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Electromagnetismo (cap. 3. eletrodinˆ amica) Jos´ e Pinto da Cunha universidade de coimbra 2016

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Electromagnetismo

(cap. 3. eletrodinamica)

Jose Pinto da Cunha

universidade de coimbra

2016

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Conteudo

3 Electrodinamica 5

3.1 Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53.2 A experiencia de Faraday . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53.3 A lei de Faraday . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

3.3.1 Lei de Faraday num circuito em movimento⋆ . . . . . . 103.4 As equacoes de Maxwell . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

3.4.1 A corrente de deslocamento de Maxwell . . . . . . . . . 113.4.2 A aproximacao quasi-estacionaria . . . . . . . . . . . . 163.4.3 As equacoes dos potenciais V e A na electrodinamica . 173.4.4 Acerca do gauge de Lorenz⋆ . . . . . . . . . . . . . . . 19

3.5 As ondas electromagneticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 203.5.1 A equacao geral de uma onda . . . . . . . . . . . . . . 213.5.2 A luz e as ondas electromagneticas . . . . . . . . . . . 233.5.3 A experiencia de Hertz . . . . . . . . . . . . . . . . . . 243.5.4 O teorema de Poynting . . . . . . . . . . . . . . . . . . 273.5.5 Ondas sinusoidais planas . . . . . . . . . . . . . . . . . 313.5.6 Ondas electromagneticas planas no vazio . . . . . . . . 35

3.6 Ondas electromagneticas em meios condutores . . . . . . . . . 393.7 A linha de transmissao coaxial . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44

3.7.1 Analise do cabo a partir da teoria de circuitos . . . . . 473.7.2 Reflexao do sinal no cabo . . . . . . . . . . . . . . . . 49

3.8 Os potenciais retardados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 513.8.1 Potenciais de Lienard-Wiechert⋆ . . . . . . . . . . . . . 54

3.9 Radiacao de um dipolo electrico . . . . . . . . . . . . . . . . . 563.9.1 Ganho da antena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63

3.10 Radiacao de um dipolo magnetico . . . . . . . . . . . . . . . . 643.11 Guias de ondas⋆ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68

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4 CONTEUDO

3.11.1 Guia de ondas retangular . . . . . . . . . . . . . . . . . 703.11.2 Guia de ondas cilındrico . . . . . . . . . . . . . . . . . 75

4 Comentario Final 81

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Capıtulo 3

Electrodinamica

3.1 Introducao

Ate agora estudamos os campos eletrostatico e magnetostatico. Trata-senum caso e noutro de efeitos associados a cargas e correntes em regime esta-cionario, respectivamente. Vamos analisar neste capıtulo os fenomenos de-vidos a cargas e correntes que nao estao em condicoes estacionarias, cujoscampos variam com o tempo.

3.2 A experiencia de Faraday

Seja uma espira fechada e plana, da qual se aproxima um magnete perma-nente, (ver fig. 3.1). A experiencia mostra que, sempre que o magnete semove ha uma corrente que percorre a espira, certamente induzida por essemovimento. Para alem disso, o sentido da corrente muda sempre que seinverte o sentido de movimento do magnete. A observacao experimentaldeste fenomeno foi primeiramente descrita por Faraday, em 1830, (mas estefenomeno tera sido observado por Henry alguns anos antes) e esta na baseda lei que e hoje conhecida como lei de Faraday.

A partir da analise de experiencias como a descrita Faraday concluiu que:- a forca electromotriz induzida na espira e igual a variacao do fluxo do campo

c© j. pinto da cunha, electromagnetismo /electrodinamica, universidade de coimbra, 2016.

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6 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

SN

B

F F

i

m’ m

v

SN

B

F F

m’ m

v

i

Figura 3.1: Inducao electromagnetica. O movimento do magnete em relacaoa espira induz nesta uma corrente, i, que e num sentido ou no sentido inversoconsoante estes se aproximem ou se afastem, respectivamente. Da interacaoentre os momentos dipolares magneticos do magnete, m, e do dipolo induzidona espira, m′ resulta uma forca F , que e repulsiva quando o movimento ede aproximacao e e atrativa se for de afastamento.

B atraves da respectiva area, independentemente da causa dessa variacao.1

Pouco tempo depois, baseando-se em consideracoes energeticas, Lenz con-cluıa que: - o sentido da corrente e aquele que cria um campo magneticoinduzido que se opoe a variacao do fluxo magnetico, (“a natureza tem “hor-

1A forca electromotriz (ou f.e.m.) e por definicao o trabalho que e realizado sobre ascargas de um circuito, por unidade de carga. Ou seja, num circuito, C, a forca eletromotriz,ǫ, e

ǫ =dw

dq=

C

dF

dq· dℓ =

C

E · dℓ

onde E = dFdq e o campo eletrico dentro do condutor. A f.e.m. e portanto de facto uma

diferenca de potencial. A designacao de forca electromotriz e portanto inadequada ja quenao e uma forca como o nome sugere, mas o integral de uma forca por unidade de carga.Mas e, todavia, a designacao que continua a ser comummente utilizada. Como e evidente,num circuito em que haja uma f.e.m. ha certamente um campo nao conservativo, (cujacirculacao e nao nula).No caso de uma bateria, a f.e.m. e a energia que essa bateria transfere para as cargas por

unidade de carga, atraves de um qualquer mecanismo interno (que pode ser eletroquımico,fotovoltaico, piezoelectrico, etc...), por via do qual elas vao de um eletrodo para o outrocontra o campo eletrostatico entre esses eletrodos. Ou seja, internamente, entre os eletro-dos de uma bateria, ha um campo nao conservativo que atua sobre as cargas; cuja f.e.m. co-incide com a diferenca de potencial entre eletrodos, se resistencia interna for nula. Porem,caso a forca eletromotriz seja induzida, como acima, esse campo nao conservativo nao estacircunscrito a uma parte do circuito, mas estende-se ao longo de todo ele.

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3.3. A LEI DE FARADAY 7

ror” a variacao de fluxo”). Esta regra pratica ficou conhecida como lei deLenz.

Da observacao resulta claro que a corrente esta claramente associada aomovimento relativo entre o magnete e a espira e que a energia dessa cor-rente provem certamente da energia do movimento relativo entre eles. Aforca de interacao entre o momento magnetico do magnete, m, e o momentomagnetico induzido na espira, m′, deve pois opor-se ao movimento relativoentre eles, transferindo energia cinetica para a corrente induzida na espira,quer quando eles se aproximam quer quando eles se afastam um do outro.Isto e, durante a aproximacao, m e m′ tem sentidos contrarios e por issorepelem-se; durante o movimento de afastamento tem o mesmo sentido, eportanto atraem-se, (ver fig. 3.1). A corrente induzida na espira e portantosempre de molde a opor-se a variacao do fluxo magnetico atraves da respec-tiva superfıcie, quer quando aumenta, quer quando se reduz, como concluiuLenz.

Vimos em § 2.6, eq. 2.39 que variar o fluxo magnetico custa energia. Defacto, e essa transferencia de energia que esta efetivamente subjacente a leide Faraday-Lenz, como veremos a seguir.

3.3 A lei de Faraday

A relacao entre a variacao de fluxo magnetico e a energia de um circuito foi jadiscutida na seccao § 2.6. Como entao vimos, se o fluxo do campo magnetico,Φ, atraves da superfıcie de um circuito variar, havera uma forca magneticaque atua sobre cada elemento infinitesimal de corrente, idℓ, desse circuito, aqual se decompoe em duas parcelas, dFm = dF + dF , a primeira das quaise perpendicular a dℓ, (ver eq. 2.40). Nos termos da eq. 2.39, a forca dFrealiza, em cada intervalo de tempo, dt, o trabalho dw = idΦ. Nesse mesmointervalo de tempo, dF realiza sobre as correntes o trabalho dF ·dℓ = −idΦ,(eq. 2.41), (e pois nulo o trabalho da forca magnetica total). Isto e, se o fluxomagnetico variar, cada elemento de carga, dq, da corrente do circuito sentiraao longo de todo o fio uma forca, dF . Esta forca constitui para todos os

efeitos um campo electrico induzido, E = dFdq

, que se estende ao longo do fioe esta associado a alteracao do fluxo magnetico.

A densidade de corrente no circuito sera pois j = σ(E + E), onde σ ea condutividade do material condutor, E e o campo eletrostatico que even-

tualmente exista dentro do condutor e E = dFdq

e o campo electrico induzido

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8 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

pela mudanca de fluxo. O efeito deste campo E ao longo de todo o circuitoconstitui portanto uma forca electromotriz induzida pela variacao de fluxomagnetico, dada pelo integral2

ǫ =∮

CE · dℓ = −i

dq= −dΦ

dt(3.1)

E a lei de Faraday, que ja tınhamos visto na eq. 2.42 A circunstancia de ointegral de circulacao,

C E ·dℓ ser nao nulo torna evidente que E e um camponao conservativo!

Deve-se fazer notar que, como B = ∇ × A, podemos escrever a eq. 3.1na forma ∮

CE · dℓ = − d

dt

S(∇×A) · ds (3.2)

Se o circuito estiver em repouso relativamente a B, entao os campos B e E

estao no mesmo referencial e S nao varia com t. Nesse caso pode-se aplicaro teorema de Stokes e, considerando que r e t sao variaveis independentes,tem-se

CE · dℓ = − d

dt

CA · dℓ = −

C∂tA · dℓ (3.3)

contando que o potencial vector, A, e uma funcao bem comportada, (Ae uma funcao sempre contınua e diferenciavel, incluindo na superfıcie docondutor, onde os campos sao descontınuos!, ver condicoes de fronteira deA). Como o circuito C e qualquer entao, necessariamente,

E = −∂tA+∇f

onde f e uma funcao arbitraria, ja que∮

C ∇f · dℓ = 0 (ver eq. 1.19).Esta parcela conservativa pode-se fazer coincidir com o campo eletrostatico,fazendo f = −V . Desta forma conveniente, E inclui tambem o campo elet-rostatico e reduz-se a este ultimo no regime estacionario. Por isso, E repre-senta efetivamente a acepcao mais geral do campo eletrico e convem portantochamar-lhe simplesmente E. Passamos portanto do campo conservativo elet-rostatico para o campo electrico, em que o campo eletrostatico e o caso limite,em condicoes estaticas.

Podemos entao escrever que

E = −∇V − ∂tA (3.4)

2O integral,∮

CE · dℓ = 0, pois o campo eletrostatico tem sempre ∇×E = 0.

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3.3. A LEI DE FARADAY 9

Esta e de facto a generalizacao da equacao do campo eletrostatico, em quese inclui um termo que depende explicitamente do tempo mas se torna nulono regime estacionario.

Vejamos agora que consequencias tem a equacao anterior na divergenciae no rotacional do campo E. Aplicando a divergencia a eq. 3.4 conclui-seque

∇ ·E =ρ

ǫ0(3.5)

pois, ∇2V = − ρǫ0

e ∇ ·A = 0 (ver eqs. 1.46 e 2.21).3 Aplicando o rotacionala eq. 3.4 obtem-se

∇×E = −∂tB (3.6)

Conclui-se pois que no regime variavel, nao estacionario, o campo electriconao e conservativo - so e conservativo apenas em condicoes estacionarias.

A equacao anterior, 3.6, mostra tambem que os campos variaveis E e B

estao acoplados um ao outro e que sao mutuamente ortogonais, em qualquerponto do espaco (pois ∇×E ⊥ E).4

Esta e uma clara evidencia de que E e B sao de facto duas faces umaunica entidade − o campo electromagnetico!

3De facto, como se viu em § 2.4.3, a divergencia de A nao e necessariamente zero.Tem-se nesse caso,

∇ ·E = −∇2V − ∂t ∇ ·A

No regime estacionario, a equacao de Poisson diz-nos que ∇2V = − ρǫ0. Todavia, em

condicoes nao estacionarias, tem-se

∇2V = − ρ

ǫ0+ ∂tψ

onde ψ e uma funcao arbitraria, que nao contribui para o regime estacionario, pois nessecaso todas as derivadas temporais explicitas, ∂t, sao nulas. Fica-se entao com,

∇ ·E =ρ

ǫ0− ∂t(ψ +∇ ·A)

Mas, como vimos, a divergencia, ∇ · A, nao esta definida pelos campos, e fixada pelaescolha de gauge (ver § 2.4.3) e podemos portanto escolhe-la de forma a que seja sempre∇ ·E = ρ

ǫ0em qualquer regime, variavel ou nao (ver discussao em § 3.4.4).

4Mas se parte do campo for eletrostatico, tal que E = Evar + Eest, entao como ∇ ×Evar = 0, entao E 6⊥ B, (mas Evar ⊥ Bvar).

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10 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

3.3.1 Lei de Faraday num circuito em movimento⋆

Uma carga q que se mova com velocidade v numa regiao de campo magneticoB e campo electrico E sente a forca de Lorentz F = q(E + v ×B). Porem,para um observador, O′, que se mova com ela, ela esta parada e portanto aforca de Lorentz nesse referencial e F ′ = q(E′ + v′ ×B) = qE′. Para baixasvelocidades, v ≪ c, as forcas (e os efeitos) sao iguais nos dois referenciais e,portanto,5

E′ = E + v ×B

A lei de Faraday referente a um circuito que se move atraves de um campomagnetico que varia com o tempo, ao ser observada a partir de fora, tem queter em conta quer a variacao de fluxo que e devida a variacao temporal docampo B, quer a que e devida ao movimento da espira em relacao a essecampo B. Com efeito, vista no referencial da espira,

ǫ =∮

CE′ · dℓ = −

S∂tB · ds+

C(v ×B) · dℓ (3.7)

Note que nesta equacao o campo E′ e medido no referencial do circuito e queE′ e B estao em referenciais diferentes. A forca electromotriz num circuitoem movimento e pois igual a soma da forca electromotriz devida a variacaode B, mais a forca electromotriz devida a acao direta das forcas magneticassobre as cargas do circuito em movimento. Todavia, convem frisar que estaultima equacao nao traduz nada de novo, e tao somente uma expressao geral,eventualmente com algum interesse pratico.

3.4 As equacoes de Maxwell

Vimos ate agora que os campos electrico e magnetico sao descritos no vaziopor quatro equacoes diferenciais acopladas:

no vazio na materia∇ ·E = ρ

ǫ0(1) ∇ ·D = ρℓ (1a) (lei de Gauss)

∇ ·B = 0 (2) ∇ ·B = 0 (2a) (lei de Gauss)∇×E = −∂tB (3) ∇×E = −∂tB (3a) (lei de Faraday)∇×B = µ0j (4) ∇×H = jℓ (4a) (lei de Ampere)

(3.8)

5Como se constata na eq. 3.3.1, o campo eletrico depende do movimento do observadorrelativamente as cargas. Ja tınhamos visto que assim devia ser em § 2.4.

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3.4. AS EQUACOES DE MAXWELL 11

As duas primeiras equacoes sao escalares e as duas ultimas sao equacoesvectoriais. Aplicando a divergencia e o rotacional as duas equacoes vectori-ais, eqs. 3.8-(3) e 3.8-(4), podemos eventualmente desacopla-las, pagando opreco de as ter como equacoes diferenciais de segunda ordem. Todavia, desteexercıcio vao resultar duas consequencias fundamentais:

i) aplicando o operador divergencia vai-se constatar que a equacao 3.8-(4) (e 3.8-(4a)) e inconsistente com o princıpio de conservacao da cargaelectrica (§ 3.4.1);

ii) aplicando o operador rotacional vai-se descobrir que existem ondas elec-tromagneticas (§ 3.5).

3.4.1 A corrente de deslocamento de Maxwell

A divergencia do rotacional de um campo qualquer, G, e sempre nula, i.e.,∇ · (∇ × G) = 0. Assim, ao aplicar a divergencia as eqs. 3.8-(3) e 3.8-(4),tem-se

0 = ∇ · (∇×E) = −∂t(∇ ·B) = 00 = ∇ · (∇×B) = µ0∇ · j (3.9)

A primeira destas equacoes e uma identidade, mas a segunda so e valida noregime estacionario, em que ∇ · j = −∂tρ = 0. e manifestamente incom-patıvel com a equacao da continuidade, ∇ · j = −∂tρ. Isto e, a eq. 3.8-(4)e incompatıvel com a equacao da continuidade, ∇ · j = −∂tρ e, portanto,inconsistente com o princıpio geral de conservacao da carga electrica, que e,um princıpio fundamental em qualquer regime.

Isto significa que a eq. 3.8-(4), e valida apenas em condicoes estacionarias(isso nao deve surpreender pois foi obtida de facto em condicoes estacionarias,em § 2.4.3). Para que a eq. 3.8-(4) satisfaca a equacao de continuidade noregime variavel e pois necessario adicionar a corrente um termo cuja di-vergencia de ∂tρ, ou seja, falta-lhe o termo ǫ0∂tE = ∂tD (no vazio). Ficare-mos nesse caso com a identidade,

0 = ∇ · (∇×B)︸ ︷︷ ︸

= µ0∇ · (j + ∂tD)︸ ︷︷ ︸

= µ0(∇ · j + ∂tρ) = 0

Daqui infere-se que a lei de Ampere no regime variavel e entao,

∇×B = µ0j + µ0ǫ0∂tE (3.10)

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12 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

Esta equacao generaliza de facto a lei de Ampere da magnetostatica,reduzindo-se a esta ultima no regime estacionario. A quantidade jD =ǫ0∂tE = ∂tD e conhecida como “corrente de deslocamento” de Maxwell,que a introduziu pela primeira vez em 1861. O nome desta corrente derivada expressao corrente do vector deslocamento, ∂tD.

O argumento anterior aplica-se igualmente a eq. eq. 3.8-(4a). De facto,aplicando-lhe a divergencia tem-se

0 = ∇ · (∇×H) = ∇ · jℓEsta equacao so e valida no regime estacionario. Para se aplicar ao regimevariavel (nao estacionario) falta-lhe o termo ∂tρℓ, de modo a ficar a igualdade

0 = ∇ · (∇×H) = ∇ · jℓ + ∂tρℓ = ∇ · (jℓ + ∂tD)

Conclui-se portanto que, no regime variavel,

∇×H = jℓ + ∂tD (3.11)

onde jD = ∂tD e a corrente de deslocamento de Maxwell.Vem a proposito referir que na materia D = ǫ0E + P e que, portanto,

∂tD = ǫ0∂tE + ∂tP ; o termo jp = ∂tP descreve a corrente local associadaa oscilacao das cargas de polarizacao do meio em resultado de oscilacoestemporais do campo electrico. De facto, visto que ∇ · P = −ρp, entao∇ · (∂tP ) = −∂tρp, de onde se ve que jp = ∂tP e a respectiva densidadede corrente. Esta corrente jp nao deve ser confundida com a corrente demagnetizacao, jm.

Note-se que a corrente de deslocamento nao altera as equacoes da magne-tostatica, estende a equacao de Ampere ao regime variavel e so se faz sentirquando os campos sao explicitamente variaveis no tempo.

A corrente de deslocamento introduzida por Maxwell, conquanto aparente-mente simples e pacıfica, revelar-se-ia de fundamental importancia; sem elanao haveria ondas electromagneticas! 6

6A inclusao da corrente de deslocamento e porventura a maior contribuicao de Maxwellpara a teoria electromagnetica. Nas suas proprias palavras: “the variations of the electricaldisplacement must be added to the currents to get the total amount of electricity”, Maxwell,1865 [“A Dynamical Theory of Electromagnetic Field”]. Sem a corrente de deslocamentoo electromagnetismo seria outra coisa totalmente diferente.

