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Electromagnetismo (cap. 1. eletrost´ atica) Jos´ e Pinto da Cunha universidade de coimbra 2016

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Electromagnetismo

(cap. 1. eletrostatica)

Jose Pinto da Cunha

universidade de coimbra

2016

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Conteudo

1 Eletrostatica 5

1.1 Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51.1.1 A lei de Coulomb . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71.1.2 Distribuicoes de cargas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

1.2 Vectores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91.2.1 Produto escalar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101.2.2 Produto vectorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

1.3 Sistemas de coordenadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131.3.1 Coordenadas retangulares: (x, y, z) . . . . . . . . . . . 141.3.2 Coordenadas cilındricas: (, ϕ, z) . . . . . . . . . . . . 151.3.3 Coordenadas esfericas: (r, ϑ, ϕ) . . . . . . . . . . . . . 16

1.4 Operadores diferenciais vectoriais . . . . . . . . . . . . . . . . 171.4.1 O gradiente de uma funcao . . . . . . . . . . . . . . . . 181.4.2 A divergencia de um campo vectorial . . . . . . . . . . 211.4.3 O rotacional de um campo vectorial . . . . . . . . . . . 241.4.4 O Laplaciano de um campo . . . . . . . . . . . . . . . 271.4.5 Consideracoes adicionais . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

1.5 O campo eletrostatico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 301.5.1 Divergencia do campo eletrostatico . . . . . . . . . . . 311.5.2 Rotacional do campo eletrostatico − o potencial . . . . 341.5.3 Distribuicoes de cargas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 371.5.4 Superfıcies de fronteira . . . . . . . . . . . . . . . . . . 391.5.5 Energia eletrostatica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 421.5.6 O dipolo eletrico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 461.5.7 Momento dipolar de uma distribuicao contınua de cargas 491.5.8 O potencial e o campo de um dipolo eletrico ideal . . . 501.5.9 Expansao multipolar do potencial . . . . . . . . . . . . 52

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4 CONTEUDO

1.6 Campos eletricos na materia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 551.6.1 Condutores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 561.6.2 Dieletricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 671.6.3 Pressao e tensao eletrostatica . . . . . . . . . . . . . . 78

1.7 Teorema da unicidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 801.8 Teorema de Helmholtz⋆ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 821.9 Teorema de Earnshawn⋆ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84

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Capıtulo 1

Eletrostatica

1.1 Introducao

E sabido que as cargas eletricas interagem entre si, ainda que estejam afas-tadas umas das outras. A acao a distancia entre corpos que nao estao emcontacto era ja uma dificuldade referida pelo proprio Isaac Newton acerca daforca de atracao gravitacional entre dois corpos distantes. Pois nao e deverasestranho que corpos que estao afastados e sem qualquer contacto exercamum sobre o outro uma forca?!

Esta dificuldade conceptual fundamental deu origem a ideia de campo.Nesta descricao, uma carga eletrica cria algo em todo o espaco em seu re-dor, a que chamamos campo - uma carga eletrica estatica cria um campoeletrostatico. Se outra estiver carga colocada algures num ponto afastadointerage entao com esse campo e fica assim sujeita a uma forca. A interacaodeixa pois de ser a distancia para passar a ser uma interacao local da cargacom o campo que exista na sua vizinhanca imediata.

Um campo medeia portanto a interacao entre os dois corpos (cargas)que estao afastados um do outro, descrevendo-a como um efeito local entrequalquer desses corpos e o campo na respetiva vizinhanca.

Mas, como adiante veremos, o campo e mais que um mero edifıcio con-ceptual, tem mesmo existencia real; tem energia e pode ser perturbado eessas perturbacoes propagam-se atraves do espaco como ondas imateriais,

c© j. pinto da cunha, eletromagnetismo /eletrostatica, universidade de coimbra, 2016.

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6 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

q1

E1 (r ) 2

F2

E1 (r)

r2

F1

q2

r

E2

E

r’

Figura 1.1: A forca de interacao eletrostatica entre duas cargas estaticas, q1 eq2 afastadas uma da outra, resulta da interacao local entre uma carga e o campocriado pela outra nesse ponto, sendo as forcas de interacao F 1 = −F 2. Numqualquer ponto, r, o campo e a soma vectorial dos campos criados por cada umadas cargas.

transportando energia e momento a velocidade da luz. Isto significa que seum corpo mudar de posicao, a consequente alteracao do campo demora al-gum tempo a propagar-se pelo espaco envolvente. Por isso, o outro nao “ve”qualquer alteracao ate que essa perturbacao do campo chegue ate ele.1

As ondas do campo eletromagnetico foram descobertas por Hertz em 1888,cerca de dez anos apos terem sido previstas. Hoje ninguem duvidara quesao reais, tal e o seu impacto na nossa civilizacao. As ondas do campogravitacional foram previstas em 1916 e foram observadas agora, 100 anosdepois (a descoberta foi publicada hoje mesmo!).

Estes princıpios sao gerais, comuns a todas as teorias de campo: as in-teracoes nao sao nem a distancia nem instantaneas - sao locais, entre ascargas/corpos e os campos na sua vizinhanca.

O eletromagnetismo e pois em larga medida o estudo dos campos: - docampo eletrostatico criado por cargas eletricas estaticas; do campo mag-netostatico, devido a correntes estacionarias, e mais fundamentalmente, docampo eletromagnetico associado ao regime variavel (nao estacionario).

E por isso importante saber como caracterizar um campo, pois essa e avia para descrever as interacoes.

1De facto, e mesmo “ver”, pois, como dissemos acima, a perturbacao de um campoimaterial propaga-se a velocidade da luz.

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1.1. INTRODUCAO 7

1.1.1 A lei de Coulomb

E um facto da observacao que duas cargas eletricas pontuais, q1 e q2, sepa-radas pela distancia r12 exercem uma sobre a outra uma forca que decrescecom o quadrado da distancia, em que a forca sobre a carga q2 e

F 2 =1

4πǫ0

q1q2r212

r12 (1.1)

onde r12 = r12r12 e o vector que vai de q1 para q2 (e r12 e o respetivoversor). Na carga q1 atua uma forca exatamente simetrica, F 1 = −F 2.Esta e a conhecida lei de Coulomb, de 1785.2 A constante ǫ0 caracteriza omeio envolvente, que e por hipotese o espaco vazio.

A forca a distancia expressa pela lei de Coulomb, eq. 1.1, resulta de factoda interacao local entre a carga q2 e o campo eletrostatico criado pela cargaq1. Isto significa que a carga pontual estatica, q1, origina no espaco em redor,na posicao r, o campo eletrostatico,

E1(r) =1

4πǫ0

q1r2r (1.2)

onde r = rr e o vector posicao com origem em q1 e r e o respetivo versor(ver fig. 1.1). Estando a carga q2 no ponto r2, ela interage localmente como campo E(r2), criado pela carga q1 nesse ponto r2, originando a forca dainteracao,

F 2 = q2E1 (1.3)

tal como preve a lei de Coulomb da eq. 1.1.Mas a carga q2 tambem cria, ela propria, um campo eletrostatico a volta

dela, E2(r) = 14πǫ0

q2r′2r′ tendo r′ = r′r′ a sua origem na posicao de q2 (ou

seja, r′ = r − r2, na fig. 1.1). Este campo interage localmente com a cargaq1, no sıtio em que ela esta, daı resultando a forca (ver fig. 1.1),

F 1 = q1E2 = −F 2

2A constante de proporcionalidade, 14πǫ0

, tem esta forma estranha para que as equacoesdos campos (mais adiante) tenham estetica mais pura.

Curiosamente, a lei de Coulomb (1785) tem a mesma estrutura que a lei de atracaogravitacional de Newton (1686), entre duas massas m1 e m2; a forca de m1 sobre m2 e

F 2 = Gm1m2

r212r12

e a forca sobre m1 e simetrica, F 1 = −F 2.

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8 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

++ q1 q

2

+ −

a) b)

Figura 1.2: O campo eletrostatico e em cada ponto a soma dos campos criadospor cada uma das cargas (ver eq. 1.2). Um campo vectorial e convenientementerepresentado pelas chamadas linhas de campo - estas linhas sao tangentes aosvectores do campo em cada ponto e dao-nos uma representacao mental da estruturado campo em causa. As linhas de campo divergem sempre das cargas positivas econvergem para as cargas negativas (ou para o infinito). a) Linhas de campo (evectores) do campo criado por duas cargas positivas: q1 e q2 = q1

4 , e b) campo deduas cargas de sinal oposto, q1 e q2 = − q1

4 .

As forcas de interacao que atuam respetivamente numa carga e na outra,sao portanto mutuamente simetricas − ha quem diga que formam um paracao-reacao, ainda que nao seja distinguıvel a acao da reacao, nem existauma antes da outra ou em consequencia dela, como esta designacao parecesugerir.3

O campo criado por uma carga depende certamente das caracterısticasdo espaco envolvente, mormente se e espaco vazio ou se e um meio material.A constante ǫ0 e a permitividade do espaco vazio (que caracteriza o vazio);outro meio tera a sua propria permitividade, ǫ, caracterıstica desse meio.

Se uma terceira carga pontual q3 for trazida para o espaco das duas cargasanteriores, ela interagira com o campo criado por cada uma dessas cargas perse, ficando portanto sujeita a forca F 3 = q3(E1+E2). Isto e, as duas cargas,q1 e q2, criam em cada ponto um campo E = E1 + E2 (ver fig. 1.2). Esteargumento pode ser evidentemente generalizado: - o campo eletrico criado

3Desta reflexao resulta claro que nao ha “auto-acoes”. Isto e, a (inter)acao ocorresempre entre (“inter”) uma carga e o campo local a essa carga, criado pelas demaiscargas. Isto e, o campo criado por uma carga nao atua sobre ela propria, apenas sobre asoutras. Houvesse “auto-acoes” e a natureza seria estranha, totalmente diferente do que e.

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1.2. VECTORES 9

por varias cargas q1, q2, . . . , qN , num determinado ponto do espaco e a soma(vectorial) dos campos de cada uma dessas cargas, per se, E =

∑Ni=1 Ei. Ou

seja, o campo eletrostatico satisfaz o princıpio de sobreposicao; compreende-se que seja assim pois o campo e diretamente proporcional as cargas.

1.1.2 Distribuicoes de cargas

Uma distribuicao de cargas discretas e estaticas cria num ponto r um campoeletrostatico que e, como vimos, a soma vectorial, dos campos criados nesseponto por cada uma das cargas individualmente consideradas, podendo por-tanto escrever-se que (ver fig. 1.3),

E(r) =N∑

i=1

Ei =1

4πǫ0

N∑

i=1

qi

r′′i2 r

′′i , com r′′

i = r − r′i (1.4)

onde r′i e a posicao da carga qi e r′′

i = r − r′i, com i = 1, 2, . . . , N .

Se a distribuicao de cargas for contınua, em cada elemento infinitesimal,dτ , havera uma carga infinitesimal elementar, dq, que cria em seu redor, numcerto ponto, um campo infinitesimal dE (ver fig. 1.3b)). O campo total numponto e a soma, i.e. e o integral, de todas essas contribuicoes infinitesimais,

E(r) =∫

dE =1

4πǫ0

τdτ ′

ρ(r′)

r′′2r′′ , com r ′′ = r − r ′ (1.5)

onde ρ = dqdτ

e a densidade volumetrica de carga, (i.e. a carga por unidadede volume) e dτ ′ = dx′dy′dz′.

No caso geral os campos sao descritos por funcoes vectoriais as quatrovariaveis espacio-temporais, E = E(x, y, z, t). E por isso conveniente reveralguns conceitos fundamentais sobre: i) vectores e sistemas de coordenadas;ii) calculo infinitesimal diferencial e integral; iii) operadores diferenciais vec-toriais e; iv) os teoremas integrais de funcoes vectoriais.

Supor-se-a que, por norma, os campos sao sempre descritos por funcoesbem comportadas, i.e., funcoes regulares, contınuas e de derivadas contınuasem todo o espaco, que convergem para zero no infinito, tao rapidamentequanto o necessario.

1.2 Vectores

Os vectores permitem escrever de forma compacta e conveniente campos vec-toriais e as interacoes que tenham caracter direcional. Importa pois discutir

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10 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

x

y

r’ E

r"

q

i

ri i d

O

i

a)

x

ydq

r’ r E

r"

b)

Oz z

Figura 1.3: O campo eletrostatico. a) a carga qi cria um campo Ei na posicaoidentificada pelo vector de posicao, r. As cargas qi estao estaticas nas posicoesidentificadas por r′i, com i = 1, 2, . . . , N . O campo criado pela distribuicao dascargas discretas no ponto r e pois dado pela soma vectorial, E(r) =

iEi(r′′i ),

onde r′′i = r − r′i; b) numa nuvem contınua de cargas, a carga infinitesimal,dq = ρdτ , situada em r′, cria em r o campo infinitesimal dE(r). O campoeletrostatico criado em cada ponto pela distribuicao contınua de cargas e a somade todos os campos criados por essas cargas infinitesimais, isto e, E(r) =

∫dE(r′′),

onde r′′ = r − r′.

alguns conceitos, em particular o produto escalar e o produto vectorial entredois vectores.

A maneira mais simples (e simplista) de definir um vector talvez seja ade que e uma quantidade com uma direcao e um sentido bem determinados.Qualquer vector escrever-se-a entao como a = aa, isto e, um vector a rep-resenta uma certa quantidade, a, que se expressa numa certa direcao e numsentido especıficos, a, (que e aquele para que aponta esse vector). O versora e pois, especificamente, um vector de modulo (ou norma) 1. Os vectoresescrevem-se habitualmente com caracteres negritos (bold) ou com uma seta;usamos a primeira, a ≡ ~a.

1.2.1 Produto escalar

Sejam os vectores a e b da fig. 1.4. Estes vectores definem um plano se naotiverem a mesma direcao.

O produto escalar (ou interno) entre a e b e definido como o produto dasprojecoes dos vectores na direcao de um deles. Isto e, como se ve na fig. 1.4,

a · b = (a cos θ)b = a(b cos θ) (1.6)

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1.2. VECTORES 11

onde θ e o angulo entre esses vectores. A projecao ortogonal de um vector anuma certa direcao/sentido, x, com a qual faz um angulo ϑ, e portanto

ax = a · x = a cosϑ (1.7)

(a e portanto a projecao de a em a e chama-se por isso componente escalar).Um sistema ortogonal de referencia (ou referencial) que represente o

espaco tem tres direcoes ortogonais (o espaco e tridimensional). Nocaso do sistema de coordenadas cartesianas retangulares essa base dedirecoes/sentidos e constituıda pelos versores {e1, e2, e3} (ou {x, y, z}).4 Abase ser ortogonal significa que a projecao de qualquer desses versores nadirecao de qualquer dos outros e nula, i.e., que

ei · ej = δij ; onde δij =

{

1, se i = j0, se i 6= j

(1.8)

e δij e o sımbolo de Kronecker.Um vector, a, pode ser expresso num determinado sistema ortogonal de

referencia, {e1, e2, e3}, como

a =3∑

i=1

ai ei, onde ai = (a · ei) (1.9)

Com efeito, (a · eℓ) =∑3

i ai ei · eℓ =∑3

i aiδiℓ = aℓ, (cf. eq. 1.8). Um vectore portanto representado pelas suas componentes, ai, referidas aos elementosda base de um referencial.

Ou seja, um vector expressa-se num qualquer sistema de referencia atravesdas suas componentes nesse referencial. Se S e S′ forem dois referenciaisdiferentes, entao esse objeto tera representacoes geralmente diferentes num eno outro,

a =3∑

i=1

aiei =3∑

j=1

a′j e′j

onde ai = a · ei e a′i = a · e′i sao as projecoes nos respetivos eixos de S e S′.Se os vectores a e b tiverem num referencial as representacoes a =

∑3i=1 aiei e b =

∑3j=1 bj ej, entao o seu produto escalar e

a · b =3∑

i=1

aibi

4A notacao varia: {e1, e2, e3} ≡ {ex, ey, ez} ≡ {x, y, z} ≡ {ı, , k}.

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12 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

⊥a

⊥a ⊥ba . b = b = a a b

⊥e

θb

ab

⊥b

a) b)

Figura 1.4: Os produtos escalar e vectorial de dois vectores, a e b. a) o produtoescalar entre a e b e o produto das projecoes dos vectores na direcao de um deles,i.e., a ·b = ab cos θ; b) o vector produto vectorial entre a e b e igual a multiplicacaodas projecoes mutuamente perpendiculares entre um vector e o outro, e tem direcaonormal ao plano formado pelos dois vectores, e o sentido da regra da mao direita,a× b = ab sin θ e⊥; sendo pois a× b = −b× a. O modulo do produto vectorial epois igual a area do paralelogramo que tem os dois vectores por lados.

ja que ei · ej = δij . Ou seja, o produto escalar dos dois vectores e igual asoma dos produtos das componentes respetivas.

1.2.2 Produto vectorial

O produto vectorial (ou externo) entre dois vectores, a e b, e um vector cujanorma e dada pelo produto das projecoes mutuamente ortogonais, de umvector em relacao ao outro; tem direcao perpendicular ao plano formado poresses vectores e o sentido dado pela regra do parafuso (ou da mao direita).Isto e, a×b = ab sin θ e⊥, ver fig. 1.4. Resulta portanto que a×b = −b×a.

E frequente haver necessidade de representar vectores que apontem per-pendicularmente ao plano da pagina de texto, seja de ca para la, ou de lapara ca. E por isso particularmente conveniente definir os versores e⊗ (de capara la) e e⊙ (de la para ca), de que apenas se veem a “cauda” e o “bico” darespetiva seta.

Num Aplicando a definicao de produto vectorial (fig. 1.4) a um referencialortogonal cartesiano (fig. 1.5), tem-se: x × y = z, e z × x = y, e y × z = x.Assim, se a e b tiverem as formas: a = axx+ayy+az z e se b = bxx+byy+bz z,entao

a× b = (aybz − azby)x+ (azbx − axbz)y + (axby − aybx)z

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1.3. SISTEMAS DE COORDENADAS 13

e

e ey

x

z

1

3 2

a

Figura 1.5: Representacao ortogonal de um vector. As projecoes do vector nosistema de eixos sao ai = a · ei , i = 1, 2, 3, onde {ei} sao os vectores/versores dabase do sistema de eixos.

Isto e, o produto vectorial de a e b pode-se escrever na forma de um deter-minante simbolico,

a× b =

∣∣∣∣∣∣∣

x y zax ay azbx by bz

∣∣∣∣∣∣∣

(1.10)

em que a primeira linha tem os versores que compoem a base e as restanteslinhas tem as componentes dos vectores nessa base.

1.3 Sistemas de coordenadas

Um campo e geralmente funcao da posicao no espaco e tem portanto queser descrito em determinado sistema de referencia, que e afinal uma repre-sentacao desse espaco.

Os sistemas de referencia ou de coordenadas podem ser definidos demuitas maneiras diferentes, mais ou menos convenientes consoante a simetriada fısica que se queira descrever.

Os sistemas de referencia mais usuais sao os sistemas ortogonais com: i)coordenadas cartesianas retangulares; ii) coordenadas cilındricas ou iii) co-ordenadas esfericas. Mas ha muitos mais sistemas referencia, que podem ser

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14 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

xz

y

z

x

y

(x,y,z)

r

dy

dzdl

dxdy

Figura 1.6: Coordenadas cartesianas, (x, y, z) e respetivos versores, (x, y, z).

convenientes em casos mais especıficos, citando-se nomeadamente os sistemasde coordenadas elıpticas, parabolicas, bipolares, hiperbolicas, etc...

Qualquer que seja o sistema de referencia em apreco ele tera sempre trescoordenadas (pois o espaco e tridimensional) e a correspondente base deversores, a qual sao referidas quaisquer direcoes/sentido.

Em geral, um campo vectorial e descrito em cada ponto por um vector,que e tem a priori tres componentes independentes. Por isso geralmentesao necessarias tres funcoes em cada ponto do espaco para representar umcampo. No caso do campo eletrico,

E(r, t) = Ex(x, y, z, t)x+ Ey(x, y, z, t)y + Ez(x, y, z, t)z (1.11)

sendo as componentes, Ex, Ey e Ez, funcoes escalares das variaveis do espacoe do tempo (se acaso nao for um campo estatico).

1.3.1 Coordenadas retangulares: (x, y, z)

Nas habituais coordenadas cartesianas retangulares cada ponto e represen-tado por tres variaveis, (x, y, z), e as direcoes do espaco sao referidas a basevectorial, {x , y , z} (ver fig. 1.6).

Um elemento infinitesimal de linha entre dois pontos (x, y, z) e (x+dx, y+dy, z+ dz) tem componentes dℓ = dr = dx x+ dy y+ dz z. Importa tambemreferir que um elemento diferencial de volume e dado pelo produto das tresdiferenciais, nas tres direcoes perpendiculares, dx, dy e dz, i.e., dτ = dx dy dz

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1.3. SISTEMAS DE COORDENADAS 15

ρ

z

ρ

ϕ

ϕ

ϕdρdϕ

ρd

ρd ϕdρ

τd

dz

z

x

y

dz

ρ

z

x

y

ρ

r

dl

r

ϕ ϕ

Figura 1.7: Coordenadas cilındricas, (, ϕ, z) e respetivos versores, (ˆ, ϕ, z). Noteque os versores ˆ e ϕ mudam de direcao de ponto para ponto.

