostra que e com uma "outra realidade", a reali-dade de seus encontros com 0 inconsciente,. com 0 oculto e o inexplicavel, que sua memoria est eve sempre comprome-tida. Em sua autobiografia, Jung interessa-se por relatar somente os eventos onde uma atmosfera imperecivel e eterna irrompeu neste mundo transit6rio e efemero no qual vivemos.

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    17

    Tal compromisso com a experiencia subjetiva e 0 impe-recivel, no entanto, alem de faze-Io urn solitario, talvez tam-bem explique 0 fato de que, em sua obra, a enfase maior seja dada aos relacionamentos intrapessoais. Ou seja, cer-tamente sua psi'cologia, mais do que qualquer outra, esta determinada a descrever aqueles relacionamentos que tomam parte e sao resolvidos dentro do ambito da psique indivi-dual. Urn introvertido? Veremos como lung chega inclu-sive a personificar de fato essas relac;6es, nomeando-as e encorajando, em si e em ~eus pacientes, urn dialogo terapeu-tico com suas figuras. "Anima", "animus", "sombra" etc. serao tratados como arquetipos personificados.

    Se as circunstancias externas signiEcaram muito POllCO e de maneira alguma substituiram as experiencias interiores, somos deixad,os mais com 0 tra93-do subjetivo da vida de lung.

    A experiencia do pai: religar

    Sua relac;ao com 0 pai, 0 reverendo Paul lung, como nao poderia deixar de ser, esta marcada pelo tema religioso, e tera sido urn relacionamento dolorosamente decepcionante. Seu pai, umclerigo de provincia como outro qualquer, tole-rante mas convencional, sem nunca ter levado adiante sua promissora carreira de lingiiista, tornou-se um orientalista que aceitava a cren

  • .1,0

    bem', costumava dizer, 'voce s6 quer pensar. Mas m'io e isso o que importa; 0 importante e crer'. E eu pensava: nao, e pre-ciso experimentar e saber".

    A teologia os tornara estranhos urn ao outro. Urn abismo se abre entre os dois. Jung ve, no pai, a linha direta com Deus bloqueada pela doutrina.

    A autobiografia de Jung esta repleta de descri

  • lung sentia muito cedo que os dois lados de sua perso-nalidade reclamavam expressao. 0 mundo da personali-dade N~ 1 logo come9a a apontar para uma dire9ao cienti-fico-biol6gica em seus interesses, levando-o ao estudo da natureza, em busca de objetividade, enquanto 0 mundo da personalidade ,N~ 2 apontava para a considera9ao de problemas espirituais, nos quais 0 estudo da filosofia e das religioes tomava grande parte.

    Devemos ter .em mente, entretanto, que lung foi antes de tudo urn menino extremamente solitario, que nunca sen-tia 0 desejo de repartir suas experiencias com outros cole-gas, por um excessivo medo de ser malcompreendido. Desde cedo lung conduziu sua educa

  • 22

    sera seu trabalho, mais tarde, ainda que de forma bastante especial, uma estranha arqueologia?). Como na Universi-dade da BasiIeia,unico lugar para on de sua familia poderia manda-Io, nao existia 0 curso de arqueologia, Jung acaba decidindo-se pela .medicina.

    A personalidade N~ 1 fez com que ele conc1uisse 0 curso medico sentindo-se cada vez mais inc1inado ao empi-rismo e a busca objetiva de uma explicat;ao para a natureza. Foi entao, nos exames finais, que lhe caiu nas maos urn manual de psiquiatria de Krafft-Ebing. Urn momenta deci-sivo:

    "De repente, meu corac;ao pos-se a bater com violencia. Num relance, como que atraves de uma iluminac;ao, compreendi que nao poderia ter outra meta a nao ser a psiquiatria. Somente nela poderia confluir os dois rios de meu interesse, cavando seu leito num unico percurso. La estava 0 campo empfrico comum da experiencia dos dados biol6gicos e dos dados espirituais, que ate entao eu buscara sem encontrar. Tratava-se enfim do lugar em que 0 encontro da natureza e do espfrito se tornava uma rea/idade".

    Krafft-Ebing falava do carater sUbjetivo dos livros de psiquiatria, e chamava as psicoses de "doen9as da persona-lidade" . 0 caniter subJetivo que 0 autor denotava aos rela-tos psiquiatricos colocava a figura do medico numa posi9aO completamente nova para Jung. Sua subjetividade teria assim urn lugar assegurado' na pratica cientifica. Isso, somado it obscuridade de urn campo de conhecimento paquele momenta ainda muito pouco explorado (de fato, desprestigiado), atraiu lung de maneira definitiva, ainda que para desapontamento de seus professores.

    J ung conseguiria dessa forma conciliar os opostos de seus interesses. Personalidade N~ 1 e personalidade N~ 2 marcam a vivencia de uma divisao essencial na personali-dade de Jung, que ele sera capaz, mais tarde, emteoria, de atribuir, de forma generalizada, a todo ser humano. A psique em J ung e vista manifestando-se dentro de urn campo

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    de experiencias polarizado em opostos: consciente x incons-Ciente; masculino x feminino; dentro x fora; deus x homem. A psique mesma tera uma natureza poiaristica em Jung, e reconciliar os opostos sera visto como a tarefa central no episodio da individua9aO. 0 tern a da reconcilia-

    ~ao de opostos, que ocupara urn papel importante a medida que sua teo ria psicol6gica tomar corpo, ja estava abrigado no homern. Notamos assim urn modelo arquetipico de divi-sao na raiz biografica da teoria que ele ira desenvolver pos-teriormente.

    A divisao de personalidade sentida par Jung em sua infancia vai determinar, dentro dessa perspectiva, tambem seu profundo -interesse no estudo e no trabalho com a doen9a mental grave. A atividade psiquiatrica que ele desenvolvera a partir desse momenta com a psicose tera sua raiz na vivencia pessoal de Jungcom sua propria subje-tividade. Mas este e a ,assunto de nosso proximo capitulo.

    .,.

  • 3 Atividade psiquiatrica

    "Os encontros com meus pacientes e com os fenomenos pSiquicos que eles me propuseram num desenrolar inesgo-tavel de imagens me ensinaram infinitas coisas: nao somente conhecimento cientifico, mas acima de tudo insight sobre minha propria natureza. As mais belas e significativas conversas de minha vida foram anonimas."

    lung come~ou seus estudos medicos na Universidade da Basil6ia, corn 20 anos de idade. VIJl ano mais tarde, seu pai morria. Nessa ocasiao, lung lembra-se de sua mae (ou a misteriosa personalidade N~ 2 de sua mae) dirigindo-se a ele (ou a atmosfera que os cercava). "Ele desapareceu na hora certa para voce" - 0 que parechi significar que a

    rela~ao de lung com 0 pai poderia tornar-se urn obstaculo para ele. Uma frase bombastica. Nao era 0 habitual da mae. Nem 0 tom da voz. Fatos como este sao recordados com aten~ao na biografia. Apontam para 0 extraordinario interesse que lung mantinha nessa epoca (e em outras, ainda que de uma maneira diferente) por fenomenos misteriosos

    2S

    e ocultos, ja mencionado aqui. Apontam tambem para a genese desse interesse na figura de sua mae.

    Apos a morte do pai, sua mae e sua irma logo iriam mudar-se com ele para uma outra casa, mais pr6xima da Vniversidade; ea familia, agora sob a responsabilidade do jovem lung (que. chega mesmo, nos primeiros tempos, a ocupar 0 quarto co pai), atravessaria uma fase de graves problemas financeiros. 0 prosseguimento de seus estudos

    ". chegou a estar amea~ado, com uma parte da familia que-rendo emprega-Io no comercio, a fim de que ganhasse dinheiro rapidamente. A ajuda de urn tio, do lado paterno, foi decisiva para que ~le continuasse os estudos. Recorda:

    "Nao larn.ento 0 tempo de pobrez&, pois me ensinou a apre-ciar as coisas simples. Lembro-me muito bem de que certa vez recebi de presente uma caixa de charutos. Senti-me um principe. Os charutos duraram um ano, pais eu me permitia somente um aos domingos".

    A respeito de sua irma, Gertrud, lung fala pouco, ainda que "com afeto e respeito. Parecia uma figura total-mente estranha a ele. Sem nunc a se haver casado, nao sobre-viveu a uma cirurgia, a principio considerada simples, aos 51 anos de idade. Vma solteirona. 0 que impressionou lung, no entanto, foi 0 fato de que ela, antes de morrer, havia deixado todos os seus assuntos em ordem, ate os minimos detalhes. Apos sua morte, lung escreve: "Sua vida cumpriu-se interiormente, .a parte a participa~ao e 0 julgamento alheios".

    Ainda enquanto estudante, lung envolveu-se mais dire-tamente com questoes e problemas espiritualistas, os quais nunca, alias, abandonaria por completo.

    Paranormalidade

    Por volta de 1899, lung ficou sabendo que alguns parentes estavam conduzindo os chamados "experimentos

  • 26

    com movimentos de mesa", que na verda de nao eram con-siderados extraordimirios, mas, ao contnirio, bern popula-res na epoca. Urn grupo de pessoas reunia-se ao redor de uma mesa leve, tocando-a com as pontas dos dedos. Em condi90es favoniveis, a mesa podia se movimentar, ou ate mesmo flutuar no ar. Participava dessas sessoes uma prima de Jung, Helena Preiswerk, uma garota de 15 anos de idade, -de intellgencia mediocre, que acabou desenvolvendo pode-res de medium.

