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JOSÉ ROMEU GARCIA DO AMARAL ENSAIO SOBRE O REGIME JURÍDICO DAS DEBÊNTURES DISSERTAÇÃO DE MESTRADO ORIENTADOR: PROF. DR. ERASMO VALLADÃO AZEVEDO E NOVAES FRANÇA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO SÃO PAULO 2014

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JOSÉ ROMEU GARCIA DO AMARAL

ENSAIO SOBRE O REGIME JURÍDICO DAS

DEBÊNTURES

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

ORIENTADOR: PROF. DR. ERASMO VALLADÃO AZEVEDO E NOVAES

FRANÇA

FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

SÃO PAULO

2014

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JOSÉ ROMEU GARCIA DO AMARAL

ENSAIO SOBRE O REGIME JURÍDICO DAS

DEBÊNTURES

Dissertação apresentada como exigência parcial à

obtenção do título de Mestre em Direito

Comercial, no âmbito do Programa de Pós

Graduação stricto sensu da Faculdade de Direito

da Universidade de São Paulo, sob orientação do

Prof. Dr. Erasmo Valladão Azevedo e Novaes

França.

FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

SÃO PAULO

2014

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BANCA EXAMINADORA:

Orientador:

Professor Dr. Erasmo Valladão Azevedo e

Novaes França

Professor Arguidor: __________________

Professor Arguidor: __________________

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À Livia, com o meu eterno amor e carinho.

Aos meus queridos pais, Edmundo e Cláudia,

por tudo, sempre, com muito amor.

Ao Professor Erasmo Valladão Azevedo e

Novaes França, com a minha profunda

gratidão, por tudo que aprendi e continuo a

aprender.

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I

AGRADECIMENTOS

Agradeço aos Professores José Alexandre Tavares Guerreiro e Francisco Satiro

de Souza Jr., que integraram a banca de qualificação, pelas valiosas observações e sugestões,

bem como pelo incentivo à redação deste trabalho, o qual foi idealizado a partir das aulas do

curso de Valores Mobiliários, ministrado na Pós-Graduação da Faculdade de Direito da

Universidade de São Paulo, que tivemos a honra de participar como aluno de sua primeira

turma.

Agradeço, também, aos Professores Nelson Eizirik e Flávia Parente pelas

palavras de incentivo, quando esse projeto ainda era um sonho, bem como ao querido Edmur

de Andrade Nunes Pereira Neto, cujo tema de sua dissertação de mestrado inspirou-me a

escrever sobre a matéria aqui versada.

A todos os Colegas do IDSA, pela amizade, convívio e aprendizado contínuo,

com a honra e o orgulho de participar desse think tank do direito societário brasileiro. Devo

agradecer, especialmente, aos queridos amigos Rodrigo R. Monteiro de Castro, Luis André

Negrelli de Moura Azevedo, Marcelo Guedes Nunes, Eduardo Caminati Anders, Plínio José

Lopes Shiguematsu, Paulo Mattar Filho, Maristela Sabbag Abla Rossetti, Alex Prandini

Júnior, Caesar Augustus Ferreira de Souza Rocha da Silva e Danilo Borges dos Santos Gomes

de Araújo. Agradeço, ainda, ao André Grünspun Pitta pela amizade e valiosa contribuição à

reflexão sobre a emissão de debêntures por sociedades limitadas.

Meus agradecimentos aos queridos amigos Walfrido Jorge Warde Júnior e

Marcelo Godke Veiga, que me convidaram a participar da coordenação do curso de M&A do

Instituto Internacional de Ciências Sociais, bem como por tudo o mais que fizeram, sem medir

esforços, e que não conseguiria listar nestas poucas linhas.

Agradeço, ainda, a todos os amigos e colegas da pós-graduação da USP, com

quem tive a oportunidade de conviver durante as aulas, e muitas vezes além delas, em especial

ao Luis Felipe Spinelli, João Pedro Scalzilli, Rodrigo Tellechea e Bruno di Dotto, os quais

sempre foram companheiros e parceiros dessa empreitada.

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II

Meu carinho e gratidão ao Dr. Alfredo Felipe da Luz Sobrinho, que acreditou

no meu desenvolvimento profissional, quando ainda era um recém advogado, incentivando os

meus estudos e buscando sempre transmitir a sua vasta e rica experiência.

Por fim, agradeço eternamente a meu avô, José Garcia da Silva, in memorian, a

quem devo as primeiras lições e ensinamentos sobre a vida e a prática do direito, sendo ele,

também, responsável por apresentar-me às Arcadas.

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II

RESUMO

Este trabalho propõe-se a estudar, mediante abordagem teórica e prática, o regime jurídico das

debêntures, tendo em vista as recentes alterações introduzidas pela Lei nº 12.431, de 24 de

junho de 2011, que promoveu mudanças significativas em sua disciplina, bem como examinar

os problemas e questões atuais das debêntures em um contexto evolutivo da doutrina e dos

casos práticos que lhe são submetidos à análise, tendo em vista o uso cada vez mais frequente

desse mecanismo de financiamento das sociedades. Busca-se, também, examinar o

funcionamento do mercado de debêntures e as novas propostas para incentivar a circulação

dos títulos de dívida. Dentre as questões mais controvertidas a serem estudadas neste trabalho,

destacam-se as seguintes: (i) evolução da natureza jurídica do instituto, em que as debêntures

são vistas como títulos de dívida pertencentes à categoria dos valores mobiliários; (ii) criação

do novo mercado de debêntures, como avanço à proposta do Novo Mercado de Renda Fixa;

(iii) possibilidade de emissão de debêntures por sociedades limitadas e cooperativas, em razão

da ausência de vedação legal e da existência de normas que lhe dão suporte jurídico; (iv)

realização de negócios jurídicos com debêntures que vão além da sua função econômica de

financiamento da empresa; (v) existência da organização dos debenturistas, em complemento

à ideia de comunhão de interesses, tendo em vista o seu caráter orgânico; e, por fim, (vi) se os

deveres fiduciários dos administradores se voltariam também aos interesses dos debenturistas,

como credores especiais da sociedade emitente.

Palavras-chaves: debêntures – tutela dos debenturistas – negócios estruturados com

debêntures – mercado de debêntures – novo mercado de renda fixa – novo mercado de dívida

- emissão de debêntures por sociedades limitadas ou cooperativas – empréstimo de debêntures

– recolocação de debêntures conversíveis – organização dos debenturistas – posição de

debenturista – deveres fiduciários em face dos debenturistas – agente fiduciário – assembleia

de debenturistas.

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III

ABSTRACT

This work aims to study, through a theoretical and practical approach, the legal system of

debentures in view of the recent changes introduced by Law No. 1431, of June 24, 2011,

affecting significantly their discipline, and also to examine their current problems and issues

within the evolutionary context of the doctrine and the case studies that are submitted to

analysis, since the use of this financing mechanism by companies has been increasingly

frequent. It also seeks to examine the functioning of the debenture market and the new

proposals to stimulate the circulation of debt bonds. Amongst the most controversial issues to

be studied in this work, the following are highlighted: (i) the evolution of the legal nature of

this institute, in which debentures are seen as debt notes pertaining to the category of

securities; (ii) the creation of a new debenture market as an advancement to the proposal of

the New Fixed Income Market; (iii) the possibility of limited partnerships and cooperatives

issuing debentures in view of the absence of a legal prohibition and the existence of norms

that give legal support to it; (iv) the consummation of legal transactions with debentures that

go beyond their economic function of business financing; (v) the existence of a debenture

holder organization as a complement to the idea of pooling of interests, in view of its organic

character; and, finally, (vi) whether the fiduciary duties of the administrators would also

accommodate the interests of the debenture holders, while in their position of special creditors

to the issuing business.

Key-words: debentures - protection of debenture holders - structured transactions with

debentures - debenture market - new fixed income market - new debt market - issuance of

debentures by limited liability companies or cooperatives – debenture loans - replacement of

convertible debentures - organization of debenture holders - debenture holder position -

fiduciary duties in relation to debenture holders – fiduciary agent – general meeting of

debenture holders.

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IV

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 1

CAPÍTULO I - NOÇÕES INTRODUTÓRIAS SOBRE O REGIME JURÍDICO ............ 6

1. ORIGEM DAS DEBÊNTURES ....................................................................................................6

2. EVOLUÇÃO HISTÓRICO-NORMATIVA NO DIREITO BRASILEIRO ................................10

3. NOTAS SOBRE DEBÊNTURES NO DIREITO COMPARADO ..............................................18

3.1. As debêntures no direito anglo-saxão (debentures ou bonds) ...........................................18

3.2. As debêntures no direito italiano (obbligazioni) ................................................................24

3.3. As debêntures no direito francês (obligations) ..................................................................29

3.4. As debêntures no direito português (obrigações) ..............................................................31

4. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA .....................................................................................35

5. ESPÉCIES E GARANTIAS ........................................................................................................53

6. COMPARAÇÃO ENTRE AS DEBÊNTURES E OUTROS VALORES MOBILIÁRIOS DE

DÍVIDA .......................................................................................................................................57

6.1. Partes beneficiárias ............................................................................................................57

6.2. Notas comerciais ................................................................................................................59

7. FUNÇÃO DAS DEBÊNTURES ..................................................................................................63

8. CRIAÇÃO, EMISSÃO, COLOCAÇÃO E CIRCULAÇÃO: CONCEITOS E IMPLICAÇÕES

LEGAIS .......................................................................................................................................65

8.1. Criação e emissão ..............................................................................................................65

8.2. Colocação e circulação ......................................................................................................74

9. EXTINÇÃO DAS DEBÊNTURES ..............................................................................................79

CAPÍTULO II – ALTERAÇÕES DO REGIME PELA LEI Nº 12.431/2011 ................... 87

1. INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................87

2. NOVAS MODALIDADES DE DEBÊNTURES .........................................................................89

2.1. Debêntures de investimento ...............................................................................................89

2.2. Debêntures de infraestrutura ..............................................................................................91

3. APERFEIÇOAMENTO DAS REGRAS DE AMORTIZAÇÃO E RESGATE PARCIAL .........94

4. NOVAS REGRAS SOBRE AQUISIÇÃO PELA COMPANHIA DE DEBÊNTURES DE SUA

PRÓPRIA EMISSÃO ..................................................................................................................99

5. A EMISSÃO DE DEBÊNTURES POR DELIBERAÇÃO DO CONSELHO DE

ADMINISTRAÇÃO ..................................................................................................................108

6. PARTICIPAÇÃO DO AGENTE FIDUCIÁRIO EM MAIS DE UMA EMISSÃO DA MESMA

COMPANHIA ...........................................................................................................................117

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V

7. EMISSÕES SIMULTÂNEAS DE DEBÊNTURES ..................................................................121

8. REVOGAÇÃO DOS LIMITES LEGAIS DE EMISSÃO ..........................................................124

CAPÍTULO III – MERCADO DE DEBÊNTURES .......................................................... 129

1. FUNCIONAMENTO DO MERCADO DE DEBÊNTURES NO BRASIL ...............................129

1.1. Histórico do mercado de debêntures ................................................................................129

1.2. Sistemas de registro, custódia, compensação e liquidação de debêntures .......................132

1.3. Proposta do Novo Mercado de Renda Fixa .....................................................................137

CAPÍTULO IV - PROBLEMAS E QUESTÕES ATUAIS DAS DEBÊNTURES ......... 142

1. EMISSÃO DE DEBÊNTURES POR SOCIEDADES LIMITADAS E COOPERATIVAS ......142

1.1. Emissão de debêntures por sociedades empresárias limitadas ........................................149

1.2. Emissão de debêntures por sociedades cooperativas .......................................................167

2. NEGÓCIOS JURÍDICOS COM DEBÊNTURES .....................................................................171

2.1. Empréstimo de debêntures e sua natureza de negócio fiduciário ....................................171

2.2. Recolocação de debêntures conversíveis e o direito de preferência ................................180

2.3. Debêntures como medida defensiva à tentativa de oferta hostil ......................................182

2.4. Debêntures permutáveis ...................................................................................................186

2.5. Uso das debêntures para dação em pagamento de nova emissão ....................................189

2.6. Debêntures participativas .................................................................................................192

2.7. Securitização de créditos com debêntures .......................................................................193

2.8. Outros negócios estruturados com debêntures .................................................................194

3. TUTELA DOS DEBENTURISTAS ..........................................................................................196

3.1. Princípio da igualdade de tratamento...............................................................................196

3.2. Posição ou status do debenturista ....................................................................................197

3.3. Organização ou comunhão dos debenturistas e sua estrutura orgânica ...........................200

3.3.1. Assembleia de debenturistas .................................................................................210

3.3.2. Agente fiduciário ...................................................................................................218

3.4. Direitos dos debenturistas ................................................................................................231

3.4.1. Direitos essenciais ou principais ...........................................................................231

3.4.2. Direitos não essenciais ou secundários ..................................................................235

3.5. Deveres dos administradores em face dos debenturistas .................................................236

3.6. Proteção dos direitos dos debenturistas ...........................................................................248

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................. 252

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1

INTRODUÇÃO

“The ´law merchant´, as Chief Justice Cockburn pointed out in his instructive

judgment in Goodwin v. Robarts, is not fixed and stereotyped, but a living law,

capable of expansion and enlargement to meet the requirements of trade in the

varying circumstances of commerce; and no more striking object-lesson in

ilustration of this truth could be found than debentures and debenture stock.”1

As sociedades dependem de recursos para o desenvolvimento de suas

atividades, tendo os acionistas e os credores como fontes de captação externas, por meio de

capitalização ou securitização, respectivamente.2

A capitalização ocorre por meio de realização das entradas, com a

integralização do capital inicial no ato de constituição da sociedade (originária), ou nos casos

de aumento de capital, em que há nova integralização (secundária), atribuindo-se, nestes

casos, a posição de sócio, mediante subscrição de um título patrimonial.

Têm-se duas espécies de capitalização secundária na sociedade anônima: (i)

capitalização com o ingresso de novos recursos (art. 170, LSA), provenientes dos atuais

sócios ou de novos subscritores que participam de aumento de capital; (ii) autocapitalização,

mediante aumento de capital com o aproveitamento de lucros e reservas (art. 169, LSA).

Os credores, por sua vez, participam do financiamento de uma determinada

sociedade por meio de securitização, isto é, a contratação de instrumentos financeiros de

diferentes modalidades (empréstimos, notas promissórias, debêntures, etc.) e características

(curto, médio ou longo prazo; com ou sem garantia; etc.), que podem ou não ser reconhecidos

em lei como valores mobiliários.

1 MANSON, Edward. The Debentures and Debenture Stock of Trading and Other Companies. 2ª ed. Londres:

Butterworth & Co., 1910, prefácio, p. iii. 2 Edmur de Andrade Nunes Pereira Neto define como “meios internos ou próprios” a obtenção de recursos junto

aos sócios e como “meios externos” o financiamento da sociedade por meio de créditos contraídos junto a

terceiros, que, em tese, não participariam do capital da sociedade. Edmur anota, ainda, que as operações de

financiamento poderiam ser divididas em duas categorias: “operações que apontam fundos com vínculo de

capital; e operações que apontam fundos com vínculo de crédito.” (Aspectos Jurídicos da Emissão de

Debêntures Conversíveis em Ações. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Direito da

Universidade de São Paulo. 1986, pp. 8-9).

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2

Tais instrumentos financeiros, reveladores de um título de dívida, são inscritos

no passivo e atribuem ao credor posição distinta daquela conferida ao sócio, com algumas

exceções (p. ex.: direito de participar dos lucros3 nas partes beneficiárias ou nas debêntures

participativas).4

“O financiamento da empresa é, portanto, a colocação à sua disposição, da

totalidade do capital de que necessita e pode ser concebido, em abstrato, como o resultado do

encontro das exigências da empresa com as do capital”.5 A sociedade busca as condições

mais vantajosas para financiar a sua atividade, compatibilizando-as com as “tendências” ou

expectativas do mercado financeiro, que as analisa e pondera sobre a aplicação do

investimento a crédito em um determinado valor mobiliário ou título de dívida.

A doutrina estrangeira reconhece que o “empréstimo obrigacionista [ou

debenturístico] é um financiamento, em regra de montante substancial, que a sociedade

contrai junto de diversas entidades”6, sendo que o rendimento e os direitos conferidos pelo

valor mobiliário devem estar claramente definidos em lei ou na escritura de emissão.

A posição de credor, como dito acima, difere daquela atribuída ao sócio, pois,

via de regra, particularmente nos instrumentos de dívida contratados junto a instituições

financeiras, o credor não tem direito de participar ou votar nas assembleias ou reuniões de

sócios, não indica ou elege membros do conselho de administração ou do conselho fiscal, por

conseguinte, em tese, tem pouca influência7 direta sobre os negócios sociais.

3 O art. 56 da LSA estabelece que “a debênture poderá assegurar ao seu titular juros, fixos ou variáveis,

participação no lucro da companhia e prêmio de reembolso.” 4 “As obrigações [ou debêntures] são geralmente contrapostas às acções, na medida em que, na perspectiva da

sociedade emitente, representam dívida, a qual, em princípio, vencerá juros e deve ser reembolsada. O direito ao

pagamento do juro e ao reembolso são, assim, os dois direitos principais que definem a situação jurídica do

obrigacionista.” (Código das Sociedades Comerciais Anotado. Coord.: CORDEIRO, António Menezes. 2a ed.

Coimbra: Almedina, 2012, p. 931). 5 Edmur de Andrade Nunes Pereira Neto, ob. cit., p. 9.

6 CUNHA, Paulo Olavo. Direito das Sociedades Comerciais. 5

a ed. Coimbra: Almedina, 2012, p. 825.

7 Ressalva-se aqui a possibilidade de controle externo ou exercício de influência dominante pelos credores,

certamente de maneira indireta. Fábio Konder Comparato (em co-autoria com Calixo Salomão Filho) afirma o

seguinte: “Uma situação clássica de controle externo, oriunda do endividamento social, é a que deriva da

emissão de debêntures. Tratando-se de crédito privilegiado e geralmente de montante elevado, a operação

debenturística pode tornar a companhia emitente subordinada à influência dominante da massa de debenturistas,

notadamente quando precária a situação financeira da devedora” (Poder de Controle na Sociedade Anônima. 5ª

ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 92).

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3

Por outro lado, alguns títulos de dívida, como as debêntures, atribuem certos

direitos aos credores, por exemplo, o direito de conversão em ações (naquelas conversíveis) e

o direito de participar de assembleia de debenturistas, que os colocam em destaque frente a

um contrato de empréstimo firmado com uma instituição financeira.8

Isto ocorre, pois, em se tratando de títulos de dívida emitidos em série, ou

massificados, como já os classificou a doutrina comercialista, a relação jurídica é formada

entre uma sociedade emissora e diversos credores que subscrevem o título e passam a compor

a comunhão de debenturistas. Nítida é a distinção entre o negócio realizado por uma

sociedade que necessita de crédito e vai buscá-lo junto a uma determinada instituição

financeira, formando uma relação jurídica bilateral, e o negócio jurídico de emissão em série

de um título de dívida, subscrito e integralizado por uma massa até então desconhecida de

credores, que passam a formar a relação jurídica protegida pelas normas de direito societário,

de mercado de capitais e de valores mobiliários e, também, pelas regras contidas na escritura

de emissão.

Ainda, o instrumento de empréstimo firmado com instituição financeira não

admite livre circulação ou transferência, sem anuência do credor9, diferentemente dos títulos

de dívida como as debêntures, partes beneficiárias e notas comerciais, que a admitem, posto

que se sujeitam ao princípio da livre circulação.

Como títulos de dívidas emitidos em série, as debêntures têm sido utilizadas,

com frequência, para a captação de recursos pelas sociedades anônimas, superando em alguns

8 Em matéria de direitos emanados dos títulos de dívida, a doutrina portuguesa explica que “a título secundário,

são conferidos aos obrigacionistas [debenturistas] outros direitos, quer por imperativo legal, quer por iniciativa

da entidade emitente. No primeiro caso está o direito à informação, através do representante comum” (que no

Brasil recai sobre a figura do agente fiduciário). “No segundo caso estarão a concessão de garantias especiais ou

a atribuição dos direitos de subscrever acções ou de converter as obrigações em acções, como sucede com a

criação dos títulos mistos” (Menezes Cordeiro, ob. cit., p. 931). A exemplo disso, também, tem-se no direito

brasileiro a possibilidade de se atribuir bônus de subscrição, como vantagem adicional, aos titulares de

debêntures (art. 77 da LSA). 9 “O direito romano considerava o crédito intimamente ligado à pessoa do credor. Os jurisconsultos não

admitiam que o direito creditório pudesse transferir-se diretamente da pessoa que o constituía em seu favor para

um terceiro, porque a obbligatio importava em uma relação de direito entre pessoas determinadas. Para que se

desse a mudança na pessoa do credor, ou na do devedor, era forçoso que uma nova estipulação interviesse entre

as partes primitivamente contratantes.” (SOUZA, H. Inglez. Titulos ao Portador no Direito Brazileiro. Rio de

Janeiro: Livraria de Francisco Alves, 1898, p. 5/6)

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4

anos até mesmo a emissão de ações10

. Recentemente, com a queda das taxas de juros, a

necessidade de financiamento para projetos de infraestrutura, os incentivos de natureza fiscal

e a busca de investimentos rentáveis, as debêntures surgem como importante instrumento de

consolidação do mercado financeiro e de capitais, deslocando parcela relevante dos recursos

para o mercado de dívida e fomentando a economia nacional.

A correlação entre o aumento da emissão de debêntures e o desenvolvimento

econômico foi objeto de estudo elaborado por Renê Coppe Pimentel, Edna Ferreira Peres e

Gerlando Augusto Sampaio Franco de Lima11

, em que se verificou aumento das colocações

do título no mercado durante o período de estabilização da economia brasileira (chamado

Plano Real) e crescimento econômico atrelado à ampliação da oferta do referido valor

mobiliário.

Mais recentemente, a Lei nº 12.431, de 24 de junho de 2011, alterou o regime

jurídico das debêntures, introduzindo mudanças significativas na disciplina prevista na Lei nº

6.404/76, o que levou à desatualização de alguns estudos específicos sobre a matéria,

exigindo o esforço de atualização de tais estudos.

Diante de tal cenário evolutivo e da necessidade de sua atualização, bem como

considerando a nova realidade do mercado de dívida brasileiro, apresentamos o presente

ensaio sobre o regime jurídico das debêntures, com o objetivo de lançar luz sobre o tema e

trazer à tona as questões controvertidas a ele inerentes.

Pretende-se discorrer brevemente sobre noções introdutórias e gerais, que

servirão para os estudos posteriores que se seguirão. Trataremos, também, das recentes

alterações introduzidas no regime das debêntures, abordando todos os itens objeto de

atualização, bem como enfrentaremos os problemas e questões atuais das debêntures. Entre os

temas atuais, abordaremos a emissão de debêntures por sociedades limitadas e outros tipos

10

Em 2006, 2011 e 2012, o volume de emissões primárias e secundárias de debêntures superou o volume de

ações emitidas, segundo dados da ANBIMA, conforme tabela comparativa disponível no site:

http://www.debentures.com.br/dadosconsolidados/comparativovaloresmobiliarios.asp. Acesso em: 30/09/2013. 11

O mercado de Debêntures e o Financiamento Produtivo no Brasil: uma Análise de Cointegração e

Causalidade. Revista de Contabilidade e Organizações, da Faculdade de Economia, Administração e

Contabilidade da Universidade de São Paulo. Vol. 5. N. 11, Ano 2011, p. 4-22. Disponível em:

www.rco.usp.br/index.php/rco/article/download/155/190. Acesso em: 21/08/2013.

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5

societários, bem como as medidas já adotadas para o desenvolvimento de um novo mercado

de dívida, visando estimular a liquidez das debêntures.

Ainda, o presente ensaio tem por objetivo discorrer sobre os negócios jurídicos

realizados com debêntures, como a aquisição pela própria companhia emissora para mantença

em tesouraria, a negociação com debêntures, operações societárias que utilizam as debêntures

como veículo para a aquisição de controle, as debêntures como poison pill, etc. Por fim,

cuidaremos da tutela dos debenturistas e das questões relacionadas à atuação do agente

fiduciário.

Espera-se, com isso, oferecer uma pequena contribuição ao estudo das

debêntures, que possa ser útil como instrumento consolidador dos trabalhos já elaborados

sobre o tema, servindo, ainda, como fonte de consulta àqueles que atuam no mercado de

dívida e enfrentam os desafios diuturnos de consolidação do instituto como ferramenta de

financiamento da empresa.

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6

CAPÍTULO I - NOÇÕES INTRODUTÓRIAS SOBRE O REGIME

JURÍDICO

1. ORIGEM DAS DEBÊNTURES

As primeiras características do empréstimo debenturístico surgiram na Idade

Média. Criava-se, desde então, uma obrigação do Estado em favor daqueles indivíduos que

contribuíssem para o financiamento de empreendimentos públicos, evitando o aumento de

impostos e buscando recursos junto ao público para as mais diversas finalidades12

. A

doutrina13

cita a emissão de empréstimos pela República de Gênova, já a partir do Século XII,

bem como o seu fracionamento e a formação da primeira organização de obrigacionistas, com

a criação da Casa delle compere e dei banchi di San Giorgio14

.

A Casa de San Giorgio administrava a dívida pública da república genovesa,

cuja atividade deu origem à própria instituição e era gerida pelo núcleo chamado “le

compere” – o termo “compera” tem suas raízes no mercado financeiro genovês do Século XII.

Para que a receita dos impostos fosse menos incerta, realizava-se uma operação em que o

Estado vendia ao particular, por meio de contrato direto ou leilão público, o direito de cobrar

um determinado imposto especial, por um determinado período, ajustando-se o pagamento,

pelo particular ao Estado, em prestações periódicas, com garantias adequadas, tornando o

fluxo de receitas do Estado regular e previsível e transferindo o risco para o particular, que

ficava responsável pela cobrança dos impostos.15

12

“Anche in passato, nella vita degli stati il debito pubblico costituiva la via di uscita preferita da un’emergenza

dispendiosa, fosse costituita da guerre, carestie, epidemie, cataclismi naturali. Se voleva evitare una gravosa ed

impopolare imposta patrimoniale, solo con un prestito lo stato poteva superare i limiti del bilancio ordinario e

procurarsi una massa supplementare di denaro adeguata alle necessità. La gamma tipologica dei prestiti

pubblici era molto estesa e variava a seconda degli accordi raggiunti dallo stato debitore e dai privati creditori

per conciliare le rispettive esigenze. Le variabili che sottostavano (allora come oggi) alle diverse forme del

debito pubblico erano essenzialmente tre: il termine del rimborso, la rimunerazione del capitale o interesse e le

garanzie offerte dallo stato per il pagamento degli interessi e l’eventuale rimborso del capitale” (FELLONI,

Giuseppe. La Casa delle Compere e dei Banchi di San Giorgio. Debito Pubblico. Disponível em:

http://www.lacasadisangiorgio.it/main.php?do=node&tag=4. Acesso em: 28/08/2013). 13

Cf. BORBA, José Edwaldo Tavares. Das Debêntures. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 2. 14

Cf. a história da Casa delle compere e dei banchi di San Giorgio, cujo funcionamento operou-se entre 1407 e

1805. Disponível em: http://www.lacasadisangiorgio.it. Acesso em: 28/08/2013. 15

Giuseppe Felloni explica:“Tra i debiti pubblici amministrati dalla Casa di San Giorgio, le ‘compere’

costituivano il nucleo più antico ed importante, quello che diede origine alla Casa e ne condizionò gran parte

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7

O endividamento acentuado do Estado, e a dificuldade de instituição de novos

impostos para venda do direito de cobrança aos particulares, resultou na formação de um

débito consolidado e permanente, originando, já no Século XIII, a primeira comunhão de

credores, formada por meio de um consórcio com personalidade jurídica e cujo capital era

dividido em frações ideais com valor nominal de 100 libras.16

Já a palavra debênture é de origem latina e deriva da palavra debentur, que tem

sua raiz no verbo debeo, ou precisamente na voz passiva do verbo debeor (derivações:

deberis, deberi, debitus sum), cujo significado é o mesmo do verbo dever, ou em sua

derivação “são-me devidos, devem-me”17

, como apontam os autores18

que já discorreram

della gestione per quasi quattro secoli. L'impiego del termine ‘compera’ nel senso specifico ed in apparenza

astruso di debito pubblico affonda le radici nel mercato finanziario genovese del sec. XII, dove sottintendeva

due operazioni diverse, seppure simili in apparenza. Con la prima lo Stato, per rendere meno incerto il gettito

delle entrate ordinarie e più regolare il suo flusso, vendeva a privati il diritto di riscuotere una determinata

imposta per un periodo di tempo prestabilito; il prezzo pattuito era pagato normalmente a rate ed in tale modo il

Comune poteva contare su un'entrata regolare, conosciuta in anticipo e coperta da adeguate garanzie,

lasciando agli acquirenti i rischi (o i benefici) dell'esazione. La vendita, che avveniva con trattativa privata od

in pubblica asta, era chiamata "compera" (del gettito dell'imposta), ma tra gli storici è ormai invalso l'uso di

rendere operazioni di tale genere con la parola ‘appalto’. Poiché le risorse correnti non erano sufficienti a

sostenere le ambizioni espansive dello Stato, ben presto la voragine delle spese, ed in particolare di quelle

straordinarie, aprì la strada ad una serie di crescenti disavanzi. Per colmare il deficit si ricorse a prestiti, anche

molto onerosi, concessi sovente da mercanti locali o forestieri; ma per lo più i mezzi finanziari vennero raccolti

mediante mutui stipulati con gruppi di sovventori e garantiti da redditi demaniali od entrate fiscali. A fronte del

capitale ricevuto a prestito, il Comune cedeva al consorzio dei mutuanti il prodotto di una particolare entrata

(ossia il suo gettito se era riscossa in economia od il prezzo di aggiudicazione se era stata venduta) e tale

prodotto fungeva insieme da pegno per il rimborso, da pagamento degli interessi passivi (che perciò variavano

di anno in anno in relazione all'introito della rendita assegnata) ed eventualmente da fondo d'ammortamento.

Aggirando il divieto canonico dell'usura, il contratto era assimilato alla costituzione di una rendita (ossia, nella

prospettiva dell'acquirente, alla sua ‘compera’) e, in quanto tale, ritenuto del tutto lecito: giudizio conforme a

quello che sarà formulato dal diritto canonico nei secc. XV-XVI con l'approvazione e la regolamentazione del

censo consignativo. In questa seconda accezione il termine ‘compera’, integrato ufficialmente da una locuzione

che faceva riferimento al nome dei principali capitalisti, all'importo del prestito o ad altri connotati, designava

insieme il mutuo ed il consorzio dei creditori, che era dotato di personalità giuridica, era gestito da uno o più

partecipanti e sovente amministrava le entrate comunali ricevute in garanzia.” (Disponível em:

http://www.lacasadisangiorgio.it/main.php?do=node&tag=4_4. Acesso em: 28/08/2013). 16

Cf. FELLONI, Giuseppe. Compere di San Giorgio. Disponível em:

http://www.lacasadisangiorgio.it/main.php?do=node&tag=4_4. Acesso em: 28/08/2013. 17

PEREIRA NETO, Edmur de Andrade Nunes. Aspectos Jurídicos da Emissão de Debêntures Conversíveis em

Ações. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. 1986, p. 1. 18

Sobre a origem etimológica da palavra debênture, Waldemar Ferreira (Tratado das Debênturas. 1º Vol. Rio de

Janeiro: Ed. Freitas Bastos, 1944, p. 23), explica que ela “tem suas raízes no verbo latino debeo, es, ui, itum, ere,

dever, to owe”. Os ingleses lecionam que o termo debenture era aplicado aos recibos – que começavam com as

palavras debentur mihi -, e deriva do Latin debentur. Registram que o termo é encontrado em Acts of Parliament

ingleses, com o significado de certificado entregue a oficias e soldados para pagamento de soldos atrasados, mas

não era usado em relação às companhias: “The term debenture (sometimes spelt debentur or debenter) is found

in many old Acts of Parliament, meaning a certificate given to officers or soldiers, which certified that certain

arrears were due to them, (b) such arrears were in some cases charged on specified property (such as rebel land

in Ireland and land at the disposal of the Commonwealth), (c) in other cases on specified rates and duties (such

as the General Fund) (d) But the term is not used in the early Acts of Parliament in relation to Companies, (e)

thus the Companies Clauses Act of 1845 speaks of ´bonds and mortgages´, and not of ´debentures´. In the same

way the instruments, of which a company incorporated under the Companies Act, 1862, is directed to keep a

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sobre o tema. Verifica-se o seu uso desde os tempos da Inglaterra medieval. Anthony Steel19

revela que as debentures de Wardrobe foram proibidas no ano de 1304 por Edward I20

, da

Inglaterra, sinalizando que já àquela época elas eram negociadas com a finalidade lucrativa e

apresentavam a característica de instrumento de crédito negociável, muito provavelmente ao

portador. Steel21

também expõe, referindo-se aos escritos de Mr. J. H. Johnson, que as

debentures de Wardrobe foram negociadas, após a proibição do Rei, por dois royal clerks em

julho de 1316.22

Waldemar Ferreira explica, ao citar Jean Leblond, que os registros das reuniões

do Parlamento Inglês, em 1415, revelam o uso da palavra debentur em reclamação de um

cidadão londrino a respeito do pagamento de mercadorias fornecidas a Henrique IV, então Rei

da Inglaterra.23

Herbert W. Jordan recorda que os primeiros certificados de dívida, emitidos

pela Coroa Britânica aos soldados por serviços prestados ao governo, recebiam o nome de

debentur.24

Com o advento das companhias colonizadoras e a necessidade de capitalização

para as aventuras mercantes, o termo debenture passou a ser aplicado também para o

financiamento do setor privado. Como demonstram os registros, no período de 1671 a 1674,

das reuniões de uma das mais antigas companhias ainda em funcionamento, a Hudson´s Bay

register (section 43), are called ´mortgages´ and ´charges´, ´debentures´ are not specifically mentioned”.

(SIMONSON, Paul Frederick. A treatise on the law relating to debentures and debentures stock: issued by

trading and public companies and by local authorities: with forms and precedents. Londres: E. Wilson, 1899, p.

2. Reprodução do original da Biblioteca da Harvard Law School). 19

The Negotiation of Wardrobe Debentures in the Fourteenth Century. In: The English Historical Review. Vol.

44. Nº 175. Oxford University Press, 1929, p. 439-443. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/553042.

Acesso em 25/01/2013. 20

Edward I (17 Junho 1239 – 7 Julho 1307) foi Rei da Inglaterra de 1272 a 1307. 21

Ob. cit., p. 439. 22

Os precursores, não apenas em emissões por instituições públicas, mas também em emissões por companhias,

são os ingleses. Paul Frederick Simonson (Ob. cit., p. vii) registra que, em 1897, as emissões de debentures e

debentures stock chegaram a £400,000,000, representando um quarto do capital social das sociedades inglesas

inscritas no Registrar of Joint Stock Companies. (Em 1844, o Parlamento Inglês promulgou o Joint Stock

Companies Act para facilitar a constituição e o registro de sociedades mercantis que, àquela época, antes da

promulgação dessa lei, somente podiam ser criadas por um ato do governo, de duas formas: (i) Royal Charter

emitido pelo Monarca, a exemplo das cartas patentes, que conferiam direitos ou poderes a um indivíduo ou a um

grupo de pessoas; ou (ii) Private Act emitido pelo Parlamento, em favor de um indivíduo ou grupo de pessoas,

conferindo benefícios, direitos ou a limitação de responsabilidade por certos atos praticados.) 23

Ob.cit., p. 23. “Em 1415, conta o tratadista, pelo que se referem os Parliamentary Rolls de Henrique IV, certo

cidadão de Londres reclamou o pagamento de mercadorias fornecidas a Henrique IV, que os membros da

comissão encarregada de examinar as reclamações, ‘ne voillent paier la somme suitdit suppliant due, à cause

qu’il demonstre pas biles de Debentur desouth le seal du clerk du spicere du dit nadgair Roy, temoignauntz la

dette suitdit’. Outros documentos antigos referem-se ao uso do vocábulo há mais de quinhentos anos, até a

propósito de soldos de oficiais, soldados ou servidores do rei.” (Ob. cit., p. 24). 24

JORDAN, Herbert W. Debentures and other charges. Legal Treatises, 1800-1926. Reimpressão. Reprodução

da Harvard Law School Library. Londres: Jordan & Sons, 1914, p. 1 e 2.

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Company, a emissão de debêntures era realizada para fomentar a exploração comercial de

outros territórios. Os acionistas da Hudson’s Bay, por exemplo, subscreveram debêntures que

se tornariam, por meio do recebimento de juros, uma das poucas formas de remuneração do

capital investido na companhia, tendo em vista que a distribuição de dividendos fora

interrompida por um período de 14 anos - a política da companhia era a de evitar a

distribuição de dividendos enquanto não houvesse retorno do investimento.25

Edmur de Andrade Nunes Pereira Neto aponta, ao citar o jurista italiano Dario

Velo, que as debêntures conversíveis em ações foram utilizadas pelas primeiras vezes no

século XVII, com amplo uso no início do século XVIII.

Em linha com a origem latina da palavra, o juiz Malms, ao julgar o caso In re

Imperial Land Co. of Marseilles, ex pte Colborne and Strawbridge26

, em 1872, conceituou a

debênture como um instrumento revelador de uma situação jurídica em que a parte devedora

era obrigada a pagar a dívida contraída junto ao credor. Esse título de dívida, portanto, em

razão dos dizeres nele contidos, passou a se chamar debenture. O significado de debênture,

assim, está associado ao seu próprio conteúdo revelador de uma dívida, desde os tempos em

que se tem notícia de seu uso pela armada britânica.

O uso da palavra debêntures, a partir do Mortgage Debentures Act, de 1865,

disseminou-se para outros países “com o significado de ‘obrigação’ – título de emissão das

sociedades anônimas ou em comandita por ações”.27

Inglez de Souza ensina que o termo

obrigação, “representa o crédito resultante da emissão de um empréstimo, ou objetivamente o

título negociável que o mutuário entrega ao mutuante como documento e prova do seu

direito.”28

O termo obrigação ainda é muito utilizado para se referir à dívida contraída

pelas companhias por meio da emissão de títulos em série (Obbligazioni, na Itália, obligation,

na França, e obligación, na Espanha). Já o direito alemão denomina o título obrigacionista de

Schuldverschreibung.29

25

RICH, E.E. Minutes of Hudson Bay Company. Vol. V. Londres: Hudson´s Bay Record Society, 1942. 26

Ob. cit., p. 2. 27

Edmur de Andrade Nunes Pereira Neto, ob. cit., p. 2. 28

Apud Waldemar Martins Ferreira, ob. cit., p. 25. 29

Tavares Borba, ob. cit., p. 3.

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2. EVOLUÇÃO HISTÓRICO-NORMATIVA NO DIREITO

BRASILEIRO

O surgimento das debêntures no Brasil está visceralmente ligado à vinda da

família Real portuguesa, em especial ao estabelecimento da indústria e comércio, à história do

crédito e à criação das primeiras instituições financeiras brasileiras30

.

Na esteira do desenvolvimento econômico e industrial, oriundos da vinda da

Corte e dos ingleses31

que a acompanharam, um Decreto de 1808 aboliu a proibição de

fábricas no Brasil, concedeu isenção a uma série de matérias primas e ainda encerrou o

monopólio português sobre exportações. Era o início do período industrial no Brasil, com

algumas décadas de atraso (a Revolução Industrial se iniciou na Inglaterra em meados do

Século XVIII).32

A partir de 1808, portanto, é que o crédito, o giro do dinheiro, o capital

privado, passa a ter condições de circular na Colônia portuguesa, tendo em vista a

proximidade com o centro de poder – a distância tornava precária a circulação de riquezas em

nosso país.

Até a vinda da Coroa portuguesa, conhecia-se apenas o empréstimo público33

e

não se tinha notícia de empréstimo em série com captação de recursos privados. Os

30

Carvalho de Mendonça retrata a importância da fundação do Banco do Brasil para o fomento da indústria

nacional infante à época: “Oito anos depois de fundado o Banco de França, o Alvará de 12 de outubro daquele

ano de 1808 criava no Rio de Janeiro um banco nacional, banco público, que primeiro tomou o nome de Banco

do Brasil, tendo por objetivo, além da faculdade de emissão de bilhetes pagáveis ao portador, operações de

desconto, comissões, depósitos pecuniários, saques de fundos por contados particulares e do Real Erário, tudo

isso dizia o Alvará do Príncipe Regente, afora outros fins, ´para promover a indústria nacional pelo giro e

combinação dos capitais isolados’”. (Tratado de Direito Comercial Brasileiro. Vol. IV. Livro II. 4ª ed. Rio de

Janeiro: Ed. Freitas Bastos, 1946, p. 77). 31

Um estudioso recorda-nos a influência inglesa no Brasil, quando da abertura dos portos, com a vinda de uma

“avalanche de comerciantes ingleses que desembarcou na esteira dos navios da Corte portuguesa que incluía toda

espécie de negociante”, ressaltando que, em agosto de 1808, “duas centenas de empresas de variado porte

possuíam representantes ou agentes no Brasil” (CALDEIRA, Jorge. A Nação Mercantilista. São Paulo: Ed. 34,

1999, p. 326) 32

“A Carta Régia de 28 de janeiro de 1808 abrira os portos do Brasil ao comércio direto estrangeiro.” [...] “Em

seguida, o Alvará de 1º de abril do mesmo ano permitiu o livre estabelecimento de fábricas e manufaturas. Nesse

referido ano (1808), como consequência da liberdade de comércio e indústria, o Alvará de 23 de agosto fundara,

no Rio de Janeiro, a Real Junta de Comércio, Agricultura, Fábrica e Navegação [...]”. (Ob. cit., p. 76-77)

33 Inglez de Souza (Ob. cit., pp. 15-16) registra que “no Brazil, antes da independência, já se conhecia o

empréstimo público, ou cousa parecida. [...] O alvará de 9 de Maio de 1810 mandou considerar antigas todas as

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historiadores relatam que os particulares faziam uso da confissão de dívida para formalizar

um empréstimo e assegurar que o patrimônio do devedor, ainda que por meio de garantia

pessoal, pudesse servir de proteção ao credor.34

Com o fim do período colonial, inicia-se a fase de expansão da atividade

econômica, com boa parte dos recursos fluindo para o entorno da Corte portuguesa no Rio de

Janeiro.35

A revogação da política de restrições, até então imposta à Colônia, na esteira da

abertura comercial, também favoreceu a transformação econômica. Além disso, “a existência

de um instrumento jurídico eficiente de reconhecimento das dívidas e a certeza da cobrança”36

– um título de cobrança reconhecido pelas autoridades -, poderiam tornar a circulação de

capitais mais segura e, de certa forma, protegida pelo aparato estatal, facilitando a emissão de

títulos, obrigações ou debêntures.37

A necessidade de proteção ao crédito levou o Ministro da Justiça, Aureliano

Coutinho, em 1834, a defender a elaboração de um Código Comercial. Naquela época o país

vivia um período de insegurança, “o comércio do Brasil tomava incremento e não havia

dívidas contraídas até 1797, e marcou prazo aos interessados para apresentarem suas letras ou documentos, sob

pena de prescrição. Confirmando a medida, que tinha por fim a liquidação das dívidas da Capitania do Rio de

Janeiro, o decreto de 12 de Outubro de 1811 mandou processar no Erário Régio do Rio uma folha da dívida

antiga e que segundo apurado se dessem cédulas aos credores, vencendo 6% ao ano.” (Titulos ao Portador no

Direito Brazileiro. Rio de Janeiro: Livraria de Francisco Alves, 1898, p. 15/16). 34

Os historiadores revelaram, em seus estudos sobre o período Colonial, a precariedade da circulação de

riquezas em nosso país, como demonstram as linhas a seguir: “Quando se começou a permitir o comércio livre

na capital, verificamos que seus comerciantes ignoravam quase por completo o que fosse o crédito; jamais se

colocava dinheiro a juros, salvo com o Governo e mesmo então somente em somas que os homens de posse

achavam prudente adiantar, e frequentemente com a suspeita de que nunca as haviam de ter de volta. Tinham,

como agora, pouca ideia do valor e da influência do capital, como também não possuíam bastante confiança uns

nos outros para emprestá-lo sob a forma de cauções ou descontar letras. Havia, na verdade, uma espécie de título

a que chamavam um ‘crédito’, mas que não desempenhava nenhuma das funções de papel-moeda. Pouco mais

representava que o reconhecimento de uma dívida e uma declaração de que o credor havia de ser pago mais cedo

ou mais tarde com as propriedades e bens do devedor, se acaso falhassem todos os demais meios de solvência.”

[...] “os comerciantes não tinham confiança para emprestar dinheiro uns aos outros, por um motivo bastante

razoável: a suspeita de que não o veriam de volta. Não havia títulos com liquidez, descontáveis no mercado,

porque o máximo que se conseguia extrair era uma confissão de dívida – jamais com prazo de liquidação e muito

menos com garantia judicial.” (Jorge Caldeira, ob. cit., p. 336-337) 35

PRADO JÚNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. 7ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1962. 36

Jorge Caldeira, ob. cit., p. 337. 37

É, porém, com o fim do tráfico de escravos e a necessidade de se buscar novas atividades para o emprego dos

recursos, que o Brasil vive um período de grande movimento dos negócios. A repressão brasileira ao tráfico de

escravos, iniciada curiosamente em 1850, ano de promulgação do Código Comercial, teve forte influência

inglesa a partir da aprovação da Bill Aberdeen (o ato foi aprovado pelo Parlamento inglês, em 08 de agosto de

1845, influenciando sobremaneira o fim do comércio de escravos), tornando lícita a apreensão de qualquer navio

que transportasse escravos da África para o Brasil.

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legislação segura e protetora do crédito. As facilidades e as imoralidades das quebras

constituíam meio de vida para muita gente.”38

Daí que, em 1850, promulga-se o Código Comercial brasileiro39

e se

estabelecem as primeiras normas jurídicas codificadas relacionadas à prática comercial. O

referido Código, apesar de tratar das sociedades anônimas ou companhias, e também das

sociedades comerciais, não trouxe disposição relativa à emissão de obrigações ou

debêntures.40

Vivia-se um vácuo legislativo a respeito da emissão de títulos pelas sociedades

comerciais, até que, dez anos após a promulgação do Código Comercial, entrou em vigor a

Lei nº 1.083, de 22 de agosto de 1.86041

- a primeira a usar a expressão “título ao portador” -,

proibindo expressamente as companhias de emitir notas, bilhetes, papéis ou títulos ao

portador, sem autorização do Poder Legislativo, exceto as instituições financeiras criadas por

decreto do Poder Executivo.42

A restrição imposta pelo Império, por meio da Lei nº 1.083, tinha como pano

de fundo a divergência sobre a condução da política econômica e cambial do país,

publicamente difundida entre o presidente do Banco do Brasil, Visconde de Itaboraí (defensor

do padrão ouro), e o Ministro da Fazenda, Souza Franco (adepto da liberação do crédito e da

livre iniciativa), com a participação do Barão de Mauá que, após perder o Banco do Brasil

para o governo, decidiu fundar uma sociedade em comandita com a emissão de ações ao

portador.43

38

Jorge Caldeira, ob. cit, p. 94. 39

Lei nº 556, de 25 de junho de 1850. 40

Waldemar Ferreira (Ob. cit., p. 37) recorda que: “tendo consagrado apenas meia duzia de artigos à sociedade

anônima, não aludiu o código do comércio aos títulos, que ela pudesse emitir, ademais das ações representativas

de seu capital.” 41

“Art. 1º [...] §10. Nenhum Banco, que não fôr dos actualmente estabelecidos por Decretos do Poder Executivo,

Companhia ou Sociedade de qualquer natureza, commerciante ou individuo de qualquer condição, poderá

emittir, sem autorisação do poder Legislativo, notas, bilhetes, vales, papel ou titulo algum ao portador, ou com o

nome deste em branco, sob pena de multa do quadruplo do seu valor, a qual recahirá integralmente tanto sobre o

que emittir como sobre o portador.” 42

CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 1º Vol. 6ª ed. São Paulo: Saraiva,

2011, p. 655. 43

Cf. IUDÍCIBUS, Sergio; RICARDINO FILHO, Álvaro Augusto. A Primeira Lei das Sociedades Anônimas no

Brasil. Lei nº 1.083 – 22 de agosto de 1860. Revista de Contabilidade e Finanças. N° 29. Universidade de São

Paulo, 2002, pp. 7-25. O artigo é uma verdadeira releitura histórica dos fatos que marcaram a edição da lei

1.083/1860 e demonstra o contexto social que culminou na proibição de emissão de notas e títulos ao portador

pelo Império, que temia o chamado “perigo da anarquia monetária”.

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Diante da crise bancária que eclodiu em 1857 nos Estados Unidos, com efeitos

sobre o câmbio no Brasil, o Ministro da Fazenda solicitou ao Banco do Brasil empréstimo

para fazer frente às obrigações assumidas pelo governo. Para surpresa do Ministro, o Banco

do Brasil se recusou a realizar nova emissão de moeda. A única saída foi buscar recursos

junto à sociedade do Barão de Mauá, que acreditava na valorização do Real (moeda da época)

sobre a Libra Esterlina, bem como autorizar a emissão de títulos pelos bancos das províncias,

como nos recordam Sergio Iudícibus e Álvaro Augusto Ricardino Filho44

.

Com o fim da crise financeira, já em 1858, preocupado com o funcionamento

de novos bancos, a diretoria do Banco do Brasil alertou o Imperador sobre a “anarquia

monetária”, mediante a restrição ao funcionamento de novas instituições financeiras e,

também, à emissão de notas, bilhetes ou títulos ao portador.

Tais restrições, além de outras detalhadas na lei45

, decorreram de medidas

radicais adotadas pelo novo Ministro da Fazenda, Ângelo Muniz da Silva Ferraz, que propôs

o texto da Lei nº 1.083, com o aparente objetivo de corrigir algumas falhas do Código

Comercial em vigor à época.

Foi somente a partir da Lei nº 3.150, de 4 de novembro de 1.882, decretada por

Dom Pedro II, que instaurou o regime das disposições normativas, ou da liberdade, na

constituição das companhias, que a emissão de obrigações ao portador passou a ser

autorizada como meio de contrair empréstimos junto ao público investidor46

(“Art. 32. E'

permittido ás sociedades anonymas contrahir emprestimo de dinheiro por meio de emissão de

obrigações ao portador.”), introduzindo-se, ainda, no direito brasileiro a expressão

obrigações ao portador, herdada do direito continental europeu. O vocábulo debêntures, por

sua vez, foi introduzido em nosso ordenamento pelo artigo 2147

, do Decreto 8.821, de 30 de

dezembro de 1.882, que regulamentou a Lei nº 3.150, inserindo-o entre parênteses após a

44

Ob. cit., p. 11. 45

Para exemplificar outras restrições impostas à emissão pelos bancos e sociedades, transcrevemos um artigo da

Lei no 1.083, de 22 de agosto de 1.860: “Art. 2º [...] §5º. Em quanto o Governo não declarar constituida huma

Companhia ou Sociedade Anonyma, não se poderá emittir, sob qualquer pretexto, titulo algum, cautela,

promessa de acções, ou declaração de qualquer natureza, que possa certificar a qualidade de accionista; e ainda

depois de constituida, suas acções não serão negociaveis, nem poderão ser cotadas, sem que esteja realisado hum

quarto do seu valor.” 46

Sergio Iudícibus e Álvaro Augusto Ricardino Filho, ob. cit., p. 24. 47

“Art. 21. É permittido ás sociedades anonymas contrahir emprestimo por via de obrigações (debentures) ao

portador.”

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palavra obrigações, o que demonstra o entendimento à época de que debêntures e obrigações

eram sinônimos.

Já no regime republicano, Waldemar Ferreira48

explica que as debêntures ou

obrigações foram tratadas pelo Decreto no 1.641, de 17 de janeiro de 1.890, acentuando-se,

inclusive, “a natureza privilegiada da debêntura, que, antes, podia ser quirografária, por

ausência de preceito expresso em contrário”, sendo tal ato normativo consolidado no Decreto

no 434, de 4 de julho de 1.891, nos artigos 41

49 a 45, cujos dispositivos foram transcritos do

Decreto anterior.

O Decreto no 169-A, de 19 de janeiro de 1.890, que tratou do regime jurídico

das hipotecas e ônus reais e da aplicação da lei civil para hipotecas realizadas em favor de

credores comerciantes, em seu artigo 5°, parágrafo 1° e 2°, utiliza a expressão “debêntures ou

obrigações ao portador para se referir aos títulos emitidos pelas sociedades anônimas ou

comandita por ações, reconhecendo a sujeição do título de dívida àquela norma,

especialmente às regras de inscrição das hipotecas convencionais para os instrumentos que

possuíssem tal garantia.50

Ainda no Século XIX, como ensina Waldemar Ferreira51

, o Decreto no 370, de

02 de maio de 1.890, ao regulamentar o Decreto 169-A conferiu privilégio especial às

debêntures, assegurando sua preferência sobre o imóvel hipotecado quando concorressem

com uma hipoteca constituída posteriormente à emissão do título.