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3.4. AS EQUACOES DE MAXWELL 13

Exemplo:A analise do circuito da fig. 3.2 poe em evidencia o papel essen-cial da corrente de deslocamento. Nessa figura, o condensador esta inicialmentedescarregado, liga-se o interruptor em t = 0 e o circuito e percorrido por umacorrente i = V

Re−t/RC , que carrega o condensador. Na fig. 3.2 esquematizam-se,

em condicoes quase-estacionarias, os campos E e B em torno do fio condutor eentre as placas do condensador, sendo em ambos os casos, E ⊥ B em cada ponto,(eq. 3.8-3); (desprezam-se os efeitos de bordos nas placas do condensador).

Nos termos do teorema de Stokes, a circulacao do campo B sobre um contornoC e (fig. 3.2),

CB · dℓ =

S(∇×B) · ds =

S′

(∇×B) · ds (3.12)

onde ∇×B e dado pela eq. 3.10.

A superfıcie S e atravessada pela corrente do fio, mas E e tangente a essasuperfıcie no regime quase-estacionario, pelo que ∂tE ⊥ ds. Por conseguinte,

S(∇×B) · ds = µ0

Sj · ds = µ0i

Sobre a superfıcie S′, tem-se j = 0, mas o fluxo do campo E nao e nulo. Istoe,

S′

(∇×B) · ds = µ0ǫ0

S′

∂tE · ds

Ora, de acordo com a lei de Gauss,∮

S+S′ E · ds = qǫ0. Como

S E · ds = 0, entao∫

S′ ∂tE · ds = iǫ0. Por conseguinte,

S′

(∇×B) · ds = µ0i =

S(∇×B) · ds

Ou seja, nao fora a corrente de deslocamento e o circuito da fig. 3.2 violava aeq. 3.12 e, portanto, o teorema de Stokes. A corrente de deslocamento e poisfundamental, como este simples exemplo mostra.

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14 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

V

q

SCS’

i B

E

EB

R

Figura 3.2: A corrente i do circuito e variavel, durante a fase transiente, ateque o condensador fique totalmente carregado (C refere-se ao contorno quedelimita S e S ′; nao confundir C com a capacidade do condensador).

As equacoes de Maxwell na forma final sao entao:7

no vazio na materia∇ ·E = ρ

ǫ0(1) ∇ ·D = ρℓ (1a) (Gauss)

∇ ·B = 0 (2) ∇ ·B = 0 (2a) (Gauss)∇×E = −∂tB (3) ∇×E = −∂tB (3a) (Faraday)∇×B = µ0j + µ0ǫ0∂tE (4) ∇×H = jℓ + ∂tD (4a) (Ampere)

(3.13)com D = ǫ0E +P e B = µ0(H +M). As formas integrais destas equacoes

7As equacoes que Maxwell publicou em 1865 eram originalmente em numero de 20 etinham formas muito distintas das atuais (i.e., eram intragaveis). As quatro equacoes vec-toriais que hoje designamos como equacoes de Maxwell sao de facto a versao de Heaviside,de 1884.As tres frases seguintes que retirei do artigo original de Maxwell, de 1865, dao uma ideia

do seu entendimento acerca do campo electromagnetico que acabara de descobrir:

• ”the variations of the electrical displacement must be added to the currents to getthe total amount of electricity”

• ”[the energy] resides in the electromagnetic field, in the space surrounding the elec-trified and magnetic bodies, as well as in those bodies themselves”

• [about the speed of light]: ”the agreement of the results seems to show that light andmagnetism are affections of the same substance, and that light is an electromagneticdisturbance”

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3.4. AS EQUACOES DE MAXWELL 15

n

B

BE

E

kk

C

h

Ψσ

l

S−

+−

+

Figura 3.3: Superfıcie de descontinuidade dos campos E e B, em regimevariavel.

sao, respectivamente:

no vazio na materia∮

S E · ds = qǫ0

(1)∮

S D · ds = qℓ (1a)∮

S B · ds = 0 (2)∮

S B · ds = 0 (2a)∮

C E · dℓ = − ddt

S B · ds (3)∮

C E · dℓ = − ddt

S B · ds (3a)∮

C B · dℓ = µ0i+ µ0ǫ0ddt

S E · ds (4)∮

C H · dℓ = iℓ +ddt

S D · ds (4a)(3.14)

As condicoes de fronteira dos campos E e B da electrodinamica saoidenticas as da eletrostatica (e magnetostatica), (eqs. 1.58 e 2.31). Comefeito, aplicando as equacoes integrais 3.14 a vizinhanca de uma superfıcie,Ψ, (ver fig. 3.3), em que, por hipotese, os campos sao descontınuos, no limiteem que h → 0, obtem-se:

no vazio na materian · (E+ −E−) =

σǫ0

(1) n · (D+ −D−) = σℓ (1a)

n · (B+ −B−) = 0 (2) n · (B+ −B−) = 0 (2a)n× (E+ −E−) = 0 (3) n× (E+ −E−) = 0 (3a)n× (B+ −B−) = µ0k (4) n× (H+ −H−) = kℓ (4a)

(3.15)

(note que na fig. 3.3, limh→0 S = 0). Isto e, as condicoes de fronteira do campoelectromagnetico sao iguais no regime variavel e no regime estacionario.

As eqs. 3.13-(3) e eq. 3.13-(4)), dizem-nos que um campo electrico variavelnum ponto origina nesse ponto um campo magnetico variavel, e vice-versa,respectivamente. Ha portanto aqui uma simetria entre os campos electricoe magnetico: a variacao temporal de qualquer deles implica o outro. Os

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16 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

campos variaveis E e B estao pois umbilicalmente acoplados e sao mutua-mente ortogonais em cada ponto. No regime variavel, nao mais se podemconsiderar os campo em separado, mas ao inves como partes de uma unicaentidade − o campo electromagnetico. Acabamos de descobrir o campoelectromagnetico!

A descoberta do campo electromagnetico e seguramente um dos maiorestriunfos de sempre da Fısica. Tanto assim e que a abordagem de Maxwellcontinua ainda hoje a ser o modelo inspirador para as outras teorias decampo.

3.4.2 A aproximacao quasi-estacionaria

Em geral, a analise de problemas de electrodinamica passa pela resolucaodas equacoes de Maxwell. Todavia, estas equacoes estao acopladas e a suaresolucao pode ser uma tarefa formidavel. Na maioria dos casos so e possıvelfaze-lo numericamente e mesmo assim e difıcil.

Contudo, ha muitas situacoes em que e valida a chamada aproximacaoquasi-estacionaria, caso em que se podem calcular solucoes analıticas aprox-imadas para as equacoes de Maxwell.

O primeiro passo dessa aproximacao consiste em ignorar o acoplamentoentre E e B, obter uma primeira solucao aproximada dos campos e, a seguir,inserir essas solucoes alternadamente nas equacoes 3.13-(3) e 3.13-(4), porforma a corrigir a solucao inicial, em aproximacoes sucessivas. Obtem-sedeste modo solucoes aproximadas para os campos, na forma de uma seriecujas parcelas hao de tender rapidamente para zero se a aproximacao forvalida.

Como veremos adiante, µ0ǫ0 =1c2

∼ 10−17 s2/m2 e uma quantidade muitopequena. A aproximacao quasi-estacionaria consiste de facto em expandiras solucoes das equacoes de Maxwell numa serie de potencias de 1

c2.

Comeca-se por considerar, na aproximacao de ordem zero, que µ0ǫ0∂tE ≪µ0j, visto que µ0ǫ0 =

1c2

≪ 1.

Na aproximacao de ordem zero, comeca-se por fazer µ0ǫ0 ≈ 0, a eq. 3.13-(4) fica apenas ∇ × B = µ0j e tem uma solucao e formalmente funcao dacorrente, B(0) = µ0f(j). Pelo princıpio de sobreposicao esta funcao deve sertal que f(j1 + j2) = f(j1) + f(j2).

8

8Se ∇ × B1 = µ0j1 e ∇ × B2 = µ0j2, entao B = B1 + B2 e solucao da equacao∇×B = µ0(j1 + j2). Ou seja, B/µ0 = f(j1 + j2) = f(j1) + f(j2).

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3.4. AS EQUACOES DE MAXWELL 17

Inserindo a solucao anterior alternadamente nas eqs. 3.13-(3) e 3.13-(4),obtem-se a seguinte sequencia:

∇×B(0) = µ0j → B(0) = µ0f(j)∇×E(0) = −∂tB

(0) → E(0) = −∂tf(B(0))

∇×B(1) = µ0j + 1c2∂tE

(0) → B(1) = B(0) − 1c2∂2t f [f(B

(0))]∇×E(1) = −∂tB

(1) → E(1) = −∂tf(B(0)) + 1

c2∂3t f [f [f(B

(0))]]∇×B(2) = µ0j + 1

c2∂tE

(1) → B(2) = B(0) − 1c2∂2t f [f(B

(0))]++ 1

c4∂4t f [f [f [f(B

(0))]]]· · ·

(3.16)Ve-se pois que a aproximacao quasi-estacionaria consiste efetivamente emexpandir os campos E e B em potencias de 1

c2. A convergencia da serie e,

consequentemente, a validade desta aproximacao dependem de quao rapidassao as variacoes dos campos. Em princıpio uma flutuacao electromagneticapode ser expandida em serie de Fourier e trata-se entao de ajuizar a validadeda aproximacao quasi-estacionaria com base em potencias do quociente ω2

c2,

onde ω = 2πf e f e a frequencia. Como 1c2

≈ 10−17 s2/m2, a aproximacaoquasi-estacionaria deixa de ser valida para sinais acima da dezena de MHz,(∼ 107 Hz). Acima destas frequencias tem mesmo que se resolver o sistemade equacoes diferenciais acopladas de Maxwell.

3.4.3 As equacoes dos potenciais V e A na elec-

trodinamica

As equacoes da electrodinamica diferem das correspondentes equacoes daeletrostatica apenas no que diz respeito ao rotacional dos campos E e B.Mas que implicacoes e que isso tem nas equacoes dos potenciais no regimevariavel?

Como vimos em § 3.3, no regime nao estacionario (variavel) da elec-trodinamica, a relacao entre os campos electrico e magnetico e os potenciaise

E = −(∇V + ∂tA)B = ∇×A

(3.17)

Inserindo estas equacoes nas equacoes de Maxwell, eqs. 3.13-(1) a (4), podemtambem ser expressas em termos dos potenciais V e A. Verifica-se que:

i) as eqs. 3.17 satisfazem identicamente as equacoes 3.13-(2) e 3.13-(3).

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18 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

ii) aplicando a divergencia a primeira eq. 3.17-1 e inserindo na eq. 3.13-(1)tem-se ∇2V + ∂t∇ ·A = − ρ

ǫ0.

iii) aplicando o rotacional a eq. 3.17-2, considerando a identidade ∇×(∇×A) = ∇(∇ ·A)−∇2A, e inserindo em 3.13-(4) conclui-se que

∇× (∇×A) = µ0j + µ0ǫ0∂tE = µ0j + µ0ǫ0(−∇∂tV − ∂2tA)

As quatro equacoes de Maxwell, 3.13, reduzem-se assim a duas equacoesacopladas nos potenciais,

∇2V + ∂t∇ ·A = − ρǫ0

(∇2A− µ0ǫ0∂2tA)−∇(∇ ·A+ µ0ǫ0∂tV ) = µ0j

(3.18)

Todavia, estas equacoes podem ser desacopladas porque os potenciais V eA nao sao definidos absolutamente pelos campos9, (ver § 2.4.3). Usandodesta liberdade de escolha do “sistema de potenciais”, em particular a ∇·A,podem-se escolher potenciais convenientes, tais que

∇ ·A+ µ0ǫ0∂tV = 0 (3.19)

i.e., suprime-se o termo de acoplamento das equacoes anteriores. Nesse casoas duas equacoes ficam desacopladas e podem ser consideradas separada-mente. Mas sera que isto e sempre possıvel? Sim! (vide infra, in § 3.4.4). Osistema de equacoes 3.18 fica assim na forma,

∇2A− µ0ǫ0∂2tA = −µ0j

∇2V − µ0ǫ0∂2t V = − ρ

ǫ0

(3.20)

Estas equacoes foram publicadas por Lorenz em 1867, escassos anos (ape-nas dois) apos a publicacao dos artigos de Maxwell, e sao conhecidas comoequacoes de Lorenz.10

A condicao 3.19, que especifica esta escolha dos potenciais, e chamadacondicao de Lorenz ou gauge de Lorenz e, no regime estacionario, reduz-se ao gauge de Coulomb, ∇ ·A = 0, (ver § 2.4.3).

9Os campos nao definem absolutamente os potenciais, mas o contrario nao e verdadeiro- os potenciais definem univocamente os campos E e B.

10Note que Lorenz e Lorentz sao pessoas diferentes! (vide D. Jackson, Classical Electro-dynamics).

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3.4. AS EQUACOES DE MAXWELL 19

As duas equacoes diferenciais de Lorenz, conjuntamente com a forcade Lorentz sobre uma carga, sao suficientes para descrever toda a elec-trodinamica. O regime estacionario e um caso particular destas equacoes.

As eqs. 3.20 sao equacoes de onda nao homogeneas (sao homogeneas empontos sem cargas ou correntes, ver § 3.5.1). Por consequencia, qualquerperturbacao dos potenciais propaga-se atraves do espaco como uma onda, avelocidade da luz (ver § 3.5). Isto e, os potenciais, V e A, num determi-nado ponto do espaco estao retardados relativamente aos potencias de outroponto onde eventualmente tenha ocorrido uma perturbacao/flutuacao, poisessa perturbacao levara algum tempo a propagar-se de um ponto ao outro,(propaga-se com a velocidade finita).

A semelhanca formal entre as duas equacoes de Lorenz sugere a existenciade uma ligacao mais profunda entre V e A, mas a discussao desse assuntoesta para alem do ambito deste texto.

3.4.4 Acerca do gauge de Lorenz⋆

A questao da liberdade de escolha do sistema dos potencias merece ser anal-isada com mais detalhe.

Nos termos do teorema de Helmholtz, e necessaria quer a divergencia quero rotacional de uma funcao vectorial para a definir completamente.

A relacao, B = ∇ × A, fixa o rotacional de A, mas nada diz quanto adivergencia de A. O campo E, atraves da relacao, E = −(∇V + ∂tA), fixaapenas a combinacao de potenciais, ∇2V + ∂t∇ ·A = ∇ ·E = ρ

ǫ0, deixando

∇ ·A a depender da escolha que se fizer de V . Portanto, como a divergenciade A nao e definida pelos campos, podemos defini-la ou fixa-la da forma quefor mais conveniente, em particular, especificamente, de modo a desacoplaras equacoes 3.18.

No regime estacionario, V e V ′ = V + const. + ∂tf , onde f e uma funcaoarbitraria, representam o mesmo campo E, ja que no regime estacionarionada depende explicitamente do tempo e portanto ∂tf = 0 (supoe-se que fe bem comportada). Por seu lado, A e A′ = A + ∇f , com f arbitraria,representam o mesmo campo B, visto que ∇×∇f ≡ 0.

No regime variavel, E = −∇V − ∂tA, (eq. 3.17) e se, por hipotese, sefizer V → V ′ = V − ∂tf , entao

E = −∇V − ∂tA = −∇V ′ − ∂t(A+∇f) = ∇V ′ − ∂tA′ = E′

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20 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

Ou seja, o campo E e o campo B sao ambos insensıveis a transformacaoconjunta:

(V,A) →

A′ = A+∇fV ′ = V − ∂tf + const.

(3.21)

com f uma funcao qualquer, que seja bem comportada; pois, como se podeverificar, E′ = −∇V ′−∂tA

′ = −∇V−∂tA = E eB′ = ∇×A′ = ∇×A = B.A escolha livre da funcao f fixa, portanto, a relacao entre a divergencia,

∇ ·A, e o potencial V , ja que ∇ ·A′ = ∇ ·A+∇2f . Em particular, pode-seescolher a funcao f de molde a que ∇ ·A′ = −µ0ǫ0∂tV

′; bastara escolher ftal que

∇ ·A′ + µ0ǫ0∂tV′ = 0 = (∇2f − µ0ǫ0∂

2t f) + (∇ ·A+ µ0ǫ0∂tV ) = 0

Esta e uma equacao de onda que em princıpio tera sempre solucao nao trivial,pelo que e sempre possıvel satisfazer a condicao de Lorenz, eq. 3.19. Isto e, sepor hipotese os potenciais, (V,A), nao satisfizerem a priori a condicao 3.19,as variantes, (V ′,A′), satisfazem-na seguramente. Como, (V,A) e (V ′,A′)sao equivalentes - descrevem os mesmos campos fısicos -, portanto podemossempre satisfazer a condicao 3.19 e considerar equacoes desacopladas em Ve A, (eqs. 3.20).

A liberdade de escolha do “sistema de potenciais” tem paralelo na liber-dade de escolha do sistema de coordenadas:- podemos escolher os mais con-venientes. A fısica nao depende nem de um nem do outro.

3.5 As ondas electromagneticas

No paragrafo § 3.4.1 aplicamos a divergencia as equacoes de Maxwell econcluımos pela necessidade de se considerar a corrente de deslocamento,jD = ∂tD, de modo a tornar o sistema de equacoes autoconsistente.

Vamos agora aplicar o operador rotacional as equacoes de Maxwell, 3.13-(3) e 3.13-(4). Obtem-se em resultado dessa operacao equacoes diferenciaisde segunda ordem, quer num caso quer noutro. Assim, aplicando o rotacionala eq. 3.13-(3), considerando a identidade ∇× (∇×E) = ∇(∇ ·E)−∇2E,obtem-se

∇× (∇×E) = ∇(∇ ·E)−∇2E

= −∂t(∇×B) = −(µ0∂tj + µ0ǫ0∂2tE)

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3.5. AS ONDAS ELECTROMAGNETICAS 21

xx’tv

v

v

f

x

x’(x’=x − v t)

O’O

Figura 3.4: Uma onda indeformavel unidimensional, f(x, t), propaga-se aolongo do eixo x com velocidade v. O observador O′ move-se com a onda eacompanha o seu movimento. No instante t = 0 as origens dos referenciaiscoincidem; a relacao entre as coordenadas e x′ = x− vt.

Em pontos do espaco sem cargas ou correntes (ρ = 0 e j = 0) conclui-seassim que

∇2E = µ0ǫ0∂2tE (3.22)

O mesmo argumento aplicado a eq. 3.13-(4) da

∇2B = µ0ǫ0∂2tB (3.23)

Ou seja, os campos E e B satisfazem, quer um quer outro, a mesma equacaodiferencial de segunda ordem. Esta equacao e a equacao que descreve apropagacao de uma onda (ver eq. 3.26), o que significa que as perturbacoesdos campos E e B se propagam atraves do espaco, exatamente da mesmamaneira, na forma de ondas electromagneticas, com velocidade,

c =1√µ0ǫ0

(3.24)

(cf. eq. 3.26). Isto e, acabamos de descobrir que ha ondas electromagneticas!Essa descoberta fundamental foi feita pela primeira vez por Maxwell, em1865 (vide nota pag. 14).

3.5.1 A equacao geral de uma onda

Uma onda designa genericamente um fenomeno em que uma determinadaperturbacao se propaga atraves de um meio. Geralmente esse processo on-dulatorio transporta energia e momento e nao deixa rasto no meio por ondepassa (se nao dissipar energia).

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22 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

A perturbacao que origina uma onda pode ser uma flutuacao mecanica, aperturbacao de um campo, etc... A velocidade de propagacao de uma ondae funcao das propriedades do meio no qual se propaga. As perturbacoesde campos como o campo electromagnetico, constituem ondas imateriais epropagam-se todas no vazio a velocidade da luz.