(os volumes nao sao representados pela letra V para nao se confundir com opotencial).

1.3.2 Coordenadas cilındricas: (, ϕ, z)

Cada ponto e representado pelas coordenadas (, ϕ, z), e a base vectorial e{ ˆ, ϕ, z}, em cada ponto (ver fig. 1.7). O angulo ϕ e geralmente referido aoeixo x. Como se pode constatar nessa figura,

=√x2 + y2

ϕ = arctan yx

ze

ˆ = cosϕ x+ sinϕ yϕ = − sinϕ x+ cosϕ yz = z

(1.12)

Neste sistema de coordenadas um qualquer vector, a = ax x+ ay y+ az z,expressa-se na forma a = a ˆ+ aϕ ϕ+ az z. Cada uma das componentes dea e a projecao de a em cada uma das direcoes/sentido de referencia,

a = a · ˆ = ax cosϕ+ ay sinϕaϕ = a · ϕ = ay cosϕ− ax sinϕaz = a · z

As coordenadas cilındricas sao particularmente adequadas para descreverregioes, superfıcies ou volumes, que tenham simetria cilındrica (ou axial).

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16 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

ϕr

ϕ dϕϕdρ

θr d

ϕdρdr

drϕdρ

θr ddτ

z

x

y

z

y

θdθ

θ

x

r

r

ld

ϕ

θ

ϕ ρ

Figura 1.8: Coordenadas esfericas, (r, ϑ, ϕ) e respetivos versores, (r, ϑ, ϕ). Noteque = r sinϑ e que os tres versores mudam de direcao de um ponto para outro.

Nestas coordenadas, um elemento infinitesimal de linha tem a forma, dℓ =dr = d ˆ+ dϕ ϕ+ dz z (ver fig. 1.7). Um elemento de volume e dado peloproduto das componentes de dℓ, sendo neste caso dτ = d dϕ dz.

1.3.3 Coordenadas esfericas: (r, ϑ, ϕ)

Nestas coordenadas cada ponto e caracterizado por uma distancia, r, e doisangulos, ϑ e ϕ. O angulo polar, ϑ, e normalmente referido ao zenite (eixoz)5. Da fig. 1.8 conclui-se que

r =√x2 + y2 + z2

θ = acos zr

ϕ = atan yx

e

r = sinϑ cosϕ x+ sinϑ sinϕ y + cosϑ z

ϑ = cosϑ cosϕ x+ cosϑ sinϕ y − sinϑ zϕ = − sinϕ x+ cosϕ y

(1.13)Um vector a escreve-se neste sistema de referencia como a =

i aiei,onde ai sao as componentes dadas pelas projecoes de a na base vectorial,

ar = a · r; aϑ = a · ϑ; aϕ = a · ϕ5Nota importante: Infelizmente, na matematica e costume usar os sımbolos ϑ e ϕ ao

contrario da fısica e engenharia, porque na matematica se lista primeiro o angulo azimutal,antes do polar. E pois necessario ter cuidado ao consultar bibliografia diversa!

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1.4. OPERADORES DIFERENCIAIS VECTORIAIS 17

isto e, a = ar r + aϑ ϑ+ aϕ ϕ.Como se ve diretamente da figura, os elementos diferenciais de linha, de

superfıcie e de volume sao6

dℓ = dr = dr r + r dϑ ϑ+ r sinϑ dϕ ϕds = r2 sinϑ dϑ dϕdτ = r2 sinϑ dr dϑ dϕ

(1.14)

Estas variaveis aplicam-se com vantagem a problemas com simetriaesferica. Por exemplo, o volume de uma esfera de raio R e o integral (i.e. asoma) dos elementos infinitesimais de volume que o compoem, dτ . Fazendoo varrimento de todos os pontos da esfera: r ∈ [0, R], ϑ ∈ [0, π], ϕ ∈ [0, 2π],tem-se

V =∫

Vdτ =

∫ R

0

∫ π

0

∫ 2π

0r2 sinϑ dr dϑ dϕ =

∫ R

0r2dr

∫ π

0sinϑdϑ

∫ 2π

0dϕ =

4

3πR3

Este calculo e trivial em coordenadas esfericas, mas nao tao trivial noutrascoordenadas quaisquer. A analise das simetrias de uma situacao fısica e aescolha adequada do sistema de coordenadas sao pois sobremaneira impor-tantes para descrever um fenomeno.

1.4 Operadores diferenciais vectoriais

Como vimos, em geral, um campo vectorial requer em cada ponto do espacotres funcoes escalares, uma por cada componente do campo (ver eq. 1.11).Em qualquer outro sistema de coordenadas as componentes do campo saodescritas por funcoes diferentes, mas em princıpio serao tambem necessariastres funcoes em cada ponto do espaco. Porem, se o sistema fısico apresentarsimetria em alguma das coordenadas de um referencial entao o campo naodepende dessa coordenada e uma das funcoes e constante - i.e., sao precisasmenos funcoes. Por isso a ponderacao e escolha do referencial mais adequadoas circunstancias tem importancia capital.

6O fator r2 sinϑ que aqui surge e o jacobiano da transformacao em coordenadas esfericas(em coordenadas cilındricas o jacobiano da transformacao e , como ja vimos). Maisgeralmente, numa transformacao qualquer entre as coordenadas x e as coordenadas u

(tal que: x → u ; tem-se duk =∑

i∂uk

∂xidxi); o jacobiano e o determinante das derivadas

parciais do conjunto das variaveis transformadas em relacao as variaveis iniciais, J =∣∣∣∂uk

∂xi

∣∣∣.

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18 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

��������������������������������

��������������������������������

������������������������������������

������������������������������������

y

dfxO dxdy

y

x

f(x,y)dfdfx

df=df + dfx y

Figura 1.9: A diferencial de uma funcao, f(x, y). Se x → x+dx ⇒ f → f +δxf ;se y → y+dy ⇒ f → f +δyf ; entao quando (x, y) → (x+dx, y+dy), f → f +dfe, portanto, df = δxf + δyf ≈ ∂xf dx+ ∂yf dy.

Ha duas formas principais de representar graficamente um campo vecto-rial: i) desenhando alguns vectores locais, espalhados na regiao de interesse;ou ii) tracando as linhas que uniriam uma mirıade de sucessivos pequenosvectores do campo - formando as chamadas linhas de campo. As linhas decampo sao entao linhas tangentes aos vectores do campo vectorial em cadaponto do espaco (ver fig. 1.2). No seu conjunto formam uma representacaomental muito eficaz de um campo vectorial.

Importa pois descrever as caracterısticas das funcoes de varias variaveis.

1.4.1 O gradiente de uma funcao

Seja uma funcao escalar f(r) = f(x, y, z), onde r = xx+ yy + zz e o vectorposicional de um ponto do espaco. Se a posicao r variar de r → r + dℓ,entao a funcao varia de f → f +df . Isto e, quando {x → x+dx; y → y+dy;z → z + dz}, a diferencial da funcao e

df =∂f

∂xdx+

∂f

∂ydy +

∂f

∂zdz (1.15)

onde ∂f∂x

representa a derivada parcial da funcao em ordem a variavel x (i.e.,quando varia x mas se mantem constantes as restantes variaveis). Ou seja,a variacao da funcao pode-se escrever como a soma das variacoes parciais,quando se varia isoladamente cada uma das coordenadas em sequencia (verfig. 1.9).

Considerando que um elemento infinitesimal de linha tem nestas coorde-nadas a forma, dℓ = dx x + dy y + dz z, e comparando-a com a forma de df

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1.4. OPERADORES DIFERENCIAIS VECTORIAIS 19

na eq. 1.15, reconhecemos de imediato que esta tem a forma de um produtoescalar,

df = (∇f) · dℓ (1.16)

em que

∇f =∂f

∂xx+

∂f

∂yy +

∂f

∂zz

Esta quantidade e o chamado gradiente da funcao, ou gradf ≡ ∇f . Osımbolo ∇, (chama-se nabla), representa pois um operador diferencial vecto-rial, da forma7,

∇ def=

∂xx+

∂yy +

∂zz (1.17)

cuja operacao sobre uma funcao (regular), f , nos da o gradiente dessa funcaoem cada ponto,

∇f =∂f

∂xx+

∂f

∂yy +

∂f

∂zz (1.18)

Mas qual e afinal o significado e que interpretacao tem grad f ≡ ∇f?Como se disse acima, se dr → r+dℓ entao df → f+df . Porem, a quantidadedf depende em geral da direcao de dℓ (ver fig. 1.10). A derivada, df

dℓ, segundo

uma certa direcao/sentido, ℓ, e igual a projecao do gradiente nessa direcao esentido, ja que sendo dℓ = dℓℓ, a eq. 1.16 fica,

df

dℓ= (∇f) · ℓ

Ou seja, o gradiente e portanto a maxima derivada direcional de umafuncao em cada ponto do espaco, i.e., em cada ponto aponta sempre nadirecao em que a funcao varia maximamente a partir desse ponto (verfig. 1.10). A derivada em qualquer outra direcao/sentido e portanto menor,sendo dada pela projecao do vector gradiente nessa direcao/sentido.

7Usaremos daqui em diante, por ser uma notacao mais economica, ∂xf ≡ ∂f∂x , ∂yf ≡ ∂f

∂y ,

∂zf ≡ ∂f∂z , ∂

2xf ≡ ∂2f

∂x2 , etc... O operador nabla tera tambem a forma mais compacta:∇ = ∂x x+ ∂y y + ∂z z.

Dado que o operador ∇ e vectorial dever-se-ia escrever ∇ (ao inves de ∇). Todavia, ∇e um sımbolo distinto e nao resulta ambiguidade por se escrever ∇, e a mancha graficafica mais leve.

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20 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

d l

ff

f

y

x

30

40

20

10

Figura 1.10: Uma funcao escalar, f , pode ser representada por curvas de igualvalor ou de nıvel. O gradiente de uma funcao f , grad f ≡ ∇f , e igual a maximaderivada direcional da funcao em cada ponto; i.e., em cada ponto, aponta nadirecao e sentido em que f cresce mais depressa, i.e., na perpendicular as linhas(ou superfıcies) de equivalor da funcao, em cada ponto.

Teorema do gradiente

Resulta da equacao 1.16 que o integral de uma funcao entre dois pontosquaisquer, a e b, e

∫ b

adf = f(b)− f(a) =

∫ b

a(∇f) · dℓ (1.19)

Este e o chamado teorema do gradiente.

Teorema do gradiente. O integral de caminho do gradiente de uma funcaoentre um ponto e outro e sempre igual a diferenca dos valores da funcaonesses dois pontos (independentemente do caminho).

Com alguma audacia podemos estender os argumentos anteriores e definiroutras operacoes vectoriais envolvendo o operador nabla (∇). Visto que∇ tem caracter vectorial que significado terao operacoes como o “produtoescalar”ou o “produto vectorial”com este operador? Por exemplo, se E(r)e uma funcao vectorial, que significado terao as operacoes ∇ · E e ∇ × E?Consideramos estas questoes a seguir.

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1.4. OPERADORES DIFERENCIAIS VECTORIAIS 21

ds

θn

E

E⊥ds

a)

θ E

E

ds

⊥sd

b)

Figura 1.11: Fluxo de um campo vectorial, E, atraves de uma superfıcie elemen-tar, ds.

1.4.2 A divergencia de um campo vectorial

O fluxo de uma funcao vectorial, E, atraves de um elemento infinitesimal(diferencial) de superfıcie, ds = ds n, onde n e a normal (ver fig. 1.11),define-se como

dΦ = E · n ds

Ou seja, o fluxo de um campo atraves de um elemento infinitesimal de su-perfıcie, ds, e o produto da projecao do campo na direcao normal a superfıcievezes essa superfıcie.8

O fluxo total atraves de uma superfıcie finita, S, e pois igual a somade todos os fluxos infinitesimais sobre toda a superfıcie considerada, Φ =∫

S dΦ =∫

S v · nds.A superfıcie que define a fronteira de um volume e uma superfıcie fechada,

em que estao definidos inequivocamente os lados interior e exterior. Nessecaso, convenciona-se que a normal, n, aponta para fora em cada ponto dasuperfıcie, e isso pode-se fazer sem ambiguidade. Deste modo, fica portantodefinido como positivo o fluxo que sai atraves da superfıcie de um volume ecomo negativo o fluxo que entrar por essa superfıcie. Como e obvio, o fluxototal atraves da superfıcie de um volume e Φ =

S E · nds, onde ∮S designaum integral que se estende sobre uma superfıcie que e fechada.

8Considere-se por exemplo o campo de velocidades de um fluido em movimento, v(r, t).O fluxo deste campo atraves de uma superfıcie, S = Sn, e entao Φ = v · S. Uma analisedimensional elucida-nos quanto ao significado deste fluxo, [Φ] = m/s m

2m3/s, ou seja,

e o volume de fluido que passa atraves de S por unidade de tempo, tendo em conta aorientacao da superfıcie em relacao a v.

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22 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

Seja um elemento infinitesimal de volume, dτ = dx dy dz, na fig. 1.12. Ofluxo que sai atraves das faces desse elemento de volume e (em cada face naponta para fora),

dΦ = Ey(x′, y + dy, z′) dxdz − Ey(x

′, y, z′) dxdz

+Ex(x+ dx, y′, z′) dydz − Ex(x, y′, z′) dydz

+Ez(x′, y′, z + dz) dxdy − Ez(x

′, y′, z) dxdy

onde x′ ≈ x ≈ x + dx2; y′ ≈ y ≈ y + dy

2; e z′ ≈ z ≈ z + dz

2sao posicoes

(inter)medias no volume considerado. Considerando a expansao em serie deTaylor, em relacao a (x, y, x), de cada uma das componentes, tem-se, porexemplo, Ey(y + dy) ≈ Ey(y) + ∂yEy dy, etc... Ou seja, obtem-se,

dΦ = (∂xEx + ∂yEy + ∂zEz) dx dy dz = ∇ ·E dτ (1.20)

(ver eq. 1.17).A divergencia de um campo vectorial define-se como o fluxo que sai pela

superfıcie da vizinhanca de um ponto, normalizada ao volume dessa vizin-hanca, isto e,

divEdef=

dτ= ∇ ·E

Em coordenadas cartesianas a divergencia e portanto

∇ ·E = ∂xEx + ∂yEy + ∂zEz (1.21)

A divergencia, ∇ ·E, e uma funcao escalar que expressa a divergencia docampo vectorial, E, em cada ponto do espaco. Com efeito, se o fluxo queentra na vizinhanca de um ponto for igual ao que sai, entao e porque desseponto nao divergem, nem para esse ponto convergem, vectores de campo comorigem ou terminus nesse volume, e o fluxo total e nulo.

Teorema de Gauss-Ostrogradsky

Considere-se um volume qualquer, finito, τ , constituıdo por elementos in-finitesimais de volume, dτ , que justapostos perfazem o volume completo (verfig. 1.13). A normal a superfıcie (fechada) que delimita dτ aponta para foraem todas as suas microfaces. As microfaces entre dois elementos de volumecontıguos tem por isso normal n ou −n, consoante se referiram a um ele-mento de volume ou ao outro. O fluxo do campo que sai de um elemento

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1.4. OPERADORES DIFERENCIAIS VECTORIAIS 23

E(x,y,z)

z

x

y

dz

dy

dx

Figura 1.12: A divergencia de um campo vectorial E(x, y, z).

de volume, dτj, atraves de uma dessas faces e exatamente o que entra poressa mesma face no elemento de volume seguinte, dτk. Esses dois fluxos saoportanto simetricos, e quando se somam anulam-se mutuamente, porquantodsj = −dsk (ver fig. 1.13). Isto verifica-se em todas as microfaces de con-tacto.

A soma de todos os fluxos do campo atraves de todos os elementos devolume, dτ , e efetivamente a soma de todos os fluxos elementares atraves detodas as microfaces de todos os elementos do volume. Como os elementosde fluxo atraves de microfaces internas se anulam mutuamente, ficam ape-nas os fluxos que saem atraves das microfaces exteriores, que compoem asuperfıcie, S, do volume considerado. Consequentemente, a soma dos fluxosinfinitesimais atraves de todos os elementos dτ de um volume qualquer, τ ,fica reduzida ao fluxo atraves da superfıcie desse volume. Isto e,

dΦ =∮

SE · ds , com ds = ds n

em que n e normal a superfıcie do volume em cada ponto, e aponta para fora(ver fig. 1.13). Assim, dado que da eq. 1.20, dΦ = ∇ ·E dτ , entao

SE · ds =

τ(∇ ·E)dτ (1.22)

Este e o teorema de Gauss-Ostrogradsky.

Teorema da divergencia de Gauss-Ostrogradsky. O integral de volumeda divergencia do campo em cada ponto de um volume e igual ao fluxo docampo que sai atraves da superfıcie fechada que delimita esse volume.

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24 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

��������������������

��������������������

������������������������������

������������������������������

ds

ds

ds

E

sddτ

a) b)

ES τ

dsk

jds

Figura 1.13: A soma de todos os fluxos atraves das superfıcies de todos os ele-mentos de um volume e igual ao fluxo do campo atraves da superfıcie que delimitaesse volume; b) os fluxos atraves de elementos de superfıcie que separam elemen-tos de volume contıguos anulam-se todos mutuamente, pois o fluxo que sai deum elemento de volume τj por uma microface, dsj , entra no elemento contıguo,τk, pela mesma microface. Com efeito, o primeiro e dΦj = E · dsj e o outro edΦk = E · dsk = −dΦj , sendo nula a sua soma.

O teorema anterior e de sobremaneira importante e poderoso porque es-tabelece uma conexao entre as caracterısticas do campo no interior de umvolume e o seu comportamento na superfıcie que delimita esse volume.

Este teorema pressupoe contudo que o campo e uma funcao e bem com-portada em todos os pontos do volume e da superfıcie.

1.4.3 O rotacional de um campo vectorial

O rotacional de um campo vectorial esta, tal como o nome sugere, relacionadocom a rotacao dos vectores do campo quando se passa de um ponto para outroda vizinhanca, i.e. caracteriza a vorticidade desse campo. Esta propriedade eposta em evidencia calculando o integral de circulacao do campo, i.e., fazendoo integral de caminho do campo ao longo de um percurso que seja fechado.

Chama-se integral de caminho, ou de linha, de um campo vectorial, E,ao integral das projecoes desse campo vectorial ao longo de determinadopercurso, desde um certo ponto, a, ate um ponto, b, (ver fig. 1.14)

U =∫ b

aE · dℓ

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1.4. OPERADORES DIFERENCIAIS VECTORIAIS 25

a

bE

dl

Edl

dl

E

E

Figura 1.14: Integral de linha de um campo vectorial E, ao longo de um percursoentre dois pontos a e b, e

∫ ba E · dℓ. Se o campo for conservativo este integral e

uma funcao f(a, b), nao depende do caminho.

onde dℓ e o elemento infinitesimal de linha, tangente em cada ponto aopercurso considerado. O trabalho de uma forca, F , e um exemplo bemconhecido de um integral de caminho, w(a, b) =

∫ ba F · dℓ.

Se os pontos a e b corresponderem a mesma posicao, entao o percurso efechado e o integral de caminho ao longo de tal percurso e um integral decirculacao.

Seja o percurso fechado elementar da fig. 1.15, no plano xy. A circulacaoelementar do campo E = Exx+Eyy+Ez z ao longo desse percurso elementare,

dΓ = Ex(x′, y, z) dx+ Ey(x+ dx, y′, z) dy

+Ex(x′, y + dy, z) (−dx) dx+ Ey(x, y

′, z) (−dy)

onde x′ ≈ x ≈ x + dx2e y′ ≈ y ≈ y + dy

2sao valores medios sobre o percurso

considerado. No limite infinitesimal da aproximacao em serie de Taylor emrelacao a (x, y) fica,

dΓ = (∂xEy − ∂yEx) dx dy (1.23)

Da expressao anterior e da eq. 1.18 conclui-se assim que a circulacao elemen-tar a volta do elemento de superfıcie considerado tem a forma9

dΓ = (∇×E) · z dxdy = (∇×E) · ds (1.24)

9Note que se a e b forem os vectores: a = axx+ay y+az z e b = bxx+ by y+ bz z, entaoa× b = (aybz − azby)x+ (azbx − axbz)y + (axby − aybx)z.

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26 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

E(x,y,z)

nyz

x

x

y−dy

−dx

dy

dx

z

Figura 1.15: Circulacao elementar de um campo vectorial, E(x, y, z).

onde ds = n dxdy, sendo a normal definida de acordo com a regra da maodireita (ou do parafuso), relativamente ao sentido da circulacao.

A funcao vectorial rotE ≡ ∇×E e o chamado rotacional do campo E

em cada ponto do espaco e descreve de que forma rodam os vectores E entrepontos de uma dada vizinhanca. Com efeito, so por causa dessa eventual“rotacao” e que a circulacao do campo ao redor dessa vizinhanca sera naonula.