A partir da indicação de Leopoldo Bulhões à Câmara dos Deputados e de

substitutivo do Senado, relatado por Ruy Barbosa, promulga-se o Decreto no 177-A, de 15 de

setembro de 1.893, com o objetivo de regular especificamente a emissão de empréstimo em

obrigações ao portador, ou debêntures, com novas regras e privilégios, como por exemplo, a

preferência a quaisquer outros títulos de dívida que viessem a recair sobre os ativos ou bens

da companhia emissora52

.

48

Ob. cit., p. 39/40. 49

“Art. 41. E’ permittido ás sociedades anonymas contrahir emprestimos em dinheiro, dentro ou fóra do paiz,

emittindo para esse fim obrigações (debentures) ao portador.” 50

Waldemar Ferreira, ob. cit., p. 24. 51

Ob. cit., p. 24. 52

Art. 1º, §1º, do Decreto nº 177-A, de 15 de setembro de 1.893.

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15

Ainda, naquela época, o governo publicou o Decreto no 2.519, de 22 de maio

de 1.897, para regulamentar o artigo 5°, do Decreto 177-A, permitindo à sociedade emissora

firmar acordo com os debenturistas ou obrigacionistas sobre “o resgate ou pagamento das

mesmas obrigações, estipulando quaisquer cláusulas, contanto que não sejam contrárias a

direito”53

.

Interessante destacar que o Decreto 2.519 foi o primeiro ato normativo a

reconhecer e admitir a reunião dos portadores de obrigações para discutir as propostas de

acordo da companhia, bem como a exigir a designação de um “fiscal” com o encargo de

vigiar os direitos e interesses dos obrigacionistas, surgindo a partir daí a figura do agente

fiduciário. Seguiram-no o Decreto no 22.431, de 06 de fevereiro de 1.933, que revogou o

Decreto 2.519, com o propósito específico de regular a comunhão de interesses entre os

portadores de “debênturas”, porém teve a sua eficácia questionada à época, sendo,

posteriormente, substituído pelo Decreto-Lei no 781, de 12 de outubro de 1.938, como nos

recorda Waldemar Ferreira54

.

Curioso notar que não consta revogação expressa do Decreto-Lei no 781/1938,

conforme noticia o Congresso Nacional55

. Pode-se afirmar, no entanto, que houve revogação

parcial no tocante à emissão de debêntures por sociedades anônimas e sociedades em

comandita por ações, já que novo regime jurídico sobreveio com a entrada em vigor da Lei no

6.404/76. Porém, o referido Decreto-Lei regula também a emissão de obrigações ou

debêntures por sociedades autorizadas por lei especial, como é o caso das cooperativas.

Acredita-se que, nesse ponto, o decreto continua em vigor e permite a emissão

de debêntures pelas cooperativas, como veremos mais adiante em capítulo próprio sobre o

tema.

Em 26 de setembro de 1.940, entra em vigor o Decreto-Lei no 2.627, com novo

regramento para as sociedades por ações, referindo-se apenas às ações e às partes

beneficiárias, como valores mobiliários de sua emissão, sem tratar das debêntures, as quais

continuaram reguladas pelo Decreto-Lei n. 781.

53

Art. 1º do Decreto nº 2.519, de 22 de maio de 1.897. 54

Ob. cit., p. 41. 55

Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-781-12-outubro-1938-

350319-norma-pe.html. Acesso em: 27/08/2013.

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16

Assim, de 1893 a 1976, as debêntures foram reguladas por leis específicas e

somente voltariam a ser tratadas no mesmo texto normativo das sociedades por ações a partir

da promulgação da Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (LSA), cujo regramento perdura

até os dias de hoje, com algumas modificações.

A LSA trata das debêntures em seu Capítulo V (artigos 52 a 74), com algumas

outras disposições esparsas na referida lei, como por exemplo nos artigos 101 (referente à

escrituração eletrônica do registro de propriedade das debêntures); 109, IV (direito essencial

do acionista à preferência na subscrição de debêntures conversíveis em ações); 122, IV

(competência privativa da assembleia geral para autorizar a emissão de debêntures); 163, III

(opinião do Conselho Fiscal sobre a emissão de debêntures); 166, III (aumento de capital por

meio de conversão de debêntures em ações); 171, §3° (direito de preferência dos acionistas à

subscrição de debêntures conversíveis); 172 (hipóteses excepcionais de exclusão do direito de

preferência à subscrição de debêntures conversíveis em ações); 174, §3° (direito de oposição

dos debenturistas à redução de capital, sujeitando-a à aprovação prévia em assembleia

especial); 231 (direitos dos debenturistas em operações de incorporação, fusão ou cisão da

companhia); 287, II, “d” (prazo prescricional da ação de reparação dos debenturistas em face

do agente fiduciário); e 296, §2° (proteção aos direitos pecuniários dos debenturistas em razão

da entrada em vigor da LSA – disposição transitória).

As disposições relativas às debêntures foram modificadas pelos seguintes atos

normativos:

(i) Lei 9.457, de 05 de maio de 1997 – ajustou a redação da LSA em função das

proibições contidas na Lei nº 8.021, de 12 de abril de 1.99056, que eliminou a

possibilidade de emissão de títulos ao portador, em que pese o objetivo

primordial da lei foi introduzir maior proteção aos minoritários;

56

Vale registrar que a Lei nº 8.021, de 12 de abril de 1.990, sancionada pelo Presidente Fernado Collor, proibiu

o pagamento ou resgate de qualquer título ou aplicação, a partir daquela data, a beneficiário não identificado. A

referida lei alterou o texto do art. 20 da LSA, retirando-lhe as palavras “endossáveis” ou “ao portador” e,

consequentemente, admitindo apenas a criação de ações nominativas. Não houve alteração expressa da LSA no

tocante aos demais valores mobiliários, porém a lei vedou novas emissões de “títulos e a captação de depósitos

ou aplicações ao portador ou nominativos-endossáveis” (art. 2º, II).

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(ii) Lei n° 10.303, de 31 de outubro de 2001 – alterou, entre outras coisas, a

exigência de certificado para sua emissão, admitiu livre pactuação de

referenciais para correção monetária, permitiu o pagamento do principal e

acessório em bens, à escolha do debenturista, autorizou a emissão de debêntures

simples pelo conselho de administração da companhia, alterou o local de

inscrição da escritura de emissão (do registro de imóveis para o registro do

comércio); e

(iii) Medida Provisória 517, de 30 de dezembro de 2010, convertida na Lei 12.431,

de 24 de junho de 2011 – eliminou o limite máximo de emissão de debêntures e

passou a admitir a autorização do conselho de administração para emissão de

debêntures conversíveis em ações, dentro do limite do capital autorizado, dentre

outras alterações que serão estudadas em capítulo próprio deste trabalho.

Além dos atos normativos acima citados, há um grande esforço de entidades

como a BMF&Bovespa e a ANBIMA para o aperfeiçoamento de regras que possibilitem o

desenvolvimento do chamado “novo mercado de renda fixa” – alusão ao regime diferenciado

ou segmento especial de listagem de companhias na própria Bovespa.

Dentre as iniciativas, no âmbito da autoregulação, a publicação do Código

ANBIMA de Regulação e Melhores Práticas do Novo Mercado de Renda Fixa, com vigência

a partir de 09 de março de 2012, passou a exigir a adoção de certos princípios e normas nas

ofertas públicas de debêntures, visando “criar as condições necessárias para o surgimento no

Brasil de um mercado de renda fixa capaz de financiar parcelas significativas dos

investimentos que serão necessários para o desenvolvimento sustentado da economia”57

.

57

Código ANBIMA de Regulação e Melhores Práticas do Novo Mercado de Renda Fixa, p. 1. Disponível em:

http://portal.anbima.com.br/financas-corporativas/regulacao/novo-mercado-renda-fixa/. Acesso em: 29/03/2013.

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18

3. NOTAS SOBRE DEBÊNTURES NO DIREITO COMPARADO

O direito comercial, como direito histórico e evolutivo, sempre buscou

inspiração no sistema de países desenvolvidos, onde a produção econômica, muito à frente de

outros países, exige a necessária evolução do direito para suportar o avanço das práticas

comerciais. O mesmo ocorre com as debêntures, cuja evolução ocorreu, e ainda ocorre, em

países onde o volume de emissões de títulos de dívida, e os problemas delas decorrentes,

justificaram o avanço das normas aplicáveis ao referido instituto.

A evolução dos títulos ou instrumentos financeiros ou de dívida, em que se

encaixam as debêntures, desde a sua origem até os dias de hoje, é mais acentuada nos países

de origem anglo-saxã, em especial na Inglaterra e nos Estados Unidos, razão pela qual

iniciaremos o estudo das debêntures em tais ordenamentos. Por outro lado, é importante

analisar o instituto também à luz dos sistemas romano-germânicos, tais como Itália, França e

Portugal, visto que os mesmos influenciaram, e de certa forma ainda influenciam, o direito

brasileiro.

3.1. As debêntures no direito anglo-saxão (debentures ou bonds)

Como mencionado anteriormente, as debêntures foram criadas pelos ingleses

para o financiamento público das forças armadas daquele país e, posteriormente, serviram de

importante instrumento para a expansão do comércio e das atividades das companhias

colonizadoras.

O Student’s Law Dictionary58

explica que as chamadas Soldiers Debentures

foram ordenadas por lei, pela primeira vez, durante o período conhecido como Usurpation of

Oliver Cromwell59

, em 1653, sendo comumente utilizada no Condado de Exchequer como

meio de retribuição e pagamento de remuneração aos súditos pelos serviços prestados ao Rei.

58

HODGES, James. Londres: E. and R. Nutt, and R. Gosling, 1740. Disponível em:

http://find.galegroup.com/ecco. Acesso em 25/01/2013. 59

Oliver Cromwell tomou o poder e destituiu o Parlamento – Rump Parliament – após a batalha de Worcester.

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O entrelaçamento dos interesses público e privado na origem das corporações,

em especial das companhias colonizadoras inglesas, poderia explicar a mutação das

debêntures de título de dívida emitido pelo poder público para título de dívida de emissão das

companhias, em período de importantes transformações na estrutura socioeconômica da

época, inclusive com o fim da perseguição ao empréstimo de dinheiro a juros.60

Os credores, por sua vez, passaram a ter títulos privados com melhor retorno

para o seu investimento, porém com maior risco. As companhias exportadoras e importadoras

(trading companies) foram as primeiras a utilizar o instrumento para financiar suas atividades

na Inglaterra e nas colônias.

Blackstone, em seus comentários às leis inglesas, no livro dos direitos das

coisas, ao analisar a alienação por meio de um instrumento ou título (deed), já mencionava a

emissão de uma obrigação ou bond, por meio de um instrumento (deed), em que o proponente

(obligor) se comprometia a pagar certa soma de dinheiro a um terceiro em uma determinada

data futura.61

Paul Simonson explica que de acordo com o Companies Act de 1862, as

debêntures poderiam ser emitidas de dois modos: (i) simples debentures; ou (ii) debentures

stock. As duas modalidades se distinguiam mais pela forma que por seu conteúdo. Nas

debêntures simples, o credor tem direito a certa dívida, separada no balanço da sociedade em

nome do debenturista, a qual é paga pela companhia em determinados eventos, ou após o

término de certo período definido na escritura de emissão. Já nas debentures stock, o

debenturista tem direito a uma parcela, ou um pedaço, da dívida (com ou sem garantia), a qual

é usualmente paga ao agente fiduciário nomeado na escritura de emissão em determinadas

datas ou após o término do período de duração do título. Neste caso, os debenturistas não

60

A usura foi considerada por muitos anos pecado capital e aqueles que praticavam o empréstimo de dinheiro,

mediante a cobrança de juros, como negócio habitual, eram perseguidos e condenados pelos líderes da Igreja,

não apenas por ser uma atividade imoral, mas também por ser considerada improdutiva. Por isso, aqueles que

exerciam tal atividade recebiam, em contrapartida, apenas o principal emprestado, sem direito a receber qualquer

valor adicional a título de juros. A atividade era tão mal vista pela sociedade, sob a influência da Igreja, que os

seus praticantes acabavam condenados, execrados, pela opinião pública da época. Nesse sentido: “The practice

of charging interest on loans was considered to be unsound in principle; it was condemned by the leaders of the

Church not only as being imoral, but on the ground that money itself was unproductive and barren, so that the

lender was entitled to no more than the sum advanced, and it was also condemned by public opinion.”

(JORDAN, Herbert W. Ob. cit., p. 5) 61

CURRY, William. The Commentaries of Sir William Blackstone, Knt. on the Laws and Constitution of

England. Londres: Elibron Classics, 2005, p. 223 (Reprodução original da edição publicada em 1796).

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20

firmam um contrato diretamente com a companhia, mas tem seus direitos assegurados por

meio de seu representante (trustee).62

Na Inglaterra, como já afirmado, as debêntures passaram a ser reguladas por

norma específica a partir do Mortgage Debentures Act63

, de 1865, sendo largamente utilizadas

no início por sociedades cujas atividades estavam relacionadas às ferrovias, canais e

mineração.

Posteriormente, as debêntures deixaram de ser reguladas por normas

específicas e voltaram a ser reguladas pelos Companies Acts. Atualmente, o Companies Act

de 2006 contém uma parte inteiramente dedicada às debêntures e as define por meio da

identificação das espécies que podem ser emitidas pelas companhias, incluindo as chamadas

debenture stock, bonds e qualquer valor mobiliário emitido que constitua ou não um gravame

sobre os ativos da companhia64

. O termo debênture, portanto, na Inglaterra, seria o gênero que

contemplaria as seguintes espécies: (i) debenture stock; (ii) bonds; e (iii) quaisquer outras

securities.

Há, portanto, na Inglaterra, a distinção entre debentures bonds, que são as

debêntures simples, negociadas por um valor fixo e pré-determinado, e as debentures stocks,

que são livremente negociadas em Bolsa, por qualquer valor acordado entre o vendedor e o

comprador.

Curioso notar, ainda, que o termo securities é definido pelo Companies Act, na

Seção referente ao Takeover Panel, com o significado de shares ou debentures, ou seja,

apesar de possuírem regimes jurídicos distintos, as ações e as debêntures pertencem à mesma

categoria, a dos valores mobiliários. E mais, as debêntures que possuírem direito de voto nas

assembleias da companhia serão tratadas como ações65

.

62

Paul Simonson, ob. cit., pp. 6-7. 63

Paul Simonson, ob. cit., p. 2. 64

Seção 738, inserida na Parte 19, do Companies Act de 2006: “738 Meaning of ‘debenture’. In the Companies

Acts ‘debenture’ includes debenture stock, bonds and any other securities of a company, whether or not

constituting a charge on the assets of the company.” 65

Companies Act de 2006. Seção 971. “Debentures issued by a company are treated as shares in the company if

they carry voting rights”.

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Já no direito norte-americano, os instrumentos de dívida apresentam três tipos

principais: bonds, debentures, e notes. São valores mobiliários que têm a natureza de

promissory notes com cláusulas mais elaboradas se comparadas com os empréstimos comuns

obtidos junto às instituições financeiras. Normalmente, são utilizados como instrumentos

financeiros de longo prazo.66

Os bonds são títulos de longo prazo, com vencimento no prazo de 30 anos ou

mais a partir da emissão, com garantia da sociedade emissora (collateral). Em razão da

garantia apresentada pelo emissor, são conhecidos como secured debts. São emitidos sempre

com valor de face (par value) de US$ 1,000, sendo que o comprador ou subscritor deve

efetuar o pagamento do valor de face na data de emissão do valor mobiliário. O emissor

assume a obrigação de devolver o valor de face pago na data de vencimento do título (the

bond’s maturity date), conforme explica Jeffrey Haas67

. A emissão de bonds é realizada por

meio de um contrato chamado the bond indenture (ou trust deed), como veremos mais

adiante.

As debentures, por sua vez, são títulos emitidos também no longo prazo, porém

sem garantia da sociedade emissora (unsecured promissory notes). A diferença, portanto,

entre as debentures e os bonds, no direito norte-americano, reside na garantia do título

ofertada pela sociedade emissora. Além desta relevante diferença, as debêntures são

usualmente emitidas com período de duração inferior ao dos bonds (normalmente emitidos

com prazo de 30 anos ou mais), em regra com prazo de vencimento de 10 a 20 anos a contar

de sua emissão. O título é emitido por meio da debenture indenture, que se assemelha em

muito à escritura de emissão dos bonds.

Já as notes são títulos de curto prazo, com período de duração entre 5 a 10

anos. Elas podem ser garantidas pela sociedade emissora, ou não. A emissão das notes é

realizada por meio de um contrato chamado note agreement, o qual se assemelha à escritura

de emissão dos bonds, com algumas distinções que veremos a seguir. No caso das notes, via

de regra, não há a nomeação de um trustee e a relação se dá diretamente entre os note holders

e a sociedade emissora.

66

HAAS, Jeffrey J. Corporate Finance. St. Paul: West, 2004, pp. 212-213. 67

Ob. cit., p. 213.

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Como visto acima, a emissão dos títulos de dívida é realizada sempre por meio

de dois instrumentos: (i) the indenture; e (ii) the separate bonds. Bond indenture ou debenture

indenture são contratos firmados entre o emissor e o indenture trustee (assemelhado ao agente

fiduciário brasileiro), sendo o trustee, via de regra, uma instituição financeira que atua como

representante dos titulares dos valores mobiliários de dívida (the debt securities), com a

finalidade de proteger seus direitos.

A indenture (escritura de emissão) se divide em duas partes: a primeira,

direcionada à sociedade emissora, contém todas as obrigações de fazer e de não fazer

relacionadas à emissão, assegurando aos debenturistas as garantias necessárias, ou ao menos

esperadas, para a subscrição do título; a segunda, por sua vez, estabelece os direitos dos

bondholders no caso de descumprimento das obrigações atribuídas à sociedade emissora, bem

como regula a relação entre o agente fiduciário (trustee) e os bondholders. As escrituras de

emissão dos bonds e das debentures são firmadas pela sociedade emissora e pelo agente

fiduciário (trustee). Já o note agreement, por não ter a nomeação de um trustee, é firmado

pelo emissor e por todos os titulares das notes.

A redação das indentures, no que tange aos poderes, deveres e obrigações do

agente fiduciário, deve seguir os padrões previstos no Trust Indenture Act (TIA) de 1939,

alterado pelo Trust Indenture Reform Act (TIRA) de 1990.68

O Trust Indenture Act foi promulgado logo após a entrada em vigor dos atos

normativos (Securities Act de 1933 e Securities Exchange Act de 1934) que representaram o

início do controle estatal federal sobre o mercado de valores mobiliários nos Estados Unidos,

em razão da quebra do mercado acionário em 1929. A edição da norma teve por objetivo (i)

dar mais transparência aos titulares dos instrumentos de dívida, não apenas no momento da

emissão do título, mas durante toda a sua existência até a liquidação; (ii) criar mecanismo de

organização dos debenturistas para proteção de seus interesses (a exemplo da comunhão de

interesses do direito italiano); e (iii) assegurar que os debenturistas sejam representados por

um agente desinteressado, sem conflito de interesses com o emissor, com elevado padrão de

conduta, nos moldes das trust institutions.69

68

COX, James D.; HAZEN, Thomas Lee. Corporations. 2ª ed. New York: Aspen Publishers, 2003, pp. 516-517. 69

Jeffrey Haas, ob. cit., pp. 218-219.

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23

O TIA define certos requisitos mínimos para uma instituição financeira atuar

como agente fiduciário dos debenturistas e restringe a atuação do trustee em situações que

possam caracterizar conflito de interesses. Além disso, a referida norma estabelece os deveres

e as obrigações do trustee, tais como a emissão periódica de relatórios endereçados aos

debenturistas, bem como atribui certos poderes ao agente fiduciário (promover ação em face

da emissora, em nome dos debenturistas, em caso de descumprimento das disposições da

escritura de emissão ou por falta de pagamento).

Interessante destacar, ainda, que o TIA contém regras70

para solucionar

situações em que os interesses dos investidores poderiam ser afetados em razão de eventual

relação prévia existente entre o emissor e o agente fiduciário. Abordaremos o conflito de

interesses e as regras existentes sobre o tema quando tratarmos do agente fiduciário no

capítulo referente à tutela dos debenturistas.

A doutrina norte-americana também classifica a relação entre o agente

fiduciário e os debenturistas de diversas formas: (i) fiduciary (relação de fidúcia); (ii)

principal-agent law (teoria fundada nas regras gerais aplicáveis às relações entre mandante e

mandatário); e (iii) baseada em direito contratual, conforme definido na escritura de emissão

do título.71

Destaca-se, ainda, que os bonds e as debentures são emitidos com base na

capacidade atual ou futura de geração de caixa da sociedade emissora, muito mais do que

contra seus ativos, segundo a doutrina norte-americana. O financiamento da companhia por

meio de dívida é mais flexível que a capitalização com base em emissão de novas ações, pois

não depende de aprovação dos sócios ou acionistas da sociedade, exceto com relação aos

títulos conversíveis em ações.

70

De acordo com Jeffrey Haas (Ob. cit., pp. 222-223), a Seção 310(b) do TIA estabelece nove situações em que

o agente fiduciário será considerado em situação de conflito de interesses que poderá prejudicar os titulares de

debentures, bonds ou notes. Cita como exemplo a hipótese em que o agente fiduciário detém um percentual de

participação na sociedade emissora. Em caso de se verificar uma das hipóteses previstas no TIA, o agente

fiduciário deverá se desvencilhar da situação de conflito em noventa dias ou renunciar à posição. Se não o fizer,

deverá notificar os debt holders, os quais poderão destituí-lo e eleger novo trustee. Além disso, as regras de

conflito de interesses foram modificadas pelo Trust Indenture Reform Act que, atualmente, proíbe o agente

fiduciário de ser credor ou acionista da sociedade emissora, bem como proíbe que a relação com a sociedade

emissora exista ao mesmo tempo em que houve o descumprimento da escritura ou falta de pagamento – situação

de default. O agente fiduciário não precisará renunciar caso demonstre que isto trará prejuízos aos detentores do

título e que o defatult poderá ser sanado em tempo razoável. 71

Cox e Hazen, ob. cit., p. 518.

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3.2. As debêntures no direito italiano (obbligazioni)

A evolução histórica das sociedades medievais, em especial as italianas,

apresentam os primeiros traços dos títulos de dívida criados pelos comerciantes ou

mercadores para estruturar o financiamento, em série, visando captar dinheiro para os seus

negócios, de modo a incentivar os financiadores, escapando da proibição da usura72

(um

cânone essencial do sistema obrigacional longamente vigente na experiência jurídica

pregressa).

Admitia-se o empréstimo por meio de mútuo, porém sem a cobrança de juros,

retornando apenas o principal ao financiador, o que muitas vezes não gerava um incentivo

para colocação do capital a risco. O mútuo, assim, era visto como um empréstimo gratuito e

que obrigava o mutuário a retornar o valor principal ao mutuante, sem o pagamento de juros

ou qualquer outro acréscimo.

Para fugir da ilicitude, era necessário qualificar o empréstimo oneroso com

nomen iuris diverso do mútuo. Assim, para financiar a atividade mercantil da época, nas

grandes praças da Itália do Século XI, surge uma figura contratual – que recebe diversas

denominações, tais como: commenda, accomandita, accomandiglia, collegantia, societas

maris ou hentrica -, em que o comerciante (tractator) recebia de um capitalista uma

“subvenção” ou empréstimo com a obrigação de restitui-lo por meio da partilha do resultado

da empresa (geralmente, três quartos para quem conferiu o capital e um quarto para o

tractator), sem caracterizar um ilícito.73

O tractator, por sua vez, não era obrigado a restituir o

principal caso o negócio viesse a falir sem a sua culpa, diferentemente do mútuo em que

persistia a necessidade de pagamento da obrigação principal.

72

A usura surgiu a partir de interpretação de passagens do Antigo Testamento (P. ex.: Êxodo XXII, 25: "Se

fizerem empréstimo a alguém do meu povo, a algum necessitado que viva entre vocês, não cobrem juros dele;

não emprestem visando a lucro.”; Deuteronômio XXIII, 19: "Não cobrem juros, por dinheiro, alimento, ou

qualquer outra coisa que possa render juros.). Santarelli explica que se tratava de uma situação totalmente imoral

aproveitar-se do desespero daquele que necessita de dinheiro para financiar a sua atividade, com vantagem

econômica para o financiador (Mercanti e Società Tra Mercanti. 3ª. ed. Turim: Giappichelli, 1998, pp. 153-154). 73

Santarelli, ob. cit., p. 173.

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25

Nesse ponto, é interessante notar o entrelaçamento entre a posição de credor e,

ao mesmo tempo, a de sócio, daquele que realizava o empréstimo. Santarelli, inclusive, chega

a afirmar que houve uma transposição causal do financiamento da empresa, por meio da

comenda, em uma sociedade, derrubando a proibição da usura, tendo em vista que o contexto

sistemático da época não previa a tipicidade contratual. Afirma, ainda, que nesse contexto a

sociedade constituída para exercer a função própria do mútuo poderia ser chamada de negócio

indireto.74

Com isso, o sujeito que passou a financiar a empresa recebia um título que lhe

atribuía o direito de participar dos resultados daquele negócio, porém sem direito de

ingerência na administração da sociedade e, consequentemente, sem responder pelas

obrigações contraídas pelo comerciante junto a terceiros, limitando seu próprio risco.

Nota-se que as características desse negócio indireto75

, que ocultava um mútuo

oneroso, são vistas atualmente nas obrigações do direito italiano, especialmente no que tange

à não participação do obrigacionista na administração da sociedade, com algumas exceções, e

à não responsabilização por obrigações contraídas junto a terceiros.

Já a disciplina jurídica das obrigações no direito comercial italiano remonta ao

início de sua codificação76

. Os primeiros códigos foram os marítimos, tendo em vista a

importância daquele comércio à época. O Livro IV do Código Marítimo de Ferdinando já

tratava das obrigações marítimas, que nos parece ser a fonte dos títulos obrigacionais emitidos

pelas sociedades italianas, com grande influência do direito romano em sua construção.

O Código Marítimo de Ferdinando já apresentava o conceito de obrigação, com

base nas Institutas de Justiniano (Livro 3, Título 13), da seguinte forma: “L’Obbligazione è

74

Santarelli, ob. cit., p. 187. 75

A esse respeito, Tullio Ascarelli elaborou com maestria artigo dedicado ao estudo do negócio indireto. (In:

Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado. 1ª Reimp. São Paulo: Ed. Quorum, 2008, pp. 152-

250). 76

As origens da codificação do direito comercial na Itália remontam à época pré-napoleônica, do período

veneziano, com a vigência do Código Marítimo de 1781 do Reino de Nápoles e do Código Mercantil da

República de Veneza. Na Itália pós-napoleônica, ainda dividida em reinos autônomos, Carlo Alberto di Savoia

(il Magnanimo) promulgou em 1842 um novo Código Comercial para o Reino da Sardenha que, apesar de se

basear no Código de Napoleão, adequou o ordenamento da época ao progresso econômico e industrial europeu.

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um vincolo di legge, per cui siamo necessariamente costretti di pagar qualche cosa secondo

le nostre leggi.”77

Curioso notar, ainda, que o Código de Ferdinando estabelecia que a obrigação

marítima, surgida a partir de consenso entre as partes, poderia ser a compra e venda, a

locação, a sociedade e o mandato.78

Mais uma vez, a obrigação aparece como fonte de criação

da sociedade, assim como o era para escapar da ilicitude da usura, caracterizando um negócio

jurídico consensual.

Se a constituição da sociedade e, por consequência, a criação dos títulos de

participação societária eram vistos como fonte criadora de obrigações, de natureza

consensual, a doutrina parece que seguiu a mesma linha de raciocínio e adotou o termo

“obrigações” para a emissão de títulos de dívida. Neste caso, confundiu-se a fonte criadora e o

produto da criação.

O primeiro código, após a unificação dos reinos italianos, que tratou das

obrigações na forma de títulos emitidos pelas sociedades, de que se tem notícia, é o Codice di

Commercio del Regno D´Italia, promulgado em 25 de junho de 1865, em Florença (Firenze),

pelo Rei Vittorio Emanuele79

. Tal Código tratou das disposições comuns às sociedades

anônimas e às sociedades em comandita por ações, em seu artigo 135, estabelecendo que “a

sociedade não pode emitir obrigações ao portador, sem que o capital social tenha sido

integralizado. O montante da obrigação e do título não podem exceder o valor do capital

social integralizado”80

.

Alguns anos após, há a promulgação de um novo código: o Codice di

Commercio del 1882. Transporta-se grande parte das regras do Código Oitocentista de 1865

para o novo diploma comercial, evidenciando a qualidade do modelo adotado na primeira

77

MOSCHETTI. Cesare Maria. Il Codice Marittimo del 1781 di Michele de Jorio per Il Regno di Napoli. Vol.

II. Nápoles: Giannini Editore, 1979, p. 839. 78

Cesare Moschetti, ob. cit., p. 887. 79

Codice di Commercio del Regno D´Italia. Florença: Stamperia Reale, 1866. O Livro I, Título VII, tratou do

regramento da sociedade e associação comercial e a Seção VII, do Título VII, que regulou as sociedades

anônimas e as em comandita por ações, tratou da emissão de obrigações pelas sociedades. 80

“La società non può emettere obbligazioni od altri titoli al portatore, sinchè non sia versato l´intero capital

sociale. Il montare delle obbligazioni e dei titoli non potrà mai eccedere quello dei capitale versato.” (Codice di

Commercio del Regno D´Italia. Florença: Stamperia Reale, 1866)

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codificação comercial italiana, o que pode ser observado nos debates travados por juristas do

mais alto renome à época, como nos mostra Antonio Padoa Schioppa81

.

Após a promulgação do Código de 1882, surgiram novas tentativas de reforma

do diploma comercial. O Congresso da Sociedade Econômica, realizado em Turim, em 1893,

aprovou, após intensos debates, com a participação ativa de Cesare Vivante, dez propostas de

reforma em matéria societária, sendo que uma delas estabelecia a possibilidade de

constituição de um consórcio pelos obrigacionistas, com representante próprio. Certamente,

tal proposta foi a primeira tentativa de se positivar a comunhão dos debenturistas.82

Em 1895 e em 1905, foram criadas Comissões Ministeriais para revisão do

Código Comercial Italiano, com a participação de Cesare Vivante e Marco Besso. Os

trabalhos das duas comissões resultaram em um projeto de reforma que, pela primeira vez,

permitia a criação de uma assembleia de obrigacionistas.83

Por outro lado, as inovações

contidas no projeto liderado por Vivante levaram a Confederação Geral da Indústria italiana a

apresentar um contraprojeto denominado Progetto D’Amelio, que rejeitava a ideia da tal

assembleia.

Apesar da qualidade dos projetos para um novo Código Comercial, as

modificações somente ocorreram por meio de leis especiais durante o período do fascismo.

Em 1927, por exemplo, a R.D.L. n° 628, de 21 de abril, passou a admitir a emissão de

obrigações, em casos excepcionais, acima do limite máximo (valor do capital social

integralizado) estabelecido no Código Comercial, tendo em vista o interesse da economia

nacional e mediante prévia autorização do Ministro competente.84

O Código de 1882 permaneceu em vigor até a reforma que resultou na

unificação do direito privado em 1942, com a promulgação do Código Civil Italiano (“CCI”),

o qual passou a regular tanto a matéria civil como a de natureza comercial, tratando da

emissão de obrigações pelas sociedades anônimas em seu Livro Quinto (Del Lavoro),

Capítulo V (Sociedades Anônimas), Seção VII (Das Obrigações).

81

Saggi di Storia Del Diritto Commerciale. Milão: LED, 2009, pp. 205-207. 82

Schioppa, ob. cit., p. 228. 83

Schioppa, ob. cit., p. 233. 84

Schioppa, ob. cit., p. 245.

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A reforma do CCI em 2003 promoveu a autonomia estatutária como forma de

incentivar o investimento nas sociedades empresárias, reformulando toda a disciplina do

chamado “título de dívida” não participativo e apresentando um sistema categorizado da

seguinte forma: a) obrigações de conteúdo essencialmente típico: ordinária, subordinada,

variável e conversível em ação; b) título de dívida (instrumento financeiro) atípico de

conteúdo essencialmente típico; e c) título de dívida absolutamente atípico.85

Outra novidade da reforma é a possibilidade de emissão de título de dívida

pelas sociedades de responsabilidade limitada, como veremos em capítulo próprio, bem como

por sociedades cooperativas (art. 2526, co. 1., do CCI). A reforma ainda inovou em matéria de

competência para emissão de obrigações não conversíveis, conferindo poder decisório à

administração da sociedade, salvo disposição diversa no estatuto ou em lei.

Com relação ao limite de emissão, ampliou-se o critério para duas vezes o

valor do capital social, da reserva legal e da reserva disponível no resultado do último

balanço, admitindo-se ainda que o capital tenha sido apenas subscrito, não se exigindo a sua

integralização como na regra anteriormente vigente no CCI. A regra até então em vigor, antes

da reforma de 2003, era aquela herdada do Código de Comércio de 1865, que previa o limite

de emissão de uma vez o capital social subscrito e integralizado.

O limite, todavia, não se aplica às obrigações destinadas à circulação no

mercado de capitais, tendo em vista a existência de normas que asseguram adequada

vigilância do mercado e fácil acesso à informação pelos subscritores, além de serem avaliadas

por agências de rating com base no patrimônio líquido e no nível de endividamento da

sociedade emissora.

Como pudemos observar, a história das obrigações (debêntures) no direito

italiano está ligada à evolução das normas de direito comercial e, em especial, do tratamento

jurídico conferido às sociedades anônimas, evidentemente o instituto jurídico e econômico

mais relevante do último Século.

85

GAMBINO, Agostino e SANTOSUOSSO, Daniele U. Fondamenti di Diritto Commerciale (a cura di

Agostino Gambino). Società di Capitali. Vol. II. 3ª ed. Turim: G. Giappichelli, 2010, pp. 186-187.

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3.3. As debêntures no direito francês (obligations)

O direito francês tem uma abordagem diferenciada para as debêntures, tendo

em vista a existência de uma disciplina geral dos valores mobiliários. As obligations são

consideradas títulos de dívida negociáveis e espécie do gênero instruments financiers, que

representam valeurs mobilières86

, conforme art. L. 211-1 do Code des sociétés francês. Com

isso, a teoria geral dos valores mobiliários cuida de grande parte da análise do regime jurídico

das debêntures.

Para a doutrina francesa, os títulos de dívida pertencem à categoria dos títulos

financeiros que, por sua vez, são espécie do gênero instrumentos financeiros. As obligations –

como se denominam as debêntures no direito francês -, caracterizam-se como um empréstimo

realizado pelos obrigacionistas à sociedade que, em contrapartida, têm o direito de reembolso

do capital emprestado, nos termos fixados na escritura de emissão, sendo o referido valor

mobiliário regulado por um Decreto-lei de 30 de outubro de 1935.87

A natureza jurídica das obrigações, em razão de suas regras comuns, é a de

títulos negociáveis fungíveis, provenientes de uma mesma categoria e de uma mesma

emissão, que se transmitem por simples lançamento de conta a conta em um sistema escritural

– desmaterialização do título -, conferindo aos seus titulares os mesmos “direitos

mobiliários”.88

Os direitos mobiliários incorporam-se no título e passam a ser conferidos ao

seu titular, não como direito individual ou pessoal em face da sociedade, mas categorizados

como direito coletivo que recai sobre os bens sociais. Por consequência, o seu exercício

depende da vontade coletiva emanada do órgão que reúne e vincula os titulares das obrigações

ou debêntures.

86

Cf. (i) RIPERT, G.; ROBLOT, R., Traité de Droit Commercial. Les Sociétés Commerciales. 19ª ed. Tomo 1.

Vol. 2., sob a direção de GERMAIN, Michel e colaboração de MAGNIER; Véronique. Paris: L.G.D.J., 2009, p.

559; e (ii) MERLE, Philippe. Droit Commercial. Sociétés Commerciales. 11ª ed. Paris: Dalloz, 2007, p. 300. 87

Merle, ob. cit., pp. 295-296. 88

Merle, ob. cit., p. 300.

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As obrigações são, portanto, títulos negociáveis que evidenciam uma dívida de

longo prazo da sociedade emissora, conferindo aos titulares que os subscreveram direitos

mobiliários inerentes ao título emitido, possuindo os seguintes elementos em sua definição: os

títulos, a negociabilidade, a emissão, a subscrição e os direitos conferidos aos titulares dos

valores mobiliários.89

A doutrina francesa ainda destaca as vantagens do título obrigacional em

relação ao empréstimo bancário. Merle afirma que a emissão de obrigações preserva a

independência da sociedade em razão da multiplicidade de credores, mesmo agrupados em

uma comunhão de interesses, diferenciando-se daquela dívida contraída junto a um único

credor, profissional, que é a instituição financeira.90

As sociedades francesas passaram a recorrer à emissão de obrigações a partir

da metade do Século XIX. A Crédit Foncier de France, sociedade de crédito francesa, foi

uma das primeiras a lançar obrigações de dívida naquele país. A liberdade contratual permitia

que as emissões de obrigações fossem realizadas com base na vontade do emissor, sem

qualquer regramento no tocante à forma ou aos direitos inerentes aos subscritores do título. As

obrigações podiam ser emitidas por meio de títulos ao portador ou nominativos. Para a

doutrina, a principal característica do título obrigacional era a reunião de seus titulares em um

grupamento, qualificado como uma sociedade civil, vinculando juridicamente os titulares em

razão da unicidade do título.91

Após as primeiras emissões em França, o legislativo francês editou a lei de 30

de janeiro de 1907, visando a proteção dos investidores. Posteriormente, um Decreto-lei de

30 de outubro de 1935, relativo à proteção dos obrigacionistas, estabeleceu também um texto

geral sobre as obrigações.

Atualmente, o regime jurídico de emissão das obligations pelas sociedades por

ações está previsto no Código de Comércio Francês (art. L. 228-3892

), que nos remete às

89

Cf. LE CANNU, Paul. Droit des sociétés. 2a ed. Paris: Montchrestien, pp. 653-654.

90 Ob. cit., p. 383.

91 Ripert e Roblot, ob. cit., p. 566.

92 “Comme il est dit à l'article L. 213-5 du code monétaire et financier: ‘Art. L213-5 - Les obligations sont des

titres négociables qui, dans une même émission, confèrent les mêmes droits de créance pour une même valeur

nominale’."

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disposições do Código Monetário e Financeiro (por exemplo, art. L. 213-5 e seguintes)

daquele país, dentre outras normas não codificadas.93

Além disso, o ordenamento jurídico francês apresenta mais dois regimes

jurídicos de emissão de obrigações, conforme o tipo societário adotado pelo emissor, a saber:

(i) regime de emissão pelos grupamentos de interesse econômico (Código Monetário e

Financeiro, art. L. 213-7); e (ii) regime de emissão das associações (Código Monetário e

Financeiro, art. L. 213-8, L. 231-2, L. 213-18-1, R. 213-21 et s., R. 231-2 et D. 213-17 et s.).

Os dois regimes acima apontados, distintos daquele das sociedades por ações,

demonstram a possibilidade de emissão de debêntures por outros tipos societários.

Trataremos, mais adiante, em capítulo específico, do regime instituído pela Ordonnance n°

2004-274 de 25 de março de 2004, que passou a admitir a emissão de obrigações pela SARL

(Société à responsabilité limitée)94

, outra inovação na legislação francesa que, talvez, possa

auxiliar a reduzir o preconceito em relação à emissão de valores mobiliários por sociedades

empresárias limitadas em nosso sistema atual.

3.4. As debêntures no direito português (obrigações)

Tem-se notícia de uma das primeiras emissões de obrigações em Portugal, no

ano de 1.757, pela Fábrica das Sedas. Os títulos públicos de dívida, especialmente a partir do

Decreto de 29 de outubro de 1.796 – que autorizou o empréstimo mediante a aceitação de

dinheiro contra a entrega de apólices, com valor nominal de cem mil reis cada, no valor total

93

Cf. informações disponíveis em: http://www.legifrance.gouv.fr. Acesso em: 20/04/2013. 94

“Article 12. L'article L. 223-11 du code de commerce est remplacé par les dispositions suivantes: «Art. L.

223-11. - Une société à responsabilité limitée, tenue en vertu de l'article L. 223-35 de désigner un commissaire

aux comptes et dont les comptes des trois derniers exercices de douze mois ont été régulièrement approuvés par

les associés, peut, sans faire appel public à l'épargne, émettre des obligations nominatives. «L'émission

d'obligations est décidée par l'assemblée générale des associés conformément aux dispositions applicables aux

assemblées générales d'actionnaires. Ces titres sont soumis aux dispositions applicables aux obligations émises

par les sociétés par actions, à l'exclusion de celles prévues par les articles L. 228-39 à L. 228-43 et L. 228-51.

«Lors de chaque émission d'obligations par une société remplissant les conditions de l'alinéa 1er, la société doit

mettre à la disposition des souscripteurs une notice relative aux conditions de l'émission et un document

d'information selon les modalités fixées par décret en Conseil d'Etat. «A peine de nullité de la garantie, il est

interdit à une société à responsabilité limitée de garantir une émission de valeurs mobilières, sauf si l'émission

est faite par une société de développement régional ou s'il s'agit d'une émission d'obligations bénéficiant de la

garantie subsidiaire de l'Etat.»”

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de 10 milhões de cruzados, a juro anual de 5% -, também exerceram papel fundamental para

que as obrigações viessem a lume naquele país.95

Menezes Cordeiro ensina que o regime jurídico das obrigações no direito

português veio a ser disciplinado a partir da Lei sobre as Sociedades Anónimas, de 22 de

junho de 1.867, em seção específica (VII). Posteriormente, com a edição do Código

Comercial de 1.888, chamado Código Veiga Beirão, a emissão de obrigações passou a ser

disciplinada na seção reservada às sociedades anônimas. Com a crise financeira de 1.891,

conta-nos Menezes Cordeiro que o Estado passou a restringir a emissão de obrigações e, por

meio de leis e decretos que se sucederam, condicionou a sua criação à prévia aprovação do

Governo, conforme registrado no Decreto de 12 de julho de 1.894 - aplicável aos bancos -, na

Lei de 3 de abril de 1.896 e no Decreto de 27 de agosto de 1.896 - de aplicação geral a todas

as sociedades anônimas, independentemente da atividade exercida. Este último Decreto,

ainda, pela primeira vez no ordenamento jurídico português, previu a figura da assembleia

geral dos obrigacionistas.96

Engrácia Antunes97

, por sua vez, em trabalho apresentado no âmbito do

Concurso para Professor Associado da Universidade Católica Portuguesa, afirma que as

obrigações emitidas por sociedades foram tratadas a partir da Lei de 3 de Abril de 1.896,

sendo posteriormente alterada por sucessivos atos normativos98

.

Atualmente, a matéria é regulada pelo Código das Sociedades Comerciais de

1.986, com destaque para a “progressiva mobiliarização das obrigações”, que são vistas

“como um instrumento financeiro, base de valores mobiliários e que apenas por tradição está

ligado às sociedades anônimas”99

, sinalizando, assim, que as obrigações são independentes e

possuem regime jurídico próprio, não se vinculado necessariamente à disciplina das

sociedades anônimas, até porque passíveis de serem emitidas por outros tipos societários.

95

CORDEIRO, António Menezes. Manual de Direito das Sociedades. 2a ed. Coimbra: Almedina, 2007, p. 715.

96 Menezes Cordeiro, ob. cit., pp. 715-718.

97 ANTUNES, José A. Engrácia. Direito das Sociedades Comerciais. Perspectivas do seu ensino. Coimbra:

Almedina, 2000, p. 47. 98

Os atos normativos foram os seguintes: Regulamento de 27 de agosto de 1896, Decreto no 34961, de 2 de

outubro de 1.945, Decreto-Lei no 353-M e n

o 353-P, de 29 de agosto de 1.977.

99 Menezes Cordeiro, ob. cit., p. 719.

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Aquele regime jurídico também considera as obrigações como valores

mobiliários, conforme definição contida no artigo 348.o/1 e 1.

o/1, “b”, do Código de Valores

Mobiliários Português.

Assim, observa Paulo Olavo Cunha, a matéria é regulada tanto pelo Código das

Sociedades Comerciais, “no qual se determinam os requisitos a que os empréstimos

obrigacionistas devem obedecer e as modalidades que podem revestir”, como pelo Código

dos Valores Mobiliários, “onde se estabelece o regime dos valores mobiliários, de que

constituem uma das principais espécies”.100

As modalidades das obrigações podem adotar diversas formas, inexistindo

nessa seara o princípio da tipicidade que obrigaria ao emissor adotar uma forma

preestabelecida para a colocação, pública ou privada, do título. A doutrina portuguesa entende

que as modalidades dispostas no artigo 360.o do Código das Sociedades Comerciais são

meramente exemplificativas, baseadas em direitos conferidos aos obrigacionistas, sem limitar

o campo de criação de modelos diversos daqueles dispostos no regime codificado.

Menezes Cordeiro resume as cinco modalidades de obrigações no direito

português da seguinte forma:

“a) Além de conferirem aos seus titulares o direito a um juro fixo, os habilitem a

um juro suplementar ou a um prémio de reembolso, quer fixo quer dependente dos

lucros realizados pela sociedade;

b) Apresentem juro e plano de reembolso, dependentes e variáveis em função

dos lucros;

c) Sejam convertíveis em acções;

d) Confiram o direito a subscrever uma ou várias acções;

e) Apresentem prémios de emissão.”101

(conforme o original)

Recorda-nos, ainda, o notável jurista português, que as obrigações conversíveis

em ações foram introduzidas naquele país pelo Decreto-Lei no 397, de 22 de setembro de

1.971 – neste ponto, o direito brasileiro foi inovador e introduziu a modalidade conversível

em ações em 1.965, por meio da Lei no

4.728 daquele ano, como nos recorda Edmur de

Andrade Nunes Pereira Neto, em sua dissertação sobre o tema.102

Curioso registrar, ainda, que

100

Direito das Sociedades Comerciais. 5a ed. Coimbra: Almedina, 2012, p. 825.

101 Ob. cit., p. 727.

102 Ob. cit., p. 44.

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mesmo em Portugal, os estudos monográficos sobre o assunto surgiram nos idos de 1.999,

conforme bem observa Menezes Cordeiro.103

103

Menezes Cordeiro (Ob. cit., p. 720 e nota de rodapé 1808) destaca as obras de Fátima Gomes (Obrigações

conversíveis em acções, de 1999), António Silva Dias (Financiamento de sociedades por emissão de obrigações,

de 2002) e de Nuno Barbosa (Competência das assembleias de obrigacionistas, também de 2002).

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4. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

Para se chegar ao conceito atualizado de debêntures, temos que analisar

previamente a sua natureza jurídica, ainda que evolutiva e híbrida pelo advento de novas

regras jurídicas. Todas as definições construídas pela doutrina de outrora são influenciadas

pela evolução dos estudos acerca da natureza jurídica do instituto em análise. A definição

clássica de debêntures, que toma como base a teoria do mútuo104

, considera o título um

documento que comprova a existência de um empréstimo, mais especificamente um mútuo

firmado entre a companhia e o debenturista, partindo da relação de débito e crédito105

originada com a emissão da obrigação.106

Inglez de Souza, no Século XIX, já explicava que a debênture “representa o

crédito resultante da emissão de um empréstimo, ou objetivamente o título negociável que o

mutuário entrega ao mutuante como documento e prova do seu direito”107

, revestindo,

portanto, um contrato de mútuo. Já a teoria alemã, à época da obra escrita por Inglez de

Souza, enxergava um contrato de venda na subscrição das debêntures, por entender que a

emissão seria uma manifestação unilateral de vontade.108

104

Como bem observado por Edmur de Andrade Nunes Pereira Neto (Ob. cit., p. 33), “a teoria do mútuo ainda

prevalece na doutrina brasileira. A quase totalidade de nossos juristas enxerga na emissão de debêntures uma

modalidade especial do mútuo, caracterizada pela divisão da quantia mutuada em frações, atribuídas a diversos

titulares que se tornam credores ligados entre si pelo vínculo comum de uma só operação que dá nascimento às

debêntures.” E acrescenta ainda que a referida teoria tem larga aceitação na doutrina estrangeira, em especial na

doutrina italiana e francesa. 105

“O crédito é, pois, economicamente, a negociação de uma obrigação futura; é a utilização dessa obrigação

futura para a realização de negócios atuais. É, em suma, como diz Werner Sombart, o poder de compra conferido

a quem não tem o dinheiro necessário para realizá-la. Ou, como já dizia Stuart Mill, é a permissão de usar o

capital de outrem.” (BORGES, João Eunápio. Títulos de Crédito. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1971, p. 7.) 106

Galgano diferencia o capitale di debito – aquele em que há o aporte de recursos por meio de um instrumento

de dívida – do capitale di rischio – em que o financiamento da empresa ocorre por meio da emissão de ações. O

obrigacionista não corre o risco da atividade empresarial, por não ser sócio, e tem direito ao reembolso de seu

título com base no valor nominal nele inscrito; é um título de renda fixa, resgatável e com prazo determinado. O

acionista, de outro modo, tem o seu investimento atrelado ao risco do negócio, posto que o valor de sua ação

poderá oscilar e o rendimento do capital dependerá do resultado da companhia, sendo, por conseguinte, um título

de renda variável, com limitações ao resgate e, na maioria dos casos, por prazo indeterminado. 107

Ob. cit., p. 267. 108

Inglez de Souza, ob. cit., p. 267.

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Francesco Giancola, ao comentar o art. 2.410 do Código Civil Italiano, afirma

que a emissão de debêntures é uma forma de financiamento da sociedade, mediante a

captação de recursos junto ao mercado, “a titolo di mutuo”.109

(grifo do autor)

Para a teoria do mútuo, os debenturistas são credores da sociedade e o título

incorpora apenas um direito de crédito, diferentemente da ação, que confere a qualidade de

sócio, com outros direitos inerentes ao status socii. O obrigacionista realiza um empréstimo à

sociedade no ato da subscrição do título, surgindo o direito de crédito representado no

instrumento de dívida, com direito ao recebimento da prestação periódica que remunera o

capital e a restituição deste com base no valor nominal inscrito no título.110

Portanto, as primeiras definições enxergavam na debênture uma relação

bilateral decorrente de um contrato de mútuo, talvez por influência da teoria contratualista111

.

Com o advento dos estudos a respeito da teoria geral dos títulos de crédito, bem como em

razão do disposto no art. 52 da LSA, que imputou ao titular das debêntures um direito de

crédito em face da companhia, a doutrina passou a conceituar as debêntures também como um

título de crédito.

Tavares Guerreiro e Egberto Teixeira, em célebre obra sobre as sociedades

anônimas, colocaram as debêntures em uma categoria especial de mútuo ao considerarem a

sua forma de emissão, em que o valor total do empréstimo é fracionado em partes iguais, na

própria escritura, de modo a permitir que diversos interessados possam ser titulares de

debêntures da mesma emissão. Distinguem-nas do mútuo comum em razão do modo de sua

emissão, que exige aprovação em assembleia ou, atualmente, em reunião do conselho de

administração, conforme as disposições da LSA, já que a contratação de empréstimo

independe de autorização assemblear, via de regra, exceto nos casos em que há previsão

estatutária nesse sentido. Ainda, reconhecem que as debêntures são “autênticos títulos de

109

Commentario Delle Società. Tomo I. A cura di Giovanni Grippo. Coord. BERTACCHINI, Elisabetta et al.

Turim: UTET, 2009, p. 685. 110

Francesco Galgano (Tratattato di Diritto Commerciale e di Diritto Pubblico Dell´Economia. Vol. 29. Tomo

I. 3ªed. Padova: CEDAM, 2006, p. 677), defende que a obrigação tem a natureza de mútuo e cita a lição de

Bonilini-Confortini (Codice civile ipertestuale, p. 4521), em que a obrigação é vista como um mutuo collettivo. 111

“Na história do direito cambiário brasileiro, até 1908, foi a concepção francesa que predominou, concepção

que continuava e continuou agarrada à explicação contratualista.” (MIRANDA , Pontes de. Tratado de Direito

Cambiário. Letra de Câmbio. Vol I. São Paulo: Max Limonad, 1954, p. 15)

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crédito” por força de lei, tendo em vista que o art. 52 da LSA prevê um direito de crédito dos

debenturistas em face da companhia.112

A doutrina italiana apresenta como noção de obrigação (ou debênture) um

título de crédito que representa uma fração de igual valor nominal e com direitos iguais de

uma única operação de financiamento a título de mútuo.113

Ascarelli explica que as debêntures revestem uma obrigação atribuída à

sociedade emissora e que pode ter como causa um mútuo, sendo que o título pode ser

distribuído independentemente da existência desse tipo de contrato, por meio da distribuição

de debêntures aos próprios credores. Nesse caso, defende que a causalidade do título seria o

pagamento de uma dívida e, por consequência, o recebimento da importância pela sociedade

não significaria a celebração de um contrato de mútuo. O título não serviria, portanto, para a

captação ou contratação de um empréstimo, mas se configuraria como instrumento de dação

em pagamento de uma dívida, podendo, ainda, ser utilizado para a garantia de um débito

próprio.114

Nessa linha, Luis de Angulo Rodríguez, ao discordar da teoria do mútuo,

afirma que “a operación de emisión de obligaciones constituye un contrato sui generis,

independiente y con peculiaridades proprias”115

. Assim como Ascarelli, o jurista espanhol

também reconhece que a emissão de debêntures pode se dar em razão de causas das mais

diversas, não se limitando apenas à causa mutualística defendida por alguns doutrinadores.