    Convidado a participar dessas sessoes a fim de que conhecesse as atividades da prima medium, Jung comec;a a freqiientar regularmente os en,contros nas noites de sabado. Nessas sessoes, a prima, Belly, como era chamada, entrava numa especie de transe durante 0 qual personagens imagina-rias comec;avam a falar ou emitir sinais atraves dela. Uma dessas personagens, ao contrario do dialeto suic;o da moc;a, falava, e numa voz bastante diferente da dela, urn alemao literario. Os fatos impressionaram lung definitivamente, pois acreditava que a moc;a, de maneira consciente, nao poderia forjar tais acontecimentos.

    Qutros fen6menos curiosamente misteriosos ja vinham acontecendo na vida pessoal de Jung, por essa epoca. A tampa de uma mesa de nogueira solida em sua casa, num dia de inverno, racha ate mais da metade de seu compri-mento, num estampido forte que 'assusta sua mae e a ele proprio. Quatorze dias mais' tarde, ao voltar para casa, encontra novamente sua mae e a irma extremamente impressionadas com ,0 fato de que~ novamente apos urn estampido forte, uma faca, bern guardada dentro de uma gaveta, tinha sua lamina partida em diversos pedac;os. Consultando um cuteleiro no dia seguinte, lung ouviu dele que a faca era de muito boa qualidade e que certa-mente alguem havia feito aquilo; de um ac;o bom, ela nao poderia ter estourado sozinha. Essa faca, estilhac;ada em quatro partes, lung guardou cuidadosamente ate 0 final de; sua vida.

    27

    Q ambiente da Basileia, de certa forma intelectual-mente sofisticado, por onde Jung circulava, evidentemente rejeitava qualquer crenc;a em espiritos, premonic;oes e even-tos fantasticos. Por outro lado, todos esses fatos sacudiam fortemente entusiasmo com que Jung conduzia seus estu-doscientificos naUniversidade. lung deveria, de qualquer forma, encontrar uma maneira de compreende-los a qual o satisfizesse. '

    A prima Belly, que ao longo das sessoes foi diminuindo o poder de suas performances, chegou mesmo a confessar a lung que havia, riuma ou o'utra ocasiao, simulado tran-ses, 0 que fez com que ele perdesse totalmente 0 interesse por ela. Essa moc;a mais tarde se tornou modista em Mont-pellier, treinada por duas tias, e morreu aos 26 anos de idade; lung recordara que talvez 0 vestido mais bonito que sua mulher teve foi feito por Belly.

    Em 1902, no enHmto, Jung escrevera sua tese de dou-toramento tratando integralmente do caso da prima. A psi-cologia e a pato{ogia dos chain ados jeri6menos ocultos tra~ tava Belly como urn caso de "personalidade multipla", pelo que compreendia'que sua prima era capaz, num fen6-meno psicologicamente bastante complicado, de fragmen-tar sua mente inconsciente, gerando diversas personalida-des. Mais importante, Jung alude, na biografia, para 0 fato de haver adqui~ido entao, atrayes dos experimentos com a prima medium, urn "ponto de vista psicoI6gico". Isso pas-sou a significar, para ele, que havia adquirido conhecimen-tos objetivos sobre a psique humana. Podemos dizer que a contribuiC;ao maior das sessoes com a prima foi trans for-mar C. G. lung num psic610go. A medium, em ultima ami-lise, era urn meio para a explorac;ao do inconsciente.

    Mais tarde, Jung abandonara essa visao inteiramente psicologica dos eventos da paranormalidade. Naquele momento, entretanto, para urn estudante inter~ssadQ ern l' psiquiatria, toda a observac;ao eo estudo do ca!o fig3HffiJCA terao servido como uma porta de entrada nara he;: ~~CIIAf.:l

  • .. u

    nos mais profundos da alma humana, aos quais ele estava prestes a se entregar tao minuciosamente.

    No Burgholzli: 0 aprendiz e seu monasterio

    Em julho de 1900, Jung completou seus estudos medi-cos na Universidade da Basileia. A decisao pela psiquiatria estava inteiramente tomada.

    Em dezembro daquele mesmo ano, e aceito como assis-tente no hospital de Burgh61zli para doentes mentais, em Zurique, sob a orienta~ao de Eugen Bleuler. Bleuler, pro-fessor de psiquiatria na Universidade de Zurique, era dire-tor do hospital havia dois anos quando Jung ingressou, urn hom em importante e famoso. 0 hospital gozava de uma reputac;ao avant-garde, e constituia 0 primeiro foco de interesse significativo pelo trabalho da psicamHise fora do circulo mais diretamente ligado a Freud.

    Jung teve grande sorte nesse momento, e logo parece ter-se identificado com a postura arrojada de Bleuler com

    r~lac;ao a compreensao da doen~a mental grave. Bleuler, a quem se deve a inven9ao do termo "esquizofrenia" (para se referir ao que antes dele era charnado de "demencia pre-coce"), tentava chegar a uma compreensao mais profunda da origem do comportamento psicotico. Opunha-se a pers-pectiva de uma origem puramente fisica, unicamente orga-nica para a psicose, e procurava entender exatamente que outros elementos poderiam contribuir para a sua genese. Jung gostou. E logo iria, ele proprio, ocupar-se detalhada-mente do ass unto .

    Jung descreve, muito tempo depois, aos 80 anos, 0 momenta em que ingressou no hospital e sua atmosfera como a entrada numa especie de monasterio.' Bleuler espe-rava de seus pupilos uma devoc;ao muito grande ao traba-lho. A rotina no hospital era rigida. Bebidas a1coolicas eram proibidas. Jung levantava-se as 6 horas e 30 minutos, e 0 trabalho 0 absorvia 0 dia inteiro.

    29

    As portas eram fechadas rigorosamente as 22 horas. Era do que Jung precisava. Havia urn entusiasmo quase que cruel, uma curiosidade que logo transformava os pacientes em enigmas fascinantes para a imaginac;ao de Jung. Sua dedica~ao era bern maior de que a de seus cole-ga.s. Passava a maior parte do tempo so, e no final do dia se dedicava a leitura dos cinqiienta volumes da Allgemeine Zetschrift fur Psychiatrie. Em seis meses, ja havia lido todos eles.

    "Os anos em Burgholzli foram os meus an os de aprendizado. A questao que dominava meu interesse e minhas pesquisas era a seguinte: 0 que realmente se passa no interior do doente mental? Nesse momento, ainda nao 0 sabia, e entre meus colegas ninguem se interessava por i550."

    Bleuler interessava-se. A decIara

  • 30

    A esquizofrenia, ou perda do contato com a realida-de, apenas indicava para lung a existencia de urn lado da psique que definitivamente nao esta voltado para nos.

    lung des creve na biografia sua experiencia psiquiatrica da seguinte maneira:

    "Ao debruc;ar-me sobre os doentes e seu destin~, com preen-dera que as ideias paran6icas e as alucinac;

  • A esquizofrenia, ou perda do contato com a realida-de, apenas indicava para lung a' existencia de urn lade da psiqlle que definitivamente nao esta'voltado para nos. '

    lung descreve na'biografia sua experiencia psiquiatrica da seguinte maneira:

    "Ao debrugar-me sobre os doentes e seu destino, cempreen-dera que as ideias'paran6icas e as alucinagoes se fermam em tomo de um nucJeO' significativo. No fundo da pSicose ha uma personaliQad,e,um~,l)isJ6ria de vida, um padrao de esperanQas e desejoS~ .. ~,e ,nao Ihes compreendemos 0 sen-tido,' e uma falhanossa. Pela prlmelra vez compreendi, que na psicose jaz e se oculta uma psicologia geral da persenali dade, e que mesmo aqui n6s nos debruQamos sobre es eter-nos conflites da humanidade. Embora os pacientes pessam nos parecer obtusos e apaticos, ou totalmente imbecis, ali se agita mais vida e sentido do que pensamos. No fundo, nao descobrimes no doente mental nada de novo, de desco-nhecido; encontrames n'ele as bases de nossa pr6pria natu-reza" ,

    o resultado de toda a pesquisa do trabalho em Burgh61zli, lung apresentou em duas monografias: A psico-logia da demencia precoce, de 1906, e 0 conteudo das psi-coses, 1908. Esta fase psiquiatrica e fundamental para a compreensao integrada do. trabalho posterior de Jung. De uma certa maneira, toda a teoria que sera construida mais tarde repousa na observa

  • viesse a mente. 0 tempo utilizado para responder, bern, como 0 conteudo da resposta, eram 0 material basico a ser avaliado. A aplica~ao desse teste em diversos casos demons-trou que, num determinado paciente, uma ou varias pala-vras poderiam causar nao s6 demora na res posta mas tam-' bern urn estado "afetivo" acompanhado por disturbios fisi-cos marcados. Is50 levciu'}uqg:a conclusao de que ao red or de uma palavra, 'ou uma ideia, havia uma teia de ideias ou associa~oes que juntas formavam urn "complexo". A pista que 0 teste entao' fornecia na compreensao da doen~a mental e de que sua or-igemnao est aria na degeneral;ao dos tecidos nervosos, mas sim num complexo localizado 'na mente inconsciente do, sujeito. Ao observar que 0 tempo de rea
  • 4 As ruelas de Viena e

    os vales da SU19'a:'"

    "Eu 0 vejo como uma figura tragica; foi urn grande hornem e, rna is importante, urn hornem nas garras de seu daimon."