A conclusao anterior e valida qualquer que seja a superfıcie elementar ds,uma vez que podemos sempre rodar o sistema de eixos ate fazer coincidir zcom a normal local, n. Por conseguinte, podemos concluir que a circulacaoelementar de um campo vectorial, E, no contorno de um qualquer elementode superfıcie, ds, e igual ao fluxo elementar atraves dessa superfıcie,

dΓ = (∇×E) · ds (1.25)

Em coordenadas retangulares a operacao ∇×E tem a forma

∇×E =

∣∣∣∣∣∣∣

x y z∂x ∂y ∂zEx Ey Ez

∣∣∣∣∣∣∣

(1.26)

Esta funcao vectorial, ∇ × E, caracteriza, como se disse, de que forma osvectores do campo rodam (e as linhas do campo E “curvam”) ao passar deum ponto para outro da proximidade (ver fig. 1.17).

Teorema de Stokes

Seja S uma superfıcie qualquer, aberta, constituıda por elementos infinitesi-mais, ds, que justapostos perfazem completamente a superfıcie. Considerem-

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1.4. OPERADORES DIFERENCIAIS VECTORIAIS 27

se as circulacoes elementares do campo E ao redor de todos esses elementosde superfıcie. Imediatamente se ve que as microsuperfıcies contıguas partil-ham linhas de contacto, que sao percorridas sempre num sentido e tambemno outro quando se faz a circulacao de elementos da superfıcie contıguos (verfig. 1.16). Consequentemente, a soma de todas as circulacoes elementaresao redor de todos os elementos superficiais, ds, todas no mesmo sentido decirculacao, e uma soma de parcelas que se anulam mutuamente em todosos elementos de linha internos que separam elementos superficiais contıguos,visto que eles sao sempre percorridos num sentido e tambem no sentido in-verso. Sobram portanto apenas as contribuicoes ao longo dos elementos delinha que perfazem (no seu conjunto) o contorno limite (i.e., o bordo) dasuperfıcie S (ver fig. 1.16). Por conseguinte, a soma de todas circulacoes in-finitesimais feitas sobre a superfıcie S e igual a circulacao ao longo do bordodessa superfıcie, ∫

dΓ =∮

CE · dℓ (1.27)

onde∮

C E ·dℓ e a circulacao do campo no percurso fechado, C, que constituio bordo da superfıcie considerada, S. Dado que dΓ = (∇×E) ·ds, (eq. 1.25),entao ∮

CE · dℓ =

S(∇×E) · ds (1.28)

Este e o teorema de Stokes.

Teorema do Stokes. A circulacao de um campo vectorial num contornofechado, C, e igual ao fluxo do rotacional desse campo atraves de qualquersuperfıcie, S, que seja delimitada por C, se a normal em cada ponto dasuperfıcie apontar segundo a regra da mao direita, com referencia ao sentidoda circulacao.10

O teorema de Stokes pressupoe que o campo e descrito por uma funcaobem comportada em todos os pontos da superfıcie considerada.

1.4.4 O Laplaciano de um campo

O gradiente de uma funcao escalar, f(r), e uma funcao vectorial. A di-vergencia desta ultima e o chamado Laplaciano de f , i.e.,

lap fdef= div(grad f) ≡ ∇ · (∇f) ≡ ∇2f (1.29)

10A restricao quanto a normal resolve a ambiguidade na definicao do sentido da normala uma superfıcie aberta, que a priori tanto pode ser n ou −n.

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28 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

S

C

b)

d dlklj

Figura 1.16: A soma de todas as circulacoes elementares sobre uma superfıcie, S,resume-se a circulacao ao longo do bordo dessa superfıcie; b) percursos elementarescontıguos anulam-se mutuamente.

O Laplaciano e portanto uma operacao nas segundas derivadas de f(r). Daseqs. 1.17 e 1.12 vem, em coordenadas cartesianas,

∇2f = ∂2xf + ∂2

yf + ∂2zf (1.30)

O nome de Laplaciano e uma homenagem a Laplace e a famosa equacao deLaplace, ∇2V = 0, publicada no seu Tratado de Mecanica Celeste em 1799.

Tambem se define o Laplaciano de um campo vectorial. Se um campo E

for expresso em coordenadas cartesianas retangulares, entao, aplicando-lhe oLaplaciano,

E =∑

i

Eiei ⇒ ∇2E =3∑

i=1

∇2Ei ei , com {ei} = {x, y, z} (1.31)

pois neste caso os versores {ei} nao mudam de um ponto para outro - saoconstantes. Ou seja, em coordenadas cartesianas retangulares o Laplacianode um campo vectorial e o vector cujas componentes sao os Laplacianosdas componentes desse campo. Todavia, isso e falso noutros sistemas decoordenadas curvilıneas, e.g. em coordenadas esfericas, porque as direcoesdos respetivos versores variam de ponto para ponto e e necessario deriva-lostambem ao aplicar o Laplaciano.

Pode-se mostrar que, em geral, o Laplaciano de um campo vectorial edado por,

∇2E = ∇(∇ ·E)−∇× (∇×E) (1.32)

sendo esta igualdade valida em qualquer sistema de coordenadas, (verapendice A). Note-se portanto que, em geral, o Laplaciano de um campo

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1.4. OPERADORES DIFERENCIAIS VECTORIAIS 29

G G GG

a) b) c) d)

Figura 1.17: Campos vectoriais:a) campo uniforme: G = κx; ∇ ·G = 0; ∇×G = 0;b) campo radial: G = κr; ∇ ·G = 3κ; ∇×G = 0;c) campo solenoidal: G = κ× r; ∇ ·G = 0; ∇×G = 2κ;d) campo em geral: G = κ× r + cr; ∇ ·G = 3c; ∇×G = 2κ.

vectorial nao e o gradiente da divergencia do campo. So e assim seesse campo for irrotacional.

1.4.5 Consideracoes adicionais

Como se viu nas paginas anteriores, um campo vectorial e descrito por umafuncao vectorial, cujas caracterısticas estao embutidas em propriedades comoa divergencia e o rotacional. A fig. 1.17 ilustra a tipificacao dessas pro-priedades. Se um campo tem rotacional nulo diz-se que e um campo irrota-cional. Por outro lado, um campo com divergencia nula e designado camposolenoidal. Estas caracterısticas dos campos relacionam-se com a fısica queesses campos representam. Como se vera, a divergencia e o rotacional de umcampo sao suficientes para o descrever em qualquer ponto do espaco.

No apendice A listam-se as identidades vectoriais do operador ∇ que saode utilizacao mais comum. Mas importa aqui destacar, pela sua importancia,duas delas em particular:

i) ∇× (∇f) = 0

ii) ∇ · (∇×E) = 0 (1.33)

Estas identidades dizem-nos respetivamente que:

i) o gradiente de uma funcao e um campo irrotacional (tem rotacionalnulo) e;

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30 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

ii) o rotacional de um campo e um campo solenoidal (nao tem divergencia).

Estas duas propriedades sao fundamentais e tem grandes implicacoes.11

Os operadores diferenciais gradiente, divergencia, rotacional e laplacianotem expressoes diferentes nos diversos sistemas de coordenadas. Todavia,representam sempre as mesmas propriedades, independentemente do sistemade coordenadas em que eles sejam expressos.

No apendice A estao reunidas as expressoes dos operadores nos sistemasde referencia considerados, com coordenadas: retangulares, cilındricas eesfericas. No apendice B explica-se como se podem obter as expressoes dessesoperadores em coordenadas curvilıneas. Por ser muito laborioso obter algu-mas destas expressoes, convem te-las por perto, ja que nao e praticavel terque repetidamente as calcular.

1.5 O campo eletrostatico

A situacao mais comum de que trata o eletromagnetismo consiste em rela-cionar as cargas e correntes de uma regiao com os campos que causam.

Helmholtz demonstrou que a divergencia e o rotacional de um camposao suficientes para o definir completamente em qualquer ponto do espaco,contando que as funcoes que descrevem a divergencia e o rotacional tendempara zero no infinito, mais depressa do que com o quadrado da distancia (ver§ 1.8).

Veremos a seguir que o campo eletrostatico e efetivamente descrito porduas equacoes que relacionam respetivamente a divergencia e o rotacionaldo campo com as cargas que o produzem. Por igual razao, o campo mag-netostatico sera tambem descrito por duas equacoes correspondentes (paraa divergencia e o rotacional). O caso mais geral do campo eletromagnetico,que engloba os campos eletrico e magnetico, requer portanto quatro equacoes

11O caracter vectorial de ∇ sugere que as igualdades anteriores sao obvias, ja que umproduto vectorial e sempre normal aos vectores que o compoem. Todavia, ∇ nao e umvector qualquer - e um operador vectorial- e acerca dele nao se pode argumentar como sede um ordinario vector se tratasse.Por exemplo, se ∇ fosse um vector ordinario, quaisquer que fossem f1 e f2, ter-se-ia

sempre ∇f1 × ∇f2 = 0, o que nao e verdade. Tambem nao e verdade que o rotacional deum campo seja necessariamente perpendicular a esse campo: e.g., se B = y x + z entao∇×B = z, sendo B · (∇×B) = −1 6= 0 e portanto ∇×B 6⊥ B.

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1.5. O CAMPO ELETROSTATICO 31

z

O

y

qi

i

Ei

r’

rr"i

ds⊥

x

sd

ds

Figura 1.18: Lei de Gauss da eletrostatica. O fluxo do campo da carga qi atravesdo elemento ds da superfıcie S e igual ao fluxo atraves de ds⊥ = ds · E.

diferenciais - as chamadas quatro equacoes de Maxwell. Nos termos do teo-rema de Helmholtz, nao sao necessarias mais.

1.5.1 Divergencia do campo eletrostatico

Seja um conjunto de cargas eletricas pontuais e estaticas colocadas numespaco vazio, a volta das quais imaginamos estar uma superfıcie imaginaria,fechada, S. O campo eletrostatico criado pelo conjunto das N cargas numponto r e dado pela lei de Coulomb, onde as posicoes das cargas qi saoidentificadas pelos vectores posicionais, r′i, (ver fig. 1.18),

E(r) =N∑

i=1

Ei =1

4πǫ0

N∑

i=1

qi

r′′i2 r

′′i

onde r′′i = r − r′

i, com r′′i = r′′r′′i .

O campo criado pela carga qi em r e Ei =1

4πǫ0

qir′′i2 r′′i = Eir

′′i . O fluxo de

Ei atraves do elemento de superfıcie ds = ds n e portanto dΦi = Ei r′′i · ds =

Ei ds⊥, onde ds⊥ = r′′i2 sinϑ′′

i dϑ′′i dϕ

′′i (ver fig. 1.18). Por conseguinte, o fluxo

de Ei atraves de ds e

dΦi =1

4πǫ0

qi

r′′i2 r

′′i2sinϑ′′

i dϑ′′i dϕ

′′i

O fluxo total de Ei atraves de toda a superfıcie fechada, S, e portanto

Φi =qi

4πǫ0

∫ π

0

∫ 2π

0sinϑ′′

i dϑ′′i dϕ

′′i

︸ ︷︷ ︸

=qiǫ0

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32 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

Por conseguinte, o fluxo do campo E que sai atraves de toda uma superfıciefechada (imaginaria), S, que encerra um conjunto de N cargas, e

SE · ds =

1

ǫ0

N∑

i=1

qi (1.34)

ou seja, e proporcional apenas as cargas que estao dentro da superfıcie.Outras cargas localizadas fora da superfıcie S nao contam para o fluxo docampo que a atravessa. Se existirem criam campo certamente, mas a suacontribuicao para o fluxo total em S e nula. Esta e a lei de Gauss da elet-rostatica.

Lei de Gauss da eletrostatica. O fluxo do campo eletrico que sai atravesde uma superfıcie imaginaria, fechada, arbitraria, e igual a soma das cargasque estao dentro dessa superfıcie a dividir pela permitividade do meio em quese insere.

A lei de Gauss permite calcular o campo eletrostatico de forma muito ex-pedita em casos com elevada simetria, em que se possa perceber a priori queo campo nao depende de alguma variavel ou tem determinada direcao. Nessecaso pode-se escolher uma superfıcie conveniente sobre a qual o campo naovarie, podendo entao extrair-se o campo para fora do integral de superfıcie,e calcula-lo trivialmente.

Todavia, o interesse da equacao de Gauss esta sobretudo no seu grandealcance teorico, por se tratar de uma equacao mais geral que a lei de Coulombde que partimos, a qual so e valida no caso estritamente estatico.

Distribuicoes contınuas - equacao de Gauss

Se as cargas eletricas estiverem distribuıdas pelo espaco numa nuvemcontınua, entao na vizinhanca de cada ponto ha uma carga infinitesimal,dq = ρdτ , onde ρ = ρ(r) = dq

dτe a densidade volumetrica de carga, que no

caso estatico e uma funcao da posicao. A lei de Gauss, eq. 1.34, escreve-seentao como,

SE · ds =

1

ǫ0

τρ dτ (1.35)

onde o integral de volume compreende todos os pontos interiores a superfıcieS. O teorema da divergencia de Gauss-Ostrogradsky, diz-nos porem que

SE · ds =

τ(∇ ·E) dτ (1.36)

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1.5. O CAMPO ELETROSTATICO 33

e portanto, consequentemente,

τ

(

∇ ·E − ρ

ǫ0

)

dτ = 0 , (1.37)

Esta igualdade integral e valida qualquer que seja o volume, τ , consider-ado. Por conseguinte, como este integral de volume e identicamente nulo,independentemente dos limites de integracao que se considerem, entao, nec-essariamente, a funcao integranda deve ser, ela mesma, identicamente nulaem todos os pontos desse volume. Isto e, em qualquer ponto do volume,tem-se

∇ ·E =ρ

ǫ0(1.38)

Esta e a equacao diferencial de Gauss do campo eletrostatico, em cada pontodo espaco. E tambem conhecida como primeira equacao de Maxwell.

A equacao 1.38 diz-nos claramente que i) as cargas sao fontes do campoeletrostatico; ii) que emergem linhas de campo de cada ponto onde ρ > 0,onde a divergencia sera sempre positiva e; ii) que onde for ρ < 0 entao∇ ·E < 0, e que portanto ha linhas de campo que se extinguem onde ρ < 0.Por outras palavras: - as linhas do campo eletrostatico “nascem” nas cargaspositivas e “morrem” nas negativas (ver fig. 1.2).

A lei de Gauss assume portanto duas formas:

i) a forma integral, (eqs. 1.34 e 1.35), que relaciona o fluxo do campoatraves de uma determinada superfıcie fechada, macroscopica, com ascargas que se encontram no seu interior e;

ii) a forma diferencial, (eq. 1.38), que relaciona, em cada ponto do espaco,a divergencia do campo com a densidade de cargas nesse ponto.

Ambas as formas anteriores descrevem porem a mesma lei fısica - sao versoesda mesma lei - pois uma decorre da outra e vice-versa.

Esta dualidade entre equacoes diferenciais e integrais do campo encontra-se tambem noutras leis do campo eletromagnetico, as quais podem apresentarquer a forma de uma equacao diferencial local ou a forma de uma equacaointegral sobre uma regiao finita.

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34 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

1.5.2 Rotacional do campo eletrostatico − o potencial

O campo eletrostatico criado pela carga pontual qi da fig. 1.18 e, como vimos,

Ei =qi

4πǫ0

r′′ir′′i

2 =qi

4πǫ0

(r − r′

i)

(r − r′

i)3, com r′′ = r − r′

i (1.39)

Conclui-se sem esforco que, sendo Ei radial a partir da posicao de qi, entao∇×Ei = 0, (ver fig. 1.17).

Com efeito, como r e r′i sao variaveis independentes (o sıtio onde se quer

saber o campo nao tem relacao com os sıtios onde estao as cargas) e vistoque r′′

i = r−r′i, entao as derivadas em ordem a r sao iguais as derivadas em

ordem a r′′i . Isto e, ∇×Ei = ∇′′×Ei, onde ∇′′ = (∂x′′

i, ∂y′′

i, ∂z′′

i) e o operador

nabla em relacao as variaveis r′′i = (x′′

i , y′′i , z

′′i ). Mas, como o campo e radial

na variavel r′′i , entao ∇′′ × Ei = 0, porque um campo radial e irrotacional

(ver fig. 1.17).12

O campo criado por uma distribuicao discreta de N cargas e E =∑N

i=1 Ei

e por conseguinte, ∇×E =∑N

i=1 ∇×Ei = 0. Se a distribuicao for contınuao rotacional e tambem nulo, evidentemente. Conclui-se assim que o campoeletrostatico e necessariamente irrotacional, quaisquer que sejam as cargas,

∇×E = 0 (1.40)

O campo eletrostatico e portanto descrito em cada ponto pelo par de equacoesdiferenciais,

{

∇ ·E = ρǫ0

∇×E = 0(1.41)

Nos termos do teorema de Helmholtz estas equacoes sao suficientes, nao saonecessarias mais (mas faltam ainda as condicoes de fronteira).

O facto de o campo eletrostatico ser irrotacional em todos os pontos e damaior importancia e tem consequencias fundamentais. Com efeito, o teoremade Stokes diz-nos que

CE · dℓ =

S(∇×E) · ds

12Querendo poderemos tambem calcular explicitamente ∇ × Ei e verificar que o rota-cional e de facto nulo. Por exemplo, em coordenadas cartesianas a eq. 1.39 tem a forma

Ei = qi4πǫ0

(x−x′

i)x+(y−y′

i)y+(z−z′

i)z

[(x−x′

i)2+(y−y′

i)2+(z−z′

i)2]

32

e e facil concluir que ∇ × Ei = 0. Mas, como o

campo Ei e radial em (x′′

i , y′′

i , z′′

i ), e ainda mais simples fazer este calculo em coorde-nadas esfericas, pois o campo so depende de r′′i .

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1.5. O CAMPO ELETROSTATICO 35

Visto que ∇×E = 0, entao a circulacao de qualquer campo eletrostatico aolongo de qualquer percurso fechado, C, e sempre nula,

CE · dℓ = 0 (1.42)

Um consequencia direta deste facto e que o integral de caminho do campoeletrostatico entre dois pontos quaisquer nao depende do caminho escolhidopara ir de um ao outro.13 Um campo com estas caracterısticas e um campoconservativo.

O potencial eletrostatico

Visto que ∇ × E = 0 e, visto que o gradiente de qualquer funcao escalar,f , e sempre irrotacional, ∇ × (∇f) = 0, (eq. 1.33), entao todo o campoeletrostatico pode ser escrito na forma,

E = −∇V (1.43)

onde V = V (r) e a funcao potencial escalar, ou simplesmente potencial.Ou seja, por outras palavras, e condicao suficiente para que o rotacional docampo seja nulo em cada ponto que ele seja o gradiente de uma funcao, pois∇ × (∇V ) = 0. O sinal negativo na eq. 1.43 e uma mera convencao, temo proposito de que o campo eletrostatico aponte no sentido dos potenciaisdecrescentes e, portanto, no sentido oposto ao gradiente em cada ponto (istopermite mais adiante associar V a energia potencial).

Qualquer campo vectorial, E, que seja irrotacional (∇ × E = 0) podeportanto ser descrito pelo gradiente de uma funcao escalar. O facto de sepoder descrever o campo atraves de uma unica funcao escalar constitui umavantagem matematica importante: - com uma unica funcao escalar descreve-se o que normalmente requer tres funcoes escalares correspondentes as trescomponentes vectoriais do campo.

O teorema do gradiente, (eq. 1.19), permite transformar a equacao difer-encial 1.43 numa equacao integral. Com efeito, o integral de caminho da

13Dois pontos, a e b, marcados sobre o um percurso fechado, C, dividem-no em dois

trocos, (1) e (2) Dado que∮

CE ·dℓ = 0, entao fica 0 =

CE ·dℓ =

∫ b

a,(1)E ·dℓ+

∫ a

b,(2)E ·dℓ =

0. Ou seja,∫ b

a,(1)E ·dℓ = −

∫ a

b,(2)E ·dℓ =

∫ a

b,(2)E ·(−dℓ) =

∫ b

a,(2)E ·dℓ. Consequentemente,

o integral de caminho do campo eletrostatico do ponto a para o ponto b nao depende docaminho escolhido, se e (1) ou (2) ou outro qualquer - o campo eletrostatico e portantoconservativo.

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36 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

funcao V entre quaisquer dois pontos do espaco, a e b, e, (atendendo aeq. 1.16, dV = ∇V · dℓ),

∫ b

aE · dℓ = −

∫ b

adV = V (a)− V (b)

Isto e, o integral de caminho do campo eletrostatico nao depende do caminhoescolhido, e somente funcao das posicoes inicial e final desse percurso,

V (a)− V (b) =∫ b

aE · dℓ (1.44)

Esta equacao integral corresponde a equacao diferencial E = −∇V .

Se tomarmos a equacao E = −∇V e adicionarmos a V uma constante,tal que V → V + const, obtem-se o campo E = −∇(V + const) = −∇V .Ou seja, o campo eletrostatico (que e o campo fısico) e insensıvel a soma dequalquer constante ao potencial. Por consequencia: - a funcao potencial, aque corresponde determinado campo, e sempre definida em qualquer ponto amenos de uma constante.