Nas palavras de Miranda Valverde, “obrigações ao portador ou debêntures são

termos que designam um título de crédito, que entra na categoria das obrigações por

declaração unilateral de vontade” e “a denominação – obrigação ao portador ou debênture –

cabe somente ao título ou documento que contém a promessa de pagamento em dinheiro, com

as declarações relativas aos direitos do portador e às obrigações do subscritor ou emissor.”116

112

Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro. Vol. 1. São Paulo: Bushatsky, 1979, p. 346. 113

CAMPOBASSO, G.F. Diritto Commerciale. Diritto Delle Società. 6ª ed. Turim: UTET Giuridica, 2007, p.

519. 114

ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Títulos de Crédito. Campinas: Servanda, 2009, pp. 279-280. 115

La Financiácion de Empresas Mediante Tipos Especiales de Obligaciones. Zaragoza: Cometa, 1968, pp. 19-

20. 116

Ob. cit., p. 160.

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Como título de crédito, João Eunápio Borges ensina que as debêntures

possuem os “atributos de autonomia e literalidade” e são consideradas títulos causais e

incompletos, que não apresentam as características da independência e abstração, vinculando-

as à escritura de emissão e ao contrato que se forma com a subscrição do título.117

Ascarelli,

por sua vez, afirma que “a assunção do débito por obrigações constitui um negócio abstrato,

em que não se pode, portanto, ver nem um mútuo, nem uma venda; a causa da obrigação

(debênture) será diversa nos vários casos”.118

Por essa linha de raciocínio, as debêntures seriam títulos de crédito119

que

revestiriam em sua base um contrato de mútuo, com divergência a respeito da causalidade ou

abstração120

do título, como visto acima na doutrina brasileira e, também, apontado pelos

italianos, como nos mostra Jaeger.121

As conceituações que imputaram às debêntures a natureza de mútuo ou título

de crédito foram construídas em períodos anteriores à Lei n° 6.385, de 07 de dezembro de

1976, e ao atual Código Civil (Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002), com algumas

exceções.122

Com isso, tem-se que o conceito e a natureza jurídica das debêntures carecem de

atualização e aproximação à nova realidade do instituto, inserido legalmente na categoria dos

valores mobiliários. A própria evolução da doutrina já tem colocado o instituto na categoria

117

Ob. cit., p. 283. 118

Ob. cit., p. 281, nota de rodapé 76. 119

Ao conceituar a debênture como título de crédito, faz-se sob a ótica do debenturista, pois, a nosso ver, sob a

ótica da sociedade emissora, as debêntures seriam títulos de dívida. 120

Pontes de Miranda (Ob. cit., p. 12) esclarece que o título é abstrato “porque nele se abstrai da causa, não

porque a vontade privada o tenha imposto, e sim porque a lei o quer. É abstrato por força de lei. Assim, além de

direito autônomo, que adquire o possuidor, tem ele direito abstrato, com que a sua posição se fortalece, fazendo-

o livre do contágio de quaisquer causas das relações em que estiveram os possuidores precedentes”. Ensina o

mestre, ainda, que a abstração esteve na fundação das teorias alemãs, desde K. Einert. 121

“Le obbligazioni sono titoli di credito. È discusso se si tratti di titoli astratti o di titoli causali. Alcuni

sostengono che il rapporto da cui sorgono le obbligazioni è único (da uma parte vi sarebbe la società e dall’atra

il «grupo» degli obbligazionisti). Altri ritengono che esistono tanti contratti (e quindi tanti rapporti) quanti sono

i titoli emessi.” (JAEGER, Pier Giusto; DENOZZA, Francesco; TOFFOLETTO, Alberto. Appunti di Diritto

Commerciale. Impresa e Società. 7ª ed. Milão: Giuffrè, 2010, p. 263) 122

Ary Oswaldo Mattos Filho, ao examinar o conceito de valor mobiliário, explica que a doutrina insere o

instituto historicamente no “tronco dos títulos de crédito” por influência do direito italiano, que os classificam

em próprios ou impróprios, em que pese a distinção legal operada pela lei que criou a CVM e o “embaraço”

criado pela conceituação da doutrina nacional, já que “o emprego da expressão valores mobiliários é utilizado

pelos direitos francês, belga, inglês, norte-americano, enquanto toda a tradição brasileira é construída em função

dos títulos de crédito” (O Conceito de Valor Mobiliário. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e

Financeiro. Ano XXIV. Nova Série. N. 59. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, p. 34).

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de título abstrato de dívida, como mencionado por Tavares Borba123

, ainda que tal

classificação não seja por de todo completa.

A jurisprudência também não ficou para trás em matéria de evolução da

natureza jurídica das debêntures. O STJ, por exemplo, recentemente, em voto do Ministro

Luis Felipe Salomão, afirmou que as debêntures possuem certas peculiaridades que as

diferenciam dos títulos de crédito, “tendo em vista que não assiste a tais valores mobiliários a

autonomia, literalidade e cartularidade”124

. Além disso, ao buscar o conceito do instituto na

doutrina, o ilustre Ministro traz em seu voto citações de comercialistas125

que perfilham o

entendimento de que as debêntures são valores mobiliários que conferem ao seu titular um

direito de crédito em face da sociedade emissora, nas condições previstas na escritura de

emissão. Portanto, modernamente, a jurisprudência caminha no sentido de diferençar as

debêntures dos títulos de crédito, atribuindo-lhes o conceito de valores mobiliários que

revestem um direito de crédito em face da sociedade emissora.126

Além disso, as debêntures têm vida própria e autônoma a partir da sua

colocação no mercado, podendo assumir traços distintos entre as diversas séries de uma

mesma emissão. Essa autonomicidade e serialidade do título faz com que as debêntures

possam ter diversos tipos de relações jurídicas em sua base, e não apenas uma relação de

crédito e débito, como veremos a seguir.

Em que pese as debêntures, via de regra, revelarem em sua base um contrato de

mútuo127

, como um negócio jurídico bilateral, a doutrina, como se disse, reconhece a

possibilidade de sua emissão ser motivada por outros negócios jurídicos. Alfredo Russel já

ensinava, com base nas lições de Carvalho de Mendonça e Spencer Vampré, que “não é

essencial que o produto do empréstimo entre efetivamente em dinheiro para a caixa da

sociedade, mas que se possa destinar ao pagamento ou resgate de dívidas anteriores ou ao

123

Ob.cit., p. 20. 124

Recurso Especial nº 1.321.243 – RJ (2012/0072888-9), Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma. Data do

julgamento: 18/06/2013. Data da publicação: Dje 12/08/2013. 125

O voto cita as opiniões de Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira, Modesto Carvalhosa, Fábio

Ulhoa Coelho, Geraldo de Camargo Vidigal e Ives Gandra da Silva Martins. 126

Recurso Especial nº 1.321.243 – RJ (2012/0072888-9), Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma. Data do

julgamento: 18/06/2013. Data da publicação: Dje 12/08/2013. 127

Paulo Câmara esclarece que “o titular da obrigação é fundamentalmente um credor perante a entidade

emitente e como relação jurídica subjacente na base deste valor mobiliário existe tipicamente um contrato de

mútuo.” (Manual de Direito dos Valores Mobiliários. Coimbra: Almedina, 2009, p. 141)

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pagamento de obras e serviços no interesse da sociedade, só não tendo valor jurídico a

emissão para augmentar os benefícios dos sócios. Solvendo dúvida a respeito encontra-se um

acórdão da 2a Câmara da Corte de Apelação o qual resolveu que é válida a emissão de

debentures sem entrada em dinheiro correspondente quando essa emissão é feita para

satisfazer serviços prestados e dívidas no interesse da sociedade”.128

João Eunápio Borges, em sua clássica obra sobre títulos de crédito, registra que

“embora resultante em geral de um empréstimo em dinheiro, Miranda Valverde considera

inexata a afirmação dos que veem sempre e unicamente na base da emissão de debêntures um

contrato de mútuo – inexatidão a que não fugiram as próprias leis que as disciplinam – uma

vez que, por meio delas, o emissor pode praticar diferentes operações de crédito”.129

Edmur de Andrade Nunes Pereira Neto salienta que “mesmo os mais fiéis

seguidores da teoria do mútuo não resistiram a enxergar a existência de outros negócios

jurídicos dando lugar à emissão de debêntures.”130

Nelson Eizirik, em recente obra, comenta

que “a criação da debênture é negócio jurídico unilateral, a sua emissão pode ser motivada por

negócio distinto do mútuo, tal como os de permuta e dação em pagamento”131

.

Há, também, a possibilidade de se emitir debêntures perpétuas que mais se

aproximam de títulos de renda ou participação, cujo vencimento ocorre apenas em caso de

inadimplemento do pagamento de juros ou dissolução da companhia, descaracterizando a

obrigação de restituição da coisa emprestada em determinado prazo fixado pelas partes ou em

lei. Sem falar, ainda, da hipótese de mantença das debêntures em tesouraria pela sociedade

emissora, o que, certamente, levaria o título a perder a sua base mutualística, diante da

inexistência de um direito de crédito, mesmo que temporariamente, em razão da

superveniência dos efeitos da confusão entre emissor e subscritor.

Além disso, as debêntures conversíveis em ações podem gerar um direito de

participação, e não apenas um direito de crédito, assim como admitir ao debenturista a

participação nos lucros sociais. Ainda que o direito de participação esteja condicionado à sua

conversibilidade, é patente a existência de uma outra causa que não a do mútuo. Em tal

128

Sociedades Anonymas. 2a ed. Rio de Janeiro: Livraria Jacintho, 1937, pp. 516-517.

129 Ob. cit., p. 281.

130 Ob. cit., p. 35.

131 A Lei das S/A Comentada. Vol. I. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 320.

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hipótese, ainda que indiretamente, a causa poderia estar atrelada ao interesse da sociedade em

alargar a sua base acionária, em data futura, por meio da conversão das debêntures em ações,

o que poderia ocorrer, por exemplo, para assegurar vantagem aos titulares das debêntures de

receber os juros previstos na escritura, enquanto a sociedade não pudesse declarar dividendos.

Portanto, a nosso ver, não há como categorizar a debênture como espécie de

contrato de mútuo, como se fazia anteriormente. Enquadrá-la naquilo que se revela em sua

base, sem considerar as suas características próprias, é inverter a lógica que nos leva a

caracterizar uma espécie em determinada categoria jurídica.

Por outro lado, não se busca neste trabalho afastar por completo as debêntures

dos títulos de crédito – já que é inegável a importância da doutrina dos títulos para a

construção teórica atual, como veremos adiante -, mas sim de aproximá-las da categoria dos

valores mobiliários, levando-se em conta a evolução do direito nesse campo.132

Discorrer-se-

á, assim, sobre o encadeamento lógico da doutrina em sua conceituação e classificação dos

títulos de crédito, que, de antemão, fora inspirada nas doutrinas italiana e francesa.

De início, é imperioso reconhecer, como nos ensina Ascarelli133

, que o instituto

dos títulos de crédito é o que mais influenciou a formação da economia moderna, facilitando a

mobilização das riquezas e assegurando a certeza do crédito e a segurança jurídica de sua

satisfação. Tal feito do direito comercial resolveu os problemas da transmissão do crédito e da

desvinculação das relações jurídicas.134

As debêntures se aproveitaram dessa construção

132

Edgar Jelonche, ao examinar os valores mobiliários no Mercosul, explica que “las especies clásicas, como la

cambial y los títulos de empréstito al portador, se conocian ya bastante cuando se inició la codificación

napoleónica, la noción de título-valor todavia no existia; su gestación se daba en la doctrina germana, que no

era paradigma de la legislación en ese entonces. El derecho francés desarrolló simultáneamente las categorias

de los efectos de comercio y de los valores mobiliarios, que ha mantenido hasta hoy sin conformar una teoría

que abarque a unos y otros.” (Mercosur y Valores Mobiliarios. In: Simpósio sobre Direito dos Valores

Mobiliários. Série Cadernos do Conselho da Justiça Federal. N. 16. Brasília: CJF, 1999, p. 33) 133

Ob. cit., p. 33. 134

Waldemar Ferreira recorda que os títulos de crédito - documento escrito que reconhece uma dívida com

obrigação de pagamento a prazo – são comuns na prática jurídica e encontram suas raízes nos vales e clarezas,

citando as Ordenanzas de la Ilustre Universidad y Casa de Contratación de la Villa de Bilbao, de 1459, como

exemplo de norma que disciplinava os vales, desde o Século XV. Segue o notável jurista, em sua construção

histórica, com a notícia de que o Código Civil Francês, apesar de propugnar pela livre manifestaçao de vontade

no plano obrigacional, era contrário à obrigação sem causa ou fundada em falsa causa, tornando-a ineficaz.

Privilegiava-se a causa, em que pese a forma adotada pelo escrito, sendo aquela “condição substancial, ainda

mesmo que a declaração da vontade se concretize em escrito revestido das formalidades legais. A forma deste é

relevante, mas insuficiente para por si só legitimar a obrigação.” Por tal razão, reconhece Waldemar Ferreira,

que o documento de confissão de dívida, mesmo considerado como título de crédito, era eminentemente causal e

não possuía a abstração necessária para lhe assegurar a rápida circulação. (Instituições de Direito Comercial.

Vol. 3. Tomo I. 4ª ed. São Paulo: Max Limonad, 1958, pp. 40-45).

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jurídica para justificar a sua circulação nos países de tradição romano-germânica, já que em

sua origem, assim como até hoje, tal discussão é totalmente irrelevante nos países de common

law, cuja tradição, desde sempre, foi considerá-las espécie da categoria securities (valores

mobiliários).

Essencial foi a lição de Vivante, atribuindo aos títulos de crédito existência

material, cuja exibição é necessária para o exercício do direito, incorporado no título, a partir

de sua célebre definição: “é título de crédito o documento necessário para exercer o direito

literal e autônomo nele mencionado”.135 e 136

Luigi Lordi, jurista napolitano, em obra anterior à unificação do direito privado

italiano, classificava os títulos de crédito na categoria das obrigações comerciais,

reconhecendo, porém, a liberdade de sua emissão em matéria civil. Para ele, as características

relevantes do instituto eram as seguintes: “la funzione costitutiva del documento; la

singolarità del trasferimento, che spesso trasferisce più di quanto potrebbe l’alienante”.137

Muito à frente, todavia, a doutrina passou a reconhecer que “os títulos de crédito são

documentos dispositivos, e não simplesmente constitutivos de direitos”, cuja função genérica

é a de “facilitar a circulaçao dos direitos ou da situação jurídica por eles materializada, ou

seja, a sua negociabilidade”.138

Waldemar Ferreira recorda que o Código de Comércio de França “cuidou

todavia do que chamou de effets de commerce, sem os definir, tão pouco enumerar”, cabendo

aos tratadistas da época assim defini-lo: “todo título, todo escrito recebido correntemente em

pagamento nas condições comerciais, no lugar e em vez da moeda, sem apresentar no entanto

135

Traduzido do original: “Il titolo di credito è un documento necessario per esercitare il diritto letterale ed

autonomo che vi è menzionato.” (Trattato di Diritto Commerciale. Vol. III. 4ª ed. Milão: Dottor Francesco

Vallardi, 1914, pp. 163-164). Ninguém melhor do que o próprio Vivante (Ob. cit., p. 164) para explicar os

elementos de sua definição: “Si dice che il dirittoè autonomo, perchè il possessore di buona fede esercita un

diritto proprio, che non può essere ristretto o distributto dai rapporti corsi fra i precedenti possessori e il

debitore. Si dice che il titolo è il documento necessario per esercitare il diritto, perchè fino a quando il titolo

esiste, il creditore deve esibirlo per esercitare ogni diritto, sia principale sia acessorio, che esso porta con se.

Questo è il concetto giuridico, preciso e limitato, che deve sostituirsi alla frase volgare, per cui s´insegna che il

diritto è incorporato nel titolo. Quando il titolo sia stato distrutto o annullato cessa la necessità di quel vincolo

fra il documento e il diritto, cessa quella cosidetta incorporazione e il diritto può esercitarsi anche senza di

esso.” 136

Os títulos de crédito são disciplinados, atualmente, no Título VIII, do Livro I (Direito das Obrigações), da

Parte Especial, do Código Civil vigente, e seu conceito está positivado da seguinte maneira: “o título de crédito,

documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando

preencha os requisitos da lei” (art. 887, CC). 137

Le Obbligazioni Commerciali. Nápoles: Nicola Jovene & C. Editori, 1933, p. 221. 138

COMPARATO, Fábio Konder. Direito Empresarial. Estudos e Pareceres. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 462.

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os atributos de verdadeira moeda, é um efeito de comércio”.139

As características comuns dos

efeitos de comércio foram também arroladas pelo ilustre comercialista, com base no trabalho

de P. Lescot & R. Roblot, da seguinte forma:

“a) são títulos negociáveis, isto é, emitidos à ordem ou ao portador, assegurando-

lhes essa negociabilidade sua circulação rápida;

b) devem conter a indicação de seu valor, pois nenhum título pode desempenhar o

papel da moeda sem que mencione seu valor relativamente a esta moeda, isto é, a

quantidade de espécies metálicas ou de notas de banco contra as quais seu possuidor

pode trocá-los;

c) têm que referir sempre um crédito de soma de dinheiro, porque somente os

escritos ministrando ao portador o direito de exigir diretamente do devedor, em

vencimento determinado, certa soma, podem circular livremente;

d) o crédito há de ser a curto prazo, de sorte que o portador possa trocá-los

imediatamente com numerário em qualquer banco que se disponha a descontá-los,

isto é, de fazer um adiantamento de seu montante, antes de seu vencimento,

mediante a dedução de certo juro ou parcela, que é o desconto.”140

Muitos títulos se encaixam perfeitamente na categoria dos efeitos de

comércio141

, tais como as letras de câmbio142

e as notas promissórias143

. Todavia, as ações e

as obrigações são títulos que preenchem algumas das características comuns, mas que não as

satisfazem por completo, sendo excluídas, consequentemente, da referida categoria, como

ensina Waldemar Ferreira.144

É, porém, na separação feita entre títulos em série e individuais, extraída da

obra de Ascarelli145

, que podemos chegar ao quadro classificatório que nos permite inserir as

debêntures em categoria distinta da dos títulos de crédito stricto sensu.

139

Ob. cit., p. 50. 140

Ob. cit., p. 51. 141

“Como é de imaginar, mercê da influência do Código de Comércio de França na elaboração do código

brasileiro, este também se serviu, [...], da expressão efeitos de comércio, em mais de um texto, com o mesmo

significado, a despeito de ter-lhe dado sentido muito mais amplo de modo a abranger até as mercadorias e outras

utilidades suscetíveis de negócio”. (Waldemar Ferreira, ob. cit., p. 51) 142

“Entende-se por letra de câmbio uma ordem dada, por escrito, a uma pessoa, para que pague a um

beneficiário indicado, ou à ordem deste, uma determinada importância em dinheiro”. (MARTINS, Fran. Títulos

de Crédito. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 27). A origem do instituto é desconhecida, porém a doutrina

noticia sua existência a partir da Idade Média. Fran Martins (Ob. cit., p. 28) explica que “costuma a história

desse título ser dividida em três períodos, o primeiro chamado de período italiano, que vai da Idade Média ao

último quartel do século 17; o segundo, período francês, das Ordenanças de Comércio, de 1673, até meados do

século 19; e o último, período alemão, de 1848 aos dias atuais”. 143

“Entende-se por nota promissória a promessa de pagamento de certa soma em dinheiro, feita, por escrito, por

uma pessoa, em favor de outra ou à sua ordem”. (Fran Martins, ob. cit., p. 261). 144

Ob. cit., p. 51. 145

Ascarelli produziu quatro artigos publicados na Itália, em 1932, na Rivista di Diritto Commerciale, de Milão.

Os estudos foram elaborados “com o fim de indagar, através da disciplina positiva dos vários títulos de crédito,

os seus princípios jurídicos básicos e gerais” (Ascarelli, ob. cit., p. 11), tendo sido traduzidos, posteriormente,

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Os títulos emitidos em série, ou em massa, são objeto de disciplina comum e

conferem os mesmos direitos a seus titulares, dentro da mesma série. Classificam-se como

títulos fungíveis e, normalmente, servem para pagamento em longo prazo, atribuindo, muitas

vezes, em contrapartida, o direito à prestação periódica, além do reembolso do principal. Já

nos títulos individuais, ou singulares, “a criação de cada título acompanha um negócio

distinto, e o direito mencionado em um título pode divergir (no seu valor, vencimento, etc.) do

direito mencionado (por exemplo, cambial)”.146

Estes, por sua vez, são classificados como

títulos infungíveis, utilizados para pagamento em curto prazo e que, por tal razão, não

preveem o direito à prestação periódica.

Outra distinção marcante se faz em relação ao local de negociação dos títulos.

Enquanto os títulos em série são formatados para negociação em mercados organizados

(bolsas de valores ou mercados de balcão), os títulos individuais são negociados perante

instituições financeiras ou particulares, não sendo admitidos naqueles mercados, o que

restringe a sua circulação.

Por tais razões, conclui Ascarelli, que os títulos em série são “considerados

como valores (valeurs mobilières na terminologia francesa, em oposição aos effets de

commerce), objeto de aplicação de capital e especulação.”147

Nessa mesma linha seguiu Comparato, ao examinar a natureza dos títulos da

dívida agrária, para quem “os valores mobiliários possuem, como diferença específica em

relação aos títulos de crédito stricto sensu, o fato de serem sempre emitidos em série, tendo os

títulos de cada série características idênticas. Daí decorre que, dentro da mesma série, os

valores mobiliários são economicamente fungíveis: pelo fato de terem a mesma cotação, eles

podem ser substituídos, uns pelos outros, sem qualquer variação de ordem econômica.”148

Assevera, ainda, que “a característica da fungibilidade econômica dos valores

mobiliários torna-os autênticas mercadorias, ou seja, coisas suscetíveis de negociação e

cotação num mercado. E esta é outra diferença importante, relativamente aos títulos de crédito

para o português e reproduzidos, conjuntamente, na obra que veio a ser intitulada Teoria geral dos títulos de

crédito. 146

Ascarelli, ob. cit., p. 528. 147

Ob. cit., p. 529. 148

Ob. cit., p. 463.

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stricto sensu.”149

Em linha com a escola francesa, Comparato ilumina o caminho percorrido

pela doutrina e nos faz enxergar com clareza a categoria à qual pertencem as debêntures:

“dentro da categoria geral dos títulos de crédito distinguem-se duas espécies: os títulos de

crédito stricto sensu ou effets de commerce, segundo a denominação tradicional francesa, e os

valores mobiliários”.150

Nota-se, portanto, que a característica decisiva para concluir que as debêntures

são valores mobiliários, e não títulos de crédito stricto sensu, é a sua serialidade, a sua

emissão em conjuntos homogêneos ou em massa. Amadeu Ferreira, citando Paolo Spada,

esclarece que, “enquanto nos títulos emitidos individualmente é adotada uma perspectiva

micro-jurídica (relação titular-adquirente), nos valores mobiliários está presente uma

perspectiva macro-jurídica (relação emitente/mercado-investidores).”

O direito português vincula a evolução da natureza das obrigações ou

debêntures à cártula. Paulo Olavo Cunha explica que “classicamente – e sobretudo quando

estes valores mobiliários eram necessariamente documentados em papel -, dizia-se

simplesmente que as obrigações eram títulos de dívida”. Com a desmaterialização dos títulos,

as obrigações se aproximaram ainda mais da definição de valores mobiliários, superando

aquela clássica conceituação de título de crédito que tem na base um contrato de mútuo.

Florbela de Almeida Pires, em obra coordenada por Menezes Cordeiro, afirma

que as obrigações “autonomizam-se dos títulos de crédito através do seu regime próprio, no

contexto do direito dos valores mobiliários. As obrigações são um dos valores mobiliários de

referência [...].”151

Retornando ao direito brasileiro, Ary Oswaldo Mattos Filho ensina que a

construção teórica dos títulos de crédito não é mais suficiente para explicar o fenômeno

jurídico que resulta da criação de títulos ou valores mobiliários:

149

Ob. cit., p. 464. 150

Ob. cit., p. 463. 151

Código das Sociedades Comerciais Anotado. Coord.: CORDEIRO, António Menezes. 2ª ed. Coimbra:

Almedina, 2012, p. 929.

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“O aumento dos ‘credores’ da relação obrigacional oriunda do direito cartular retirou

parcialmente a autonomia que originariamente se concebeu como característica

fundamental dos títulos de crédito. A relação originária, nos títulos de massa, pode,

em determinadas circustâncias, ser alterada sem consentimento do credor, através de

uma decisão majoritária ocorrida em assembleia geral de acionistas ou de

debenturistas. Ou seja, a relação cartular não é literal, e a relação obrigacional pode

ser alterada sem a vontade do credor. Passa a inexistir a literalidade do título, e em

algumas hipóteses, nem mesmo a cártula necessita existir para que o direito se

materialize.

De outro lado os títulos emitidos por uma sociedade, quer aqueles de participação,

quer os de empréstimo, bem como os subprodutos destes, resultam de um contrato;

que será ou o contrato social, no caso das ações, ou a escritura de emissão, na

hipótese de debêntures. Tal situação contraria a teoria dos títulos de crédito, segundo

a qual o direito autônomo, oriundo da promessa cambial, é entendido como um ato

unilateral do subscritor, e não uma obrigação oriunda de vínculo contratual entre o

emitente e o tomador.”152

Newton de Lucca, por sua vez, é categórico em sua afirmação de que “o

conceito de valores mobiliários não possui qualquer liame lógico com o de ‘títulos de

crédito’.153

Para ele, inexiste “uma relação de gênero e espécie entre os títulos de crédito e os

valores mobiliários, pois o que faz determinado papel vir a ser considerado, eventualmente,

um valor mobiliário é algo inteiramente diverso do que o leva a categorizá-lo como sendo um

título de crédito”.154

Não restam dúvidas, portanto, que as debêntures não se encaixam na

disciplina dos títulos de crédito. Cumpre, agora, analisar o conceito de valores mobiliários -

tarefa das mais intrincadas -, para melhor compreender a categoria à qual pertencem as

debêntures.

Em nosso direito positivado, a Lei n° 4.728/65 foi a primeira a se utilizar das

expressões “valor mobiliário” e “título mobiliário”, sem diferençá-las ou conceituá-las.

Aproveitando-se da experiência norte-americana, a Lei n° 6.385/76 relacionou as espécies de

valores mobiliários sujeitos à fiscalização da CVM, deixando, contudo, de fornecer os

elementos para a sua conceituação.

Ary Oswaldo Mattos Filho foi um dos pioneiros a se debruçar sobre o conceito

de valor mobiliário. Em notável artigo sobre o tema, anteriormente citado, relaciona os

elementos caracterizadores de um valor mobiliário, a seguir sintetizados: (a) contribuição

152

Ob.cit., p. 35. 153

As Bolsas de Valores e os Valores Mobiliários. In: Simpósio sobre Direito dos Valores Mobiliários. Série

Cadernos do Conselho da Justiça Federal. N. 16. Brasília: CJF, 1999, p. 131. 154

Newton de Lucca, ob. cit., p. 132.

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47

para o investimento: é a entrega de dinheiro ou bem suscetível de apreciação econômica; (b)

empreendimento comum: é a gestão do empreendimento por terceiro, com ou sem

participação do investidor, cujo “fundamento da comunhão é a existência de interesse

econômico interligado juridicamente”; (c) expectativa de lucro: é a esperança de receber a

mais valia – benefício econômico oriundo do contrato de investimento de risco – a partir da

gestão do empreendimento por terceiro; (d) caracterização do empreendimento: é a

substância do negócio jurídico e o seu fundamento econômico que o caracterizam como valor

mobiliário, e não apenas o seu nome; (e) contrato de risco: “possibilidade de perda

econômica” do investimento realizado atrelado ao risco do empreendimento comum; (f)

controle do empreendimento: inexiste poder de decisão do investidor sobre o investimento

ou empreendimento comum; (g) materialização do valor mobiliário: o investimento

realizado pode ou não se corporificar em um documento que represente a relação jurídica,

porém gera direitos e obrigações para as partes envolvidas; e (h) falta de especialização:

espera-se que o gestor dos recursos tenha o conhecimento necessário para realizar os

investimentos.155

Conclui, por fim, com o seguinte conceito de valor mobiliário: “é o

investimento oferecido ao público, sobre o qual o investidor não tem controle direto, cuja

aplicação é feita em dinheiro, bens ou serviço, na expectativa de lucro, não sendo necessária a

emissão do título para a materialização da relação obrigacional”.156

Rita de Cássia Luz Teixeira Motta, em dissertação sobre o tema, assevera que

“a concepção atual de valores mobiliários privilegia o caráter de oferta pública de

investimento das operações assim consideradas, aliado ao caráter massificado da respectiva

emissão, em detrimento da forma em que são ofertados ou da pessoa do agente emissor”.157

Nota-se, portanto, mais uma vez, a presença da serialidade - a sua emissão em conjuntos

homogêneos ou em massa -, como elemento caracterizador dos valores mobiliários e,

consequentemente, das debêntures como espécie de tal categoria.

155

Ob. cit., pp. 41/46. 156

Ary Oswaldo Mattos Filho, ob. cit., p. 49. 157

O Conceito de Valor Mobiliário no Direito Brasileiro. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de

Direito da Universidade de São Paulo, 2002, p. 105.

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No âmbito legislativo, foi a Medida Provisória n° 1.637/98, editada mais de 20

anos após a criação da CVM, que introduziu o conceito de valores mobiliários em nosso

ordenamento jurídico, a saber:

“Art. 1°. Constituem valores mobiliários, sujeitos ao regime da Lei n° 6.385, de 7 de

dezembro de 1976, quando ofertados publicamente, os títulos ou contratos de

investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de

remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos

advém do esforço do empreendedor ou de terceiros.”

Tal conceito foi reproduzido pela Instrução CVM n° 270/98, no parágrafo

único do art. 1°, na esteira de atualização da Lei n° 6.385/76, compatibilizando-a com o

direito norte-americano.158

Além de conceituar valor mobiliário, a CVM, em diversos

pareceres159

, um deles anterior à referida Medida Provisória, destaca as seguintes

características essenciais:

(a) Necessidade de proteção dos investidores, mediante divulgação

de informações aos detentores dos títulos ou valores mobiliários

(princípio do full disclosure);

(b) Instrumentalidade - para assegurar o intervencionismo estatal e o

controle do mercado;

(c) Serialidade - títulos negociados em massa, de fácil e ampla

circulação;

(d) Circulabilidade – é a possibilidade de circulação do valor

mobiliário;

(e) Transferibilidade – “é requisito intrínseco ao caráter dos valores

mobiliários de títulos emitidos em massa e amplamente

negociados”.160

158

“A caracterização de securities na jurisprudência norte-americana teve como principal ponto de partida a

definição de investment contract, havendo a Suprema Corte apreciado a questão, pela primeira vez, em 1943, no

julgamento do caso SEC v. C.M. Joiner Leasing Corporation. [...] Aponta-se como leading case da conceituação

de investments contracts o famoso julgamento, ocorrido nos Estados Unidos, em 1946, do caso SEC v.

W.J.Howey & Co. [...] Conforme a Howey definition, a security compreende o investimento de dinheiro em um

empreendimento comum, no qual a expectativa de lucros depende unicamente dos esforços de terceiros”.

(EIZIRIK, Nelson et. al. Mercado de Capitais. Regime Jurídico. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, pp. 32-

34). 159

Pareceres CVM/SJU n° 36/79 e CVM/PJU n° 09/98, citados por Rita de Cássia Luz Teixeira Motta (Ob. cit.,

p. 107). 160

Cf. Rita de Cássia Luz Teixeira Motta, ob. cit., pp. 108-110.

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49

Percebe-se que as debêntures apresentam todas as características intrínsecas ao

conceito de valor mobiliário, sendo inegável sua compatibilidade com o referido instituto.

Enquadram-se, dessa forma, na categoria dos valores mobiliários não somente por definição

legal161

, mas também em razão de sua natureza.

Diante de tudo o que foi dito acima, pode-se concluir que a debênture tem a

natureza de valor mobiliário, representada por um título de dívida, emitido em série, que

legitima o seu titular ao exercício dos direitos nele revelados162

, e que tem por função o

financiamento da empresa, dispersando os credores e permitindo a sua livre negociação em

mercado organizado e especializado, podendo adotar, em razão de sua tipicidade, os seguintes

modelos: simples, conversível em ações ou permanente.

Com relação ao conceito de debêntures, resgatando a definição dada por Paul

Simonson, tem-se que qualquer instrumento por meio do qual se cria, se convenciona a

criação de, ou que se reconhece uma dívida em favor de uma ou mais pessoas, naturais ou

jurídicas, é uma debênture.163

Francisco Müssnich, em recente artigo publicado na obra em homenagem ao

Professor Tavares Guerreiro, traz a seguinte definição de debêntures: “são valores mobiliários

representativos de dívida que asseguram a seus detentores direito de crédito contra a

companhia emissora, nas condições constantes da escritura de emissão.”164

161

A par dos conceitos doutrinários sobre a sua natureza, a Lei n° 6.385/76, que dispõe sobre o mercado de

valores mobiliários, estabelece em seu artigo 2° que as debêntures e as cédulas de debêntures são consideradas

valores mobiliários por definição legal, sujeitando-se ao regime jurídico previsto naquela lei quando houver a

emissão, distribuição, negociação ou intermediação no mercado de valores mobiliários. 162

Para a doutrina portuguesa, “o título ou registro relativos aos títulos dão-nos a legitimidade para o exercício

dos direitos: ela assiste a quem, pelo título ou pelo registro, couberem os direitos relativos ao valor mobiliário

considerado (55.o/1). São direitos inerentes aos valores mobiliários, designadamente (55.

o/3): a) os dividendos,

os juros e outros rendimentos; b) os direitos de voto; c) os direitos à subscrição ou aquisição de valores

mobiliários do mesmo ou diferente tipo.” (Menezes Cordeiro, ob. cit., p. 636). 163

Tradução do original (Paul Simonson, ob. cit., p. 5): “Any instrument (other than a covering deed) which

either creates or agrees to create a debt in favour of one person (including joint holders) or corporation, or

acknowledges such debt, is a debenture.” Edward Manson apresenta definição um pouco mais completa: “A

debenture is an acknowledgment of indebtedness by a company – under seal, and being one of a series ranking

pari passu – by which the company agrees to pay the lender or holder for the time being of the security the

amount of the loan at some future date, with interest until payment, and charges with the payment thereof the

company´s undertaking and assets by way of floating security.” (Ob. cit., pp. 38-39). 164

As recentes alterações com respeito à competência para emissão de debêntures. In: Direito Empresarial e

outros estudos em homenagem ao Professor José Alexandre Tavares Guerreiro. Coord.: CASTRO, Rodrigo R.

Monteiro de; WARDE JÚNIOR, Walfrido Jorge; e GUERREIRO, Carolina Dias Tavares. São Paulo: Quartier

Latin, 2013, p. 539.

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50

Verifica-se, assim, que o conceito e a natureza jurídica das debêntures têm sido

objeto de atualização constante pela doutrina, tendo em vista a evolução histórica dos

institutos que serviram, ou ainda servem, de parâmetro para a interpretação da base, do

alicerce, e das características que fundam as debêntures. Novos regimes jurídicos, a exemplo

da definição do instituto como valores mobiliários, também contribuíram para que o instituto

deixasse de ser visto apenas como um mútuo ou um título de crédito, sob o olhar do credor ou

da teoria contratualista, para ser examinado sob a ótica do direito societário, como um título

primordialmente revelador de um instrumento de dívida emitido em série para financiamento

da sociedade – inicialmente da anônima, que foi o primeiro tipo societário de natureza privada

a emitir obrigações ou debêntures.

Nesse sentido, é a definição encontrada nas obras dos doutrinadores ingleses e

norte-americanos, construída a partir da ótica do direito societário, que parte da análise das

debêntures como um instrumento de dívida que representa frações ou unidades do débito

consideradas parte de um todo unitário – é o fenômeno da serialidade. Diferentemente das

conceituações francesas ou italianas, que foram inspiradas nos títulos de crédito e partem da

visão do credor, isto é, do sujeito que passa a ser o titular de uma fração daquele valor

mobiliário já emitido, os criadores do instituto constroem as definições a partir da sociedade,

do devedor, ou seja, do sujeito que dá origem ao título de dívida – é a visão funcional do

instituto.

Ainda, como visto acima, a emissão de debêntures pode ocorrer em razão de

uma causa justificadora distinta daquela utilizada para conceituar o título como um mútuo ou

título de crédito. Como exemplo, temos as debêntures emitidas em uma operação de

reorganização societária, cuja origem ou causa de sua emissão não é o mútuo, e, nas

conversíveis, até mesmo a aquisição de controle por meio de diluição dos demais acionistas

quando da conversão das debêntures em ações.

Os próprios autores da LSA, Lamy Filho e Bulhões Pedreira, ao explicarem o

tratamento inovador dado às debêntures na nova lei das sociedades por ações, de modo

diverso daquele então vigente sob os Decretos-lei n°s. 177-A/1.893 e 781/1.938, afirmam

categoricamente que “o título manteve sua natureza de título de dívida”165

.

165

A Lei das S.A. Pressupostos, Elaboração e Modificações. Vol I. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 300.

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51

O Código de Sociedades francês, como visto anteriormente, categoriza os

instrumentos financeiros em duas espécies: títulos financeiros ou contratos financeiros. Os

títulos financeiros, por sua vez, compreendem os títulos de capital emitidos pelas sociedades

por ações e os títulos de dívida.166

Portanto, o direito francês também reconhece que as

obrigações são títulos de dívida que pertencem à categoria dos títulos financeiros, espécie do

gênero instrumentos financeiros.

Ripert e Roblot conceituam as debêntures (obligations) da seguinte forma: “As

obrigações são títulos negociáveis, emitidos por uma sociedade que necessita tomar

emprestado importante soma de capital, geralmente a longo prazo, cuja dívida é fracionada

em um grande número de cupons”.167

Paulo Olavo Cunha define as debêntures (chamadas obrigações no direito

português) da seguinte forma: “As obrigações são valores negociáveis que, numa mesma

emissão, conferem um determinado direito de crédito ao seu titular e concedem direitos de

crédito iguais para um idêntico valor nominal, correspondendo a um meio de financiamento

da própria sociedade que exprime uma relação completamente diferente da relação de

participação social.”168

166

DEBOISSY, Florence; e WICKER, Guillaume. Code des Societies et Autres Groupements. 6a ed. Paris:

LexisNexis, 2012, p. 845. 167

Tradução livre e adaptada do seguinte texto: “Les obligations sont des titres négociables, émis par une société

qui emprunte un capital important, généralement à long terme, et divise as dette en un grand nombre de

coupures.” (Ob. cit., p. 593). 168

Ob. cit., p. 393. Interessante destacar que o referido jurista reconhece a conferência de direitos iguais para um

idêntico valor nominal, o que nos leva a pensar, de modo inverso, sobre a possibilidade de direitos distintos para

valores nominais diferentes, ou seja, sob o prisma do direito brasileiro, seria a igualdade de direitos dentro de

uma série e a possibilidade de distinção entre as diversas séries. Tal raciocínio nos leva à reflexão sobre a

desconstrução da teoria da massificação ou padronização do título debenturístico, já que o mesmo poderá

diferenciar os direitos de cada série. É o que também podemos depreender da leitura inversa do parágrafo único

do art. 53, da LSA (“As debêntures da mesma série terão igual valor nominal e conferirão a seus titulares os

mesmos direitos”), ou seja, as debêntures de diferentes séries poderão conferir direitos específicos dentro de cada

série. Parece-nos que esta é uma das características distintivas mais relevantes das debêntures em face dos

demais valores mobiliários, aproximando-as das ações – que também podem ser emitidas com classes diferentes,

conferindo direitos específicos aos seus titulares. As partes beneficiárias, por exemplo, não podem ser criadas

com mais de uma classe ou série (art. 46, §4o, da LSA). Não há vedação ou previsão expressa para a emissão de

bônus de subscrição em diferentes classes ou séries. Por força de interpretação da LSA, parece-nos ilógico

permitir a criação de séries distintas de bônus de subscrição dentro de uma mesma emissão. Reforçando essa

tese, o parágrafo único do art. 78 sujeitou os bônus de subscrição, supletivamente, ao regime jurídico aplicável às

ações apenas no tocante aos certificados (Seção V), propriedade e circulação (Seção VI) e constituição de

direitos reais e outros ônus (Seção VII), não remetendo expressamente às disposições da Seção III, do Capítulo

III, que regem as espécies e classes de ações.

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É inegável, dessa feita, conceituar as debêntures como títulos ou valores

mobiliários de dívida, emitidos em série, que têm por função o financiamento da sociedade

para o desenvolvimento da empresa.

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5. ESPÉCIES E GARANTIAS

Título complexo, por natureza, que permite à companhia buscar recursos junto

ao mercado para o financiamento de suas atividades, a debênture é um instrumento que pode

ser moldado de acordo com as necessidades da sociedade emissora por meio de três espécies

definidas em lei169

, as quais se distinguem, basicamente, pelas causas que motivam a sua

extinção, vez que pouco se diferenciam em seu modo de emissão.

No direito italiano, ainda, Luca Pisani170

destaca que as reformas171

realizadas

na fattispecie obbligazionaria tiveram como objetivo dar mais atratividade aos títulos

obrigacionais perante o público investidor, alargando os modelos especiais dos títulos. E é

também a partir da flexibilização do título obrigacional aqui no Brasil172

, que se nota o

crescente aumento de emissões, não mais restritas às debêntures simples, mas pelo uso cada

vez mais frequente de outras espécies, tais como os títulos perpétuos e os conversíveis em

ações.

Inicialmente, as debêntures eram utilizadas como instrumentos puramente

financeiros e, portanto, não admitiam a sua conversibilidade em ações. As debêntures simples,

ou não conversíveis, eram típicos instrumentos de dívida, revestidos das características afeitas

169

Debêntures simples, debêntures perpétuas e debêntures conversíveis em ações. 170

Le obbligazioni. In “Il Nuovo Diritto Delle Società”. Liber Amicorum Gian Franco Campobasso. Org.:

ABBADESSA, P.; e PORTALE, G.B. Vol. 1. Turim: UTET Giuridica, 2007, p. 807. Texto original: “Come

accennato in premessa, la riforma ha inteso conferire piena legittimità ad alcuni tipi speciali di obbligazioni, le

cui caratteristiche mirano nella maggior parte dei casi ad incrementare l´appetibilitità di tali titoli agli occhi dei

risparmiatori. Se infatti sinora le uniche ad essere previste e disciplinate dall´ordinamento erano le obbligazioni

convertibili in azioni con procedimento diretto, il legslatore ha colto l´ocasione della riforma per estendere

l´area dei tipi disciplinati – o forse sarebble meglio dire esplicitamente amessi, considerato che non viene

dettata alcuna regola specifica – così ulteriormente confermando, e per taluni versi estendendo, l´elasticità della

fattispecie obbligazionaria.” 171

Francesco Giancola (Ob. cit., p. 685), ao comentar o art. 2410 do Código Civil Italiano, destaca que

“l´intervento normativo è stato dettato dall´esigenza e dalla volontà di favorire l´emissione di obbligazioni,

come del resto confermato dalla lett. d) del 6º co. dell´art 4, l. 3.10.2011, n. 366 che ha attribuito al Governo la

delega per «modificare la disciplina relativa alla emissione di obbligazioni, attenuandone o rimuovendone i

limiti e consentendo all´autonomia statutaria di determinare l´organo competente e le relative procedure

deliberative».” 172

A Lei nº 12.431, de 24 de junho de 2.011, introduziu mudanças significativas no Capítulo V, Das

Debêntures, da Lei 6.404/76, especialmente no que tange ao limite de emissão, com a supressão do art. 60,

retirando-o do ordenamento jurídico, fazendo com que as debêntures não estejam mais limitadas ao capital social

da companhia. Tal mudança foi além daquelas verificadas na Itália que, neste caso, optou por elevar o limite para

as debêntures simples, mantendo-o no art. 2412 do Código Civil Italiano.

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aos títulos de crédito, que evitavam a alteração da estrutura acionária e, consequentemente,

permitiam o financiamento da atividade sem a diluição do controlador.

Além das simples e conversíveis, tem-se no Brasil uma espécie herdada do

direito inglês que é denominada “debêntures perpétuas”, identificada pela ausência de termo

final, em que o vencimento está sujeito a determinadas condições previstas no título (por

exemplo, a inadimplência da obrigação de pagar juros e a dissolução da companhia), sendo

ainda pouco utilizada pelos emissores.

Portanto, em relação às espécies, as debêntures são classificadas da seguinte

forma: simples, perpétuas ou conversíveis em ações.173

Há certa confusão, todavia, com relação ao uso da terminologia espécies, já

que a nomenclatura da Seção II, do Capítulo V, da LSA, que trata das debêntures, foi muito

infeliz ao empregar a palavra espécie para se referir, na realidade, às modalidades de garantia.

A LSA trata das espécies em seções esparsas. As conversíveis em ações estão disciplinadas no

art. 57. Já as perpétuas, estão previstas no art. 55, §4º, da LSA.

No tocante às garantias, a LSA disciplinou a temática em seu art. 58, da

seguinte forma:

Art. 58. A debênture poderá, conforme dispuser a escritura de emissão, ter garantia

real ou garantia flutuante, não gozar de preferência ou ser subordinada aos demais

credores da companhia.

As debêntures, portanto, podem ser emitidas como títulos quirografários, sem

qualquer tipo de garantia, colocando o debenturista na mesma posição que um simples credor.

Por outro lado, as debêntures também podem ser emitidas com garantia real,

vinculando determinados bens da sociedade emitente, que devem ser identificados na

escritura de emissão, para assegurar o cumprimento das obrigações contidas no título. Os bens

173

Para o estudo aprofundado da disciplina das debêntures conversíveis em ações, ver a obra de Edmur de

Andrade Nunes Pereira Neto, citada neste trabalho.

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dados em garantia não precisam ser necessariamente da companhia. Bens de terceiros podem

garantir a emissão de debêntures.

Dentre as garantias reais, temos a hipoteca, o penhor e a alienação fiduciária.

As duas primeiras estão disciplinadas no Código Civil e a última tem o seu regime previsto

em lei especial (Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1.997). No caso de alienação fiduciária, a

escritura de emissão, lavrada com efeitos de escritura pública, serviria de documento hábil

para fins de registro na matrícula do imóvel objeto da operação, nos termos do art. 38174

da

referida lei. O agente fiduciário, por sua vez, funcionaria como representante legal da

organização dos debenturistas para fins de representação perante o cartório de registro de

imóveis, bem como para a custódia dos bens dados em garantia, já que a LSA estabelece que

tal função pode ser atribuída ao agente na escritura de emissão (art. 69).

A garantia flutuante é outra modalidade que estabelece um privilégio geral

sobre os credores quirografários da sociedade emitente. Não há vinculação de bem ou ativo

específico. Há, apenas, uma preferência em caso de eventual falência ou recuperação do

emitente. Assim como as hipotecas, a garantia flutuante é organizada pela ordem de inscrição

da escritura de emissão, ou seja, há uma ordem de preferência entre as emissões. Não há tal

preferência, todavia, dentro da mesma emissão, concorrendo as séries em igualdade.

Outra modalidade, muito comum à época em que a LSA limitava a emissão ao

valor do capital social, é a subordinada aos demais credores. Neste caso, em que as debêntures

não possuem garantias, os debenturistas teriam preferência apenas em relação aos acionistas

em caso de falência da sociedade emitente. Os credores quirografários, por sua vez, teriam

preferência sobre os titulares de debêntures subordinadas. O revogado §4º do art. 60

estabelecia que o limite de emissão não se aplicava às subordinadas. Muitas companhias

fizeram uso dessa exceção para escapar da limitação da LSA. Atualmente, com a revogação

integral do art. 60 e de todos os seus parágrafos, no âmbito da reforma introduzida pela Lei nº

12.4431/2011, acredita-se que o movimento de emissão de debêntures subordinadas seja

refreado, tendo em vista que é modalidade com baixo nível de proteção aos debenturistas.

174

“Art. 38. Os atos e contratos referidos nesta Lei ou resultantes da sua aplicação, mesmo aqueles que visem à

constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, poderão ser celebrados por

escritura pública ou por instrumento particular com efeitos de escritura pública.”

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Além das garantias previstas na LSA, a doutrina entende que outras

modalidades poderão ser inseridas na escritura de emissão, tendo em vista o princípio da

autonomia privada. Tavares Borba cita, como exemplo, a garantia fidejussória, por meio de

fiança prestada pelos sócios controladores ou através de fiança bancária. Todavia, a bancária

pode não ser interessante para a companhia, em razão do custo financeiro para a sua

obtenção.175

Com relação à natureza da garantia, Carvalhosa ensina que “consistem em

direito acessório, subordinadas que estão ao direito de crédito do debenturista. Pressupõem a

validade e eficácia do crédito, para o seu exercício, pois constituem garantia do pagamento de

uma dívida”. Cita, ainda, o Parecer CVM nº 6/79 para justificar que o perecimento ou a

satisfação do direito principal enseja a insubsistência da garantia, ou seja, havendo a extinção

das debêntures, liberam-se as garantias.176

175

Ob. cit., pp. 80-81. 176

Ob. cit., p. 783.

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6. COMPARAÇÃO ENTRE AS DEBÊNTURES E OUTROS

VALORES MOBILIÁRIOS DE DÍVIDA

Além das debêntures, outros valores mobiliários de dívida são colocados à

disposição da sociedade para a sua capitalização ou financiamento. As partes beneficiárias e

as notas comerciais (commercial papers), por exemplo, são instrumentos alternativos às

debêntures para fins de captação de recursos financeiros por meio de títulos de dívida, cada

uma com suas características próprias e distintivas entre si, as quais serão analisadas a seguir.

Os bônus de subscrição são considerados valores mobiliários de participação

no capital social e, portanto, não seriam assemelhados às debêntures, enquanto títulos de

dívida, apesar de terem a mesma finalidade - instrumento de financiamento da sociedade.177

Por esta razão, não analisaremos comparativamente as debêntures em face dos bônus de

subscrição.

6.1. Partes beneficiárias

As partes beneficiárias178_179

são títulos negociáveis que podem ser emitidos

pela companhia a qualquer tempo para fins de capitalização, sendo emitidas sem valor

nominal e na condição atribuída por lei de título “estranho ao capital social”, ou seja, apenas e

177

O único entrelaçamento entre as duas espécies de valores mobiliários aqui mencionadas, verifica-se na

possibilidade de se atribuírem aos debenturistas, como vantagem adicional, os bônus de subscrição. Ou seja, a

sociedade poderia emitir os bônus de subscrição não para alienação a terceiros, mas para atribuição aos titulares

de debêntures já emitidas, nos termos do caput do art. 77 da LSA. 178

Segundo Tavares Guerreiro e Egberto Lacerda (Ob. cit., p. 333), é um “instituto originário do direito francês

(parts de fondateur)” que pode ser utilizado para as mais variadas finalidades “desde a pura e simples captação

de recursos financeiros até a disciplina de interesses insuscetíveis de composição através de outros mecanismos

societários.”. 179

“A origem histórica das partes de fundador ou partes beneficiárias está vinculada à construção do Canal de

Suez. Foram elas, com efeito, pela primeira vez imaginadas e criadas no século passado, com o lançamento da

Companhia do Canal de Suez, por Ferdinand de Lesseps, que a fundou em 1856, destina a cortar aquele istmo e

posteriormente explorar o empreendimento marítimo. Autorizada pelo Khediva do Egito, aquela companhia

concedeu 100 títulos ao grupo de capitalistas que confiavam no êxito do empreendimento, atribuindo-lhes uma

percentagem nos lucros, sem envolver o capital social.” (Rubens Requião, ob. cit., p. 312). Cf. também Ripert e

Roblot, ob. cit., p. 561.

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tão somente como títulos de dívida, apesar de conferirem a seus titulares o direito de

participação nos lucros anuais.

A LSA (art. 46, §1°) estabelece que os titulares das partes beneficiárias terão

“direito de crédito eventual contra a companhia, consistente na participação nos lucros

anuais”.