    Encontro/confronto co'm Freud o envolvimento com Sigmund Freud, e posteriormente

    seu dramatico rompimento, sera urn dos pontos mais nevral-gicos da biografia de J ung. Muita gente sabe dis so. Vamos contar essa hist6ria uma outra vez, tendo em m~nte qu.e esse e um momenta decisivo na hist6ria do pensamento PSl-co16gico no Ocidente. Tao decisivo. ,::e~tamente, ~u~ ~ltrapassa a hist6ria dos fatos, as expectatlVas .de Ob.Jrtlvldade cientifica por parte de seus protagonist as , 0 enc

  • 36

    muito sUb-repticiamente, e que se limitava a discuti-lo ape-nas no ambito das conversas privadas. Grande parte desse. descaso nos meios oficiais, obviamente caros a Freud, devia-se ao fato de ele vir insistindo demais, numa Viena repleta de um moralismo morbido, na natureza psicossexual de toda ,c;t ,neurose, e tambem na sugesHio de todas as repres-soes' e'starem associa

  • 38

    e lung e seus respectivos interesses cientificos, revela ainqa o carater- suic;:o da atitude de Jung.

    Muito mais tarde, em 1955, numa entrevista a Stephen Black, para a radio BBC londrina, em comemorac;:ao ao seu octagesimo aniversario, Jung comenta a respeito desse cara-ter peculiarmente suic;:o. Perguntado sobi'easraizes "sui-c;:as" de seu trabalho, lung diz:

    "Voce sabe, nossa neutralidade politica-~ef!1muit'? a ver com isso. Estivemos sempre cercados por _grandes poderes - estes quatro poderes, Alemanha, Austria, Ih\lia, Franga - e tivemos de defender nossa independencia, de forma que o surgo e caracterizado por aquele espirito peculiar de inde-pendencia, e ele sempre reserva para si seu julgamento. Ele nao imita facilmente".

    Treze horas de papo

    Freud escreve outra carta a lung, dessa vez elogiando seu livro e pedindo-lhe que abandonasse a ideia de que nao se havia entusiasmado com seu trabalho. Freud estava inte-ressado em alianc;:a, nao em disputa. Claro esta, abria-se para ele a possibilidade de ampliar consideravelmente seu campo de influencia. _

    Dessa forma, convidado por Freu

  • ..to

    lung relembra na biografia uma passagem significativa em que Freud Ihe teria. dito: "Meu caro lung, prometa-me nunca abandonar a teoria sexual. 13 0 que essenciaI-mente importa. OIhe, devemos fazer deia urn dogma, urn baluarte inabalavel". Urn poueo espantado com esse tom proprio de uma conversa de pai para filho, lung entao per-gunta contra 0 que este baluarte serviria. Freud responde: "Contra a onda de lodo negro do ... ". E, hesitante, con-clui: " ... do ocultismo". A paIavra "dogma" abalaria pro-fundamente 0 reladonamento. Freud desejava fazer de lung seu sucessor, principe.coroado herdeiro de suas ideias. Considerava-o 0 unico colaborador talentoso 0 suficiente para Ievar adiante seu trabalho. ~ontudo, lung sentia que nessa passagem Freud colo cava urn dogma, uma questao_ de fe, a [rente do julgamento cientifico. Para lung, aquilo nitidamente apenas revelava uma vontade de poder pes'soal:

    Este nao e urn diva

    o ana de 1909 provou ser urn perfodo decisivo para o relacionameirtOd"Os dois. lung desliga-se finalme~t(;!_._s!9_ Burgholzli e muda-se para uma -casa -em-KIisnacht, nos -ar-redores de Zurique, onde cresceria sua pratica clinic a par-ticular. Esta sera sua casa ate 0 final da vida. Nesse momento, lung estava se tornando tao conhecido em Zuri-que quanto Freud em Viena. Jung tinha 33anQs.: '. Nesse mesmo ano, Jung fo(c'onvldado a dar algumas

    palestras na Universidade Clark, em Worcester, Massachu------- .--. ". .

    setts. Freud tambem havia recebido urn convite, e os dois decidem viaJar a America juntos. Era 0 primeiro reconheci-mento internacional da teoria psicanalitica.

    Quando se encontram em Bremen para 0 inicio da via-gem, ocorre 0 primeiro dos famosos desmaios de Freud na presen~a de lung. lung conversava sobre seu interesse nos cadaveres dos pantanos, eneontrados no norte da Ale-

    41

    manha, curioso porque onde eles eram encontrados uma especie de acido fazia "com que a pele e os eabelos ficassem perfeitamente conservados; urn tipo de mumifica~ao natu-ral surpreendente. ~~e~~_ c!.esmaia. Este teria, depois, inter-pretado toda essa conversa sobre cadaveres como expressao do fato ~e, lung alimentar d~~~jos de morte com rela~ao a ele. Complicado. Uma outra vez, em [9I2,flum congresso :psidlllalitico em Munique, outro desmaro ocorreria, que novame.nte seria interpretado dentro da "fantasia do assas-sinlo do pai", eorroborando as ideias de Freud em tome

    .. do complexo de Edipo. Freudestava, no instante, imerso nesta especuIa~ao, segundo a qual 0 filho deseja, simboli-camente, dormir com a mae e, conseqiientemente, matar 0 pai, seu principal rival, que, par sua vez, deseja secreta-mente castrar 0 filho.

    lung, de qualquer maneira, conta que ficava alarmado com 0 poder e a intensidade das fantasias de Freud, "que 56 poderiam causar mesmo desmaios".

    Ess(;t_ viagem a America e 0 momenta de maior aproxi-ma~ao entre-'os-aofs'~--"

    l~o navio, passam ~.maio~p;1~te_dotempo juntos, ana-lisando os sorihosum do outro. lung encClrava Freud como uma personalidade mais velh.a, mais madura e mais expe-~~ieI1te';'p?rtantc, com severo respeito. Por outro lado, essa vliige"in: marc~divisao entre os dois homens em passagens decisivas, sendo esta -a-pi-Tme-iradelas;conforme lung conta na biografia esse acontecimento curioso:

    "Freud teve.. urn ,sonho, cujo conteudo nao penso ser de todo correto revelar. Interpretei-o da melhor maneira que pude, acrescentando que poderia adiantar algo mais se ele me desse acesso a alguns detalhes suplementares, relativos a sua vida particular. Tal pedido provocou em Freud um olhar estranho, cheio de desconfianga. Entao ele disse: 'Mas eu nao posse arriscar minha autoridade!' Neste instante, ele a havia perdido por completo. Essa frase fieou gravada em minha memoria. Prefigurava ja, para mim, 0 fim iminente de nossas relag6es. Freud estava eoloeando autoridade pes soal acima da verdade".

  • 42

    '. Esse momento, nesta historia - esses dois homens sentados na cabine de urn navio, em alto-mar, analisando os sonhos urn do outro, sendo eles Freud e Jung - se transforma numa performance existencial dos seus siste-mas de pensamento. Uma cena dramaticamente impor- tante. E a chave para 0 entendimento do exercicio autori-tario de Freud. Freud proibiaa seu principe escolhido 0 acesso ao inconsciente. Sua autoridade dependia dessa proibi~ao. Freud f~chava as mesmas portas que ensinava

    . lung a -abrir. Freud proibe seu proprio metodo. Sua auto-ridade colapsa.

    A segunda dessas passagens refere-se a urn sonho que lung teve, urn dos mais bonitos da biografia e certamente urn dos mais importantes para a forma

  • 44

    Alem do mestre de Viena

    o sonho, por conter essa ideia em torno do incons-ciente coletivo, desperta novamente em lung 0 interesse pela arqueologia.-(Lembremos que, em seus anos de estu-' dante, lung tinha na arqueologia seu principal interesse, antes da medicina.) Dedica-se entao a investigar to do tipo de IJl.9:t~ri_~mitologico disponivel, e, entre outras coisas, descobre uma obra em quatro volumes, de Friedrich Creu-zer, _~(mb%s e mit%gia de povos antigos,. que, literal-mente, como declara, i.ncendeia-o. Aquilo que lia nesse livro corroborava muitas das ideias que the vinham ocorrendo a partir do sonho com a casa. Essa obra de Creuzer acrescen-tava, em seu trabalho, algo de novo ao estud~dos mitos: a abordagem simbolica, aliada ao estudo comparado das reiigi6es. Para lung, aquilo tudo poderia significar uma ten-tativa psicologicamente mais ampla de compreensao dos eventos humanos; urn escape, por assim dizer, do estudo restrito da neurose sexual, tal como Freud queria. E, embora Freud tivesse mesmo encorajado lung no estudo da mitologia, este sabia que aquele caminho 0 conduziria para longe (ou para alem) do mestre de Viena.

    Nesse momento, lung depara-se tambem com 0 que sera 0 ponto de partida para seu !!Qy.~dl.y.ro: uma serie de fantasias de uma tal Miss Frank Miller, de Nova York,

    ""-----.,.~-.-... . ._" -- .,- . - - .- - ._"

    publicadas nos Archives de Psychologie (Genebra), por seu amigo Theodore Flournoy. lung [icou extremamente impressionado com 0 caniter mitologico das fantasias que "operaram como urn catalisador sobre as ideias ainda

    , desordenadas que eu acumulava". 0 material vinha eviden-ciar ainda mais a ideia do inconsciente coletivo.