A caracterıstica anterior esta tambem patente na eq. 1.44, a qual se podepor na forma,

V (r) = V (b) +∫ b

rE · dℓ (1.45)

o que significa que V (r) e definido a menos da constante V (b). Mas adiferenca de potencial entre dois pontos nao depende de nenhuma constante.

Se a distribuicao de cargas estiver confinada a uma regiao finita do espaco,como geralmente acontece, sera vista de qualquer ponto do infinito como ummero ponto, o que significa que V (∞) =constante. Esta constante nao temsignificado particular e pode ser absorvida fazendo V (∞) = 0, nesse casoV (r) =

∫∞r E · dℓ.

Equacoes de Laplace e Poisson

Combinando as equacoes 1.38 e 1.43, obtemos uma equacao que relacionadiretamente as cargas com os potenciais em cada ponto,

∇2V = − ρ

ǫ0(1.46)

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1.5. O CAMPO ELETROSTATICO 37

E a equacao de Poisson (Poisson 1813). No caso particular em que ρ = 0,esta equacao transforma-se na equacao de Laplace,14

∇2V = 0 (1.47)

A equacao de Poisson (e a de Laplace) e uma equacao de grande im-portancia para o calculo dos campos porque e uma equacao escalar. A suaresolucao permite em princıpio calcular o potencial e, a partir dele, o campoeletrostatico criado por quaisquer distribuicoes de cargas. Problemas compli-cados, com pouca ou nenhuma simetria, geralmente resolvem-se integrandonumericamente a equacao de Poisson (Laplace).

Em qualquer caso, a solucao da equacao tem que satisfazer as condicoesde fronteira do problema em causa. Discutiremos essa questao mais adiante.

1.5.3 Distribuicoes de cargas

A escala atomica as cargas eletricas mais elementares que hoje se conhecemsao todas discretas. Todas elas se materializam em multiplos de ±e, emque e e a carga de um eletrao (os quarks tem carga fraccionaria mas naoexistem isolados). Todavia, a escala macroscopica faz sentido considerar querdistribuicoes discretas de cargas (i.e. de cargas enumeraveis), quer tambemdistribuicoes contınuas de cargas, em que estas se distribuem continuamente,seja ao longo de uma linha, ou sobre uma superfıcie ou num volume (verfig. 1.19). E costume designar as correspondentes densidades por λ = dq

dℓ,

σ = dqds

e ρ = dqdτ, respetivamente.15 Todas as cargas (estaticas) criam campos

eletrostaticos.Como vimos, o campo eletrostatico de uma distribuicao contınua de car-

gas pode-se escrever como uma sobreposicao de campos coulombianos. Se ascargas se distribuırem num volume τ , com densidade ρ(r′), entao o campoeletrostatico que elas criam num posto r, fazendo r′′ = r′′r′′ = r − r′, e (verfig. 1.3),

E(r) =1

4πǫ0

τ

ρ(r′)

r′′2r′′ dτ ′ =

1

4πǫ0

τρ(r′)

(

−∇ 1

r′′

)

dτ ′ (1.48)

14A equacao de Laplace aparece no tratado de Mecanica Celeste de Laplace sobre ocampo gravitacional, em 1799. Poisson generalizou esta equacao em 1813, tendo obtido aque ficou conhecida como equacao de Poisson.

15No sistema SI de unidades tem-se pois λ [C/m], σ [C/m2] e ρ [C/m

3].

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38 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

qi

ri

Ei

dl

Edr σds

r dE

a) b) c) d)

ρ

r Ed

Figura 1.19: Distribuicoes de cargas discretas e contınuas: a) sobre uma linha;b) sobre uma superfıcie; c) num volume; com densidades λ = dq/dℓ, σ = dq/ds eρ = dq/dτ , respetivamente.

ja que16

∇ 1

r′′= − r′′

r′′2(1.49)

note-se que r e r′ sao variaveis independentes. Por conseguinte, tem-seefetivamente E = −∇V , com

V (r) =1

4πǫ0

τ

ρ(r ′)

|r − r ′| dτ′ + const. arbitraria (1.50)

Ou seja, o potencial de uma distribuicao de cargas tambem pode ser es-crito como uma sobreposicao dos potenciais coulombianos associados acada elemento de carga, dq = ρdτ . A constante e determinada fixandoo potencial num ponto. Mas se as cargas nao tiverem extensao infinita,(limr′→∞ ρ(r′) = 0), pode-se absorver a constante fazendo V (∞) = 0, comose disse.

No caso mais geral, em que haja cargas no volume e tambem na superfıcie,o campo e evidentemente,

E(r) =1

4πǫ0

τ

ρ(r ′)

r′′2r′′ dτ ′ +

1

4πǫ0

S

σ(r ′)

r′′2r′′ ds′ (1.51)

16Em coordenadas cartesianas, r − r ′ = (x− x′)x+ (y − y′)y + (z − z′)z, portanto

∇ 1

|r − r ′| = ∂x

(

1√

(x− x′)2 + (y − y′)2 + (z − z′)2

)

x+ ∂y

(1

· · ·

)

y + ∂z

(1

· · ·

)

z

= −(

1

· · ·

)−3/2

[(x− x′) x+ (y − y′) y + (z − z′) z] = − r − r ′

|r − r ′|3

Ou seja, ∇ 1r′′ = − r′′

r′′2.

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1.5. O CAMPO ELETROSTATICO 39

O potencial correspondente e portanto,

V (r) =1

4πǫ0

τ

ρ(r ′)

r′′dτ ′ +

1

4πǫ0

S

σ(r ′)

r′′ds′ + const. arbitraria (1.52)

1.5.4 Superfıcies de fronteira

As equacoes que descrevem o campo eletrostatico sao, como vimos atras,

{

∇ ·E = ρǫ0

∇×E = 0(1.53)

O teorema de Helmholtz garante que estas duas equacoes sao suficientes paracalcular E, de forma unica. Todavia, percebe-se que esta descricao nao estacompleta, pois falta nas equacoes anteriores qualquer referencia ao efeitodevido a distribuicoes superficiais de cargas. Isto sugere que em superfıciesnas quais haja cargas superficiais17, as relacoes 1.53 nao funcionam: - ouestao incompletas ou sao insuficientes. Com efeito, o teorema de Helmholtzpresume que a funcao e regular em todo o espaco, mas isso nao se verificaem superfıcies carregadas.

Seja, por hipotese, uma superfıcie Ψ na qual existe uma distribuicaosuperficial de cargas, σ (ver fig. 1.20). Suponha-se, por hipotese, que ocampo eletrico e descontınuo ao longo de toda essa superfıcie. Nesse caso,as equacoes diferenciais, eqs. 1.53, nao se aplicam nos pontos da superfıcieΨ, pois as derivadas de E sao aı infinitas. Todavia, as equacoes integraisdo campo sao validas, pois nada obsta a que pontos da superfıcie Ψ estejamenglobados nos respetivos integrais. Isto e, nessa regiao,

SE · ds =

∑q

ǫ0(1.54)

CE · dℓ = 0 (1.55)

Vejamos agora o que se passa na vizinhanca de Ψ. Comecemos por designar n,a normal a superfıcie Ψ, em cada ponto (ver fig. 1.20). Se nos aproximarmosde Ψ, primeiro pelo lado para que aponta a normal n e depois pelo ladooposto, obtemos limites, E+ e E−, que sao supostamente diferentes, pois

17As distribuicoes lineares nao sao geralmente tratadas explicitamente.

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40 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

n

+EE_ +E

E_n

h

sd+++

+++++

+

++

+

+++ ++ ++++

++

++ +

++++Ψ

Ssd

+

σΨ

σlh

Figura 1.20: Superfıcie de fronteira do campo eletrostatico, Ψ, sobre a qual, porhipotese, o campo E e descontınuo. O vector n e normal a superfıcie em cadaponto; o vector E+ e limite de E na vizinhanca da superfıcie Ψ, do lado parao qual aponta n; E− e o limite de E, quando nos aproximamos de Ψ pelo ladooposto a n.

o campo e, por hipotese, descontınuo em Ψ. Ou seja, na vizinhanca de Ψ,quando h → 0, tem-se (ver fig. 1.20)

limh→0

SE · ds = n · (E+ −E−)S =

σS

ǫ0

Isto e,

n · (E+ −E−) =σ

ǫ0(1.56)

Isto significa que E⊥+ − E⊥

− = σǫ0, onde E⊥

+ = n · E+ e E⊥− = n · E− sao

as componentes do campo perpendiculares a superfıcie Ψ, de cada lado. Ouseja, de facto, se σ 6= 0 ⇒ E⊥

+ 6= E⊥− . A componente do campo eletrico

normal a uma superfıcie e descontınua se/onde a superfıcie tiver cargas.Por outro lado, a circulacao de E e sempre nula, independentemente do

percurso. Num percurso fechado, C, constituıdo por dois trocos de compri-mento δℓ, paralelos a superfıcie a certa distancia, h, um de cada lado, ligadosentre si em dois pontos da superfıcie (ver fig. 1.20), obtem-se, no limite emque h → 0,

limh→0

CE · dℓ =

(

E‖+ −E

‖−

)

· δℓ = 0

onde E‖+ e E

‖− sao as componentes do campo tangentes a superfıcie Ψ, de

cada lado da superfıcie e δℓ e o vector de linha paralelo a superfıcie. Defacto, decompondo E+ = E⊥

+ +E‖+, e evidente que E⊥

+ · dℓ = 0 e o mesmo

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1.5. O CAMPO ELETROSTATICO 41

para E⊥−. Visto que o percurso, C, e qualquer, δℓ e um vector arbitrario da

superfıcie, sem qualquer relacao com o campoE‖±, pelo que, necessariamente,

E‖+ = E

‖−. Ou seja, a componente do campo eletrostatico que e tangente a

superfıcie Ψ e sempre contınua, independentemente das cargas que possamexistir nessa superfıcie. Dado queE⊥

+ = (E+·n)n, entaoE+ = (E+·n)n+E‖+

e, portanto, n×E+ = n×E‖+; o mesmo se diz de E−. Consequentemente,

em qualquer ponto da superfıcie tem-se

n× (E+ −E−) = 0 (1.57)

Ha portanto duas condicoes de fronteira que condicionam as componentesde qualquer campo eletrostatico em qualquer superfıcie com cargas,

{

divSE = n · (E+ −E−) =σǫ0

rotSE = n× (E+ −E−) = 0(1.58)

as quais por vezes se designam, respetivamente, como divergencia superficial eo rotacional superficial, dada a semelhanca formal com as respetivas equacoesno volume.

Em suma, as equacoes que descrevem o campo eletrostatico sao portanto,{

∇ ·E = ρǫ0

∇×E = 0com as cond. fronteira

{

divSE = σǫ0

rotSE = 0(1.59)

As condicoes de fronteira, representadas por divSE e rotSE, devem ser sat-isfeitas em todas as superfıcies em que haja cargas distribuıdas.

Apesar de o campo eletrico ser descontınuo em superfıcies com cargas,o potencial deve ser sempre uma funcao contınua. De contrario, o campoE = −∇V teria que ser infinito nos pontos em que houvesse descontinuidadede V , o que e fisicamente inaceitavel.

Todavia, as condicoes de fronteira do campo E tem implicacoes naderivada do potencial. As condicoes de fronteira do potencial sao pois,

{

V+ = V−; (i.e., a funcao V e contınua)∂nV )+ − ∂nV )− = − σ

ǫ0

(1.60)

onde ∂nV ≡ ∇V · n e a derivada de V na direcao normal a superfıcie, de cadalado da superfıcie, ja que E⊥

± = − (∇V · n)± ≡ − ∂nV )±. Estas condicoesde fronteira sao fundamentais para quando se obtem o potencial a partir daresolucao das equacoes de Laplace e de Poisson; qualquer solucao valida temque satisfazer a estas condicoes.

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42 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

1.5.5 Energia eletrostatica

A diferenca de potencial entre dois pontos quaisquer, a e b, e como se viuna eq. 1.44, V (a) − V (b) =

∫ ba E · dℓ. Se as cargas nao se estenderem ate

infinito, entao o potencial V (∞) e uma constante e pode ser eliminada semprejuızo, fazendo-a nula, ja que V (r) = V (∞) +

∫∞r E · dℓ, (§ 1.4.3).

Sejam duas cargas pontuais q1 e q2, ambas positivas, localizadas em r1

e r2, respetivamente (ver fig. 1.21). A carga q1 cria um campo E, que naposicao da carga q2 e E(r2) =

q14πǫ0

r12r212

, com r12 = r2−r1. A carga q2 interage

com o campo nesse ponto e fica sujeita a forca F 2 = q2E(r2). Por sua vez, acarga q1 sente a forca F 1 = q1E(r1) = −F 2 ao interagir com o campo de q2.

Fixemos por hipotese a carga q1 e deixemos livre a carga q2. Esta ultimaafastar-se-a entao ate infinito por acao da forca eletrica, a qual nesse processorealiza o trabalho18 w(r2 → ∞) =

∫∞r2

F 2 · dℓ = q2V (r2) = q2V2, onde V2 =V (r2). Se finalmente libertarmos q1 ela permanecera imovel no mesmo lugar,por nao ter outra carga com que interagir. Nestas circunstancias, libertou-se,sob a forma de trabalho, toda a energia que estava armazenada como energiapotencial no sistema eletrostatico das duas cargas (i.e., libertou-se a energiaem potencia que estava no sistema).

Porem, se ao inves tivessemos libertado primeiro q1, mantendo q2 fixa,so depois libertando esta, entao o trabalho realizado seria w(r1 → ∞) =∫∞r1

F 1 · dℓ = q1V (r1) = q1V1. Nesse caso tambem se teria libertado toda aenergia do sistema das duas cargas. Ou seja, a energia do sistema de duascargas e

U = q1V1 = q2V2 =1

2(q1V1 + q2V2) (1.62)

O argumento anterior e generalizavel para uma distribuicao de N cargaspontuais, {qk}, k = 1, 2, . . . , N (ver fig 1.21). A energia potencial que se

18Se uma partıcula se move por forca do campo, realiza-se trabalho, que sera feitoa expensas do decrescimo de energia potencial da partıcula nesse campo. Isto e, numpercurso infinitesimal, dℓ, o trabalho realizado e dw = F · dℓ; a energia potencial baixa dedU = −F ·dℓ e a energia cinetica tem um incremento de dEk = dw = F ·dℓ. Por isso, naohavendo atrito, d(Ek + U) = 0, e portanto a energia mecanica, E = Ek + U , e constante.

Quando a partıcula se move de a para b, como dU = −F · dℓ, a diferenca de energia

potencial e pois, obviamente, Ua − Ub =∫ b

aF · dℓ; isto e,

Ua − Ub = q(Va − Vb) (1.61)

Ha pois uma relacao simples entre a diferenca de potencial e a diferenca de energia poten-cial.

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1.5. O CAMPO ELETROSTATICO 43

O

r1

2r

q1

q2

F

F

1

2

a) b)

ri

qi

qk

rik

rk

O

Figura 1.21: a) interacao eletrostatica entre duas cargas, q e q′; b) interacaoeletrostatica as cargas de uma distribuicao de cargas.

liberta com o afastamento da carga qk ate ao infinito e Uk = qkVk, onde Vk eo potencial na posicao inicial da carga qk, devido as outras cargas todas (quepermanecem fixas),

Vk =1

4πǫ0

N∑

i=1

i 6=k

qirik

(1.63)

sendo rik = |ri − rk| = rki a distancia entre as cargas qi e qk. Por conseguinte,a energia eletrostatica associada a carga qk no sistema das N cargas e

Uk =1

4πǫ0

N∑

i=1

i 6=k

qiqkrik

=N∑

i=1

i 6=k

Uik (1.64)

onde Uik e a energia potencial do par (qj, qk). Ou seja, a energia poten-cial associada a cada carga qk e a soma das energias potenciais de todos ospares formados entre essa carga e cada uma das outras que constituem adistribuicao.

Por conseguinte, a energia potencial da distribuicao de cargas e igual asoma das energias de todos os pares de cargas, (qi, qk), que a constituem.Isto e, como ha N/2 pares de cargas e rik = rki, entao U = 1

2

ik Uik, comi 6= k. Isto e, como Uik = 1

4πǫ0

qiqkrik

, (i 6= k), entao a energia da distribuicao epois,

U =1

4πǫ0

1

2

ik

i 6=k

qiqkrik

=1

2

k

qkVk (1.65)

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44 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

A eq. 1.62 e um caso particular desta expressao.19

Os argumentos anteriores tambem podem ser aplicados a uma distribuicaocontınua de cargas, com densidade volumetrica, ρ = dq

dτ. A energia elet-

rostatica dessa distribuicao e portanto,

U =1

2

τρV dτ (1.66)

onde o integral se estende a todo o volume ocupado pelas cargas. Note-se,porem, que este integral pode abranger todo o espaco ate infinito, porqueevidentemente ρ = 0 em todos os pontos fora do volume ocupado por cargas.

Visto que ρ = ǫ0∇·E, entao a equacao anterior fica, U = ǫ02

τ (∇·E)V dτ .Considerando a identidade vectorial, ∇ · (EV ) = (∇ · E)V + ∇V · E, (verapendice A), e o facto de o integral poder ir ate infinito, tem-se

U =ǫ02

{∫

τ∇ · (EV )dτ −

τ∇V ·E dτ

}

=ǫ02

S(EV ) · ds

︸ ︷︷ ︸

ց0

+ǫ02

τE2 dτ

De facto, como o volume abarca todo o espaco ate infinito, e como, pordefinicao, o infinito e equidistante de qualquer ponto, entao S e de facto umaesfera de raio infinito. Ou seja, vista a partir do infinito qualquer distribuicaode cargas tem a dimensao de um ponto e, nesse limite assimptotico em quer → ∞, o campo e E ∼ 1

4πǫ0r2, e o potencial e V ∼ 1

4πǫ0r. Consequentemente,

limr→∞

SEV ds ∼ lim

r→∞

∫ π

0

∫ 2π

0

1

r3r2 sin θ dθ dφ = lim

r→∞

1

r= 0

Conclui pois que

U =∫

τ

ǫ02E2dτ (1.67)

Esta equacao diz-nos que a energia eletrostatica esta distribuıda pelo espacocom uma densidade de energia eletrostatica, uE = dU

dτ,

uE =ǫ02E2 (1.68)

19Como se esta a ver, U 6= ∑

k Uk, pois a distribuicao altera-se a cada carga que seafaste para infinito. Apos ter saıdo uma carga a energia libertada com a retirada de umaoutra carga e menor do que Uk, que e calculada quando ainda la estao as cargas todas.

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1.5. O CAMPO ELETROSTATICO 45

Isto e, o campo eletrostatico tem energia − a energia esta onde houver campo,distribuıda com uma densidade que e proporcional ao quadrado do campoem cada ponto.

O facto de a energia variar quadraticamente com o campo tem a con-sequencia de que se a carga duplicar em todos os pontos, o campo duplica emtodo o espaco, mas a energia quadruplica. Isto e, o princıpio de sobreposicaonao se aplica a energia eletrostatica, relativamente as cargas.

Vemos assim que, relativamente a energia de um sistema de cargas, sepodem ter duas perspectivas: a de que se trata de energia potencial dascargas e a de que se trata de energia do proprio campo. Porem, no contextoda eletrodinamica constata-se que os campos tem efetivamente energia e queha propagacao de energia numa onda eletromagnetica.

Energia de cargas pontuais⋆

Em retrospectiva podemos ver o que parece ser uma contradicao nos argu-mentos que nos conduziram a conclusao de que o campo tem energia. Osargumentos que foram esgrimidos baseiam-se em consideracoes acerca da en-ergia potencial de interacao entre as cargas, mas concluiu-se no fim que essaenergia esta afinal no campo. Porem, este simples facto implica, por si so,que uma carga, unica e isolada no mundo, que nao interage com nada, tenhaenergia apenas por criar um campo eletrostatico em seu redor. Assim sendo,as eqs. 1.65 e 1.68 nao podem descrever a mesma quantidade fısica. Masporque?!

O facto e que na distribuicao contınua de cargas em baseamos os argu-mentos nao ha cargas isoladas. A energia e a da interacao eletrostatica entretodos os elementos infinitesimais da distribuicao de carga. As eqs. 1.66 e 1.68descrevem ambas a energia de sistemas contınuos, em que nao cabem car-gas isoladas. Ao queremos agora aplicar a eq. 1.68 ao campo de uma cargapontual, finita e isolada, esta-se efetivamente a contar a energia de interacaoentre as partes infinitesimais que constituem essa carga, na circunstancia emque as temos todas concentradas num ponto. Nao deve pois surpreender queessa energia de infinito! De facto, a eq. 1.68 preve para uma carga pontual,q, a energia U = q

8π2ǫ0

∫∞0

1r4dτ = ∞ (!).

Em ultima instancia, a dificuldade em aplicar a eq. 1.68 a cargas pontuais,advem de se estar a tentar aplicar o calculo infinitesimal a um ponto, sabendo-se ser inconcebıvel decompor um ponto em elementos infinitesimais!