A diferença, portanto, entre as partes beneficiárias e as debêntures, no que

tange à contrapartida da companhia, é que as debêntures tem a certeza de seu pagamento,

tanto do rendimento ao longo do tempo, como do principal em seu vencimento, conforme

disposto na escritura de emissão. Já as partes beneficiárias estão sujeitas à verificação de lucro

ao término do exercício social, após as deduções dos prejuízos acumulados, da provisão para

o imposto de renda e das participações estatutárias dos empregados e administradores, e tem

preferência sobre os dividendos, quando pagos à conta do lucro líquido do exercício.180

A doutrina denomina o direito de crédito das partes beneficiárias de

“eventual”181

, tendo em vista que, inexistindo lucro suficiente para suportar as deduções

anteriormente mencionadas, o titular das partes beneficiárias não auferirá o rendimento de seu

título.

Outra diferença relevante entre os valores mobiliários aqui tratados é a vedação

expressa de emissão de partes beneficiárias por sociedades anônimas de capital aberto,

restando apenas a sua emissão às sociedades de capital fechado, que não tenham registro na

Comissão de Valores Mobiliários. Tal vedação foi inserida na LSA a partir da reforma

promovida pela Lei nº 10.303/2001, posto que a redação anterior admitia a emissão a título

oneroso ou para atribuição gratuita a sociedades ou fundações beneficentes de seus

empregados. Já as debêntures não possuem tal vedação legal e, por outro lado, são

frequentemente emitidas por companhias abertas.

Os institutos se assemelham, todavia, no que se refere à proibição de sua

emissão pelas instituições financeiras, conforme disposto no art. 35, I, da Lei nº 4.595, de 31

de dezembro de 1964. Distinguem-se, por outro lado, com relação à ressalva que a

180

Tavares Guerreiro e Egberto Lacerda, ob. cit., p. 334. 181

Nelson Eizirik, ob. cit., pp. 322-323.

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mencionada lei faz no parágrafo único do mesmo art. 35, admitindo a emissão de debêntures

por instituições financeiras que não recebam depósitos do público, porém condicionando-a à

prévia autorização do Banco Central do Brasil.

Outra distinção entre os institutos é a limitação de participação das partes

beneficiárias no lucro da companhia, resultando em limite ao proveito econômico a ser

auferido pelos titulares de tal valor mobiliário. Aqui não se trata de limite à emissão, como se

verificava no regime jurídico das debêntures antes da alteração promovida pela Lei nº

12.431/2.011, mas de limite ao crédito conferido pelas partes beneficiárias aos seus titulares.

Tal limite é de um décimo dos lucros (§2º do art. 46 da LSA). As debêntures, por outro lado,

não possuem tal limitação expressa em lei.

Rubens Requião afirma que as partes beneficiárias se distinguem das ações e

das debêntures porque não seriam representativas de um título patrimonial ou financeiro,

sendo consideradas meramente “títulos concedidos pela sociedade sem outro conteúdo senão

o crédito eventual de participação no lucro líquido182

da sociedade anônima.”183

Por fim, outro traço distintivo é a vedação expressa de criação de mais de uma

classe ou série de partes beneficiárias (art. 46, §4o, da LSA), enquanto que a emissão de

debêntures pode ser dividida em séries, nos termos do art. 53 da LSA.

6.2. Notas comerciais

As notas comerciais, ou commercial papers, são também consideradas valores

mobiliários de dívida, nos termos do art. 2º, VI, da Lei nº 6.385/76. Todavia, a emissão se dá

para financiamento das operações de curto prazo das sociedades, em contraposição às

debêntures que, usualmente, são emitidas com duração de médio e longo prazo.

182

A nosso ver, com a devida vênia, a expressão lucro líquido não é a mais adequada, posto que a participação

das partes beneficiárias é deduzida antes de se apurar o lucro líquido conceituado na LSA (art. 191). Poderíamos

denominá-lo de lucro intermediário (art. 190 da LSA), pois ele está após as deduções dos prejuízos acumulados e

da provisão de imposto de renda (art. 189 da LSA), mas antes do lucro líquido. 183

Ob. cit., p. 316.

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Para o direito norte-americano, as notas são consideradas valores mobiliários

(securities), via de regra, por evidenciarem uma promessa de pagamento do devedor por um

investimento realizado pelo credor. Todavia, certas características das notas podem excluí-las

do conceito de valores mobiliários. Para o Securities Act de 1.933, as notas emitidas com

vencimento em até nove meses de sua emissão estão dispensadas de registro. A doutrina

reconhece que, neste caso, a exceção teve por objetivo atingir o commercial paper, que é

definido como uma nota promissória sem garantia emitida por grandes companhias para

financiar suas operações de curto prazo, sendo distribuídas para investidores institucionais ou

qualificados.184

A Suprema Corte dos Estados Unidos, ao julgar o caso Reves v. Ernst & Young

(494 U.S. 56, 1.990)185

, adotou um teste conhecido como “family resemblance test” para

solucionar a divergência entre várias Cortes com relação à definição das notas como valores

mobiliários. O teste parte da premissa de que todas as notas são securities, a menos que esteja

em uma das categorias de instrumentos que não são considerados valores mobiliários,

trazendo como exemplos de notas que não são securities aquelas emitidas nos empréstimos

aos consumidores e as que tenham como garantia uma hipoteca (mortgage on a home) ou a

cessão de contas a receber.

O teste, ainda, apresenta quatro fatores para que uma nota seja considerada um

valor mobiliário, quais sejam: (i) motivação do vendedor e do comprador – emissão para

fins não específicos; (ii) plano de distribuição – distribuição e negociação por uma extensa

base de investidores não institucionais ou não qualificados (notas distribuídas a um grupo

limitado de investidores qualificados, em negociações diretas, não são consideradas valores

mobiliários); (iii) expectativa razoável de investimento público – caracterizar investimento,

similar a um contrato de investimento coletivo; (iv) outros fatores que reduzem o risco –

184

Palmiter, ob. cit., p. 47. 185

O caso tratou da seguinte problemática: se as notas emitidas pela the Farmer’s Cooperative of Arkansas and

Oklahoma seriam definidas como securities nos termos da definição apresentada pela Seção 3(a)10 do Securities

Exchange Act de 1934. Após a Cooperativa requerer a autofalência, os titulares das notas ingressaram com a

ação em face da Ernst & Young sob a alegação de que a firma de auditoria supostamente não teria observado os

princípios gerais de contabilidade em sua avaliação sobre um dos mais relevantes ativos da sociedade, violando

as regras antifraude do Securities Exchange Act de 1934. A firma de auditoria recorreu sob a alegação de que as

notas não seriam valores mobiliários e, por tal razão, não seriam aplicáveis as regras daquele ato normativo de

1934, levando o caso a julgamento pela Suprema Corte dos Estados Unidos, tendo como relator o Justice

Marshall.

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possuir garantias e estar sujeita à regulação de autoridades financeiras podem diminuir o risco

e levar a nota a não ser caracterizada como valor mobiliário.186

As notas são instrumentos flexíveis que admitem diversas configurações pelo

emitente. É por isso que demandam a análise das características extrínsecas ao título para que

sejam ou não conceituadas como valores mobiliários. Já as debêntures independem dos

fatores externos (motivação, plano de distribuição, etc.) para serem caracterizadas como

valores mobiliários.

No Brasil, além da inclusão das notas no rol dos valores mobiliário pela lei que

instituiu o mercado, o Conselho Monetário Nacional (“CMN”) expediu a Resolução nº 1.723,

de 27 de junho de 1.990, por meio da qual estabelece em seu primeiro artigo: “Considerar

como valor mobiliário, para os efeitos da Lei nº 6.385, de 07.12.76, a nota promissória

emitida por sociedade por ações, destinada à oferta pública.”

Apesar da estranheza da definição, já que a mesma consta em lei anterior à

Resolução, nota-se que o ato normativo do CMN, a partir da leitura de seu art. 2º, teve o

intuito de excluir da definição de valor mobiliário as notas emitidas por instituições

financeiras, nos moldes do que ocorreu nos Estados Unidos após a decisão do caso Reves.

Vejamos o que diz o artigo 2º da Resolução 1.723: “O disposto no artigo

anterior não se aplica aos títulos emitidos por instituições financeiras, sociedades corretoras

e distribuidoras de valores mobiliários e sociedades de arrendamento mercantil.”

Aí está a razão da edição da referida Resolução. O artigo 1º foi a cortina de

fumaça necessária para retirar as notas promissórias emitidas por instituições financeiras e

demais sociedades correlatas da definição de valores mobiliários e, por consequência, do

âmbito de fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários. Todavia, parece-nos que o ato

normativo do CMN não poderia alterar a lei, retirando as notas emitidas por instituições

financeiras de seu alcance.

186

Palmiter, ob. cit., pp. 47-48.

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As notas comerciais (commercial papers) apresentam algumas características

comuns às debêntures, pois (i) dependem da qualidade do emissor e de seu rating junto às

agências de avaliação de risco; (ii) são títulos sem garantias reais ou fidejussórias; (iii) exigem

registro na CVM, para distribuição pública.187

Por outro lado, as diferenças entre as debêntures subordinadas e as notas

promissórias comerciais são as seguintes: (i) as notas são de prazo curtíssimo, enquanto as

debêntures subordinadas, normalmente, são de prazo médio e longo188

; (ii) as notas devem

observar o valor mínimo de emissão189

, enquanto as debêntures não estão sujeitas a um valor

nominal unitário mínimo para a sua colocação no mercado; (iii) as notas serão consideradas

créditos quirografários em caso de falência da sociedade emissora; já as debêntures

subordinadas estão abaixo dos credores quirografários e têm preferência apenas sobre os

acionistas em relação ao saldo remanescente dos ativos.190 e 191

187

SANTOS, Theophilo de Azeredo. Commercial Paper, Export Notes – Endossador Não-Responsável pelo

Título de Crédito. Disponível em: http://daleth.cjf.jus.br/revista/seriecadernos/VOL16-7.htm. Acesso em:

18/04/2013. 188

“Nos Estados Unidos, em 1997, a empresa Safra Republic Holding S.A. emitiu, em base fiduciária

pelo Republic Bank of New York, em Luxemburgo, para financiar e manter empréstimo por debêntures

subordinadas com vencimento em 15 de outubro de 2.997, vale dizer, título de 1.000 anos. Entre nós, o prazo

médio do Commercial Paper está em 180 dias, ao passo que as debêntures têm sido lançadas com vencimento de

3 a 5 anos, a fim de melhor atender ao planejamento financeiro das empresas.” (Azeredo Santos, ob. cit., s/n) 189

O art. 2° da Instrução CVM n° 155, de 7 de agosto de 1.991, define as condições para emissão de notas pelas

sociedades, dentre elas o valor nominal unitário mínimo: “I – ter por objeto notas promissórias cujo valor

nominal unitário seja, no mínimo, de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais);” e 190

O art. 83 da Lei n° 11.101/2.005 estabelece a ordem de classificação dos créditos em caso de falência da

sociedade emissora. 191

SANTOS, Theophilo de Azeredo. Commercial Paper, Export Notes – Endossador Não-Responsável pelo

Título de Crédito. Disponível em: http://daleth.cjf.jus.br/revista/seriecadernos/VOL16-7.htm. Acesso em:

18/04/2013.

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7. FUNÇÃO DAS DEBÊNTURES

As debêntures se prestam a diversos negócios jurídicos que visam capitalizar a

sociedade.192

Como dito anteriormente, enquanto instituto de direito societário, revelam-se

valores mobiliários de dívida, emitidos em série, que tem por função permitir às sociedades a

obtenção de recursos junto ao público investidor para o desenvolvimento de suas atividades,

com a dispersão dos credores.

Essa é, inclusive, a função essencial das debêntures, como nos mostra a

unanimidade da doutrina.193

Tão essencial para o funcionamento da sociedade e o exercício da

empresa que, em alguns países, como nos Estados Unidos, a emissão de bonds e debentures é

admitida até mesmo sem a necessidade de expressa autorização no ato constitutivo da

sociedade.194

Waldecy Lucena ensina que a emissão de debêntures é uma das vias clássicas

de busca de capitais, “tido em geral como um instrumento eficaz de captação, distribuído,

como modalidade de valor mobiliário, no mercado de capitais”, arrematando que as

debêntures, por serem títulos abstratos, podem ter como causa “vários negócios jurídicos

subjacentes, como sejam novação, transação, dação em pagamento, servindo para pagamento

tanto de obrigações sociais anteriormente contraídas, como de obras e serviços de interesse da

192

Para Carvalhosa (Ob. cit., p. 662), “a função das debêntures é a de capitalizar a sociedade. São, desse modo,

títulos de crédito representativos da totalidade do débito contraído pela companhia, consoante escritura de

emissão aprovada pela assembleia geral”. O único equívoco, a nosso ver, nesse trecho extraído da obra de

Carvalhosa, é a categorização das debêntures como títulos de crédito, como discorrido anteriormente ao

tratarmos de seu conceito e natureza jurídica. Trata-se na verdade de instituto que se encaixa na categoria

autônoma dos valores mobiliários. 193

Já para Nelson Eizirik (Ob. cit., p. 319), “a finalidade econômica da debênture consiste em possibilitar o

financiamento da companhia emissora, mediante empréstimo contraído junto a restrito círculo de pessoas

(quando se trata de emissão privada) ou mediante apelo à poupança popular (no caso de emissão publica

colocada no mercado de capitais).” A nosso ver, o mais adequado seria utilizar a palavra “função” ao invés de

“finalidade”. As debêntures têm função econômica, posto que utilizadas primordialmente para o financiamento

da sociedade. Porém, a finalidade da emissão pode ser das mais diversas, e não necessariamente sempre

econômica. Como exemplo, temos a emissão de debêntures conversíveis no âmbito de uma reorganização

societária ou aquisição de participação societária, por meio de negócio jurídico indireto, já que nessa hipótese a

emissão tem uma finalidade imediata que é jurídico-societária, e não econômica, cujo objetivo é permitir que os

titulares das debêntures conversíveis detenham, ao final da operação, participação acionária que cause a diluição

da base acionária anterior à conversão. 194

“The power to issue bonds and obligations is not dependente, as are stock issues, upon express authorization

in the articles of incorporation” (BALLANTINE, Henry Winthrop. Ballantine on Corporations. Chicago:

Callaghan, 1946, p. 494). No mesmo sentido, Cox e Hazen, ob. cit., p. 516.

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sociedade, em cujas operações pode inclusive ocorrer, o que não é incomum, o não ingresso

de recursos financeiros para o caixa da companhia.”

De fato, a causa para o lançamento de debêntures pode ser das mais variadas.

Nem por isso, mesmo não havendo ingresso de dinheiro no caixa da companhia, elas deixam

de ter a sua função econômica, que sempre subsistirá. O uso das debêntures como meio de

pagamento para outras obrigações contraídas anteriormente à sua emissão não descaracteriza

a sua função econômica.

É a própria sociedade que dá início à marcha de financiamento por meio das

debêntures. A sociedade cria, emite e coloca o valor mobiliário em circulação. No caso de uso

das debêntures para pagamento de obrigações já contraídas, em que o valor mobiliário serve

de papel moeda para quitação de uma dívida preexistente, ou para garantia de operação já

contratada, tem-se aí uma operação de financiamento que se opera por meio de substituição de

passivos. Por exemplo, a sociedade tem uma dívida contabilizada com o prestador de serviços

“A” (credor) no valor de um milhão de reais. Ao invés de dispor de seu caixa, a sociedade

resolve emitir debêntures que são entregues ao referido credor, substituindo a dívida pelo

valor mobiliário lançado no passivo. O fornecedor, por sua vez, poderá alienar o valor

mobiliário e receber dinheiro do adquirente, que assumirá a posição de debenturista, ou pode

oferecer o título em garantia de uma operação financeira, aguardando o vencimento da

debênture para sua liquidação.

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8. CRIAÇÃO, EMISSÃO, COLOCAÇÃO E CIRCULAÇÃO:

CONCEITOS E IMPLICAÇÕES LEGAIS

O tema deste capítulo se deve à necessidade de se estabelecer precisamente a

definição e as implicações legais dos termos utilizados para representar as etapas de

surgimento, existência e de movimento em direção ao mercado das debêntures. “São fases do

iter procedimental por que passam as debêntures”195

. A delimitação precisa de cada etapa tem

suas consequências jurídicas para os sujeitos que participam da relação debenturística.

Abordaremos os temas em dois grupos. O primeiro, que trata do momento inicial de

surgimento do título, analisará a criação e a emissão das debêntures. Já o segundo grupo, que

representa o momento posterior à emissão, tratará da colocação e circulação dos referidos

valores mobiliários, cujo movimento projeta o título para fora da sociedade, lançando-o nas

mãos de terceiros que o subscrevem, dando vida autônoma às debêntures e imputando ao

subscritor a posição de debenturista.

Iniciaremos a análise das definições acerca da criação e emissão das debêntures

e, na sequência, abordaremos a colocação e a circulação do título.

8.1. Criação e emissão

Tavares Guerreiro e Egberto Teixeira, sempre inovadores, foram os primeiros a

discorrer sobre a necessária distinção entre criação e emissão das debêntures. Apesar de

pouco abordado pelo restante da doutrina, o tema é dos mais pertinentes para a evolução

prática das debêntures e, por essa razão, merece ser renovado neste trabalho.196

Nesse sentido, vale a pena transcrever os ensinamentos dos referidos juristas a

respeito da distinção ora em exame:

195

LUCENA, José Waldecy. Das Sociedades Anônimas. Comentários à Lei. Vol. 1. Rio de Janeiro: Ed.

Renovar, 2009, p. 624. 196

Ob. cit., p. 358.

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“Cremos ser necessário distinguir entre criação e emissão de debêntures. Muito

embora, na rubrica da Seção III do Capítulo V, a Lei no 6.404 admita a identidade de

um e outro instituto, nos dispositivos pertinentes não se encontra qualquer

conceituação específica a respeito, que deve, portanto, ser extraída mediante

interpretaçõa sistemática do texto legal. Sendo certo que a previsão estatutária não é

condição suficiente para o nascimento das debêntures, parece-nos que a criação

delas resulta da deliberação da Assembleia Geral que torna efetiva a intenção da

companhia de proceder a essa modalidade de operação de crédito, discriminando

suas características, nos termos do art. 59. A emissão das debêntures, porém, é ato

subsequente à deliberação assemblear, materializado pela escritura de emissão, a que

se refere o art. 61, e uma vez satisfeitos os requisitos previstos no art. 62, com a

consequente instrumentação da dívida debenturística através dos certificados, que

devem obedecer as prescrições formais do art. 64.”197

Como visto acima, tem-se à primeira vista a falsa sensação de que o legislador

pretendeu usar os termos criação e emissão como sinônimos. Essa impressão equivocada

decorre da infeliz nomenclatura utilizada na Seção III, do Capítulo V, da LSA. Todavia, uma

análise mais acurada dos arts. 59 a 62 nos mostra que criação e emissão são negócios jurídicos

distintos, porém complementares.

A criação é negócio jurídico societário de competência privativa da assembleia

geral, salvo nas companhias abertas em que o conselho de administração poderá deliberar

sobre a criação de debêntures não conversíveis em ações.198

Criação não se confunde com

emissão. A criação é o ato precedente que disciplina a emissão. O caput do art. 59 é que dá

margem a essa confusão, ao referir que a assembleia deverá deliberar sobre a “emissão de

debêntures”. Trata-se de impropriedade do texto, a nosso ver. Na verdade, a deliberação da

assembleia é de criação das debêntures e de aprovação das condições de emissão do título. É

um projeto de emissão. Não é a própria emissão. Esta ocorrerá, como veremos a seguir, a

partir da lavratura da escritura e do cumprimento de certos requisitos para sua regularidade.

Carvalhosa, nesse mesmo sentido, afirma que a criação e a emissão de

debêntures não se confundem, sendo que “a primeira é consequente à deliberação da

assembleia geral ou do conselho de administração (§1o deste art. 59). Já a emissão somente se

configura em momento posterior, com a cabal formalização da escritura respectiva.”199

197

Ob. cit., p. 358. 198

A doutrina construída no regime anterior à LSA era pacífica no sentido de que a disposição estatutária que

atribuisse competência a outro órgão da companhia, retirando a competência privativa da assembleia, seria

inválida. 199

Ob. cit., p. 810.

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Para corroborar esse entendimento, devemo-nos atentar para a redação do §4o

do art. 59 da LSA, onde se lê que a assembleia pode delegar ao conselho a deliberação “sobre

as condições de que tratam os incisos VI a VIII do caput e sobre a oportunidade da emissão”.

Está mais do que claro aqui que a deliberação da assembleia é de criação, e não de emissão.

Se não fosse assim, não faria sentido transferir por delegação a deliberação sobre a

oportunidade da emissão ao conselho.

Tal distinção é importante pois, como ensina a doutrina, “a existência legal das

debêntures depende da assinatura da escritura de emissão”200

. Isto é, a deliberação de criação,

por si só, não caracteriza a emissão das debêntures, sendo ela dependente da lavratura da

escritura de emissão para ter vida e existir juridicamente.201

Dessa forma, a emissão das debêntures será levada a cabo pela companhia por

meio da lavratura da escritura prevista no art. 61 da LSA, que deverá conter os direitos

conferidos aos debenturistas, suas garantias e demais cláusulas ou condições. Mais um motivo

para nos levar à opinião de que a deliberação da assembleia é de criação das debêntures, já

que a escritura de emissão deverá conter uma série de disposições que não são obrigatórias e

podem não estar mencionadas na deliberação de criação. Portanto, a emissão decorre do ato

de criação das debêntures. Sem a criação, inexiste a possibilidade de lavratura da escritura de

emissão.

Carvalhosa explica, com a clareza que lhe é peculiar, a fase de emissão das

debêntures, da seguinte forma:

“Já a emissão corresponde à fase em que as debêntures, criadas de acordo com a lei,

os regulamentos administrativos e o estatuto, estão aptas a ser ofertadas aos

tomadores do mercado de capitais (emissão pública) ou desde logo colocadas junto

aos investidores institucionais ou junto aos próprios acionistas (emissão privada).”202

Divide-se a fase de emissão, por seu turno, em dois procedimentos distintos: o

primeiro é o de elaboração e assinatura da escritura de emissão (existência legal do

instrumento de criação das debêntures); e o segundo é o registrário, que visa dar cumprimento

200

Tavares Borba, ob. cit., p. 99. 201

Tavares Borba (Ob. cit., p. 99) ensina, ainda, que “a escritura de emissão, que poderá ser celebrada por

instrumento público ou particular, é que dá vida às debêntures, criando-as e inserindo-as no mundo do direito.” 202

Ob. cit., p. 811.

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aos requisitos previstos no art. 62 da LSA e tem por objetivo produzir efeitos perante terceiros

(potenciais subscritores do valor mobiliário, credores, etc.).

A feitura da escritura de emissão deve observar o disposto no artigo 61 da

LSA, que estabelece: “a companhia fará constar da escritura de emissão os direitos conferidos

pelas debêntures, suas garantias e demais cláusulas ou condições”.

Importante destacar, neste ponto, a possibilidade de emissão de debêntures no

modelo completo e a emissão de debêntures padronizadas, que se valem de cláusulas ou

condições padrões que devem ser inseridas nas escrituras de emissão e que permitem, a partir

da padronização da escritura, a sua negociação em segmento especial da Bolsa de Valores ou

do mercado de balcão.203

Não se deve falar em formalização do empréstimo debenturístico. Este não

ocorre apenas com a lavratura da escritura de emissão. A doutrina predominante entende que

a formalização ocorre a partir da subscrição do título e do pagamento à companhia do valor

nele expresso.204

De acordo com Carvalhosa, ainda, “a subscrição significa o ato negocial de

firmar o empréstimo pelos meios usuais do mercado, e que corresponde, para todos os efeitos

jurídicos, à aceitação da oferta promovida com tal finalidade.”205

Como veremos mais adiante, a fase posterior à emissão é a de colocação das

debêntures, em que se verifica a subscrição e a integralização das mesmas, configurando-se aí

a formalização do empréstimo debenturístico.

203

A esse respeito, a Instrução CVM nº 404, de 13 de fevereiro de 2004, dispõe sobre o procedimento

simplificado de registro e padrões de cláusulas e condições que devem ser adotados nas escrituras de emissão de

debêntures destinadas a negociação em segmento especial de bolsas de valores ou entidades do mercado de

balcão organizado. 204

Tavares Guerreiro e Egberto Teixeira (Ob. cit., p. 362) comentam que “a escritura de emissão não se reveste

do caráter de instrumento contratual, a refletir a bilateralidade inerente ao mútuo [eles são defensores dessa

teoria], mas, ao contrário, exprimirá uma declaração unilateral de vontade, por parte da companhia emissora,

contendo as cláusulas, garantias e condições oferecidas aos tomardores das debêntures. Temos para nós que a

formalização do empréstimo mediante debêntures se concretiza com a efetiva prestação de numerário pelos

debenturistas, que aderem às disposições da escritura. Daí entendermos acertada a lição de WALDEMAR

FERREIRA, segundo a qual o contrato de empréstimo mediante debêntures (que sucede, no tempo, à celebração

da escritura) outro não é senão o chamado contrato de adesão.” 205

Ob. cit., p. 811.

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69

Com isso, podemos delimitar a fase de emissão como sendo aquela que se

inicia com a elaboração da escritura, passando por sua assinatura, e se encerra com a

conclusão dos atos registrários previstos no artigo 62 da LSA.

A escritura de emissão foi introduzida no direito brasileiro a partir da Lei no

6.404/76. Anteriormente, adotava-se a figura do manifesto. Inovou-se acertadamente,

reconhecendo a doutrina suas vantagens para a emissão das debêntures. Superou-se, também,

a dúvida sobre a sua natureza jurídica que, hoje, está pacificada no sentido de ser ela uma

declaração unilateral de vontade. Esta também é a qualificação jurídica adotada pela CVM,

conforme Parecer CVM/SJU/N. 037, de 13 de maio de 1983, como bem anotou Waldecy

Lucena206

.

Leães observa que a escritura de emissão se inspirou no trust indenture ou deed

of trust, proveniente do direito inglês e norte-americano, “que é um contrato formal celebrado

entre a sociedade e o agente fiduciário como representante dos debenturistas”207

. No Brasil,

por sua vez, exige-se a participação do agente fiduciário na escritura de emissão apenas para a

colocação pública dos títulos, nos termos do parágrafo 1o do artigo 61 da LSA. Sendo as

debêntures emitidas para colocação privada, a escritura contará apenas com a firma dos

administradores da sociedade emissora.

Além dos requisitos obrigatórios previstos nos incisos do art. 59 da LSA, que

foram objeto de deliberação pela assembleia ou conselho, a escritura de emissão deve conter

os direitos conferidos aos debenturistas, as garantias e demais cláusulas ou condições.

Interessante destacar ainda, neste ponto, que caberá à administração da companhia elaborar a

escritura de emissão, fazendo constar as matérias fixadas pela assembleia ou conselho (art.

59), complementando-as, naquilo que lhe couber, para determinar, por exemplo, os critérios

para escolha, nomeação e substituição do agente fiduciário, seus deveres e atribuições, além

daqueles fixados em lei, “as regras sobre a convocação e deliberação das assembleias de

debenturistas, bem como todas as demais obrigações a que a companhia emissora estará

sujeita”.208

206

Ob. cit., pp. 644-645. 207

LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. Vol. 2. São Paulo:

Saraiva, 1980, pp. 54-55. 208

Nelson Eizirik, ob. cit., pp. 387-388.

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A LSA não é clara a respeito do órgão da administração incumbido de elaborar

e firmar a escritura de emissão. O caput do art. 61 refere-se à companhia. Todavia, por meio

de interpretação lógico-sistemática, podemos concluir que a escritura deve ser assinada por

um de seus diretores, nos termos do estatuto ou, sendo este silente, da deliberação colegiada

que autorizar a sua emissão. Extrai-se este entendimento do art. 144 da LSA, que disciplina a

“presentação” (e não a representação, como já alertava Pontes de Miranda) da companhia, ao

estabelecer que “no silêncio do estatuto e inexistindo deliberação do Conselho de

Administração (art. 142, II e parágrafo único), competirão a qualquer diretor a representação

da companhia e a prática dos atos necessários ao seu funcionamento regular”. Parece-nos

razoável, também, que a escritura deva ser elaborada pela diretoria e aprovada pelo conselho

de administração. Silente o estatuto a esse respeito, aplica-se a regra geral contida no artigo

144 da LSA, competindo a qualquer diretor da sociedade a prática dos atos necessários à

elaboração e lavratura da escritura de emissão.

Superada a fase de elaboração e assinatura da escritura de emissão, passa-se à

etapa de registro e publicidade, prevista no artigo 62 da LSA, que exige as seguintes

providências:

(i) arquivamento da ata da assembleia geral, ou do conselho de

administração, que deliberou sobre a emissão no registro do

comércio (leia-se, na Junta Comercial do Estado onde se localiza

a sede da sociedade);

(ii) publicação da ata referida no item anterior nos jornais utilizados

pela sociedade para as publicações legais;

(iii) inscrição da escritura de emissão no registro do comércio (leia-se,

na Junta Comercial do Estado onde se localiza a sede da

sociedade); e

(iv) constituição das garantias reais, se for o caso, com a inscrição da

escritura de emissão no cartório de registro de imóveis, por

exemplo.

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A redação original do art. 62 exigia a inscrição obrigatória de toda e qualquer

escritura de emissão de debêntures no Registro de Imóveis. A Lei no 10.303/2.001,

acertadamente, modificou a redação do inciso II do referido artigo e passou a exigir a

inscrição no Registro de Imóveis apenas quando houver a constituição de garantia real ou

quando constar na escritura cláusula de inalienabilidade ou de não oneração de bem imóvel.209

Nelson Eizirik explica que o fundamento da obrigatoriedade de registro público

da escritura de emissão das debêntures se deve à “necessidade de se conferir autenticidade,

segurança e eficácia”210

, bem como para que terceiros que se relacionem com a sociedade

emissora tenham conhecimento da existência do empréstimo debenturístico.

A distinção feita anteriormente, entre as etapas de criação e emissão das

debêntures, dentre outras coisas, é de suma importância para se definir o regime da invalidade

e da ineficácia dos atos praticados pelos órgãos da companhia ou por seus administradores.

Carvalhosa leciona que “a eficácia da deliberação assemblear ou do conselho

de administração será apenas interna enquanto não cumpridos os requisitos de publicidade, os

registrários e os autorizativos (art. 62)”211

. O referido mestre afirma, ainda, que a validade e

eficácia da deliberação que cria as debêntures está sujeita à observância das disposições legais

e estatutárias. E qual a consequência do não cumprimento dos requisitos legais ou estatutários

para emissão das debêntures?

Neste ponto, é interessante destacar que, no regime jurídico anterior do Decreto

no 177-A, havia previsão expressa de nulidade da emissão - o que não ocorre atualmente na

LSA -, em diversos ponto da norma, conforme a seguir reproduzido: (i) no tocante a

inexistência de deliberação assemblear e ausência de aprovação das condições mínimas

obrigatórias, o §7º do art. 1º assim estabelecia: “A inobservância de qualquer destes preceitos

(§§ 5º e 6º) envolve nulidade, em proveito dos obrigacionistas.”; (ii) em razão da

inobservância dos requisitos e das formalidades legais para emissão, o §5º do art. 2º dispunha

que “em caso de inobservância das formalidades estatuídas neste artigo até o § 3º,

209

Nelson Eizirik, ob. cit., pp. 392-393. 210

Ob. cit., p. 393. 211

Ob. cit., p. 804.

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inclusivamente, o tribunal poderá, conforme as circunstâncias, pronunciar a nulidade da

emissão em benefício dos obrigacionistas.”212

A LSA nesse ponto foi silente, prevendo apenas o prazo prescricional para a

ação dos debenturistas em face do agente fiduciário, por atos culposos ou dolosos, no caso de

violação da lei ou da escritura de emissão (art. 287, II, “e”).

Todavia, o vetusto Decreto no 177-A pode auxiliar no sentido de revelar como

deve ser a abordagem em matéria de invalidades no tocante às debêntures. Deve-se separar a

análise em dois momentos distintos: o da deliberação colegiada de criação das debêntures e o

da lavratura da escritura de emissão.

Em se tratando do ato de criação das debêntures, que decorre de deliberação

colegiada (ou da assembleia, ou do conselho), parece-nos razoável se aplicar o regime das

invalidades das assembleias de sociedades anônimas, profundamente analisado por Erasmo

Valladão Azevedo e Novaes França213

, quando estivermos diante de vícios da assembleia, das

deliberações ou do voto.

Todavia, a aplicação supletiva desse regime de invalidades deve valer tão-

somente no âmbito de eficácia interna da sociedade emissora, entre os sócios e a sociedade e

entre esta e os seus administradores, não podendo afetar os debenturistas que, de boa-fé,

adquiriram os títulos.

Waldemar Ferreira defende que a nulidade somente pode ser decretada em

benefício dos debenturistas, sendo, desse modo, “sempre válidas as debênturas e eficaz o

empréstimo”214

em relação aos titulares das debêntures. A sociedade não pode alegá-la em seu

proveito, já que é ilícito se aproveitar de sua própria culpa.

Diferentemente, se houve completa inobservância das prescrições legais,

inexiste empréstimo e, muito menos, debêntures. Logo, os subscritores ou adquirentes devem

adotar todas as cautelas necessárias para se assegurarem da existência legal do título.

212

Waldemar Ferreira (Ob. cit., p. 230) ensina que a inobservância de quaisquer prescrições legais “envolve a

nulidade do empréstimo e, consequentemente, da emissão das debênturas.” 213

Cf. Invalidade das Deliberações de Assembleia das S.A. São Paulo: Malheiros, 1999. 214

Instituições de Direito Comercial. Vol. 3. Tomo I. São Paulo: Max Limonad, 1958, p. 347.

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Waldemar Ferreira alerta: “não sejam negligentes no verificar se o empréstimo legalmente se

lançou e os títulos legalmente se emitiram ou se somente se praticaram irregularidades que

sejam saneáveis.”215

Já com relação ao tratamento dos vícios ou irregularidades verificadas na

elaboração e lavratura da escritura de emissão, ou nos registros posteriores exigidos em lei,

parece-nos que a abordagem deva ser feita casuísticamente, conforme veremos a seguir.

No tocante à conformação da escritura de emissão, os vícios podem ser de duas

ordens: vícios sanáveis ou insanáveis. No primeiro caso, estamos diante das hipóteses de

anulabilidade ou nulidade relativa, em que o ato anulável produz seus efeitos até a sentença

que a decreta, podendo ser ratificado.216

Por exemplo, o estatuto social de uma determinada

companhia dispõe que o conselho de administração tem que autorizar a diretoria a assinar a

escritura de emissão, especificando os diretores que deverão fazê-lo. Imagine que tal

deliberação não tenha sido tomada e a escritura tenha sido assinada mesmo assim. Trata-se de

anulabilidade, uma vez que a companhia poderá sanar o vício mediante ratificação pelo

conselho de administração. É o que diz o art. 176 do CC: “quando a anulabilidade do ato

resultar da falta de autorização de terceiro, será validado se este a der posteriormente.”

Os vícios que decorrem da ausência de elementos substanciais ou essenciais do

negócio, por sua vez, não produzem efeitos e não são passíveis de convalidação. Temos como

exemplo a ausência da data de vencimento na escritura de emissão da debênture217

– salvo nas

debêntures perpétuas ou permanentes (art. 55, §4º, da LSA) -, o que impede a sua liquidação

e, consequentemente, prejudica o direito essencial do debenturista de receber a restituição do

capital entregue à companhia. Neste caso, sendo o negócio declarado nulo, a companhia terá

que restituir o valor subscrito devidamente corrigido e, ainda, estará sujeita ao ressarcimento

de eventuais perdas e danos sofridos pelos debenturistas, podendo, em regresso, acionar os

administradores que deram causa à emissão.

Por outro lado, se a irregularidade estiver relacionada à ausência de

providências de registro ou publicidade, a própria LSA resolve o problema ao admitir que o

215

Ob. cit., p. 347. 216

O Código Civil trata das hipóteses de anulabilidade do negócio jurídico a partir do art. 171. 217

Conforme exigido pelo caput do art. 55 da LSA.

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agente fiduciário ou qualquer debenturista possa “promover os registros requeridos neste

artigo e sanar as lacunas e irregularidades proventura existentes nos registros promovidos

pelos administradores da companhia” (art. 62, § 2o, da LSA). Portanto, a ausência dos

registros requeridos pelo art. 62 não levam à nulidade ou anulabilidade, mas apenas à

ineficácia. Respondem os administradores pelas perdas e danos causados à companhia ou a

terceiros em razão da ausência do registro, inscrição ou publicação.

Como a escritura é elaborada, lavrada e levada a registro pela administração da

companhia, com anuência do agente fiduciário, quando for o caso, pode-se concluir que os

vícios existentes no texto da carta de emissão e as responsabilidades deles decorrentes devam

ser imputados àqueles que a elaboraram, mediante responsabilização dos administradores e do

agente fiduciário, aplicando-se, respectivamente, a disciplina contida nos arts. 158 e 159 e no

art. 68, §4º, todos da LSA.218

E ainda, especificamente no tocante às cláusulas da escritura que restrinjam os

deveres, atribuições e responsabilidade do agente fiduciário, previstos no art. 68 da LSA, a

própria lei traz a solução para o problema, reputando-as não escritas.

8.2. Colocação e circulação

Colocação e circulação se revelam, também, etapas marcantes do iter

procedimental das debêntures.

Carvalhosa, ao citar De Chiara, ensina que “colocação, para os efeitos do §3o

da norma ora em estudo, significa ingresso dos recursos do mútuo no caixa da companhia

218

Interessante notar que a ação de responsabilidade do administrador será promovida pela companhia se os

prejuízos forem causados ao seu patrimônio. Caso os prejuízos tenham sido causados apenas aos debenturistas,

parece-nos lógico que a ação cabível é aquela prevista no §7o do art. 159 da LSA, ou seja, os debenturistas terão

ação direta em face do administrador que praticou o ato com culpa ou dolo, violando a lei, o estatuto ou a

deliberação colegiada de criação das debêntures. A ação cabe aos debenturistas que, em comunhão, serão

representados pelo agente fiduciário, nos termos do §3o do art. 68 da LSA. Caberá ação de responsabilidade

também em face do agente fiduciário, pois é ele o responsável por verificar a legalidade da escritura de emissão

antes de sua aceitação e nomeação, respondendo perante os debenturistas pelos prejuízos causados em razão de

sua conduta culposa, nos termos do art. 68, §4º, da LSA.

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emissora”219

, delimitando a etapa ou fase de colocação entre a data de início da oferta do

título até o término da subscrição primária, com o ingresso de recursos no caixa da sociedade

emissora.220

Pinheiro Guimarães, em obra coordenada pelos autores da LSA, leciona o

seguinte:

“Subscrição é o ato de aquisição das debêntures, formalizado por meio da assinatura

do respectivo boletim de subscrição. A subscrição pode ser feita para pagamento do

preço de subscrição à vista ou a prazo. O pagamento do preço de subscrição é

denominado integralização. Na subscrição para integralização à vista o preço de

subscrição é pago no ato da subscrição, enquanto na subscrição para pagamento a

prazo o preço de subscrição é pago de acordo com o que estiver estipulado na

escritura de emissão e no boletim de subscrição.”221

Parece-nos que a colocação estará perfeita e acabada com a integralização das

debêntures, ou seja, com a entrada efetiva no caixa da companhia do valor nominal dos títulos

subscritos, que é de fácil verificação na colocação de debêntures cujo pagamento ocorre à

vista. E no caso de integralização parcelada? Carvalhosa esclarece que, enquanto não forem

totalmente integralizadas, as debêntures devem ficar indisponíveis, “evitando assim uma

circulação que, embora nominativa, criaria enorme confusão quanto ao pagamento dos

benefícios atribuídos aos títulos debenturísticos da respectiva série”222

. Essa

indisponibilidade, ainda que temporária, seria assegurada pelas entidades que prestam os

serviços de registro, custódia, negociação e liquidação de ativos e títulos (p.ex., CETIP ou

BMF&Bovespa – Bovespa Fix), que serão tratadas mais adiante nesta dissertação.

Todavia, tal entendimento não se aplicaria à integralização em bens, cuja

verificação dependeria da avaliação, nos termos do art. 8º da LSA, bem como da efetiva

219

Ob. cit., p. 812. 220

“A colocação poderá dar-se como cumprimento de underwriting firme ou residual, que se entende por

subscrição primária, ou, então, pelos tomadores do mercado não envolvidos contratualmente no processo de

distribuição, o que será também considerado subscrição primária. Tanto num caso como noutro, não serão

colocadas as debêntures enquanto não houver efetivo ingresso do seu produto na companhia. A interpretação do

vocábulo na lei é, portanto, restrita, não se podendo entender como tal a simples transferência das debêntures

escriturais para o nome dos underwriters, visando a distribuição. Assim é que aquelas debêntures que não forem

colocadas, ou seja, pagas à companhia emissora, poderão ser canceladas.” (Carvalhosa, ob. cit., p. 812). Pinheiro

Guimarães afirma, diferentemente, que “a colocação é o ato de oferecer as debêntures à subscrição”

(Debêntures. In: Direito das Companhias. Coord(s).: LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões.

1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009., p. 613), não prevendo a integralização na definição do ato de colocação. 221

Ob. cit., p. 612. 222

Ob. cit., p. 814.

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transferência, com o registro ou a tradição do bem, a depender de sua natureza. Da mesma

forma, não se pode aplicar tal raciocínio ao lançamento de debêntures para pagamento de

serviços já realizados ou para dação em pagamento, tendo em vista que em tais casos

inexistiria o ingresso de recursos no caixa da sociedade emitente.

A doutrina francesa aborda essa problemática da não colocação das

obligations, indagando a respeito da validade do título enquanto estiver nas mãos da

sociedade sob dois aspectos. Visto como um empréstimo, o título emitido pelo devedor,

enquanto não subscrito pelo credor, não teria existência legal. Ao contrário, considerando a

emissão como a criação de títulos destinados à circulação, deve se levar em conta que a

sociedade emissora poderá a qualquer momento colocar os títulos no mercado, dando-lhes

vida. Pressupõe-se, assim, que os títulos têm existência legal a partir da emissão, mas que a

sua validade estaria condicionada à colocação efetiva nas mãos de terceiros.223

Ripert e Roblot anotam que a jurisprudência da Corte de Cassação francesa

admitia a validade das obrigações criadas pela sociedade e não colocadas em circulação,

porém a referida prática passou a ser formalmente condenada a partir da Lei no 66-537, de 24

de julho de 1966. O texto normativo em vigor exige que as sociedades francesas cancelem os

títulos adquiridos ou não colocados, retirando-os de circulação e inadmitindo a sua

recolocação.224

Outra questão interessante é abordada pela doutrina italiana: é admissível o

penhor de obbligazione não colocada? Trata-se de caso em que a sociedade delibera a emissão

do título obrigacional que, ao invés de ser colocado publicamente, é entregue ao credor como

garantia de uma outra dívida já existente. Convenciona-se no instrumento de dívida firmado

que as obrigações serão alienadas pelo credor, caso a dívida não seja paga, ou,

alternativamente, serão resgatadas pela sociedade emissora de acordo com os prazos previstos

na escritura de emissão.225

223

“Les obligations restées entre les mains de la societè ont-elles une valeur juridique? Si on analyse l'emprunt

obligataire comme un prêt, il est certain que ce titre, créé par le débiteur alors quu'il n'y a pas de créancier, n'a

pas d'existence juridique. Mais si on considère, au contraire, l'émission d'obligations comme une création de

titres appelés à circuler, il faut admettre que la société que possède ses propres obligations peut toujours leur

donner la vie par la remise à un tiers.” (Ob. cit., p. 599) 224

Ob. cit., p. 599. 225

LUONI, Sergio. Obbligazioni, Strumenti finanziari, Titoli di Debito Nelle Società di Capitali. Diritto

commerciale diretto da Gastone Cottino. Bolonha: Zanichelli, 2010, p. 42.

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Parte da doutrina italiana entende que não se trata, precisamente, de um

verdadeiro penhor, tendo em vista inexistir a efetiva integralização do título, com a entrega de

certa quantia, em bens ou dinheiro, pelo subscritor à sociedade emissora. Esta corrente

reconhece um mútuo na base do título.

Sergio Luoni, por sua vez, defende que o título pode ter causa diversa daquela

do mútuo, sendo possível a emissão de obrigações, sem o pagamento do preço de emissão, a

título de novação226

- os títulos seriam entregues ao credor para quitação de dívida pré-

existente -, de datio in solutum, de promesa acessória ou como documento declaratório de

dívida já existente227

.

Em relação à circulação das debêntures, Rachel Sztajn ensina que a liquidez “é

um dos mais importantes instrumentos regulatórios” que influenciam e estimulam os

interessados a participar do mercado de valores mobiliários, “seja pela capitalização direta das

companhias com a aquisição de ações, seja concedendo empréstimos mediante a aquisição de

debêntures”.228

A referida doutrinadora apresenta as definições de circulação e liquidez da

seguinte forma:

“Circulação significa movimentação contínua. Indica fluxo, deslocamento, e

representa o resultado ou a ação de alguma coisa passar de mão em mão como, por

exemplo, a transferência de bens, mercadorias, ou valores entre pessoas: a troca. Em

economia, o sentido da palavra circulação indica a transferência ou trânsito de

moeda corrente ou títulos em mercados. Circulação é processo em que da troca se

permite apurar a rapidez com que os bens mudam de titular ou se convertem em

moeda.”229

“Liquidez, em linguagem corrente, é empregada para indicar, em relação ao sujeito,

a existência de disponibilidade de dinheiro de contado e, por vezes, outros ativos ou

valores (duplicatas, notas promissórias, letras de câmbio) que fácil e imediatamente

sejam conversíveis em dinheiro, de que são exemplos comuns títulos e ações.

Portanto, liquidez significa ou indica disponibilidade sobre dinheiro, moeda de

contado, ou a titularidade sobre bens aptos a serem convertidos em moeda corrente,

dinheiro ‘vivo’, como dizem alguns, facilmente e sem grandes perdas de valor.”230

226

Para o direito brasileiro, ocorre novação quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e

substituir a anterior (art. 360, I, do Código Civil). 227

Ob. cit., p. 43. 228

Conceito de Liquidez na Disciplina do Mercado de Valores Mobiliários. Revista de Direito Mercantil,

Industrial, Econômico e Financeiro. Ano XLI. Nova Série. Nº 126. São Paulo: Malheiros, 2002, pp. 7 e 10. 229

Ob. cit., p. 10. 230

Ob. cit., p. 11.

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Nesse sentido, a circulação das debêntures depende intrinsecamente da liquidez

de um mercado de renda fixa brasileiro. Não basta a colocação primária para estímulo ao

mercado de debêntures, pois o interessado não terá como se desfazer de sua posição antes do

prazo de vencimento do título. O estímulo à subscrição de debêntures se dá também com a

existência de um mercado secundário líquido que permita ao debenturista alienar o título e

receber o produto aplicado, sem perdas, antes de seu vencimento ou resgate. Rachel Sztajn

ensina que “como a liquidez do mercado secundário é central na decisão de adquirir valores

mobiliários, sobretudo novas emissões negociadas em mercado primário, a redução ou

desaparecimento da liquidez é causa de afastamento de investidores, seja naquele mercado,

seja quanto a um determinado valor mobiliário nele negociado. Portanto, haver ou não

liquidez influi sobre decisões de investimento em valores mobiliários.”231

Analisaremos à frente, em capítulo específico, os sistemas de registro, custódia,

negociação e liquidação das debêntures, bem como a proposta de estímulo à negociação no

mercado secundário, por meio da criação de um segmento chamado Novo Mercado de Renda

Fixa, que, certamente, visa aumentar a liquidez, tornando-o mais atrativo para a canalização

de investimentos.

231

Ob. cit., p. 19.

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9. EXTINÇÃO DAS DEBÊNTURES

À primeira vista, a extinção das debêntures apresenta regime próprio previsto

no art. 74 da LSA. A nomenclatura da Seção em que está inserido o referido artigo induz a

essa conclusão. Todavia, tal raciocínio é equivocado. Na verdade, o dispositivo mencionado

cria deveres legais atribuídos à companhia emissora de realizar as anotações necessárias e de

manter arquivados os documentos referentes à extinção das debêntures. Trata-se de

procedimento ou iter que deve ser observado após a verificação da extinção. Logo, tem-se que

tal dispositivo não revela as causas ou hipóteses pelas quais as debêntures se extinguem.

Nelson Eizirik ensina que as debêntures são extintas por meio “da liquidação,

pela companhia emissora, do débito debenturístico mediante o pagamento do seu valor ao

titular dos títulos”.232

A primeira, e mais comum, forma de extinção do referido valor mobiliário é o

pagamento233

. Tavares Borba defende, em razão da natureza de “título de dívida e resgate”,

que o pagamento “representa uma imposição legal inafastável, cujo descumprimento acarreta,

para o debenturista, o direito de executar a sociedade, ou de até mesmo requerer a sua

falência”.234

A LSA estabelece os seguintes critérios temporais aplicáveis a essa forma de

extinção: (i) liquidação integral na data de vencimento prevista na escritura de emissão ou,

nas permanentes, nas hipóteses previstas no §4o

do art. 55 da LSA; e (ii) resgate total

antecipado.

Como veremos mais adiante, a amortização parcial e o resgate parcial não

ensejam o pagamento integral do título, a menos que ocorram sucessivamente até se chegar à

sua liquidação. Isto é, apenas a amortização ou resgate parcial realizados sucessivamente é

232

Ob. cit., p. 452. 233

Silvio Rodrigues ensina que o pagamento é o fim da obrigação, que decorre de seu cumprimento, “por meio

do qual se alcança o objeto por ela perseguido e se põe termo à relação juridica entre o devedor e o credor,

liberando-se este último.” (Curso de Direito Civil. Parte Geral das Obrigações. Vol. 2. 24a

ed. São Paulo:

Saraiva, 1996, pp. 115-116) 234

Ob. cit., p. 58.

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que levariam à extinção das debêntures. Caso contrário, antecipam apenas parcialmente o

valor a pagar no vencimento, reduzindo-o.

Nuno Barbosa ensina que, para o direito português, “a causa natural de

extinção do empréstimo é o seu cumprimento”, que pode se dar em um único momento para a

totalidade das obrigações (amortização total) ou em diversas oportunidades predefinidas no

título (amortização parcial). E vai além, concluindo que “a amortização parcial não tem como

efeito a extinção de todas as obrigações – amortização por sorteio – nem necessariamente de

qualquer delas – amortização por dedução ao valor nominal.”235

A data do vencimento, por sua vez, é requisito ou elemento essencial do

negócio jurídico revelado na escritura de emissão236

, conforme se depreende da leitura do art.

55 da LSA, somente excepcionado na emissão de debêntures permanentes, perpétuas ou open-

ended, as quais não possuem vencimento certo e determinado. Tal requisito, inclusive, existia

à época do Decreto nº 177-A de 1.893 e foi mantido pela LSA.

Para Carvalhosa, “vencimento é a ocorrência da data fixada em contrato ou

declaração unilateral de vontade que se determinou para a extinção da obrigação.”237

Tavares Borba leciona que “o vencimento permite a execução, marca o início

da fluência de juros de mora e deflagra o termo inicial do prazo de prescrição.”238

Além disso,

o vencimento “representa uma imposição legal inafastável”239

, que não pode ser objeto de

qualquer condicionante que configure um obstáculo ao recebimento do valor devido ao

debenturista.240

235

Competência das Assembleias de Obrigacionistas. Coimbra: Almedina, 2002, p. 90. 236

Nelson Eizirik, ob. cit., p. 338. Nessa mesma linha, entendendo que o vencimento é requisito essencial da

debênture: Tavares Borba (Ob. cit., p. 58). 237

Ob. cit., p. 731. 238

Tavares Borba, ob. cit., p. 59. 239

Tavares Borba, ob. cit., p. 59. 240

Tavares Borba (Ob. cit., pp. 59-60) explica, ainda, que algumas emissões realizadas pelas sociedades

controladas por instituições financeiras, especialmente as de leasing, condicionam o pagamento ao não

desenquadramento do controlador aos limites impostos pelas normas do Conselho Monetário Nacional e do

Banco Central do Brasil. Na opinião do referido comercialista, tais cláusulas seriam ilegais e deveriam ser

consideradas não escritas.

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As debêntures permanentes, por sua vez, extinguem-se nos casos de

inadimplemento da obrigação do emissor de pagar juros, de dissolução da companhia ou de

outras condições previstas na escritura de emissão, nos termos do §4o do mencionado artigo.

O resgate total antecipado assemelha-se ao pagamento integral do título, que

ocorre na data de seu vencimento, exigindo-se previsão expressa na escritura para que a

companhia possa exercer essa faculdade.

Além do vencimento uniforme de uma mesma série, a escritura de emissão

poderá prever as hipóteses de amortização ou resgate parcial, como dito acima. A amortização

é a extinção da obrigação principal por meio do pagamento em parcelas ou prestações, ao

invés de liquidá-la de uma só vez no vencimento, sendo que o resgate é a retirada dos títulos

de circulação.