Seja, por hipotese, uma onda que se propaga num meio a uma dimensao,com velocidade constante, v, que mantem a sua forma a medida que sepropaga (ver fig. 3.4 ). No referencial da onda, a perturbacao que se propagae descrita por uma funcao f(x′). Porem, vista do laboratorio, f e uma funcaodo espaco e do tempo. Isto e, f(x′) = f(x− vt), pois a relacao entre os doissistemas de coordenadas e x′ = x− vt, (transformacao de Galileu).

As derivadas de f em ordem a x e a t sao, (derivacao composta ou emcadeia),

∂xf = ∂x′f ∂xx′ = ∂x′f

∂tf = ∂x′f ∂tx′ = −v∂x′f

∂2xf = ∂2

x′f

∂2t f = v2∂2

x′f

Deste exercıcio resulta assim a equacao geral de uma onda unidimensional,

∂2t f = v2∂2

xf (3.25)

Esta e a famosa equacao de onda a uma dimensao, onde v e a velocidadeda onda. A generalizacao para o espaco tridimensional e imediata, pois∂2x → ∇2 = ∂2

x + ∂2y + ∂2

z . Obtem-se assim a equacao de onda a 3 dimensoesda funcao f(r),

∂2t f = v2∇2f (3.26)

A equacao de onda baseia-se em argumentos muito gerais e portantoaplica-se a qualquer perturbacao que se propague atraves de qualquer meio.Aplica-se portanto em geral a quaisquer ondas acusticas, electromagneticas,marıtimas, gravitacionais, etc... A velocidade de propagacao depende natu-ralmente do processo fısico subjacente e das propriedades do meio em causa.

A eq. 3.26 foi descoberta por D’Alembert em 1746 e e conhecida comoequacao de onda de D’Alembert.11 Esta equacao ja era portanto conhecidacerca de 100 anos antes de Maxwell descobrir as ondas electromagneticas (em1865).

11D’Alembert tambem demonstrou que as solucoes gerais da eq. 3.25 sao do tipo f(x, t) =f(x− vt) + g(x+ vt).

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3.5. AS ONDAS ELECTROMAGNETICAS 23

3.5.2 A luz e as ondas electromagneticas

Como se disse, as equacoes 3.22 e 3.23 dizem-nos que existem ondas electro-magneticas, que se propagam no espaco vazio com velocidade c = 1√

µ0ǫ0≈

3×108 m/s. Esta previsao foi confirmada alguns anos depois de ter sido feita,atraves das experiencias realizadas por Hertz (cerca de 1888, ver § 3.5.3).

As equacoes 3.13-(3), 3.13-(4), 3.22 e 3.23 mostram que uma mera flu-tuacao do campo electrico num ponto induz uma perturbacao do campomagnetico em pontos dessa vizinhanca; a qual por sua vez perturba o campoelectrico na vizinhanca seguinte, etc... A perturbacao dos campos vai-seportanto propagando pelo espaco na forma de uma onda imaterial12, comvelocidade c = 1√

µ0ǫ0≈ 3 × 108 m/s. A velocidade c depende apenas das

propriedades do vazio e e por isso uma constante fundamental da fısica.

Maxwell constatou que o valor numerico da velocidade, c, era muitoproximo do valor da velocidade da luz, o qual era ja bem conhecido nessaepoca, sobretudo depois das experiencias realizadas por Fizeau (em 1849) epor Foucault (em 1850), que mediram a velocidade da luz em varios mate-riais. Maxwell teve a intuicao de que esta coincidencia nao era fortuita eespeculou que a luz devia ser tambem ela uma onda electromagnetica.13 Ehoje evidente que Maxwell estava certo e que a luz visıvel e, de facto, apenasuma janela estreita num espectro muito mais largo de ondas eletromagneticas(ver tabela 3.1).

12Durante muito tempo nao se considerou que fosse possıvel haver ondas imateriais quese propagassem no vazio. Por isso inventou-se o eter, uma especie de essencia que existiriaem todo o espaco para dar suporte a propagacao da luz. Esse conceito so foi abandonadocom o advento da teoria da relatividade.

13Citando Maxwell: ”If it should be found that the velocity of propagation of electro-magnetic disturbances is the same as the velocity of light, and this not only in air, but inother transparent media, we shall have strong reasons for believing that light is an elec-tromagnetic phenomenon”. J. C. Maxwell in ”A Treatise on Electricity and Magnetism”,2nd vol., 3rd ed., p. 431, 1891.

Na verdade, ja nessa epoca se suspeitava de que a luz devia ter alguma relacao comos campos electrico e magnetico. Por exemplo, anos antes, em 1845, Faraday, um ex-perimentador arguto, tinha observado que um campo magnetico podia rodar o plano depolarizacao de um feixe de luz polarizada.

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24 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

Tabela 3.1: O especto das ondas electromagneticas

nome frequencias exemplos de aplicacaoondas radio 535− 1.605 kHz radio AM

3− 26 MHz radio de ondas curtas54− 216 MHz radio FM; televisao VHF470− 806 MHz televisao UHF

microondas 1− 300 GHz radar, telecomunicacoes, aquecimentoinfravermelho 103 − 104 GHz analise espectroscopica, aquecimentoluz visıvel 105 − 106 GHz muitas!ultravioleta 106 − 108 GHz espectroscopia, esterilizacaoraios X 108 − 109 GHz exames radiologicosraios γ 1010 − 1013 GHz irradiacao de tumoresγ alta energia > 1013 GHz astrofısica

3.5.3 A experiencia de Hertz

Nos anos que se seguiram a publicacao do tratado de Maxwell, “A Trea-tise on Electricity and Magnetism”, em 1873, muitas pessoas debatiam-setentando observar experimentalmente as ondas electromagneticas previstasnesse tratado. O problema estava porem em conseguir campos que variassemcom frequencia suficientemente elevada tal que o comprimento da respectivaonda fosse da ordem do metro, para permitir fazer o seu estudo. Tambem naohavia ideias firmes de como detecta-las. O primeiro a consegui-lo foi HeinrichHertz, em 1888, sendo essas ondas hoje conhecidas como ondas hertzianas,em sua homenagem.14

Hertz apercebeu-se de que uma descarga electrica entre dois condutoresenvolve uma corrente instantanea muito elevada, e que isso deveria correspon-der a uma elevada perturbacao dos campos electrico e magnetico locais. Deacordo com a teoria electromagnetica de Maxwell essa perturbacao dever-se-ia propagar como uma onda electromagnetica pelo espaco em redor, avelocidade da luz.

14Ha referencias ao facto de que tera havido, antes de Hertz, observacoes experimentaisque possivelmente eram ja manifestacoes das ondas electromagneticas. Todavia, essaspessoas nao as souberam relacionar na altura com os trabalhos de Maxwell, nem se teraoapercebido do que estava presumivelmente em causa.

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3.5. AS ONDAS ELECTROMAGNETICAS 25

Assim, usando um transformador de alta tensao criou um circuito os-cilante LC de alta frequencia capaz de produzir periodicamente descargas(a alta frequencia) entre duas pequenas esferas condutoras muito proximas(ver fig. 3.5). Da analise do circuito conclui-se que a carga do condensadore da forma q = q0 cosωt, com ω = 1√

LC, ou seja, o circuito oscila com uma

frequencia ω = 1√LC

. Se a amplitude da tensao no condensador for suficien-temente elevada, serao produzidas periodicamente descargas entre as duaspequenas esferas,15 alternadamente num sentido e no outro, com frequenciaf = ω

2π.

Baseando-se na teoria de Maxwell, Hertz calculou pela primeira vez ocampo electromagnetico que seria radiado por um pequeno dipolo electricoe previu que os campos electrico e magnetico teriam polarizacao linear e queno plano de simetria o campo electrico da onda seria paralelo ao dipolo (verfig. 3.5).

Concebeu entao um dipolo constituıdo por duas esferas condutoras deraio R, cujas superfıcies estavam separadas por uma certa distancia, b, (verfig. 3.5). As duas esferas formam um condensador com capacidade16, C ≈2πǫ0R

(

1 + R2R+b

)

. Ou seja, Hertz criou a primeira antena!

15Uma descarga electrica ocorre se o campo electrico for superior a rigidez dieletricado ar (campo de disrupcao, Emax ≃ 3 × 106 V/m). Se o campo for suficientementeintenso para fornecer a um eventual electrao livre do ar a energia cinetica suficiente paraque ele ionize uma molecula (ou atomo) com que colida, libertar-se-ao nessa colisao outroselectroes que, uma vez livres, serao acelerados pelo campo e originarao mais eletroes livres,e assim sucessivamente. Estabelece-se assim uma corrente muito intensa que dura cercade 1 ns − e isto que vulgarmente se designa como descarga (ou faısca).

O campo necessario para produzir uma descarga no ar pode ser estimado com uns poucoscalculos. Se houver no ar n = N/V moleculas/m3 e a seccao transversal de cada moleculafor ∼ πa2, entao a distancia media de aceleracao que um electrao percorre antes de colidircom outra molecula e ℓ ∼ 1

nπa2 , pois V ≈ Nπa2ℓ. Na aproximacao de gas ideal, 1 mole

ocupa 22.4 dm3; o diametro de cada molecula e ∼ 2 A; e a energia de ionizacao e da ordemde I ∼ 1 eV. Entre colisoes a energia adquirida por um electrao e ∆U = e∆V ∼ eEℓ.

Conclui-se assim que se E∼

> Emax ≃ 3 × 106 V/m, entao ∆U∼

> I e portanto ha umadescarga. O campo Emax e o campo de disrupcao (ou rigidez dieletrica) do ar.

Para que se de uma descarga no ar entre dois electrodos a distancia de 1 cm um dooutro e portanto necessaria uma diferenca de potencial, ∆V ∼ 30 kV. Cada faısca temuma duracao de cerca de 1 ns, pelo que a frequencia maxima de descargas e da ordem de∼ 1 GHz.

16A capacidade de uma esfera condutora e C = 4πǫ0R; duas esferas com cargas q e −q,em que a distancia centro a centro seja d, tem uma diferenca de potencial ∆V ≈ 2

R

(1− R

d

)

e tem portanto uma capacidade C ≈ 2πǫ0R(1 + R

d

).

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26 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

Hertz concluiu que, como cada descarga que ocorre no circuito esta as-sociada a variacoes muito fortes dos campos electrico e magnetico, que sevao propagar como ondas electromagneticas ao espaco em redor, entao oscampos dessa onda electromagnetica devem induzir uma forca electromotriznuma espira detectora colocada a certa distancia da descarga. Se esta espirativer uma pequena interrupcao, e se os campos da onda tiverem amplitudesuficiente, a diferenca de potencial na descontinuidade da espira pode serbastante para que se produza uma pequena faısca nessa abertura. Esta ideiafoi crucial, pois ate entao ninguem sabia como detectar as ondas electro-magneticas.

Assim, para detectar as ondas electromagneticas Hertz concebeu umressoador constituıdo por uma espira circular, de raio a, quase fechada, comduas pequenas esferas separadas por uma distancia submilimetrica, ajustavel.Com um parafuso podia afinar a distancia entre as esferas e assim variar ofator LC da espira, de modo a aproxima-lo do do circuito oscilante ate obterressonancia (ver fig. 3.5).

As direcoes dos campos E e B estao indicadas na figura 3.5, para ondasque se propagam horizontalmente. Colocando a espira perpendicularmenteao campo magnetico da onda, que e variavel, a forca electromotriz induzidana espira de raio a e, de acordo com a lei de Faraday,

ǫ = −dΦ

dt≈ −πa2

dB

dt

Se a amplitude de ǫ for suficientemente elevada da-se uma pequena descargaentre os terminais da espira, proporcional a dB

dt, que e visıvel no escuro. A

dimensao da espira deve ser muito menor que o comprimento de onda demodo a apanhar o maximo de B na maior parte da area da espira.

Hertz observou que de facto se viam faıscas na espira quando ocorriamfaıscas no circuito oscilante, demonstrando assim que eram produzidas, e sepropagavam no ar, ondas electromagneticas. Confirmava-se assim a previsaofeita por Maxwell cerca de 20 anos antes. A experiencia de Hertz e por issouma das experiencias fundamentais da fısica.

Mas Hertz nao se ficou por esta observacao qualitativa, fez varias ex-periencias, cada vez mais aperfeicoadas.

Numa das suas experiencias Hertz colocou uma chapa condutora em frenteao dipolo radiante, a cerca de 10 metros deste. Os electroes de um condu-tor absorvem o campo electromagnetico, e, oscilando, reemitem a onda coma mesma frequencia da onda incidente, i.e., uma chapa condutora constitui

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3.5. AS ONDAS ELECTROMAGNETICAS 27

um espelho de ondas electromagneticas.17 A sobreposicao das ondas da umaonda electromagnetica estacionaria entre a chapa e o dipolo radiante (ver§ 3.5.5 e fig. 3.5). Percorrendo com a sua espira o espaco entre o dipolo e oespelho, Hertz pode observar a posicao dos ventres (pontos de maxima ampli-tude) e dos nodos, e pode assim medir o comprimento de onda, λ, das ondaselectromagneticas. Visto que conhecia a frequencia do circuito, f = 1

2π√LC

,pode medir a velocidade dessas ondas invisıveis, pois v = λf . Confirmou as-sim a previsao teorica de Maxwell de que as perturbacoes electromagneticasse propagam a velocidade da luz (ver fig. 3.5).18

Hertz observou tambem que, tal como no caso da luz visıvel, as ondaselectromagneticas sao polarizadas, e que, tal como aquela, podiam ser reflec-tidas, refractadas e focadas com um espelho parabolico condutor.

As versoes modernas desta experiencia usam normalmente dıodos de altafrequencia (em particular dıodos Gunn) quer na fonte emissora quer no sis-tema de recepcao. Mas continua a ser uma experiencia fascinante!19

3.5.4 O teorema de Poynting

Tomando as equacoes de Maxwell, 3.13-(3) e 3.13-(4), e fazendo o produtoescalar, respectivamente com B e com E, obtem-se

B · (∇×E) = −∂tB

2

2

E · (∇×B) = µ0E · j + µ0ǫ0∂tE

2

2

(3.27)

Estas duas equacoes podem-se fundir, tendo em conta a identidade vectorial∇ · (E × B) = −E · (∇ × B) + B · (∇ × E) (ver apendice A). Obtem-se

17Alias, os espelhos sao em geral condutores, mesmo os que sao para a luz visıvel. Porexemplo, o espelho em que nos miramos pela manha e constituıdo de facto por um filmede alumınio (mas podia outro bom condutor) depositado na parte posterior de uma chapade vidro, coberto com uma tinta protetora para nao oxidar. A maior parte da reflexaonao vem do vidro mas do filme condutor que esta a tras.

18A capacidade das esferas que Hertz utilizou e C ≈ 2πǫ0R(

1 + R2R+b

)

; se R ∼ 0.5 m

entao C ∼ 3 × 1011 F; e se a bobine tiver uma indutancia tıpica de L ∼ 1µH, entaof ∼ 30 MHz e λ ∼ 9 m. Os dados originais de Hertz indicam que mediu ondas estacionariascujo comprimento de onda era cerca de 8 m.

19Marconi veio anos depois utilizar as ondas hertzianas para revolucionar o nosso modode viver.

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28 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

E

k

B

B

CV LL’

a) b)

c) d)

λ /2

Figura 3.5: Representacao esquematica da experiencia de Hertz. a) circuitooscilador acoplado a um transformador de alta tensao ; b) espira detectoraou ressoador (representado em perspetiva); c) formacao de ondas eletro-magneticas estacionarias entre o dipolo e uma chapa condutora; d) repre-sentacao dos camposE eB das ondas relativamente ao vector de propagacao,k. Hertz acoplou o circuito oscilador a uma bobine de inducao de Ruhmko-rff, gerando uma alta tensao a partir de uma bateria (a oscilacao do fluxomagnetico faz-se com um interruptor que vibra e interrompe periodicamentea corrente no circuito primario).

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3.5. AS ONDAS ELECTROMAGNETICAS 29

entao,

∇ · (E ×B) = −∂tB2

2− µ0ǫ0∂t

E2

2− µ0E · j

= −µ0∂t

(

1

2µ0

B2 +ǫ02E2

)

− µ0E · j

Esta equacao pode ser escrita na forma

−∂tuem = ∇ · S +E · j (3.28)

onde uem = 12µ0

B2+ ǫ02E2 e a densidade de energia do campo electromagnetico

(i.e., uem = ue + um, eqs. 1.68 e 2.47) e S e o chamado vector de vector dePoynting,

S =1

µ0

(E ×B) = E ×H (3.29)

Em pontos onde j = 0 a equacao 3.28 e claramente uma equacao decontinuidade para a energia,

−∂tuem = ∇ · S (3.30)

que expressa a conservacao de energia do campo electromagnetico, em cadaponto. Diz-nos a eq. 3.30 que: - a variacao da densidade de energia numponto e igual ao fluxo de energia que atravessa a vizinhanca desse ponto, porunidade de volume. O vector de Poynting, S = 1

µ0E×B, representa portanto

a densidade de fluxo de energia do campo electromagnetico.Conclui-se da argumentacao anterior que uma onda electromagnetica

transporta energia, mesmo quando se propague no espaco vazio.20 O fluxode energia dessa onda electromagnetica deve ter a mesma direcao e sentidoque a onda, o que significa que S tem a direcao e o sentido de propagacao daonda. Conclui-se tambem, portanto, que os campos E e B sao transversaisa direcao de propagacao de qualquer onda eletromagnetica que se propagueem espaco aberto, livre de fronteiras, (ver fig. 3.8).

Mas voltemos a equacao 3.28 para analisar o termo de corrente, E ·j e verque ele expressa a potencia transferida para as cargas por unidade volume.Com efeito, sobre um elemento de carga dq, com velocidade v em relacao

20Ja sabıamos que as ondas electromagneticas transportam energia; sem a radiacao dosol a terra congelava!

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30 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

ao campo, atua a forca de Lorentz, dF = dq(E + v × B). Como a forcamagnetica nao realiza trabalho, o trabalho realizado pelo campo sobre ascargas e dW = dqE · dℓ. Isto e,

d

dt

dW

dτ= ρE · v = E · j (3.31)

pois j = ρv.A equacao 3.28 expressa portanto o balanco de energia em cada ponto:

- a variacao (negativa) de energia do campo electromagnetico por unidadede volume da vizinhanca de um ponto e igual ao fluxo de energia que saidesse volume mais a energia que e transferida para as cargas dessa vizin-hanca, nesse intervalo de tempo por unidade de volume. Esta e uma formade enunciar o teorema de Poynting.

Integrando a eq. 3.28 tem-se a equacao do balanco de energia num volumefinito, τ , cuja superfıcie e Ψ, tem-se

− d

dtUem −

ΨS · ds =

d

dt

τ

dW

dτdτ =

dW

dt(3.32)

onde Uem e a energia armazenada no campo nesse volume. Este e o teoremade Poynting (1884).

Teorema de Poynting. O trabalho realizado pelo campo electromagneticosobre as cargas de um volume e igual ao decrescimo de energia desse campomenos o fluxo de energia que sai desse volume.

As ondas electromagneticas tambem transportam momento linear e mo-mento angular. Mostra-se que a quantidade de movimento (momento linear)do campo electromagnetico por unidade de volume e

g = ǫ0(E ×B) =S

c2

Consequentemente, uma onda electromagnetica que incida sobre uma su-perfıcie exerce sobre ela uma pequena pressao − a chamada pressao da ra-diacao. Mas trata-se em geral de um efeito tao pequeno que o vamos igno-rar.21

21A pressao da luz emitida pelo Sol e uma das causas (juntamente com o vento departıculas) que faz com que a cauda dos cometas se estenda na direcao oposta ao Sol.