    A partir dessas fantasias (da patologia de Miss Miller) e do conhecimento que ganhava de mitologia (principal-mente no trabalho de Creuzer), nasce seu livro JiI1J.Qplos_ da transjormariio (que sera pubIicado, numa primeira ver-

    4S

    sao, em 1912, sob 0 titulo de Metamorjoses e sfmbolos da libido).

    Esse livro e, sem duvida, uma das obras mais impor-tantes e decisivas de lung, que, segundo os comentadores, inaugura uma dire~ao no pensamento e na cultura que podemos hoje chamar de "junguiana". Repleto de cita

  • 46

    "Depois da ruptura com Freud, todos os meus arnigos e conhecidos se afastaram de mim. Meu..livro foi considerado lixo; eu era urn 'mfstico' e isso encerrava 0 assunto. Mas eu tinha previsto a solidao e nao me iludi acerca das reac;oes de pretensos amigos. Muito pelo contrario, refleti profunda-mente sobre 0 assunto. Sabia que 0 essencial estava em jogo e que deveria tomar a peito minhas convicc;oes. Vi que o capitulo '0 sacrificio' representava 0 meu sacrificio."

    Freud era urn homem de iinportancia nesse momento, e havia sido-bem=sucedtdo', de ~ma maneira extraorcllmiria, em- conseguli-eclificai--:Uina mitologia que se to-rnava cada vez mais forte. 0 rompimento com Freud coloca )ung defi-nitivamente numa posi~ao de extreI11.~_~~lidao. Seuproprio trabalho (e, sem duvida, lung tambem lograni construir sua propria cosmologia), a partir desse instante, so teria oportunidade de realizar-se, em virtude do sucesso do sis-tema freudiano, na forma de uma contramitologia. E Junil permaneceni radicalmente por fora da tradi9ao oficial da: ciencia, passando a identificar-se cada vez mais com a expe- ! riencia de outros que, como tal, sobrevivem no obscuro : mundo da contratradi9ao: os gnosticos, os alquimistas.

    Nosso proximo capitulo examinani a genese biogrcifica dessa cosmologia.

    5 -J\MO~ c1 0JcW~

    Da disiunctio a c~nlunCtto:r~' 'CJ~~~' envolvimento com 0

    inconsciente

    "Um arquetipo e sempre de alguma forma urn drama abreviado." (C. G. Jung Speaking, p. 289.)

    Jung encontra-se, agora, no meio de sua vida. Tern 38 anos, e as experH!ncias que ele descreve em sua autobio-grafia ocorridas apos 0 rompimento definitivo com Freud nos impressionam pelo seu can iter de radicalidade no que se refere a pesquisa psicologica interior. Absolutamente so, agora Jung vai se lan9ar inevitavelmente a uma viagem heroica por seu obscuro espaco interior, de onde ele emer-gini consolidando em teo ria os alicerces de seu pensamento aparecidos na infancia e adolescencia. Ele parece nao ter outra saida. Heroi de si mesmo nesse momento, esta fic~ao nos traz a mente a imagem dos primeiros versos do inferno dantesco: "Nel mezzo del cammin di nostra vita mi ritro-vai per una selva oscura/che la diritta via era smarrita" .#...c.D/1

    . . . d d " I - -------- t I : . .J)IL Essa "cnse da mel a-I a e , uma convu sao men a pel a qual Jung ini passar, principia com a recorrencia de vis6es da destrui9ao do mundo, 0 que preocupa Jung enquanto psiquiatra na medida em que fatos de tal natu-reza geralmente indicam 0 preludio de uma doen~a mental

  • 48

    grave. Mais tarde, lung reconheceni que seus son~os e visoes desse periodo inicial da. "crise" estavam realmente em profunda sintonia com 0 que ele havia encontrado em seus pacientes esquizofrenicos. No entanto, como advento da Primeira Guerra Mundial, em agosto de 1914, tra

  • sando a participar'de forma ativa na torn!nte de fantasias e emo90es que espontaneamente se apresentava para ele. Anotou tudo, ou muito do que se passou ao longo de seis anos de confronto com 0 inconsciente, num caderno, que mais tarde chamou de Livro Ye'rmelho. A esse processo, que depois sera elaborado pO,r deem teoria e acabani fazendo parte da pr6pria pr~~isa terapeutica junguiana, chamamos de "imagina9ao atiya" .Um,env,lvimento ativo com a imaginac;ao. " ,,', ,,! ' ,

    Essa fase marca, na histotia de. Jung, a verdadeira genese de sua teoria psicologica. Tudp depois sera aprofun-damento e elaborac;ao das experiencias interiores pelas quais ele passa agora.

    "Os anos durante os quais me detive nessas imagens interio-res constituiram a epoca mais importante' de minha vida, e neles todas as coisas essenciais se decidiram. Foi entao que tudo teve infcio, e os detalhes posteriores foram apenas complementos e elucidagoes. Era a prima materia para a obra de uma vida inteira."

    Nessas fantasias, duas aparic;6es tern significaC;ao espe-cial para nos. 0 encontro de Jung com duas figuras deter-minara 0 desenvolvimento posterior da hist6ria da teoria e do homem. A primeira dessas figuras e a de urn homem idoso, com chifres,de touro, carregando urn molho de cha-ves, 0 qual se apresenta a Jung pelo nome de Filemon; a segunda, a de uma moc;a cega, que se chamou Salome. Filemon representava urn conhecimento e uma sabedoria superiores, urn guru ou mestre invisivel.

    "Salome e uma figura de anima. Ela e cega porque nao ve 0 significado das coisas. Elias [0 primeiro nome de Filemon] e a figura do velho profeta sabio, e represEmta a inteligencia eo conhecimento; Salome representa 0 elemento erotico. [, .. ] Reuni toda a minha coragem e abordeios como se fossem seres reais, e escutei com atengao 0 que me diziam."

    ',' .

    , t

    51

    Mais do que tudo 0 que disseram, suas proprias pre-senc;as levaram Jung a urn insight crucial sobre a natureza do psiquico. Filemon the dizia coisas que eIe n~10 havia jamais pensado conscientemente. lung observava pouco a pouco que nas longas conversas, nos passeios com Filemon, nao eraele que'm falava, mas 6 proprio Fitemon. Era File-mori"quem 0 ensinava que os pensamentos tern vida pro-pria, comoanimais numa floresta, pessoas numa sala ou passa;ras: no,ar.:Ensinava que nao era lung que gerava sua

    propfiq:vid~, psiquica, seus proprios pensamentos, embora ele a~siIn 0 imaginasse. As figuras em sua imagina

  • . 52

    periodo). J ung nunea cessa de querer ser urn cientista, pelo menos no que diz respeito it sua figura publica.

    Os apelos de Salome se opunham a essa determina~ao. o Livro Vermelho de Jung esta repleto de ilustra~oes e pin-turas, a maior parte no estilo art nouveau da epoca, que esta voz feminina interior queria faze-Io crer fosse arte. lung reage, querendo ultrapassar uma comunica~ao sim-plesmente estetica com 0 inconsciente. Jung quer entendi-mento. lung quer crer que nao e ele quem .pinta, mas que as fantasias sao produtos autonomos do inconsciente, nao conseguidas atraves de sua delibera~ao consciente.

    Dessa forma, inicia-se urn dialogo com a figura de Salome, que pouco a pouco 0 faz compreender ser ela sua propria alma. A alma, ou anima, como Jung a chamou, e na verdade quem produz as imagens, 0 pr6prio solo da ima-

    gina~ao. Mais tarde, Jung observara que e~sa_~".Q~.J~~inin_~ atua no inconsciente de cada homem comb urn contraponto

    ~--sua Perspe~tiva masculinacons"dente. Um;-tigura-~asci.ilii1acorresponde-rite-no --inconsde-nte das mulheres, J un!.! chamara de animus. Sao as vla~' de 'acess'o ao imaginari; inconsciente. lung afirmara m~is ia~de 'q~e essas figuras, geralmente presentes em sonhos' e fantasias, bern' como na

    produ~ao da arte, sao na verdade reguladores. do compor-tamento, universais, e portanto os arquetipos que maior influencia exercem na vida dos seres humanos.

    A elabora~ao dos conceitos de anima e animus percorre a obra de J ung quase como urn todo. Nao podemos nos deter aqui numa explora~ao mais detalhada dessas ideias. Devemos, para tanto, ir direto it obra. Aqui, queremos nos preocupar com a biografia.

    Em termos biografieos, a figura de Filemon reeupera e avan~a a figura da personalidade N~ 2. que Jung sentia dentro de si desde os primeiros anos de sua vida (uma viven-cia, como ja vimos, de divisao, de disjun9aO). E a recuperr-t-

    ~ao da figura do Velho Sabio, tambem arquetipica, que, alem do mais, pareee ser para onde sua biografia 0 encami-nha: () Scnhnr da Alma.

    53

    Seu envolvimento radical com as i'iguras do incons-ciente the deu a certeza, penosamente buscada, de que suas fantasias (e mesmo as pinturas do Livro Vermelho) nao eram 0 trabalho de urn "artista", como queria faze-Io crer sua personifica9ao de anima, Salome. Jung coneluia estar lidando com a verdadeira voz do inconsciente. Aquelas figu-ras tinham uma realidade mltica, mitologica, e faziam parte de urn substrato psiquico com urn a todos. Recorrentes na historia da cultura, Jung deu_Q",!!9}1!~..9_~_~'aIguetipos".a essas for9as ativas noincons.c..~nte_c;l.e_J2 . .c:tQ_S_ os homens.