Temos pois que concluir que o facto de se atribuir energia ao campo

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46 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

eletrico e inconsistente com a ideia da existencia de cargas pontuais. Naverdade, a teoria classica nao se aplica em escalas muito pequenas, pois haprocessos que nao considera. Esse e o domınio da eletrodinamica quantica.As cargas pontuais sao portanto, frequentemente, um embaraco conceptual,difıcil de lidar.20

1.5.6 O dipolo eletrico

Um dipolo eletrico elementar e constituıdo por duas cargas simetricas, +qe −q, fisicamente separadas, cuja distancia de separacao assumiremos con-stante, por ora (ver fig. 1.22). O momento dipolar, p, e um vector que edefinido como o produto entre a carga q e o vector ℓ, que vai da carga neg-ativa para a carga positiva, p = qℓ. Esta definicao revelar-se-a muito util(e.g., na analise de moleculas polares, etc...).

Se o dipolo for colocado numa regiao em que haja um campo eletrico, orespetivo momento dipolar orientar-se-a na direcao desse campo, tal como aagulha magnetica de uma bussola (que e de resto um dipolo magnetico) seorienta no campo magnetico da Terra.

A interacao de um dipolo eletrico com um campo assume particularrelevancia no contexto da analise do comportamento dos materiais ditosdieletricos. De facto, ver-se-a mais adiante que e essencialmente devido aessa interacao dipolar que os meios materiais dieletricos tem propriedadesdiferentes das do espaco vazio.

20Ademais, como e possıvel que a eq. 1.68 seja sempre positiva se e uma consequenciadireta das eqs. 1.66 e 1.65 e estas nao sao necessariamente positivas?Na verdade, analisamos em (§ 1.5.5) a energia de interacao entre duas cargas pontuais

positivas, q1 e q2, que se repelem, sendo nesse caso U > 0. Porem, se essas cargas fossemuma positiva e a outra negativa, e.g., se q1 < 0 e q2 > 0, entao U < 0. Essas cargas mover-se-iam entao uma em direcao a outra, tornando incontornavel a questao dos infinitos dateoria. Nesse caso, o trabalho da forca eletrica realizado durante a aproximacao das cargas

seria w = 14πǫ0

∫ 0

r0

q1q2r212

r12 · dℓ = 14πǫ0

∫ 0

r0

q1q2r212

dr12 = ∞. Todavia, e evidente que a energia

que se liberta quando q1 e q2 se encontram nao e infinita! Essa energia, sabemo-lo, e iguala variacao de energia potencial do sistema das duas cargas, ∆U = Uf − Ui, entre o inıcioe o fim do processo. Porem, assim que as cargas se encontrem, ficamos apenas com umacarga (se |q1| = |q2| fica carga nenhuma), carga essa que, deste ponto de vista classico, temenergia de interacao nula por nao ter com quem interagir, i.e., Uf = 0. Por consequencia, aenergia libertada no processo e ∆U = −Ui, finita e positiva. Nesta acepcao a contradicaoa que se aludiu e afinal aparente.

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1.5. O CAMPO ELETROSTATICO 47

F

F

r

r

E

E

+

q

O

θ

θ

+

c’

b’

c

b

+

a

qa’

+

b)a)

q

p

q

l

Figura 1.22: a) O dipolo eletrico; b) interacao do dipolo com um campo eletrico,E.

Binario de forcas sobre um dipolo eletrico

Seja uma regiao do espaco na qual existe um campo eletrico uniforme, E.Se um dipolo eletrico elementar for posicionado nessa regiao as cargas que oconstituem vao interagir com esse campo e ficar sujeitas as forcas F = qE eF = −qE (ver fig. 1.22). O dipolo fica pois sujeito a um binario de forcas,que eventualmente o fara rodar na direcao (e sentido) do campo e alinhar-secom ele. Se cada carga tiver massa (todos os corpos tem alguma massa),entao, devido a inercia, o dipolo oscilara em torno da direcao do campo, senao perder energia.21

O momento das forcas que atuam no dipolo, p, posto na presenca de umdeterminado campo E, e pois (ver fig. 1.22)22

τ =∑

i

τ i = r+ × qE + r− × (−q)E = ℓqE sin θ e⊙

Isto e,

τ = p×E (1.69)

(nao confundir este τ com um volume)

21A rotacao do dipolo depende contudo de este poder trocar energia com a vizinhanca.Este aspecto e muito relevante a escala atomica, nomeadamente em sistemas de ressonanciamagnetica nuclear (RMN).

22Note-se que este campo e alheio ao dipolo, i.e., o campo E nao e devido as cargasdesse dipolo.

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48 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

Energia potencial de um dipolo eletrico

Como se viu, um dipolo, na presenca de um campo, fica sujeito a um binariode forcas que o faz eventualmente alinhar com a direcao daquele. Esse movi-mento faz variar a energia potencial do dipolo.

Na fig. 1.22, se o dipolo rodar um angulo θ em relacao a direcao do campo,as cargas vao, respetivamente, da posicao a para a posicao b e de a′ para b′. Avariacao de energia potencial e U(θ)−U(θ = 0) = q(Va−Vb)+(−q)(Va′−Vb′).Considerando que a diferenca de potencial entre os pontos a e b e Va − Vb =∫ ba E · dℓ =

∫ bc Edz = E(b − c), e que Va′ − Vb′ = E(b′ − c′) = −E(b − c),

entao U(θ)− U(0) = 2qE (b− c). Porem, b− c = ℓ2(1− cos θ), pelo que

U(θ)− U(0) = qEℓ(1− cos θ) = pE − pE cos θ

Como esta igualdade se tem que verificar para qualquer angulo, θ, entao,necessariamente,

U(θ) = −p ·E (1.70)

com U(0) = −pE. Ou seja, como e evidente, a energia e mınima quando odipolo se alinha no sentido do campo.

Forca sobre um dipolo eletrico

Se o campo que existe na vizinhanca do dipolo nao for uniforme, i.e., se forE = E(r), entao as forcas que atuam sao ligeiramente diferentes numa cargae na outra. Consequentemente, a forca total sobre o dipolo nao e exatamentenula: F = F+ + F− = q(E+ −E−) = qδE. Visto que E =

i Ei ei, entao

δE =∑

i

δEiei =∑

i

[ (∇Ei) · ℓ ] ei , com |ℓ| ≪ 1 (1.71)

(considerou-se que, na pratica, que ℓ ≪ 1 e usou-se a definicao do gradientede uma funcao, δf = ∇f · δℓ). Nessa circunstancia,

F = p ·∑

i

∇Ei ei = (p · ∇)E (1.72)

Ou seja, se o campo eletrico nao for uniforme, mas tiver um gradiente nadirecao do dipolo, entao a forca total que atua sobre ele nao e nula. Nestecaso, o dipolo fica sujeito quer a uma forca quer e a um binario de forcas.Estas consideracoes sao particularmente relevantes quando se trate de meiosmateriais, nomeadamente materiais dieletricos polarizados em que o campovarie muito rapidamente com a posicao, caso em que se podem desenvolverno seu seio tensoes mecanicas de monta.

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1.5. O CAMPO ELETROSTATICO 49

++ +

++

+

+ +++++

l

+

Or−

r+

Figura 1.23: Distribuicao dipolar eletrica.

1.5.7 Momento dipolar de uma distribuicao contınua

de cargas

Os conceitos anteriores acerca de um dipolo elementar aplicam-se tambem adistribuicoes de cargas, as quais podemos associar um momento dipolar.

Seja a distribuicao contınua de cargas da fig. 1.23, cuja densidadevolumetrica e ρ(r). Trata-se de uma distribuicao manifestamente as-simetrica, em que o centro geometrico das cargas positivas nao coincidecom a posicao media das cargas negativas. Cada par infinitesimal de cargas(+dq,−dq) define um dipolo elementar infinitesimal, dp = dq ℓ. O momentodipolar total da distribuicao e a soma de todos os dipolos presentes nessadistribuicao, e obtem-se neste caso integrando sobre todos os pares de cargas(+dq,−dq) presentes na distribuicao; o que e equivalente a somar/integrarapenas sobre as cargas positivas (ou so sobre as negativas). Assim,

p =∫

dp =∫

τ(q>0)

dq

dτℓ dτ =

τ(q>0)

ρ(r+ − r−)dτ

pois ℓ = r+ − r−. Isto e,

p =∫

τρ r dτ (1.73)

Este integral estende-se a todas as cargas, quer as positivas quer as negativas,e r refere-se a posicao de cada uma dessas cargas23, nas posicoes descritaspor r.

23Se a distribuicao fosse discreta, em vez da eq. 1.73, ter-se-ia p =∑

i qiri. O dipoloelementar constituıdo por duas cargas e um caso particular desta expressao, pois ficap = qr+ + (−q)r− = q(r+ − r−) = qℓ.

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50 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

A expressao anterior parece sugerir que p fica a depender da origem decoordenadas. Todavia, a origem das coordenadas nao e relevante para adefinicao do momento, se for nula a soma de todas as cargas da distribuicao.De facto, nessa circunstancia, uma translacao da origem do sistema de coor-denadas nao altera o momento dipolar da distribuicao, pois se

r → r +R =⇒ p →∫

dτρr +R

dτρ = p

Isto e, se a carga total da distribuicao for nula, entao o respetivo momentodipolar nao esta referido a nenhum sistema de referencia particular24.

1.5.8 O potencial e o campo de um dipolo eletrico ideal

O caso com mais interesse e o do dipolo ideal. Um dipolo e ideal se a distanciaentre as cargas desse dipolo for infinitesimal comparativamente a distancia aque ele e observado.

Vimos acima que um dipolo eletrico interage com um campo eletricoexterior, e que ha uma energia potencial associada a essa interacao. Mas umdipolo tambem origina, ele proprio, um campo eletrico em seu redor, que naose confunde com o referido na seccao anterior.

O potencial

O dipolo da fig. 1.24 cria a sua volta um campo eletrostatico de Coulomb, quese pode obter convenientemente a partir do respetivo potencial. O potencialem cada ponto e, (ver eq. 1.50),

V (r) =1

4πǫ0

(

q

r′′+− q

r′′−

)

(1.74)

onde se ve que r′′+ = r+ − r′ e r′′

− = r− − r′. Fazendo, r′′± = r − r′

±, entaor′′2± = r′′

± · r′′± = r2 + r′2± − 2r · r′

±, e portanto,

1

r′′±=

1

r

1 +

(

r′±r

)2

∓ 2r′±r

cos θ

− 12

(1.75)

24Se a distribuicao for assimetrica, com mais cargas de um sinal que doutro, o momentodipolar dessa distribuicao depende da origem de coordenadas. Havera nessa circunstanciaum referencial em relacao ao qual o momento dipolar e nulo.

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1.5. O CAMPO ELETROSTATICO 51

− q

y

+q

V(

θ r"_

+r"

r’+

_r’

r

r)ê

êθ

r

x

z

Figura 1.24: O potencial de um dipolo eletrico elementar.

Na aproximacao de dipolo ideal tem-se, r′

r≪ 1; podemos por isso de-

sprezar o termo quadratico e aproximar a raiz quadrada aos primeiros termosda serie de Taylor, (1∓ x)−1/2 ≈ 1± x

2, com x ≪ 1. Nestas condicoes,

1

r′′±≈ 1

r

(

1± r′±r

cos θ

)

(1.76)

e portanto,

V (r) =q

4πǫ0r

2r′+ cos θ

r

ou seja,

V (r) =1

4πǫ0

p · rr2

, para r ≫ 1 (1.77)

Conclui-se portanto que o potencial eletrostatico de um dipolo decresce com∼ 1

r2, ou seja, muito mais depressa que o potencial de uma carga pontual,

que diminui com ∼ 1r).

O campo

O campo devido a um dipolo eletrico pode ser calculado pela soma vectorialdos campos de cada uma das cargas. Contudo, e mais simples calcula-lo apartir do potencial, atraves da relacao E = −∇V .

Assim, calculando o campo E em coordenadas esfericas, a partir daeq. 1.77 obtem-se as seguintes componentes,

Er = −∂rV =2p cos θ

4πǫ0r3

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52 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

Eθ = −1

r∂θV =

p sin θ

4πǫ0r3

Eϕ = − 1

r sin θ∂ϕV = 0

isto e,

E(r, θ) =p

4πǫ0r3

(

2 cos θ r + sin θ θ)

(1.78)

O campo eletrostatico criado por um dipolo eletrico ideal decresce portantocom o cubo da distancia, ∼ 1

r3, i.e., muito mais depressa que o campo de

uma carga pontual.

Linhas do campo

Esta e uma boa oportunidade para calcular analiticamente as linhas de campode um dipolo ideal, dado pela eq. 1.78, e que estao representadas na fig. 1.25.As linhas de campo sao, como se disse no inıcio, linhas tangentes a E emcada ponto. Por conseguinte, cada elemento de linha de campo, dℓ, e tal queE × dℓ = 0, em cada ponto. No caso vertente, dℓ = dr r+ rdθ θ e, portanto,fazendo explicitamente o produto vectorial, conclui-se que dr

rdθ= 2 cos θ

sin θ, ou

seja, drr

= 2cotan θ dθ. Integrando esta expressao obtem-se a famılia decurvas que representam as linhas de campo,

r(θ) = κ sin2 θ

onde κ e uma constante de integracao arbitraria. Estas curvas estao repre-sentadas na fig. 1.25, para varios valores de κ.

1.5.9 Expansao multipolar do potencial

Seja uma nuvem de carga localizada num determinado volume, cuja cargatotal e Q. Pretende-se mostrar que o potencial devido a esta distribuicao decargas, em pontos afastados da regiao onde essas cargas se localizam, podeser descrito como uma soma de contribuicoes elementares de importanciaprogressivamente decrescente, na forma:

distribuicao = 1 carga pontual + 1 dipolo + 1 quadrupolo + 1 octopolo + · · ·

Isto e, ha uma serie perturbativa que produz um efeito que e equivalente adistribuicao das cargas, em pontos afastados da distribuicao.

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1.5. O CAMPO ELETROSTATICO 53

E

_

+

_

+

a) b)

Figura 1.25: Linhas de campo de um dipolo eletrico elementar: a) na regiaoproxima (dipolo real) e b) em pontos muito afastados (dipolo ideal).

A expressao geral do potencial devido a distribuicao e (cf. § 1.5.3)

V (r) =1

4πǫ0

∫ dq

r′′=

1

4πǫ0

∫ ρ(r ′)

r′′dτ ′ (1.79)

(onde r ′ e posicao das cargas; r ′′ e a distancia destas ao ponto referenciadopor r; sendo r′′ = r − r′, (ver fig. 1.3)). Tem-se,

r′′2 = r′′ · r′′ = r2 + r′2 − 2r · r′ (1.80)

ou seja, r′′ = r

1 +(r′

r

)2 − 2 r′

rcosα = r

√1 + ξ, com ξ =

(r′

r

)2 − 2 r′

rcosα,

onde α e o angulo entre r e r′.Em pontos afastados da distribuicao de cargas, tal que r ≫ r′, pode-se

expandir a raiz quadrada em serie de Taylor, em potencias de ζ = r′

r, com

ζ ≪ 1, ficando

1

r′′=

1

r(1 + ξ)−

12 ≈ 1

r

(

1− 1

2ξ +

3

8ξ2 − 5

16ξ3 + · · ·

)

=1

r

{

1− 1

2ζ2 + ζ cosα +

3

8

(

ζ4 + 4ζ2 cos2 α− 4ζ3 cosα)

− 5

16

(

ζ6 − 8ζ3 cos3 α + 12ζ4 cos2 α− 6ζ5 cosα)

+ · · ·}

Rearranjando as parcelas em potencias de ζ fica

1

r′′=

1

r

{

1 + ζ cosα + ζ21

2

(

3 cos2 α− 1)

ζ31

2

(

5 cos3 α− 3 cosα)

+ · · ·}

=1

r

1 +

(

r′

r

)

P1(cosα) +

(

r′

r

)2

P2(cosα) +

(

r′

r

)3

P3(cosα) + · · ·

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54 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

onde os coeficientes Pn(cosα) sao os polinomios de Legendre25.

Por conseguinte, a eq. 1.79 pode ser decomposta na serie,

V (r) =1

4πǫ0

{1

r

ρ(r ′) dτ ′ +1

r2

ρ(r ′)r′ cosα dτ ′ +

+1

r3

(· · ·) dτ ′ + 1

r4

(· · ·) dτ ′ + · · ·}

(1.81)

Esta e a expansao multipolar do potencial em potencias de 1r. O primeiro

termo desta serie tem a forma 1r

ρ dτ ′ = Qre corresponde ao potencial de

um monopolo (como se todas as cargas estivessem no centro geometrico danuvem). O segundo termo, cuja forma e 1

r2

ρ r′ cosα dτ ′ = 1r2

ρ r′r · r′dτ ′ =1r2

ρ r ·r ′dτ ′ = p·r

r2, e portanto o potencial de um dipolo, onde p =

ρ r ′ dτ ′

e o momento dipolar da distribuicao de cargas (ver eq. 1.73). O terceirotermo, que e proporcional a 1

r3, e o chamado termo quadrupolar. Seguem-se

o termo octopolar, proporcional a 1r4, hexapolar, etc...

Para valores de r suficientemente elevados, a serie anterior converge rap-idamente, e o potencial pode ser calculado com precisao sucessivamentemais elevada, acrescentando-lhe parcelas cada vez vemos importantes, ateser atingida a precisao requerida.

Na fig. 1.26 representa-se pictoricamente a expansao do potencial de umadistribuicao de cargas, em pontos afastados dessa regiao.

Ha duas formas principais de representar graficamente um campo vecto-rial: i) desenhando alguns vectores locais, espalhados na regiao de interesse;ou ii) tracando as linhas que uniriam uma mirıade de sucessivos pequenosvectores do campo - formando as chamadas linhas de campo. As linhas decampo sao pois linhas tangentes aos vectores do campo vectorial em cadaponto do espaco.

25Os primeiros cinco polinomios de Legendre sao:

P0(x) = 1P1(x) = xP2(x) =

12 (3x

2 − 1)P3(x) =

12 (5x

3 − 3x)P4(x) =

18 (35x

4 − 30x2 + 3)P5(x) =

18 (63x

5 − 70x3 + 15x). . .Estes coeficientes surgem amiude na solucao da parte angular da equacao diferencial deLaplace em coordenadas esfericas.

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1.6. CAMPOS ELETRICOS NA MATERIA 55

������������

������������

++ += +

+ + + + ...

+ + + +

+

+

+

+

+

−+ +

+

+

+

−−

−−−−

Figura 1.26: Representacao pictorica dos termos da expansao multipolar do po-tencial de uma distribuicao de cargas. Em pontos afastados da distribuicao,ela e aproximadamente a) um monopolo (V ∼ 1/r), b) mais termos dipolares(V ∼ 1/r2), c) mais termos quadrupolares (V ∼ 1/r3), d) mais termos octopolares(V ∼ 1/r4), mais etc...

1.6 Campos eletricos na materia

Ate agora tratamos essencialmente dos campos no vazio. Todavia, importaanalisar de que forma os campos se alteram na presenca de objetos materiais.A maioria dos materiais entra numa de duas grandes classes: i) os condutorese ii) os dieletricos. Analisaremos ambos separadamente por serem distintasas suas propriedades. Posteriormente poderemos tambem analisar aquelesmateriais que sendo dieletricos tem tambem uma certa condutividade.

Todos os materiais tem cargas eletricas na sua constituicao − cargaspositivas (nos nucleos atomicos) e cargas negativas (nos eletroes das nuvensatomicas e moleculares)26. Porem, do ponto de vista desta discussao, pode-mos ignorar que essas cargas sao discretas na escala quantica e em geraltrata-las como parte de distribuicoes contınuas de carga.

Um material neutro que contenha tantas cargas positivas quantas as neg-ativas, se estiverem uniformemente distribuıdas no volume, nao constitui perse fonte de campo eletrico. A escala macroscopica tudo se passa como se omaterial nao contivesse cargas algumas, e fosse ρ = 0 em todo o seu volume.

Porem, mesmo este material pode interagir com um campo eletrico queexista localmente. Sob a acao desse campo as cargas do material deslocar-se-ao se puderem: as positivas sao puxadas no sentido do campo, as negativasem sentido contrario, sendo esse efeito mais ou menos significativo consoanteas caracterısticas do material.

26Ignoram-se as cargas dos constituintes subnucleares

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56 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

O que distingue os materiais do ponto de vista eletrico e essa respostaa um campo exterior. Se o campo apenas fizer deslocar levemente o centroda nuvem eletronica relativamente ao nucleo atomico de cada atomo, semque contudo as cargas se movam livres pelo material, estamos perante ummaterial dieletrico. Se, porem, as cargas se moverem livremente em respostaao campo externo, entao e porque o material e um bom condutor.