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3.5. AS ONDAS ELECTROMAGNETICAS 31

3.5.5 Ondas sinusoidais planas

Uma onda plana caracteriza-se pelo facto de que em qualquer plano perpen-dicular a direcao de propagacao todos os pontos serem equivalentes entresi. Quaisquer desses planos sao pois frentes de onda (ver fig. 3.7). Umaonda plana e portanto descrita por uma funcao que so depende da variavelposicional ao longo da direcao em que ela se propaga e do tempo.

As ondas sinusoidais sao uma classe particular de solucoes da equacaode onda, 3.26. A relevancia do seu estudo decorre diretamente do teo-rema de Fourier, que mostra que, sob certas condicoes, qualquer perturbacaoperiodica e decomponıvel numa serie de ondas sinusoidais de frequenciasapropriadas. As ondas sinusoidais tem por isso relevancia particular; sabendodescrever cada uma, em princıpio saberemos descrever qualquer onda.

Ondas planas unidimensionais

Uma onda plana e sinusoidal unidimensional, que se propague na direcao doeixo x, com a forma geral,

f(x, t) = f 0 cos(kx− ωt) (3.33)

e uma solucao da equacao de onda, que se propaga com velocidade

v =ω

k(3.34)

(como facilmente se verifica). A expressao 3.33 representa uma onda comamplitude f0, perıodo T = 2π

ωe comprimento de onda λ = 2π

k, onde ω e a

frequencia angular, e k e o numero de onda.22

Uma onda sinusoidal caracteriza-se por ter uma dupla periodicidade, eperiodica quer no espaco quer no tempo: - i) vista num ponto fixo, x0, aonda repete-se a intervalos de tempo iguais, T ; ii) ”fotografada” num certoinstante, t0, a onda repete-se exatamente a distancias iguais, λ, (ver fig. 3.6).Essa periodicidade esta embutida na expressao 3.33, ja que

f(x+ λ) = f(x) =⇒ kλ = 2π ; λ = 2πk

f(t+ T ) = f(t) =⇒ ωT = 2π ; T = 2πω

22Mais geralmente, f(x, t) = f0 cos(kx−ωt+α) onde α e uma fase constante. Contudo,a fase anula-se mudando o instante inicial em que se comeca a contar o tempo e podemosignora-la na discussao.

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32 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

f0f0

t

a) b)

T

x

λ

f f

Figura 3.6: Uma onda sinusoidal e periodica quer no espaco quer no tempo,sendo λ e T os respectivos perıodos de repeticao, no espaco e no tempo.

r

θr^

f(x,y,t)

x

^y

ξ

k

r

k^

^

θr

yx

z

a) b)

Figura 3.7: Onda plana a duas dimensoes, f(x, y, t), que se propaga nadirecao/sentido do vector de onda, k. Esta onda pode ser descrita a umadimensao na direcao de propagacao, f(x, y, t) = f(ξ, t).

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3.5. AS ONDAS ELECTROMAGNETICAS 33

onde T e o perıodo (em unidades de tempo) e λ e o comprimento de onda(em unidades de distancia). Ha portanto uma relacao bem definida entre ωe T e k e λ. A frequencia da onda e f = 1

T= ω

2π(em Hz). Importa ainda

referir que a velocidade de propagacao da onda e efetivamente o quocienteentre os perıodos de repeticao no espaco e no tempo, v = ω

k= λ

T= λf .

Ondas planas no espaco

Visto que todos os pontos da frente de uma onda plana sao equivalentesentre si, entao a onda pode ser sempre descrita a uma dimensao, ao longo dadirecao de propagacao, k (ver fig. 3.7). Num ponto r do espaco, uma ondaplana sinusoidal e pois da forma (ver fig. 3.7),

f(r, t) = f0 cos(kξ − ωt) ; com ξ = r · k

Isto e, a expressao geral de uma onda sinusoidal a tres dimensoes e pois

f(r, t) = f0 cos(k · r − ωt) (3.35)

onde k = 2πλk e o vector de onda ou vector de propagacao, o qual aponta na

direcao e sentido de propagacao da onda. A velocidade desta onda e portantov = ω

kk.

E sabido que a formula de Euler relaciona uma funcao sinusoidal comuma funcao exponencial complexa, sendo23

eiϑ = cosϑ+ i sinϑ , com i =√−1

Podemos por isso escrever cosϑ = ℜe

eiϑ

, substituindo por regra as funcoestrigonometricas por funcoes exponenciais, com as quais e geralmente maisfacil lidar. A eq. 3.35 toma assim a forma,

f(r, t) = ℜe

f0ei(k·r−ωt)

(3.36)

Todavia, para simplificar a notacao, geralmente omite-se a mencao explicita

a parte real, ”ℜe ”, escrevendo-se simplesmente que f(r, t) = f0ei(k·r−ωt),

ficando entao implıcito, pelo contexto, que a onda e a parte real da expressaocomplexa indicada. De resto, a onda e bem real - a utilizacao de numeros

23Usamos para numero imaginario a notacao i =√−1, mas e tambem frequente usar-se

a notacao j =√−1, sobretudo na analise de circuitos.

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34 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

complexos e uma preferencia puramente matematica, como se disse. Por igualrazao de simplicidade, nao acrescentaremos notacao especıfica para designarquantidades complexas.

Finalmente, deve-se referir que, de um ponto de vista fısico, uma ondaplana e em geral um caso limite de uma onda esferica emitida a partir deum ponto a uma distancia muito grande, tal que a sua divergencia pode serdesprezada.

Ondas sinusoidais esfericas

Uma onda esferica e uma onda a 3 dimensoes, que se propaga isotropica-mente pelo espaco, a partir de numa fonte pontual. Essa onda e descritapela equacao de onda, eq. 3.26, ∂2

t f = c2∇2f . O laplaciano em coorde-nadas esfericas de uma funcao com simetria radial, f(r, t) = f(r, t), e (verapendice A),

∇2f =1

r2∂r(

r2∂rf)

=1

r∂2r (rf) (3.37)

Por isso, a equacao de onda esferica e

∂2t (rf) = c2∂2

r (rf) (3.38)

Ora, esta e uma equacao de onda a uma dimensao, cujas solucoes sao,

rf = f0 cos(kr − ωt)

onde c = ωk. Ou seja,

f(r, t) =1

rf0 cos(kr − ωt) (3.39)

Uma onda esferica qualquer tem portanto a forma generica,

f(r, t) =f(r − ct)

r(3.40)

se a fonte estiver na origem das coordenadas. Isto e, a medida que a per-turbacao se afasta da fonte a sua amplitude decresce, porque ela se vai di-vidindo por superfıcies esfericas que crescem com 4πr2.24

24A energia, U , de cada frente de ondas vai-se espalhando por superfıcies que crescemcom 4πr2. Por conseguinte, a intensidade da onda (que e a energia por unidade de tempoe de area) decai com r2. Como a intensidade de uma onda e proporcional ao quadrado dasua amplitude em cada ponto (ver eq. 3.47), isso significa que a amplitude de uma ondaesferica decresce diretamente com a distancia r, a fonte (cf. eq. 3.40).

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3.5. AS ONDAS ELECTROMAGNETICAS 35

Ondas estacionarias

Uma classe importante de solucoes da equacao de onda e a das ondas esta-cionarias, que sao ondas confinadas a uma determinada zona limitada doespaco, mas que nao se propagam efetivamente.

Nas fronteiras da regiao em causa a funcao de onda deve satisfazercondicoes de fronteira, especıficas do fenomeno em causa (no caso das ondaselectromagneticas sao as condicoes de fronteira dos campos E e B). Masessas condicoes de fronteira nao dependem do tempo e, consequentemente,estas solucoes da equacao de onda devem estar fatorizadas nas variaveis doespaco e do tempo, de modo a satisfazerem as referidas condicoes em todos osinstantes. Isto e, o que acontece a funcao nas fronteiras nao pode dependerdo tempo.

No caso de uma onda unidimensional, as solucoes da equacao de onda saopois do tipo

f(x, t) = g(x)h(t)

Como os zeros das funcoes g(x) nao dependem do tempo, as ondas esta-cionarias caracterizam-se portanto por terem pontos onde a amplitude deoscilacao e sempre nula (nodos) e outros onde a oscilacao e maxima (ven-tres). Estas ondas sao estacionarias, nao se propagam (e.g., os nodos e osventres nao mudam de posicao).25 Estes conceitos podem ser generalizadospara mais dimensoes, como e evidente.

3.5.6 Ondas electromagneticas planas no vazio

Uma onda electromagnetica deve satisfazer dois tipos de equacoes: i) deveser solucao da equacao de onda, eq. 3.26 e, ii) deve ser tambem solucao dasequacoes de Maxwell, eqs. 3.13.

Seja, por hipotese, uma onda electromagnetica plana, que se propaga peloespaco, numa regiao do vazio sem cargas ou correntes (onde ρ = 0 e j = 0).Os campos electrico e magnetico dessa onda devem ter a forma generica quee solucao da equacao de onda,

E(r, t) = ℜe E0ei(k·r−ωt)

B(r, t) = ℜe B0ei(k·r−ωt)

(3.41)

25As ondas estacionarias podem-se neste caso interpretar como sobreposicoes de ondascom sentidos contrarios, pois 2cos(kx− ωt) + cos(kx+ ωt) = cos(kx) cos(ωt).

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36 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

onde E0 e B0 sao as amplitudes dos campos dessa onda (eventualmente com-plexas, se incluırem uma fase). Com efeito, visto que os campos E e B estaoacoplados em cada ponto pelas equacoes de Maxwell, entao quaisquer flu-tuacoes desses campos devem propagar-se ambas na mesma direcao/sentido,a mesma velocidade, (e de resto o acoplamento entre E e B que esta naorigem da propagacao electromagnetica).

Com respeito as solucoes de onda deverem satisfazer as equacoes deMaxwell, vejamos primeiramente a divergencia dos campos, para ver quecondicoes elas impoem as solucoes 3.41. Visto que por hipotese nao ha car-gas, ∇ ·E = 0, sendo entao,

∇·E = ∂xEx+∂yEy+∂zEz =(

E0xkx + E0yky + E0zkz)

ei(k·r−ωt) = k·E = 0

ou seja,

k ·E = 0 → E ⊥ k (3.42)

Isto e, o campo electrico de uma onda electromagnetica que se propague noespaco livre (de barreiras ou fronteiras) e sempre perpendicular a direcaode propagacao − e uma onda transversal. Visto que ∇ · B = 0, conclui-seigualmente que B ⊥ k. Por conseguinte, as ondas electromagneticas quese propagam no vazio, em espaco aberto, sao ondas transversais electricas emagneticas.26

O rotacional de E e de B impoe condicoes adicionais aos campos quese propagam e que sejam descritos pelas eqs. 3.41. Assim, a equacao deMaxwell, eq. 3.13-(3), ∇×E = −∂tB, requer que:

∂tB = iωB; (3.43)

∇×E =

∣∣∣∣∣∣∣

x y z∂x ∂y ∂zEx Ey Ez

∣∣∣∣∣∣∣

=+x (∂yEz − ∂zEy)−y (∂xEz − ∂zEx)+z (∂xEy − ∂yEx)

= i (k ×E)(3.44)

ja que ∂yEz = ikzEz, etc... Por conseguinte,

i (k ×E) = iωB

26Uma onda e transversal ou longitudinal consoante a oscilacao e perpendicular oulongitudinal a direcao de propagacao, respetivamente. Assim, p.ex., o som e uma ondalongitudinal de pressao na direcao em que se propaga, mas uma onda na superfıcie daagua e transversal.

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3.5. AS ONDAS ELECTROMAGNETICAS 37

E

B

k

a) b)

E

B k

Figura 3.8: Direcoes dos campos E e B de uma onda electromagnetica sinu-soidal que se propaga no vazio, em espaco aberto, na direcao/sentido de k.Uma onda em que o vector E (e portanto B) esteja sempre no mesmo planoe uma onda com polarizacao linear.

ou seja, como ωk= c,

B =1

c

(

k ×E)

(3.45)

Por outro lado, a equacao de Maxwell, eq. 3.13-(4), ∇×B = µ0ǫ0∂tE, obrigaa que ∇ ×B = i(k ×B) = −i ω

c2E; isto e, que E = −c(k ×B). Mas esta

condicao e equivalente a eq. 3.45, nao acrescenta nada.

Em suma, conclui-se que os campos de uma onda electromagnetica quese propaga no espaco livre e vazio, na direcao/sentido k, sao tais que:

E ⊥ k e B ⊥ kE ⊥ B

|B| = |E|c

(3.46)

Os campos E e B sao pois mutuamente perpendiculares em cada ponto eambos perpendiculares a direcao de propagacao, e tem amplitudes tais que|B| ≪ |E|, (pois c ≫ 1). A eq. 3.45 mostra que os vectores E, B e k formamum sistema de direcoes bem definido (ver fig. 3.8).

O produto vectorial E × B aponta pois sempre na direcao/sentido depropagacao. Mas ja sabıamos isso, pois essa e a direcao/sentido do vectorde Poynting, S = 1

µE ×B. O vector S representa, como vimos em § 3.5.4,

a densidade do fluxo de energia da onda e deve evidentemente apontar nadirecao/sentido de propagacao.

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38 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

k

EE

BB

E

Figura 3.9: Campos E e B de uma onda electromagnetica com polarizacaocircular, em varias posicoes ao longo da direcao de propagacao. Nesta ondaos vectores E e B nao mantem a direcao enquanto se propagam. No caso emque rodam para a direita relativamente a k, a polarizacao e circular direitae vice-versa.

Polarizacao

Os campos E e B de uma onda electromagnetica plana que se propagano vazio tem a forma generica representada na fig. 3.8: - oscilam transver-salmente a direcao de propagacao, com periodicidade espacial bem definida.

Se o plano de oscilacao do campo electrico (e do campo magnetico) semantiver constante diz-se que a onda tem polarizacao linear. Normalmenteo estado de polarizacao e referido a oscilacao do vector E (como E e B estaoacoplados basta definir um deles).

Todavia, a polarizacao nao tem que ser linear; satisfazem igualmenteas equacoes de Maxwell ondas transversais em que o plano formado pelosvectores E e B roda durante a propagacao (ver fig. 3.9). Trata-se nesse casode ondas com polarizacao circular (eventualmente elıptica), a qual pode sercircular esquerda ou direita consoante o sentido de rotacao de E em relacaoa k (ver fig. 3.9).

A intensidade das ondas electromagneticas

No caso de uma onda electromagnetica plana (monocromatica), o vector dePoynting tem a forma

S =1

µ0

(E ×B) =1

µ0

EB k =E2

0

µ0ccos2(k · r − ωt) k

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3.6. ONDAS ELECTROMAGNETICAS EM MEIOS CONDUTORES 39

Isto e, o vector de Poynting de uma onda sinusoidal e ele proprio uma ondasinusoidal, mas com frequencia dupla da frequencia dos campos.27 Contudo,o interesse reside no valor medio de S. Define-se a intensidade de uma ondaeletromagnetica em cada ponto como a media temporal de S, i.e., I = 〈S〉,

I = 〈S〉 = E20

µ0c

cos2(k · r − ωt)⟩

=E2

0

2µ0c=

ǫ02E2

0 c = 〈u〉c (3.47)

(pois 〈cos2 ϑ〉 = 12). Isto e, a intensidade da onda e igual a densidade media

de energia do campo electromagnetico28 a multiplicar pela velocidade dessaonda (note-se que qualquer densidade de fluxo e a densidade do que se movevezes a respetiva velocidade, e.g., para a carga, j = ρv), (eq. 1.68), etc.

Sempre que uma onda electromagnetica encontra uma fronteira e o meiomuda de caracterısticas, ha lugar a reflexao e refraccao das ondas. Ascondicoes de fronteira dos campos electrico e magnetico (eqs. 3.15) determi-nam as relacoes entre os campos nessas fronteiras e, portanto, as intensidadesdas ondas refractada e reflectida em qualquer interface. Porem, nao faremosessa analise aqui.

As ondas electromagneticas, pelo seu interesse, pela diversidade dos con-ceitos que envolve e pelo universo das suas aplicacoes, tem que ser estudadasespecificamente, nas suas diversas vertentes. Importa ainda assim discutiralguns fenomenos mais significativos e algumas aplicacoes relevantes.

3.6 Ondas electromagneticas em meios con-

dutores

Como e sabido, num condutor em condicoes estacionarias, j = σE, onde σe a condutividade. Os tempos transientes num bom condutor sao da ordemde τ ∼ 10−19 s (ver discussao em § 2.3). Por isso, em geral, para a maioriadas aplicacoes, τ ≪ 1

ω, e pode-se considerar que dentro de um condutor,

ρtotal = 0, mesmo a alta frequencia,29 pois em cada ponto sao tantas as cargaspositivas quantas as negativas, apesar de poder haver correntes, j = ρv.

27 Note que cos2 ϑ = 1+cos 2ϑ2

; o valor medio de cos2 ϑ, e entao 〈cos2 ϑ〉 = 1

2+ 〈cos(2ϑ)〉.

28A densidade de energia dos campos E e B e u = ǫ02E2+ 1

2µ0B2 = ǫ0E

2 cos2(k ·r−ωt).Por conseguinte, 〈u〉 = ǫ0

2E2

0 .29Este argumento e delicado e convem entende-lo bem. Num condutor (quase)ideal

(σ ∼ 108 ≫ 1) a carga eventualmente acumulada num ponto interior de um condutordispersa-se muito rapidamente, ∇ · j = σ∇ ·E ⇒ ρ(t) = ρ(0)e−σt/ǫ (no cobre este tempo

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40 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

Num bom condutor as eqs. de Maxwell ficam entao na forma (cf.eqs. 3.13)

∇ ·E = 0 (3.48)

∇ ·B = 0 (3.49)

∇×E = −∂tB (3.50)

∇×B = µσE + µǫ∂tE (3.51)

Aplicando o rotacional as duas ultimas equacoes, considerando a identidade∇× (∇×E) = ∇(∇ ·E)−∇2E (ver apendice A), vem

∇× (∇×E) = −∂t(∇×B)

= −µσ∂tE − µǫ∂2tE

isto e,

∇2E − µǫ∂2tE = µσ∂tE (3.52)

e, analogamente,

∇2B − µǫ∂2tB = µσ∂tB (3.53)

As equacoes 3.52 e 3.53 sao equacoes de onda nao homogeneas (o ladodireito nao e nulo). Conquanto nao saibamos a priori qual e a solucao destasequacoes, admitamos todavia que uma onda plana que se propaga ao longode z e solucao, i.e., que

E(z, t) = E0ei(kz−ωt) ; B(z, t) = B0e

i(kz−ωt) (3.54)

Substituindo na eq. 3.52 (e em 3.53) conclui-se que estas expressoes sao defacto solucoes da equacao de onda 3.52 (e 3.53), com a restricao de que

k2 = µǫω2 + iµσω (3.55)

significando que k = k′ + ik′′. Ou seja, as expressoes 3.54 sao solucoes se onumero de onda for um numero complexo, k = k′ + ik′′, em que k′ e k′′ sao

de transito e τ ∼ ǫσ ∼ 10−19s). O condutor pode pois ser considerado em equilıbrio

estacionario, mesmo que a frequencia seja muito elevada. Um bom condutor caracteriza-se assim por ter ǫ

σ ≪ 1

ω , ou seja, σ ≫ ǫω. A qualidade de um condutor tem pois que seraferida consoante a gama/banda de frequencias dos sinais que o percorrem.