    Os"arqu~tipos, nesse sentido, estao presentespara sempre no inconsciente e regulam, atraves de seus diferentes padroes, noss.o comportamento consciente, nossa vida de rela90es. Esta aqui a formula~ao mais importante e radical da obra de lung.

    . Os arquetipos expressam-se na linguagem dos simbo-los; 'manifestam-se, portanto, basicamente em imagens, as imagens. da.,fantasia,- dos sonhos. A propria natureza da vidaps:fquica. para Jung sera, em ultima anaJise, pura ima-gem:'-irtiageI!lpura.

    A~quetipo e tudo aquilo que e psicologicamente univer-sal, atemporal e predeterminado.

    Jung.emerge de seu encontro com 0 inconsciente dese-nhando mandalas em seu Livro Vermelho. Mandala, "cireu-10" em sanserito, e uma forma basiea que pode ser eneon-trada na natureza, nos elementos da matcria (Ulll nistal de vitamina C, par exemplo), no mundo animal c tambcm nos objetos e. imagens eriados pelo homem, pel a psique do homem. E uma representa~ao circular de um movimento ordenado, onde nao hacome~o nem rim, ncm arCSlllS, nCI11 pontos soltos: tudo esta interligado. A rcpresenta~Jo de urn sistema de ordem: urn cosmos.

    Observando a apari9ao espoI!tanea de imagens manda-lieas num determinado ponto no tratamento de seus pacien-tes, bern como em si mesmo (no momento em que prctendc

    It'tA'~r/",\l'''t'Clo.~ {"ai' "a'V.' ........... ;r'V\ ............ ~ ....... " ...................... : . , . - . \ I.

  • 54

    nos leva a concIuir que a mandala e 'ilrn sihlboio que tam-bern diz respeito a integridade p~iquica 'do homem, sua tota-lidade.

    Seu interesse por mandalas se da por volta de 1918, quando lung esta servindo junto aos oficiais do exercito britanico, internos em Chateau d'Oex, durante a Primeira Guerra. lung costumava entao desenhar uma.mandala todas as manhas ao acordar. Podia, assim - curiosamente no meio de uma guerra, da confusao exterior ao seu redor -, observar as transforma90es psiquicas ocorrendo dia apos dia. As suas mandalas correspondiam a sua situa9ao interior no momento. Urn desejo de ordem interior buscando seu proprio mapa.

    Tipos psicol6gicos

    Nao muito tempo depois, em 1921, urn de seus mais conhecidos livros aparece: Tipos psicol6gicos. Esse livro consiste na tentativa de Jung em observar, de forma pro-funda, que as pessoas des envoi vern diferentes atitudes quando em face a urn mesmo fen6meno; que elas possuem modos diferentes de reagir e funcionar conscientemente. J ung esta interessado agora em saber como 0 inconsciente atua no consciente. Esta interessado em 'sair, ele mesmo, de seu mergulho no inconsciente.

    Novamente, evidenciamos aqui as raizes biogrMicas desse passo:

    "Este trabalho nasceu originalmente de rninha necessidade de definir de que farma meu trabalho sa distinguia do de Freud e do de Adler. Tentando responder a essa questao, me deparei com a problema dos' tipos, pols e 0 tipo psicol6-gico de cada urn que determina e limita de anternao os jul-gamentos de urna pessaa. [ ... ] Meu livra sabre os tipos psico-16gicos conclui que todo julgamento de urn homem est a con-dicionado por seu tipo de personalidade, e que toda maneira de ver e relativa". .

    , .

    55

    6 lIvro' e a tentativa de organizar os diferentes modos de funcionainento consciente das pessoas. Alem de intro-duzir'nesse livro os conceitos de "introversao" e "extro-versao", que seriam as atitudes basicas que desenvolve-mos ao lidar com a realidade, a dire~ao predominante da propria energia psiquica, Jung acrescenta ainda que essas atitudes podem ter modos particulares de funciona-mento: sao as fun90es, os tipos propriamente ditos. Curio-samente, lung chega entao a formula~ao de mais uma mandala, pois as fun90es se encontram dispostas e in terli-gadas em pares de. opostos, como numa cruz. Quando uma e polarizada no consciente, seu oposto mergulha no inconsciente ..

    PENSAMENTO

    SENSA

  • 56

    vem 0 pressentimento. Entao, minha defini~ao e que a intui

  • presente". Na mesma entrevista que Jung concedeu a Ste-phen Black para a radio BBC londrina, aos 80 anos, em julho de 1955, que comentavamos no capitulo anterior, Black pergunta por que ele havia escolhido tal inscrkao para a porta de entrada de sua casa. A resposta e de uma humildade fascinante: "Porque eu queria expressar 0 fato de que me sinto sempre inseguro, como se estivesse na pre-

    sen~a de possibilidades superiores". Jung era urn homem alto, de estatura impressionante,

    grande, com pes largos, uma figura forte e extremamente poderosa. A medida que envelhece, sua presen~a sera cada vez mais marcante, e Hillman lembra, tambem impressio-nado com sua estatura, a primeira vez que 0 viu, chegando para assistir a uma palestra no C1ube de Psieologia de Zuri-que, ja homem idoso, todos a sussurrar que 0 Grande Homem estava presente. 0 chefe de uma tribo, sustentado por uma aura, urn culto. Hillman comenta ainda ser este urn fenomeno espiritua1 acontecendo a lung em vida, a

    transforma~ao do homem em espirito, e que isso e parte do que na verdade aconteceu a'sua propriapsicologia, que para muitos passou a ser erroneamente' encarada menos como uma psicologia de fato e mais como urn ensinamento espiritual. Jung mesmo, entretanto, gostava mais de se enxergar como urn dpieo camp ones sui90.

    As mulheres de Jung

    Sua esposa, Emma, era uma pessoa ,quieta, calma e inteligente. Extremamente dedicada ao marido, aos filhos e a casa, ainda encontrou tempo e fOlego para devotar-se aos estudos do grego, do latim e dos textos sobre a lenda do Graal. Ela morreu antes de terminar 0 livro que escrevia sobre 0 assunto, que foi mais tarde completado por Marie-Louise von Franz, famosa colaboradora de lung. Escreveu tambem ensaios sobre a anima e 0 animus, que se tornaram

    S9

    classicos do pensamento junguiano, amplamentt: lidos. Sua fidelidade a sua propria natureza coincidia com sua fidelidade ao marido, comenta Aniela Jaffe, secretaria e outra das colaboradoras de Jung, responsavel pela com pi-la9aO de suas memorias. Dois anos antes da morte de Emma, em novembro de 1955, os Jungs completaram bodas de ouro.

    Sao tres as mulheres mais decisivas na vida de Jung, que, no mais, parece ter atraido em maior numero a pr~sen9a e a colabora9ao de mulheres. Emma, a esposa, a pn-meira delas. Antonia Wolff, Toni, entra na vida de Jung como paciente, em 1910. Muito inteligente, mais tarde Toni come n ... I. .

  • 60

    tarde se torna mesmo depenctente dessa d~dica!yao. E Ruth quem comenta a respeito de !'Cirii n~ vid~ de lung:

    "Quando ele comegou a clinicar em;Ku-snacht [durante seu perfodo de confronto com 0linconsciente], as pessoas cos tumavam cutucar umas as outras no trem e dizer: "E la que mora 0 velho magico'. Ele encontrou em Toni Wolff um tre mendo apoio".

    Toni 0 estimulava e 0 ajudava em seu trabalho, acom-panhando-o em suas explorac;oes psicologicas.

    lung conheceu Ruth numa viagem a Africa, em 1925. Gostou dela, e a convidou a incorporar-se a sua expedic;ao, inteiramente composta por homens. Ruth aceitou, e mais tarde se tornaria amiga e assidua freqiientadora da casa em Kiisnacht. Ruth comenta:

    "Veja, ele tinha todas aquelas mulheres inteligentes ao seu red~r, algumas realmente inteligentes. Veja [Jolandej Jacobi, e todas aquelas pessoas, muito espertas, e podiam falar com ele e discutir coisas com ele, mas era tao inumano; de certa forma ... elas 0 exauriam. A melhor coisa que estava ao meu alcance era faze-Ie rir. Faze-Io ver 0 lade engragado de alguma coisa, que ele realmente podia ver - ele tinha um grande senso de humor. Dizem que os surgos nao tem, mas ele tiriha".

    lung parece ter dividido 0 papel da esposa, em sua vida, entre Emma e Toni. Porem, mais que isso, Jung parece ter sido urn homem que precisava de numerosas amantes, como, no mais, e possivel observar em outros homens de genio, como Gurdjieff, por exemplo. Emma parece ter-se sentido forc;ada a se habituar a estes fatos. Contudo, os detalhes de sua vida amorosa sao dificeis de serem tra!yados, dadas primeiramente a sua discric;ao em comenta-la mesmo com amigos mais intimos, e tambem a falta de relatos deixados. .