Em qualquer caso, a separacao das cargas positivas relativamente as neg-ativas, origina per se um campo eletrico, o qual tera sempre sentido opostoao do campo externo aplicado, que motivou a separacao. Consequentemente,o campo efetivamente existente dentro do material e sempre menor do que ocampo aplicado externamente; isto e, as cargas concorrem sempre para baixaro campo dentro do material, num grau que depende das suas caracterısticas.O campo reduz-se proporcionalmente ao grau de separacao entre as cargaspositivas e negativas, atingindo o valor mais baixo (zero) nos condutoresideais, por estes terem muitas cargas e elas se poderem mover livrementedentro deles. No interior dos materiais dieletricos (nao condutores) o camporeduz-se devido a da polarizacao dos dipolos, mas nao se anula.

1.6.1 Condutores

Os materiais condutores sao meios que contem cargas livres. Trata-se deeletroes fracamente ligados as nuvens eletronicas, que efetivamente nao per-tencem a nenhum atomo em particular, mas ao coletivo e que, por isso, sepodem mover mais ou menos livremente atraves do material.27 Para o quenos interessa, consideraremos que os materiais condutores sao ideais, nosentido em que constituem reservatorios inesgotaveis de cargas livres.28

Estudaremos por ora apenas condutores em equilıbrio eletrostatico, i.e.,ja em condicoes estacionarias, apos todas as cargas estarem paradas, emequilıbrio estatico (estado este que se atinge nos bons condutores em apenas∼ 10−18 s).

27No caso de fluidos condutores, eletrolitos ou plasmas, as cargas livres incluem tambemioes que se podem difundir atraves do meio.

28A aproximacao de condutor ideal assenta no facto de o numero de eletroes livres deum condutor ser muito grande. Com efeito, 1 grama ∼ 1 mole ≃ 6.022× 1023 atomos. Onumero de eletroes livres numa amostra de material condutor e assim uma fracao de umnumero da ordem de 1023 eletroes por grama, pois so uma fracao dos eletroes sao eletroeslivres; p.ex., o cobre tem ∼ 0.85 × 1023 eletroes livres por cm3. Este e um numero taoverdadeiramente gigantesco que justifica a razoabilidade da aproximacao de condutor ideal(por comparacao, a idade do Universo e so ∼ 1010 anos!).

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1.6. CAMPOS ELETRICOS NA MATERIA 57

Como vimos, do ponto de vista macroscopico, apenas temos de nos ocuparda carga efetivamente existente no material. Isto e, onde for igual a densidademedia de protoes e de eletroes dir-se-a que nao ha cargas ou que e nula asua densidade, pois so a diferenca pode criar campos em escalas superiores aescala atomica.

Suponhamos a priori, por hipotese, que um condutor e ideal e esta neutroe em equilıbrio eletrostatico. Se o campo eletrico no interior desse condutorfosse diferente de zero, entao as cargas livres existentes no seu seio mover-se-iam sob a acao desse campo. Isso, porem, significaria que ele nao estava afinalem equilıbrio eletrostatico, contrariando a hipotese (reductio ad absurdum).Consequentemente, o campo eletrico e sempre nulo em todo o volume de umcondutor ideal em equilıbrio eletrostatico.

A conclusao anterior significa tambem que o potencial e constante emtodos os pontos de um condutor ideal em equilıbrio eletrostatico, pois, comoE = −∇V e E = 0, entao V = constante, necessariamente. Ou seja, ocondutor e uma regiao equipotencial a um potencial bem definido. Paraalem disso, como dentro dele E = 0, entao ρ = ǫ0∇ · E = 0. Isto e, adensidade efetiva de carga eletrica e sempre nula dentro de um condutorideal em equilıbrio eletrostatico.

Se um condutor ideal for colocado numa regiao em que ha um campoeletrico externo, as cargas livres mover-se-ao para a superfıcie desse condutorate que o equilıbrio eletrostatico se (r)estabeleca e o campo seja nulo em todoo interior. Portanto, havendo campo no exterior de um condutor, haveracertamente cargas induzidas na sua superfıcie que, em equilıbrio, impedemque o campo entre no condutor. Este processo transiente e muito rapido.O teorema da unicidade (ver § 1.7) diz-nos que esse arranjo superficial decargas e o unico que torna isto possıvel.

Decorre dos argumentos anteriores que no equilıbrio eletrostatico, havendocampo eletrico no lado exterior a superfıcie do condutor, ele deve ser sem-pre perpendicular a essa superfıcie, em cada ponto. Doutro modo, as cargassuperficiais mover-se-iam ao longo da superfıcie sob acao da componentetangencial do campo, o que configuraria uma situacao de nao-equilıbrio,contraria a hipotese. Portanto, em equilıbrio, o campo superficial so temcomponente normal.29

29Porem, geralmente este campo normal nao e suficiente para arrancar as cargas dasuperfıcie. As cargas nao saltam para fora da superfıcie do condutor (excepto se o campofor muito elevado) porque ha uma barreira de energia de superfıcie que e necessario vencer.Todavia, aquecendo o material, algumas cargas adquirem energia termica suficiente para

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58 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

Em suma, em qualquer condutor ideal em equilıbrio eletrostatico:

i) E = 0 em todo o volume;

ii) ρ = 0 em todo o volume;

iii) V e uma constante em todo o volume;

iv) E e normal a superfıcie em cada ponto.

Um condutor ideal carregado com uma certa carga total, Q, atinge oequilıbrio quando essa carga se distribuir toda na superfıcie, de tal modoque o campo no interior se anule (situacao em que nao havera entao cargaefetiva no volume, na perspetiva macroscopica). De facto, se por um instanteinjetassemos uma carga algures no volume do condutor, entao o campo queela criaria faria deslocar cargas livres, (o condutor ideal e uma fonte in-esgotavel dessas cargas), ate ser atingido novo equilıbrio eletrostatico emque o campo fosse nulo no interior e este estivesse efetivamente sem cargas(pois a carga injetada seria anulada pelas cargas livres). Este transiente emuito rapido, ∼ 10−18 s, podendo-se portanto considerar instantaneo parafrequencias abaixo de GHz.

Cavidades

O campo eletrico tambem e nulo no volume de uma cavidade de um condutorse o condutor estiver em equilıbrio eletrostatico e a cavidade nao contiverquaisquer cargas. De facto, se houvesse campo dentro da cavidade ele teriaque ser criado por cargas localizadas a superfıcie dessa cavidade, ja que nocondutor propriamente dito nao ha campo eletrostatico e portanto cargas,como vimos. As linhas desse campo teriam entao que comecar em cargaspositivas e terminar em cargas negativas da superfıcie da dita cavidade, (verfig. 1.27). O integral de caminho do campo feito ao longo de uma dessaslinhas de campo seria necessariamente ou positivo ou negativo, consoante ocaminho fosse no sentido do campo ou no sentido contrario. Em todo o caso,seria definitivamente nao nulo, ja que dℓ ‖ E em todos os pontos do percurso

saltar − este e o chamado efeito termoionico, muito usado nos tubos de raios catodicosde televisoes e osciloscopios da geracao anterior. Tambem se extraem cargas da superfıcieprojetando luz sobre ela, dando as cargas superficiais energia suficiente para que possamdeixar a superfıcie. Este efeito fotoeletrico foi descoberto por H. Hertz em 1887 e esta nabase dos dispositivos CCD dos equipamentos de imagem e vıdeo do presente.

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1.6. CAMPOS ELETRICOS NA MATERIA 59

e, portanto, seria Va − Vb =∫

C E · dℓ 6= 0. Porem, isto e absurdo porquecontradiz o facto de o condutor ter que ser equipotencial, e portanto Va = Vb.Consequentemente, nao pode haver nem campo na cavidade, nem cargas asua superfıcie:

Teorema. O campo eletrostatico e nulo dentro de qualquer cavidade semcargas de um condutor em equilıbrio eletrostatico.

Cargas induzidas

Se a cavidade do condutor contiver cargas, essas cargas criam um campo nointerior dessa cavidade e induzem cargas induzidas na superfıcie da mesma.Porem, o campo eletrostatico continuara sendo nulo em todo o volume docondutor propriamente dito, como antes. Aplicando a lei de Gauss a umasuperfıcie arbitraria imaginaria, que envolva totalmente a cavidade, conclui-se imediatamente que a soma das cargas induzidas presentes na parede dacavidade e necessariamente simetrica da carga total que exista no seu interior(ver fig. 1.27).

Se este condutor estiver neutro, isso significa que havera uma quantidadede cargas igual a da cavidade, distribuıda na parede exterior do condutor.Estas cargas superficiais sao induzidas pelas cargas que estao dentro da cavi-dade, e so existem porque elas la estao.30 Ou seja, apesar do campo sernulo no interior do condutor, a presenca de cargas na cavidade origina in-diretamente um campo na regiao exterior ao condutor, que e criado peladistribuicao das cargas induzidas localizadas na sua superfıcie. Todavia, essadistribuicao superficial e independente da forma da distribuicao de cargas nointerior da cavidade. Isto e, a distribuicao de carga na superfıcie exteriordo condutor e a mesma que ele teria se nao tivesse nenhuma cavidade, masestivesse carregado com a mesma carga total que ha na cavidade (pois so hauma solucao para as mesmas condicoes de fronteira do campo E, cf. teoremada unicidade, § 1.7).

Por outro lado, como o campo no exterior da cavidade, em pleno condu-tor, e sempre nulo, independentemente de qual seja o campo no espaco foradesse condutor, isso significa que o volume da cavidade esta eletricamenteisolado do exterior. Nenhuma variacao do campo exterior se sente na cavi-dade (pelo menos variacoes que tenham frequencias abaixo de GHz). Um

30Se o condutor nao estiver neutro mas tiver uma certa carga, entao na superfıcie exte-rior estarao distribuıdas essa carga, mais as cargas induzidas (indiretamente) a partir dacavidade.

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60 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������

������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������

a

bE=0

+q

S

−−

−−

−−

E

Figura 1.27: Condutor ideal em equilıbrio eletrostatico, com uma cavidade semcargas. Se o condutor estiver carregado as cargas estarao a superfıcie. No interiordo condutor propriamente dito nem ha cargas nem ha campo. Se o condutorestiver carregado as cargas estarao a superfıcie. O campo eletrostatico a superfıciedo condutor tem sempre a direcao da normal em cada ponto.Dentro de qualquer cavidade sem cargas o campo tambem e nulo, pois de contrarioteria que haver carga na superfıcie da cavidade e isso faria com que o integral de cir-culacao de E num contorno C que atravesse a cavidade nao fosse necessariamentenulo.

condutor em equilıbrio eletrostatico funciona portanto como escudo eletrico.Se determinado volume for totalmente envolvido por parede condutora, even-tualmente uma simples rede condutora, ele fica protegido do campo externo.Este fenomeno designa-se habitualmente como blindagem eletrostatica e eum fenomeno que tem enorme relevancia pratica, pois permite isolar umaregiao da influencia de quaisquer campos exogenos. Este e o princıpio defuncionamento da chamada gaiola de Faraday.

Um condutor carregado tambem induz cargas noutro condutor que estejaproximo, de tal modo que seja E = 0 dentro de qualquer deles. De facto,resulta obvio da fig. 1.28 que as cargas existentes nas partes das superfıciesde ambos os condutores que estejam dentro de um chamado tubo de linhasde campo sao simetricas (um tubo de linhas de campo e um volume cujasparedes acompanham e sao tangentes as linhas de campo na regiao entre oscondutores, ao longo dos quais evidentementeE ⊥ ds, onde ds e um elementoda parede desse tubo). O fluxo total do campo atraves da superfıcie do tuboe portanto nulo,

S E · ds = 0, ja que, ou E ⊥ ds (nas paredes laterais), ouE = 0 (nas partes dentro dos condutores). Por consequencia, uma carga,

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1.6. CAMPOS ELETRICOS NA MATERIA 61

q2

E

q1

+

++

+ ++++

++

E=0

S

+++++

+E=0 +

+

+

+

E

EE

+

Figura 1.28: Cargas induzidas entre dois condutores quaisquer. b) cargas induzi-das por uma carga pontual na superfıcie de uma esfera condutora.

q, da superfıcie de um condutor induz necessariamente uma carga simetrica,−q, na superfıcie de outro condutor que esteja proximo.

Sistemas de condutores - capacidade

O potencial eletrostatico num ponto r do espaco, criado por uma distribuicaode cargas da superfıcie de um condutor, com densidade σ, e, como vimos em§ 1.5.3, a soma dos potenciais de todos os elementos de carga, dq = σds,

V (r) =1

4πǫ0

S

σ(r′)ds′

|r − r′|

Como o potencial e linearmente proporcional as cargas, V ∝ σ, isto significaque, se a carga duplicar em cada ponto, o potencial passara tambem para odobro em todos os pontos do espaco, i.e., se

q → αq ⇒ V → αV , =⇒ q

V= C = const

A constante de proporcionalidade, C, chama-se capacidade.A capacidade de um condutor isolado tem que ver com o facto de a

quantidade de carga que ele tem ser proporcional ao potencial a que ele seencontra31 relativamente a um ponto do infinito (ver § 1.5.2). Por isso, nestecaso a capacidade tambem e relativa a um ponto do infinito.

31O potencial de um condutor em equilıbrio eletrostatico esta bem definido, dado que econstante em todos os pontos desse condutor.

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62 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

A capacidade tem particular interesse entre pares de condutores com car-gas simetricas. O quociente entre a carga dos condutores e a diferenca depotencial entre eles define a capacidade relativa desse par de condutores.

No caso mais geral, teremos capacidades relativas entre pares de condu-tores. Num sistema de N condutores em equilıbrio eletrostatico, o potencialde um deles depende da carga que tenha, mas tambem das cargas dos outroscondutores, variando linearmente com todas essas cargas, como se viu acima.Isto e, o potencial de um condutor j (relativamente ao potencial de infinito)e uma combinacao linear das cargas dos varios condutores do sistema,

Vj =N∑

k=1

ajkqk , com j = 1, 2, . . . , N (1.82)

onde Vjk = ajkqk e o potencial do condutor j devido as cargas do condutork. Visto que a energia do sistema eletrostatico (eq. 1.65) e, U = 1

2

j qjVj =12

jk ajkqjqk, entao ajk = akj.

O sistema de equacoes inverso tera a forma generica,

qj =∑

k

cjkVk (1.83)

Isto e, as cargas tambem se podem escrever como uma combinacao linear dospotenciais dos condutores presentes. Os coeficientes cjk dependem apenasdas caracterısticas do sistema de condutores, nomeadamente da geometriade cada um e das suas posicoes relativas. Os coeficientes cjj sao capaci-dades relativa, enquanto que cjk (j 6= k)sao os coeficientes de inducao (verfig. 1.29).32

A energia do sistema e , U = 12

j qjVj =12

jk cjkVjVk e portanto cjk =ckj.

32Note-se que cjj > 0, pois se um condutor tiver qj > 0 ⇒ Vj > 0. Mas cjk < 0 sej 6= k, pois qj induz cargas de sinal contrario no condutor k, sendo pois negativa a energiade ligacao entre eles, Ujk = qjVk < 0. Considerando a eq. 1.83,

(se qj > 0 e qjVk < 0 com j 6= k) ⇒ Vk < 0 ⇒ cjk < 0, ∀j 6= k

(o mesmo concluindo se qj < 0).

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1.6. CAMPOS ELETRICOS NA MATERIA 63

O condensador

Um condensador e um sistema de dois condutores com cargas simetricas, +qe −q. Escrevendo explicitamente as equacoes 1.83 temos, neste caso,

{

q1 = q = c11V1 + c12V2

q2 = −q = c21V1 + c22V2(1.84)

Resolvendo para V1 e V2 e depois subtraindo, conclui-se que

V1 − V2 =c11 + c22 + 2c12c11c22 − c212

q =q

C(1.85)

A constante C e a capacidade do condensador, e e sempre positiva (ja quecjj > 0 e cjk < cjj, j 6= k, como e evidente). No Sistema Internacional deunidades a capacidade e medida em farad (F). Os condensadores correntestem capacidades tıpicas da ordem de µF, (uma capacidade de 1F e enorme).Mas em anos recentes tem vindo a ser desenvolvidos super condensadorescom capacidades extremamente elevadas.

A energia armazenada num condensador e (ver eq. 1.65)33

U =1

2

j

qjVj =1

2q(V1 − V2) =

C

2(V1 − V2)

2 (1.86)

Teorema da reciprocidade de Green⋆

A eq. 1.83 diz que a carga num dos N condutores de um sistema pode serexpressa como combinacao linear dos potenciais a que estao os condutores.Se acaso mudarmos as cargas que estao nos condutores do sistema, passandoqj → q′j, com j = 1, 2, . . . N , entao os potenciais a que eles se encontramtambem mudam, passando de Vj → V ′

j , com j = 1, 2, . . . N , respetivamente.Visto que as capacidades relativas, cjk, sao caracterısticas do sistema decondutores e ele nao mudou, (so mudaram as cargas e os potenciais), entao

q′j =∑

k

cjkV′k

Se a carga qj, do condutor j for multiplicada por V ′j e se somarmos estes

produtos para todos os condutores, obtem-se∑

j

qjV′j =

jk

cjkVkV′j

33Veja-se que se a carga do condensador variar dq, a energia varia dU = dq(V1 − V2).Como (V1 − V2) =

qC , portanto U =

∫ q

0qC dq = 1

2C(V1 − V2)2.

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64 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

Procedendo de forma analoga, somando todos os produtos q′jVj, obtemos

j

q′jVj =∑

jk

cjkVjV′k

Ou seja, conclui-se que∑

j

qjV′j =

j

q′jVj (1.87)

Este resultado e conhecido como o teorema da reciprocidade de Green.

Teorema da reciprocidade de Green. Num sistema de condutores emequilıbrio, se qj → q′j e se Vj → V ′

j , com j = 1, 2, . . ., entao∑

j qjV′j =

j q′jVj.

O teorema da reciprocidade de Green relaciona situacoes de operacaodiferentes de um mesmo sistema permitindo assim cruzar condicoes deoperacao especıficas, mais simples de calcular, com situacoes cuja analisee mais complicada. Tem importancia nomeadamente na teoria de circuitos.

Por exemplo, suponham-se dois condutores neutros, isolados e posiciona-dos a alguma distancia um do outro. Suponha-se que inserimos uma certaquantidade de carga, q, no condutor 1 e que apos isso o outro condutor fica aopotencial V2. Imagine-se agora que transferimos toda a carga q do condutor1 para o condutor 2. Segundo o teorema da reciprocidade, nesse processo opotencial do condutor 2 como que se “transfere” do condutor 2 para o con-dutor 1. Isto e, o condutor 1 fica ao mesmo potencial que tinha o condutor2 antes de se mudar a carga do primeiro para o segundo. Este resultadoe espantoso uma vez que nao depende de nenhuma das caracterısticas doscondutores: forma, posicao, orientacao, etc.

Argumentos semelhantes aos anteriores permitem concluir que, por exem-plo, permutando as impedancias de entrada e de saıda de um circuito eletricoligado a uma fonte de tensao nao altera a corrente de saıda do circuito.

O efeito de pontas em condutores

Como vimos, o potencial e constante em todo o volume de um condutorem equilıbrio eletrostatico. Para alem disso, na vizinhanca exterior o campoeletrico e perpendicular a superfıcie em todos os pontos. Porem, a intensidadedo campo a superfıcie nao e geralmente constante, depende da curvaturalocal em cada ponto da superfıcie, a qual pode variar significativamente. A

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1.6. CAMPOS ELETRICOS NA MATERIA 65

1

V3

2

V

V

V=0 V=0

1V

V2

C2

C23

C12

C13C

1

C3

38

8

8V

a) b)

Figura 1.29: a) Sistema de condutores a diferentes potenciais, sendo um delesinfinito; b) capacidades relativas equivalentes do mesmo sistema de condutores.

analise completa desta questao requer uma discussao das solucoes da equacaode Laplace, mas pode-se discutir aproximadamente recorrendo a argumentossimples.

Seja uma esfera condutora de raio R, isolada, em cuja superfıcie ha umadistribuicao uniforme de cargas, σ. O potencial desta esfera e

V =σ4πR2

4πǫ0

1

R=

σR

ǫ0(1.88)

Considere-se agora um condutor com uma forma generica, como o dafig. 1.30. O raio de curvatura da superfıcie varia de um ponto para outro, (acurvatura e o inverso do raio). O campo eletrostatico junto a superfıcie podeobter-se das condicoes de fronteira do campo, n · (E+ − E−) = σ

ǫ0. Visto

que o campo em pontos do condutor e nulo, entao em pontos imediatamenteexteriores a superfıcie, o campo e

E =σ

ǫ0(1.89)

Ou seja, para um ponto limite, imediatamente na vizinhanca da superfıcie,esta aparece como se fora um plano infinito carregado34, com densidade su-perficial, σ. Combinando as eqs. 1.88 e 1.89 conclui-se assim que E ≈ V

R,

onde R e o raio de curvatura local. O potencial do condutor e constante emtodo o condutor, mas o campo a superfıcie e maior em pontos da superfıciecom elevada curvatura (com R pequeno), onde σ e tambem mais elevada.

34O campo criado por um condutor plano infinito, com densidade de carga superficial,σ, e E = σ

ǫ0.

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66 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

E

E

E=0

V= const.