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3.6. ONDAS ELECTROMAGNETICAS EM MEIOS CONDUTORES 41

os dois numeros positivos,30

k′ = ω

√µǫ

2

√√√√1 +

1 +(σ

ǫω

)2

(3.57)

k′′ = ω

√µǫ

2

√√√√−1 +

1 +(σ

ǫω

)2

(3.58)

Por conseguinte, os campos de uma onda electromagnetica plana que sepropaga atraves de um condutor tem a forma

E = E0e−k′′zei(k

′z−ωt) (3.59)

B = B0e−k′′zei(k

′z−ωt) (3.60)

Ou seja, a onda electromagnetica que se propaga atraves de um meio con-dutor, e uma onda amortecida, cuja amplitude decresce exponencialmente amedida que se propaga e perde energia para o meio (se a condutividade fornula, k′′ = 0 e nao ha atenuacao da onda).

Num bom condutor, a divergencia dos campos E e B e nula e, portanto,as ondas sao tambem transversais, tal como no vazio (cf. § 3.5.6). Dorotacional de E (ou de B) resulta ainda a relacao entre os campos, (vereq. 3.45),

B =k

ω(k ×E)

Todavia, neste caso k e um numero complexo, k = k′ + ik′′ = |k|eiα, e,consequentemente, os campos E e B da onda que se propaga num meiocondutor tem uma diferenca de fase, α, que e

α = atan

(

k′′

k′

)

(3.61)

30As expressoes de k′ e k′′ obtem-se da igualdade k2 = k′2−k′′2+2ik′ k′′ = µǫω2+iµσω,i.e.

k′2 − k′′2 = µǫω2 = ξ2k′k′′ = µσω = ζ

donde

k′4 − ξk′2 − ζ2

4= 0

k′′4 + ξk′′2 − ζ2

4= 0

(3.56)

cujas solucoes sao as as eqs. 3.57 e 3.58; (as outras solucoes nao sao fisicamente aceitaveis).

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42 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

z

vazio condutor

B

E

k

Figura 3.10: Campos E e B de uma onda electromagnetica que se propaganum meio condutor. As amplitudes decrescem exponencialmente com adistancia percorrida dentro do condutor (a superfıcie do condutor esta emz = 0). Note-se que ha uma diferenca de fase entre os campos E e B, a quale funcao das propriedades do meio.

Isto e, se

E = E0E e−k′′zei(k′z−ωt); (3.62)

B =|k|ωE0(k × E) e−k′′zei(k

′z−ωt+α)) (3.63)

Na fig. 3.10 esquematizam-se os campos de uma onda electromagnetica quese propaga num bom condutor, onde se ilustra a diferenca de fase entre oscampos. Num bom condutor, tem-se σ ≫ ǫω e, portanto, k′ ≈ k′′, sendo adiferenca de fase aproximadamente 45o.

Em suma, conclui-se das equacoes anteriores que uma onda electro-magnetica se extingue exponencialmente a medida que penetra atraves deum meio condutor; o que significa que, na pratica, nao penetra para alemda camada superficial. Este efeito e conhecido como efeito pelicular (emingles, skin effect) e tem consequencias importantes, nomeadamente nas lin-has de transmissao, quer de sinal quer de potencia.

Como se disse atras, considera-se que um meio e um bom condutor se temcondutividade muito elevada, tal que σ ≫ ǫω, (o cobre tem σ ∼ 108 Ω−1m−1

e o limite σ ∼ ǫω atinge-se para ω ≃ 7 × 1018 Hz). Para frequencias aquemdesse limite, a expressao 3.58 fica

k′′ ≈ ω

√µǫ

2

√σ

ǫω=

√µσω

2=√

πµσf (3.64)

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3.6. ONDAS ELECTROMAGNETICAS EM MEIOS CONDUTORES 43

onde f e a frequencia da onda. Isto significa que (ver eq. 3.62) a distanciamedia de penetracao31 da onda no condutor e da ordem de δ = 1

k′′, ou seja,

δ =1√

πµσf(3.66)

Com efeito, a essa distancia, δ, da superfıcie, a amplitude da onda esta re-duzida a cerca de 1/3 do valor a entrada. Esta distancia caracterıstica, δ,designa-se como profundidade pelicular, sendo, como se ve, uma quanti-dade que decresce com a frequencia. A tabela 3.2 tem os valores da profun-didade pelicular do cobre para varias frequencias.32

Devido a este efeito pelicular (mas nao so) as ondas de frequencia muitoelevada propagam-se nos cabos das linhas de transmissao apenas numa finacamada superficial do condutor. Por consequencia, a resistencia efetiva deum fio condutor e geralmente muito maior a frequencias elevadas do que seriase a corrente fosse contınua.

Podemos estimar a importancia do efeito pelicular num condutorcilındrico solido, de comprimento ℓ e raio a, supondo que a corrente e uni-forme nessa fina pelıcula de espessura δ. Se a corrente for contınua a re-sistencia do fio e

R0 =1

σ

πa2

Porem, se a corrente for variavel, so corre na camada superficial e, conse-quentemente,

R ≈ 1

σ

2πaδ= R0

a

2δ= R0

a√πµσf

2(3.67)

e, portanto, a resistencia do fio cresce com a raiz quadrada da frequenciada corrente que o percorre. Por exemplo, num fio de cobre com 5 mm dediametro a resistencia por metro e R0/ℓ ≃ 8 × 10−4 Ω/m, para correntecontınua. Porem, a 25 kHz, so uma pelıcula e efetivamente condutora e por

31O valor medio da distancia percorrida pela onda e

δ =

∫∞

0dz ze−k′′z

∫∞

0dz e−k′′z

=1

k′′(3.65)

Quando z = δ, fica E(z = δ) = E0/e ≃ E0/3, ou seja, a amplitude cai para cerca de 1/3ao fim da distancia δ.

32Nao deve pois surpreender que todos os bons condutores sejam opacos a luz visıvel(cuja frequencia e f ∼ 1014 Hz) - as ondas nao passam! E tambem por isso que os bonsespelhos sao feitos com pelıculas boas condutoras, ver nota da pag. 27.

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44 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

Tabela 3.2: Profundidade pelicular do cobre para varias frequencias das on-das electromagneticas.

frequencia, f (Hz) pelıcula, δ (mm)10 20.850 9.4100 6.6500 3.0

10 kHz 0.66100 MHz 6.6× 10−3

10 GHz 6.6× 10−4

isso R/ℓ ≃ 50 Ω/m. Por consequencia, para frequencias elevadas e inutilutilizar fios grossos; e preferıvel utilizar cabos multifilares, porque tem umasuperfıcie especıfica muito mais elevada e portanto resistencia menor.33

3.7 A linha de transmissao coaxial

Seja um cabo coaxial muito longo em que o condutor interno tem raio a eo externo tem raio b, estendido ao longo do eixo z (ver fig. 3.11). Supomosque ambos os condutores sao bons (σ ≫ ǫω), tal que no seu interior ρ = 0.Consideramos tambem que o meio que separa os dois condutores e linear,sendo a permitividade ǫ e a permeabilidade µ e que nesse espaco se propaga,ao longo do cabo, uma onda electromagnetica de frequencia elevada e que,devido ao efeito pelicular, os campos nao penetram nos condutores.

No caso vertente, a onda electromagnetica nao se propaga livre peloespaco, mas confinada ao espaco entre os raios a e b do cabo de transmissao.Os campos devem ser solucoes da equacao de onda e das equacoes de Maxwell,

∂2tE = v2∇2E , ∇ ·E = 0 , ∇ ·B = 0

∂2tB = v2∇2B , ∇×E = −∂tB , ∇×B = µǫ∂tE

(3.68)

onde v = 1/√µǫ. Nas superfıcies do espaco em que se propagam, os campos

33Os cabos das linhas de alta tensao sao constituıdos por fios de aco entrelacados (pararesistencia mecanica) envolvidos por multiplos fios de Al para conducao eletrica, dado quea profundidade pelicular do Al e δ ≈ 1 cm a 50 Hz.

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3.7. A LINHA DE TRANSMISSAO COAXIAL 45

a

b

zϕρ

z

y

ϕ

x

ρϕ

ϕx

y

Figura 3.11: O cabo coaxial e constituıdo por um condutor interno de raioa e outro externo de raio b, separados por um dieletrico. Uma onda elec-tromagnetica propaga-se atraves do dieletrico ao longo do cabo, sendo con-comitantemente acompanhada pela propagacao de flutuacoes de cargas e decorrentes nas superfıcies dos condutores.

devem ainda satisfazer as respectivas condicoes de fronteira em = a e = b,em particular,

n× (E+ −E−) = 0 (3.69)

n · (B+ −B−) = 0 (3.70)

(as restantes condicoes de fronteira envolvem as densidades superficiais decargas e de correntes, as quais desconhecemos a priori).

Em coordenadas cilındricas, (, ϕ, z), os campos tem as componentes,

E = E ˆ+ Eϕϕ+ Ez z

B = B ˆ+ Bϕϕ+ Bz z

Porem, visto que a onda e transversal e se propaga em z, Ez = 0 e Bz = 0;por razoes da simetria, nenhum dos campos depende de ϕ (i.e. ∂ϕ 0);alem disso, E ⊥ B.

A equacao da divergencia deE e deB diz-nos entao que, nestas condicoes,

∇ ·E = 0 =1

∂(E) = 0 → E =

f(z, t)

∇ ·B = 0 → B =g(z, t)

onde f e g sao duas funcoes a determinar. As condicoes de fronteira em = aimpoem que B = 0, e consequentemente g = 0, pois dentro do condutor o

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46 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

campo e (aproximadamente) zero devido ao efeito pelicular. Conclui-se assimque B = Bϕ ϕ. Para alem disso, visto que E ⊥ B, entao apenas E 6= 0 e,portanto, E = E ˆ =

1f(z, t) ˆ.

Os campos E e B devem tambem satisfazer a equacao de onda na direcaode propagacao, z,

∂2zE = 1

c2∂2tE

∂2zB = 1

c2∂2tB

(3.71)

Assim, relativamente ao campo electrico, tem-se

1

∂2zf =

1

c2∂2t f → f(z, t) = E0e

i(kz−ωt)

com ω/k = v e, consequentemente,

E(z, t) =E0

ei(kz−ωt) ˆ

O campo B = Bϕ ϕ obtem-se agora facilmente da equacao ∇×E = −∂tB,

−∂tB = −∂zE ϕ → B = ϕ∫

∂zE dt

e, portanto,

B =E0

vei(kz−ωt) ϕ

Concluımos assim que no espaco entre os dois condutores se propaga umaonda electromagnetica, cujos campos sao da forma34 (ver fig. 3.12)

E(, z, t) = ˆE0

ei(kz−ωt) (3.72)

B(, z, t) = ϕE0

cei(kz−ωt) (3.73)

As ondas transversais representadas pelas equacoes anteriores constituemo chamado modo principal de propagacao em cabos coaxiais. Ha todaviatambem outros modos de propagacao mais complicados que correspondem aondas electromagneticas que nao sao simultaneamente transversais em E eem B (ver § 3.11).

34Verifique que, de facto, ambos os campos satisfazem as condicoes de fronteira 3.70,nas superfıcies dos condutores.

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3.7. A LINHA DE TRANSMISSAO COAXIAL 47

EkB

BE

kB

E

a

b

Figura 3.12: Campos E e B de uma onda electromagnetica que se propagaatraves do cabo coaxial no modo fundamental de propagacao (dominante):o campo electrico e radial e o campo magnetico e axial. a) Vista transversale b) vista longitudinal.

Podemos antecipar que devem existir cargas e correntes nas superfıciescondutoras, induzidas pela passagem da onda electromagnetica. Essas cargase correntes podem-se obter das condicoes fronteira dos campos em = a:

(σ)=a = n · (ǫ+E+ − ǫ−E−) =ǫE0

aei(kz−ωt)

(k)=a = n× ( 1µ+

B+ − 1µ−

B−) = z E0

µ0caei(kz−ωt)

(3.74)

onde ǫ e a permitividade do dieletrico no espaco entre os raios a e b e ω/k =v = 1/

√µǫ. As cargas e correntes na superfıcie = b obtem-se analogamente.

Conclui-se das equacoes anteriores que as flutuacoes das cargas e dascorrentes nas superfıcies do cabo coaxial constituem elas proprias ondas su-perficiais que se propagam ao longo do cabo, em interacao com a onda elec-tromagnetica que se propaga atraves do dieletrico (e portanto em fase comela). Esta constatacao justifica que se possa considerar a propagacao de umsinal electrico atraves de um cabo coaxial a partir da perspectiva das cor-rentes e das cargas superficiais dos seus condutores, no ambito da teoria decircuitos. Fazemos isso a seguir.

3.7.1 Analise do cabo a partir da teoria de circuitos

Do ponto de vista da teoria de circuitos, caracterizam um cabo coaxial acapacidade, a indutancia e a resistencia dos seus dois condutores, todas por

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48 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

unidade de comprimento (ver eq. 3.67),

C =2πǫ

ln ba

; L =µ

2πln

b

a; R =

1

2πσδ

(1

a+

1

b

)

Neste sentido, o cabo pode ser substituıdo por um circuito equivalente. Emcada elemento de comprimento dz, R e L sao elementos em serie, enquantoque C e um elemento entre os dois condutores. Para descrever a eventual con-dutividade do dieletrico acrescenta-se ainda uma condutancia, G, por unidadede comprimento, que sera nula se o dieletrico for um isolador electrico per-feito (ver fig. 3.14); mas vamos supor por ora que G = 0. As cargas ecorrentes superficiais e as diferencas de potencial serao descritas por funcoes,q(z, t), I(z, t) e V (z, t), respectivamente (chamamos I a corrente para nao seconfundir com i =

√−1).

Na superfıcie do elemento de comprimento dz, existe a carga dq = V C dz,(note que C e a capacidade por unidade de comprimento). A variacao dacarga do elemento dz e obviamente igual a corrente que entra menos a quesai, num intervalo de tempo dt, (ver fig. 3.13),

δ(dq) = [−I(z + dz) + I(z)] dt = −∂zI dz dt

Portanto, como dq = V C dz,

−∂zI dz dt = δ(dq) = C∂tV dt dz

pois, em dt, tem-se δV ≈ ∂tV dt. Isto e,

−∂zI = C∂tV (3.75)

Mas, por outro lado, considerando as equacoes dos circuitos, a diferenca depotencial entre z e z + dz e, (ver figs. 3.13 e 3.14),

−dV = −∂zV dz = (R dz)I + (L dz)dI

dt

Ou seja, em cada ponto do cabo,

−∂zV = RI + L∂tI (3.76)

Derivando as eqs. 3.75 e 3.76 conclui-se que

∂2z I = LC ∂2

t I +RC ∂tI (3.77)

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3.7. A LINHA DE TRANSMISSAO COAXIAL 49

Esta e uma equacao de onda nao homogenea, que descreve uma onda amorte-cida, que se vai extinguindo a medida que se propaga (c.f. eq. 3.52). A am-plitude da onda vai-se reduzindo a medida que ela percorre o cabo, devido asperdas ohmicas por efeito Joule. Este efeito dissipativo nao se manifestou naanalise precedente porque apenas analisamos a propagacao da onda atravesdo dieletrico.

A funcao V (z, t) e tambem ela descrita por uma onda cuja equacao e

∂2z V = LC ∂2

t V +RC ∂tV (3.78)

Se R → 0, entao nao ha amortecimento ao longo do cabo e a equacaoreduz-se a equacao de onda homogenea,

∂2zI = LC ∂2

t I (3.79)

Em suma, as flutuacoes da corrente e da diferenca de potencial (i.e. ossinais electricos) propagam-se ao longo (dos condutores) do cabo com veloci-dade

v =1√LC

=1√µǫ

Isto significa que a velocidade de propagacao do sinal electrico e igual avelocidade da onda electromagnetica que percorre o meio dieletrico entre osdois condutores, tal como tınhamos visto na eq. 3.74. Isto e, o sinal electriconos condutores acompanha e vai associado a onda electromagnetica que sepropaga no meio dieletrico. E evidente que assim deve ser, pois as flutuacoesde carga e de corrente estao associadas a passagem da onda electromagneticae devem propagar-se em fase com ela.

3.7.2 Reflexao do sinal no cabo

Quando a onda que se propaga atraves do cabo anterior chega a sua extrem-idade reflete-se (ainda que parcialmente), e vai sobrepor-se ao sinal electro-magnetico transportado por esse cabo. Este ruido fantasma e indesejavele constitui um problema bem conhecido no domınio da instrumentacaoeletronica. Para suprimir as reflexoes na extremidade do cabo usam-se ter-minacoes entre os dois condutores com impedancia igual a impedancia efetivacaracterıstica do cabo. Em resultado disso, a onda nao sente mudanca demeio e nao se reflete.

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50 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

V(z)

I(z) I(z+dz)

V(z+dz)

dz

b

a

Figura 3.13: Analise da propagacao da perturbacao electrica (i.e., do sinal),associada a uma onda electromagnetica que se propaga ao longo de um cabocoaxial.

V(z,t)

dz

V(z+dz,t)

G dz

R dz L dz

C dz

Figura 3.14: Uma linha de transmissao de dois condutores (e.g., um cabocoaxial) pode ser parametrizada com uma cadeia de circuitos RLC emsequencia. Em cada elemento de comprimento dz, tem-se R e L em seriee G e C que ligam um condutor ao outro. A condutancia G tem em conta aeventual condutividade do dieletrico. Os parametros R, L, C e G sao todosquantidades por unidade de comprimento de cabo.

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3.8. OS POTENCIAIS RETARDADOS 51

A impedancia caracterıstica do cabo e Z = VI. Tendo em conta as

equacoes do cabo, eqs. 3.75 e 3.76, e visto que Z e uma constante carac-terıstica do circuito, entao, derivando tem-se, (para R = 0),

Z =V

I=

∂tV

∂tI=

∂zV

∂zI=

L∂tIC∂tV

=LC1

Z(3.80)

Por conseguinte, a impedancia caracterıstica de um cabo sem resistencia, pormetro de cabo coaxial, e35

Z =

LC (3.82)

Assim, se na extremidade do cabo for ligada uma resistencia R =√

LC , as

caracterısticas da extremidade sao semelhantes as do meio e quando a ondaaı chega nao se reflete. Uma classe importante de cabos coaxiais usa ter-minacoes de 50 Ω (nomeadamente a norma BNC).

3.8 Os potenciais retardados

As equacoes de Lorenz dos potenciais do campo electromagnetico sao, (cf.eqs. 3.20),

∇2A− µ0ǫ0∂2tA = −µ0j (3.83)

∇2V − µ0ǫ0∂2t V = − ρ

ǫ0(3.84)

35A expressao mais geral da impedancia caracterıstica deve tambem contar com asperdas da linha de transmissao. Na fig. 3.14 tem-se, para um sinal de frequencia ω, que:i) a queda de tensao por unidade de comprimento e δV/dz = Z1I = (R+ jωL)I; eii) as perdas de corrente por unidade de comprimento sao δI/dz = Z2V = (G + jωC)V .Por conseguinte,

Z =V

I=δV

δI=

(G + jωC)(R+ jωL)

I

V→ Z =

R+ jωLG + jωC (3.81)

(usamos na expressao anterior, excecionalmente, a notacao j =√−1, porque e a habitual

na analise de circuitos). Esta e a expressao mais geral da impedancia caracterıstica docabo; se G = R = 0 esta expressao reduz-se a eq. 3.82.

Vemos da expressao anterior que, se ω for pequeno, a impedancia e puramente resistivae os efeitos ondulatorios sao desprezaveis, em particular as reflexoes. Ou seja, a questaoda reflexao dos sinais so se coloca se os sinais que percorrem o cabo tiverem frequenciaelevada, ou tiverem componentes de Fourier de frequencia elevada.

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52 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

( (r), A(r))VO

τr’

r

r"

z

x y

Figura 3.15: O atraso dos potenciais V e A no ponto r depende da distanciar ′′ ao ponto em que se da a flutuacao. Qualquer alteracao na distribuicao decargas e (ou) correntes sera percepcionada no ponto r com um atraso igualao tempo que a onda electromagnetica demora a percorrer a distancia r ′′, avelocidade da luz.