    Mais uma mulher, entretanto, toca,a vida de lung, embora aqui nao de uma forma ~rotica, mas inteiramente intelectual. E Olga Frobe-Kapteyn (1881-1962). Esta mulher,

    61

    em 1928, construiu a Casa Eranos, desenhada para abrigar as Conferencias Eranns, ao lado de sua villa em Moscia, Ascoria, no lago Maggiore. A ideia era de que aquele lugar servisse como urn centro que atraisse estudiosos, scholars e leigos, interessados. no desenvolvimento espiritual do homem. Dessa forma, des de 1933, ana do primeiro encon-tro organizado, homens e mulheres de divers as partes do mundo reunem-se no final do verao europeu, em agosto, para ouvirem-se uns aos outros em seus trabalhos, discuti-rem e trocarem ideias sobre ciencia, humanidades, psicolo-gia, religiao,mito, gnose. Os encontros acontecem ate hoje, e em cada ano sao reunidos em torno de urn tema central, como "Orientac;ao espiritual no Ltste e no Oeste" (1935), "as misterios" (1944), "Espirito e natureza" (1946), "0 homem e 0 mundo mitico" (1949), "0 homem e 0 tempo" (1951)", "0 mundo da cor" (1972).

    lung participou ~e catorze desses encontros, e esteve pela ultima vez em Eranos em 1951, apresentando seu tra-balho. sobre sincronicidade. Eranos foi uma oponunidade muito cara a Jung, onde ele podia de fato encontrar-se com outros homens, outras ideias, e tera ajudado muito na expansao e dissemina9ao de seu pensamento.

    Na Grecia Antiga, 0 nome Eranos significava um ban-quete no qual cada participante deveria honrar 0 faro de ter sido convidado apresentando urn presente intelectual: uma can f' np

  • ()U

    tarde se torna mesmo depend.ente dessa dedica

  • 6 Rumo ao sabio

    "Os deuses tornararn-se doengas." "Minha vidaesteve sernpre permeada e unificada por uma ideia e urn objetivo: o de penetrar no segredo da personal i-dade."

    J ames Hillman observa com que' facilidade hist6rias sobre a vida de lung se tomam como histortas Zen. Talvez nao se possa mais, hoje em dia, pro ceder da mesma forma, quer com lung, ou com qualquer outra grande figura. No entanto, 0 comportamento de lung parece ter permitido isto, e os junguianos mais famiticos aproveitam.

    Porem, ha uma hist6ria curiosa, bern ao jeito Zen, que ilustra a maneira como 0 pensamento' de lung procu-rava observar as coisas e 0 quanto, a medida que sua vida amadurcce, lung embarca numa viagem rumo ao sabio.

    Aniela J affe, o~tra de suas mulheres, que foi sua secre-taria, colaboradora, e est eve muito presente em seus ulti-mos anos de vida, conta que uma vez, trabalhando com ele em Bollingen, ao final do dia lung se achava extremamente mal-humorado. Tinha sido urn pessimo dia oara plf' nf"'l'c

    63

    estiveram lidando com cartas de pessoas desconhecidas, que deveriam ser respondidas, coisa que 0 desagradava bas-tante. Ao longo do dia, Aniela lembra que 0 mau humor de lung acabou por atingi-Ia algumas vezes. Arrumando suas coisas para voltar para casa no final daquele dia negro, tentando recompOr-se da atmosfera e do convivio com 0 mau humor de lung, Aniela enxerga-o, para sua surpresa, curvado, olhando para 0 lago par entre as proprias pernas, como fazem as crian9as quando querem ver 0 mundo de cabe9a para baixo. lung entao a convida a fazer 0 mesmo, comentando como 0 mundo e as coisas parecem melhores, e talvez sejam percebidos mais corretamente, se voce os enxerga de uma perspectiva inversa. Entao, despediram-se, e Aniela conta que levou algum tempo para notar a cha-rada com a. qual lung tentava faze-Ia sentir-se melhor depois de suas grosserias durante 0 dia: sob uma outra pers-pectiva, 0 dia negro poderia de fato ser urn dia claro!

    Rumo ao sabio, -lung vai, daqui para a frente, como ja indicarnos, aprofundar mais e mais seu pensamento, par-tindo sehlpre dos insights ganhos na busca do inconsciente. A obra, a partir desse momento, sera, puro aprofundJmento, mergull;lOna alma. 0 que eserevera, procurara. ser 0 dis-curso da alma, 0 logos da, psique, psicologia. Em .Tung, essa psicologiaprocura transcender-se a si mesma, a alma que procura ir alem de si mesma.

    Mais e mais 0 eaminho da transcendencia, abrigJdo nas pr6prias ideias, ira impor-se, e 0 cncontro COIll a alqui-mia podera fomeeer a lung uma maneira de raciocinar neste eaminho.

    Aurum hermeticum: alquimia e psicologia?

    Seu interesse por alquimia e despertado quando sell amigo Richard Wilhelm the envia a copia de um tcxto mile-nar chines, 0 segredo da flor de aura, convidando-o a ela-borar 11m ('omf'nt!'lrif"'l nl:;l'f"'I1Acrt"f"'I cr.hr" "1,,, n '~'-.~;.~ +~;

  • v ..

    bombastico; havia realmente uma grande afinidade entre a antiga sabedoria chinesa e as modernas ideias de lung.

    Logo depois, auxiliado por urn livreiro em Munique, lung tinha suprido sua biblioteca com urn vasto material original de textos. e tratados alquimicos. Esses textos, no entanto, eram escritos numa linguagem por demais estra-nha, ilustrados mais estranhamente ainda, e a principio pareceram incompreensiveis a Jung. Bram escritos numa linguagem hermetica, na linguagem :de Hermes, Mercurio, que ao mesmo tempo revel a e oculta. Mercurio era 0 pro-prio deus na alquimia, 0 espirito da coisa.

    lung resolve entao, notanda a recorrencia de uma serie de termos, organizar uma especie de glossario, com suas respectivas refcrencias. Ao chccar cada referencia, lung pouco a pouco vai descobrindo 0 significado das palavras, e da coisa toda. '. \

    Os tratados alquimicos, dessa forma, foram fornecendo a lung uma referencia hist6rica para suas ideias. Estava tudo ali. A preocupa

  • 66

    lung, assim, refere-se diretamente a urn estado politeista fundamental da alma. Vma visao polid!ntrica da alma humana, corroborada cedo por sua teoria dos complexos, e mais tarde reiteiada na visao dos arquetipos que a gover-nam e que sao, em ultima amilise, descritos no panteao da imagina

  • ~vv

    ~r8 vinhos. 0 velho professor lung era conhecido em Schmeri-

    k~n, a vila mais proxima a Bollingen, pelos camponeses que visitavam sua casa, e que com ele sentavam nas esca-das de sua adega, buscando urn vinho, por horas a conver-sar. Estranhamente para urn introv~rtido, lung estava sem-pre pronto a conversar sobre tudo com todos, tanto em Bollingen quanta em sua casa: .em K;usnacht. Veja-se, por exernplo, 0 numero de entrevistas que nunca recusou dar, durante toda a sua vida (a maio ria reunida no volume C. G. lung speaking, interviews and encounters, editado por William McGuire e R. F. C. Hull, traduzido no Brasil).

    A torre redonda de Bollingen mereceu um capitulo inteire na autobiografia: urn lugar muito especial para Jung, urn simbolo maternal, uma mandala na pedra, um encontro com a natureza e consigo mesmo e, acima de tudo, um lugar onde ele pode trabalhar com pedras. Desde a pro-pria constru9ao da torre, ate pequenas esculturas ou monu-mentos pelos jardins, inscri90es, baixos-relevos de vis5es e figuras nas paredes internas e externas da casa, tudo pedra.

    Contudo, nao so razoes ligadas a medita9ao eao traba-lho com os livros, as pedras ou as ideias levararn Jung a Bollingen; freqiientemente, ele e Toni passavam ali os fins de semana.

    Toda essa atividade em Bollingen foi muito importante nos ultimos anos da vida de Jung. Essa reclusao rural, afirrria, teni significado urn lugar de matura9ao, 0 senti-mento de estar renascendo na pedra, a concretiza9ao de seu processo de individua9aO. Ao ficar mais velho, lung pas-sava rnais da metade do ana em sua torre.

    "As palavras e os escritos nao pareclam suficientemente reais para mim; era preciso algo mals .. :Eu tinha de atingir urn tipo de representagao em pedra de meus pensamentos mais intimos e do conhecimento que eu havia adquirido. Qu, colocando de outra forma, eu tinha de fazer uma profissao de fa em pedra." "

    69

    Muitos de seus escritos da maturidade forarn cornpos-tos na solidao de Bollingen.

    Dois milhoes de anos

    Ao deixar OS Estados Unidos em outubro de 1936, Jung deu uma entrevista ao The New York Times a respeito de seu trabalho e suas ideias onde afirma que, juntos, ele e 0 paciente, em analise, se dirigiam ao homem de dois milh5es de anos que vive em todos nos. Diz tambem que cada urn de nos representa esse homem, que 0 en contra-mos nos sonhos durante a noite e que ele e a realidade de uma sabedoiia esquecida e armazenada dentro de nos.

    Ninguem melhor que Jung representou ou viveu esse homem de forma tao integral. Nossas dificuldades, afirma ainda, originam-se do fato de termos perdido contato com ele. Na figura e na obra de lung, ele pode emergir com sua for9a e sabedoria, afirmando sua realidade na alma humana.

    Jung pertemce ao secule XX. E praticamente nosso contemporaneo, urn homem do nosso seculo. Par marcar, com sua presen~a e sua obra, uma rupturn com 0 matcria-lismo e 0 racionalismo doseculo anterior, dos quais Freud por sua vez nuncaescapou, suas teorias nao sao simples, nem dogmaticas. Requerem, acima de tudo, uma habili-dade para pensar em termos de paradoxos. Assim, Jung inscreve-se na modernidade.