Figura 1.30: O efeito de pontas num condutor em equilıbrio. O campo e maiselevado em quaisquer proeminencias da superfıcie.

Conclui-se da eq. 1.88 que σR ≈ constante em toda a superfıcie, ja queV e constante em todo o condutor. Isto e, σ e mais elevado em pontosde maior curvatura (menor raio) e vice-versa. Consequentemente, o campoeletrostatico a superfıcie e muito elevado em pontos da superfıcie com elevadacurvatura (i.e., com raio muito pequeno),

{

V const.V ∼ σR

ǫ0

−→ σR ∼ const ⇒ se R ≪ 1, entao

{

σ ≫ 1E ≫ 1

O campo eletrostatico e pois muito mais elevado na ponta de uma agulhacondutora do que noutros pontos da superfıcie desse condutor, apesar de(alias, por causa de) todos os pontos estarem ao mesmo potencial. Este e ochamado efeito de pontas ou do para-raios (ver fig. 1.30).

O efeito de pontas tem muitas aplicacoes praticas, desde logo nos para-raios. Na ponta de uma agulha condutora muito afiada o campo eletricoe muito mais elevado do que noutros pontos das proximidades. Em casode tempestade a ponta da agulha sera a primeira a eventualmente atingiro campo de disrupcao do ar, Emax ≈ 3 MV/m, valor a que o ar se tornacondutor. Por esse facto, aumenta a probabilidade de que uma eventualdescarga atmosferica se desenvolver na direcao da ponta de uma agulha,podendo-se conduzir entao essa corrente para a terra atraves de um cabo,possivelmente sem estragos.

O efeito de pontas e tambem utilizado nos chamados microscopios deefeito de campo, que tem capacidade para “ver” a escala atomica. A ob-servacao da corrente que passa por efeito tunel (um efeito quantico) entreuma superfıcie, cuja estrutura atomica se quer observar, e a ponta de um

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1.6. CAMPOS ELETRICOS NA MATERIA 67

Eapl

+−−−

−− −

+−−−

−− −

+

−−

−−−

−−

+−−−

−− −

+−−−

−− −

+−

−−−

−−

−+−

−−

−−

−−

Eapl

Eapl

+ −

− −

−+

a) b)

Eapl

c)

Figura 1.31: Nuvem eletronica de um atomo ou molecula nao polar; a) os centrosgeometricos das cargas positivas e negativas coincidem; b) se for aplicado umcampo externo as cargas sao tendencialmente puxadas em sentidos contrarios eforma-se um dipolo orientado no sentido do campo; c) num material polarizado osdipolos orientam-se tendencialmente no sentido do campo a que estao sujeitos.

estilete muito afilado que passeia rente por sobre a superfıcie, mas sem lhetocar, da-nos uma imagem da superfıcie que permite “ver” a presenca dosatomos.

O efeito de pontas tambem pode ser problematico, podendo provocardescargas indesejaveis em equipamentos eletricos, nomeadamente em pontoscom tensoes elevadas. E por isso de toda a conveniencia que os pontos desolda dos circuitos fiquem bem arredondados, sem os apendices pontiagudoscaracterısticos das soldaduras mal executadas.

1.6.2 Dieletricos

Quando um material nao condutor e sujeito a um campo eletrico exterior,as nuvens eletronicas dos atomos e moleculas desse material deslocam-se nosentido contrario ao campo, e como consequencia a posicao media das cargaspositivas (os nucleos) deixa de coincidir com posicao media das nuvem deeletroes de cada atomo ou molecula. Isto significa que se formam pequenosdipolos no seio do material, induzidos pelo campo externo aplicado (verfig. 1.31).35 A densidade dipolar correspondente mede a polarizacao do ma-terial e e geralmente proporcional ao campo aplicado.

35Se o campo for suficientemente intenso pode mesmo dar-se a ionizacao das moleculas,a disrupcao do meio e a subsequente descarga eletrica. Esse valor do campo designa-se por rigidez dieletrica (ou campo de disrupcao), e e uma propriedade macroscopicacaracterıstica de cada material. Os valores tıpicos da rigidez dos materiais sao da ordemde ∼ 107 V/m (cerca de 100 kV/cm).

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68 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

Porem, ha tambem materiais que tem na sua constituicao moleculas quesao espontaneamente polares, em que os centros geometricos das nuvens deeletroes e das cargas positivas dos nucleos atomicos de cada molecula naocoincidem; estas moleculas tem a priori um certo momento dipolar, que naoe induzido por um campo externo (e.g., a molecula da agua e polar). Semcampo aplicado estes dipolos orientam-se aleatoriamente; porem, se lhes foraplicado um campo externo eles orientar-se-ao tendencialmente no sentidodesse campo.36 Este alinhamento e geralmente proporcional ao campo apli-cado, pois, como vimos, o binario sobre cada dipolo e diretamente propor-cional ao campo a que e sujeito.

Existem ainda materiais solidos ionicos, cuja rede cristalina tem ioes,como os cristais de cloreto de sodio, NaCl. Estes materiais nao apresentampolarizacao espontanea porque os dipolos vizinhos se cancelam mutuamente.Todavia, um campo exterior pode distorcer ligeiramente a rede cristalina,induzindo a polarizacao desse meio.

Em todos os casos referidos, a polarizacao do meio e geralmente propor-cional ao campo eletrico aplicado e surge por causa dele, ou induzida por ele.Isso significa que cada dipolo per se e efetivamente proporcional ao campo,p = αE, onde α e a polarizabilidade do material. Num material podem co-existir os tres tipos de polarizacao acima referidos, sendo α, de facto, a somadas polarizabilidades presentes.

Estudaremos apenas materiais lineares, homogeneos e isotropicos (tambemdesignados como do tipo A).37 Os dieletricos reais nao sao tao simples, masesta aproximacao e suficiente para a maioria das aplicacoes. Ademais, quandoassim nao for a analise ainda se baseia nos mesmos conceitos que aqui discu-timos.

Uma classe de materiais dieletricos que convem referir e a dos eletretos,que sao materiais com polarizacao permanente, uma especie de “magneteseletricos” com multiplas aplicacoes, mas que nao discutiremos.

36Devido a agitacao termica, os dipolos orientam-se apenas tendencialmente na direcaodo campo. A probabilidade de um dipolo fazer um angulo θ com o campo segue umadistribuicao de Boltzmann, f = e−U/kT = epE cos θ/kT , onde k e a constante de Boltzmanne U = −p ·E e a energia dipolar (§ 1.5.6). Por conseguinte, este tipo de polarizacao de-pendente fortemente da temperatura. E um fenomeno semelhante ao do paramagnetismo.

37Consideramos apenas o caso em que α e constante. Mais geralmente porem, a pro-porcionalidade) pode nao ser estritamente linear, sendo p = αE + βE2 + γE3 + · · ·. Seo material nao for homogeneo, α, β, γ, . . . variam com a posicao; se o material foranisotropico, α, β, γ, . . . sao matrizes, e os seus elementos correlacionam as diferentesdirecoes.

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1.6. CAMPOS ELETRICOS NA MATERIA 69

Campos em dieletricos

A polarizacao do meio esta, como vimos, associada e decorre de pequenosdeslocamentos locais de pares de cargas. Estes deslocamentos sao locais,surgem como reacao ao campo aplicado e desaparecem quando este deixarde existir. As cargas de que aqui falamos sao pois “cargas ligadas” ou depolarizacao, que nao se confundem com as “cargas livres”. Diferentementedas cargas livres, as cargas de polarizacao nao se podem por ou tirar domaterial, pois fazem parte dos atomos e moleculas seus constituintes, nem semovem livremente atraves dele.38 Assim, nos meios dieletricos tem-se

campo E −→ densidade dipolar −→ cargas de polarizacao.

Suponha-se que um material dieletrico e colocado numa regiao do espacoonde ja existe um campo, E. Dentro do material formam-se/alinham-sedipolos elementares a que correspondem cargas de polarizacao, quer na su-perfıcie quer eventualmente no volume. Estas cargas criam um campo E′′

que se opoe ao campo E em cada ponto (ver fig. 1.32). Por consequencia, ocampo dentro de um material polarizado e E′ = E+E′′, e por isso e sempremenor que o campo exterior aplicado, i.e.,

E′ = E +E′′, com E ′′ = −E ⇒ |E′| < |E|A formacao/orientacao de dipolos eletricos no corpo do material vai-setraduzir no surgimento de cargas nas superfıcies fronteira do material (verfig. 1.32). A escala macroscopica as cargas dos dipolos espalhadas pelo vol-ume compensam-se umas as outras; se o campo for uniforme e o material forhomogeneo, a carga de polarizacao media efetiva e mesmo nula em todo o vol-ume do dieletrico. Mas o alinhamento dipolar faz surgir cargas de polarizacaoa superfıcie, com sinais opostos de cada lado do dieletrico relativamente aosentido do campo.

Se o campo nao for uniforme, a polarizacao sera mais significativa onde ocampo for mais intenso, sendo de esperar que as cargas de polarizacao estejamdesigualmente distribuıdas pelo volume. Nesse caso havera uma distribuicaovolumetrica de cargas de polarizacao no volume do dieletrico.

38Como e obvio, as cargas de polarizacao existem sempre aos pares (e da sua natureza) ea soma de todas elas e sempre nula. As outras, as cargas livres, sao aquelas que nao estaoligadas. Todavia, apesar de livres podem nao se poder mover livremente se a condutividadedo material for muito pequena. Por exemplo, podem ser implantadas cargas livres dentrode um dieletrico nao condutor, as quais ficarao presas no seu interior (as memorias flashbaseiam-se nisso). Mas isso nao as torna cargas de polarizacao, evidentemente.

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70 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

+− +−++−−

− +

+−+

+

−−

−− +

+

+

+

E’

E

EE

pd

dp

dp

dpE’

E"

E"

Figura 1.32: O campo eletrostatico no interior de um dieletrico polarizado. Ascargas de polarizacao localizadas a superfıcie criam um campo E ′′ que tem sempredirecao e sentido oposto ao campo exterior aplicado, E. O campo dentro dodieletrico e por isso menor do que aquele que seria se pudessemos “desligar”odieletrico.

Polarizacao

A polarizacao P e, por definicao, a densidade dipolar em cada ponto,

P =dp

dτ(1.90)

isto e, e o numero de dipolos por unidade de volume.39 O campo P e poisuma quantidade macroscopica que mede a polarizacao do meio.

Seja a superfıcie de um dieletrico polarizado, cuja polarizacao e P . Nessasuperfıcie ha, por hipotese, uma densidade superficial de cargas de polar-izacao, σp. Do lado de fora e o vazio (ver fig. 1.33). Do lado de dentro, juntoa superfıcie, cada elemento de volume, dτ = dxds cos θ, tem uma carga depolarizacao dq e um momento dipolar infinitesimal, dp = dq dx P . Ou seja,dado que

P =dp

dτ=

dqdxP

dxds cos θ

e como n · P = cos θ, entao, por conseguinte,

σp = n · P (1.91)

Isto significa que as cargas de polarizacao localizadas nas superfıcies dodieletrico sao proporcionais ao fluxo de P atraves da superfıcie.

39No sistema internacional SI, P tem unidades de coulomb/metro quadrado, (C/m2).

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1.6. CAMPOS ELETRICOS NA MATERIA 71

θn

dx

ds

ds

dq

dxds

d

+

+

+

++++++++

++

+

++

+

+

Ψ

σp

pP

−−−−

−−

Figura 1.33: Cargas de polarizacao numa superfıcie Ψ entre um meio dieletrico eo vazio. O vector ds = n ds e normal a superfıcie.

Como se disse, sempre que o campo nao seja uniforme dentro do dieletrico,podem tambem existir cargas de polarizacao no volume, ja que, do pontode vista macroscopico, as cargas dos dipolos vizinhos podem nao se anularmutuamente em pontos do volume. Seja pois um volume τ , delimitado poruma superfıcie S, numa regiao onde o campo E (e a polarizacao) nao euniforme e onde havera por hipotese uma distribuicao volumetrica de cargasde polarizacao, ρp (ver fig. 1.34). Como e evidente, a soma de todas as cargasde polarizacao do dieletrico, localizadas nas superfıcies e no volume, e semprenecessariamente nula. Assim,

Sσp ds+

τρp dτ = 0 (1.92)

onde σp e ρp sao as densidades superficial e volumetrica de cargas de polar-izacao. Visto que σp = n · P , entao o primeiro integral e efetivamente umintegral de fluxo atraves da superfıcie fechada, S, a que se pode aplicar oteorema de Gauss, ∮

SP · n ds =

τ∇ · P dτ (1.93)

Assim, por conseguinte, tem-se∫

τ∇ · P dτ +

τρp dτ = 0 (1.94)

Esta igualdade verifica-se qualquer que seja o volume, τ , sendo portanto umaidentidade, da qual se conclui que

∇ · P = −ρp (1.95)

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72 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

P

P

P

S

Figura 1.34: Cargas de polarizacao no interior de um dieletrico, numa regiao decampo nao uniforme.

Esta equacao diz-nos que as fontes do campo P , das quais esse campo di-verge, sao as cargas negativas de polarizacao. E natural que assim seja, poisqualquer momento dipolar elementar e um vector que aponta no sentido dacarga negativa para a carga positiva desse dipolo.

O campo de polarizacao, P , e evidentemente um campo descontınuo nafronteira do dieletrico (ver fig. 1.33). Se dois dieletricos diferentes forem pos-tos em contacto, a priori serao diferentes as polarizacoes de cada lado dessainterface e P devera ter aı uma eventual descontinuidade. Nessa superfıcie decontacto surgirao tambem, por certo, cargas de polarizacao, com densidadesuperficial σp. E pois necessario analisar as condicoes de fronteira do campoP , tambem nessa circunstancia.

Aplicando a lei de Gauss ao campo P num volume τ que inclua parte dasuperfıcie de contacto entre dois meios diferentes, no limite em que o volumecolapsa sobre essa superfıcie, tem-se (ver fig. 1.35),

limh→∞

SP · ds = lim

h→∞

τ∇ · P dτ

(P+ − P−) · ds = − limh→∞

τρpdτ = −σpS

onde P+ e P− sao as polarizacoes no lado para que aponta n e no lado oposto,respetivamente. Isto e, a condicao de fronteira do campo P em interfacesentre meios dieletricos distintos, e

n · (P+ − P−) = −σp (1.96)

Esta expressao e tambem chamada divergencia superficial, divSP = −σp,pela similitude formal com a eq. 1.95. A equacao 1.91 e pois, manifestamente,

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1.6. CAMPOS ELETRICOS NA MATERIA 73

um caso particular das condicoes de fronteira de P , para o caso em que odieletrico faceia com o espaco vazio.

Como se disse, caso os materiais sejam lineares, a polarizacao do meioe diretamente proporcional ao campo eletrico aplicado, P ∝ E. Podemosentao escrever P na forma conveniente,

P = ǫ0χEE (1.97)

onde χE e a susceptibilidade eletrica do material, a qual caracteriza macro-scopicamente o material em causa. No caso mais geral, χE e uma matrizcujos elementos relacionam as diferentes componentes dos campos P e E.Porem, apenas consideraremos materiais cuja susceptibilidade eletrica, χE,seja um numero constante, que se determina experimentalmente.40

A existencia de cargas de polarizacao faz com que tenhamos necessidadede as distinguir face as cargas livres, que sao as que podemos por e tirarconforme nos aprouver. As respetivas densidades, volumetrica e superficial,designam-se habitualmente como ρp e σp e como ρℓ e σℓ, respetivamente.

Todas as cargas eletricas criam campo eletrico, independentemente dasua natureza. Por conseguinte, em geral

∇ ·E =ρℓ + ρp

ǫ0(1.98)

ou, escrevendo de outro modo e usando a eq. 1.95, tem-se ǫ0∇·E+∇·P = ρℓ;isto e, ∇·(ǫ0E+P ) = ρℓ. E pois conveniente definir o campo de deslocamento,D,

D = ǫ0E + P (1.99)

A divergencia deste campo e igual a densidade das cargas livres existentesem cada ponto do espaco,

∇ ·D = ρℓ (1.100)

independentemente das cargas de polarizacao que possam eventualmente co-existir nesse espaco.

A equacao anterior parece indicar que o campo D e criado somente pelascargas livres e que apenas depende dessas cargas, independentemente deno dieletrico poder tambem haver cargas de polarizacao. Todavia tal ideiaesta errada! E verdade que ∇ · D = ρℓ mas, de acordo com o teorema deHelmholtz (§ 1.8), a divergencia nao e suficiente para definir o campo - e

40Isto significa considerar apenas materiais homogeneos e isotropicos.

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74 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

P

P

P=0

s

h

d

C

Figura 1.35: Polarizacao de um meio dieletrico. A circulacao de P num contornona vizinhanca da superfıcie exterior de dieletrico nao e em geral nula, e portanto,∇× P 6= 0.

tambem necessario saber qual e o seu rotacional. Ora, aplicando o rotacionala eq. 1.99 tem-se: ∇×D = ǫ0 ∇×E

︸ ︷︷ ︸

=0

+∇× P e, consequentemente,

∇×D = ∇× P (1.101)

Ou seja, o campo D tem as suas fontes em ρℓ, pois ∇·D = ρℓ, mas dependetambem, indiretamente, das cargas de polarizacao, ja que ∇×D = ∇× P

e as fontes de P sao as cargas de polarizacao.Em geral, ∇ × P 6= 0; e isso que acontece por exemplo na superfıcie do

dieletrico da fig. 1.35, visto que a circulacao de P no contorno indicado eclaramente nao nula (e, consequentemente, ∇×P 6= 0). Contudo, havera cer-tos casos particulares, com simetria, em que ∇×P = 0. Nessa circunstancia,∇ × D = 0 e D fica a depender exclusivamente das cargas livres, mas sonessa circunstancia. Todavia, o campo D e, ainda assim, fundamental paradescrever e analisar os meios dieletricos.41

Visto que P = ǫ0χEE, entao, da eq. 1.99,

D = ǫ0E + P = ǫ0 (1 + χE)︸ ︷︷ ︸

Ke≥1

E = ǫ0KeE = ǫE (1.102)

41O campo D nao tem portanto o mesmo caracter que o campo eletrostatico. Esteultimo tem ∇ × E = 0 e pode por isso ser associado a um potencial atraves da relacaoE = −∇V , independentemente do meio considerado. Porem, nenhum dos campos, D ouP , pode ser associado a um potencial, pois, como se disse, geralmente ∇×D = ∇×P 6= 0,(i.e., nao sao campos conservativos).

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1.6. CAMPOS ELETRICOS NA MATERIA 75

onde Ke = 1 + χE e a constante dieletrica e ǫ = ǫ0Ke e a permitividade domeio. A constante Ke e adimensional e expressa a permitividade relativa domeio, pois Ke = ǫr =

ǫǫ0. Como e evidente, Ke = ǫr ≥ 1, o que significa que

o vazio e o meio com a permitividade mais baixa em termos absolutos.Conclui-se assim que, importa frisa-lo,

D = ǫE (1.103)

e, portanto,

∇ ·E =ρℓ + ρp

ǫ0=

ρℓǫ

(1.104)

Esta equacao diz-nos que, se um material dieletrico for da classe A, (i.e., se forlinear, homogeneo e isotropico), entao as equacoes da eletrostatica do vaziotambem sao validas nesse dieletrico se em vez de ǫ0, se usar a permitividadedesse meio, ǫ.

Com base no teorema de Gauss-Ostrograsky pode-se tambem obter aequacao integral para D, correspondente a lei de Gauss do campo E,concluindo-se que ∮

SD · ds =

qℓ (1.105)

Consequentemente, nas interfaces entre dois dieletricos diferentes da classeA, as condicoes de fronteira do campo D sao (cf. eq. 1.56),

divSD = n · (D+ −D−) = σℓ (1.106)

Nessas superfıcies entre dois dieletricos as condicoes de fronteira do campoeletrostatico sao, portanto,

n · (ǫ+E+ − ǫ−E−) = σℓ (1.107)

onde ǫ+ e a permitividade do meio no lado para que aponta a normal asuperfıcie e ǫ− a do lado oposto. Esta condicao compara-se com a da eq. 1.56.

As densidades de cargas livres e de cargas de polarizacao podem ser rela-cionadas diretamente uma com a outra em cada ponto. Com efeito, dadoque P = ǫ0(Ke − 1)E = ǫ0(Ke−1)

ǫ0KeD, entao, aplicando a divergencia, tem-se

imediatamente

ρp = −Ke − 1

Ke

ρℓ (1.108)

As densidades volumetricas de carga sao portanto proporcionais uma a outraem cada ponto do volume dieletrico, (i.e., em pontos do dieletrico em queρℓ = 0 entao ρp = 0).

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76 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

Todavia, importa frisar que σp 6= −Ke−1Ke

σℓ, pois nao e verdade que ascargas de polarizacao nas superfıcies sejam proporcionais as cargas livresque existam nesse pontos. Uma superfıcie pode ter cargas de polarizacaosem ter que ter quaisquer cargas livres. De facto, nas superfıcies que tenhamcargas os campos sao descontınuos e isso invalida o argumento que permitiriaestender a relacao 1.108 as cargas superficiais.