Estas duas equacoes sao claramente equacoes de onda nao homogeneas (saohomogeneas em pontos onde ρ = j = 0), o que significa que no regime naoestacionario, as variacoes dos potenciais formam ondas que se propagam peloespaco a velocidade da luz, c = 1/

√µ0ǫ0.

As equacoes de Lorenz sao, como se ve, uma generalizacao das equacoes dePoisson da eletrostatica, as quais se reduzem no regime estacionario, ficando

∇2A = −µ0j (3.85)

∇2V = − ρ

ǫ0(3.86)

Vimos nos capıtulos precedentes que as solucoes destas ultimas equacoes tema forma (ver eqs. 1.50, 2.24 e fig. 3.15),

A(r) =µ0

τ

j(r ′)

r′′dτ ′ (3.87)

V (r) =1

4πǫ0

τ

ρ(r ′)

r′′dτ ′ (3.88)

Por conseguinte, as solucoes das eqs. 3.83 e 3.84 devem tambem ser, emprincıpio, uma generalizacao das solucoes do regime estacionario.

Discutimos nas linhas seguintes as solucoes do potencial V , mas pode-seaplicar o mesmo argumento as componentes do potencial vector, A.

As eqs. 3.83 e 3.84 sao equacoes de onda que variam linearmente comas fontes, pelo que e valido o princıpio de sobreposicao. Considerando a

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3.8. OS POTENCIAIS RETARDADOS 53

V( ,t)

r’

y

x

z’ z

v

r"

r

Figura 3.16: O potencial V no ponto r associado a uma carga pontual, q,em movimento com velocidade v = vz, depende dessa velocidade.

isotropia do espaco, cada carga infinitesimal variavel sera origem de uma ondaesferica de potencial, de amplitude infinitesimal - i.e., origina uma ondula ouondıcula esferica - com a forma generica, (ver eq. 3.40 e fig. 3.15),

dV (r′′, t) =f(r′′ − ct)

r′′=

f(t− r′′

c)

r′′(3.89)

Contudo, na vizinhanca da fonte o efeito de propagacao do potencial naose poe, pelo que nesse ponto a solucao deve-se aproximar da solucao esta-cionaria, i.e.,

limr′′→0

f(t− r′′

c)

r′′= lim

r′′→0

f(t)

r′′= lim

r′′→0

ρ(r′, t)dτ ′

r′′

pelo que f(

t− r′′

c

)

= ρ(

r′, t− r′′

c

)

dτ ′.O potencial V de uma distribuicao variavel de cargas deve ser dado pela

sobreposicao de todas as ondıculas com origem em cada uma das flutuacoeselementares de cargas, eq. 3.89. O mesmo se pode dizer acerca das com-ponentes do potencial vector, A. Podemos pois prever que as solucoes dasequacoes de Lorenz tem a forma,

V (r, t) =1

4πǫ0

τ

ρ(r′, t− r′′

c)

r′′dτ ′ (3.90)

A(r, t) =µ0

τ

j(r′, t− r′′

c)

r′′dτ ′ (3.91)

onde j(r′, t − r′′/c) e ρ(r′, t − r′′/c) sao as distribuicoes que existiam emtempos recuados, t − r′′/c, quando essas ondulas foram emitidas, (sendo

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54 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

esses tempos diferentes para cada ondula). Estas solucoes sao, de facto, umageneralizacao das respectivas solucoes estacionarias, eqs. 3.87 e 3.90, que saoconhecidas como potenciais retardados.36

As equacoes anteriores dizem-nos claramente que, em condicoes nao-estacionarias, e necessario ter em conta o tempo de transito da variacaodos potenciais, desde as fontes (em r′) ate ao ponto em que e observado oseu efeito, em r (ver fig. 3.15). Isto e, os potenciais V e A que existem numponto r em cada instante sao os de cargas e correntes que existiam instantesantes, em t − δt, onde δt = r′′/c e o tempo de transito de cada ondıculaentre r′ e r, feito a velocidade da luz. Os potenciais V e A em cada pontosao portanto os das cargas e correntes que em cada instante se veem a partirdesse ponto (literalmente!). Sao por isso potenciais retardados, do mesmomodo que a imagem que se ve do ceu e a imagem das estrelas, nao a que elastem agora, mas a imagem que elas tinham no instante em que emitiram aluz que nos vemos, porventura ha muitos milhoes de anos atras; e esse temponao e o mesmo para todas elas. O que vemos no ceu e portanto uma imagemretardada do universo!

As solucoes 3.90 e 3.91 permitem calcular os campos criados por cargas ecorrentes em qualquer regime variavel e tem por isso grande importancia.Calculadas estas solucoes, os campos obtem-se derivando essas solucoes,recorrendo as eqs. 3.17, entre os potenciais e os campos.

3.8.1 Potenciais de Lienard-Wiechert⋆

As consideracoes desta seccao nao sao necessarias a compreensao das seccoes sub-sequentes.

O facto de o ”retardamento” nao ser exatamente o mesmo para todas as on-dulas, embora aparentemente insignificante, tem implicacoes nomeadamente nospotenciais de uma carga pontual em movimento. Uma carga pontual pode sertomada como o caso limite em que ρ e nulo excepto na sua vizinhanca. Assim,uma carga que se desloque com v = vz, sera descrita no laboratorio por uma funcaoρ(x′, y′, z′ − vt), (no referencial em que a carga esta em repouso). Num ponto r

o potencial retardado e V ∼∫

τρ(x′,y′,z′−v(t−r′′/c))

r′′ dx′dy′dz′, onde r′′ = r − r′.

36Note-se que a generalizacao das solucoes estacionarias dos campos de Coulomb e deBiot-Savart nao tem sentido, apesar da sua semelhanca com as expressoes dos potenciais.De facto, nao ha para os campos referidos equacoes de onda equivalentes as eqs. 3.83 e3.84, as quais se apliquem os argumentos supra. Ou seja, os campos de Coulomb e deBiot-Savart sao solucoes estritamente estacionarias.

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3.8. OS POTENCIAIS RETARDADOS 55

Quando se considera o limite da carga pontual, r′′ pode passar para fora do inte-gral; porem, o integral resultante nao e igual a carga, pois a funcao ρ nao se refere aum instante particular (i.e., nao e uma foto da nuvem de carga), ja que r′′ dependede r′ mas tambem de r. Mas fazendo a mudanca de variavel, ζ = z′ − v(t− r′′/c),fica ρ = ρ(x′, y′, ζ), e visto que r′′2 = (x− x′)2 + (y − y′)2 + (z − z′)2, entao

dζ = dz′ +v

c

z′ − z

r′′dz′ = dz′

(

1− v

ccos θ

)

pois (z − z′)/r′′ = cos θ, (ver fig. 3.16). O fator (1 − vc cos θ) sai para fora do

integral, que assim se reduz a carga, q =∫

τ ρ(x′, y′, ζ)dx′dy′dζ.

Por conseguinte, o potencial de uma carga pontual, q, em movimento comvelocidade, v tem a forma

V (r, t) =1

4πǫ0

q

r′′(1− vc cos θ)

(3.92)

onde θ e o angulo entre v e r′′ (ver fig. 3.16).Como o movimento da carga corresponde a uma densidade de corrente j = ρv,

entao,

A(r, t) =v

c2V (r, t) (3.93)

Os potenciais 3.92 e 3.93 sao os potenciais de Lienard-Wiechert, (1900). A partirdestes potenciais obtem-se, nos moldes habituais, os campos criados por uma cargapontual animada de uma velocidade qualquer.

Resta demonstrar explicitamente que as solucoes 3.91 e 3.90 sao de factosolucoes das equacoes de onda de Lorenz para os potenciais, (eqs. 3.83 e3.84). Mostramo-lo a seguir so para o tranquilizar.

Demonstracao da solucao dos potenciais retardados⋆

Esta demonstracao nao e necessaria para compreender as seccoes subsequentes.Com vista a simplificar a notacao fazemos κ = 1

4πǫ0na eq. 3.90, ficando a

expressao do potencial, V = κ∫ ρ(r′,t−r′′/c)

r′′ dτ ′. Sabendo que ∇2V = ∇ · ∇V ,comecemos a calcular

∇V = κ

∫ ∇ρr′′

dτ ′ +∫

ρ∇(

1

r′′

)

dτ ′

Ora, como r′′ = r − r′, entao ∇(

1r′′

)

= − r′′

r′′2e ∇ρ = −1

c∂tρ∇r′′ = −1c∂tρ r

′′, e,portanto,

∇V = −κ1

c

∂tρr′′

r′′dτ ′ +

ρr′′

r′′2dτ ′

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56 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

Dado que ∇· (fa) = ∇f ·a+f∇·a; que ∇·(rr

)

= 1r2; e que ∇·

(rr2

)

= 0, excepto

em r = 0, onde e uma indeterminacao (verifique em coord. cartesianas); aplicandoa divergencia vem:

∇2V = −κ∫

1

c∂t(∇ρ) ·

r′′

r′′+

1

c(∂tρ) ∇ · r

′′

r′′+∇ρ · r

′′

r′′+ ρ∇ · r

′′

r′′2

dτ ′

mas como ∇ρ = −1c ∂tρ r

′′, entao

∇2V = −κ∫

− 1

c2r′′∂2t ρ+

1

cr′′2∂tρ−

1

cr′′2∂tρ+ ρ∇ · r

′′

r′′2

dτ ′

Isto e,

∇2V =1

c2∂2t

[

κ

∫ρ

r′′dτ ′]

︸ ︷︷ ︸

V

−κ∫

ρ∇ ·(r′′

r′′2

)

dτ ′

Porem, visto que ∇·(

r′′

r′′2

)

= 0 excepto na vizinhanca de r′′ = 0, a segunda parcela

resume-se ao integral de volume numa esfera na vizinhanca de r′′ = 0, com raioa≪ 1, tendo-se entao,

ρ(r′) ∇ · r′′

r′′2dτ ′ =

r′′<aρ(r′) ∇ · r

′′

r′′2dτ ′

≈ ρ

r′′<a∇ · r

′′

r′′2dτ ′ = ρ

S

r′′

r′′2· ds′ = 4πρ

onde ds′ = r′′2 sin θ dθ dϕ r′′, com ρ = ρ(r′′ = 0) = ρ(r′). Voltando atras, conclui-se finalmente que

∇2V − 1

c2∂2t V = − ρ

ǫ0

Esta demonstracao aplica-se igualmente a cada umas das componentes do potencialA.

3.9 Radiacao de um dipolo electrico

Discutimos nos paragrafos precedentes a propagacao de ondas eletro-magneticas em varios meios, em condicoes diversas. Todavia, em nenhumadas circunstancias analisadas se discutiu como foram geradas essas ondas.

As solucoes dos potenciais retardados tem grande interesse pratico nodomınio da electrodinamica, nomeadamente na teoria das antenas. De facto,

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3.9. RADIACAO DE UM DIPOLO ELECTRICO 57

a forma mais simples de calcular os campos que sao radiados por uma antenae calcular primeiramente os potenciais retardados em cada ponto e, a partirdeles, obter os campos electrico e magnetico que constituem a onda emitida.

Tem particular interesse as ondas sinusoidais (ver § 3.5.5). As fontes doscampos das ondas electromagneticas radiadas hao de ser nesse caso densi-dades de correntes que oscilam harmonicamente, a que correspondem cor-rentes da forma,

I(t) = I0 cosωt = I0ℜe

e−iωt

(3.94)

Ou seja, visto de longe, no ponto r, (ver fig. 3.15),37

j

(

r ′, t− r′′

c

)

= j(r ′)e−iω(t− r′′

c) (3.95)

O potencial em r e dado pela eq. 3.91,

A(r, t) =µ0

4πe−iωt

τj(r ′)

eiωr′′

c

r′′dτ ′ = A(r)e−iωt (3.96)

Se as correntes estiverem confinadas a um fio fino de comprimento ℓ, entaojdτ ′ = Idℓ ′, pelo que

A(r, t) =µ0

4πe−iωt

I(r ′)ei

ωr′′

c

r′′dℓ ′ (3.97)

Um dipolo de Hertz e constituıdo por um fio fino, muito curto, de com-primento ℓ ≪ 1, percorrido por uma corrente que oscila harmonicamente,I = I0 cos(ωt). Este elemento basico e o limite assimptotico de uma antenadipolar electrica. Em pontos afastados do dipolo, o campo calculado paraesse dipolo nao e significativamente diferente daquele que e devido p.ex. auma antena de meia onda, que tem ℓ = λ

2. Os calculos sao, porem, muito

mais simples.38

Seja o dipolo electrico elementar de Hertz da fig. 3.17, percorrido pelacorrente sinusoidal da eq. 3.94.39 O potencial (retardado), A(r, t), criado

37Como e habitual, omite-se a mencao explıcita a parte real, de modo a simplificar anotacao. Nao ha, porem, ambiguidade porque as quantidades fısicas sao evidentementereais.

38Este argumento deve ser usado com cautela, pois em geral sao relevantes as diferencasde fase introduzidas por elementos radiantes diferentes.

39Nesta situacao a carga do fio desloca-se periodicamente num e no outro sentido, sendoem cada ponto q(t) = q0 sin(ωt) e, portanto, I = q0ω cos(ωt), com I0 = q0ω.

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58 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

θr

ϕx y

z

l

θϕr ^

^

Figura 3.17: O dipolo de Hertz e constituıdo por um fio fino de comprimentoℓ ≪ 1, percorrido por uma corrente oscilante, I = I0 cos(ωt).

por esta corrente num ponto a distancia r′′ = r do dipolo (que esta colocadona origem de coordenadas), e

A(r, t) =µ0

4πe−iωt

∫ ℓ

0I(r ′)

eiωr′′

c

r′′dℓ ′ ≈ µ0

4πI0ℓ

eiωrc

re−iωt z (3.98)

Isto e, A = Az z.O problema trata-se melhor em coordenadas esfericas, sendo entao

A = Az z = Ar r + Aθ θ + Aϕ ϕ

com

Ar = Az z · r = Az cos θ

Aθ = Az z · θ = −Az sin θ

Aϕ = Az z · ϕ = 0

Ha claramente simetria azimutal na fig. 3.17, pelo que os potenciais e oscampos nao podem depender de ϕ. O campo B, radiado pelo dipolo, vemda relacao B = ∇×A, sendo

B =1

r[∂r(rAθ)− ∂θAr] ϕ

=

ξ

r∂r

(

rei

ωrc

r(− sin θ)

)

− ξ

r∂θ

(

eiωrc

rcos θ

)

ϕ

=

−ξ

r

csin θei

ωrc +

ξ

r2ei

ωrc sin θ

ϕ

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3.9. RADIACAO DE UM DIPOLO ELECTRICO 59

onde se fez ξ = µ0

4πI0ℓe

−iωt. Ora, visto que c = ωk, fica

B(r, θ, t) =µ0I0ℓ

4πsin θ

[−iω

rc+

1

r2

]

ei(kr−ωt) ϕ (3.99)

Vemos portanto que o campo B tem duas componentes, uma que decrescecom a distancia, r, e a outra com o quadrado da distancia. Em pontosafastados do dipolo, quando r ≫ 1, o campo fica reduzido a40

B(r, θ, t) = −iµ0I0ℓ

sin θ

r

ω

cei(kr−ωt) ϕ (3.100)

Em pontos fora do dipolo, j = 0, e ∇×B = µ0ǫ0∂tE, donde se tem

1

r sin θ[∂θ(sin θBϕ)] r −

1

r∂r(rBϕ)θ = µ0ǫ0∂tE

Entao, fazendo η = µ0I0ℓ4π

e µ0ǫ0 =1c2

na eq. 3.99, obtem-se

1c2∂tEr =

ηr sin θ

[−iωrc

+ 1r2

]

2 sin θ cos θ ei(kr−ωt)

1c2∂tEθ = −η

r∂r[

r sin θ(−iωrc

+ 1r2

)

ei(kr−ωt)]

Isto e,

Er =2iηc2

ω

[−iωr2c

+ 1r3

]

cos θ ei(kr−ωt)

Eθ = i c2η sin θ

ω

[

−k2

r− ik

r2+ 1

r3

]

ei(kr−ωt)

Em pontos afastados do dipolo, o campo electrico radiado e pois

E(r, θ, t) = −iωµ0I0ℓ

sin θ

rei(kr−ωt) θ (3.101)

(o fator i = eiπ2 que aparece nas eqs. 3.100 e 3.101 e uma diferenca de fase

(de π2) entre a oscilacao da corrente e os campos que ela radia).

Faz-se notar que, como e de supor em campos constitutivos de ondaselectromagneticas, os campos das equacoes 3.100 e 3.101 sao mutuamente

ortogonais, E ⊥ B, e que, alem disso, |B| = |E|c.

O campo electrico radiado por um dipolo de Hertz, dado pela eq. 3.101,esta representado na fig. 3.18, para dois instantes sucessivos. Este campo epois, basicamente, o de uma onda esferica, modulado pela funcao sin θ, (cf.eq. 3.40). A amplitude decresce com o inverso da distancia ao dipolo, como ecaracterıstico de uma onda esferica, diferentemente do campo de um dipoloelectrico estatico, que varia com 1/r3.

40Mais exatamente, quando kr ≫ 1

r2 , i.e. no limite em que kr ≫ 1, ou seja, para r ≫ λ.

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60 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

E

k

k

k

k

Figura 3.18: Linhas de campo electrico da onda electromagnetica emitidapor um dipolo electrico oscilante de Hertz (ao centro), em dois instantessucessivos, separados de meio perıodo. O campo B e perpendicular ao planodo papel. O vector k indica a direcao de propagacao em cada ponto. Ilustra-se tambem a oscilacao do vector E no plano horizontal, em associacao como mapa de linhas de campo. Note-se que nao e radiado campo na direcaoaxial do dipolo.

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3.9. RADIACAO DE UM DIPOLO ELECTRICO 61

θ I( )θ

x

z

y

Figura 3.19: Diagrama polar da intensidade da radiacao emitida por umaantena dipolar electrica de λ/2. Nesta representacao a intensidade, I(θ), eproporcional a distancia a origem. Como I(θ) ∼ sin2 θ, a intensidade e muitopequena para θ ∼ 0 e θ ∼ π, tendo-se a intensidade maxima para θ ∼ π

2. O

corte na imagem e bastante ilustrativo dessa caracterıstica.

A densidade de fluxo de energia radiada pelo dipolo de Hertz, em pontosr ≫ λ, e

S =1

µ0

(E ×B) =E2

0

µ0cr

com E20 =

ω2µ20I

20 ℓ

2

16π2sin2 θr2

. A intensidade da onda electromagnetica e dada, emqualquer ponto pela media temporal do vector de Poynting, S, (ver § 3.5.6),sendo portanto,

I = 〈S(r, θ)〉 = ω2µ20I

20ℓ

2

32π2µ0c

sin2 θ

r2

pois 〈cos2 ωt〉 = 12(cf. nota pag. 39). Na fig. 3.19 representa-se num dia-

grama polar a intensidade da radiacao emitida. A comparacao com o calculopara uma antena de meia onda (cujo comprimento e ℓ = λ

2) mostra quao boa

e a aproximacao de dipolo elementar de Hertz (ver fig. 3.20).A potencia total media radiada pelo dipolo e igual ao integral de fluxo

da intensidade da onda atraves de uma superfıcie fechada, S, que contenhao dipolo,

〈P 〉 =∮

S〈S〉 · ds (3.102)

Isto e, 〈P 〉 = ω2µ0I20 ℓ2

32π2c

∫ π0

∫ 2π0

sin2 θr2

r2 sin θ dθ dϕ, e como∫ π0 sin3 θ dθ = 4

3, entao

〈P 〉 = µ0ω2ℓ2

12πcI20 (3.103)

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62 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

θ I( )θ

Figura 3.20: Diagrama polar da intensidade da radiacao dipolar. Com-paracao entre o dipolo de Hertz (linha a cheio) e uma antena de meia onda(linha a tracejado).