    Ruth Bailey conta que na noite anterior a sua morte, sentindo-se urn poueo melhor em seu est ado ffsico, Jung pediu a eia que descesse a adega de sua casa em Ktisnacht e apanhasse urn vinho. Junto com seu filho Franz, os tres apreciaram aquela garrafa e troearam suas ultimas palavras. Depois, foi para a cama e nao se levantou mais. Na tarde do dia seguinte, 6 de junho de 1961, lung morrell, tranqtiilo.

  • 7 Conclusao:

    , ". , , . memo~as e perspectIvas

    Nao tentamos contar a vida de Jung, impossivel; mas comentar a fic9aO de Jung. "Mem6rias, s~nhos, reflexoes" e a hist6ria de Jung, contada por dois escritores, C. G. Jung e Aniela Jaffe. Essa hist6ria, em seu enredo mais intimo, tern a ver com a aceita9ao radica:l da contribui9ao encantada do inconsciente - nela, a mem6ria esta refletida em sonhos.

    S6 podemos enxergar a hist6ria de Jung como outra ficc;ao, como metafora (narrativa, "exemplo, exercicio) , nunca com a literalidade que c1ama a verdade da sucessao hist6rica dos fatos. Na narrativa,' compreendemos a fanta-sia dualista basica do texto de lung.

    Aqui, a biogr~fia comenta a si mesma. A biografia de Jung aqui vira metabiografia, pois quisemos "olhar atra-ves" do que imaginamos serem os epis6dios e movimenta-c;5es mais determinantes de sua narrativa biografica, bus-cando encontrar a{ os dominan,tes arquetipicos que torna-ram possivel sua realiza9ao -,e seu significado para aque-les que se aproximam dela.

    Na ficc;ao de Jung, esses epis6dios e movimenta9oes sao, em larga escala, sUbjetivos; ela e 0 resultado possivel

    f

    71

    de umavivencia interior forte, muito,extensa e muito intensa - canalizadora de eventos coletivos, mito16gicos, arquetipi-cos.

    A hist6ria de Jung que aparece aqui, por final, nos educa ao mostrar que nos sa psique e inteiramente ficcional; em todos os momentos nossa vida vira hist6ria na mem6ria e na perspectiva.

  • 1875

    8 Cronologia

    26 de julho, nasce em Kesswil (cantao de Thur-gau), Suic;a, filho do pastor Johann Paul Achil-les Jung (1842-1896) e Emilie Jung (1848-1923).

    1879 A familia muda-se para Klein-Hunigen, perto de Basih~ia.

    1881 Come

  • 74

    1923

    1925 1929

    1933

    1936

    1937

    1938

    1939

    Morte da mae; comec;o do trabalho na torre em Bollingen. Safari no Quenia, em Uganda e no Nilo. Publica, com Richard Wilhelm, 0 segredo da flor de' ouro, tratando de alquimia e do simbo-lismo da mandala. Primeiro encontrb da Casa Branos, em Ascona, Suic;a. Jung apresenta seu ensaio Um estudo sobre 0 processo de individua~ao. Cruzeiro ao Egito e a Palestina. Recebe Doutorado Honorario da Universidade de Harvard. Palestras sobre psicologia e religiao (Terry Lec-tures), na Universidade de Yale, EUA. Palestra em Eranos, sobre "As visoes de Zozi-mos" .

    Recebe Doutorado Honorario da Universidade de Oxford; torna-se membro da Royal Society of Medicine. Viagem a india a convite do governo britanico no 25~ aniversari ,da, Uniyer~.1.dade de Calcuta. Jnicio da Segunda 'OrandeGuerra.

    1943 Torna-se membra honorario da Academia Sui

  • 9 V ocabulario critico

    Alquimia: precursora da quimica moderna. Seus experimen-tos pniticos, nos quais os alquimistas buscavam desven-dar os misterios da transfomul.c;ao das substancias quimi-cas, eram sempre acompanh~dos de especula

  • 78

    process os psiquicos que nao estao relacionados de forma direta com 0 campo da consciencia e seu centro, 0 ego. Para lung, urn conceito exc1usivamente psicol6gico, sem

    conota~5es filos6ficas ou metafisicas. Depois de lung, fazemos uma distin9ao entre urn inconsciente pessoal, continente das mem6rias e processos simbolicos da histo-ria pessoal e familiar de urn individuo, e urn inconsciente coletivo, continente das memorias e 'process os simboli-cos da hist6ria coletiva.

    Individuafao: processo no qual urn individuo, num proce-dimento natural ou induzido, se diferencia, por urn lado, do inconsciente coletivo e, por outro, da coletividade.

    Inflafao: processo peculiar no qual 0 ego se deixa influen-ciar por urn determinado padrao arquetipico, incorpo-rando uma atitude qu,e e proporcionalmente maior que ele. Nesse caminho, 0 ego perde sua perspectiva entre arquetipos, e com is to parte de sua autonomia.

    Insight: diz-se de uma sub ita visao da realidad,e interior, em determinados pontos do processo analitico, onde uma experiencia, ou uma rede delas, no presente ou no passado, pode ser percebida em sua totalidade significa-tiva.

    Libido: em lung, 0 equivalente a carga de energia psiquica de urn individuo.

    Mandala: circulo, em sanscrito. Refere-se a qualquer ima-gem circular, onde todos os pontos perifericos encon-tram-se relacionados de forma direta com 0 centro, for-mando assim uma totalidade visuarindissoluvel. Usado por lung como urn simbolo para 0 self.

    Opostos: a personalidade em Jung da-se' num campo subje-tivo de opostos - masculino e feminino, consciente e inconsciente, partes desenvolvidas e partes negligencia-das ou reprimidas, saude e doen9a, coragem e medo, objetivos espirituais elevados e impulsos fisicos instinti-

    t' t ,

    I I 1

    79

    sao permanente, que da 0 tom da energia psiquica num individuo, ao mesmo tempo que ha uma ncccssidadc arquetipica no sentido de sua resolu~ao.

    Psicose: doen9a mental grave, onde hi urn comprometi-mento da rela9ao 'entre urn individuo e 0 mundo obje-tivo que 0 cerca. :

    Psique: alma, em'grego. Tambem designa borboleta. Ao meSmo tempo, sujeito e objeto da psicologia. A dire~ao de. pensamento chamada junguiana ajudou a c1arear a posicao da' alma como urn campo fenomenol6gico inde-

    '. pendente do bidl6gico e do espiritual. "Esse in anima" (estar na alma) e urn postulado fundamental de lung.

    Repressiio: depois de Freud, termo geralmente utilizado para se referir a urn processo psiquico no qual contell-dos conscientes indesejaveis sao expulsos do campo do ego, tornando-se inconscientes, sem no entanro percler sua carga emocional.

    Self: a totalidade para onde aponta 0 desenvolvimcnto psi-quico de urn individuo. lung sublinhou cliversas vezes que 0 self e mais uma dire~ao a ser percorricla clo que propriamente uma realidade em si.

    Sfmbolo: na defini9ao cla.ssica de Jung, um simbulu C UIlla coisa viva, a melhor expressao possivel de algo que nao pode ser caracterizado ou conheciclo cle outra forma. Nesse sentido, urn simbolo estara sempre invcsticlo cle significado. Fica claro em lung uma cliferencia

  • 80

    Transferencia: fenomeno projetivo proprio do processo ana-litico, constituindo, em muitos casos,'O centro do desen-volvimento terapell:tico. Na situa Echo's subtle body. Dallas, Spring, 1982. Ensaios'coligidos'da autora~ importantc contribuidora da psicologia arquetipiea desenvolvida sobre as ideias mais radicais;de Jung:"Berry renova algumas das no~6es junguianai e'desenvolve urn estilo de psicoterapia baseado na prini.azhi'da imagem na vida psiquica.

    CHRISTOU, Evangelos. The logos of the sOIlI. Ztirich, Spring Publications, 1976. . .... " Profunda reflexao ao !aut'or em tome da clarificac;ao da alma como uma realidade basica distinta entre os cam-pos bio16gico e filosofico. 0 autor busca estabelecer uma ~psicologia da 'alrna e discute em extcns?in n

  • 82

    CORBIN, Henry. Creative imagination in the sufism of Ibn' Arabi. Princeton, Princeton University, 1969. Filosofo, mistieo e scholar frances, prineipalmente conhe-cido por seu trabalho de interpretac;ao dos mitos, da reli-giao e do pensamento islamicos. Nesse livro, Corbin tra-balha a questao da imaginayao como 0 campo psiquico por excelencia, e muito influencia os teoricos mais modernos da eseola arquetipica. .

    FREY-RoHN, Liliane. From Freud to Jung; a comparative study of the psychology of the unconscious. New York, C. G. Jung Foundation for Analytical Psychology, 1974. Estudo comparativo detalhado e profundo das obras de Freud e lung, muito interessante para quem quiser tra-

    ~ar a evolu~ao hist6rica dos conceitos te6ricos da psicolo-gia profunda.

    HALL, Nor. Those women. Dallas, Spring, 1988. Dona de urn estilo inconfundivel, nesse livro Hall reflete sobre as mulheres que estiveram perto de Jung e que

    abra~aram a psicologia profunda de maneira radical. HILLMAN, James.