A companhia pode lançar mão da faculdade de resgate ou amortização de uma

determinada série por diversos motivos, tais como: (i) mostrar-se excessivamente onerosa,

com taxas de juros elevadas; (ii) outras formas de captação de recursos forem mais vantajosas

para a rolagem da dívida de longo prazo da companhia; (iii) redução do nível de

endividamento da companhia; e (iv) excesso de recursos em caixa e inexistência de projetos

para a sua aplicação.

Waldemar Ferreira ensina que “amortizar é, efetivamente, matar ou pagar a

dívida, progressivamente.”241

Leães242

esclarece que a amortização, prevista na escritura de

emissão, acarreta a redução progressiva e parcial do montante total do débito. Atingindo-se o

montante total da obrigação principal, o título é extinto. A sociedade é obrigada a anotar nos

registros próprios e retirá-lo de circulação.

Tavares Borba explica que “amortizar significa fazer cessar paulatinamente a

obrigação, enquanto resgatar significa retirar títulos (debêntures) de circulação”243

.

241

Ob. cit., p. 94. 242

Ob. cit., p. 22. 243

Debêntures. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. Ano XVI. Nova Série. Vol. 26.

São Paulo: RT, 1977, p. 140.

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Há importantes distinções entre amortização e resgate. Os dois institutos têm

regras próprias e produzem efeitos diferenciados. Por exemplo, o plano de amortização deve

constar da escritura de emissão e, por conseguinte, obriga a sociedade a cumpri-lo

independente de sua vontade, diferentemente do que ocorre no resgate, que também deve ser

previsto na escritura, mas que, porém, estabelece um direito potestativo que pode ser

exercido, facultativamente, pela sociedade emissora.244

A escritura poderá fixar a amortização parcial de cada série, realizando-se

rateio quando as debêntures forem da mesma série (§1o do art. 55 da LSA)

245. O rateio não era

previsto na LSA. A sua inserção no §1o do art. 55 da LSA se deu em razão da modificação

promovida pela Lei no 12.431/2.011, que analisaremos em detalhes mais adiante, distinguindo

as regras aplicáveis à amortização e ao resgate parcial, que outrora estavam inadequadamente

regulados, conjuntamente, na redação do §1o do art. 55 da LSA.

A amortização das debêntures da mesma série deve ser realizada mediante

rateio, já o resgate parcial da mesma série deve ser feito por um dos dois modos previstos na

LSA, mediante: (i) sorteio; ou (ii) compra, no mercado organizado de valores mobiliários,

com a condição de que as debêntures estejam cotadas por preço inferior ao seu valor nominal.

Como visto, tem-se aí uma nítida distinção entre amortização e resgate parciais da mesma

série.

Ademais, os institutos da amortização e do resgate diferem-se no tocante ao

seu exercício. No resgate, há um direito atribuído à companhia de exercer, a qualquer tempo,

a faculdade prevista na escritura de retirar, total ou parcialmente, as debêntures do mercado.

Já na amortização fala-se em uma obrigação da companhia, sob pena de inadimplemento, de

realizar o pagamento parcial de modo a amortizar o valor do título, nos termos da escritura.246

244

Para Tavares Borba (Ob. cit., p. 141), “a lei (art. 55) refere-se a estipular amortização e a reservar-se o direito

de resgate antecipado, o que dá a entender que, segundo o legislador, a amortização, quando adotada, seria uma

obrigação da sociedade, enquanto o resgate configuraria para esta uma mera faculdade.” 245

“Se a escritura estipula a amortização parcial da série mediante pagamento de quantidade ou porcentagem das

debêntures em circulação, as debêntures a serem pagas em cada prestação de amortização devem ser

determinadas mediante sorteio, salvo quando estiverem cotadas no mercado por preço inferior ao valor nominal,

caso em que a companhia pode comprar e cancelar a quantidade das debêntures a serem pagas (art. 55, §1o)”.

(Pinheiro Guimarães, ob. cit., p. 591). 246

“Na prática, fala-se em amortização e resgate programados como obrigação da emissora, e em amortização e

resgate facultativos como decisão espontânea da sociedade segundo seu interesse.” (Tavares Borba, Das

Debêntures, p. 63)

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Como veremos mais adiante, a alteração introduzida pela Lei no 12.431/2011

no §1o do art. 55 da LSA acabou com a celeuma a respeito da possibilidade de vencimentos

anuais distintos da mesma série. Atualmente, o referido §1o trata apenas da amortização da

mesma série mediante rateio. Portanto, nesse ponto, o legislador acertou ao corrigir a

interpretação equivocada de que as debêntures poderiam ter vencimentos anuais distintos,

posto que as debêntures da mesma série devem ser idênticas para que haja mais atratividade e

facilidade de circulação no mercado secundário. Imaginem-se debêntures da mesma série com

vencimentos distintos. Seria impensável negociá-las em mercado organizado.

Cabe ressaltar, ainda, que a companhia tem a faculdade de criar fundo de

amortização, que deve estar previsto na escritura de emissão, conforme previsão do art. 55247

da LSA.

Parte da doutrina entende que os recursos a serem destinados ao fundo devem

ser provenientes de “lucros apurados em balanço, em consonância com o rendimento a que as

debêntures fazem jus”248

. Carvalhosa ressalta que a função da criação do fundo de

amortização “é a de criar disponibilidade vinculada, de forma a minimizar o impacto de caixa

quando do pagamento das amortizações.”249

Esclarece o comercialista, ainda, que a

constituição do fundo deve ocorrer com observância das regras relativas à criação de reservas

estatutárias (art. 194 da LSA), devendo: (i) indicar, de modo preciso e completo, a sua

finalidade; (ii) fixar os critérios para determinar a parcela anual dos lucros líquidos que serão

destinados à sua constituição; e (iii) estabelecer o limite máximo da reserva.250

Todavia, inexiste previsão expressa a respeito da obrigatoriedade de se

observarem as regras aplicáveis à criação de reservas estatutárias. Pinheiro Guimarães

defende que o fundo pode ser constituído mediante “depósito periódico dos recursos a serem

utilizados na amortização”.251

Filiamo-nos a essa corrente, ainda que minoritária, pois

247

“Art. 55. A época do vencimento da debênture deverá constar da escritura de emissão e do certificado,

podendo a companhia estipular amortizações parciais de cada série, criar fundos de amortização e reservar-se

o direito de resgate antecipado, parcial ou total, dos títulos da mesma série.” (grifo nosso) 248

Carvalhosa, ob. cit., p. 737. 249

Ob. cit., p. 737. 250

Esse entendimento a respeito da observância das regras aplicáveis à criação de reservas estatutárias para a

constituição do fundo de amortização é corroborado por Tavares Borba (Ob. cit., p. 66) e Waldecy Lucena (Ob.

cit., p. 561), em que pese inexistir previsão expressa que limite a criação de tal fundo com base em parcela do

lucro líquido verificado em balanço. 251

Ob. cit., p. 592.

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entendemos que os procedimentos de constituição e funcionamento do fundo de amortização

devem ser estabelecidos livremente na escritura de emissão, em homenagem ao princípio da

liberdade contratual, tendo em vista a inexistência de norma expressa a esse respeito.

Ainda, aliando teoria e prática, Pinheiro Guimarães destaca os aspectos

essenciais que devem constar na escritura de emissão que cria o fundo de amortização, a

saber:

“[...] instituição financeira na qual será mantido o fundo de amortização, as

restrições de movimentação a que os recursos depositados no fundo de

amortização ficarão sujeitos, a periodicidade e o montante das contribuições

para o fundo a serem feitas pela companhia emissora, o montante total a ser

depositado no fundo e o prazo para constituição deste montante. A escritura

de emissão deverá prever, ainda, o direito de livre acesso do agente

fiduciário às informações referentes ao fundo de amortização.”252

Os aspectos sugeridos pelo ilustre comercialista parecem fazer mais sentido

pois referem-se à segregação dos recursos para constituição do fundo de amortização. Trata-se

de destinação de valor constante no caixa da companhia para conta específica que seria

destinada à futura amortização das debêntures, tornando o fundo líquido e disponível no curto

prazo. O fundo, neste caso, estaria contabilizado no ativo da companhia, contrariamente

àquela posição defendida por Carvalhosa em que se contabilizaria em conta do patrimônio

líquido (reserva estatutária), prejudicando a disponibilidade imediata se a companhia não tiver

recursos suficientemente disponíveis em caixa.

Leães, baseando-se na doutrina norte-americana253

, ensina que a criação de um

fundo próprio destinado à amortização das debêntures é conhecido como sinking fund,

destacando quatro tipos de fundos que se diferenciam pelo critério utilizado para sua

formação:

“[...] a) noncumulative sinking fund, constituído com a distração de um

montante fixo dos lucros de balanço, para amortização anual de um

determinado volume de títulos; b) cumulative sinking fund, constituído com

a distração de um percentual anual dos lucros de balanço; c) per unit of

output, constituída das empresas que exploram alguma coisa ou atividade de

252

Ob. cit., p. 592. 253

Leães cita as obras The Financial Policy of Corporations, de Dewing (4a ed. New York, 1953, p. 260) e

Ballantines on Corporations, de Henry Winthrop Ballantine (Chicago, 1946, p. 498).

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duração limitada, tal como a utlização de uma patente de invenção que, com

o tempo, cai em domínio público, ou a extração de mina, que se exaure; e d)

fundo de valor decrescente (variable annual amounts), acompanhando a

redução gradual do empréstimo debenturístico.”254

Ballantine, citado por Leães, revela que os chamados sinking funds são

formados a partir de pagamentos realizados ao sinking fund agent e condicionados ao net

earnings (net profits). Interessante destacar, ainda, que alguns Estados americanos

reconhecem certos direitos aos titulares dos títulos de dívida (bondholders), tais como o

direito de fiscalizar e o direito de voto, a partir do não pagamento de juros ou do

descumprimento pela companhia de obrigações de não fazer (negative covenants) fixadas na

escritura de emissão.255

Após analisarmos a amortização e resgate do título, temos que, além do

pagamento, o valor mobiliário ora em estudo pode ser extinto por meio de conferência para

integralização de nova emissão de debêntures da mesma companhia, configurando a extinção

do título em razão da dação em pagamento (para o detentor do título original, que recebe

novas debêntures em troca da entrega das anteriores a título de integralização) e pela

ocorrência de confusão (a companhia, ao receber as debêntures já emitidas para integralização

da nova emissão, poderá extingui-las), salvo, nesta última hipótese, em razão da opção da

companhia de mantê-las em tesouraria, situação que será analisada mais adiante, quando

tratarmos dos negócios jurídicos operados com o uso de debêntures.

Com relação ao meio de pagamento, as debêntures podem ser extintas

mediante a entrega, pela sociedade emissora aos debenturistas, de dinheiro ou bens. A

doutrina afirma que a liquidação deve ser realizada, a princípio, em dinheiro, reconhecendo aí

uma hipótese de dação em pagamento sujeita à concordância dos credores. Trata-se de

obrigação alternativa da sociedade emissora, cuja escolha recai sobre o credor (ver art. 54,

§2º, da LSA).

254

Leães, ob. cit., p. 23. 255

Ob. cit., p. 498.

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Por fim, outra questão interessante, ainda em matéria de extinção das

debêntures, é saber se a extinção do título também dá causa à extinção da organização de

obrigacionistas – unidade que se forma e se organiza a partir da comunhão ou convergência

de interesses visando um mesmo fim. Analisaremos em detalhes essa problemática quando

ingressarmos mais à frente no capítulo relativo à tutela dos debenturistas.

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CAPÍTULO II – ALTERAÇÕES DO REGIME PELA LEI Nº 12.431/2011

1. INTRODUÇÃO

Apesar de as debêntures serem admitidas no direito brasileiro desde 1.882, os

incentivos eram poucos a justificar a escolha desse instrumento de dívida pelas companhias.

As emissões não eram expressivas e a inexistência de um mercado acionário pujante, que

permitisse o acesso à informação sobre o emissor, deixavam os investidores receosos. Tinha-

se uma fotografia parcial da companhia em um dado período, sem condições de analisar por

completo o seu histórico.

Ademais, mesmo com o avanço do mercado acionário, a partir da entrada em

vigor da LSA em 1.976 e com o impulso, mais recentemente, do Novo Mercado, certos

entraves previstos na LSA e a ineficiência do mercado secundário256

de dívida dificultavam a

emissão e a colocação em larga escala de debêntures.

Foi a partir desse cenário, e também em razão da necessidade de viabilizar e

tornar atrativos aos investidores os instrumentos financeiros para projetos de infraestrutura,

que o governo federal, as entidades do mercado e o órgão regulador (CVM) passaram a

estudar mudanças estruturais, legais e regulatórias, de modo a permitir o desenvolvimento do

mercado de dívida brasileiro.

Reflexos de tais mudanças puderam ser notados na recente reforma da LSA

realizada pela Lei no

12.431, de 24 de junho de 2.011, e nos movimentos para criação e

desenvolvimento do chamado Novo Mercado de Renda Fixa, no âmbito da autorregulação, a

partir de iniciativa da ANBIMA.

256

O Bovespa Fix (negociação em Bolsa de Valores) foi criado em 2011 e o Soma Fix (negociação em balcão

organizado) iniciou suas atividades em 2003. São ambientes para a negociação secundária dos títulos de dívida

privados.

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Nas palavras de Otavio Yazbek, “o instrumento mais adequado, pelo modelo

adotado, para permitir tais investimentos seria a emissão de debêntures”257

, sendo esta a razão

para que modificações fossem feitas em seu regime jurídico de maneira a facilitar a sua

emissão para os investimentos em infraestrutura, tornando-as viáveis sob o ponto de vista

jurídico e econômico.

Ainda, por oportuno, registra-se que a lei em comento decorre da proposição

originária da Medida Provisória no

517, de 30 de dezembro de 2.012, que versou sobre

diversos incentivos fiscais para dar estímulo e incentivo ao desenvolvimento de projetos de

infraestrutura, convertendo-se, posteriormente, na atual Lei no

12.431, de 24 de junho de

2.011.

Diante da atualidade dos temas, analisaremos, portanto, neste capítulo as

recentes alterações promovidas pela lei acima referida no regime jurídico das debêntures e, no

capítulo seguinte, o mercado de dívida.

257

A Modernização do Regime das Debêntures e a Criação de um Mercado. In: Direito Empresarial e Outros

Estudos de Direito em Homenagem ao Professor José Alexandre Tavares Guerreiro. Coord.: CASTRO, Rodrigo

R. Monteiro de; WARDE JÚNIOR, Walfrido Jorge; e GUERREIRO, Carolina Dias Tavares. São Paulo:

Quartier Latin, 2013, p.572.

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2. NOVAS MODALIDADES DE DEBÊNTURES

A Lei 12.431, de 24 de junho de 2.011, trouxe duas novas espécies de

debêntures, a saber: (i) debêntures de investimento (art. 1o, §1

o) e debêntures de infraestrutura

(art. 2o).

Em que pese tal dispositivo se inserir no âmbito de norma tributária, criaram-se

duas novas espécies de debêntures, não previstas em lei societária, a partir da definição de um

regime jurídico próprio, conforme veremos a seguir, com características específicas para

emissão de título ou valor mobiliário voltado à captação de recursos que serão alocados em

projetos de investimento em geral, inclusive para pesquisa, desenvolvimento e inovação, bem

como para projetos específicos na área de infraestrutura.

2.1. Debêntures de investimento

As debêntures desta espécie são assim designadas pois se destinam a captar

recursos que devem ser alocados, obrigatoriamente, no pagamento futuro ou no reembolso de

gastos, despesas ou dívidas relacionados a projetos de investimento, inclusive os voltados à

pesquisa, desenvolvimento e inovação.

Além da alocação obrigatória, existem outras características e requisitos para a

criação e colocação das chamadas debêntures de investimento, que podem ser resumidos da

seguinte maneira:

(a) remuneração predefinida em lei (taxa de juros prefixada vinculada

a índice de preço ou à taxa referencial (TR), vedada a pactuação

total ou parcial de taxa de juros pós-fixada);

(b) prazo médio ponderado de 4 (quatro) anos;

(c) restrição temporária à recompra de ações pelo emissor;

(d) proibição de extinção antecipada do título por meio de resgate;

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(e) vedação à cláusula de retrovenda (compromisso de revenda pelo

comprador);

(f) período mínimo definido em lei para pagamento do rendimento

do título;

(g) negociação em mercado regulamentado de valores mobiliários;

Com relação ao item (a), inova-se em matéria de rendimento das debêntures. O

art. 56 da LSA estabelece regra flexível ao emissor para definir a remuneração do título, da

seguinte forma: “A debênture poderá assegurar ao seu titular juros, fixos ou variáveis,

participação no lucro da companhia e prêmio de reembolso”.

Tavares Borba explica que o emissor tem a faculdade de escolher livremente o

modo de remuneração da debênture a ser fixado na escritura de emissão, arrematando que “o

legislador foi, na verdade, bastante flexível, posto que tão-somente enumerou os possíveis

rendimentos do papel, sem todavia conferir a nenhum deles caráter impositivo”258

.

Nota-se, portanto, que as debêntures de investimento, ao contrário do disposto

na LSA, têm sua remuneração predeterminada em lei, com base em uma taxa de juros

estabelecida na escritura, sendo vinculada à variação de um índice de preço ou à taxa

referencial, cerceando, por consequência, a autonomia do emissor para livremente dispor a

respeito do rendimento do título.

Parece-nos que o ato normativo tinha destinatário certo, posto que não faz

muito sentido prefixar em lei o rendimento da debênture, uma vez que tal definição cabe tão-

somente ao emissor, sem qualquer ingerência do poder público. O mercado é que deve balizar

se a escolha do emissor é adequada, por meio da aceitação ou recusa da oferta. Nesse ponto, a

LSA está corretíssima ao conferir ampla liberdade de disposição ao emissor.

No que se refere ao prazo médio ponderado de 4 (quatro) anos, referido no

item (b), é justificável se estabelecer um prazo mais alongado por se tratar de captação para

aplicação em investimentos cujo retorno ocorre em períodos mais extensos. Além do mais,

tratando-se de incentivo fiscal, espera-se a aplicação dos recursos em investimentos essenciais

258

Ob. cit., p. 45.

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ao desenvolvimento do país, que movimentam a economia por mais tempo, ao invés de

retornarem rapidamente ao investidor com alíquotas reduzidas. O mesmo raciocínio se aplica

à vedação do resgate ou recompra dos papéis pelo emissor, bem como à proibição de cláusula

na escritura que obrigue o comprador a revender a debênture ao emissor em determina data ou

período futuro.

2.2. Debêntures de infraestrutura

As debêntures de infraestrutura podem ser consideradas um subtipo das

debêntures de investimento, pois estão sujeitas às mesmas características predefinidas e

discorridas acima. Diferenciam-se, todavia, por exigirem requisitos adicionais às de

investimento, como analisaremos adiante, em especial a que a emissão seja realizada por

sociedade de propósito específico.

O art. 2o da Lei 12.431/2011 regula as chamadas debêntures de infraestrutura,

assim dispondo:

“Art. 2º. No caso de debêntures emitidas por sociedade de propósito específico,

constituída sob a forma de sociedade por ações, dos certificados de recebíveis

imobiliários e de cotas de emissão de fundo de investimento em direitos creditórios,

constituídos sob a forma de condomínio fechado, relacionados à captação de

recursos com vistas em implementar projetos de investimento na área de

infraestrutura, ou de produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e

inovação, considerados como prioritários na forma regulamentada pelo Poder

Executivo federal, os rendimentos auferidos por pessoas físicas ou jurídicas

residentes ou domiciliadas no País sujeitam-se à incidência do imposto sobre a

renda, exclusivamente na fonte, às seguintes alíquotas:”

Destaca-se, ainda, que o artigo acima transcrito foi objeto de recente alteração

pela Lei no 12.844, de 19 de julho de 2.013, que teve por objetivo incluir os certificados de

recebíveis imobiliários e as cotas de emissão de fundo de investimento em direitos creditórios,

constituídos sob a forma de condomínio fechado, no mesmo benefício fiscal concedido às

debêntures de infraestrutura.259

259

Registra-se que o caput do art. 2º, ora transcrito, foi objeto de quatro alterações, em menos de dois anos.

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Um dos requisitos exigidos para as debêntures de infraestrutura é a emissão por

sociedades de propósito específico, constituída sob a forma de sociedade por ações. Não se

exige o mesmo para as debêntures de investimento. A primeira dúvida que surge é se a

redação utilizou terminologia inadequada ou se realmente pretendeu abarcar as duas formas

de sociedades por ações: as sociedades anônimas e as sociedades em comandita por ações. De

toda sorte, a terminologia não se encaixa adequadamente ao propósito da emissão, haja vista

que as sociedades em comandita por ações260

não se prestam usualmente para tal finalidade e

são pouco utilizadas como tipo societário empregado na captação de recursos.

O propósito específico, por sua vez, consiste na implantação e

desenvolvimento de projetos de investimento na área de infraestrutura, ou de produção

econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação, em áreas de interesse do

governo federal.

Para que possam se sujeitar às regras das debêntures de infraestrutura, ou

incentivadas, o projeto deve ser considerado prioritário pelo governo, mediante resolução ou

portaria expedida pelo órgão encarregado de analisá-lo.

Temos como exemplo as Resoluções do Conselho Nacional de Política

Energética, órgão de assessoramento da Presidência da República, que já classificou como

projetos estratégicos de interese público, estruturantes e prioritários, aqueles referentes à

construção das usinas hidrelétricas de Santo Antônio261

, Xingu262

, Belo Monte263

e São Luiz

do Tapajós264

, além da Portaria no 205, de 05 de abril de 2012, expedida pelo Ministério de

Minas e Energia, que autorizou a produção independente de energia elétrica por meio da

implantação e exploração de central geradora eólica.

260

Em rápida pesquisa realizada no site da Junta Comercial do Estado de São Paulo, em 25 de maio de 2013,

verificou-se a existência de apenas 2 (duas) sociedades em comandita por ações constituídas em todo o Estado. 261

Resolução CNPE no 4, de 28 de setembro de 2007.

262 Resolução CNPE n

o 6, de 03 de julho de 2008.

263 Resolução CNPE n

o 5, de 03 de setembro de 2009.

264 Resolução CNPE n

o 3, de 03 de maio de 2011.

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Alterações posteriores da Lei no 12.431/2011 incluíram também no rol das

debêntures de infraestrutura os títulos emitidos por sociedades concessionárias,

permissionárias, autorizatárias ou arrendatárias de serviços públicos, bem como aqueles

emitidos por sociedades controladoras das pessoas jurídicas mencionadas no artigo 2o da

referida lei, tudo conforme parágrafos 1oA e 1

oB do artigo 2

o, introduzidos pela Lei n

o 12.715,

de 17 de setembro de 2012.

Como já afirmado, além das características acima apontadas, as debêntures de

infraestrutura, de resto, sujeitam-se às mesmas regras das debêntures de investimento, que

foram examinadas no item anterior.

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3. APERFEIÇOAMENTO DAS REGRAS DE AMORTIZAÇÃO E

RESGATE PARCIAL

Tratamos brevemente da distinção entre amortização e resgate parcial quando

discorremos a respeito da extinção das debêntures, considerando a redação atual da LSA.

Neste item, discorreremos sobre os motivos da necessária alteração que culminou na redação

vigente dos parágrafos 1o

e 2o do artigo 55 da LSA, resultado do desmembramento do

parágrafo 1o.

A oportuna separação do regime aplicável à amortização e ao resgate parcial

teve por objetivo dirimir a interpretação sobre a possibilidade de vencimentos anuais distintos

da mesma série, reduzindo as incoerências do texto até então vigente. Não inovou para

atender novas demandas, mas apenas corrigiu o texto da LSA. Separou as regras sobre

amortização e resgate parcial em parágrafos distintos, facilitando a compreensão a respeito do

modo de operacionalização dos dois institutos.

Amortização e resgate parcial são institutos estruturalmente distintos, com

regimes próprios, que se operacionalizam diversamente.

A redação anterior do art. 55 “tratava de duas operações estruturalmente

diferentes, que são a amortização e o resgate parcial, aplicando aos dois casos um mesmo

regime, equivocadamente equiparado”265

.

O texto anterior assim dispunha: “A amortização de debêntures da mesma série

que não tenham vencimentos anuais distintos, assim como o resgate parcial, deverão ser

feitos mediante sorteio ou, se as debêntures estiverem cotadas por preço inferior ao valor

nominal, por compra em bolsa”.

265

Ob. cit., p. 575.

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Otávio Yazbek esclarece que a amortização de debêntures com vencimentos

anuais distintos poderia acarretar uma assimetria entre os debenturistas de uma mesma série,

ainda mais ao adotar o procedimento de sorteio. Ter-se-iam debêntures com valores e

vencimentos distintos em uma mesma série, com tratamento desigual, o que prejudicaria a

circulação dos títulos da referida série em mercado organizado, tendo em vista a ausência de

fungibilidade.266

Tal problemática já era relatada pela doutrina, em especial no tocante à

possibilidade de vencimentos distintos da mesma série. Tavares Borba, em artigo publicado

na Revista de Direito Mercantil, no ano posterior à entrada em vigor da LSA, expôs a

celeuma: “considerada a exigência de uniformidade (art. 53, parágrafo único), seria

impossível atribuir-se aos vários títulos de uma série vencimentos que não fossem o

mesmo.”267

Arremata, ainda, o referido doutrinador que:

“[...] o legislador, nesse passo, utilizou terminologia inadequada, e que, ao se

reportar a ‘vencimentos anuais distintos’, pretendia, na verdade, contemplar a série

de debêntures cuja amortização seria procedida mediante pagamento anual, a cada

debenturista, de uma percentagem do valor de sua debênture. Nesse caso, como a

amortização aproveitaria a todas as debêntures da série, o sorteio seria

desnecessário.”268

Carvalhosa, ainda mais enfático, afirma que “o emprego da expressão

‘debêntures que não tenham vencimentos anuais distintos’ é de uma infelicidade única,

somando-se às muitas impropriedades e ambiguidades de redação da lei de 1.976”269

.

Prossegue, em sua crítica à redação da LSA, destacando que a previsão de vencimentos

distintos dentro de uma mesma série é contrária ao próprio princípio inserto na LSA que

privilegia a uniformidade das debêntures, conforme se extrai do parágrafo único do art. 53270

.

266

O autor destaca (Ob. cit., p. 575), ainda, que “a possibilidade de amortização de apenas algumas das

debêntures emitidas, reduzindo-se, somente para estas, o valor devido, apresenta alguns significativos problemas,

em especial no que tange à necessidade de tratamento igualitário dos debenturistas de uma mesma série – o que

se tentava mitigar com o estabelecimento da obrigatoriedade do sorteio.” 267

Ob. cit., p. 141. 268

Ob. cit., p. 141. 269

Ob. cit., p. 736. 270

“Parágrafo único. As debêntures da mesma série terão igual valor nominal e conferirão a seus titulares os

mesmos direitos.”

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Interessante reproduzir as justificativas do Deputado Paes Landim em Emenda

Modificativa apresentada para dar nova redação ao texto do art. 55 da LSA, proposto na

Medida Provisória nº 517/2010, que viria a se converter na Lei no 12.431/2011, nos seguintes

termos:

“Quanto ao art. 55, o início do seu §1o deveria ser ajustado a fim de corrigir

impropriedade que dele consta, a saber, o texto ‘debêntures da mesma série que não

tenham vencimentos anuais distintos’, impropriedade esta, inclusive, já verificada

por esta D. Comissão no célebre Parecer CVM/SJU n. 74/82, que apontou que o

texto correto deveria tratar de ‘amortização de parte da série, isto é, apenas uma

percentagem das debêntures teria um percentual de seu valor devolvido’.

Corrigir-se-ia, desta forma, redação notoriamente equivocada, em benefício de uma

fácil e correta interpretação do texto normativo.

Adicionalmente, ainda quanto ao §1o do referido artigo, no que diz respeito ao

procedimento de compra em bolsa, poderia deixar-se claro que tal só se aplica à

hipótese de resgate parcial por preço inferior ao valor nominal, e não à amortização

parcial, conforme também já esclarecido no mesmo Parecer CVM/SJU no 74/82,

com grande propriedade.”271

Para Yazbek, e nos parece que com toda a razão, a amortização por sorteio

prejudicaria o desenvolvimento do mercado secundário de dívida ao alterar a “fungibilidade

entre os títulos emitidos”272

. A fungibilidade entre os títulos pressupõe que todas as

debêntures de uma determinada série, negociada no mercado organizado de valores

mobiliários, devam ter as mesmas características e, principalmente, o mesmo valor. A

amortização por sorteio levaria à esdrúxula situação de coexistirem títulos da mesma série

com valores residuais distintos, prejudicando a padronização do mercado.

Diante da polêmica na doutrina e de seu efeitos práticos indesejados, houve por

bem o legislador em alterar o texto do art. 55, desmembrando o revogado §1o273

em dois

novos parágrafos, que receberam a seguinte redação:

“§ 1º. A amortização de debêntures da mesma série deve ser feita mediante rateio.

§ 2º. O resgate parcial de debêntures da mesma série deve ser feito:

I - mediante sorteio; ou

271

Emenda Modificativa apresentada em 04/02/2011. Disponível em:

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=D1E4425151C9B69C6A70FB42B7

858DC8.node1?codteor=842980&filename=EMC+12/2011+MPV51710+%3D%3E+MPV+517/2010. Acesso

em: 26/05/2013. 272

Ob. cit., p. 575. 273

A redação anterior revogada, que equiparava a amortização ao resgate parcial, era a seguinte: “§1º. A

amortização de debêntures da mesma série que não tenham vencimentos anuais distintos, assim como o resgate

parcial, deverão ser feitos mediante sorteio ou, se as debêntures estiverem cotadas por preço inferior ao valor

nominal, por compra em bolsa.”

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II - se as debêntures estiverem cotadas por preço inferior ao valor nominal, por

compra no mercado organizado de valores mobiliários, observadas as regras

expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários.”

Com a alteração mencionada, os regimes da amortização e do resgate parcial

passaram a receber tratamento próprio e adequado, com distinção quanto ao seu modo de

realização. Pacificou-se a polêmica em torno da amortização de debêntures da mesma série

que, agora, deve ocorrer necessariamente por meio de rateio, não se admitindo mais o sorteio.

Por outro lado, delineou-se precisamente o resgate parcial da mesma série, facultando-se à

companhia escolher entre o sorteio ou a compra em mercado organizado.

A previsão de compra de debêntures da própria companhia em mercado

organizado, para fins de resgate, teve por objetivo: (i) estimular o mercado secundário de

dívida no Brasil; (ii) permitir que a operação ocorra em “ambientes transparentes e dotados de

sistemas de negociação com formação de preços de mercado”; (iii) “flexibilizar a recompra de

debêntures pelo emissor, permitindo uma melhor administração tanto da exposição deste ao

mercado, quanto de seu padrão de endividamento”.274

Para estimular o mercado secundário de debêntures, ainda, a CVM entendeu

ser “importante prever não apenas a possibilidade de aquisição por valor inferior ao valor

nominal, quanto também tal possibilidade por valor superior ao valor nominal.”275

.

Ademais, neste mesmo ponto sobre a compra de debêntures pela própria

companhia emissora, a Autarquia se manifestou no sentido de que é essencial a observância

do princípio de igualdade de tratamento dos debenturistas.

Segundo a CVM, a companhia se desincumbirá do dever de dar tratamento

igualitário aos debenturistas se observar as “normas que regem os mercados organizados de

274

Relatório de Análise da SDM sobre a Audiência Pública SDM nº 01/11, p. 4. A referida Audiência, que

resultou na compilação das sugestões e comentários transcritos pela CVM no Relatório de Análise, teve “como

objeto parte da redação da Medida Provisória nº 517, de 2010 (“MP”). A MP, dentre outras medidas, altera

dispositivos da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com o objetivo de adequar o regime ao qual as

debêntures estão sujeitas a processos mais flexíveis de emissão e de viabilizar a formação de um mercado

secundário mais dinâmico para esses papéis.” Disponível em:

www.cvm.gov.br/port/infos/Relatório%20AP%20MP%20517.doc . Acesso em: 09/06/2013. 275

Relatório de Análise da SDM, p. 7.

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valores mobiliários, nos quais poderão ser realizadas as negociações entre aqueles

interessados em comprar e vender as debêntures”276

.

Dúvida que pode ser lançada, a partir da nova redação dos dois primeiros

parágrafos do art. 55, é em relação à ausência de previsão de compra de debêntures pela

sociedade emissora em caso de amortização, tendo em vista que tal mecanismo não está

previsto no texto do parágrafo 1o. É a própria CVM, todavia, que esclarece a razão da omissão

no regime da amortização, nos seguintes termos:

“[...] deve-se esclarecer que a aquisição de debêntures no mercado de valores

mobiliários apenas se justifica em relação ao resgate parcial, o qual alcança o valor

integral do título. Diferentemente, a amortização é sempre parcial em relação ao

valor da debênture, pelo que não teria como ser adquirida no mercado de valores

mobiliários. Porém, como já esclarecido – [...] – não há que se falar sequer em

compra quando se está lidando com a amortização de debêntures.”277

O uso da palavra “compra”, para se referir à modalidade de resgate parcial

realizada em mercado organizado, sem a realização de sorteio, não é dos mais felizes. Causa

certa confusão entre o negócio de aquisição para retirada das debêntures de circulação,

mediante o seu cancelamento, que é conhecido como resgate, daquela outra situação prevista

em lei que é a recompra ou aquisição de debêntures pela companhia emissora, para fins de

mantença em tesouraria e posterior recolocação no mercado secundário de dívida, sem

acarretar, neste caso, o cancelamento de seu registro e a sua retirada definitiva de circulação.

Pode-se concluir, portanto, pela existência de duas formas de aquisição de

debêntures pela companhia emissora: a primeira, para fins de resgate, com a retirada de

circulação definitiva do título, mediante o seu cancelamento; e, a segunda, para fins de

mantença em tesouraria, sem que ocorra o seu cancelamento, admitindo-se a sua posterior

recolocação no mercado secundário de dívida. Esta segunda hipótese será analisada

detidamente no item a seguir.

276

Relatório de Análise da SDM, p. 7 277

Relatório de Análise da SDM, p. 6.

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4. NOVAS REGRAS SOBRE AQUISIÇÃO PELA COMPANHIA DE

DEBÊNTURES DE SUA PRÓPRIA EMISSÃO

O art. 55 da LSA, em seu §2o, estabelecia a faculdade da companhia de

adquirir debêntures de sua própria emissão, desde que observadas as regras da CVM e

mediante publicidade do negócio realizado, que deveria constar em relatório da administração

e nas demonstrações financeiras da companhia.

A Lei no 12.431/2011 deu nova redação ao referido parágrafo e o transformou

no atual §3o do mesmo artigo, estabelecendo o seguinte:

“§ 3o É facultado à companhia adquirir debêntures de sua emissão:

I - por valor igual ou inferior ao nominal, devendo o fato constar do relatório da

administração e das demonstrações financeiras; ou

II - por valor superior ao nominal, desde que observe as regras expedidas pela

Comissão de Valores Mobiliários.”

O legislador entendeu por bem desmembrar duas hipóteses que se distinguem a

partir do valor de aquisição das debêntures. A redação atual foi objeto de proposta de emenda

parlamentar à MP 517, tendo como base o Relatório da Audiência Pública realizada pela

CVM (Audiência Pública SDM n. 01/11). O inciso I estabelece a permissão para que o

negócio seja realizado por “valor igual ou inferior ao nominal”. Contrariamente, o inciso II

exige a observância de normas expedidas pela CVM quando a aquisição se der por “valor

superior ao nominal”, ou seja, via de regra, não se permite a aquisição por valor superior ao

nominal, exceto se observadas as regras específicas da CVM sobre o assunto, de modo a

preservar o princípio de igualdade de tratamento dos debenturistas.

Tem-se evidenciado que a preocupação maior, tanto do legislador como do

órgão regulador, é evitar o tratamento privilegiado de grupos de debenturistas que poderiam

ser favorecidos com a aquisição de debêntures por valor superior ao nominal, em detrimento

de outros debenturistas que não teriam a chance de se desfazer do título com o prêmio

oferecido pela companhia.

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Yazbek ressalta, nesse sentido, a importância de se permitir a “recompra”278

de

debêntures por valor superior ao nominal, destacando o negócio como instrumento de gestão

do endividamento da companhia, que poderia optar por adquirir os títulos por valor superior

ao nominal, com o objetivo de substituí-los por instrumentos financeiros de dívida menos

custosos, beneficiando-se de melhores taxas de juros supervenientes à emissão e colocação

das debêntures.279

O referido Diretor da CVM destaca, ainda, que a permissão de aquisição das

debêntures pela sociedade emissora, mesmo que por valor superior ao nominal, pode

funcionar como ferramenta de estímulo ao mercado secundário de dívida, justificando tal

raciocínio da seguinte maneira: “primeiro porque, afinal, se permite a realização de operações

antes vedadas; e segundo porque os títulos assim retirados de circulação tendem a ser aqueles

que, de alguma maneira, fogem aos padrões de mercado, resistindo à fungibilização.”280

Acrescentamos, ademais, que a permissão de realização de negócios pela

sociedade emissora com suas próprias debêntures, mesmo que com valor superior ao nominal,

estimula a liquidez de seu papel de dívida, porém cria situação de artificialidade que é vedada

pela CVM no caso de negociação com as próprias ações (artigo 2o, “c”, da Instrução CVM n

o

10/1980).

Não se conhece, até o momento, a existência de regras expedidas pela CVM

para complementar a nova redação do inciso II do §3o do art. 55 da LSA.

Por meio de interpretação extensiva ou indutiva, poder-se-ia extrair da

Instrução CVM no 10/1980

281 (IN/CVM 10), que trata da aquisição de ações por companhia

278

Preferimos a palavra “aquisição” ao invés de recompra. Recomprar significa “comprar de novo”, tornar a

comprar, ou seja, pressupõe uma operação de compra antecedente. No caso em tela, pode inexistir o negócio de

compra antecedente. Existe, sim, uma operação de colocação dos títulos pela sociedade que, inicialmente, figura

como emissora e que, posteriormente, pode figurar também como compradora. Não há alteração da posição

jurídica. O Parecer CVM/SJU 74/82 esclarece que o título adquirido pela própria companhia emissora não tem o

condão de operar a confusão, pois o título tem vida autônoma em relação ao direito nele incorporado. Essa

autonomicidade do título permite que a sociedade emissora possa adquirí-lo para mantê-lo em tesouraria.

Portanto, o uso da palavra “aquisição”, enquanto gênero, parece-nos mais cabível para o que se pretende

exprimir da operação em que a sociedade ingressa em uma relação bilateral ou sinalagmática, pagando o preço e

recebendo o título de sua própria emissão, podendo optar por cancelá-lo ou mantê-lo em tesouraria. 279

Ob. cit., pp. 576-577. 280

Ob. cit., p. 577. 281

A Instrução CVM nº 10, de 14 de fevereiro de 1980, dispõe sobre a aquisição por companhias abertas de

ações de sua própria emissão, para cancelamento ou permanência em tesouraria, e respectiva alienação.

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aberta, alguns requisitos que podem vir a ser aplicáveis à aquisição de debêntures no mercado

secundário. Deve-se considerar, todavia, que o órgão regulador não pode criar norma

restritiva de direitos sem previsão legal antecedente. Diferentemente, a aquisição de ações

pela companhia emissora encontra restrições insertas no art. 30 da LSA, reproduzidas na

referida Instrução. Assim, as restrições aplicáveis à aquisição de ações não podem ser

estendidas às debêntures, por ausência de previsão legal. Estendem-se apenas os requisitos

para a realização da operação de compra naquilo que lhe for compatível.

Além da Instrução acima apontada, o Parecer CVM/SUJ nº 74/82 (“Parecer”),

citado por diversos doutrinadores, pode servir de norte para a atuação do órgão regulador,

sendo recepcionado em parte, a nosso ver, principalmente após a alteração introduzida na

LSA ora em exame. Assim, antes de ingressarmos na análise da IN/CVM 10, vale analisar o

teor do Parecer, naquilo que ainda é compatível com o novo regime jurídico das debêntures,

para a aquisição dos títulos pela sociedade emissora.

O Parecer estabelece que não há necessidade de previsão, na escritura, da

possibilidade de aquisição de debêntures pela sociedade emissora, tendo em vista se tratar de

faculdade que lhe é atribuída, constituindo-se negócio bilateral consensual que não obriga o

debenturista à sua aceitação. Resolve-se essa problemática a partir de regra constitucional de

que ao particular não é vedado fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei. Tal

raciocínio lógico, que também será abordado quando da análise da emissão por outros tipos

societários, revela-se oportuno para evitar restrições desnecessárias à negociação de

debêntures pela própria sociedade emissora. Caracteriza-se a aquisição como operação de

mercado, sujeitando-se às mesmas regras aplicáveis ao negócio de compra e venda em

mercados organizados, independentemente da qualidade de quem esteja nas posições de

comprador e vendedor. Realiza-se a operação, portanto, em condições equitativas e,

consequentemente, atende-se ao princípio da igualdade de tratamento a todos os debenturistas.

Passando ao exame da IN/CVM 10, verifica-se que o primeiro requisito que

pode ser extraído do caput do artigo 1o da referida norma é a exigência de previsão estatuária

que autorize o conselho de administração a deliberar sobre a aquisição de ações. Não basta

que a diretoria da sociedade emissora decida efetuar a aquisição com valor acima do nominal,

há que se buscar a autorização prévia do conselho de administração, desde que tal hipótese

esteja prevista no estatuto da companhia. E se o estatuto não contiver tal previsão? Nesse

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caso, parece-nos lógico que a competência deva ser única e exclusiva da assembleia geral de

acionistas, pois, como disse Carlos Maximiliano, “quem pode o mais pode o menos”282

. Ora,

se a assembleia tem poderes para alterar o estatuto social também o terá para deliberar sobre a

aquisição de ações com valor superior ao nominal, caso inexista atribuição de poderes

estatutários ao conselho de administração.

Da mesma forma, a CVM poderia aplicar o mesmo preceito à aquisição de

debêntures pela sociedade emissora, por valor superior ao nominal, exigindo previsão

estatutária para que a deliberação autorizativa parta do conselho de administração, mediante

solicitação formulada pela diretoria. A deliberação teria que prever o limite máximo para

aquisição de debêntures de emissão da própria sociedade, atribuindo poderes à diretoria para

operacionalizar a compra. Nada impede, ainda, que o conselho de administração realize a

compra por meio de edital específico para aquisição de debêntures, evitando-se diversas

negociações com debenturistas e oscilações de preço. A oferta de compra por edital poderia

estar condicionada a limites máximo e mínimo de títulos a serem adquiridos ou a um

determinado valor, restringindo-se até mesmo a uma determinada série, sempre preferindo

aqueles que se manifestarem em primeiro lugar.283

O art. 1o da IN/CVM 10 estabelece, ainda, que o título objeto de aquisição pela

sociedade emissora pode ser cancelado ou mantido em tesouraria, para posterior alienação,

devendo tal preceito também ser aplicado às debêntures. Não é novidade que a aquisição pode

ser realizada com a finalide de cancelar o título. Neste caso, estaríamos diante de situação que

produz o mesmo efeito do resgate, mas que se processa de modo diverso. O resgate obriga a

venda pelo debenturista, é uma venda compulsória, como bem ressalta Carvalhosa284

. A

282

Carlos Maximiliano (Hermenêutica e Aplicação do Direito. 18ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2000, p. 245)

traduziu a expressão latina “in eo quod plus est semper inest et minus”, da seguinte forma: “quem pode o mais

pode o menos” (literalmente: ‘aquele a quem se permite o mais, não deve-se negar o menos’. ‘No âmbito do

mais sempre se compreende também o menos’), expressão comumente usada até hoje no direito brasileiro. 283

A questão que poderia surgir em eventual oferta para aquisição parcial dos títulos, dentro de uma mesma

série, seria a da não observância do princípio de igualdade de tratamento entre os debenturistas. Todavia, por se

tratar de uma oferta pública de compra estendida a todos os debenturistas daquela série, entendemos inexistir

uma preferência violadora de tal princípio. O que há, nesta hipótese, é uma oferta geral e irrestrita a todos os

titulares de debêntures, de uma mesma série, sem distinções entre eles, cabendo aos interessados manifestarem

interesse pela venda. A companhia deverá observar as ordens colocadas em primeiro lugar até se atingir o limite

previsto no edital. Ademais, entre séries distintas, não seria possível falar em aplicação do referido princípio, já

que o mesmo se aplica apenas aos títulos da mesma série, nos termos do parágrafo único do art. 53 (“As

debêntures da mesma série terão igual valor nominal e conferirão a seus titulares os mesmos direitos”). 284

“Previsto o resgate na escritura de emissão, não pode o debenturista negar-se aos seus efeitos. A reserva

estabelecida na escritura é válida e eficaz para todas as debêntures. O resgate representa uma transmissão

forçada, irrecorrível e definitiva da propriedade das ações do debenturista para o domínio da própria companhia

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faculdade ou opção de exercer o resgate do título é da sociedade emissora. Já a aquisição

depende da vontade das partes, tanto do emitente – lançando a oferta de aquisição do título -

como do debenturista – que pode optar ou não por aliená-lo pelo valor ofertado.

Carvalhosa anota, ainda, o seguinte:

“a oportunidade de aquisição das próprias debêntures é da discricionariedade da

companhia emissora, devendo, no entanto, revestir-se de uma causa, ou seja, de

relevância econômico-financeira para a companhia. A causa do negócio jurídico de

aquisição de suas próprias debêntures traduz-se, pois, como a função econômica que

tal negócio é levado a desempenhar no mundo jurídico. Daí se deduz que o interesse

social deve ser observado de forma rigorosa nesses negócios, de caráter

evidentemente extraordinário, no que respeita aos poderes da administração da

companhia. Deve essa operação advir, pois, de exclusão de operações mais

vantajosas, daí resultando o critério de conveniência econômica, no pressuposto,

ademais, de efetiva disponibilidade de caixa. A causa, portanto, de tais negócios

relaciona-se fundamentalmente com a manutenção do melhor desempenho

financeiro da companhia em face da dívida debenturística contraída.”285

A explicação acima é precisa em relação à causa ou fundamento da aquisição

das debêntures pela própria sociedade emissora, especialmente quando se está diante de

operação em que o valor ofertado supera o nominal. Todavia, tal preceito não se aplica apenas

às debêntures, mas a todos os empréstimos ou obrigações contraídos pela companhia, tendo

em vista os deveres fiduciários dos administradores.

Outra diferença entre os dois institutos é que o resgate opera a extinção da

debênture, retirando-a de circulação. Diferentemente, a aquisição pela companhia emissora

pode ter por objetivo a mantença em tesouraria para posterior alienação ou recolocação no

mercado, não apenas para cancelamento ou retirada de circulação.

emissora, que, em seguida, extinguirá as debêntures. Independe, portanto, da vontade do debenturista, que é

constrangido a obedecer à disposição contida na escritura. Trata-se de compra compulsória, decidida pela

devedora, dos títulos emitidos, para retirá-los de circulação. Reitera-se o princípio, em face do equivocado

Parecer Normativo CVM/SJU n. 74/82, que admite ‘não ser procedimento contra legem deixar ao credor a opção

de ter ou não seus títulos resgatados ou amortizados na época combinada’. Afirma o referido parecer que

múltiplas são as possibilidades com que pode jogar a companhia, e a flexibilidade do instrumento de debênture

adapta-se perfeitamente às suas necessidades. Essa orientação contraria, dentre outros, o princípio fundamental

da uniformidade de direitos e obrigações decorrentes da emissão das debêntures. Não pode, assim, o

debenturista, individualmente, ‘optar’ por continuar como tal, diferentemente de outros que se submetem à venda

compulsória prevista na escritura de emissão.” (Ob. cit., p. 734). 285

Ob. cit., p. 741.

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Após a análise interpretativa do art. 1o da IN/CVM 10, que poderia ser aplicado

às debêntures, registra-se que os demais artigos da referida instrução normativa, a nosso ver,

não se encaixariam ao regime das mesmas por conterem normas restritivas de direitos.

A doutrina italiana, por seu turno, admite a possibilidade de aquisição das

debêntures pela própria sociedade emissora, destacando uma série de motivos que podem

levar à retirada do título de circulação, tais como: (i) a transformação do tipo societário em

outro que não admite a emissão de debêntures; ou (ii) por conveniência da sociedade

emissora, quando o preço em bolsa estiver abaixo daquele estabelecido para reembolso do

título, resultando em uma vantagem econômica para a sociedade.286

Sergio Luoni287

esclarece que a aquisição do título pela própria sociedade

emissora não retira a sua eficácia, em que pese, à primeira vista, o débito incorporado no

título pudesse ser extinto em razão de confusão288

, uma vez que as posições de credor e

devedor recairiam sobre a mesma pessoa. O título, todavia, não será necessariamente

cancelado em razão da aquisição pelo emissor. Ele pode ser mantido em tesouraria para nova

e futura recolocação no mercado. O cancelamento depende das providências previstas no art.

74 da LSA, ou seja, a sociedade emissora deverá realizar as anotações nos livros próprios

referentes à extinção das debêntures. Enquanto não adotadas as providências legais, o título

permanece em vigor e deve ser lançado em conta de tesouraria, podendo, assim, retornar ao

mercado caso a sociedade opte por não cancelá-lo. E mais, a recolocação do título adquirido

pela própria companhia não necessitaria de nova deliberação de emissão del prestito

obbligazionario, inexistindo, por exemplo, direito de preferência na recolocação das

conversíveis, como será demonstrado neste trabalho.

Já em França, até 1.966, entendia-se que a aquisição de obligations pela

própria sociedade emissora provocava a extinção do título em razão da confusão entre credor

286

Ob. cit., pp. 44-45. 287

Ob. cit., p. 45. 288

A confusão é instituto de direito civil e se apresenta como uma das formas de extinção de uma obrigação. Em

nosso ordenamento jurídico, a exemplo do que ocorre na Itália, o instituto está previsto no Livro I, Título III, da

Parte Especial (Do Direito das Obrigações), do Código Civil, especificamente nos arts. 381 a 384 daquele

diploma. O art. 381 estabelece que a obrigação será extinta quando na mesma pessoa recaírem as qualidades de

credor e devedor. O Código Civil Italiano, por sua vez, disciplina o referido instituto no Livro IV (Delle

Obbligazioni), em seu art. 1253, da seguinte forma: “Quando le qualità di creditore e di debitore si riuniscono

nella stessa persona, l’obbligazione si estingue, e I terzi che hanno prestato garanzia per il debitore sono

liberati.”

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e devedor, tendo em vista ausência de previsão legal sobre o assunto. Com o advento da Lei

no 66-537, de 24 de julho de 1.966

289, que reformou o regime jurídico das sociedades

comerciais, estabeleceram-se os efeitos das obrigações adquiridas em bolsa pela própria

sociedade emissora. O sistema francês é bastante rígido neste ponto. As debêntures adquiridas

em bolsa pelo emissor devem ser imediatamente canceladas e não podem ser recolocadas no

mercado.290

O regime jurídico vigente em Portugal, para a aquisição de debêntures pela

sociedade emissora, distingue-se daqueles acima apontados. O art. 354.o/1, do Código das

Sociedades Comerciais (“CSC”), determina que “a sociedade só pode adquirir obrigações

próprias nas mesmas circunstâncias em que poderia adquirir acções próprias ou para

conversão ou amortização.” Já o item 2, do artigo anteriormente referido, prevê que os

direitos inerentes aos títulos ficarão suspensos enquanto pertencerem à sociedade emissora.

De acordo com a doutrina portuguesa, o CSC remete a disciplina do tema ao

disposto no artigo 316.o, que trata especificamente da aquisição de ações pela própria

sociedade emissora. Florbela de Almeida Pires, em obra coordenada por Menezes Cordeiro,

alerta para a impropriedade desse tratamento, uma vez que a remissão é realizada para uma

norma que proíbe a aquisição ou a subscrição de ações pela companhia emissora.291

Destaca a referida jurista portuguesa, ainda, que as limitações impostas à

aquisição de ações se distinguem daquelas aplicáveis às debêntures, salientando

brilhantemente o seguinte: “as principais razões subjacentes às limitações nessa matéria são

inaplicáveis à aquisição de obrigações. Ali trata-se principalmente de proteger a tipicidade

societária e o capital social, aspectos que não estão em causa na aquisição de obrigações

próprias.”292

289

O art. 322 estabelece o seguinte: “Les obligations rachetées par la société émettrice, ainsi que les obligations

sorties au tirage et remboursées, sont annulées et ne peuvent être remises en circulation.” 290

Ripert e Roblot, ob. cit., p. 605. 291

Interessante mencionar a distinção que a doutrina portuguesa faz em relação à subscrição inicial das

debêntures pela própria companhia e a aquisição dos títulos já colocados no mercado. Na primeira hipótese,

entende-se que há confusão ab initio entre credor e devedor, impondo uma barreira téorica e prática à subscrição

de debêntures emitidas, porém ainda não colocadas em circulação. Na segunda hipótese, a doutrina portuguesa

remete a disciplina ao contrato de sociedade, não entendendo haver confusão, mas admitindo que a aquisição

pode ser realizada se prevista no ato constitutivo da sociedade, podendo proibir a aquisição ou criar limitação a

esse negócio jurídico. (Ob. cit., p. 956). 292

Ob. cit., pp. 955-956.