Esta equacao expressa a chamada relacao de potencia da antena e pode serposta na forma41

〈P 〉 = RI202

= RI20e (3.104)

41A eq. 3.103 tambem se pode escrever explicitamente em funcao do momento dipolarelectrico radiante. A amplitude do momento dipolar electrico e p0 = q0ℓ, onde q0 e aamplitude da carga do dipolo, a qual se pode relacionar com a amplitude da corrente vistoque I0 ≈ q0

T = q0ω2π . Pode-se portanto escrever a eq. 3.103 como,

〈P 〉 = µ0p20

48π3cω4

Esta equacao e importante porque nos diz que: - uma carga a oscilar radia ondaselectromagneticas com uma potencia que e proporcional a quarta potencia da frequenciade oscilacao.Um exemplo dramatico em que a equacao anterior esta implicada e na existencia do

ceu azul (e do por do sol vermelho). O ceu e azul devido a interacao da radiacao solarcom as moleculas da atmosfera, em resultado da qual as moleculas se tornam em pequenosdipolos electricos oscilantes. A potencia (re)emitida por essas moleculas, e proporcionala 4a potencia da frequencia, sendo por isso muito mais intensa no azul do que na bandado vermelho. Em resultado disso, a luz azul e dispersa em todas as direcoes mais doque outras componentes e o ceu torna-se azul. Este tipo de dispersao e conhecido comodispersao de Rayleigh.E tambem devido a esta dispersao que o por do sol e vermelho; nessa altura a luz

atravessa muito mais ar e a dispersao da componente azul e maior - a luz do por do sol ea que sobra, (expurgada de azul e vermelha).

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3.9. RADIACAO DE UM DIPOLO ELECTRICO 63

onde I0e e o valor eficaz da corrente e R e a resistencia da radiacao,

R =µ0ω

2ℓ2

6πc= 80π2

(

λ

)2

[Ω] (3.105)

em que λ e o comprimento de onda da onda emitida pela antena. Por ex-emplo, se ℓ = λ

20, entao R ≃ 2 Ω e estamos perante uma antena de baixa

potencia: - se o pico de corrente for I0 = 2 A, a potencia radiada e somente

〈P 〉 ≃ 2× I202≃ 2 W. Mas se ℓ = λ/2, R ≃ 200 Ω e a mesma corrente de 2 A

radia uma potencia de 200 W.

3.9.1 Ganho da antena

Como se ve pelas equacoes anteriores, uma antena dipolar electrica nao ra-dia isotropicamente. O ganho de uma antena traduz num coeficiente a di-recionalidade da radiacao emitida por essa antena. O ganho, G, e definidocomo o quociente entre a intensidade da onda num certo ponto do espaco ea intensidade media medida a mesma distancia da antena,

G(θ) =I〈I〉 =

〈S(r, θ)〉〈〈S〉〉 , onde 〈I〉 = 〈〈S〉〉 = 〈P 〉

4πr2(3.106)

i.e., 〈〈S〉〉 representa a media da media temporal do vector de Poynting sobrea esfera centrada na antena, a que pertence o ponto considerado. No casovertente, do dipolo de Hertz, 〈〈S〉〉 = µ0ω2ℓ2

48π2cr2e portanto o ganho e,

G(θ) =µ0ω

2ℓ2

32π2cr248π2cr2

µ0ω2ℓ2sin2 θ =

2

3sin2 θ (3.107)

Ou seja, o ganho maximo do dipolo de Hertz e 23, em qualquer direcao do

plano perpendicular a antena.42 Na direcao axial a antena tem ganho zero.Combinando varias antenas dipolares em sequencia podem-se construir

antenas de elevado ganho, altamente direcionais, tirando partido da inter-ferencia entre as ondas emitidas por cada um dos elementos dipolares doconjunto. Tais configuracoes sao muito comuns no domınio das telecomu-nicacoes.

42E comum expressar o ganho de uma antena em escala dB. Um ganho G = 2

3traduz-se

assim em GdB = 10 log10G ≃ 1.76 dB.

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64 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

i

ϕy

x

z

r"

r

r’

E

B

k

θ

Figura 3.21: Dipolo magnetico oscilante, constituıdo por uma espira circular.Representam-se os campos E e B da onda que ele radia, num ponto r.

3.10 Radiacao de um dipolo magnetico

Como o nome faz subentender, uma antena dipolar magnetica e constituıdapor um dipolo magnetico oscilante.

Seja uma antena dipolar magnetica elementar constituıda por uma espiracircular de raio a ≪ λ, colocada na origem de coordenadas, (ver fig. 3.21),que e percorrida pela corrente variavel,

I = I0 cosωt = ℜe

e−iωt

Como vimos em § 3.8, o potencial vector (retardado) criado por esta corrente,num ponto r e

A(r, t) =µ0

C

I0dℓ′

r′′e−iω(t− r′′

c) (3.108)

o qual se refere as correntes existentes no instante (passado) em que a per-turbacao electromagnetica deixou a espira e que, apos um tempo de transitoτ = r′′

c, chega ao ponto r.

O calculo do campo criado pelo dipolo magnetico e mais complicado doque o de um dipolo electrico elementar, pois neste caso e necessario integrarsobre toda a espira.43

43Se considerassemos apenas um dos elementos dessa espira entao tratar-se-ia de umdipolo de Hertz e nao de uma espira,

·⊙

.

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3.10. RADIACAO DE UM DIPOLO MAGNETICO 65

Vamos calcular o campo electromagnetico em pontos afastados da espira,no caso em que a espira e muito mais pequena do que o comprimento deonda da luz que ela emite.

Como se ve na fig. 3.21, r′′ = r−r′, pelo que r′′2 = r2(

1 + a2

r2− 2a

rcos θ′

)

,

onde cos θ′ = r · r′. No limite em que r ≫ a, fica44

r′′ ≈ r(

1− a

rcos θ′

)

(3.109)

Em coordenadas esfericas,

r = sin θ cosϕ x+ sin θ sinϕ y + cos θ z

r′ = cosϕ′ x+ sinϕ′ y

ϕ = − sinϕ x+ cosϕ y

e, portanto, cos θ′ = r · r ′ = sin θ cosϕ cosϕ′ + sin θ sinϕ sinϕ′. Juntando asexpressoes anteriores, atendendo a que dℓ ′ = a dϕ′ ϕ ′ e que c = ω

k,

A(r, t) ≈ µ0I04πr

ei(kr−ωt)∮ a dϕ′ ϕ ′

1− arcos θ′

eika cos θ′

Na aproximacao que estamos a considerar, a espira e muito pequena, com-parada com o comprimento de onda, a ≪ λ, e portanto, ka ≪ 1. Podemospor isso desenvolver a exponencial em serie de Taylor,

eika cos θ′ ≈ 1 + ika cos θ′ − 1

2k2a2 cos2 θ′ + . . .

Para alem disso, como por hipotese r ≫ a, entao(

1− arcos θ′

)−1 ≈(

1 + arcos θ′

)

. Por conseguinte,

A(r, t) ≈ µ0I0a

4πrei(kr−ωt)

dϕ′ ϕ ′ (1 + ika cos θ′ . . .)(

1 +a

rcos θ′

)

≈ µ0I0a

4πrei(kr−ωt)

0 + ika∮

(− sinϕ′ x+ cosϕ′ y) ×

× (sin θ cosϕ cosϕ′ + sin θ sinϕ sinϕ′) dϕ′

ja que ϕ = − sinϕ′ x+ cosϕ′ y (desprezam-se termos de ordem O(r−2)).

44O desenvolvimento da raiz quadrada em serie Taylor da:√1 + x ≈ 1 + x

2, se x≪ 1.

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66 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

Mas, devido a simetria, o potencial nao pode depender de ϕ. Como naodepende, fazemo-lo zero! i.e. podemos simplesmente calcular A em ϕ = 0,na certeza de que A tera a mesma forma em quaisquer outros pontos ondeϕ 6= 0. Assim,

A(r, t) =µ0I0a

4πrei(kr−ωt) ikaπ sin θ y , se ϕ = 0

Rodando os eixos varrem-se pontos em que ϕ 6= 0 e imediatamente se concluique (ver fig. 3.21),

A(r, t) =µ0I0a

4πrei(kr−ωt) ikaπ sin θ ϕ (3.110)

O fator i = eiπ2 indica que ha uma diferenca de fase de π

2entre a oscilacao

da corrente e a do potencial A.Os campos E(r, t) e B(r, t) sao dados pelas eqs. 3.17,45

E(r, t) = −∂tA (3.111)

B(r, t) = ∇×A (3.112)

Assim, visto que m0 = I0πa2 e a amplitude do momento magnetico da espira,

entao

E(r, t) =µ0m0ω

k

rsin θei(kr−ωt) ϕ (3.113)

B(r, t) =µ0m0ω

4πc

k

rsin θei(kr−ωt) θ (3.114)

expressoes que sao validas em pontos r ≫ a, se ka ≫ 1 (i.e. se λ ≫ a.Obtiveram-se assim os campos radiados por uma antena dipolar magneticaem pontos a grande distancia, r ≫ a, para o caso em que se o comprimentoda onda emitida for muito maior que a espira, λ ≫ a.

E interessante comparar os campos radiados por um dipolo magneticocom os que sao radiados por um dipolo eletrico de Hertz, eqs. 3.100 e 3.101.Verifica-se, com efeito, que o campo E radiado pelo dipolo eletrico corre-sponde ao campo B do dipolo magnetico e vice-versa. O perfil de radiacaoemitida e pois semelhante nos dois casos, trocando E B; ou seja, o padrao

45Note que, neste caso, se a espira for um bom condutor, entao ρ = 0 na espira e,portanto, nao havera quaisquer cargas estaticas, em nenhum lugar, e entao V =const.

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3.10. RADIACAO DE UM DIPOLO MAGNETICO 67

dos campos radiados por um dipolo magnetico oscilante e o que esta repre-sentado na fig. 3.18, trocando E com B nessa figura.

A intensidade da radiacao emitida obtem-se a partir do vector de Poynt-ing, S = 1

µ0E ×B; em pontos afastados S = S r e, portanto,

S =µ0m

20ω

4

16π2c3sin2 θ

r2r e2i(kr−ωt) (3.115)

A intensidade da onda e assim,

I = 〈S〉 =(

µ0m20ω

4

32π2c3

)

sin2 θ

r2(3.116)

pois 〈cos2 ϑ〉 = 12(ver nota pag. 39).

A potencia total radiada pelo dipolo magnetico obtem-se por integracaodo fluxo da intensidade, sobre todos os angulos, 〈P 〉 = ∮

S〈S〉 · ds,

〈P 〉 = µ0m20

12πc3ω4 I20

2= RI20e (3.117)

onde I0e e o valor eficaz da corrente e R e a resistencia da radiacao destaantena dipolar magnetica,

R =µ0πa

4ω4

6c3= 320π6

(a

λ

)4

(3.118)

Assim, por exemplo, se o raio da espira for a = λ20

e a corrente for Ie = 2 A,entao R ≈ 1.9 Ω e 〈P 〉 ≈ 7.7 watt. Como se ve, neste caso, tal como no dipolode Hertz, a potencia radiada cresce com a quarta potencia da frequencia deoscilacao do dipolo (cf. pag. 62).

!!!!????Io ou Ioeficaz????? verUm enrolamento com N espiras sobrepostas e equivalente a uma espira

com corrente NI e tem, portanto, uma potencia radiante N2 vezes superiora de uma espira. Mas se estas N espiras estiverem espacadas, formando umaestrutura helicoidal como a da figura 3.22), ha uma diferenca de fase entreas ondas radiadas por diferentes espiras. Em resultado dessa interferencia,uma antena helicoidal que tenha um tamanho da ordem do comprimento deonda, radia essencialmente num cone na direcao do eixo axial e tem por-tanto um ganho muito elevado. Ademais, como os elementos dℓ das espirasvariam continuamente de orientacao, as ondas emitidas por esta antena tempolarizacao circular.

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68 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

prato reflectorcabo coaxial

Figura 3.22: Uma antena helicoidal e altamente direcional, radiando numcone ao longo da direcao axial (i.e., tem ganho muito elevado). Como a ori-entacao de sucessivos elementos dℓ das espiras varia incrementalmente, asdiferencas de fase entre as ondıculas desses elementos originam ondas compolarizacao circular. Por estas duas razoes, esta antena e particularmente ad-equada para as telecomunicacoes espaciais, ja que e mais imune as constantesmudancas de orientacao relativa dos satelites em orbita.

Este tipo de antena helicoidal e muito usado em comunicacoes espaciais,devido quer a sua elevada direcionalidade (ou ganho), quer tambem pelofacto de a radiacao emitida ser circularmente polarizada e, portanto, maisconveniente em aplicacoes em que muda constantemente a orientacao relativaentre o emissor e o recetor, como e o caso de satelites em orbita.

3.11 Guias de ondas⋆

A discussao que faremos deste assunto e necessariamente breve e tem sobre-tudo o proposito de dar consistencia ao todo e chamar a atencao para aspectosfundamentais acerca das ondas electromagneticas ainda nao descortinados.

Um guia de ondas, contrariamente a uma linha de transmissao, tem ape-nas um condutor. E normalmente constituıdo por um tubo condutor oco,(ou por um tubo dieletrico dentro doutro, como nas fibras opticas), cujaseccao pode ser qualquer, mas que na pratica e ou retangular ou circular.A sua utilizacao e particularmente importante para transmitir sinais de ele-

vada frequencia (∼>GHz), ou elevadas potencias, casos em que os efeitos de

inducao se tornam dominantes.46 Consequentemente, a propagacao de ondas

46Para frequencias da banda das microondas ou superiores (∼

>GHz), o efeito pelicular

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3.11. GUIAS DE ONDAS⋆ 69

de frequencia muito elevada faz-se preferencialmente em condutores ocos, ouem fibras opticas dieletricas, na forma de ondas electromagneticas guiadas.As correntes e tensoes ao longo do guia sao entao meros efeitos associadosa passagem da perturbacao electromagnetica - a energia e essencialmentetransmitida atraves do volume do guia de ondas.

Analisamos nas seccoes precedentes a propagacao de ondas electro-magneticas em espaco aberto e demonstramos que essas as ondas electro-magneticas sao transversais. Vimos que tambem que ha ondas transversaisnuma linha de transmissao coaxial. Todavia, importa que nao fique a ideiade que as ondas electromagneticas sao sempre transversais. Em boa verdade,so e assim se as ondas se propagarem livremente no espaco sem fronteiras.Nesse caso as frentes de onda nao tem qualquer restricao, sao planos ou su-perfıcies esfericas, ou etc... (consoante se trate de ondas planas, esfericas,etc..., ver § 3.5.5). Nesse caso, as equacoes ∇ ·E = 0 e ∇ ·B = 0 implicamque E e B sejam transversais a direcao de propagacao, respectivamente (ver§ 3.5.6).

Num guia de ondas o espaco esta limitado pelas respectivas paredes,havendo que considerar as condicoes de fronteira dos campos E e B emtodas essas superfıcies. Por via disso, as amplitudes dos campos sao nec-essariamente funcoes do espaco (nao sao constantes), pelo que a condicaode divergencia nula ja nao tem a implicacao de que o campo seja normal adirecao de propagacao. Ademais, mostra-se que as ondas electromagneticastransversais (TEM), em que ambos E e B sao perpendiculares a direcao depropagacao, nao se podem propagar num guia de ondas condutor: - todasas ondas que nele se propagam ou sao transversais electricas (TE), ou saotransversais magneticas (TM), mas nao ambas as coisas. Conclui-se aindaque so se propagam num guia de ondas as ondas que tenham frequencia su-perior a um determinado valor limite, caracterıstico de cada guia de ondas,chamado frequencia de corte ou de cut-off. Isto e, um guia de ondas e opacopara frequencias inferiores a respetiva frequencia de cut-off.47

Assim, em geral, as ondas electromagneticas tem caracterısticas diferentesconsoante se propagam i) no espaco livre, ii) numa linha de transmissao,

torna-se muito elevado, assim como as correntes induzidas de Foucault. Por consequencia,a resistencia dos cabos electricos torna-se muito elevada e, consequentemente, sao grandesas perdas ohmicas de Foucault.

47A razao de ser para o guia ser opaco em frequencias inferiores a frequencia de cut-off,ωc, e que se ω < ωc nao e possıvel satisfazer simultaneamente as equacoes de onda, asequacoes de Maxwell e as condicoes de fronteira.

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70 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

E B

z

y

x

b

a

Figura 3.23: Guia de ondas de seccao retangular. Os campos representadossao de uma onda transversal electrica (TE).

ou iii) no espaco de um guia de ondas. As primeiras, vimo-lo, sao ondastransversais (TEM), em que quer E quer B sao ambos vectores normais adirecao de propagacao, em qualquer ponto. Numa linha de transmissao, quee constituıda por dois condutores, as ondas ainda sao predominantementeTEM, mas coexistem com ondas TE e TM, a frequencias elevadas. Porem,num guia de ondas em geral nao e possıvel ter ondas electromagneticas emque ambos E e B sejam transversais a direcao de propagacao. Em todos oscasos, porem, E ⊥ B em cada ponto, como decorre das equacoes de Maxwell.

3.11.1 Guia de ondas retangular

Seja um guia de ondas de seccao retangular, com lados a e b, que se estendeao longo do eixo z (ver fig. 3.23), no qual se propaga, por hipotese, uma ondaelectromagnetica. Se as paredes forem de um condutor ideal, entao E = 0 eB = 0 dentro do condutor (cf. efeito pelicular). As condicoes de fronteirade E e de B (nao dependentes de cargas ou correntes) implicam entao quejunto as superfıcies interiores do condutor, E‖ = 0 e B⊥ = 0, onde ‖ e ⊥ sereferem a componente do campo que e tangente e perpendicular a superfıcie,respectivamente.