    Tudo dele e importante se se quer ter uma visao mais moderna e trabalhada do pensamento profundo de Jung. Principal te6rieo da escola arquetipica. Ha poueo tradu-zido no Brasil, de uma obra ja bastante extensa. Para uma visao mais abrangente do campo de interesses de Hillman na obra de lung, mlm contato menos formal e teorico, sugerimos comec;ar a leitura pelo volume Entre vistas, traduzido recentemente no Brasil por Lucia Rosenberg e eu. A seguir, outras sug~st5es dos princi-pais titulos: Entre vistas. Sao Paulo, Summus, 1989. o mito da analise. Sao Paulo, Paz e Terra, 1984. Estudos de psiC%gia arquet(pica. Rio de Janeiro, Achiame, 1981. Re-visioning psychology. New York, Harper and Row, 1975.

    83

    The dream .and the underworld. New York, Harper and Row, 1979 .. . ::,:f':i . :. Suicide and the ~ou/. Dallas, Spring, 1964.

    HOGENSON, George~~ lung's struggle with Freud. University of Notre Dame, 1983. o autor busea' tra9ara natureza teo rica da passagem de Freud para Jung, num texto rico em impressoes pessoais e importante para quem quiser aproximar-se do con-fronto entre os dois homens de genio.

    JAFFE, . (\,nie1a. Ensaios sobre a psicologia de C. O. lung. Sao Paulo, Cultrix, 1988. A autora foi secretaria e eolaboradora de Jung em seus ultimos anos. Livro rico em ensaios sobre a obra de Jung e sobre seu convivio pessoal com 0 mestre.

    __ '" .0 milo do significado. Sao Paulo, Cultrix, 1989. . Estudo mais profundo e famoso, onde a autora busca percorrer a obra de Jung, paralelamente it sua vida, de maneira a mostrar o.quanto 0 mite do significado se revela como umapreocupa9ao aparente em seus escritos e questionamentos.

    JUNG, C. G. Gesammelte Werke. Zillich, Rascher Verlag s. d. Sao dezoito volumes, mais urn indice completo. Para abordar-se diretamente a obra de Jung, sem duvida 0 melhor e le-Ia no original em alemao, para aqudes que o conhecem. 0 problema da tradw;ao e delicado, mas o acesso tambem pode ser sugerido auaves da edi

  • 84

    xoes, editada no Brasil pela :Editora Nova Fronteira. La, tem-se uma visao geral e empirica, dada pelo pro-prio lung, de suas principais preocupa~oes teoricas.

    STORR, Anthony. As ideias de Jung. Sao Paulo, Cultrix, 1974. o autor e ingles, conhece bern a obra de Jung, e tern seu proprio material teorico. Esse livro serve como urn guia exemplar e percorre todos os pontos importantes numa leitura facil e agradavel.

    ULSON, Glauco. 0 metoda junguiana. Sao Paulo, Atica, 1988. Tambem na sene "Principios" desta editora, nesse volume Uison sintetiza os principais conceitos te6ricos na obra de lung, procurando ext-rair deles a estrutura de seu metodo.

    VON FRANZ, Marie-Louise. C. G. Jung; his myth in our time. New York, O. P. Putnam's Sons, 1975. Tudo desta aut ora e importante. Von Franz talvez seja a principal e mais clara colaboradora 'direta de lung. Obra extensa e profundamente didatica. Esse livro traz uma profunda viagem pela teoria de. Jung, exposta cro-nologicamente par a par com os acontedmentos pessoais da vida de lung. . .... !.

    Serie Fundamentos ..... ,':.';: ,.

    Fundamenta9ao teorica avan~da, iaprofundando a abordagem da materia. Abordagem critica e detalhada de urn ~ema-.5 ou conjunto de temas correlatos

    - de uma determinada disciplimi., . Alguns dos'mais' desfuaob'faUtorefnadonais"e' estrangeiros de cada area. Subsidios para 0 acompIDjhamento:de programa completo de uma disciplina. Veja, agora, nossosU1tiinoslan~entos: . :::: ',.' .

    14. Romance hispano-americano Bella Jozef

    15. Falares crioulos linguas em contato Fernando Tarallo & Tania Alkmin

    16. A pr~tica da reportagem Rica/rio Kotscho .

    17. A lingua esc"ta no Brasil Edith Pimentel Pinto

    1 8" Cultura brasileira . T emas e situa90es Alfredo Bosi

    19. Pensamento pedag6glco bras lie ira . Moacir Gadoeri

    20. Constituic;:oes brasileiras e cldadania .

    assistl!ncia de entermagem Robert J. Pratt

    34. Sociologia do negro brasileiro Clovis Moura

    35: Aprendizagem e . planejamento de ensino

    , . Wilson de Faria 36. Sociologia da sociologia

    Octavia Ianni . 37. A formac;:ao do Estado

    populista na America latina Ocravio Ianni ...... ,

    38 Introduc;:ao oj filosofia da arte BenedilO Nunes '.

    39. Hist6ria Geral e do 8rasil < Francisco Iglesias

    40. Classes socia is e movimento '. -operario .

    .. , ... ; Edgard. Carone .-" .I Celia Gaivtio Quirino & 41 Estetica da reCeP980 e hist6ria da Maria Lucia Monees literatura . .

    21. Hist6ria da lingua portliguesa .. Regina ZI'lberman ',j.?,.,., ... I. Seculos XII; XIII. XIV 42 . Leitura . ., Amini Boainain Hauy ,.Perspectivas interdisciplinares

    22. Hist6ria da lingua portuguesa " Regina Zilberman & Ezequiel T. da Silva {orgs. J II. Seculo XV e meados do 43. A natureza e a 16gica do seculo XVI .. ,'.' capitalismo . r, Dulce de Faria Paiva Robert L. Heilbroner

    23. Hist6ria da lingua portuguesa 44 .. 0 significado no verbo ingl~s III. Segunda metade.do . Geoffrey N. Leech ,.... .' seculo XVI e secul6 lsVIl /. 45, A ideotogia ., Seg/smundo Spina . '. ,. Reymond Boudon

    24. Hist6ria da ling.uil portuguesa 46: Dramaturgia . .. IV. Seculo XVIII .., .. A.construc;:ao do personagem Rolando Morel Pineo . . Renara Pal/ortini .

    25. ~,s~~~~I~a ~:~gua portuguesa' .:~ 4~, ~~::~a~ed~/J~~~'/aa~;r;:,dJO Nilce Sant'Anna Martins i'~ 48;-Direito e Justic;:a

    26. Hist6ria da lingua portuguesa .' . ,A func;:ao social do Judiciario VI. Seculo XX . .. .. Josti Eduardo Faria {org. J Ed' h n' t I Pi .. , 49. Teoria do romance I'" If .,men e nco . '"., ~.~ Donaldo Schuler '. : '.' "':0 '

    27. Admlnlstracllo estrat~gica 50. 0 rOleirista profissional . LUIS Gaj . " .. , .' "'TV e cinema . ',".:

    28. A tragedia 'Ma~ Rey t Estrutura & hist6ria 51. Baiancode pagamentos e Ugia Milicz da Costa & .. dlvida extema , ,:;. Mana Luiza Rirzel Remedios Paulo Sandroni

    29. Dicionario de teoria da narrativa 52. A esWistica. T,, Carlos Reis & .. Josti Lemos Monteiro Ana Crisrina M. Lopes 53. HevolucOes do Brasil

    30. Introduc;:ao A economia Conlemporaneo (1922- )938) mundial contemporanea Edgard Carone .. , Geraldo Mul/er 54. 0 significado da Segunda

    31. 0 tempo na narrativa Guerra Mundial Benedito Nunes Emest Mandel

    32. Classes. regimes e ideologlas RObert Henry Srour . ~~ I\.tnC'

    55. produc;:ao e transfenlncia de tecnologia Jose Carlos Barhipri

    57. A vlolencla Yves Michaud

    58. A supersti,ao Franr;:olse AskevI$Leherpeux

    59. A agressao Gaonel Moser .--60. Geografia das CtVI!lz;,c,:oes

    Rolund J..L. BrOJOn 61 A enuncla,,jo

    Jean Cervom 62. Os cl~ssicos da politlca - Vol 1

    Organizador: FranCISCO C Weltor[ 63. Os classicos da politlca - Vol. 2

    Orgamzador: FranCISCO C. Weffct! 134. Seml6tlca e fllosofla da ilnguagern -Umbeno Eco 65. Manual de rad10jornail':>rno

    Jovem Pan Mafia Elisa Porchar

    66. Tecnlcas de codlficac;:ao em Jornail$rT Mario L. Erbolaro

    67. Analise estrutural de romances brasilelros Affonso Romano de Sanr"Anna

    68. Os metodos em Soclologla Raymond Boudon

    69. Hist6ria da industria e do trabalho no 8rasil Vieror Leonardi'" Foor Hardman

    70. A ilnguagem do corpo - Pierre Guiraud 71. Introdu,ao a PSlcollnguiS!lca - Leonor Schar Cabral 72. Teo"a seml6tlca do texto

    Diana Luz Pessoa de Barros 73. A Revolu,ao Francesa

    Carlos Guilherme Mora 74. Etnomatematica

    Ub,rawn D'AmbrOSlo 75. Freud -ttr;1iJTfd"":jaccard 76. A uscola liu hanl...!url

    Puu/' Jurvll( .4 ..