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Nessa linha, os valores jurídicos tutelados pela restrição de compra de ações

pela própria companhia diferenciar-se-iam daqueles que se pretendem proteger com a compra

de debêntures de própria emissão. Na compra de ações293

de sua própria emissão, protege-se a

tipicidade societária e o capital social. Como ensina Menezes Cordeiro, busca-se evitar o

“reembolso mascarado do valor realizado, implicando a diminuição do capital, com riscos

para os credores e com quebra de igualdade entre os próprios sócios”294

Já no caso da aquisição de debêntures pela sociedade emissora, parece-nos que

os valores a serem protegidos são outros. Não há que se falar em “reembolso mascarado”,

posto que é da essência das debêntures que o valor nominal realizado seja reembolsado. Na

aquisição pela própria companhia, tem-se apenas a antecipação desse reembolso. Se a

hipótese for prevista na escritura de emissão, melhor ainda, posto que os debenturistas teriam

conhecimento, desde logo, da possibilidade de aquisição das debêntures pelo emissor.

Portanto, no caso das debêntures, parece-nos que os valores em jogo decorem

da problemática do preço de aquisição e do chamado “efeito caixa”, que poderia reduzir a

liquidez da sociedade para pagamento de outras obrigações, cujo vencimento estaria fixado

para uma data posterior, dentro do período entre a realização do negócio de aquisição e a data

de vencimento das debêntures, já que a aquisição das debêntures, em tese, poderia prejudicar

a capacidade financeira da sociedade de liquidar outras obrigações assumidas no referido

período.

Supondo-se inexistirem outras obrigações e que a aquisição das próprias

debêntures não prejudicaria a liquidez da companhia para o exercício de sua atividade, a

questão residiria apenas no preço de aquisição. Neste caso, o valor a ser pago pela companhia

deveria ser objeto de decisão fundamentada da administração, inclusive com o auxílio de

assessores financeiros, de modo a atender e proteger o interesse social. Além disso, tal decisão

293

“O fénomeno das acções próprias era conhecido desde o século XIX: impôs-se como pura decorrência da

objectivação das acções e da sua livre circulação no mercado.” (Menezes Cordeiro, ob. cit., p. 669.) 294

Além do mais, Menezes Cordeiro (Ob. cit., p. 669) destaca, ainda, que a aquisição de ações próprias acarreta

os seguintes efeitos: “- desequilibra o funcionamento interno das sociedades, uma vez que a administração

passaria a dispor dos votos correspondentes às acções próprias; - falseia as regras do mercado, podendo dar

corpo a uma procura artificial de acções, com a não menos artificial e consequente subida de cotações; -

artificializa o esquema societário, que perde na dimensão básica da cooperação entre pessoas; - desequilibra

qualquer negociação: a sociedade, por definição, dispõe de informação privilegiada sobre o seu estado

econômico e sobre as suas perspectivas, podendo tirar partido desse conhecimento, em detrimento do público

interessado.”

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fundamentada estaria em linha com os “deveres fiduciários” dos administradores e seria

protegida pela chamada business judgment rule.

Por fim, vale registrar que a doutrina norte-americana entende que as objeções

à compra de debêntures (ou bonds) pela sociedade emissora não estão relacionadas à

aplicação da ultra vires doctrine295

ou da prática de atos contrários ao objeto ou ao interesse

social. Cox e Hazen explicam que a compra de debêntures, assim como a compra de ações, é

considerada um ajuste na estrutura financeira da sociedade em razão das necessidades de seus

negócios. As razões para limitação da compra têm a ver com a aplicação da trust fund

doctrine296

, que tem sido utilizada para a proteção dos credores.

295

Para a doutrina norte-americana, o ato praticado pelo administrador, em nome da sociedade, além dos poderes

que lhe foram conferidos, caracteriza-se como ato ultra vires. Os atos praticados de acordo com os poderes

conferidos são considerados intra vires. Transcrevemos a lição de Ballantine (Ob. cit., pp. 242-243) para melhor

esclarecer o tema: “We now seek to ascertain the binding effect, if any, of contracts or transfers made on behalf

of a corporation which are foreign to its authorized business. Such transactions are customarily said to be ultra

vires, or ‘beyond its powers’. Transactions which are related to its purposes are said to be intra vires, or within

its powers” […] “as to say that ultra vires signifies what is absolutely beyond the capacity of a corporation to

transact.”. O referido jurista prossegue: “The doctrine of ultra vires seems for many courts to originate in a

deduction from the concept of corporations as artificial persons, creatures of the law, with no powers or

existence except for the purposes for which they are created. Hence an act done by agents in the name of the

corporation and by authority of its directors, and even with the consent of all the shareholders, is held by such

courts not to be the act of the corporation.”. Modernamente, nos Estados Unidos, em razão da adoção por muitos

Estados do Model Business Corporation Act, tem-se uma nova disciplina para a ultra vires doctrine. Não se

admite que uma parte em uma transação ultra vires possa alegar em sua defesa a referida teoria, ou seja, as

partes não podem evitar um contrato somente por causa da existência de um ato ultra vires. Além disso, admite-

se a responsabilização dos administradores pela prática de atos ultra vires, porém eles poderão se defender com a

alegação de que os atos foram praticados de acordo com a business judgment rule (Cox e Hazen, ob. cit., pp. 66-

67). Sobre o tema, ver também a Tese de Doutorado de Eli Loria (Companhia aberta: objeto social e operações

de risco, apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2012, pp. 61 e ss). 296

De acordo com o Black’s Law Dictionary (GARNER, Bryan. 8a ed. St. Paul: West, 2004, p. 1554), trust fund

doctrine significa o seguinte: “The principle that the assets of an insolvent company, including paid and unpaid

subscriptions to the capital stock, are held as a trust fund to which the company’s creditors may look for

payment of their claims. The creditors may follow the property constituting this fund, and may use it to reduce

the debts, unless it has passed into the hands of a bona fide purchaser without notice.”.

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5. A EMISSÃO DE DEBÊNTURES POR DELIBERAÇÃO DO

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO

A emissão de debêntures deve percorrer um rito procedimental que guarda

certa semelhança com o iter observado para a emissão de novas ações297

, em que pese a

distinção entre os dois valores mobiliários.

A regra geral – ou via originária - para emissão de debêntures reserva a

competência à assembleia geral (extraordinária), nos termos do caput do art. 59 da LSA, a

seguir transcrito:

“Art. 59. A deliberação sobre emissão de debêntures é da competência privativa da

assembléia-geral, que deverá fixar, observado o que a respeito dispuser o estatuto”.

Há, contudo, exceção à regra geral de emissão pela assembleia, nos termos do

§1o do referido artigo, o qual foi modificado duas vezes desde a entrada em vigor da LSA.

A redação original dispunha apenas sobre a delegação de competência, da

assembleia para o conselho, no tocante à “deliberação sobre as condições de que tratam os

números VI a VIII deste artigo e sobre a oportunidade da emissão”298

.

297

Ferri (Le Società. 2ª ed., UTET, 1985, p. 505), ao iniciar o capítulo do empréstimo obrigacionista, esclarece:

“La emissione delle obbligazioni si attua secondo un iter procedimentale esattamente corrispondente a quello

della emissione di nuove azioni. Anche qui vi è la sucessione necessaria di diversi atti: la deliberazione

assembleare, il manifesto di emissione, le sottoscrizioni, la consegna dei titoli obbligazionari ai sottoscrittori.”

Andrea Giannelli (Delle Obbligazioni. In: Commentario alla riforma delle società. Obbligazioni e Bilancio. A

cura di Mario Notari e Luigi A. Bianchi. Coord.: MARCHETTI, Piergatano et. al. 1a ed. Milão: Egea - Giuffrè,

2006, pp. 5-6) ensina também que, anteriormente à reforma do direito societário italiano, a emissão de

obrigações era realizada somente por deliberação da assembleia extraordinária, citando o antigo e revogado art.

2.365 do CCI. Posteriormente, com a introdução no direito italiano da II Diretiva Comunitária em matéria

societária, o tratamento jurídico da emissão de obrigações passou a ser assemelhado àquele do aumento de

capital delegado, estabelecendo que o ato constitutivo poderia delegar ao administrador a faculdade de emitir

obrigações, em uma ou mais vezes, de qualquer espécie, até um determinado montante máximo, em um período

não superior a 5 (cinco) anos. Resultava que a a competência originária era sempre da assembleia geral

extraordinária, podendo os sócios deliberar a modificação do estatuto e a delegação de competência ao conselho

de administração, como órgão colegiado, para a emissão de obrigações, fixando, por outro lado, o limite

quantitativo aplicável à emissão e o limite temporal da delegação. 298

Parte do texto original do §1º do art. 59 da LSA, revogado pela Lei nº 10.303, de 2.001.

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Foi a Lei nº 10.303, de 31 de outubro de 2.001, que introduziu pela primeira

vez a possibilidade de criação e emissão das debêntures por deliberação do conselho de

administração, a partir de alteração da redação do §1o do art. 59 da LSA, que passou a vigorar

com o seguinte teor:

“§1o Na companhia aberta, o conselho de administração poderá deliberar sobre a

emissão de debêntures simples, não conversíveis em ações e sem garantia real, e a

assembléia-geral pode delegar ao conselho de administração a deliberação sobre as

condições de que tratam os incisos VI a VIII deste artigo e sobre a oportunidade da

emissão.”299

Assim, desde 2.001, admite-se a deliberação do conselho de administração para

a criação de debêntures simples, não conversíveis em ações e sem garantia real. Atualmente,

com as alterações introduzidas pela Lei no 12.431/2011, o referido parágrafo possui a seguinte

redação:

“§1o Na companhia aberta, o conselho de administração pode deliberar sobre a

emissão de debêntures não conversíveis em ações, salvo disposição estatutária em

contrário.”

Simplificou-se, acertadamente, a redação anterior. Ela foi corrigida para

restringir a competência originária do conselho apenas às debêntures conversíveis em ações,

tendo em vista que, neste caso, há o direto de preferência dos acionistas à subscrição, que os

protegem da diluição na conversão. Passou-se a admitir, também, a deliberação do conselho

de administração para a criação de debêntures simples com garantia real.

As mudanças foram extremamente importantes para aprimorar o regime de

criação e facilitar a emissão de debêntures. Yazbek destaca os motivos que levaram à

modificação da LSA, no tocante à flexibilização da competência para criação de debêntures,

conforme trecho extraído de artigo elaborado em obra coletiva que, mais do que

merecidamente, homenageou o ilustre Professor José Alexandre Tavares Guerreiro:

299

Texto integral do §1º do art. 59 da LSA, revogado pela Medida Provisória no

517/2.011 (o texto da MP foi

posteriormente convertido na Lei no 12.431/2.011).

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“Tal situação vinha sendo objeto de críticas, uma vez que, na prática, o conselho de

administração de uma companhia poderia tomar decisões de endividamento com

efeitos tão ou mais gravosos para a companhia, inclusive onerando bens a ela

pertencentes, sendo-lhe vedado, no entanto, decidir quanto a instrumentos sujeitos a

uma disciplina de mercado e a regras de transparência mais rigorosas.

Ademais, a reserva de competência para a assembleia geral ainda criava uma

situação de grande rigidez, dificultando o processo decisório e tornando-o menos

ágil em matéria em que, não raro, se impõe o aproveitamento de ´janelas de

oportunidade´ – quadro que se torna ainda mais problemático com o advento de

companhias com capital disperso. Mais do que isso, do ponto de vista dos efeitos

dessas restrições para as condições de mercado, vale lembrar que, em caso de

necessidade de deliberação pelo conselho, os títulos emitidos não contariam com

garantia real e nem flutuante, não trazendo muito maiores atrativos.”300

De se notar, ainda, a ampliação da autonomia estatutária contida na parte final

do texto legal ora em comento. Ao se fixar em lei que o conselho de administração somente

poderá deliberar a criação de debêntures não conversíveis, estabelecendo, porém, que

disposição estatutária poderá dispor em contrário, ampliou-se a competência do conselho de

administração para a criação de debêntures conversíveis em ações.

Foi nessa linha que a Lei no 12.431/2011 introduziu um novo §2

o ao art. 59 da

LSA, o qual passou a admitir expressamente a delegação de competência ao conselho para

criação de debêntures conversíveis em ações, a seguir transcrito:

“§ 2o O estatuto da companhia aberta poderá autorizar o conselho de administração

a, dentro dos limites do capital autorizado, deliberar sobre a emissão de debêntures

conversíveis em ações, especificando o limite do aumento de capital decorrente da

conversão das debêntures, em valor do capital social ou em número de ações, e as

espécies e classes das ações que poderão ser emitidas.”

Essa nova redação, que anteriormente tratava apenas da deliberação da

assembleia geral sobre as séries indeterminadas e seus limites de emissão, estabelece limite

quantitativo à emissão de debêntures conversíveis criadas pelo conselho de administração.

Duas são as limitações: (i) dentro do limite do capital autorizado previsto no estatuto social; e

(ii) dentro do limite previsto no estatuto para aumento de capital decorrente de conversão das

debêntures em ações, em valor do capital social ou em número de ações, e as espécies e

classes das ações que poderão ser emitidas.

300

Ob. cit., p. 578.

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Em outras palavras, mesmo que o aumento de capital esteja dentro do limite do

capital autorizado, o estatuto poderá limitar o aumento, ainda, a uma determinada quantidade

de ações, a um determinado valor, a uma determinada espécie de ação ou, por fim, a uma

determinada classe de ação.

No sistema atual, portanto, o conselho de administração passou a ter

competência originária para a emissão de debêntures não conversíveis, nos termos do §1o do

art. 59 da LSA, bem como passou a ter competência delegada (ou derivada) para a emissão de

debêntures conversíveis em ações, a partir da nova redação do §2o, do referido artigo, como

bem observa Yazbek.301

A CVM, inclusive, já se pronunciou a respeito da controvérsia aparentemente

existente, quando da entrada em vigor da Lei nº 12.431/2011, a respeito da eficácia do art. 59,

§1º, da LSA, para as sociedades cujo estatuto social estabelece a delegação de poderes da

assembleia geral ao conselho de administração para a emissão de debêntures. Tal regra

estatutária, mesmo anterior à referida lei modificadora da LSA, não tem o condão de vedar a

criação de debêntures não conversíveis em ações, haja vista a nova competência originária do

órgão prevista em lei. O Colegiado, no Processo CVM nº RJ 2011/8312 (Reg. Col. nº

7916/2011), a partir de voto proferido por Otavio Yazbek302

, deliberou no sentido de que a

disposição estatutária, anterior à Lei nº 12.431/2011, que prevê a delegação de determinadas

competências da assembleia para o conselho, não é regra que pode ser interpretada como

“disposição estatutária em contrário”, ou seja, não impede a criação de debêntures pelo

conselho de administração.

301

Ob. cit., p. 580. 302

Transcreve-se trecho do voto do Rel. Otávio Yazbek que explica a problemática analisada: “No que tange ao

primeiro daqueles pontos, entendo que a nova redação do art. 59, §1º, da lei acionária, dada pela Lei n.º 12.431,

de 24.6.2011, tem aplicabilidade imediata e não condicionada. Ou seja, inexistindo disposição estatutária que

impeça a deliberação pelo conselho, o novo texto legal se encontra em vigor e é hábil a produzir todos os seus

efeitos, de modo que os conselhos de administração das companhias abertas já podem, de pronto, "deliberar

sobre a emissão de debêntures não conversíveis em ações". 4. É bem verdade que, em um primeiro momento,

nenhum estatuto tende a trazer vedações desta natureza – por óbvio os estatutos hoje em vigor foram

conformados sob o regime anteriormente vigente, em que o conselho apenas podia deliberar sobre determinadas

condições da emissão, ainda assim por delegação da assembleia. Mas não há como, ante os termos do atual art.

59, §1º, da lei e a inexistência de qualquer regra de transição constante do diploma alterador do regime vigente,

deixar de reconhecer aquela aplicabilidade imediata. 5. Tal aplicabilidade é, ademais, coerente com o realismo

que serviu de base às alterações da Lei n.º 6.404/1976, ao reconhecimento de que, na prática, os conselhos de

administração acabam por criar constrições e ônus muito mais significativos para as companhias em outras

deliberações, não havendo porque restringir a decisão acerca da emissão de debêntures não conversíveis.”

(Processo CVM nº RJ 2011/8312 - Reg. Col. nº 7916/2011)

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O atual §4o

do art. 59 da LSA, também introduzido pela Lei no 12.431/2011,

nada mais é do que um arremedo para acomodar a parte final do revogado §1o, do mesmo

artigo, dispondo o seguinte:

§ 4o Nos casos não previstos nos §§ 1

o e 2

o, a assembleia geral pode delegar ao

conselho de administração a deliberação sobre as condições de que tratam os incisos

VI a VIII do caput e sobre a oportunidade da emissão.

Ora, os parágrafos 1o e 2

o já disciplinaram toda a competência para criação e

emissão de debêntures. A nosso ver, o §4o é totalmente desnecessário. Quais seriam as

hipóteses não previstas nos dois primeiros parágrafos? A redação ficou bastante curiosa. Seria

a hipótese de não previsão estatutária para a criação de debêntures conversíveis em ações?

Parece-nos que é a única hipótese.

Dessa forma, teríamos quatro situações distintas com a nova redação dos

parágrafos do referido artigo, a saber: (i) competência originária da assembleia para a emissão

de todas as espécies de debêntures; (ii) competência originária do conselho de administração

para todas as espécies de debêntures não conversíveis em ações; (iii) competência derivada

por delegação ao conselho de administração, por disposição estatutária, para deliberação

acerca da criação de debêntures conversíveis em ações; e (iv) competência derivada por

delegação ao conselho de administração, por decisão assemblear, para deliberação sobre as

condições de que tratam os incisos VI a VIII do caput e sobre a oportunidade da emissão.

No direito italiano, a reforma do CCI de 2.003303

também alterou o regime

jurídico para criação e emissão de obrigações, dispondo que “se a lei ou o estatuto não

dispuserem diversamente, a emissão de obrigações é deliberada pelo administrador. Em

303

Marchetti et. al. (Commentario alla riforma delle società. Obbligazioni e Bilancio. A cura di Mario Notari e

Luigi A. Bianchi. 1a ed. Milão: Egea - Giuffrè, 2006, p. XVII) explicam que o texto do Código Civil Italiano,

atualmente em vigor, foi alterado por lei promulgada em 2003, que entrou em vigor, porém, em 2004, com

posteriores modificações: “Testo del Codice Civile entrato in vigore il 1o gennaio 2004, come modificato dal

d.lgs. 6/2003, nella versione aggiornata sulla base delle ulteriori modificazioni apportate: dall’avviso di

rettifica e dall’errata corrige, pubblicati in G.U. 4 luglio 2003, n. 153 (d’ora in poi «Avviso 4 luglio 2003»); dal

d.lgs. 6 febbraio 2004, n. 37 (d’ora in poi «d.lgs. 37/2004»); nonché dal d.lgs. 28 dicembre 2004, n. 310 (d’ora

in poi «d.lgs. 310/2004»).”

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qualquer caso, a deliberação de emissão deve ser reduzida a termo por notário e levada a

arquivo e inscrição de acordo com o artigo 2.436”304

.

Afirmam os juristas italianos que a disciplina em matéria de competência, após

a reforma de 2.003, resultou em um tratamento duplo. Em primeiro lugar, ampliou-se

exponencialmente a autonomia estatutária, estabelecendo a competência orgânica e originária

dos órgãos colegiados (assembleia extraordinária ou conselho de administração). Em segundo

lugar, no caso de não exercício dessa autonomia, transfere-se a competência da assembleia ao

administrador (competência residual ex lege), reconhecendo que a emissão de obrigações é

uma consequência dos atos de gestão financeira da sociedade.305

Esta correção na disciplina, com a previsão de transferência da competência

para o administrador da sociedade, eliminaria a distinção de competência, anteriormente

existente, entre a busca de recursos junto ao mercado financeiro, realizada pela administração,

e a busca de recursos junto ao mercado de capitais, que exigia a deliberação assemblear.306

Andrea Giannelli, ao analisar a disciplina jurídica em matéria de competência

para a emissão de obrigações em diversos ordenamentos jurídicos, traçou uma divisão em que

distingue dois tipos de regramento: (i) aqueles que consideram a emissão de obrigações como

uma operação ordinária de gestão financeira da sociedade, atribuindo, consequentemente, a

competência ao órgão administrativo nomeado para a condução dos negócios sociais; e (ii)

aqueles que, por outro lado, atribuem a decisão de criação das obrigações às assembleias de

sócios, tendo em vista o risco de se adotar uma forma de endividamento que, ao apelar à

poupança pública, teria um amplo acesso ao mercado organizado de dívida e poderia

modificar a estrutura financeira da sociedade emissora, acarretando eventualmente um

inadequado desequilíbrio.307

304

Tradução livre do seguinte art. do CCI: “Articolo 2410 (Emissione) – Se la legge o lo statuto non dispongono

diversamente, l’emissione di obbligazioni è deliberata dagli amministratori. In ogni caso la deliberazione di

emissione deve risultare da verbale redatto da notaio ed è depositata ed iscritta a norma dell’articolo 2436”. 305

Ob. cit., p. 7. 306

Ob. cit., p. 7. 307

Tradução livre, com adaptações, do seguinte texto: “A tale riguardo, si può effetuare una summa divisio tra

ordinamenti che considerano l’emissione di obbligazioni come un’operazione di ordinaria gestione finanziaria

della società, attribuendone di conseguenza la competenza all’organo amministrativo, preposto apunto alla

gestione, e ordinamenti che, invece, attribuiscono ogni decisione in materia all’assembleia dei soci, in

considerazione dei appelo al pubblico risparmio, consente un ampio acceso al capitale di credito ed è

potenzialmente idonea a modificare la struttura finanziara della società emittente, determinandone

eventualmente un inadequato squilibrio.” (Ob. cit., p. 8)

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114

O referido jurista italiano cita, ainda, que a Inglaterra adota o primeiro modelo,

em que a emissão de debentures ou debt securities é ato de gestão que está inserido na

competência geral dos directors, de acordo com as regras previstas no estatuto social.308

Carvalhosa ensina que na Inglaterra “a autorização é estatutária, remetendo

diretamente ao board of directors a competência efetiva de cada emissão.” Destaca o referido

jurista, ainda, nos casos de emissão pública, que a Bolsa de Londres estabelece “limitação

estatutária a esses poderes outorgados ao board, que não pode ser ultrapassado sem a prévia

deliberação da assembleia geral.”309

No Brasil, com a modificação introduzida pela Lei no 12.431/2011, a disciplina

jurídica da emissão de debêntures se aproximou do direito italiano, que prevê a competência

originária e derivada, ao invés de adotar o modelo inglês de ampla autonomia da vontade da

administração, com imputação direta da competência originária apenas ao board of directors.

No tocante à prática, por sua vez, vale a pena abordar a participação dos órgãos

da administração para que a criação, emissão e colocação das debêntures sejam levadas a

cabo. Nesse sentido, registra-se que o órgão incumbido de praticar os atos necessários ao

lançamento dos títulos é a Diretoria, conforme bem ressalta Waldemar Ferreira:

“Pertence, como de tudo ressalta, à diretoria a iniciativa do lançamento do

empréstimo, a menos se estiole sua atividade, mercê de desânimo e de

inépcia administrativa. Acompanhando de perto a marcha dos negócios,

medindo-lhes a intensidade pelas fichas da sua contabilidade diária, sentindo

as oscilações da sua caixa pelas entradas e saídas de dinheiro, tendo em

maior atenção o cálculo das probabilidades, para que a empresa progrida e

proporcione os lucros esperados – a diretoria tem sempre em mãos e à vista a

situação financeira da empresa”310

.

E tem razão o notável comercialista ao afirmar que cabe à Diretoria propor a

criação e praticar os atos necessários à emissão das debêntures - e, a nosso ver, mais

especificamente, ao responsável pela área financeira -, devendo tal proposição ser levada aos

demais diretores ou à diretoria, se atuar como órgão colegiado, ou, diretamente, se for o caso,

308

Ob. cit., pp. 8-9. 309

Ob. cit., p. 803. 310

Ob. cit., p. 69.

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115

ao conselho de administração da companhia – e ao conselho fiscal, se instalado, para opinar311

-, que tem competência para convocar a assembleia geral ou decidir pela emissão, em casos

específicos.

Tal sequência nos parece lógica diante da estrutura hierárquica dos órgãos da

sociedade anônima. É o diretor financeiro, ou o responsável pela área financeira, que tem por

obrigação conhecer o fluxo de caixa da companhia, o vencimento das dívidas de curto e

médio prazo, a necessidade de rolagem e alongamento do perfil destas. Decorre daí, inclusive,

uma das funções atuais das debêntures (função financeira), ou seja, alongar o perfil da dívida

da sociedade, captando recursos no mercado para pagamento da dívida de curto prazo,

trocando-a por debêntures que demandam o pagamento a longo prazo (debêntures simples),

que não exigem (ou podem não exigir) desembolso de recursos do caixa da companhia

(debêntures conversíveis em ações), ou que remuneram apenas o capital e não tem

vencimento predeterminado para pagamento do principal (debêntures perpétuas).

Por mais que o conselho de administração e os seus comitês, em especial o

comitê financeiro, participem ativamente das decisões de financiamento da sociedade, os

conselheiros não estão conectados diariamente com a operação e não acompanham os

detalhes dos contratos de empréstimo da companhia junto às instituições financeiras e demais

credores. Recai sobre a área financeira e o seu responsável o dever de acompanhar o fluxo de

caixa da companhia e de propor ao conselho de administração as estratégias e as formas mais

adequadas de financiamento da empresa. Cabe ao conselho apenas autorizar ou aprovar a

contratação de uma ou outra forma de financiamento. Se tal escolha recair na emissão de

debêntures, competirá ao conselho fiscal, se instalado, opinar, e ao conselho de administração

deliberar a emissão – se o estatuto social assim o permitir -, ou a convocação da assembleia

geral extraordinária, para autorizá-la.

Observe-se que a decisão de criação das debêntures, atualmente, compete à

assembleia geral (via originária) e ao conselho de administração (via originária ou derivada),

conforme amplamente discorrido acima.

311

O art. 163 da LSA assim dispõe: “Compete ao conselho fiscal: [...] III - opinar sobre as propostas dos órgãos

da administração, a serem submetidas à assembléia-geral, relativas a modificação do capital social, emissão de

debêntures ou bônus de subscrição, planos de investimento ou orçamentos de capital, distribuição de

dividendos, transformação, incorporação, fusão ou cisão.” (grifo nosso).

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116

Todavia, em que pese a competência originária da assembleia, por exemplo,

para deliberar sobre a criação das debêntures, é essencial que o conselho fiscal opine sobre a

mesma e o conselho de administração analise a proposta da diretoria, em conjunto com a

opinião do conselho fiscal, após o que, julgando-a conveniente, convoque a assembleia geral.

Não cabe aos acionistas convocar diretamente a assembleia para deliberar

sobre a emissão de debêntures, sem que tenham sido chamados a apreciar essa matéria pela

administração da sociedade, pois, como afirma Carvalhosa, a lei pressupõe que eles não

possuem “conhecimento pleno dos negócios sociais”. “Essa convocação deve ser cabalmente

fundamentada em deliberação do próprio Conselho ou diretoria quanto aos aspectos da

conveniência, necessidade e oportunidade da emissão”.312

Nessa linha, questiona-se se a diretoria poderia submeter diretamente à

assembleia geral a emissão de debêntures. Parece-nos possível que a aprovação da emissão

seja submetida diretamente ao órgão máximo da companhia, desde que haja previsão

estatutária de convocação da assembleia pela diretoria (art. 123, caput, da LSA313

). Não nos

parece lógico, por outro lado, permitir que a diretoria submeta a proposta à deliberação da

assembleia, diretamente, sem que haja a submissão prévia ao conselho de administração.

Aplicar-se-á em todas as hipóteses, contudo, o art. 163, inciso III, da LSA, que exige a

opinião do conselho fiscal, se instalado, sobre as propostas dos órgãos da administração, a

serem submetidas à assembleia-geral, relativas à emissão de debêntures.

Diante do exposto acima, caberia indagar, ainda, se a desaprovação do

conselho de administração à emissão de debêntures, mesmo que devidamente fundamentada,

seria impeditiva à submissão da matéria ao exame da assembleia geral, mediante convocação

provocada pela diretoria314

. A nosso ver, desde que a diretoria demonstre fundamentadamente

“as vantagens da emissão diante de outras modalidades de obtenção de capital de

terceiros”315

, a assembleia poderia deliberar sobre a criação das debêntures.

312

Ob. cit., p. 805. 313

“Art. 123. Compete ao conselho de administração, se houver, ou aos diretores, observado o disposto no

estatuto, convocar a assembleia-geral.” (grifo nosso) 314

Não nos parece lógico incluir, nesse ponto, a faculdade conferida ao conselho fiscal para convocação de

assembleia geral, tendo em vista que a matéria a ser deliberada decorre de atos de gestão financeira da sociedade

– não de sua fiscalização -, e, portanto, a nosso ver, a legitimidade seria da diretoria ou do conselho de

administração, apenas. 315

Carvalhosa, ob. cit., p. 805.

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6. PARTICIPAÇÃO DO AGENTE FIDUCIÁRIO EM MAIS DE UMA

EMISSÃO DA MESMA COMPANHIA

A redação original do §3o316

do art. 66 da LSA restringia a atuação, como

agente fiduciário, de pessoa que já exercesse tal função em outra emissão da mesma

companhia. O objetivo da regra era evitar situações de conflito, já que o agente fiduciário

deveria zelar pelos interesses da comunhão de debenturistas de todas as emissões, presumindo

que, em determinado momento, tais interesses poderiam se contrapor.

A CVM, como nos recorda Yazbek, regulamentou a matéria por meio da

Instrução CVM no 28, de 23 de novembro de 1.983, alargando o rol das limitações previstas

na LSA “para as emissões de companhia que fosse ‘sociedade coligada, controlada,

controladora da emissora ou integrante do mesmo grupo”.317

Tais vedações - legais ou regulatórias -, no entanto, causavam enormes

transtornos para os emitentes de debêntures, que recorriam ao mercado para mais de uma

emissão, tendo em vista a escassez de profissionais ou de empresas especializadas nesse

ramo.318

Diante dessa dificuldade encontrada na prática é que a Companhia Paulista de

Força e Luz, a Rio Grande Energia S.A., a Companhia Piratininga de Força e Luz, a

Companhia Jaguari de Energia, a Companhia Sul Paulista de Energia, a Companhia Leste

Paulista de Energia e a CPFL Comercialização Brasil S.A. formularam pedido de dispensa de

requisito estabelecido na alínea "a", 2ª parte, do inciso I do art. 10(1) da Instrução CVM nº 28,

de 23/11/83, que culminou na instauração do Processo CVM RJ 2009/5863, relatado pelo

então Diretor Eli Loria.

316

Dizia o texto revogado: “Não pode ser agente fiduciário: a) pessoa que já exerça a função em outra emissão

da mesma companhia;” 317

Ob. cit., p. 584. 318

A CVM reconheceu essa situação no Edital de Audiência Pública SDM no 13/11, que propunha alteração à

Instrução CVM no 28/1983, nos seguintes termos: “Considerando que, na última reforma da Instrução CVM nº

28, de 1.983, já se discutia a carência de agentes fiduciários em face do número crescente de operações com

debêntures, espera-se um número ainda maior de operações em função das diversas alterações introduzidas pela

Lei 12.431, de 2011.” (Disponível em: http://www.cvm.gov.br/port/audi/ed1311sdm.pdf. Acesso em:

26/07/2013)

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118

Infelizmente, àquela época, a deliberação do Colegiado da CVM foi no sentido

de negar o pedido de dispensa, adotando o voto do Relator Diretor Eli Loria, conforme

conclusão a seguir transcrita:

“O Colegiado, por maioria, vencido o Diretor Otavio Yazbek, nos termos de seu

voto, deliberou, nos termos do voto apresentado pelo Diretor Eli Loria, pela não

concessão da dispensa requerida, por entender que a própria lei societária, ao

confrontar os interesses da companhia e os interesses dos debenturistas, colocou

estes últimos em um patamar mais elevado, não cabendo afastar os ditames da

Instrução 28/83, editada ao amparo do poder regulamentar da CVM, por razões que

podem ser solucionadas por mecanismos de mercado, uma vez que a CVM não

exige o credenciamento de agentes fiduciários.”319

Curioso é que o referido Relator justifica seu voto – apesar de não fundamentar

as razões de tal convicção -, com a afirmação de que os interesses dos debenturistas estariam

acima dos interesses da própria companhia. Será que realmente estão?

Interessante destacar o voto dissidente do Diretor Otávio Yazbek, que já

sinalizava a necessidade de aprimoramento das regras sobre a contratação de um mesmo

agente fiduciário, o qual foi no sentido de conceder a dispensa requerida pelas companhias

emissoras sob os seguintes fundamentos:

“[…] (i) a dificuldade e o alto custo envolvido na concentração das ofertas em um

número menor de emissoras, inclusive em razão dos efeitos tributários daí

decorrentes; bem como (ii) o comprometimento com o estabelecimento de

mecanismos adequados de informação de investidores e de mitigação de potenciais

conflitos de interesse. Além disso, acredito que eventuais riscos a que os

debenturistas possam ser expostos são minorados também pelo fato de que as ofertas

públicas em questão serão realizadas nos termos da Instrução CVM nº 476, de

16.1.2009, e, portanto, sob esforços restritos, sendo destinadas a investidores com

alto grau de sofisticação.”

Nota-se que, apesar do indeferimento do pleito acima relatado, a CVM mudou

sua posição e reagiu ao problema gerado pela proibição legal e regulatória, editando a

Instrução CVM no 490, de 24 de janeiro de 2.011, com a finalidade de ajustar a Instrução

CVM no 28/1983, retirando “aquela extensão da limitação legal criada pela sua própria regra,

319

Extraído da Ata da Reunião do Colegiado no 28, de 28 de julho de 2.009, Reg. nº 6603/09, com o título

“PEDIDO DE DISPENSA DE REQUISITO DA INSTRUÇÃO Nº 28/83 - CONTRATAÇÃO DE AGENTE

FIDUCIÁRIO - COMPANHIA PAULISTA DE FORÇA E LUZ E OUTROS – PROC. RJ2009/5863”

(Disponível em: http://www.cvm.gov.br/port/descol/resp.asp?File=2009-028D28072009.htm. Acesso em

26/07/2013)

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permitindo que sociedades de um mesmo grupo tenham, para suas emissões, um mesmo

agente fiduciário”.320

Foi uma mudança tímida, porém importante para os grandes grupos

societários.

Veio, então, a Lei no 12.431/2011 e alterou a alínea “a” do §3

o do art. 66 da

LSA, passando a prever a possibilidade de a CVM autorizar o exercício da função de agente

fiduciário em diversas emissões da mesma companhia.

E ainda, após a entrada em vigor da referida lei, a CVM editou a Instrução

CVM no 519, de 26 de janeiro de 2.012, com a finalidade de flexibilizar a participação de

agente fiduciário em emissões da mesma companhia ou de sociedades do mesmo grupo,

dispondo o seguinte: “o agente fiduciário que atuar nesta função em outra emissão da mesma

companhia, sociedade coligada, controlada, controladora ou integrante do mesmo grupo deve

assegurar tratamento equitativo a todos os debenturistas.”

Ao justificar a modernização do regime do valor mobiliário ora em estudo,

Yazbek explica que “a maior fungibilidade das debêntures como condição para o

desenvolvimento de um mercado para tais títulos” também teria motivado a revisão da

proibição legal de participação de um mesmo agente fiduciário em mais de uma emissão da

mesma companhia ou de sociedades integrantes do mesmo grupo, justificando que “a

concentração de emissões em um mesmo agente fiduciário ajudaria, assim, a uniformizar o

conteúdo dos títulos”.321

Nesse ponto, todavia, temos que discordar. A redação do conteúdo dos títulos,

atualmente, na prática, revela-se mais um trabalho afeito à própria companhia e a seus

assessores financeiros e legais, muitas vezes com a participação dos chamados bancos de

fomento e fundos públicos322

ou de previdência privada, do que um trabalho de uniformização

idealizado pelos agentes fiduciários. Estes são chamados a participar da operação depois que

ela foi totalmente idealizada, aprovada pelos órgãos competentes e com a escritura de emissão

320

Ob. cit., pp. 584-585. 321

Ob. cit., p. 585. 322

A esse exemplo, a ata da assembleia geral de debenturistas da 7a emissão de debêntures simples, não

conversíveis em ações, realizada em 26 de julho de 2013, da GAFISA S.A., publicada no jornal O Estado de S.

Paulo, em 27 de julho de 2013, revela curiosamente que a referida emissão foi integralmente subscrita por um

único debenturista, qual seja, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, representado pela Caixa

Econômica Federal.

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já elaborada, faltando-lhe apenas preencher os espaços deixados para qualificar o agente

fiduciário escolhido pela companhia ou pela instituição financeira participante ou

representante, quando esta decide subscrever a totalidade ou grande parte dos títulos emitidos.

De fato, a proibição legal de atuação do agente fiduciário em mais de uma

emissão da mesma companhia, sem a ressalva de autorização do órgão regulador, era algo

extremamente prejudicial ao mercado de valores mobiliários, haja vista a pouca oferta desse

serviço e o aumento do volume de emissões por uma mesma companhia, ou por sociedades do

mesmo grupo, já que são poucas as macroempresas brasileiras.

Por outro lado, a permanência da proibição no texto da LSA em nada contribui

para o desenvolvimento do mercado. Delegar a competência para a CVM expedir normas

autorizativas da participação de um mesmo agente fiduciário em emissões de uma mesma

companhia, não só gera instabilidade jurídica a um serviço que já é de elevada

responsabilidade, como também coloca em risco a atuação da própria autarquia, já que regular

uma situação de conflito de interesses em abstrato não é tarefa das mais fáceis.

A alteração poderia ter sido mais arrojada se houvesse eliminado a proibição

legal contida na alínea “a” do §3º do art. 66 da LSA, deixando apenas a restrição contida na

alínea “e” do mesmo parágrafo, a qual veda a atuação como agente fiduciário quando, “de

qualquer outro modo, se coloque em situação de conflito de interesses pelo exercício da

função”. É o próprio agente fiduciário que tem as melhores condições de avaliar a existência

de potencial conflito de interesses. Presumir o conflito de interesses e proibir a atuação do

agente fiduciário é prejudicial ao desenvolvimento do mercado de dívida. Melhor seria

proteger os interesses dos debenturistas, quando e se houvesse conflito, responsabilizando e

substituindo o agente fiduciário.

Seria mais salutar para o mercado se, ao invés de proibir, a LSA trouxesse

regras para solucionar situações em que os interesses dos investidores poderiam ser afetados

em razão de eventual relação prévia existente entre o emissor e o agente fiduciário, nos

moldes do Trust Indenture Act, como se mencionou anteriormente ao se analisar o direito

norte-americano.

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7. EMISSÕES SIMULTÂNEAS DE DEBÊNTURES

A LSA estabelecia na redação anterior do §3o do art. 59 que a companhia não

poderia: (i) efetuar nova emissão de debêntures antes de colocados todos os títulos das

séries323

de emissão anterior, ou antes do cancelamento das séries não colocadas; e (ii)

negociar nova série da mesma emissão antes da colocação integral da série anterior ou do

cancelamento do saldo não colocado.324

Essa proibição de emissões simultâneas restringia as oportunidades de uso das

debêntures para a captação de recursos no mercado de renda fixa (ou de dívida), restringindo

o desenvolvimento desse mercado. Yazbek, ao citar Pinheiro Guimarães, explica que a

redação anterior do referido parágrafo servia “para evitar que a companhia emissora acessasse

‘novamente mercado que já se mostrou pouco receptivo às debêntures de emissão ou série

anterior”, bem como levava em conta a “preocupação com a ‘derrama’ irresponsável de

títulos e com os efeitos desta para as séries anteriores”.325

Presumir que os debenturistas e o mercado seriam prejudicados com

lançamentos simultâneos, é antecipar uma preocupação que cabe somente àqueles que

pretendem subscrever o título. É o próprio mercado que deve avaliar os riscos, por meio das

informações divulgadas pela sociedade emissora, existindo mecanismos suficientes para

protegê-los.

323

Como nos ensina Pinheiro Guimarães (Ob. cit., p. 611), “as séries são conjuntos de debêntures que, embora

sejam da mesma emissão e devam se da mesma espécie, podem ser diferentes quanto ao valor nominal e aos

direitos conferidos. As garantias que vierem a ser constituídas em favor dos debenturistas devem beneficiar

igualmente todas as debêntures da mesma emissão.” E prossegue o referido doutrinador, “se a emissão tem uma

única série, a padronização das debêntures é completa. Na emissão com duas ou mais séries, a padronização

somente é obrigatória quanto à espécie, podendo as demais condições – valor nominal, taxa de juros, prêmio de

reembolso, participação no lucro ou conversibilidade em ações – ser distintas.” 324

A redação revogada era a seguinte: “§3º. A companhia não pode efetuar nova emissão antes de colocadas

todas as debêntures das séries de emissão anterior ou canceladas as séries não colocadas, nem negociar nova

série da mesma emissão antes de colocada a anterior ou cancelado o saldo não colocado.” 325

Ob. cit., p. 581.

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A regra revogada era anacrônica e parecia ter sido idealizada no período pós

encilhamento326

, quando as informações e comunicações não fluiam na velocidade dos

tempos atuais e levavam as pessoas a negociarem os títulos com assimetria informacional.

Em benefício do desenvolvimento do mercado, a Lei no 12.431/2011 revogou o

parágrafo 3o do artigo 59 da LSA, anteriormente vigente, conferindo-lhe nova redação nos

seguintes termos:

“§ 3o A assembleia geral pode deliberar que a emissão terá valor e número de série

indeterminados, dentro dos limites por ela fixados.”

Dessa feita, o novo regime jurídico passou a permitir a emissão simultânea ou

concomitante de novas debêntures, sejam elas de nova emissão ou de nova série, o que

certamente beneficia o desenvolvimento do mercado de renda fixa e coloca à disposição das

companhias mecanismos que ampliam os instrumentos de gestão financeira.327

Tome-se, como exemplo, uma grande companhia que tenha diversos projetos

em seu pipeline. Para financiá-los, o melhor instrumento disponível é o título debenturístico.

Imagine-se que dois projetos precisam ser lançados na mesma “janela de oportunidade” do

mercado e, para tanto, dependem do lançamento simultâneo de debêntures. Considere, ainda,

que a companhia prefira lançar duas emissões distintas, uma para cada projeto, de modo a

alocar adequadamente os custos financeiros e de emissão. No regime anterior à Lei no

12.431/2011, tal pretensão seria inviável. Os prejuízos ao desenvolvimento do mercado e à

expansão da atividade econômica eram inequívocos.

326

De acordo com Carvalhosa (Ob. cit., pp. 655-656), “o movimento especulativo no mercado mobiliário do Rio

de Janeiro que trouxe a República e o errático Ministério de Rui Barbosa incentivou, em seus estertores, ou seja,

no final de 1892, o movimento das debêntures, emitidas pelas companhias fantasmas criadas com o intuito de

lesar o público e enriquecer seus incorporadores. No desastre econômico e social que se instalou na praça do Rio

de Janeiro nos anos de 1890 e 1892 lançou-se, como último recurso, a emissão de debêntures por companhias

fictícias. Não tendo mais público para lançar ações, usaram o expediente de emitir debêntures voltadas, segundo

os ‘manifestos’, à consolidação e fusão ‘dos grandes grupos’. Os investidores tiveram os títulos ao portador

(debêntures) a derradeira oportunidade de perder seu patrimônio.” Ao narrar a pesquisa de Jeffrey Needell, que

escrevera a obra Belle époque tropical, conclui o jurista que “a avalancha de debêntures no período de

encilhamento caracterizava-se, nos aspectos criminosamente especulativos, pelas informações privilegiadas a

que tinham acesso os intermediários e os burocratas.” 327

Yazbek (Ob. cit., p. 581) destaca que a retirada da proibição permite “um maior aproveitamento das

oportunidades de captação de recursos eventualmente surgidas durante o período de colocação de uma emissão.

A abertura de tal possibilidade mostra-se ainda mais relevante quando se pensa em companhias de grande porte,

que podem ter distintos projetos para financiar ao mesmo tempo e para as quais, desta maneira, não se mostra

razoável cria restrições daquela natureza.”

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Atualmente, com a nova redação do art. 59, inexiste proibição ao lançamento

simultâneo de debêntures pela mesma companhia, ampliando-se a autonomia da vontade neste

ponto. Nem por isso os debenturistas ficaram desprotegidos. Elevaram-se os padrões de

transparência e se aperfeiçoaram os “mecanismos informacionais”, na opinião de Yazbek328

,

permitindo aos debenturistas amplo acesso às informações dos emissores.

328

Ob. cit., p. 581.

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8. REVOGAÇÃO DOS LIMITES LEGAIS DE EMISSÃO

Esta talvez tenha sido uma das mudanças mais importantes promovidas pela

Lei no 12.431/2011, tanto que foi uma das mais debatidas à época da apresentação da proposta

de reforma da LSA.

O revogado art. 60329

da LSA estabelecia os limites para a emissão de

debêntures, vinculando-o a uma vez o valor do capital social da companhia, como regra. O

referido artigo, ainda, trazia em seu §1o algumas situações em que o limite poderia ser

excedido. Tais hipóteses excepcionais eram aplicáveis à emissão de debêntures com garantia

real - em que se alterava o critério limtador, desvinculando-se do capital social e o vinculando

ao percentual de até 80% do valor dos bens gravados -, e às debêntures com garantia flutuante

– cujo limite era de até 70% do valor contábil do ativo da companhia, diminuído do montante

das suas dívidas garantidas por direitos reais.

Portanto, a regra geral definia que todas as emissões de debêntures não

poderiam superar o valor do capital social. As exceções, previstas no §1o, previam outros

limites para a emissão de debêntures com garantia real e às com garantia flutuante. Já o §4o

flexibilizava a norma por completo, permitindo a emissão de debêntures subordinadas sem

qualquer limite. Estas, por sua vez, eram incentivadas por causa dos custos reduzidos de

emissão, tendo sido amplamente utilizadas pelas instituições financerias.

Ainda, o §3o conferia à CVM amplo poder discricionário para definir outros

limites às emissões de debêntures negociadas no mercado organizado, poder esse que nunca

fora exercido pela Autarquia, como afirma Yazbek, em razão da dificuldade de se estabelecer

as limitações adequadas e riscos de artificialidade de tal regramento.

329

“Art. 60. Excetuados os casos previstos em lei especial, o valor total das emissões de debêntures não poderá

ultrapassar o capital social da companhia. §1º. Esse limite pode ser excedido até alcançar: (a) 80% (oitenta por

cento) do valor dos bens gravados, próprios ou de terceiros, no caso de debêntures com garantia real; (b) 70%

(setenta por cento) do valor contábil do ativo da companhia, diminuído do montante das suas dívidas garantidas

por direitos reais, no caso de debêntures com garantia flutuante. §2º. O limite estabelecido na alínea a do §1º

poderá ser determinado em relação à situação do patrimônio da companhia depois de investido o produto da

emissão; neste caso os recursos ficarão sob controle do agente fiduciário dos debenturistas e serão entregues à

companhia, observados os limites do §1º, à medida em que for sendo aumentado o valor das garantias. §3º. A

Comissão de Valores Mobiliários poderá fixar outros limites para emissões de debêntures negociadas em bolsa

ou no balcão, ou a serem distribuídas no mercado. §4º. Os limites previstos neste art. não se aplicam à emissão

de debêntures subordinadas.”

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125

A origem histórica da limitação da emissão de debêntures ao capital social vem

desde a época da vetusta Lei no 3.150, de 04 de novembro de 1.882, que regulava a criação de

sociedades anônimas e a emissão de obrigações ao portador, com os seguintes dizeres:

“Art. 32. E' permittido ás sociedades anonymas contrahir emprestimo de dinheiro

por meio de emissão de obrigações ao portador.

§ 1º A importancia do emprestimo nunca poderá exceder a totalidade do capital

social.”

(grifo nosso)

O Decreto no 177-A, por sua vez, trouxe a limitação em seu §3

o do art. 1

o 330,

porém balizando-o no “capital estipulado”.

A distinção entre “totalidade do capital social” ou “capital estipulado” foi

objeto de discussão no Senado a respeito do significado da expressão “capital social” – capital

realizado, integralizado, estipulado ou apenas subscrito -, conforme lição de Waldemar

Ferreira a partir de texto relatado e justificado por ninguém menos que Ruy Barbosa.331

Curioso que, desde a época da tramitação do projeto do Decreto no 177-A,

juristas de escol, como Ruy Barbosa, citado por Waldemar Ferreira, já defendiam que a lei

não deveria impor limites à emissão das debêntures pelas companhias, deixando tal mister

para quem lhe fosse conceder o empréstimo, senão vejamos:

“Nossa opinião inclina-se para o mesmo lado: o limite natural, justo, eficaz ao poder

de celebrar empréstimos sobre obrigações ao portador, nas sociedades anônimas,

deve ficar entregue à sagacidade do crédito, esclarecido pela publicidade, garantido

pelas seguranças preferenciais, pignoratícias e hipotecárias, com que as cláusulas do

ajuste o premunirem contra os riscos da operação, em cada caso.

330

“Art. 1º - As companhias ou sociedades anônimas poderão emitir empréstimos em obrigações ao portador

(debêntures), de conformidade com o disposto nesta lei. [...] §3º. O valor total das emissões de uma companhia

não excederá ao capital estipulado nos seus estatutos.” (grifo nosso) 331

Waldemar Ferreira (Ob. cit., p. 46) transcreve em sua obra o texto de Ruy Barbosa que ilustra a discussão a

respeito da limitação imposta à emissão de debêntures e acerca do significado da expressão balizadora de tal

limite, a seguir transcrito parcialmente: “No sentir de uns a faculdade de emitir empréstimos sobre obrigações ao

portador não deve ser sujeita a um máximo legal; porque essa faculdade tem o seu limite natural e indispensável

nas forças de cada associação, isto é, nos limites do seu crédito. Entendem outros que a lei deve restringir às

companhias anônimas esse arbitrio, impondo-lhes raias uniformes. Mas onde abalizar essas raias? Querem uns

que no capital nominal de cada associação; outros, que no capital realizado. Em qual desses sentidos se

pronuncia a legislação brasileira? Em face da lei de 1882, ‘a importância do empréstimo nunca poderá exceder à

totalidade do capital social. No decreto de 1890 as expresões são equivalentes: ‘A importância de tais

empréstimos não pode exceder o valor do fundo social na sua totalidade’.” (grifos nossos)

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126

Não é so a França que nos ministra exemplos em apoio dessa prática. Num país de

hábitos morigerados em matéria comercial, como a Alemanha, a exposição de

motivos prefixa à lei de 18 de julho de 1884 orçava a soma total dos empréstimos

contraídos pelas 101 sociedades anônimas alemãs, que tinham emitido obrigações,

em 2.377 milhões de marcos, quando o capital dessas companhias não passava de

2.200 milhões.”332

Alfredo Russel explica que a limitação da emissão procurou manter a

porporção entre o poder econômico da sociedade e a importância total dos empréstimos,

evitando que a sociedade especule com os fundos obtidos por meio de tais operações e

despreze a formação do capital. Recorda-nos, ainda, que Inglez de Souza era contrário à

limitação de emissão de obrigações e chegou a propor a supressão do limite em seu Projeto de

Código Comercial.333

Carvalhosa334

recorda que a referência ao capital social chegou a ser

substituída, ainda que por curto período, pela importância do patrimônio líquido da

companhia, apurado nos termos fixados pelo Conselho Monetário Nacional, conforme

estabelecido no art. 26, §1°, da Lei no 4.728, de 14 de julho de 1965

335.

Em que pese tal alteração, a LSA adotou o critério de referência baseado no

capital social, o que foi objeto de pesadas críticas da doutrina por não refletir o valor efetivo

do patrimônio da companhia. Nas palavras de Tavares Borba, reproduzidas por Carvalhosa, “a

nova lei retorna, nesse passo, à velha mística do capital social e o institui como limite

genérico de emissão. Sabendo-se que o capital social não é um indicador de consistência

econômica, mas, ao contrário, um mero dado formal e contábil, a opção do legislador afigura-

se sobremaneira criticável”336

.