Supomos que as ondas sao sinusoidais, mas nao planas, pois a sua am-plitude ha de eventualmente variar ao longo da seccao do guia de ondas, demodo a satisfazer as condicoes de fronteira nas paredes. Como as ondas sepropagam ao longo de z, entao

E(x, y, z, t) = E0(x, y)ei(kzz−ωt) (3.119)

B(x, y, z, t) = B0(x, y)ei(kzz−ωt) (3.120)

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3.11. GUIAS DE ONDAS⋆ 71

Suponhamos primeiramente, por hipotese, que E0 = E0y y. As condicoesde fronteira exigem que junto das paredes, em x = 0 e x = a, o campoE se anule, por forma a que a componente tangencial seja contınua nessasparedes. Mas esta variacao da amplitude E0 ao longo da seccao do tubo temconsequencias. Com efeito,

B = −∫

dt ∇×E = −∫

dt

∣∣∣∣∣∣∣

x y z∂x ∂y ∂z0 Ey 0

∣∣∣∣∣∣∣

= −(

−x∫

dt ∂zEy + z∫

dt ∂xEy

)

=[

x(

∂zE0y + ikzE0y

)

− z ∂xE0y

] i

ωei(kzz−ωt)

ou seja, como E0y = E0y(x, y), entao Bz 6= 0 (!). Isto significa que o campomagnetico desta onda nao e transversal a direcao de propagacao, z. Umaonda com estas caracterısticas e uma onda transversal electrica (TE). Porem,as linhas do campo B ainda formam linhas fechadas, pois ∇ · B = 0; oque significa que em parte essas linhas seguem ao longo do guia de ondas,que e a direcao de propagacao (ver fig. 3.23). Esta configuracao satisfaztambem a condicao de continuidade da componente B⊥ em todas as paredesdo condutor, i.e., contando que |B| → 0 nas paredes laterais.

ondas TE e TM

No caso mais geral de uma onda TE, cuja velocidade e segundo z, temosentao

E(x, y, z, t) =

E0x(x, y)x+E0y(x, y)y

ei(kzz−ωt)

Da equacao de onda, ∇2E = 1c2∂2tE, vem que

∂2xE0x + ∂2

yE0x − k2zE0x = −ω2

c2E0x

∂2xE0y + ∂2

yE0y − k2zE0y = −ω2

c2E0y

Como as condicoes de fronteira do campo em x = 0 e x = a nao dependemde y e em y = 0 e y = b nao dependem de x, o campo deve estar fatorizadoem x e y, de tal modo que os zeros do campo em x nao dependem de y evice-versa:

E0x(x, y) = χ(x)η(y) ; E0y(x, y) = χ′(x)η′(y)

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72 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

onde χ(x) e η(y) e χ′ e η′ sao funcoes a determinar. Nestes termos,

ηd2χ

dx2+ χ

d2η

dy2=

(

k2z −

ω2

c2

)

η χ

e, portanto,1

χ

d2χ

dx2+

1

η

d2η

dy2=

(

k2z −

ω2

c2

)

As variaveis x e y sao independentes e por isso as duas parcelas da equacao an-terior sao tambem independentes. Como a igualdade e valida para quaisquervalores de x e y, conclui-se que essas parcelas sao necessariamente constantes(e o metodo de separacao de variaveis),

1

χ

d2χ

dx2= −k2

x (3.121)

1

η

d2η

dy2= −k2

y (3.122)

com

−k2x − k2

y =

(

k2z −

ω2

c2

)

(3.123)

As eqs. 3.121 e 3.122 sao equacoes diferenciais ordinarias, cujas solucoes saosinusoidais,

χ(x) = A1 cos(kxx) + A2 sin(kxx) (3.124)

η(y) = B1 cos(kyy) + B2 sin(kyy) (3.125)

onde A1, A2, B1 e B2 sao constantes de integracao. Por conseguinte,

E0x(x, y) = [A1 cos(kxx) + A2 sin(kxx)] [B1 cos(kyy) + B2 sin(kyy)]

E0y(x, y) = [A′1 cos(kxx) + A′

2 sin(kxx)] [B′1 cos(kyy) +B′

2 sin(kyy)]

As condicoes de fronteira sao

Ex(x, y = 0) = 0, → B1 = 0Ey(x = 0, y) = 0, → A′

1 = 0Ex(x, y = b) = 0, → ky =

mπb, m = 0, 1, 2, . . .

Ey(x = a, y) = 0, → kx = nπa, n = 0, 1, 2, . . .

(3.126)

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3.11. GUIAS DE ONDAS⋆ 73

Para alem disso, a equacao ∇ ·E = 0 = ∂xEx + ∂yEy, implica que

B′1A

′2ky = −A1B2kx

A2B2 = 0A′

2B′2 = 0

(3.127)

Conclui-se pois que o campo electrico desta onda e

E(x, y, z, t) = C [ky sin(kyy) cos(kxx) x− kx sin(kxx) cos(kyy) y] ei(kzz−ωt)

(3.128)onde C e uma constante proporcional a amplitude da onda; ky = mπ

b; e

kx = nπa, onde n,m = 0, 1, 2, . . .

O campo B obtem-se da equacao B = − ∫ dt∇×E, vindo

B =

kzωE0y x− kz

ωE0x y −

1

ωC(

k2y + k2

x

)

cos(kxx) cos(kyy) z

ei(kzz−ωt+π2)

(3.129)

ja que i = eiπ2 . O campo B nao e pois transversal a direcao de propagacao

da onda, z, tal como acima tınhamos antecipado.Como se ve nas expressoes anteriores, os campos E e B das ondas TE

dependem de dois numeros inteiros, os quais caracterizam diferentes modosde propagacao das ondas. Isto significa que no guia de ondas podem coexi-stir ondas com configuracoes muito diversas - os modos de propagacao. Nasfiguras fig. 3.24 e fig. 3.25 mostram-se representacoes dos campos E e B dealguns desses modos de propagacao, para os valores de n e m indicados.

As ondas transversais magneticas, TM, calculam-se de modo semelhanteas TE, quando a priori se assume que B esta sempre no plano transversal adirecao de propagacao, z. Os padroes de alguns desses modos de propagacaoestao tambem representados nas figuras fig. 3.24 e fig. 3.25.

Frequencia de cut-off

Se a constante kz for um numero real, i.e., se k2z > 0, entao a onda elec-

tromagnetica propaga-se ao longo do eixo z no guia de ondas sem amorteci-mento. Tendo em consideracao a eq. 3.123, conclui-se entao que a condicaopara que nao haja atenuacao da amplitude da onda e k2

z =ω2

c2− k2

x − k2y > 0;

ou seja, se

ω > ωnm = cπ

n2

a2+

m2

b2, com m,n = 0, 1, 2, . . . (3.130)

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74 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

λ/2

a) b)

B

A

Figura 3.24: Modos de propagacao num guia de ondas retangular. i) modo(TE)11 (linha de cima); ii) modo (TM)11 (linha de baixo). Cortes: a)transversal e b) longitudinal (cortes nos planos A e B). As linhas contınuassao linhas do campo E e as linhas tracejadas sao linhas do campo B.

B

E

EE

B

Figura 3.25: Modos de propagacao num guia de ondas retangular em repre-sentacao tridimensional. i) modo (TE)11 (a esquerda); ii) modo (TM)11 (adireita). As linhas contınuas sao linhas do campo E e as linhas tracejadassao linhas do campo B.

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3.11. GUIAS DE ONDAS⋆ 75

A frequencia limite, ωnm, abaixo da qual a onda se extingue, e a frequencia decorte (ou de cut-off ) do guia de ondas que, como se ve, depende do modo depropagacao. Se uma onda tiver frequencia inferior a ωnm, entao k2

z < 0, o quesignifica que kz e imaginario e que, nessa circunstancia, a onda e amortecidaexponencialmente e rapidamente se extingue (ver § 3.6). O guia e pois opacopara frequencias, ω < ωnm.

Fluxo de energia

No caso das ondas TE, o campo B tem uma componente na direcao depropagacao. Coloca-se por isso a questao de saber que implicacoes tem issono vector de Poynting e na sua relacao com a propagacao da onda. Ora, nocaso destas ondas,

S =1

µ0

E ×B =

1

µ0c

(

E20x + E2

0y

)

z

+1

µ0

cos kxx cos kyy (E0xy − E0yx)

e2i(kzz−ωt+ iπ2)

Ve-se portanto que S tem componentes Sx, Sy e Sz. Porem, as duasprimeiras, e que sao transversais a direcao de propagacao, sao alternada-mente positivas e negativas em x e em y e tem media nula; i.e., valor mediode S e apenas na direcao/sentido de z. A intensidade das ondas TE (etambem das ondas TM) tem portanto a direcao/sentido de propagacao daonda, nao havendo afinal nenhuma inconsistencia com S.

3.11.2 Guia de ondas cilındrico

Se o guia de ondas for cilındrico, de raio a, a equacao de onda em coordenadascilındricas, (, ϕ, z), reduz-se a uma equacao diferencial de Bessel. A formadas solucoes e grosso modo semelhante a das solucoes do guia retangular,eqs. 3.128 e 3.129, mas em que, no lugar das funcoes trigonometricas em x ey, ha agora funcoes de Bessel, Jm. As funcoes Jm sao uma especie de funcoestrigonometricas amortecidas (ver fig. 3.26).

Os campos electrico e magnetico das ondas TE tomam entao a forma

E(, ϕ, z) =

Cm

Jm(κ) sin(mϕ)ˆ+ C ′

mJ′m(κ) cos(mϕ)ϕ

ei(kzz−ωt)

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76 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

J0

J1 J2

8

1

.8

.6

.4

.2

−.2

−.4

2 4 6 ξ0

Figura 3.26: Funcoes de Bessel de primeira ordem, J0, J1 e J2.

01TE

11TM

11TE

Figura 3.27: Modos de propagacao num guia de ondas cilındrico. Vistaem corte transversal dos modos (TE)01, (TE)11 e (TM)11 (o modo (TM)01 esemelhante a (TE)01, com E B). As linhas contınuas sao linhas do campoE e as linhas tracejadas sao do campo B.

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3.11. GUIAS DE ONDAS⋆ 77

B(, ϕ, z) =

DmJ′m(κ) cos(mϕ)ˆ+

D′m

Jm(κ) sin(mϕ)ϕ +

+D′′mJm(κ) cos(mϕ)z

ei(kzz−ωt) (3.131)

onde k2z − ω2

c2= κ2 e onde m = 0, 1, 2, . . .; e J ′

m e a derivada de Jm, e κe a componente transversal do vector de onda k, (isto e, o vector de ondae k = kz z + κ). Os factores C, C ′, D, D′ e D′′ sao constantes. Compareestas solucoes com as correspondentes solucoes do guia retangular, eqs. 3.128,3.129.

As solucoes anteriores, eq. 3.131, sao semelhantes as que se aplicam asfibras opticas. Porem, as fibras opticas sao particularmente complicadas deestudar, visto que a parede do guia e uma interface entre dois dieletricosdiferentes e nao uma parede condutora, o que implica considerar tambem apropagacao de ondas nesse meio envolvente a fibra (que e a bainha).

Os modos de propagacao correspondem as solucoes de onda possıveis,compatıveis com as condicoes de fronteira dos campos. As condicoes defronteira de E e B impoem que a componente tangencial de E deve sercontınua em = a, o que significa que Eϕ(a) = 0. Por outro lado, o campoB deve ter componente normal contınua em = a; i.e., B(a) = 0. Impondoestas restricoes as eqs. 3.131 conclui-se por consequencia que as ondas TEdevem satisfazer a condicao

J ′m(κa) = 0 (3.132)

As funcoes de Bessel nao tem expressao analıtica exata, estao tabeladas.Os primeiros zeros de Jm(ζ) e J

′m(ζ) ocorrem em ζmn e ζ ′mn, respectivamente,

onde m = 0, 1, 2, . . . e n = 1, 2, . . ., (ver fig. 3.26):

m = 0 : ζ01 = 2.4048; ζ02 = 5.5201; ζ03 = 8.6537; . . .

m = 1 : ζ11 = 3.8317; ζ12 = 7.0156; ζ13 = 10.1735; . . .

. . .

m = 0 : ζ ′01 = 3.8317; ζ ′02 = 7.0156; ζ ′03 = 10.1735; . . .

m = 1 : ζ ′11 = 1.8412; ζ ′12 = 5.3314; ζ ′13 = 8.5363; . . .

. . . (3.133)

onde ζmn e o n-esimo zero da funcao Jm e ζ ′mn o n-esimo zero da funcao J ′m.

Assim, a condicao 3.132 das ondas TE traduz-se portanto na equacao,

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78 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

κa = ζ ′mn, ou seja,

k2 = κ2 + k2z =

ω2

c2, com κ =

ζ ′mn

a(3.134)

A onda propaga-se ao longo de z sem se extinguir se k2z > 0 (cf. eq. 3.131).

Ou seja, ha ondas se k2z = ω2

c2− κ2 > 0. Isto significa que so se transmitem

atraves do guia de ondas ondas com frequencia ω, tal que

ω > ωmn; com ωmn =c

aζ ′mn (3.135)

onde ωmn e a frequencia de corte (ou de cut-off ) caracterıstica do guia deondas.

O modo fundamental - o de frequencia mais baixa - e pois o modo (TE)11,correspondente a ζ ′11 ≈ 1.841, ver eqs. 3.133; este e o modo de propagacaodominante num guia de ondas cilındrico. Na fig. 3.27 representam-se a tıtuloilustrativo alguns dos modos de propagacao de um guia de ondas cilındrico.

Por exemplo, se o raio for a = 6 cm, entao a frequencia de corte no modo(TE)11 e ω11 ≈ 10 GHz.Consequentemente, ondas com frequencia inferior aω11 nao passam neste guia de ondas.

Em geral, as ondas que se propagam dentro do guia de ondas sao umasobreposicao dos varios modos possıveis, dependendo da frequencia do campoelectromagnetico injetado no guia de ondas. E todavia possıvel favorecer ummodo em detrimento doutros, mas nao vamos discutir essa questao.

Ondas TM

O campo magnetico das ondas TM tem a forma

B =

Cm

Jm(κ) sin(mϕ)ˆ+ C ′

mJ′m(κ) cos(mϕ)ϕ

ei(kzz−ωt) (3.136)

onde m = 0, 1, 2, . . . e Cm e C ′m sao constantes. O campo electrico pode-se

obter diretamente a partir do campo B. As condicoes de fronteiras das ondasTM originam, a semelhanca das ondas TE, a condicao

Jm(κa) = 0 (3.137)

pelo que os valores possıveis de κ sao, κ = ζmn

a.

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3.11. GUIAS DE ONDAS⋆ 79

Como vimos acima, o modo fundamental (TE)11 so pode ser excitado seω > ωTE

11 = 1.841c/a. Como se conclui das eqs. 3.133, o modo seguinte comfrequencia mais baixa desse guia de ondas e o modo (TM)01, cuja frequenciade corte e

ωTM01 = 2.4048c/a

Por consequencia, se uma onda tiver frequencia no intervalo ωTE11 < ω < ωTM

01

entao apenas e excitado o modo (TE)11. Um guia de ondas que opere nestascondicoes e um guia de ondas monomodo.

Fibras opticas

A questao anterior tem particular relevancia nas fibras opticas de alto debito,

estendidas sobre longas distancias (∼> 100Gb/s;

∼> 100 km), porque modos

de propagacao diferentes tem velocidades diferentes.48 Esta diferenca limitaa taxa de transferencia de dados porque desconstroi a forma do sinal trans-ferido (sobretudo apos longas distancias). Por isso as fibras opticas usadasatualmente em telecomunicacoes de media/longa distancia sao fibras opticasmonomodo. Estas fibras sao necessariamente muito finas49; pois o seu raio,

48A velocidade de fase das ondas ao longo do guia e v = ωkz

, mas a velocidade a que

um sinal efetivamente se propaga e a velocidade de grupo, u = dωdkz

. Vimos acima que

k2z = ω2

c2 −κ2, onde κ =ζ(′)mn

a e um numero bem definido em cada modo. Por conseguinte, a

velocidade do sinal e u = c√

1− κ2c2

ω2 , o que significa que modos diferentes tem geralmente

velocidade diferente - os modos de ordem mais elevada sao geralmente mais lentos.Natransmissao de um sinal e pois desejavel que nao haja multiplos modos a propagar-seporque, como cada um destes se propaga com velocidade diferente, do outro lado do guiaha uma sobreposicao de sinais desencontrados que distorce e desconstroi o sinal original.

Os modos de propagacao de um guia correspondem de algum modo as diferentes ondasestacionarias que se podem formar nas direcoes perpendiculares a direcao de propagacao,ja que no plano transversal a onda nao se pode propagar. Isso permite descrever semi-quantitativamente um guia de ondas.

49De facto, a internet rapida como hoje a conhecemos so se tornou realidade gracas acapacidade em produzir fibras monomodo. Esse reconhecimento valeu aos cientistas queas desenvolveram o premio nobel da fısica em 2009.

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80 CAPITULO 3. ELECTRODINAMICA

infravermelhoabsorção de

dispersão de Rayleigh

comprimennto de onda (µm)

absorção por impurezas de OH¯

0.01

0.1

10

1

100

Ate

nuaç

ão (

dB/k

m)

1.81.61.41.21.00.6 0.8

1.31 µm

1.55 µm

Figura 3.28: Curva de absorcao de uma fibra otica tıpica.

a, deve ser menor que50

a∼<

2.4048λ

2π√

n21 − n2

2

(3.138)

Uma fibra optica monomodo tıpica que opere no infravermelho com compri-mento de onda, λ = 1.31µm, (ver fig. 3.28), e tenha ındices de refraccao comvalores tıpicos de n1 = 1.465 e n2 = 1.460, no nucleo da fibra e na bainha51,

respetivamente, devera portanto ter um raio a∼< 4µm.

O anel da rede de fibra optica da Universidade de Coimbra utiliza fibrasmonomodo.

E melhor parar.Fim.

50O fator√

n21 − n22 vem das condicoes de fronteira na interface dieletrica entre a fibra ea bainha que a envolve e relaciona-se com o angulo crıtico de reflexao total nessa superfıcie,pois sin θc =

1

n1

n21 − n22; se θ < θc a luz sai pela parede e perde-se atraves dela; portantonao se propaga.

51Newport Photonics, Technical Note #21.

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Capıtulo 4

Comentario Final

Este texto foi escrito para suporte as aulas de Electromagnetismo dadasna Universidade de Coimbra nos ultimos anos para o curso de EngenhariaEletrotecnica e Computadores.

Terminadas estas licoes podemos agora olhar para tras e ver o longopercurso andado. Ver como, partindo de equacoes empıricas decorrentesda observacao, se foi argumentando sucessivamente ate se concluir que oscampos electrico e magnetico estao acoplados, que a perturbacao de um delesperturba o outro e que essas perturbacoes se propagam na forma de ondaselectromagneticas imateriais, mesmo no espaco vazio.

O objectivo foi explanar os conceitos, interligando-os e dando-lhes con-texto, tendo sempre presente as aplicacoes e o calculo de problemas. Aorganizacao e a sequencia dos assuntos tem de resto em conta a necessidadede paralelamente se irem calculando problemas.

Mas pretendeu-se tambem mostrar para que e que servem e onde e que seaplicam esses conceitos, para alem do ambito de aplicacao estrito. Foi nessatentativa de rasgar horizontes que fomos discutindo na parte final algumasaplicacoes relevantes, que nos levaram as portas de outras disciplinas mais es-pecıficas. Deixamos por isso assuntos inacabados, que serao presumivelmenteobjecto de estudo mais aprofundado nessas disciplinas, em particular as queestudam ondas electromagneticas e optica, linhas de transmissao, teoria decircuitos, teoria de antenas e telecomunicacoes, fibras opticas, etc...

Por vezes parecera a alguns que esta analise dos conceitos por detras dosfenomenos e desnecessaria e que devemos privilegiar as aplicacoes e focarmo-nos apenas nas praticas que se utilizam para resolver problemas concretos.Essa ideia assenta muito nas capacidades de calculo numerico atuais que

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82 CAPITULO 4. COMENTARIO FINAL

multiplas aplicacoes informaticas permitem de forma facil, levando a que porvezes se ouca (e se ouse) dizer que “o resto nao interessa”, que isso “e soteoria”. Mas essa visao e curta, pois nao e verdadeiramente conhecimentosaber martelar uns numeros se nao se souber interpreta-los, se nao se tiveruma ideia em perspetiva acerca do que se espera obter, que permita ajuizarcriticamente os resultados.

Citando Newman: “It is true that numerical thecniques can be more acu-rate than analitical results since they generally involve fewer assumptions.However, a big disavantage of numerical techniques is that they yield onlynumbers and not equations. Simple equations are usefull since we canlook at them and gain physical insight into the problem and we can also getdesign information. Thus, numerical techniques will never replace good (ac-curate but simple) analytical results”, Prof. E. Newman, Ohio State Univ.(retirado do livro de Kraus & Fleisch, Electromagnetics, 5th ed., p. 589).

Mas, se por mais nao fora, os conceitos que aqui discutimos valem porsi o seu estudo, ja que o desenvolvimento da teoria electromagnetica e in-disputavelmente um dos maiores feitos cientıficos de sempre, que ainda hojeserve de modelo inspirador.

Nao foi pois em vao o esforco.Coimbra, 2016. j. pinto da cunha