Se uma regiao do vazio em que existe um campo E (e D = ǫ0E) forocupada por um dieletrico de constante dieletrica ǫr = ǫ/ǫ0, como D = ǫE′,entao o campo (macroscopico) em cada ponto desse meio dieletrico passara

a ser Emac = E′ = Dǫ

= Eǫr. Por consequencia, tal como se tinha visto,

a intensidade do campo nesse espaco e menor do que sem dieletrico, pois|Emac| < |E|.

O campo na cavidade de um dieletrico

A discussao que fizemos da polarizacao de um material dieletrico e umaanalise macroscopica, que descreve o campo medio dentro do dieletrico. Deum ponto de vista macroscopico, se a polarizacao for uniforme os dipoloselementares do meio cancelam-se mutuamente em todos os pontos do volume,restando apenas cargas de polarizacao nas superfıcies. Porem, a escala local,microscopica, o efeito local dessas cargas deve-se fazer sentir. Isto e, o campolocal que atua em cada atomo ou molecula do meio deve ser algo diferentedo campo medio, macroscopico que se considerou.

E interessante analisar o campo numa cavidade de um dieletrico. Essadiscussao permite desde logo distinguir o campo macroscopio, que ate agoraconsideramos, do campo local a escala microscopica, que e aquele que efeti-vamente os atomos e moleculas sentem.

Suponha-se que se faz uma pequena cavidade esferica no interior de umdieletrico, com um certo raio, R, (ver fig. 1.36). Se o dieletrico estiver polar-izado, por influencia de um campo externo, a superfıcie da cavidade fica comcargas de polarizacao. O campo dentro da cavidade deve ser portanto igualao campo que existe no restante dieletrico, (supomos que a cavidade nao oalterou significativamente), mais o campo criado pelas cargas a superfıcie dacavidade.

A densidade superficial de cargas na superfıcie da cavidade e σp = n ·P ,onde P = ǫoχEEmac e Emac e o campo macroscopico no meio dieletrico.

Um elemento de carga dq = σpds da superfıcie da cavidade cria no centro

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1.6. CAMPOS ELETRICOS NA MATERIA 77

n

n

n

+

++

+

+

+

−−

−−

P

n +

E

^pσ

θR

−+−+−

loc

− + − +

E

+

+

EmacEmac

+−

Figura 1.36: O campo eletrostatico numa cavidade de um dieletrico polarizado.Note-se que a normal n aponta para fora do volume do dieletrico, em cada ponto.

dessa cavidade um campo infinitesimal,

dE′′ =σpds cos θ

4πǫ0R2e‖ + dE ′′

⊥ e⊥ (1.109)

onde e‖ e e⊥ sao as direcoes paralela e perpendicular aEmac. Dada a simetria,a componente E′′

⊥ =∫

dE′′⊥ e nula. Portanto, como σp = n · P = P cos θ,

como P = ǫoχEEmac e como ds = R2 sin θdθdϕ, entao

E′′ =χEEmac

2

∫ π

0dθ cos2 θ sin θ =

χE

3Emac

Por conseguinte, no centro da cavidade o campo (local) e Eloc = Emac +E′′,

Eloc =(

1 +χE

3

)

Emac (1.110)

Ou seja, o campo local e sempre mais intenso que o campo macroscopico.

O campo que atua sobre cada atomo (ou molecula) do dieletrico e o campocriado por todas as cargas, excepto as desse atomo/molecula (recorda-seque nao ha auto-acoes, so inter-acoes). Supondo que esse atomo e esferico,que o retiramos do material e que fica nesse sıtio uma cavidade esferica,imediatamente percebemos que o campo que efetivamente atua sobre esseatomo e de facto o campo local, Eloc.

Conclui-se portanto que cada atomo/molecula, per se, sente um campomaior do que o campo macroscopio que atribuımos ao volume dieletrico.Este facto tem consequencias ao nıvel microscopico, em particular no valor

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78 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

��������������������

��������������������n

+n

σ

ds

E

E

++++

+++ +

++

++

+

++

+

+E"

E"

+

+

Figura 1.37: A pressao eletrostatica sobre uma superfıcie com cargas. O elementode superfıcie ds tem cargas dq = σ ds as quais criam, por hipotese, um campoinfinitesimal dE′′.

da polarizabilidade do material, visto que cada dipolo elementar sera entao,efetivamente,42 p = αEloc.

Quando se trate de materiais dieletricos ha pois que distinguir tres camposdiferentes: i) o campo externo aplicado, E; ii) o campo macroscopico dentrodo meio dieletrico, Emac = E/ǫr; e iii) o campo local sentido localmente porcada atomo/molecula desse meio, Eloc = (1 + χE/3)Emac.

1.6.3 Pressao e tensao eletrostatica

Em superfıcies em que o campo eletrostatico tenha uma descontinuidadesurgem tensoes mecanicas, em razao da diferenca entre os campos de am-bos os lados dessas superfıcies. Isso pode ocorrer por exemplo na fronteiraentre dois dieletricos diferentes ou a superfıcie de um condutor com cargassuperficiais.

Seja a superfıcie de fronteira da fig. 1.37, na qual a densidade superficial

42Se existirem n atomos por unidade de volume, entao a polarizacao e

P =dp

dτ= np = nαEloc; mas por outro lado, P = ǫ0χEEmac

Ou seja, como ǫr = χE + 1, considerando a eq. 1.110, entao

α =3ǫ0n

ǫr − 1

ǫr + 2(1.111)

Esta expressao relaciona as propriedades macroscopicas com as propriedades locais mi-croscopicas de um material dieletrico e e conhecida como relacao de Claussius-Mossoti.

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1.6. CAMPOS ELETRICOS NA MATERIA 79

de cargas e σ. Como o campo eletrico e descontınuo nos pontos da superfıcie,convem averiguar que campo e forca atuam efetivamente sobre as cargas asuperfıcie e originam a pressao eletrostatica. Sobre o elemento de cargasdq atua obviamente o campo E′ criado pelas outras cargas todas, ja queo campo criado pelas cargas dq nao age sobre elas proprias, so age sobreterceiros (i.e., nao ha auto-acoes, so ha inter-acoes43). As cargas dq = σdscriam por hipotese o campo dE′′ na sua vizinhanca. E este campo, de resto,que efetivamente cria a descontinuidade do campo nesse ponto da superfıcie,pois dE′′ tem sentidos opostos de cada lado da superfıcie (ver fig. 1.37). Naofora haver cargas nesse elemento ds e o campo seria contınuo nesse ponto, jaque n · (E+ −E−) =

σǫ0.

Na vizinhanca da superfıcie ds, onde dq = σds, os campos sao (verfig. 1.37),

{

E+ = E′ + dE′′

E− = E′ − dE′′(1.112)

Somando vem, E′ =E++E−

2. Por conseguinte, a forca sobre um elemento

de carga dq = σds a superfıcie do material e dF = dqE′ = σE′ds. A pressao

eletrostatica e portanto f = dFds

= σE′, (a pressao e a forca por unidadede area; designa-se aqui por f e nao por p ou P para nao confundir com omomento dipolar ou a polarizacao). Assim,

f = σE+ +E−

2(1.113)

Por exemplo, a pressao eletrostatica na superfıcie de um condutor com carga

superficial com densidade σ e f = σE2, onde E e o campo a superfıcie, do

lado de fora, ja que do lado de dentro, E = 0. Ademais, como n·(E+−E−) =σǫ0, tem-se σ = ǫ0E e, portanto,

f =ǫ02E2 E = uE E

Isto e, a pressao eletrostatica a superfıcie de um condutor e igual a densidadede energia eletrostatica nessa superfıcie, e tem a direcao do campo que aıexistir.

Esta pressao eletrostatica e porem geralmente pequena. Por exemplo, apressao sobre a superfıcie de uma esfera condutora de raio R = 1 cm, a um

43Ninguem se empurra a si proprio; e da interacao com a vizinhanca que resulta amudanca de movimento.

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80 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

r

r

OS

V( )

τ

Figura 1.38: A equacao de Poisson tem solucao unica, que e funcao exclusiva dascargas que existirem no volume e do valor do potencial sobre toda a superfıcie, S,que o envolve.

potencial de 1000 V, e f = 21.96 Pa, o que da uma forca de repulsao entreos dois hemisferios de apenas F ≈ 1.4 µN.

Podem tambem ser importantes as tensoes mecanicas no seio de meiosdieletricos, mormente se o gradiente do campo for elevado.

1.7 Teorema da unicidade

O teorema da unicidade diz grosso modo que a solucao da equacao de Poissone unica para cada problema. O teorema aplica-se igualmente a equacao deLaplace, como e evidente.

Seja uma regiao do espaco, de volume τ , em que se conhece o potencialem todos os pontos da superfıcie que a delimita e bem assim a distribuicaode cargas no seu interior (ver fig. 1.38). Suponha-se que se pretende saberqual e o potencial, V (r), em todos os pontos desse volume.

Teorema da unicidade. Existe uma unica solucao da equacao de Poisson(e de Laplace) que satisfaz as condicoes de fronteira na superfıcie do domınioem que e definida.

Por outras palavras, se existir uma funcao bem comportada que e solucaoda equacao de Poisson e que descreve bem o potencial a superfıcie do volumede integracao, entao esta encontrada a unica solucao do problema!

Demonstracao: Sejam por hipotese V1 e V2, duas solucoes da equacao dePoisson, validas numa regiao τ e que sao iguais na fronteira, S, dessa regiao.

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1.7. TEOREMA DA UNICIDADE 81

Isto e,

∇2V1 = − ρǫ0

∇2V2 = − ρǫ0

V1)S = V2)S

Fazendo a diferenca V3 = V1 − V2, vem que

{

∇2V3 = 0V3)S = 0

Ora, se em qualquer ponto do volume τ , se tem ∇2V3 = 0, entao como∇2V3 = ∇·(∇V3), conclui-se que ∇·(∇V3) = 0. Isto significa que o gradienteda funcao V3 nao diverge em nenhum ponto do volume. Consequentemente,a funcao V3 nao pode ter qualquer extremo em todo o volume considerado,nem maximo nem mınimo44, e por isso so pode ser monotona em todos ospontos desse volume45. Porem, a funcao V3 e zero em toda a superfıcie S.Ora, se V3 e uma funcao regular, que nao tem quaisquer extremos no volume,e que e nula em toda a superfıcie, entao tem que ser identicamente nula emtodos os pontos desse volume. Mas entao, se V3 = 0 isto quer dizer queV1 = V2 em todo o domınio considerado, e portanto que afinal so ha umasolucao para o problema inicial - a solucao e unica!

Este teorema tambem e valido no caso em que as condicoes de fronteiraespecifiquem, nao o potencial, mas o campo, E = −∇V sobre a superfıcie.As duas putativas solucoes da equacao de Poisson, V1 e V2, satisfazem nessecaso, por hipotese, as mesmas condicoes de fronteira, ∇V1)S = ∇V2)S. Asolucao V3 = V1−V2 satisfaz portanto a condicao de fronteira ∇V3)S = 0, emtodos os pontos da superfıcie do domınio em causa. Tal como acima, a funcaoV3 deve ser uma funcao monotona em todos os pontos do domınio. Masneste caso, V3 deve tambem ter derivada nula na direcao normal a superfıciefronteira S, em todos os pontos dessa fronteira, pois ∇V3)S = 0 (e portanto∂nV3)S = ∇V3 · n = 0). Porem, se a funcao nao tem quaisquer maximos oumınimos no domınio e se a derivada normal a superfıcie limite e identicamente

44Se uma funcao tiver um maximo num certo ponto, entao nesse ponto o seu gradientee nulo, evidentemente. Mas, em pontos da vizinhanca o gradiente e todavia positivo e,consequentemente, o fluxo do gradiente da funcao, que sai dessa vizinhanca, e necessaria-mente negativo. Ou seja, a divergencia do gradiente da funcao e negativa onde a funcaotiver maximos e positiva onde ela tiver mınimos.

45Uma funcao e monotona no sentido em que ou e sempre crescente ou e sempre decres-cente ou e sempre constante

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82 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

nula, entao necessariamente e V3 = 0 em todos os pontos desse domınio. Masentao isso significa, tambem neste caso, que a solucao da equacao de Poissone unica.

As condicoes de fronteira acima consideradas sao as classicas:46:

i) condicoes de fronteira de Dirichlet, em que se especifica o valor dafuncao f a integrar, em todos os pontos da fronteira e;

ii) condicoes de fronteira de Neumann, em que se fixa a priori a derivadanormal da funcao, ∂nf , em todos os pontos da fronteira.

Em suma: se existir uma solucao bem comportada da equacao de Poisson,valida em todos os pontos de um volume, τ , que obedeca as condicoes defronteira na superfıcie (fechada) que o delimita, entao essa solucao e a unica.

Ficam pois, desde ja, legitimados todos os metodos que permitam chegara uma funcao que satisfaca as condicoes de fronteira de um problema e queseja solucao da equacao de Poisson (ou Laplace). Nao importa como se lachegue, seja por intuicao, por tentativa e erro, por adivinhacao, etc... - naoimporta mesmo! Se tal funcao for uma solucao eletrostatica (i.e. se satisfizera equacao de Poisson) e se descrever bem o potencial em todas as fronteirasdo domınio do problema, entao o problema esta resolvido.

Ao longo dos anos foram-se desenvolvendo muitas tecnicas para o calculode problemas de eletrostatica sem solucao analıtica:- o metodo das imagenseletrostaticas, as transformacoes conformais no plano complexo, etc..., todaselas legitimadas pelo teorema da unicidade. Com o incremento da capacidadede calculo numerico essas tecnicas foram-se tornando menos necessarias, emface dos meio de calculo disponıveis para integrar numericamente as equacoesde Poisson/Laplace (incluindo a disponibilidade de software especıfico). To-davia, tais metodos nao dispensam a necessidade de se compreender a fısicasubjacente as essas situacoes/aplicacoes, e a capacidade de avaliar a con-sistencia das solucoes numericas.

1.8 Teorema de Helmholtz⋆

A situacao mais comum de que trata o eletromagnetismo consiste em partirdas cargas e das correntes e obter os campos a que estas dao causa. As fontesdos campos eletrico e magnetico relacionam-se diretamente com a divergencia

46vide J. D. Jackson, Classical Electrodynamics, 3rd ed., J wiley.

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1.8. TEOREMA DE HELMHOLTZ⋆ 83

e o rotacional do campo respetivo. A questao e se a divergencia e o rotacionaldo campo sao suficientes para, a partir deles, obter o campo em qualquerponto do espaco.

O teorema de Helmholtz diz que se G for um campo vectorial, de quese conhecem quer a divergencia quer o rotacional em cada ponto e se estesforem funcoes que convergem para zero no infinito mais depressa que 1/r2,entao essa informacao e necessaria e suficiente para obter o campo G, emqualquer ponto do espaco.

Teorema do Helmholtz. Um campo vectorial G pode ser escrito na formageral como uma sobreposicao de campos, um irrotacional e outro solenoidal,G = −∇V + ∇ × A, se as respetivas funcoes forem bem comportadas etenderem para zero no infinito, com uma potencia da distancia superior adois.

Demonstracao: Seja um campo G do qual se conhecem ∇ · G = ρ e∇ × G = j. Pode-se comecar por escrever G na forma mais geral, comouma sobreposicao de campos, um irrotacional, outro solenoidal e outro que eambas as coisas: G = −∇V +∇×A+F , com ∇ ·F = 0 e ∇×F = 0. Porconseguinte, fica ∇2V = −ρ e ∇×∇×A = j = ∇(∇·A)−∇2A. As funcoesV e A nao podem ser absolutamente definidas: V e definido a menos de umaconstante (pois ∇(V + C) = ∇V , com C uma constante arbitraria) e A edefinido a menos de um gradiente (pois ∇× (A+∇λ) = ∇×A, com λ umafuncao arbitraria regular). A funcao λ e a constante C nao tem significadofısico e podemos escolhe-las como for mais adequado, como quem escolheo sistema de coordenadas mais conveniente. Escolhendo λ adequadamentepodemos, sem qualquer perda de generalidade, anular a divergencia de A,fazendo A → A+∇λ, desde que ∇2λ = −∇·A. Ha portanto tres equacoes:∇2λ = −∇ ·A, ∇2V = −ρ e ∇2A = −j, as quais tem todas solucao unicabem definida, nos termos do teorema da unicidade, § 1.7. Por outro lado, seno infinito forem ρ(∞) = 0 e j(∞) = 0, tais que limr→∞G = 0 ⇒ F (∞) =0. Mas como, ∇× F = 0, entao F = ∇η e como ∇ · F = 0, entao ∇2η = 0,em todos os pontos. Isto significa que F e identicamente nula, pois, se F = 0no infinito, entao η(∞) = const.; mas como ∇2η = 0, entao η e constanteem todo o espaco (porque se as segundas derivadas de η sao sempre nulas elanao tem qualquer extremo) e so pode ser identicamente nula: - logo F ≡ 0.Entao G = −∇V + ∇ × A e, consequentemente, ∇ · G e ∇ × G definemunivocamente as funcoes V e A e, portanto, o campo, G.

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84 CAPITULO 1. ELETROSTATICA

A conclusao anterior pressupoe, evidentemente, que as solucoes, V e A,existem. Ambas sao solucoes da equacao de Poisson e tem portanto a formada eq. 1.50, V (r) = 1

τρr′′dτ ′ (o mesmo para as componentes de A). Existe

solucao se este integral convergir quando r → ∞; ou seja, se ρ descrescermais rapidamente que 1/r′′2; (se ρ(r → ∞) ∼ 1/r2, o integral diverge loga-ritmicamente: ∼ ∫ 1

r′3r′24πdr′ ∼ [ln r]∞0 = ∞). Por conseguinte, as funcoes

ρ = ∇ ·G e j = ∇ ×G devem tender para zero no infinito, mais depressaque 1/r2. q.e.d.

1.9 Teorema de Earnshawn⋆

Ha por vezes a tentacao de acreditar na possibilidade de fazer levitar no vazioum corpo com uma certa massa, dispondo cargas eletricas em posicoes taisque, em conjunto, criem uma forca de repulsao eletrostatica vertical, opostaa gravidade. Todavia, isso nunca e possıvel, como a seguir se demonstra.

Teorema do Earnshawn. Nao e possıvel manter uma colecao de cargaseletricas a levitar no vazio, em equilıbrio estavel, apenas com a forca derepulsao eletrostatica.

Demonstracao: A forca que atua sobre um corpo, que por hipotese estasuspenso no vazio, e F =

τ ρ′Edτ , onde ρ′ e a distribuicao de cargas do corpo

(so sera repelido se estiver carregado; neste caso a carga e Q =∫

τ ρ′dτ), e E

e o campo eletrostatico criado pela distribuicao de cargas que supostamentesuporta o corpo.

As forcas entre as cargas do corpo sao forcas internas que nao contribuempara a forca externa que o suspende (de contrario qualquer corpo carregadolevitava sozinho!).

No vazio, ∇ ·E = 0 e consequentemente ∇ · F = 0, pois as cargas estao,por hipotese, fixas em posicoes estaticas. Por conseguinte, considerando arelacao entre a forca e a energia potencial eletrostatica, F = −∇U , conclui-seque ∇2U = 0, em qualquer ponto.

Se o corpo pudesse ser suspenso num ponto de equilıbrio estavel, entaoa funcao de energia potencial teria um mınimo nesse ponto, e todas as se-gundas derivadas da funcao U seriam necessariamente positivas nesse ponto.Isto e, se esse ponto estavel existisse haveria entao pelo menos um ponto

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1.9. TEOREMA DE EARNSHAWN⋆ 85

onde ∇2U > 0. Como esse ponto nao existe, entao o equilıbrio de forcas elet-rostaticas nao tem nenhum mınimo estavel. Nao se pode portanto suspenderum corpo apenas com base nas forcas eletrostaticas. Esta demonstrado oteorema.

Ou seja, nao e possıvel fazer levitar um corpo so com cargas estaticas.A forca, F , ate pode simetrica da forca gravıtica, mas o equilıbrio e sempreinstavel, e rompe-se a menor flutuacao. Nem vale a pena tentar; e ingloriolutar contra um teorema!47

47O teorema de Earnshawn tambem se aplica ao campo magnetostatico, pelo que naoe possıvel a levitacao magnetica apenas com recurso a magnetes permanentes. De facto,como adiante se vera, a energia potencial de um dipolo magnetico, m, numa regiao comcampo magnetico,B, e U = −m·B. Consequentemente,∇U = −(m·∇)B e∇2U = −(m·∇)(∇·B) = 0. Mas, o campo magnetostatico satisfaz a equacao de Gauss, ∇·B = 0 e, porisso, nao ha qualquer ponto de equilıbrio estavel que permita ter levitacao magnetica. Talso sera possıvel variando m ou B, de modo a criar dinamicamente um mınimo de energiapotencial. Isso permite a um diamagnete levitar, especialmente os supercondutores, porqueo efeito de repulsao e dinamico, como a frente veremos. Quanto ao mais, para ter levitacaoe mesmo necessario operar um sistema de eletromagnetes retroalimentado com controlefino da posicao.