Prossegue, ainda, Carvalhosa em sua crítica à LSA, nos seguintes termos:

332

Ob. cit., p. 56. 333

Ob. cit., pp. 518-519. 334

Ob. cit., p. 819. 335

“Art. 26. As sociedades por ações poderão emitir debêntures, ou obrigações ao portador ou nominativas

endossáveis, com cláusula de correção monetária, desde que observadas as seguintes condições: […] §1°. A

emissão de debêntures nos têrmos dêste artigo terá por limite máximo a importância do patrimônio líquido da

companhia, apurado nos têrmos fixados pelo Conselho Monetário Nacional.” 336

Ob. cit., p. 820. Yazbek também transcreve o trecho de Tavares Borba, porém extraído de sua obra Das

Debêntures, enquanto que o texto de Carvalhosa foi retirado do artigo do mesmo autor, publicado na Revista de

Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro.

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“E, com efeito, esse erro crasso numa lei que os seus arautos declaravam

‘moderníssima’, editada numa época (1976) em que o valor do patrimônio líquido já

era referência para qualquer análise de valor e de investimento, vem demonstrar o

intento de deixar aberta a porta para a emissão de debêntures por qualquer

companhia que ostente um valor de capital nominal compatível com a emissão,

independentemente de ser ou não o seu patrimônio líquido negativo ou de qualquer

forma altamente comprometido. Poder-se-ia argumentar que, não obstante o critério

perverso usado pelo legislador de 1976, no que respeita à proteção dos tomadores,

haverá sempre um exame prévio por parte dos analistas do mercado sobre a

viabilidade da emissão.”337

Além das manifestações recorrentes da doutrina sobre a vinculação dos limites

de emissão ao capital social do emissor, Yazbek relata o problema em sociedades constituídas

para o financiamento de projetos, em que a parcela dos empréstimos a serem tomados podem

superar em muito o capital social integralizado, sendo os limites de emissão das debêntures

impeditivos aos empreendimentos alavancados em instrumentos de dívida.338

Quais eram as funções dos limites impostos às emissões de debêntures? Como

nos ensina Sergio Luoni, grande parte da doutrina e jurisprudência italianas defendem que o

limite do capitale versato, e existente conforme último balanço aprovado, tem a função de

garantia para o obrigacionista. Tem por finalidade impedir o endividamento da sociedade que

não for garantido, ao menos, por uma correspondente cobertura patrimonial.339

Por outro lado, parte da doutrina italiana reconhece que a finalidade principal,

na verdade, é assegurar uma equilibrada distribuição do risco da atividade empresarial entre o

acionista e o debenturista. O objetivo do limite seria o de impedir a sociedade subcapitalizada

de se financiar mediante empréstimos realizados em massa com apelo à poupança popular.

Neste caso, a função de garantia do debenturista se opera de maneira indireta, tendo em vista

que o equilíbrio financeiro entre o capital-ações e o capital-obrigações se constitui uma

garantia eficaz da solvabilidade da empresa.340

337

Ob. cit., p. 820. 338

Ob. cit., p. 583. 339

Ob. cit., pp. 102-103. Na Itália, o CCI estabelece como limite de emissão duas vezes o valor do capital social,

da reserva legal e da reserva disponível resultante do último balanço aprovado, conforme explica Andrea

Gianelli (Ob. cit., p. 85): “La società può emettere obbligazioni al portatore o nominative per somma

complessivamente non eccedente il doppio del capital sociale, della riserva legale e delle riserve disponibili

risultanti dall’ultimo bilancio approvato.” 340

Tradução livre, com adaptações, do seguinte texto: “Anche sulla scia di queste considerazioni parte della

dottrina sviluppatasi sotto il codice del 1942 ha ritenuto di individuare nel limite di cui all’allora art. 2410 c.c.

la finalità principale «di assicurare un’equilibrata distribuzione del rischio dell’attività d’impresa tra azionisti e

obbligazionisti». Lo scopo del limite sarebbe cioè quello di impedire che società sottocapitalizzate possano

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No Brasil, com as recentes alterações, o art. 60 da LSA foi integralmente

revogado, retirando-se completamente do ordenamento jurídico o superado limite legal para a

emissão de debêntures.

finanziarsi mediante ingenti capitali di prestito raccolti emettendo titoli di massa, e quindi, mediante appello al

pubblico risparmio in forma cartolare. In quest’ottica la funzione di «garantia» del capital per gli

obbligazionisti, si è osservato, opera in via puramente inidretta, nel senso che l’equilibrio finanziario che viene

assicurato dal rapporto capitale azionario-capitale obbligazionario costituirebbe un’efficace garanzia (in senso

economico, si è precisato) della solvibilità dell’impresa.” (Sergio Luoni, ob. cit., p. 103).

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CAPÍTULO III – MERCADO DE DEBÊNTURES

1. FUNCIONAMENTO DO MERCADO DE DEBÊNTURES NO

BRASIL

1.1. Histórico do mercado de debêntures

A Associação Nacional das Instituições do Mercado Aberto, conhecida como

ANDIMA, em comemoração aos 10 anos de criação do SND (Sistema Nacional de

Debêntures), lançou em 1.998 um Estudo Especial341

que trouxe um excelente trabalho de

delimitação histórica da evolução do mercado de debêntures no Brasil.

O referido estudo divide a evolução histórica do mercado em quatro fases, a

seguir resumidas:

- 1a fase (de 1.882 a 1.965): inicia-se na época do Império, passando

pela Proclamação da República e se encerra com o processo

inflacionário, de 1.950 em diante, e a estagnação da economia

brasileira - que impossibilitava a emissão de debêntures, por ausência

de mecanismos de recomposição do valor da moeda, como a correção

monetária. Neste período, houve intensa produção legislativa em

matéria societária e no tocante à emissão de títulos de dívida pelas

companhias;

- 2a fase (de 1.965 a 1.976): o marco inicial é fixado a partir da Lei

no 4.728, de 14 de julho de 1.965, que passou a permitir a emissão de

obrigações com cláusula de correção monetária (Seção V, art. 26), a

emissão de debêntures ou obrigações endossáveis (Seção VI, art. 40) e

a emissão de debêntures ou obrigações conversíveis em ações (Seção

341

Estudos especiais: SND - Sistema Nacional de Debêntures - Rio de Janeiro: ANDIMA, 1998.

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130

VII, art. 44). Em tal período, também, realizaram-se importantes

mudanças no Sistema Financeiro Nacional342

, inclusive com a criação

do Conselho Monetário Nacional (CMN) e a do Banco Central do

Brasil (BACEN). Destaca-se, nesta fase, a movimentação legislativa e

regulatória, por meio das resoluções do BACEN, com o objetivo de

aperfeiçoar o mercado financeiro e de capitais;

- 3a fase (de 1.976 a 1.993): duas leis foram importantíssimas para

inaugurar esta fase do mercado de dívida brasileiro: a Lei no

6.385, de

7 de dezembro de 1.976; e a Lei no 6.404, de 15 de dezembro de

1.976. A primeira, criou a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e

apresentou um rol de valores mobiliários sujeitos à fiscalização da

nova autarquia, dentre eles as debêntures (art. 2o, inciso I). A

segunda, trouxe um novo regime jurídico às sociedades anônimas e,

também, aprimorou a sistemática de emissão das debêntures343

,

consolidando a sua disciplina jurídica. De acordo com o estudo da

ANDIMA, nesta fase, a estrutura de incentivos públicos aos setores

produtivos da economia impediu o desenvolvimento do mercado de

debêntures no Brasil.344

Além disso, diversas normas editadas pelo

BACEN e pela CVM desestimularam o mercado de debêntures

naquele período;345

342

A definição de Sistema Financeiro Nacional encontra-se no §4o. do art. 23, da Lei n

o 4.728/65, que diz: “O

sistema financeiro nacional, para os efeitos dêste artigo, compreende o mercado de capitais e todas as

instituições financeiras, públicas ou privadas, com sede ou autorizadas a funcionar no País.”

343 Neste ponto, o Estudo Especial revela a seguintes inovações na disciplina das debêntures: “ampliação das

espécies de debêntures passíveis de serem emitidas; fixação de novos limites para a emissão de debêntures,

vinculados às garantias oferecidas, e criação da debênture subordinada - sem limite para emissão; permissão para

emissão de debêntures com valor nominal expresso em moeda estrangeira e sua colocação no exterior; criação da

figura do Agente Fiduciário, em substituição à Comunhão de Interesses dos debenturistas; definição dos registros

da escritura de emissão, obedecendo aos padrões de cláusulas e condições aceitos pela CVM; permissão para

emissão de Cédulas Pignoratícias de Debêntures (Cédulas de Debêntures, segundo a Lei no 9.457/97) por

instituições financeiras autorizadas; […] atribuição à CVM do controle e da determinação das normas referentes

à emissão de debêntures.” (Ob. cit., pp. 14-15). 344

O estudo destaca, ainda, a elevada concentração dos underwriters e dos subscritores dos títulos no mercado

de debêntures brasileiro: “Apenas oito instituições responderam por 70% das emissões públicas, que

representavam 80% do volume ofertado. Do lado dos investidores, aproximadamente metade dos títulos se

encontrava nas carteiras das Entidades de Previdência Privada e dos extintos Fundos Fiscais 157 – criados com o

objetivo de canalizar recursos para o mercado acionário através da captação de parte do IR devido por pessoas

físicas. O restante integrava as reservas técnicas das Companhias Seguradoras e das Insituições Financeiras. Não

mais do que 5% das debêntures em circulação estavam nas mãos do público em geral.” (Ob. cit., p. 15) 345

Destacam-se as seguintes: (i) “restrição imposta pelas Resoluções nos

756/82 e 794/83, do CMN, que vedaram

a aquisição de debêntures por fundos de pensão e bancos comerciais”; (ii) “Circular no 1.773, do Banco Central

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- 4a fase (de 1994 a 1998): período marcado pela estabilização

econômica, a partir da edição do chamado Plano Real. Algumas

medidas adotadas pelo governo federal estimularam a emissão de

debêntures, tornando o mercado novamente atrativo para as

companhias brasileiras, como é o caso das sociedades de leasing.

Como o estudo foi elaborado em 1.998, acrescentaríamos uma quinta fase que

teria início em 2.011, com a entrada em vigor da Lei no 12.431, daquele mesmo ano, que

como visto anteriormente, produziu uma série de mudanças no regime jurídico das

debêntures, com o objetivo de estimular o mercado de dívida brasileiro. Iniciativas de

entidades do mercado também contribuíram para estimular o desenvolvimento do mercado.

Dentre elas, destaca-se a proposta de criação do Novo Mercado de Renda Fixa, apresentada

pela ANBIMA, no primeiro semestre de 2011346

, que viria posteriormente dar origem ao

Código ANBIMA de Regulação e Melhores Práticas para o Novo Mercado de Renda Fixa347

,

que entrou em vigor em outubro do mesmo ano. Além disso, o referido ano marca a inversão,

de maneira constante e crescente, da proporção de emissão de debêntures em comparação à de

ações.348

proibiu a realização de operações compromissadas com debêntures – instituídas pela Resolução n

o 1.088/86, do

CMN -, afetando o desempenho deste nicho de mercado durante um longo período”. (Ob. cit., pp. 16-17) 346

Artigo de Luiz Rafael de Vargas Maluf, publicado na Revista Capital Aberto (Renda Fixa Ganha “Novo

Mercado”. Edição: Ano 8, No. 93, Maio 2011). Disponível em:

http://www.capitalaberto.com.br/ler_artigo.php?pag=2&sec=121&i=3950. Acesso em: 03/08/2013. 347

Disponível em: http://www.anbima.com.br/mostra.aspx/?op=o&id=102. Acesso em: 03/08/2013. 348

Quadro comparativo produzido pela CVM e ANBIMA, atualizado em 11/07/2013, demonstra que em 2.011,

2.012 e 2.013 o volume de debêntures emitidas superou em muito a emissão de ações, conforme resumido a

seguir:

ANO AÇÕES DEBÊNTURES

2011 18.982,00 48.500,00

2012 14.300,00 88.446,00

2013 17.722,00 33.224,00

Disponível em: http://www.debentures.com.br/dadosconsolidados/comparativovaloresmobiliarios.asp. Acesso

em: 03/08/2013.

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1.2. Sistemas de registro, custódia, compensação e liquidação de debêntures

Atualmente, a CETIP – Central de Custódia e Liquidação Financeira de Títulos

(Cetip), mantém dois sistemas que são utilizados para o registro da colocação e negociação de

debêntures: o Sistema de Distribuição de Títulos (SDT) e o Sistema Nacional de Debêntures

(SND).

O SDT – Sistema de Distribuição de Títulos foi criado em 1.986 e tem por

finalidade operacionalizar e dar suporte às colocações públicas de valores mobiliários,

realizadas pelas sociedades anônimas de capital aberto, necessariamente registradas na CVM.

Trata-se de sistema eletrônico que permite a colocação das debêntures no mercado primário,

por meio dos underwriters, sem a necessidade de emitir boletim de subscrição, sendo a

emissão automática.349

Após a colocação, o sistema eletrônico efetua o lançamento das debêntures

subscritas, mediante depósito nas posições dos adquirentes, e as transfere automaticamente

para o SND, após a liquidação financeira.350

Já o SND - Sistema Nacional de Debêntures foi criado no mesmo ano do SDT,

pela ANDIMA (atualmente, ANBIMA) e outras entidades representativas do mercado, com o

objetivo de tornar as operações financeiras mais eficientes e seguras, por meio da escrituração

das colocações de títulos privados351

, no âmbito do mercado secundário. O sistema foi

transferido, em 1o de julho de 2.008, para a Cetip S/A Balcão Organizado de Ativos e

Derivativos, sociedade constituída após a abertura de capital da Câmara de Custódia e

Liquidação (Cetip)352

.

349

Estudos especiais, p. 35. 350

Estudos especiais, p. 35. 351

“O Sistema foi estruturado nos moldes do SELIC - Sistema Especial de Liquidação e Custódia, que havia sido

lançado em novembro de 1979 para efetuar o controle escritural das operações realizadas com papéis públicos.” 352

A Cetip foi criada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), em 1.984, passando a operar a partir de 1.986.

As linhas a seguir retratam o momento vivido pelo Brasil no ano de sua inauguração: “Em 1986, em uma década

que marcou o Brasil com grandes transformações, nascia a Cetip. À época, diversas mudanças aconteciam em

âmbito político, econômico, social e cultural. A empresa — instituída pelo Conselho Monetário Nacional

(CMN), em 1984, e que passou a operar em março de 1986 — surgiu como o porto seguro das instituições

financeiras e ajudou o Brasil a superar diversos desajustes financeiros e seus planos econômicos.” Além da

origem, as funções da central são destacadas em seu sítio eletrônico, a saber: “A Cetip é a integradora do

mercado financeiro. É uma companhia de capital aberto que oferece serviços de registro, central depositária,

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A Cetip, por sua vez, opera o mercado de balcão de debêntures em todas as

suas etapas: registro/negociação, custódia, compensação e liquidação financeira de operações.

Integra os sistemas de liquidação de operações com títulos, valores mobiliários, derivativos e

câmbio interbancário, no âmbito do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB)353

.

No tocante à normatização do SPB, a Lei no 10.214, de 27 de março de 2.001,

que resultou da conversão da Medida Provisória no 2.115-16/2001, passou a regular a atuação

das câmaras e dos prestadores de serviços de compensação e de liquidação.

Além disso, a Resolução no 2.882, do Conselho Monetário Nacional,

estabeleceu os princípios básicos de funcionamento do SPB, seguindo as recomendações

efetuadas pelo BIS - Bank for International Settlements e pela IOSCO - International

Organization of Securities Commissions, destacando-se os seguintes: princípios da eficiência,

segurança, integridade e confiabilidade.354

Ainda, a Lei no 10.214/2011, em seu art. 2

o, especifica os sistemas e

procedimentos compreendidos no Sistema de Pagamentos Brasileiro, dentre eles, “as

entidades, os sistemas e os procedimentos relacionados com a transferência de fundos e de

outros ativos financeiros, ou com o processamento, a compensação e a liquidação de

pagamentos em qualquer de suas formas.”

Já os sistemas específicos de compensação e liquidação de operações com

títulos e valores mobiliários, aplicáveis às debêntures, integram o SPB e dependem de

“autorização concedida às respectivas câmaras ou prestadores de serviços de compensação e

de liquidação, pelo Banco Central do Brasil ou pela Comissão de Valores Mobiliários, em

negociação e liquidação de ativos e títulos. Por meio de soluções de tecnologia e infraestrutura, proporciona

liquidez, segurança e transparência para as operações financeiras, contribuindo para o desenvolvimento

sustentável do mercado e da sociedade brasileira. A empresa é, também, a maior depositária de títulos privados

de renda fixa da América Latina e a maior câmara de ativos privados do país.” (Disponível em:

http://www.cetip.com.br/Institucional/Historia-HaMaisDe25AnosACompanhiaIntegraOMercadoFinanceiro#!.

Acesso em: 01/12/2013). 353

O Banco Central do Brasil (BACEN), em reforma introduzida nos anos de 2.001 a 2.002, colocou em

funcionamento o Sistema de Transferência de Reservas (STR), de modo a aperfeiçoar a administração de riscos,

o que deu origem a uma nova fase do Sistema de Pagamentos Brasileiro, permitindo a liquidação em tempo real,

em caráter irrevogável e incondicional, o que possibilitou a redução dos riscos de crédito e de liquidez nas

operações interbancárias, bem como minimizou o chamado risco sistêmico. Ver informações em:

http://www.bcb.gov.br/?SPBINTROD. 354

O art. 3o da Resolução CMN n

o 2.882 traça as regras gerais a serem observadas nos sistemas de pagamentos,

que incluem a Cetip e o SND.

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suas áreas de competência”, confome disposto no inciso III, parágrafo único, do artigo 2o

anteriormente referido.

Com relação ao funcionamento do SDT – Sistema de Distribuição de Títulos,

onde ocorre a colocação pública de debêntures no mercado primário, devem ser observados os

seguintes procedimentos355

:

(a) Registro da emissão perante a CVM por companhia aberta. Se se

tratar de companhia fechada, devem-se efetuar dois registros na

CVM: de companhia aberta e da colocação pública de valores

mobiliários;

(b) Contratação de instituição financeira (pode ser uma ou mais),

que será a coordenadora ou líder para a distribuição dos títulos

no mercado;

(c) Cadastro no SDT, tanto da sociedade emissora como do título a

ser emitido, elaboração e envio do modelo de boletim de

subscrição à CVM. Com o registro da emissão perante a CVM,

passa-se ao lançamento dos debenturistas no sistema.

O SND – Sistema Nacional de Debêntures, por sua vez, conforme seu manual

de operações, registra todas as debêntures de colocação pública aprovadas pela CVM. Com o

registro da emissão naquela Autarquia, a Cetip efetua o registro das debêntures no SND e, na

sequência, deposita-as no módulo de distribuição de títulos (SDT). Com a colocação das

debêntures no mercado, a emissão dos boletins de subscrição e a liquidação financeira, os

títulos subscritos são lançados na conta de cada participante (debenturista).356

355

Estudos especiais, pp. 41-43. 356

Manual de Operações do SND, p. 4. Disponível em: http://www.cetip.com.br/Upload/manuais_de_operacoes.

Acesso em: 04/08/2013.

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135

Carvalhosa destaca que o SND, o SDT e a Cetip “são disciplinados pelas

normas de autorregulação, representadas pelos respectivos Regulamentos de Operações dos

três segmentos.”357

Além dos sistemas da Cetip, a BMF&Bovespa possui dois sistemas para

negociação de títulos privados de renda fixa: (i) Bovespa Fix; e (ii) Soma Fix.

O primeiro é definido como o segmento de negociação de títulos e valores

mobiliários de renda fixa no mercado de bolsa administrado pela BM&FBOVESPA, sendo

que os participantes desse segmento farão o registro da oferta no sistema para manifestar sua

intenção de compra ou venda de determinado ativo e as negociações serão realizadas em uma

ou mais rodas autorizadas pela própria bolsa. O Bovespa Fix é uma plataforma de negociação

eletrônica de ativos.

Já o Soma Fix é a negociação de títulos e valores mobiliários de renda fixa

privada no mercado de balcão organizado da BM&FBovespa, com funcionamento

assemelhado ao do Bovespa Fix e, também, em plataforma de negociação eletrônica de ativos.

Na fase de pós-negociação, a BMF&Bovespa possui câmara de compensação, liquidação e

gerenciamento de riscos de operações no segmento Bovespa e central depositária de ativos

(anteriormente denominada CBLC).

A doutrina revela, ainda, que “grande parte das operações do mercado

secundário (e também, entre nós, primário) de debêntures são realizadas no mercado de

balcão organizado”.358

Cumpre destacar, por outro lado, que a emissão de debêntures também pode se

dar no mercado de balcão não organizado, que é aquele em que as operações são realizadas

entre as instituições financeiras e as sociedades distribuidoras de valores mobiliários,

sociedades que tenham por objeto a compra de valores mobiliários em circulação no mercado,

para os revender por conta própria, e as sociedades ou agentes autônomos que tenham a

357

Ob. cit., p. 817, nota de rodapé 371. 358

Carvalhosa, ob. cit., p. 816.

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função de mediação de valores mobiliários, desde que não realizadas em bolsa ou em sistemas

administrados por entidades de mercado de balcão organizado.359

Em razão dos sistemas centralizados de custódia e compensação e de sua forma

escritural, as debêntures “vêm cada vez mais se restringindo aos investidores

institucionais”360

.

Comparativamente, nos Estados Unidos, a New York Stock Exchange (NYSE)

possui a plataforma de negociação eletrônica chamada NYSE Bonds, que é uma das maiores

plataformas centralizadoras do mercado de bonds norte-americano, sendo que a compensação

e a liquidação são realizadas pela National Securities Clearing Corporation (NSCC), uma

subsidiária da The Depository Trust & Clearing Corporation (DTCC), de maneira

centralizada, melhorando a eficiência do sistema e reduzindo os custos e os riscos da

atividade.361

Importantes mudanças foram realizadas no mercado de bonds norte-americano

para dar mais transparência às operações realizadas. Em julho de 2.002, introduziu-se o

Transaction Reporting and Compliance Engine (TRACE), que passou a obrigar os

participantes do mercado a informar à NSCC sobre todas as negociações realizadas com

bonds ofertados publicamente, tornando a informação disponível para o público em geral.

Da mesma forma, os bonds ofertados publicamente devem ser registrados na

Securities and Exchange Commission (SEC) ou podem ser colocados em ofertas privadas aos

359

Art. 21, §3o, c.c. art. 15, I, II e II, ambos da Lei n

o 6.385/1.976.

360 Carvalhosa, ob. cit., p. 816.

361 O mercado secundário norte-americano responde por 99% de todas as transações realizadas com valores

mobiliários naquele país. Existem dois principais mercados para a negociação de valores mobiliários nos Estados

Unidos, conforme nos explica Palmiter (Ob. cit., pp. 2-3): “There are two principal markets for public trading of

securities in the United States: exchange markets and over-the-counter markets. On the exchange markets buy

and sell orders arrive at a centralized location where ‘specialists’ maintain a ‘book’ of orders to match buyers

and sellers – a continuous auction. The New York Stock Exchange (NYSE) is the largest and most famous stock

exchange. In the over-the-counter (OTC) markets buying and selling occurs between securities firms that have

access through computer terminals and price sheets to information on bidding and selling prices offered by

other securities firms. The most famous OTC market is NASDAQ, an electronic ‘spider’s web’ originally created

by the nonprofit National Association of Securities Dealers to permit its members linked by computer to quote

prices and make trades with each other (NASDAQ is now an independent nonprofit organization). Securities

firms that use NASDAQ act as intermediaries (brokers) in matching customer orders or as principals (dealers)

trading for their own account. In addition to the exchanges and the OTC markets, new computer-based trading

systems create possibilities for investors (particularly large institutional investors and securities firms) to trade

directly without the need for additional intermediaries. Known as electronic communication networks (ECN’s),

these alternatives trading systems allow their subscribers to trade privately and at less expense.”

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chamados accredited investors – são os investidores qualificados ou institucionais. Além

disso, as sociedades emissoras contratam agências de risco para avaliarem a sua credibilidade

e a sua capacidade financeira para honrar os compromissos de pagamento assumidos nas

escrituras de emissão.362

1.3. Proposta do Novo Mercado de Renda Fixa

É consenso entre os doutrinadores, o mercado e o próprio órgão regulador, que

há a necessidade de desenvolvimento do mercado de renda fixa, ou de dívida corporativa, no

Brasil, por diversas razões, em especial para ampliar o número de ofertas nesse mercado e,

também, para estimular a sua liquidez363

– com o aumento das negociações de títulos no

mercado secundário.

Ao analisarmos, neste trabalho, as recentes mudanças na LSA, ficou claro que

a motivação decorreu da necessidade de aperfeiçoamento das regras para criação, emissão e

colocação de debêntures, permitindo a ampliação do acesso ao mercado de dívida privado e o

seu consequente desenvolvimento.

Alinhando-se a essas alterações e com o objetivo de dar mais transparência ao

mercado, a ANBIMA (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de

Capitais) resolveu lançar a iniciativa de criação, no âmbito da autorregulação, do chamado

Novo Mercado de Renda Fixa (NMRF) no Brasil.

362

BESSEMBINDER, Hendrik; MAXWELL, William. Markets: Transparency and the Corporate Bond Market.

The Journal of Economic Perspectives. Vol. 22. Nº 2. American Economic Association, 2008, pp. 217-234. 363

A liquidez é uma das funções do mercado de capitais e significa a possibilidade de rapidamente vender um

determinado título, conforme lição de Rachel Sztajn, anteriormente transcrita neste trabalho. Para Palmiter (Ob.

cit., p. 3), o mercado de capitais possui três funções básicas: “Capital Formation. Securities markets bring

together capital-laden investors and capital-needy businesses, whether through the issuance of equity securities

(common stock and preferred stock) or debt securities (bonds, debentures, notes, and commercial papers).

Liquidity. Securities markets bring together investors wishing to sell (or liquidate) their investment and new

investors willing to buy. Liquidity, the ability readily to sell an investment instrument, is an important attribute

of securities, and its availability often determines wheter investors will invest in the first place. Risk

management. Securities markets permit investors to minimize risk by diversifying and hedging their investments.

By purchasing a basket of securities with different risks, investors can create a diversified portfolio whose

overall risk is lower than that of its components. […]”.

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Diz a própria ANBIMA que o objetivo do NMRF é desenvolver o mercado de

títulos privados de renda fixa no Brasil, ampliando as possibilidades de captação de recursos

de longo prazo para financiamento das sociedades brasileiras364

, conforme se depreende da

própria redação do artigo 1o do Código de Regulação e Melhores Práticas para o Novo

Mercado de Renda Fixa:

“O objetivo deste Código ANBIMA de Regulação e Melhores Práticas para o Novo

Mercado de Renda Fixa (“Código”) é estabelecer princípios e normas que deverão

ser observados pelas Instituições Participantes abaixo definidas nas ofertas públicas

dos títulos e valores mobiliários previstos no parágrafo abaixo, com a finalidade de

criar as condições necessárias para o surgimento no Brasil de um mercado de

renda fixa capaz de financiar parcelas significativas dos investimentos que

serão necessários para o desenvolvimento sustentado da economia

brasileira.”365

(grifo nosso)

Tal iniciativa é extremamente louvável sob o aspecto de estímulo ao mercado e

de abertura de um novo canal de financiamento de longo prazo para as sociedades admitidas a

ingressar nesses novos segmentos.

Muito ainda se tem que avançar para que o mercado atinja níveis de

desenvolvimento e maturidade vistos em outros países. Todavia, a iniciativa da ANBIMA

lança a pedra fundamental e prepara as ferramentas necessárias para a construção desse novo

mercado de dívida, tão necessário em nosso país.

Ainda, nos termos do art. 2o do referido Código, o NMRF será composto de

dois segmentos: (i) Novo Mercado de Renda Fixa de Longo Prazo; e (ii) Novo Mercado de

Renda Fixa de Curto Prazo.

O Código define apenas o segmento de longo prazo, estabelecendo que o

mesmo será formado por títulos ou valores mobiliários que observarem o prazo médio

ponderado superior a quatro anos, sem recompra nos dois primeiros anos. Outro requisito

desse segmento é o limite de aquisição pela própria companhia emissora de até 5% do volume

total de cada série de emissão (art. 2o, §2

o), incluindo-se nesse limite as aquisições realizadas

364

Disponível em: http://www.anbima.com.br/nmrf/o_nmrf/o_que_e.asp. Acesso em: 07/08/2013. 365

Disponível em: http://portal.anbima.com.br/financas-corporativas/regulacao/novo-mercado-renda-

fixa/Documents/Código%20Novo%20Mercado%20de%20Renda%20Fixa.pdf. Acesso em: 07/08/2013.

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“por todas as entidades que compõem o conglomerado econômico-financeiro do emissor”366

(art. 2o, §3

o).

Silenciou-se a respeito dos requisitos do segmento de curto prazo, razão pela

qual nos resta interpretar que a sua composição é residual. Forma-se, portanto, com títulos ou

valores mobiliários cujas características não se enquadrem no segmento de longo prazo.

Além da necessidade de enquadramento das características do valor mobiliário

em um dos dois segmentos do Novo Mercado, as ofertas públicas para distribuição primária

no referido mercado também devem observar certos requisitos cumulativos previstos no art.

4o do referido Código.

Dentre os requisitos que mais se destacam, podemos citar os seguintes: (i)

oferta deve “ser subscrita ou adquirida por, no mínimo, 10 (dez) investidores, com

participação individual máxima de 20% (vinte por cento)”; (ii) “o valor unitário de cada título

ou valor mobiliário ofertado deve ser de R$1.000,00 (mil reais)”; (iii) o título deve possuir

avaliação de risco de crédito (rating), realizada anualmente, por agência classificadora de

risco com atuação no Brasil; (iv) ofertante deve contratar instituição formadora de mercado

para, no mínimo, os doze primeiros meses da colocação; (v) previsão, na escritura de emissão,

de obrigação de aquisição dos títulos pelo emissor, caso haja solicitação do investidor, nas

seguintes hipóteses: descumprimento dos requisitos de emissão exigidos pelo Código; ou em

caso de alienação ou transferência de controle direto, ou ainda de alienação do controle

indireto.

Além do mais, para a realização da oferta de distribuição primária em um dos

segmentos do Novo Mercado de Renda Fixa, a sociedade emissora deverá ser Instituição

Participante, ou seja, entidade filiada à ANBIMA ou, ao menos, aderente ao seu Código de

Regulação e Melhores Práticas para as Ofertas Públicas de Distribuição e Aquisição de

Valores Mobiliários.

366

E o que seria “conglomerado econômico-financeiro”? Parece-nos que a expressão utilizada não foi das mais

felizes. O conceito não é jurídico. Melhor seria se o Código tivesse utilizado definições já conhecidas, ou pelo

menos positivadas, tais como grupo societário (inclusive, o de fato) ou grupo econômico. Se não quisesse fazer

uso de tais institutos, dever-se-ia ter definido o termo no próprio Código.

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Realizando-se a oferta nos termos acima expostos, após análise e concessão do

registro por aquela entidade, tem-se como resultado a autorização para o uso do Selo

ANBIMA para o Novo Mercado de Renda Fixa, nos termos do art. 7o, caput, do referido

Código.

De um lado, enquanto louvamos a iniciativa no âmbito da autorregulação do

mercado, temos que do, outro lado, o avanço gerou pouco resultado prático para a finalidade

que se esperava – desenvolver o mercado e melhorar a sua liquidez. Conforme informação da

própria entidade, até o primeiro semestre de 2.013, foram registradas cinco ofertas no Novo

Mercado, sendo que quatro permanecem registradas e uma delas perdeu o selo.367

Isto em

matéria de novas colocações. Já com relação ao aumento das negociações no mercado

secundário, os registros mostram que, em 2.012, houve recorde de séries negociadas sem

correlação direta com o lançamento do Novo Mercado de Renda Fixa.368

Talvez o que falte para o desenvolvimento do mercado, tomando-se como base

a iniciativa da ANBIMA, seria a criação desse novo mercado no âmbito das entidades

responsáveis pela listagem das ofertas (Cetip e BMF&Bovespa).

Atualmente, como está, o mercado de debêntures não possui segmentos

especiais de listagem na Cetip ou na BMF&Bovespa, nos moldes do que já existe para o

mercado de ações. Com a criação de segmento especial, os títulos de dívida poderiam ser

negociados separadamente – hoje, a distinção se faz apenas pelo selo da ANBIMA e não atrai

tantos emissores.

Tal distinção é relevante para os especialistas de mercado, aqueles que detêm

conhecimento suficiente das normas de regulação e autorregulação, mas não dos investidores

não profissionais ou não institucionais que poderiam aplicar seus recursos no mercado de

renda fixa brasileiro.

367

As companhias emissoras registradas foram CEMIG Geração e Transmissão, BNDESPar, Algar e CEMIG

Distribuição. Disponível em: http://portal.anbima.com.br/informacoes-tecnicas/estudos/financiamento-de-longo-

prazo/Pages/default.aspx. Acesso em: 08/08/2013. 368

Informações disponíveis em: http://portal.anbima.com.br/informacoes-tecnicas/boletins/renda-

fixa/Documents/brf_38_jan2013.pdf. Acesso em: 08/08/2013.

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O aumento das ofertas, no mercado primário, e das negociações com títulos e

valores mobiliários, no mercado secundário, a nosso ver, dependem da criação de segmento

de listagem especial nas entidades que operam os mercados de bolsa e de balcão, como

ocorreu com o segmento do Novo Mercado de ações da BMF&Bovespa. A criação desse

segmento especial – que poderia ser chamado de Novo Mercado de Debêntures -, poderia

atrair investidores dos mais variados e aumentar a liquidez desse tipo de valor mobiliário,

mediante o estabelecimento de determinados critérios mínimos que assegurem transparência,

liquidez e elevados padrões de conduta, a exemplo do que já foi estabelecido pela ANBIMA.

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CAPÍTULO IV - PROBLEMAS E QUESTÕES ATUAIS DAS

DEBÊNTURES

1. EMISSÃO DE DEBÊNTURES POR SOCIEDADES LIMITADAS E

COOPERATIVAS

Tem-se como premissa que a emissão de debêntures é exclusiva das sociedades

anônimas. A possibilidade de emissão de debêntures está prevista no art. 52 da LSA, que

estabelece: “A companhia poderá emitir debêntures que conferirão aos seus titulares direito de

crédito contra ela, nas condições constantes da escritura de emissão e, se houver, do

certificado.”

Além das sociedades anônimas, não podemos esquecer que as sociedades em

comandita por ações, cujo regime jurídico está inserido na LSA e se submete às mesmas

regras das sociedades anônimas, podem também emitir debêntures. O art. 284 veda apenas a

emissão de bônus de subscrição pela comandita por ações e não restringe a colocação de

debêntures por tal tipo societário.

A Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1.976, que regula o mercado de valores

mobiliários, atribui à Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) a competência para expedir

norma que, dentre outras coisas, obrigue as sociedades emissoras a adotar o tipo das

sociedades anônimas.369

Estabelece, ainda, em seu art. 2o, §2

o 370, que os emissores de valores

mobiliários, seus administradores e controladores estarão sujeitos às normas das companhias

abertas, ou seja, o legislador deixou explicitado na norma que outros tipos societários, além

das sociedades anônimas, podem criar, emitir e colocar valores mobiliários em circulação.

369

O §3º do art. 2º da Lei nº 6.385/76 assim dispõe: “Compete à Comissão de Valores Mobiliários expedir

normas para a execução do disposto neste artigo, podendo: I - exigir que os emissores se constituam sob a forma

de sociedade anônima”. 370

“§2o. Os emissores dos valores mobiliários referidos neste artigo, bem como seus administradores e

controladores, sujeitam-se à disciplina prevista nesta Lei, para as companhias abertas.”

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143

A norma não contém palavras inúteis371

e “quando o texto dispõe de modo

amplo, sem limitações evidentes, é dever do intérprete aplicá-lo a todos os casos particulares

que se possam enquadrar na hipótese geral prevista explicitamente”372

, já dizia Carlos

Maximiliano. Se o entendimento fosse apenas de emissão de valores mobiliários por

companhias, não haveria a necessidade de se incluir o parágrafo acima mencionado. Por

óbvio, o texto legal estabelece essa imputação legal justamente por admitir a emissão de

valores mobiliários por outros tipos societários, além das companhias.

A nosso ver, a Lei do Mercado de Valores Mobiliários trata acertadamente da

matéria ao não vedar expressamente a emissão de valores mobiliários por um ou outro tipo

societário, transferindo à CVM a faculdade de determinar a emissão por sociedades anônimas,

quando assim for o caso. Em outras palavras, a regra é a emissão por qualquer tipo societário,

exigindo regulação específica da CVM quando se pretender exigir que os emissores se

constituam sob a forma de sociedades anônimas.

A CVM, por seu turno, por meio da Instrução nº 202, de 06 de dezembro de

1.993, prevê, em seu art. 1º, que “a negociação de valores mobiliários, emitidos por

sociedades por ações, em Bolsas de Valores ou no mercado de balcão, depende de prévio

registro da companhia na Comissão de Valores Mobiliários - CVM, de acordo com as normas

previstas na presente Instrução.”

Está claro, dessarte, que a oferta pública de debêntures, emitidas por

sociedades anônimas, para negociação no mercado de balcão e na Bolsa de Valores exige o

prévio registro da sociedade emissora perante a CVM e, também, o registro da oferta pública

de distribuição do valor mobiliário373

, a não ser que haja dispensa do registro da sociedade

emissora pelo órgão regulador.374

371

Carlos Maximiliano (Ob. cit., p. 250) explica que “não se presumem, na lei, palavras inúteis” e “as expressões

do Direito interpretam-se de modo que não resultem frases sem significação real, vocábulos supérfluos, ociosos,

inúteis.” 372

Ob. cit., p. 245 373

A Instrução CVM nº 400, de 29 de dezembro de 2.003, regula a oferta pública de distribuição de valores

mobiliários, nos mercados primário ou secundário, tendo por finalidade assegurar a proteção dos interesses dos

investidores, por meio de tratamento equitativo e de divulgação das informações necessárias à aquisição e

negociação do título (full disclosure) - pressuposto da teoria do mercado eficiente. 374

André Grünspun Pitta (A Possibilidade de Emissão de Debêntures por Sociedade Limitada Regida

Supletivamente pela Lei das Sociedades por Ações. In: Sociedade Limitada Contemporânea. Coleção IDSA.

Coord(s): AZEVEDO, Luís André N. de Moura; CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de. São Paulo: Quartier Latin,

2013, p. 527) afirma, no mesmo sentido, “que a vedação à emissão de valores mobiliários por parte de

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Todavia, parece-nos que existem duas possibilidades para a emissão de

debêntures por outros tipos societários, especialmente no caso da sociedade empresária

limitada, quais sejam: (i) emissão privada de debêntures simples ou perpétuas; e (ii) oferta

pública de debêntures simples distribuídas com esforços restritos, nos termos da Instrução

CVM nº 476, de 16 de janeiro de 2.009375

. Analisaremos tais hipóteses mais adiante em

capítulo dedicado à emissão de debêntures por sociedades limitadas e cooperativas.

Waldemar Ferreira, ao distinguir em seu tratado as ações das debêntures, chega

a concluir que “não existe ação sem sociedade anônima ou comanditária por ações, que a

emita, como parcela de seu capital. A debêntura, em regra, é criada por uma ou outra daquelas

sociedades. Mas pode ser posta em circulação por sociedade de outro tipo e, até, por institutos

oficiais, autarquias administrativas, mediante autorização legislativa especial.”376

Vale destacar, ainda, a recordação que nos faz Waldemar Ferreira a respeito da

emissão de debêntures até por associações de fins desportivos, obviamente por meio de lei

especial, para financiar a construção de estádios, o que muito se assemelha às debêntures de

investimento ou de infraestrutura, como visto anteriormente, introduzidas recentemente no

ordenamento jurídico pela Lei no 12.431/2011, a partir de incentivos conferidos pelo Governo

em razão dos projetos de infraestrutura necessários para o desenvolvimento do país e,

também, considerando os eventos da Copa de 2.014 e das Olimpíadas de 2.016.

Para justificar o direito de emissão por outros tipos societários, Inglez de Souza

explica que “o direito de emitir está, pois, em relação direta com as garantias de fiscalização e

publicidade que o legislador decretou para segurança dos sócios e do público”377

.

Assim, parece-nos que a questão está mal colocada, levando a inúmeras

discussões infindáveis sobre a permissibilidade ou não de emissão de debêntures por tipos

sociedades constituídas sob determinado tipo societário é uma opção regulatória, que será tomada considerando

eventuais riscos decorrentes do engajamento deste tipo de sociedades em operações desta natureza, haja vista

suas peculiaridades estruturais e as características dos investidores que potencialmente poderiam subscrever ou

adquirir os títulos de sua emissão.” 375

Interessante notar que a Instrução CVM nº 476/2009 refere-se à sociedade emissora apenas como “ofertante”,

não qualificando o tipo societário (exceto no parágrafo único, do art. 9º, que trata das hipóteses de ofertas de

certificados de recebíveis imobiliários ou certificados de recebíveis do agronegócio, em que se menciona

“companhia securitizadora”). 376

Ob. cit., p. 35. 377

Ob. cit., p. 299.

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societários diversos das sociedades anônimas ou comandita por ações, o que demonstra a

necessidade de mudança de paradigmas para o desenvolvimento do mercado de renda fixa,

voltando-se a uma visão mais centrada e menos polarizada a respeito do papel da própria

empresa e dos valores mobiliários que a financiam.

A simples negativa à resposta sobre a possibilidade ou não de emissão de

debêntures pelas sociedades empresárias limitadas, sem uma justificativa plausível ou

fundada, é que nos levou ao aprofundamento do tema.

Temos que avançar e centrar esforços sobre questões que favorecem a emissão

de debêntures, haja vista a importância desse título para o desenvolvimento da empresa, em

especial daquelas que necessitam de grandes somas de recursos para crescimento, expansão e

inovação.

Nesse ponto, confira-se o primoroso artigo elaborado por Marcelo Godke

Veiga e Erik Frederico Oioli, intitulado As sociedades limitadas e o mercado de capitais378

,

em que os autores destacam o importantíssimo papel das limitadas como veículo de acesso ao

mercado, principalmente por aquelas sociedades que estão em fase inicial de gestação e

necessitam de recursos provenientes de fundos de investimento ou de investidores

institucionais ou qualificados para alavancar uma ideia ou inovação a partir de um business

plan detalhado, por meio de operação de venture capital, também conhecidas como start-ups.

Ademais, temos exemplo no próprio ordenamento jurídico vigente no sentido

de já admitir a criação e emissão de títulos e contratos de investimento coletivo – a

quintessência dos valores mobiliários -, por quaisquer tipos societários previstos em lei, a

menos que a CVM exija que o emissor adote a forma de sociedade anônima. É o que se pode

extrair do artigo 1o, parágrafo 3

o, da Lei n

o 10.198, de 14 de fevereiro de 2.001, que faculta à

CVM “exigir que os emissores se constituam sob a forma de sociedade anônima”.

Ora, se a CVM “pode” exigir, a norma trata claramente de uma faculdade da

Autarquia. Ou seja, inexistindo a exigência do regulador, a emissão poderá ser realizada por

qualquer tipo societário previsto em lei.

378

In: Sociedade Limitada Contemporânea. Coleção IDSA. Coord(s): AZEVEDO, Luís André N. de Moura;

CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de. São Paulo: Quartier Latin, 2013.

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Se é assim para os títulos e contratos de investimento coletivo, que são

utilizados inclusive para conceituar valor mobiliário – como elemento da definição de security

do direito norte-americano379

-, não poderia ser diferente para os demais valores mobiliários,

quando não houver proibição expressa em lei.380

Devemo-nos sempre relembrar, por haver

certa confusão entre direito privado e público nesse debate, que a autonomia da vontade

privada pode tudo aquilo que não esteja expressamente vedado em lei, diferentemente da

esfera pública, em que somente se está autorizado a fazer algo previsto ou permitido por lei.

É muito interessante notar, ainda, que a disciplina dos títulos ou contratos de

investimento coletivo tenha se aproveitado do regime jurídico das debêntures, especialmente

no tocante ao tratamento das garantias e da eleição de um representante comum, nomeado

também como agente fiduciário, nos mesmos moldes das debêntures, inclusive com remissão

e equiparação legal expressa ao regime do valor mobiliário ora estudo, conforme se nota nos

parágrafos a seguir transcritos (todos do artigo 1o da referida lei):

“§ 4º. Nas emissões dos valores mobiliários referidos neste artigo em que for

prestada, espontaneamente ou por exigência da regulamentação específica, garantia

real, serão aplicados, no que couberem, os arts. 58 a 62 e 66 a 69 da Lei no 6.404, de

15 de dezembro de 1976, equiparando-se os títulos ou contratos de investimento

coletivo às debêntures, as emissoras à companhia, e os subscritores aos

debenturistas, e não se aplicando as regras relativas à garantia flutuante.

§ 5º. Caberá ao agente fiduciário representar os futuros subscritores de títulos ou

contratos de investimento coletivo na celebração dos instrumentos de constituição de

garantia real, se houver.”

(grifo nosso)

379

O Securities Act de 1.933 e o Securities Exchange Act de 1.934 definem o termo securities por meio de

listagem de vários instrumentos financeiros, a exemplo do que fez a nossa Lei no 6.385/1976 em seu art. 2

o.

Palmiter (Ob. cit., p. 41) explica que a Suprema Corte dos Estados Unidos, ao interpretar a lista, criou o chamado

Howey test por meio do qual se estabeleceu os limites da definição de valor mobiliário. O referido teste define

que um “contrato de investimento”, ou qualquer transação, será caracterizado como tal quando estiverem

presentes os seguintes requisitos: (i) uma pessoa investe dinheiro; (ii) em um empreendimento comum; (iii) com

o objetivo de auferir lucro; e (iv) apenas e tão-somente pelo esforço de terceiros (separação entre propriedade e

controle). O teste foi criado a partir da decisão do caso SEC v. W.J. Howey Co.. A Lei no 10.198, de 14 de

fevereiro de 2001, reproduziu os elementos do Howey test em seu art. 1o, a seguir transcrito: “Art. 1

o Constituem

valores mobiliários, sujeitos ao regime da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1.976, quando ofertados

publicamente, os títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou

de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do

empreendedor ou de terceiros.” 380

A nosso ver, além da proibição expressa em lei, o instituto pode não ser admitido quando o direito disciplina

de modo diverso uma determinada situação jurídica, tornando impeditivo o aproveitamento de determinada

espécie de valor mobiliário, que não se amolda perfeitamente ao tipo societário, como é o caso das “ações”,

instituto restrito aos tipos previstos em lei especial (LSA), que não poderiam ser emitidas pelas demais

sociedades reguladas no Código Civil.

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Já as debêntures, enquanto obrigações de natureza societária, poderiam ser

admitidas em outros tipos de sociedades, até mesmo sem expressa autorização legal, por meio

do formato genérico de um contrato de investimento coletivo. Isto é, uma determinada

sociedade poderia estruturar um contrato de investimento coletivo nos moldes de uma

debênture, estando sujeita à fiscalização da CVM somente se a colocação for realizada

mediante oferta pública.381

Além do acesso ao mercado de capitais, há a necessidade de avanço também no

tocante à emissão privada de debêntures por sociedades limitadas, quando não há o chamado

apelo à poupança popular. Neste ponto, inclusive, a interpretação equivocada da lei por

algumas Juntas Comerciais, que forçosamente demandam a opinião da CVM sobre o assunto,

quando na realidade se trata de operação privada não sujeita à fiscalização daquela Autarquia,

tem contribuído para a incompreensão do tema e a perpetuação de entendimento totalmente

equivocado sobre a emissão de debêntures por sociedades limitadas.

Por fim, não se pode esquecer que a nossa Constituição Federal382

, em matéria

de direitos e garantias individuais, permite ao particular fazer tudo o que não é vedado em lei.

O Código Civil, por sua vez, estabelece que o negócio jurídico pode adotar uma forma

prescrita ou não defesa em lei383

. Tais preceitos não são novos. Otto de Sousa Lima, ao tratar

do negócio fiduciário, já o pronunciava, nos seguintes termos:

“constituindo um dos direitos individuais mais legítimos, o de fazer tudo o que não é

vedado por lei, não poderia a Justiça, sob a alegação de que o meio usado não é

previsto, deixar de admitir o ato. [...] Desta forma, desde que o ato não seja vedado e

desde que o meio empregado não seja proibido por lei, plenamente válido será ele,

por constituir o exercício de uma liberdade individual.”384

Transpondo tais regras para o direito societário, que é uma das ramificações da

árvore do direito privado, temos que a emissão de debêntures por outros tipos societários,

381

Interessante notar que a Lei n. 6.385/76, inclusive, não se preocupa com a forma, mas com o conteúdo do que

venha a ser um valor mobiliário. Tanto é verdade que o art. 2o, reproduzindo a definição de security do direito

norte-americano traz um conceito aberto, vago e abrangente de valor mobiliário, como norma em branco,

justamente como o fez a Seção 5 da Lei de Valores Mobiliários norte-americana de 1.933. 382

O art. 5º, inciso II, da CF, assim disciplina: “II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma

coisa senão em virtude de lei;” 383

“Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou

determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei.” 384

Negócio Fiduciário. São Paulo: RT, 1962, p. 129.

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além das sociedades anônimas, ainda mais sob a forma de oferta privada, não pode encontrar

óbice sob a alegação de ausência de previsão legal expressa.

Por essa razão, com o intuito de contribuir para a queda das amarras que

impedem as sociedades limitadas e outros tipos societários de se financiarem por meio de

debêntures, negando, inclusive, autorização à emissão privada, é que se pretende discorrer,

nos itens a seguir, sobre a criação, emissão e colocação de debêntures por tipos societários

diversos das sociedades por ações.

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1.1. Emissão de debêntures por sociedades empresárias limitadas

Difundiu-se, equivocadamente, a ideia de que as debêntures não poderiam ser

emitidas por sociedades empresárias limitadas, tanto por meio de oferta pública como através

de emissão privada, sendo restritas apenas às sociedades anônimas e às comanditas por ações.

O debate não é novo e foi reavivado em razão da disciplina atual das limitadas

no Código Civil. Alfred Russel retrata, já em 1.937, a existência de opiniões favoráveis e

contrárias, de grandes juristas, sobre a emissão de debêntures (àquele tempo também

conhecidas como obrigações ao portador) por sociedades limitadas, em que pese ser contrário

à ideia. Eram favoráveis e reconheciam o o direito das sociedades limitadas de emitirem

obrigações, os seguintes juristas: Villemor Amaral, Inglez de Souza, Spencer Vampré e Alves

da Silva.385_386

Villemor Amaral387

, em edição posterior à citada por Alfred Russel, escora sua

argumentação em dispositivo do antigo Decreto no 3.708, de 10 de janeiro de 1.919, que

determinava a aplicação das disposições da lei de sociedades anônimas às sociedades

limitadas – qualquer semelhança com o regime atual, neste caso, não é mera coincidência.

Outrossim, reconhece a influência das disposições da lei portuguesa de 1.901 e do Projeto de

Código Comercial de Inglez de Souza, que “facultam às sociedades limitadas o contrato de

emissão em obrigações ao portador ou debentures”388

.

Afirma o jurista – um dos precursores no estudo das limitadas -, que “poderão

as sociedades limitadas, mediante prévia deliberação da assembleia geral dos sócios, adotada

por tantos sócios quantos representem, pelo menos, metade do capital social, em reunião que

385

Ob. cit., p. 517. 386

Em sentido contrário, Egberto Lacerda Teixeira, ao lado de Waldemar Ferreira, Miranda Valverde e Alfredo

Russel, refutam a ideia de emissão de debêntures por sociedades limitadas, ainda sob o regime jurídico do

Decreto no 177-A/1893 e do Decreto n

o 3.708/1919, sob o argumento de que é incompatível com a natureza

jurídica das debêntures e que há restrição imposta pelo legislador - que apenas se referiu às sociedades anônimas,

sociedades em comandita por ações e às sociedades autorizadas por leis especiais, ao regular a comunhão de

interesses entre os portadores de debêntures no Decreto-lei no 781, de 12 de outubro de 1938. “Não se pode, pois,

diante de texto legal expresso, ampliar, por disposição estatutária, uma faculdade que o legislador quis restrita.

(TEIXEIRA, Egberto Lacerda. Das Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada. São Paulo: Max

Limonad, 1956, pp. 94-95). 387

AMARAL, Hermano de Villemor. Das Sociedades Limitadas. 2a ed. Rio de Janeiro: F. Briguiet & Cia., 1938,

pp. 160-162. 388

Ob. cit., p. 161.

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assistam três quartos deles, pelo menos, contrair empréstimos em obrigações ao portador

(debentures), desde que se constituam com conselho fiscal e deem aos atos e negócios sociais

a necessária publicação”389

.

E não apenas os juristas de outrora concluíram pela emissão de debêntures por

limitadas. Vera Helena de Mello Franco, ao colocar a problemática como questão em aberto e

iniciar o texto com a afirmação de a possibilidade ser remota no direito brasileiro, reconhece o

seguinte:

“[...] a lei não contém uma proibição expressa como o faz a lei espanhola 2/95 em

seu art. 9. Já tanto na Lei italiana (Códice Civile – art. 2.483) admite-se a emissão de

“titoli di debiti” desde que previsto no ato constitutivo. O direito francês, igualmente

admite a emissão de obrigações (art. L223-11, 2a alínea do Código de Comércio),

ordenando seja aplicado, supletivamente, o que se dispõe para as sociedades

anônimas. O direito belga vai mais longe e não só admite a emissão de obrigações,

como, inclusive de partes beneficiárias.”390

Por outro lado, recentemente, as Juntas Comerciais dos Estados de São Paulo e

do Rio de Janeiro enfrentaram o tema, que, reconhecidamente, requer exegese aprofundada da

legislação vigente, e reprovaram a emissão de debêntures por sociedades limitadas, a nosso

ver, com base em argumentos pouco convincentes e contrários ao princípio da autonomia

privada, os quais passaremos a analisar para a completude do debate.

Em sessão plenária, realizada em 26 de junho de 2.012, a Junta Comercial do

Estado de São Paulo (JUCESP) rejeitou o arquivamento de escritura de emissão de debêntures

lavrada por sociedade empresária limitada, que pretendia realizar oferta391

do referido valor

mobiliário, com base em Parecer da Procuradoria da JUCESP, nos seguintes termos:

“Destacou que, embora haja divergência na interpretação pela doutrina, somente há

previsão no âmbito das Sociedades Anônimas, razão pela qual entende que deveria

haver regulamentação da matéria pela CVM. O vogal Ademar Fogaça Pereira

questionou se o ato não seria válido entre as partes envolvidas. O D. Procurador

destacou que, no âmbito do registro do comércio, entende que não é passível de

389

Ob.cit., p. 162. 390

Direito Empresarial I: o empresário e seus auxiliares, o estabelecimento empresarial, as sociedades. 3a ed.

São Paulo: RT, 2009, p. 244. 391

Não sabemos ao certo se a oferta era pública ou privada, tendo em vista que a ata da Sessão Plenária não

mencionou o número do “protocolado”, que nos permitiria localizar o pedido de arquivamento e o inteiro teor do

Parecer da Procuradoria.

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arquivamento, diante da ausência de previsão legal. O vogal Rogério Aleixo Pereira

externou opinião acompanhando a D. Procuradoria.”392

Nessa mesma linha, a Junta Comercial do Rio de Janeiro (JUCERJA), no

processo no 07-2012/232000-0, a partir do pedido de arquivamento da Ata de Assembleia

Geral de cotistas da sociedade LOTUS AZUL INCORPORAÇÃO E EMPREENDIMENTOS

IMOBILIÁRIOS SPE LTDA., realizada em 28/06/2012, proferiu decisão no sentido de não

acatar o arquivamento de escritura de emissão de debêntures criada por sociedade limitada.

A decisão alicerçou-se, também, em Parecer da lavra da Procuradoria

Regional, que concluiu pela impossibilidade de arquivamento do ato societário sob a

justificativa de que “a sociedade limitada não se encontra legitimada para emissão de

debêntures”.393

Além da suposta falta de “legitimidade” ou “legitimação” do tipo societário,

que, nas palavras da douta Procuradoria, encontraria amparo na interpretação literal do art. 52

da LSA394

, o Parecer se sustenta ainda na “estrutura e natureza da sociedade limitada que,

sendo contratual, não comportaria, em regra, a emissão de valores mobiliários”, admitindo a

emissão apenas pelas sociedades que possuem a natureza institucional, como as anônimas.

Funda-se, ainda, o referido Parecer, em argumento de que os valores

mobiliários listados na Lei no 6.385/76 seriam “relacionados apenas a entidades de natureza

institucional” e que, entendimento contrário, poderia levar à emissão de bônus de subscrição e

opções de compra, entre outros valores mobiliários, pelas limitadas.

Justifica, também, que inexiste previsão expressa em lei autorizadora da

emissão de debêntures por limitadas e que, por se tratar de título de crédito, a elas seria

392

Ata da Sessão Plenária da JUCESP no 47/2012 (ordinária), de 26 de junho de 2012, p. 6.

393 Parecer emitido nos autos do processo n

o 07-2012/232000-0, em pedido de arquivamento realizado pela

sociedade LOTUS AZUL INCORPORAÇÃO E EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS SPE LTDA. (NIRE

3320927664-6). Disponível em: http://www.jucerja.rj.gov.br/Instituicao/procuradoria/pdf/0720122320000.pdf.

Acesso em: 17/08/2013. 394

O referido artigo diz que: “Art. 52. A companhia poderá emitir debêntures que conferirão aos seus titulares

direito de crédito contra ela, nas condições constantes da escritura de emissão e, se houver, do certificado.” (grifo

reproduzido do Parecer da Procuradoria da JUCERJA, em comento).

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aplicável o “princípio do formalismo”, reproduzindo o artigo 887 do Código Civil, não

vigorando o “princípio da liberdade” - a autonomia da vontade privada.

Transcreve, ademais, as posições de José Edwaldo Tavares Borba e José

Waldecy Lucena sobre a matéria, no sentido de não admitir a emissão de debêntures por

sociedades limitadas, em que pese o último reconhecer a existência de sistemas jurídicos

estrangeiros - Portugal e Suíça -, que permitem o uso das debêntures por sociedades limitadas.

Por fim, refuta as posições em contrário, defendidas por Edison C. Fernandes e

Valdir Carlos Pereira Filho, a partir da permissão contida na Instrução CVM 476, que admite

a emissão de certos valores mobiliários, por meio de oferta pública com esforços restritos,

sem a necessidade de registro na CVM, justificando que a referida Instrução prevê apenas o

não registro por sociedades anônimas.

No entanto, em que pesem os fundamentos contidos nas decisões das Juntas

Comerciais, e também nos Pareceres que as embasaram, o olhar do direito privado sobre a

questão, a nosso ver, conduz para a possibilidade de criação de debêntures por sociedades

limitadas, ainda mais se os seus contratos sociais forem regidos supletivamente pelas normas

das sociedades anônimas.

A falta de legitimidade ou de legitimação, por si só, já revela a impropriedade

da argumentação utilizada contrariamente à emissão de debêntures pelas limitadas. Como

bem explica Silvio Rodrigues, ao distinguí-la da incapacidade, “a falta de legitimação ocorre

quando a lei, tendo em vista a posição peculiar de determinadas pessoas em face de um

negócio, lhes proíbe de atuar em uma dada relação jurídica”.395

Francisco Amaral ensina que a legitimidade é a “aptidão para a prática de

determinado ato, ou para o exercício de certo direito, resultante, não da qualidade da pessoa,

mas de sua posição jurídica em face de outras pessoas. A legitimidade decorre de certas

situações jurídicas do sujeito, do que lhe advêm limitações ao poder de agir”.396

395

Direito Civil. Parte Geral. Vol. 1. 34ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 51, continuação da nota de rodapé 52. 396

Direito Civil. Introdução. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 264.

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Portanto, não se trata de falta de legitimação para a emissão de debêntures.

Mesmo em se tratando de tipo negocial admitido em lei apenas às sociedades anônimas, José

de Oliveira Ascensão defende a prevalência da “liberdade de crição de negócios atípicos,

porque a isso se estende a autonomia privada”.397

Nessa linha, a emissão de debêntures por

sociedades limitadas estaria inserida nessa atipicidade negocial que é admitida no âmbito da

autonomia privada, sujeitando-se às regras do negócio típico – previsto na LSA -, se não

houver estipulação em contrário pelos particulares. Ademais, havendo previsão de aplicação

supletiva da LSA no contrato social da limitada, o negócio deve ser visto como típico e

sujeitar-se às normas daquele diploma legal.

No mais, a atuação conforme a lei é inerente à atividade pública e decorre do

princípio da legalidade398

. Inverte-se a lógica entre público e privado. Esquece-se que o ato

societário está fundado na autonomia privada, tendo em vista emanar do ramo do direito

afeito às relações entre particulares.

Não há como afastar o princípio da liberdade ou da autonomia privada sob o

argumento de que as debêntures, por serem consideradas títulos de crédito, estariam sujeitas

ao princípio do formalismo insculpido na norma do artigo 887 do CC399

.

Em primeiro lugar, as debêntures são valores mobiliários, como já tivemos a

oportunidade de analisar anteriormente. Portanto, não estariam sujeitas às regras do Código

Civil aplicáveis aos títulos de crédito, até porque possuem disciplina jurídica própria fixada na

LSA e na Lei no

6.385/76. Além disso, mesmo se se considerar que elas possuem a natureza

de título de crédito, há que se distinguir o princípio do formalismo400

– ou da forma que se

deve observar para a emissão do título – do sujeito que está autorizado a lançar mão daquele

397

Direito Civil. Teoria Geral. Relações e Situações Jurídicas. Vol. 3. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, pp. 245-

246. 398

“O princípio da legalidade explicita a subordinação da atividade administrativa à lei e surge como decorrência

natural da indisponibilidade do interesse público, noção, esta, que, conforme foi visto, informa o caráter da

relação de administração. No Brasil, o art. 5o, inciso II, da Constituição dispõe: ‘Ninguém será obrigado a fazer

ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’. Hely Lopes Meirelles ensina que: ‘A legalidade, como

princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda sua atividade

funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar,

sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso’.”

(MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 12a ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p.

36) 399

“Art. 887. O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido,

somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei.” 400

Fran Martins (Ob. cit., p. 12), ao discorrer sobre o princípio do formalismo, explica que “cada espécie de

título possui, assim, uma forma própria.”

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instrumento de financiamento das sociedades. A exigência legal da forma, ou o

preenchimento dos requisitos da lei, será observada mediante o cumprimento dos requisitos

para criação e emissão de debêntures previstos na LSA. Assim, estando presentes os

requisitos formais da lei, não há que se falar de formalismo com relação ao tipo societário do

emissor.

Ademais, a lei não exige uma determinada qualidade jurídica para a emissão de

títulos de crédito, o que se exige é a capacidade jurídica do sujeito para contrair a obrigação.

A qualificação do sujeito emitente nada tem a ver com a forma do documento. Sendo assim, a

alegação de que o princípio do formalismo dos títulos de crédito impede a emissão de

debêntures por sociedades limitadas, tanto pela falta de observância de uma “forma” como

pela contraposição à liberdade de se criar algo não vedado em lei, está deslocada de seu

significado. Está se aplicando princípio geral sobre a forma para discussão sobre a qualidade

ou tipo do sujeito emissor. Indo além, como bem ensinou Ascarelli, “a emissão das obrigações

está geralmente subordinada a uma disciplina especial”401

e, portanto, não deve se sujeitar à

regra geral dos títulos de crédito.

Superada a incorreta afirmação sobre a sujeição ao princípio do formalismo,

deve-se reconhecer que a criação de debêntures por sociedades limitadas está, sim,

subordinada aos princípios da liberdade e da autonomia privada - princípios informadores e

norteadores do direito privado -, já que inexiste qualquer disposição legal expressa que as

impeça de fazê-lo. Como bem ensina Francisco Amaral, “a autonomia privada é o poder que

os particulares têm de regular, pelo exercício de sua própria vontade, as relações de que

participam, estabelecendo-lhes o conteúdo e a respectiva disciplina jurídica.” O referido

jurista arremata, ainda, que “a autonomia privada é princípio fundamental do sistema de

direito privado, que se forma a partir do reconhecimento de um âmbito particular de atuação

da pessoa, com eficácia normativa.”402

Assim, portanto, inexistindo vedação legal expressa à emissão de debêntures

por sociedades empresárias limitadas e, pelo contrário, havendo previsão legal de aplicação

supletiva das normas das sociedades anônimas às limitadas, tem-se claramente a possibilidade

de se convencionar a criação e emissão do referido título de dívida por tipo societário previsto

401

Ob. cit., p. 283, nota de rodapé 81. 402

Ob. cit., p. 78.

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no Código Civil, em homenagem ao seu princípio fundamental da liberdade de iniciativa

privada403

.

Não cabe, desse modo, à Junta Comercial barrar o arquivamento de uma

escritura de emissão de debêntures por sociedades limitadas. Às Juntas Comerciais incumbem

o assentamento dos usos e práticas mercantis404

, bem como o exame do cumprimento das

formalidades legais405

dos atos, documentos e contratos levados a registro, sempre sob a ótica

do direito aplicável ao negócio jurídico.

No caso das debêntures privadas emitidas por sociedades limitadas, temos

como leis de regência o Código Civil e a LSA, sendo que em nenhuma delas encontramos

vedações expressas àquela emissão pelo tipo societário em comento. Negar-se a possibilidade

de emissão pelas limitadas por suposta falta de legitimidade é se aplicar o princípio de direito

público a uma relação jurídica de direito privado. Confundem-se na análise do caso os

princípios informadores de cada ramo do direito. Exigir-se conformação à lei e alegar falta de

legitimidade ao negócio jurídico societário, baseando-se em princípios informadores das

relações de direito público -, é desvirtuar o direito privado e passar por cima de “uma das

mais significativas representações da liberdade como valor jurídico, expresso no preâmbulo

do texto constitucional, no princípio da liberdade de iniciativa econômica (CR, art. 170) e na

liberdade contratual (CC, art. 421)”.406

403

Enzo Roppo (O Contrato. Coimbra: Almedina, 2009, pp. 127-128) explica que “é portanto lógico que num

sistema de tipo capitalista, que reconhece como seu ponto chave o princípio da liberdade da iniciativa privada (e

portanto – pelas razões e conexões que ficaram descritas no capítulo I – o princípio da liberdade contratual), seja

reconhecido e afirmado, por seu lado, o princípio da liberdade privada de determinação do regulamento

contratual: isto é, a regra pela qual os contraentes privados – os operadores econômicos – são livres de dar aos

seus contratos conteúdos concretos que considerem mais desejáveis.” E arremata, ainda, que: “nos limites

impostos pela lei, as partes podem livremente determinar o conteúdo do contrato. Esta é uma expressão – a mais

significativa – do princípio da autonomia privada, ou autonomia contratual” […] “em linha de princípio,

portanto, os sujeitos privados são livres de obrigar-se como quiserem”. 404

Art. 8o, inciso VI, da Lei n

o 8.934, de 18 de novembro de 1994 (também conhecida como Lei de Registro

Público de Empresas Mercantis). 405

Lei no 8.934/94. “Art. 40. Todo ato, documento ou instrumento apresentado a arquivamento será objeto de

exame do cumprimento das formalidades legais pela junta comercial.” 406

Francisco Amaral, ob. cit., p. 77. Prossegue o referido civilista (Ob. cit., p. 78/79): “No seu aspecto técnico,

que revela a importância prática do princípio, a autonomia privada funciona como verdadeiro poder jurídico

particular de criar, modificar ou extinguir situações jurídicas, próprias ou de outrem. É, também, princípio

informador do sistema jurídico, como princípio aberto, no sentido de que não se apresenta como norma de

direito, mas como ideia diretriz ou justificadora da configuração e funcionamento do próprio sistema jurídico. E

é também critério interpretativo, apontando o caminho a seguir na pesquisa do sentido e alcance da regra

jurídica, do que são exemplos, no Código Civil brasileiro, os arts. 112, 114, 819 e 1.899. O princípio da

autonomia privada faz ainda presumir que, em matéria de direito patrimonial, campo por excelência de

incidência desse princípio, as regras contidas nas leis são de natureza permissiva, não-cogente, por permitirem o

livre exercício da vontade individual na disciplina dos interesses particulares.”

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Ademais, a interpretação literal do disposto no art. 52 da LSA, ao constatar que

a lei usou a palavra “companhia”, denota-se um pouco desconectada da melhor interpretação

lógico-sistemática ou histórica e evolutiva do direito societário. No caso das sociedades

empresárias limitadas, com regência supletiva das normas das anônimas, é evidente que onde

se lê companhia deve-se ler sociedade, até porque a LSA foi elaborada muito antes da entrada

em vigor do Código Civil e, portanto, àquela época, não tinha porque se preocupar com a

terminologia empregada na lei especial, posto que não havia tal tipo de remissão ou aplicação

supletiva da norma extravagante a um tipo societário regido pelo CC – o que só viria a ocorrer

anos depois com a unificação do direito privado.

Aliás, com a devida vênia, esse argumento é ultrapassado. Fora utilizado, como

citado anteriormente, quando da discussão da possibilidade de emissão de debêntures por

sociedades limitadas à época do vetusto regime jurídico do Decreto no 177-A/1893 e do

Decreto no 3.708/1919. Não faz mais sentido se apegar à redação literal do art. 52 da LSA,

posto que anterior à entrada em vigor do Código Civil, que remeteu a disciplina jurídica das

limitadas, supletivamente, às normas das sociedades anônimas. Ora, onde se lê “companhias”

ou “sociedadade anônimas” na LSA, em razão do referido dispositivo legal contido no Código

Civil, deve-se ler também “sociedades limitadas”, quando regidas supletivamente por aquela

lei societária especial.

Até seria compreensível a preocupação das Juntas Comerciais, com relação à

oferta pública de debêntures por sociedades empresárias limitadas, se o fundamento fosse o

interesse público de proteção à coletividade em razão da captação da poupança popular. No

entanto, a CVM, como autarquia responsável pela regulação do mercado, já avançou no

sentido de permitir a oferta pública da nota comercial do agronegócio – que é um valor

mobiliário -, pelas sociedades limitadas e cooperativas, conforme se denota do art. 2o da

Instrução CVM no 422, de 20 de setembro de 2.005, a seguir transcrito:

“Art. 2º. A Nota Comercial do Agronegócio – NCA é a Nota Promissória Comercial

para distribuição pública emitida por companhias, sociedades limitadas e

cooperativas que tenham por atividade a produção, comercialização, beneficiamento

ou industrialização de produtos ou insumos agropecuários, ou de máquinas e

implementos utilizados na atividade agropecuária.”

É inegável, portanto, o reconhecimento da CVM sobre a compatibilidade da

limitada como tipo societário apto a emitir valores mobiliários. Tanto é assim que a CVM

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instituiu registro especial de emissor para as sociedades limitadas que pretendam emitir nota

comercial do agronegócio, em categoria distinta das companhias, nos termos do art. 9o407

da

referida instrução. A CVM passou a admitir, também, a oferta pública distribuída com

esforços restritos, conforme definida na Instrução CVM no 476, de 16 de janeiro de 2.009

(doravante “IN/CVM 476”) - destinada exclusivamente a investidores qualificados e

intermediadas por integrante do sistema de distribuição de valores mobiliários, na qual se

dispensa o registro do emissor e da oferta -, por outros tipos societários além das sociedades

anônimas.

Nota-se que a CVM, ao justificar a edição da norma acima citada, reconhece a

possibilidade de emissão de valores mobiliários com esforços restritos, indepentemente do

tipo societário, nos seguintes termos: “Assim, a Instrução CVM nº 476/09 dispensa de registro

na CVM, independentemente do tipo societário do emissor, as ofertas públicas de

determinados valores mobiliários dirigidas a até 50 e adquiridas por, no máximo, 20

investidores qualificados.”408

(grifo nosso)

André Grünspun Pitta, ao analisar a ata da Audiência Pública no

05/2008

(Relatório de Análise SDM), realizada para debater a minuta da IN/CVM 476, explica que:

“À época em que a minuta da referida regulamentação foi submetida à audiência pública, a

própria Comissão de Valores Mobiliários reconheceu que não apenas as sociedades por ações,

mas também outros tipos societários, como as sociedades limitadas e cooperativas, poderiam

realizar as ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários com esforços restritos de

colocação objeto da mesma.”409

407

“Art. 9º A emissora que não possuir registro de companhia aberta e pretenda emitir exclusivamente NCA,

deverá solicitar à CVM seu registro de emissora de NCA juntamente com o pedido do registro de oferta pública

de distribuição de NCA.” 408

Justificativa da CVM para a edição da norma. Disponível em: http://www.cvm.gov.br/port/infos/144A%20-

%20Minuta%20Comunicado%20-%20v2.asp. Acesso em: 17/08/2013. 409

A possibilidade de emissão de debêntures por sociedade limitadar regida supletivamente pela Lei das

Sociedades por Ações. In: Sociedade Limitada Contemporânea. Coleção IDSA. Coord(s): AZEVEDO, Luís

André N. de Moura; CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de. São Paulo: Quartier Latin, 2013, p. 527. Complementa

o referido autor (Ob. cit., p. 529): “Assim, pode-se afirmar que a emissão e oferta pública com esforços restritos

de colocação de debêntures é mais uma alternativa de financiamento para as empresas exercidas sob a forma de

sociedade limitada que optarem por gozar plenamente do hibridismo peculiar a este tipo societário

estabelecendo, em seus atos constitutivos, estrutura mais robusta e com feições intuitu pecuniae e adotando, para

tanto, a regência supletiva da Lei das Sociedades por Ações, e dela transpondo, com as necessária adaptações, o

regime aplicável às debêntures.”

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158

Isto é, a própria CVM reconhece que a criação e oferta dos valores mobiliários

listados na IN/CVM 476410

pode ser realizada por outros tipos societários, que não apenas as

sociedades anônimas, externalizando o entendimento do órgão regulador e fiscalizador sobre

o tema, o que não justifica mais a restrição imposta pelas Juntas Comerciais ao arquivamento

de escrituras de emissão de debêntures, nas hipóteses citadas, sob a alegação de que a CVM

deveria se manifestar sobre o assunto. Isso se dá, até porque, as Juntas Comerciais não são

competentes para impedir a emissão de ofertas públicas com esforços restritos, já que a

regulação e fiscalização do mercado de valores mobiliários cabem apenas à CVM.

Com relação ao argumento de que a lei de valores mobiliários (Lei no 6.385/76)

teria listado instrumentos “relacionados apenas a entidades de natureza institucional”, parece-

nos haver um certo exagero interpretativo da norma, que vai muito além do entendimento do

próprio órgão regulador, o qual já admitiu expressamente a possibilidade de emissão, pelas

sociedades limitadas, de notas comerciais e cédulas de crédito bancário (valores mobiliários

listado naquela lei) - além das notas comerciais do agronegócio, já referidas anteriormente -,

conforme se depreende da leitura do artigo 33 da Instrução CVM no 480, de 7 de dezembro de

2009, a seguir transcrito:

“Art. 33. Os emissores que emitam exclusivamente notas comerciais e cédula de

crédito bancário – CCB, para distribuição ou negociação pública, podem se

organizar sob a forma de sociedade anônima ou sociedade limitada.”

Ora, se as sociedades limitadas podem emitir nota comercial, que é um valor

mobiliário previsto no artigo 2o, inciso VI, da Lei n

o 6.385/76, não há como sustentar a tese de

impossibilidade de emissão de debêntures por limitadas sob a alegação de que o rol dos

valores mobiliários vincular-se-ia ao caráter institucional do emissor, restringindo o direito de

criação e emissão apenas às entidades de natureza institucional. Trata-se de limitação a direito

não prevista em lei e, portanto, em total afronta à disciplina constitucional.

410

“Art. 1o Serão regidas pela presente Instrução, as ofertas públicas de valores mobiliários distribuídas com

esforços restritos. §1o Esta Instrução se aplica exclusivamente às ofertas públicas de: I – notas comerciais; II –

cédulas de crédito bancário que não sejam de responsabilidade de instituição financeira; III – debêntures não-

conversíveis ou não-permutáveis por ações; IV – cotas de fundos de investimento fechados; e V – certificados

de recebíveis imobiliários ou do agronegócio.” (grifo nosso).

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159

Dessa forma, em que pesem os argumentos contidos nos Pareceres das

Procuradorias das Juntas Comerciais, perfilhamos o entendimento de que as debêntures

podem ser criadas, emitidas e colocadas no mercado por meio de sociedades empresárias

limitadas, tanto através de ofertas privadas como mediante ofertas públicas com esforços

restritos. Antes de apresentarmos, porém, a estrutura societária ideal para emissão de

debêntures por limitadas, passaremos em revista a legislação de outros países para que

possamos coletar também o contributo estrangeiro à sugestão final deste capítulo.

Já no direito comparado o cenário tem se alterado evolutivamente, no sentido

de se admitir a possibilidade de emissão de instrumentos financeiros e títulos de dívida por

outros tipos societários, que não apenas as sociedades anônimas ou as em comandita por

ações. A Itália e a França, por exemplo, alteraram suas normas para permitir a emissão de

determinados tipos de valores mobiliários pelas sociedades limitadas.

No sistema originário do Código Civil Italiano (“CCI”), era expressamente

vedada a emissão de obrigações pelas sociedades limitadas, em razão do disposto na redação

anterior do art. 2.486 do CCI411

. Antes mesmo da reforma de 2.003, a interpretação extensiva

da jurisprudência era de que a restrição imposta pelo CC teria sido parcialmente derrogada

pelo art. 11, co.4, alínea “e” do Testo Unico bancario (t.u.b.) vigente, seguido das normas

emanadas do Comitato Interministeriale per il Credito e il Risparmio – CICR e do Banco

Central da Itália (Banca d’Italia), que estabeleciam certas condições para a hipótese de

captação da poupança popular pelas sociedades limitadas, tais como: (a) limite quantitativo

para emissão; (b) necessidade de balanço do último exercício; (c) tipicidade do título

(cambiali finanziarie e certificati di investimento); (d) reserva de subscrição pelo

intermediário financeiro, acompanhada de garantia fidejussória em caso de transferência do

título ao público, limitada à metade do valor nominal.412

411

A redação anterior do art. 2.486, do CCI, dispunha o seguinte: “Salvo diversa disposizione dell'atto

costitutivo, l' assemblea ordinaria delibera col voto favorevole di tanti soci che rappresentino la maggioranza

del capitale sociale, e l' assemblea straordinaria delibera col voto favorevole di tanti soci che rappresentino

almeno due terzi del capitale sociale. Alle assemblee dei soci si applicano le disposizioni degli artt. 2363, 2364,

2365, 2367, 2371, 2372, 2373, 2374, 2375, 2377, 2378 e 2379. Alla società a responsabilità limitata non è

consentita l'emissione di obbligazioni.” (grifo nosso) 412

CORSINI, Alessandro et. al. Le Società a Responsabilità Limitata. Commentario pratico. Verona:

Euroconference, 2013, p. 240.

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160

Veio então a reforma do CCI de 2.003, promovida em matéria de direito de

empresa, que eliminou a restrição contida no art. 2.486 e passou a admitir, em seu art. 2.483, a

emissão de título de dívida (titoli di debito) pelas sociedades de responsabilidade limitada

(Società a Responsabilità Limitata ou s.r.l.), privilegiando a autonomia privada, já que a

emissão se subordina à previsão expressa no contrato social e atribui a criação de uma

organização própria à decisão da maioria dos titulares daquele instrumento financeiro413

.

O legislador, ao invés de aproveitar a terminologia das sociedades anônimas –

obbligazioni -, utilizou-se de um termo amplo e genérico, reconhecido como fattispecie da

categoria instrumento financeiro (strumenti finanziari), que é composta das seguintes

espécies: “le obbligazioni, i titoli di Stato e gli altri titoli di debito”.414

Corsini et. al. explicam que a nova espécie de instrumento financeiro foi

introduzida no direito societário italiano com características próprias, tanto na fase de

emissão, mediante a subscrição do título por investidores profissionais sujeitos à chamada

vigilanza prudenziale (assemelhados aos investidores qualificados no Brasil), como na fase de

circulação, impondo-se obrigação ao intermediário ou underwriter de assegurar a

solvabilidade do emitente, de modo a proteger o mercado primário e secundário.415

A emissão, portanto, deve ser realizada com a assistência de uma instituição

financeira que dará todo suporte ao emitente nas fases de emissão e colocação do título de

dívida junto ao mercado de renda fixa. Os títulos de dívida, como já dito, somente poderão ser

subscritos por investidores qualificados, que não sejam sócios, direta ou indiretamente, da

sociedade emissora. Exige-se, ainda, que o balanço do último exercício social deva ser

413

Cf. BUONOCORE, Vincenzo. Manuale di Diritto Commerciale. 10a ed. Turim: G. Giappichelli, 2011, pp.

530-531. O autor discorre sobre a inovação introduzida no CCI: “L’art. 2483 è anch’essa una norma certamente

nuova e, per il modo in cui è formulata, non consueta, il cui scopo è quello di prevedere e di disciplinare uno

strumento di finanziamento dell’impresa sociale – i titoli di debito, appunto -, ed in particolare una forma di

eterofinanziamento con appello al mercato finanziario di «investitori qualificati» […]”. E prossegue: “Si può

certamente scrivere che anche questa norma lascia ampio se non esclusivo spazio all’autonomia privata, dal

momento che l’emissione è subordinata alla previsione espressa nell’atto costitutivo […]”. Com relação à

organização dos obrigacionistas, leciona que: “[…] dalla parte finale dell comma 3o si desume implicitamente

ma pienamente che i possessori dei titoli – al pari di quanto è stabilito espressamente per gli obbligazionisti in

sede di società per azioni – possono avere una propria organizzazione la quale deve essere prevista nella

decisione ed alla quale è domandata la manifestazione a maggioranza del consenso per la modifica delle

condizioni e delle modalità del prestito.” 414

PATRIARCA, Sergio. I titoli di debito della S.R.L. tra opportunità e problemi interpretativi. Quaderni di

Banca, Borsa e Titoli di Credito. N. 23. Milão: Giuffré, 2005, p. 2. 415

Ob. cit., p. 242.

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certificado por contador ou empresa especializada, devidamente inscrita no conselho de

contabilidade italiano.416

O atual artigo 2.483 do CCI, assim, admite a emissão de títulos de dívida (titoli

di debito) por sociedades limitadas, desde que tal hipótese esteja prevista no ato constitutivo,

atribuindo a competência aos sócios para deliberar sobre a criação – que poderão, ainda,

alternativamente, atribuir a competência a outro órgão da administração -, bem como para

determinar o limite, a modalidade e o quorum necessário para a deliberação.417_418

Já em França, a Ordonnance no 2004-274, de 25 de março de 2.004

(modificada pela Lei no 2004-1343, de 9 de dezembro de 2.004, e pela Ordonnance n

o 2009-

80, de 22 de janeiro de 2.009), alterou o regime anterior de proibição de emissão de

obligations por sociedades limitadas (sociétés à responsabilité limitée). Atualmente, portanto,

nos termos do artigo L. 223-11419

do Code des Sociétés, as sociedades limitadas poderão

emitir obrigações (obligations), mediante oferta privada - não podem realizar ofertas públicas

-, desde que as demonstrações contábeis e financeiras dos últimos três exercícios sociais

tenham sido auditadas por profissional ou empresa especializada e aprovadas pelos sócios. A

emissão tem que ser aprovada em assembleia geral de sócios, sendo que os títulos sujeitam-se

416

Corsini et. al., ob. cit., p. 243. 417

“Articolo 2483. 1. Se l’atto costitutivo lo prevede, la società può emettere titoli di debito. In tal caso l’atto

costitutivo attibuisce la relativa competenza ai soci o agli amministratori determinando gli eventuali limiti, le

modalità e le maggioranze necessarie per la decisione.” (MAJO, Adolfo di. Codice Civile. 32a ed. Milão:

Giuffrè, 2012, p. 657) 418

Sergio Patriarca (Ob. cit., p. 6) leciona que a alteração legislativa, que permitiu a emissão por sociedades

limitadas, trouxe a primeira divergência entre o título de dívida e a obbligazione das sociedades anônimas, tendo

em vista que a sociedade limitada não poderá emitir o título sem que se obrigue à restituição da prestação do

investidor, excluindo a possibilidade de utilização do referido instrumento de dívida para causas diversas. 419

“Art. L. 223-11 (Anc. L. no 66-537, 24 juill. 1966; rempl., Ord. n

o 2004-274, 25 mars 2004; mod., L. n

o 2004-

1343, 9 déc 2004). - Une société à responsabilité limitée, tenue en vertu de l'article L. 223-35 de désigner un

commissaire aux comptes et dont les comptes des trois derniers exercices de douze mois ont été régulièrement

approuvés par les associés, peut émettre des obligations nominatives à condition qu'elle ne procède pas à une

offre au public de ces obligations. L'émission d'obligations est décidée par l'assemblée des associés

conformément aux dispositions applicables aux assemblées générales d'actionnaires. Ces titres sont soumis aux

dispositions applicables aux obligations émises par les sociétés par actions, à l'exclusion de celles prévues par

les articles L. 228-39 à L. 228-43 et L. 228-51. Lors de chaque émission d'obligations par une société

remplissant les conditions de l'alinéa 1er, la société doit mettre à la disposition des souscripteurs une notice

relative aux conditions de l'émission et un document d'information selon les modalités fixées par décret en

Conseil d'Etat. A peine de nullité de la garantie, il est interdit à une société à responsabilité limitée de garantir

une émission de valeurs mobilières, sauf si l'émission est faite par une société de développement régional ou s'il

s'agit d'une émission d'obligations bénéficiant de la garantie subsidiaire de l'Etat.” (Deboissy e Wicker, ob. cit.,

p. 165).

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às normas aplicáveis às obrigações emitidas pelas sociedades anônimas, com exceção das

regras previstas nos artigos L. 228-39 a L. 228-43 e L. 228-51.420

Demonstrando-se, por meio do direito comparado, ser admissível a criação e

emissão de títulos de dívida e obrigações – que se assemelham às debêntures brasileiras -, por

sociedades limitadas, temos que enfrentar o último argumento daqueles que defendem a

impossibilidade de emissão por estas, qual seja: a incompatibilidade do tipo societário na

disciplina do Código Civil brasileiro.

Como vimos anteriormente, ao abordarmos a disciplina do direito societário

italiano, as sociedades limitadas são aptas a emitir títulos de dívida. A reforma de 2003 do

CCI acabou com a celeuma sobre o assunto e reconheceu que o tipo societário das limitadas,

com alguns ajustes no campo do regramento do mercado de capitais, conforma-se com a

emissão de títulos assemelhados às debêntures, tanto mediante oferta privada como por meio

de oferta pública. O Code des Sociétés, após a reforma de 2.004, também reconhece a

compatibilidade das limitadas para a emissão de obrigações, em que pese restringi-las à oferta

privada.

Nessa linha, ainda, temos de reconhecer que as sociedades limitadas, na

disciplina do atual Código Civil, quando regidas supletivamente pelas normas das sociedades

anônimas, podem ter notoriamente caráter capitalista e institucional, decorrentes de seu

hibridismo organizacional, em contraposição à velha forma das sociedades por quotas de

responsabilidade limitada, que se caracterizava pela contratualidade e pessoalidade. Ademais,

como referido anteriormente, a CVM já reconheceu, por diversas vezes, a compatibilidade das

sociedades limitadas para a emissão de valores mobiliários, inclusive disciplinando o registro

de emissor desse tipo societário quando da oferta pública de notas comerciais do agronegócio.

Podemos afirmar, assim, seguramente que as sociedades limitadas se enquadram como tipo

societário apto a lançar mão de um título de dívida para o seu financiamento.

420

Cf. Merle (Ob. cit., pp. 261-262). O referido autor explica que os obrigacionistas serão necessariamente

agrupados em uma massa dotada de personalidade jurídica, tendo em vista a necessidade de se defender os

interesses daquela coletividade, isto é, reconhece também a comunhão ou organização de interesses entre os

subscritores das debêntures emitidas pelas sociedades limitadas, aplicando-se as regras relativas às emissões das

sociedades anônimas para regular os direitos e obrigações dessa organização de obrigacionistas.

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163

Além disso, as normas aplicáveis à oferta pública com esforços restritos,

previstas na IN/CVM 476, à semelhança do que ocorre na Itália, são suficientes para adequar

o tipo societário das limitadas aos requisitos necessários exigidos para a proteção dos

investidores e à transparência do mercado. A referida instrução, por exemplo, exige a

subscrição apenas por investidores qualificados e a intermediação por instituições integrantes

do sistema de distribuição de valores mobiliários (art. 2o 421

), além de submeter o emissor a

uma série de obrigações relacionadas à preparação e divulgação das demonstrações

financeiras (art. 17 422

).

Desse modo, portanto, não há que se falar em incompatibilidade do tipo

societário para emissão de debêntures. O direito comparado já demonstrou que o modelo das

limitadas pode ser utilizado para a oferta privada, não havendo óbice, outrossim, para a oferta

pública com esforços restritos, com obrigações específicas a esse tipo de emissor, como já o

faz, muito bem, a regulação brasileira a partir da IN/CVM 476.

A título sugestivo, por fim, tomando como base a evolução normativa do

direito societário italiano e francês, bem como as disposições do CC brasileiro e as regras da

CVM em matéria de oferta pública com esforços restritos, organizamos, a seguir, a disciplina

jurídica que torna a sociedade limitada adequada à criação e emissão de debêntures:

(a) Oferta privada: o contrato social da limitada, para a emissão de

debêntures mediante oferta privada, deverá conter as seguintes previsões:

421

“Art. 2o As ofertas públicas distribuídas com esforços restritos deverão ser destinadas exclusivamente a

investidores qualificados e intermediadas por integrantes do sistema de distribuição de valores mobiliários.” 422

“Art. 17. Sem prejuízo do disposto em regulamentação específica, são obrigações do emissor dos valores

mobiliários admitidos à negociação nos termos do art. 14 desta Instrução: I – preparar demonstrações financeiras

de encerramento de exercício e, se for o caso, demonstrações consolidadas, em conformidade com a Lei nº

6.404, de 15 de dezembro de 1976, e com as regras emitidas pela CVM; II – submeter suas demonstrações

financeiras a auditoria, por auditor registrado na CVM; III – divulgar suas demonstrações financeiras,

acompanhadas de notas explicativas e parecer dos auditores independentes, em sua página na rede mundial de

computadores, dentro de 3 (três) meses contados do encerramento do exercício social; IV – manter os

documentos mencionados no inciso III em sua página na rede mundial de computadores, por um prazo de 3 (três)

anos; V – observar as disposições da Instrução CVM nº 358, de 3 de janeiro de 2002, no tocante a dever de sigilo

e vedações à negociação; VI – divulgar em sua página na rede mundial de computadores a ocorrência de fato

relevante, conforme definido pelo art. 2º da Instrução CVM nº 358, de 2002, comunicando imediatamente ao

intermediário líder da oferta; e VII – fornecer as informações solicitadas pela CVM.”

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(a.1.) Regência supletiva da sociedade limitada pelas normas das

sociedades anônimas (art. 1.053, parágrafo único, do CC423

);

(a.2.) Instituição de Conselho Fiscal (art. 1.066 do CC424

) – que já fora

sugerido por Villemor Amaral425

em regime anterior das

limitadas;

(a.3.) Opção pelo regime da assembleia para as deliberações sociais

(art. 1.072 do CC426

)427

;

(a.4.) Publicidade dos atos societários e das demonstrações financeiras,

adotando-se o modelo de publicação no Diário Oficial da União

ou do Estado, conforme o local da sede da sociedade, e em jornal

de grande circulação (art. 1.152, § 1o, do CC

428)429

.

423

“Art. 1.053. […] Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada

pelas normas da sociedade anônima.” 424

“Art. 1.066. Sem prejuízo dos poderes da assembléia dos sócios, pode o contrato instituir conselho fiscal

composto de três ou mais membros e respectivos suplentes, sócios ou não, residentes no País, eleitos na

assembléia anual prevista no art. 1.078.” 425

Ob. cit., p. 517. 426

“Art. 1.072. As deliberações dos sócios, obedecido o disposto no art. 1.010, serão tomadas em reunião ou em

assembléia, conforme previsto no contrato social, devendo ser convocadas pelos administradores nos casos

previstos em lei ou no contrato.” 427

Como já tivemos a oportunidade de analisar, no artigo Quorum na Nova Sociedade Limitada (In: Sociedade

Limitada Contemporânea. Coleção IDSA. São Paulo: Quartier Latin, 2013, p. 558/559), “o legislador conferiu

tratamento diferenciado às duas formas de conclave” [...] “tanto que o Enunciado 226 do Conselho de Justiça

Federal, aprovado na III Jornada de Direito Civil, admite a alteração do quorum mínimo de instalação, por meio

de disposição contratual, apenas para as sociedades sujeitas às deliberações na forma de reunião de sócios,

conforme a seguir transcrito: ‘226 – Art. 1.074: A exigência da presença de três quartos do capital social, como

quorum mínimo de instalação em primeira convocação, pode ser alterada pelo contrato de sociedade limitada

com até dez sócios, quando as deliberações sociais obedecerem à forma de reunião, sem prejuízo da observância

das regras do art. 1.076 referentes ao quorum de deliberação.” Portanto, o regime da assembleia é mais formal

que o da reunião de sócios, inclusive no tocante à publicidade do ato convocatório, tanto que as assembleias

devem observar as regras do CC e, nos casos omissos, as disposições do contrato social. Inversamente, nas

reuniões de sócios devem ser observadas, em primeiro lugar, as regras emanadas do contrato social e, em sua

omissão, as normas aplicáveis às assembleias, isto é, o regime legal das assembleias é supletivo do modelo

contratual estabelecido para as reuniões. 428

“§1o. Salvo exceção expressa, as publicações ordenadas neste Livro serão feitas no órgão oficial da União ou

do Estado, conforme o local da sede do empresário ou da sociedade, e em jornal de grande circulação.” 429

Enquanto não se altera a legislação vigente para permitir a divulgação das informações financeiras e atos

societários apenas por meio da página da sociedade na internet, o que tornaria a publicação menos custosa e

estimularia a transparência da estrutura de governo societário nas limitadas.

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165

(b) Oferta pública com esforços restritos: além de observar os quatro itens

anteriores aplicáveis às ofertas privadas, que modelam o contrato social

da limitada, deve-se atender às disposições da IN/CVM 476, a seguir

relacionadas:

(b.1.) Procura de, no máximo, 50 (cinquenta) investidores

qualificados430

e a subscrição das debêntures por, no máximo, 20

(vinte) investidores qualificados431

(arts. 2o e 3

o da IN/CVM 476);

(b.2.) Intermediação da oferta por integrantes do sistema de distribuição

de valores mobiliários (art. 2o da IN/CVM 476);

(b.3.) Preparação das demonstrações financeiras de encerramento de

exercício e, se for o caso, demonstrações consolidadas, em

conformidade com a LSA e com as regras emitidas pela CVM

(art. 17, I, da IN/CVM 476);

(b.4.) Auditoria independente das demonstrações financeiras, realizada

por auditor registrado na CVM (art. 17, II, da IN/CVM 476);

(b.5.) Divulgação das demonstrações financeiras, acompanhadas de

notas explicativas e parecer da auditoria independente, em sua

página na internet, dentro de 3 (três) meses contados do

encerramento do exercício social (art. 17, III, da IN/CVM 476),

ou seja, com 1 (um) mês de antecedência da realização da

430

A definição de investidor qualificado, para fins de oferta pública com esforços restritos, está prevista no art.

4o da IN/CVM 476, a saber: “Art. 4

o. Para os fins desta Instrução, consideram-se investidores qualificados, os

referidos no art. 109 da Instrução CVM no 409, de 18 de agosto de 2004, observado que: I – todos os fundos de

investimento serão considerados investidores qualificados, mesmo que se destinem a investidores não-

qualificados; e II – as pessoas naturais e jurídicas mencionadas no inciso IV do art. 109 da Instrução CVM nº

409, de 2004, deverão subscrever ou adquirir, no âmbito da oferta, valores mobiliários no montante mínimo de

R$1.000.000,00 (um milhão de reais).” 431

Direciona-se a oferta a apenas um número restrito de potenciais subscritores, tendo em vista a limitação de

divulgação da oferta contida no parágrafo único do art. 2o da Instrução CVM n

o 476/2009, que assim dispõe:

“Não será permitida a busca de investidores através de lojas, escritórios ou estabelecimentos abertos ao público,

ou com a utilização de serviços públicos de comunicação, como a imprensa, o rádio, a televisão e páginas abertas

ao público na rede mundial de computadores.”

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assembleia geral ordinária – assemelha-se ao disposto no artigo

133 da LSA;

(b.6.) Mantença dos documentos mencionados no item anterior

(b.5.), disponíveis por, no mínimo, 3 (três) anos, na página

da sociedade na internet (art. 17, IV, da IN/CVM 476);

(b.7.) Sujeição às disposições da Instrução CVM no 358, de 3 de

janeiro de 2002, no tocante ao dever de sigilo (art. 8o) e às

restrições à negociação (art. 13), com debêntures de

emissão da sociedade (art. 17, V, da IN/CVM 476);

(b.8.) Divulgação de fato relevante (art. 2o da Instrução CVM n

o

358, de 2002), na página da sociedade na internet,

comunicando imediatamente à instituição intermediária da

oferta (art. 17, VI, da IN/CVM 476); e

(b.9.) Atendimento das solicitações formuladas pela CVM, no

tocante ao fornecimento de informações da sociedade.

Percebe-se, do rol acima, uma nítida distinção entre os ajustes de

natureza societária - a constarem no contrato social -, e as obrigações do emissor decorrentes

da regulação do mercado de capitais – a serem previstas na escritura de emissão432

. As

adaptações societárias são aquelas listadas no item da oferta privada, mas que, também, se

aplicam às sociedades que pretenderem realizar oferta pública com esforços restritos. Por

outro lado, as obrigações impostas pela regulação da CVM, listadas no item “b”, aplicam-se

apenas à oferta pública e têm natureza diversa, mais afeita às regras do mercado de capitais.

432

Nesse sentido, o §1o do art. 17 da IN/CVM 476 estabelece que “somente poderão ser negociados em

mercados regulamentados os valores mobiliários cujos instrumentos jurídicos reproduzam as obrigações do

emissor previstas neste artigo”, ou seja, o instrumento jurídico aqui referido é a escritura de emissão, no caso da

oferta pública com esforços restritos, já que a ausência de registro na CVM dispensa a elaboração de prospecto

da oferta.

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167

Em conclusão, não há porque recusar a emissão de debêntures pela

sociedade empresária limitada, tanto por meio de oferta privada como através de oferta

pública com esforços restritos, tendo em vista que: (i) inexiste vedação legal; (ii) admite-se a

regência supletiva da LSA; (iii) reconhece-se a compatibilidade do tipo societário para

emissão de valores mobiliários (IN/CVM 422 e 480); e (iv) existe disciplina jurídica

específica, contida na IN/CVM 476, para a oferta pública com esforços restritos.

1.2. Emissão de debêntures por sociedades cooperativas

À vista do que já se discorreu no tópico anterior, reconhece-se também que a

sociedade cooperativa - regida pelo Código Civil (arts. 1.093 a 1.096) e pela Lei no 5.764, de

16 de dezembro de 1.971 -, é tipo societário compatível com a emissão de debêntures. Não há

como diferençá-la das limitadas. A própria CVM reconhece expressamente a possibilidade de

emissão de valores mobiliários pelas cooperativas. Além da Instrução CVM no 422/2005,

referida anteriormente, a Instrução CVM no 480/2009, em seu artigo 33, parágrafo único, do

mesmo modo que permite a emissão de notas comerciais pelas limitadas, também passou a

admitir a emissão de notas comerciais do agronegócio (NCA) pelas sociedades organizadas

sob a forma de cooperativa, conforme a seguir transcrito:

“Art. 33. […]

Parágrafo único. Além das formas societárias previstas no caput, emissores que

emitam exclusivamente notas comerciais do agronegócio – NCA, para distribuição

ou negociação pública, podem se organizar sob a forma de cooperativa agrícola.”

Como já mencionado, quando da análise da emissão por limitadas, a Audiência

Pública no

05/2008 (Relatório de Análise SDM), realizada pela CVM, sobre a minuta da

IN/CVM 476, também reconheceu a possibilidde de realização de ofertas públicas com

esforços restritos pelas sociedades cooperativas, conforme nos recordou André Grünspun

Pitta.433

433

Ob. cit., p. 527. Explica o autor: “À época em que a minuta da referida regulamentação foi submetida à

audiência pública, a própria Comissão de Valores Mobiliários reconheceu que não apenas as sociedades por

ações, mas também outros tipos societários, como as sociedades limitadas e cooperativas, poderiam realizar as

ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários com esforços restritos de colocação objeto da mesma.”

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É indiscutível, portanto, que a cooperativa comporta a emissão de valores

mobiliários e, consequentemente, de debêntures. A questão que se coloca é a ausência de

previsão de regência supletiva, tanto no CC como na lei especial, das normas das sociedades

anônimas. Todavia, cabe lembrar que a Lei no 5.764/71 é anterior à atual LSA e à época as

debêntures estavam disciplinadas em diploma específico. O regime do Decreto-lei no

2.627/1940 não previa a emissão de debêntures pelas companhias, regulando apenas a

emissão de partes beneficiárias. As debêntures eram reguladas pelo Decreto-Lei no 781, de 12

de outubro de 1.938, o qual estabelecia em seu artigo 1o a possibilidade de emissão pela

sociedade anônima, comandita por ações, ou por sociedade autorizada por lei especial434

. A

sociedade cooperativa poderia se enquadrar justamente nesta última hipótese, já que seu

regime jurídico estava integralmente disciplinado em lei especial.

Ainda, como já afirmado na evolução histórico-normativa do direito brasileiro,

é curioso notar que não consta revogação expressa do Decreto-Lei no 781/1938, podendo-se

afirmar que parte do Decreto continua em vigor, especialmente no tocante à emissão de

obrigações ou debêntures por sociedades autorizadas por lei especial, como é o caso das

cooperativas, já que houve a revogação tácita da emissão por sociedades anônimas e

comandita por ações, atualmente disciplinada pela LSA.

Por outro lado, a estrutura orgânica das cooperativas se assemelha em muito à

adotada pelas anônimas, prevendo como órgãos sociais a assembleia, diretoria e conselho de

administração, além do conselho fiscal (art. 56 da no 5.764/71

435), que deve estar previsto,

obrigatoriamente, no Estatuto. Além disso, o artigo 112 da Lei no 5.764/71

436 estabelece que

as demonstrações financeiras (balanço geral e relatório do exercício) das cooperativas devem

ser submetidas à análise dos órgãos de controle437

e, a juízo destes, também ao crivo de

434

“Art. 1º Os empréstimos por obrigações ao portador (debentures) contraidos pelas sociedades anônimas, ou

em comandita por ações, ou pelas autorizadas por leis especiais, criarão, quando tal condição constar do

manifesto da sociedade e do contrato devidamente inscrito, uma comunhão de interesses entre os portadores dos

títulos da mesma categoria, a saber, emitidos com fundamento no mesmo ato, subordinados às mesmas

condições de amortização e juros, e gozando das mesmas garantias.” (grifo nosso) 435

“Art. 56. A administração da sociedade será fiscalizada, assídua e minuciosamente, por um Conselho Fiscal,

constituído de 3 (três) membros efetivos e 3 (três) suplentes, todos associados eleitos anualmente pela

Assembléia Geral, sendo permitida apenas a reeleição de 1/3 (um terço) dos seus componentes.” 436

“Art. 112. O Balanço Geral e o Relatório do exercício social que as cooperativas deverão encaminhar

anualmente aos órgãos de controle serão acompanhados, a juízo destes, de parecer emitido por um serviço

independente de auditoria credenciado pela Organização das Cooperativas Brasileiras.” 437

O art. 92 da Lei no 5.764/71 estabelece, conforme a atividade, os órgãos de fiscalização e controle das

cooperativas: “Art. 92. A fiscalização e o controle das sociedades cooperativas, nos termos desta lei e

dispositivos legais específicos, serão exercidos, de acordo com o objeto de funcionamento, da seguinte forma: I -

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169

auditoria independente credenciada junto à Organização das Cooperativas Brasileiras. A

referida lei e o Manual de Cooperativas do DNRC (aprovado pela Instrução Normativa no

101/2006), ainda, prevê a publicidade do edital de convocação e das atas das assembleias

gerais da cooperativa em jornal de circulação regular e geral438

.

Portanto, é de se concluir que as sociedades cooperativas preenchem os

requisitos necessários para a oferta privada de debêntures, bem como estão aptas a realizar a

oferta pública com esforços restritos, nos termos da IN/CVM 476/2009, desde que atendam os

requisitos mencionados no tópico anterior para esse tipo de oferta.

Aliás, a discussão sobre a emissão de obrigações por cooperativas no direito

italiano foi superada com a entrada em vigor da Lei 448/1998, que autorizou expressamente

as sociedades cooperativas a fazer uso do referido valor mobiliário. Sergio Luoni explica,

ainda, que o Testo Unico bancário foi modificado pelo Decreto legislativo n. 342, de 4 de

agosto de 1.999, para permitir que a cooperativa se habilitasse à captação de recursos junto ao

público investidor.439

Já a definição dos critérios de emissão foram estabelecidos pelo CICR

(Comitato Interministeriale per il Credito e il Risparmio), em deliberação de 3 de maio de

1.999, na qual se fixaram o limite de emissão, a obrigação de certificação anual das

demonstrações financeiras e as modalidades de informação ao público.

Nesse quadro normativo, inseriu-se a reforma do direito societário italiano440

que, nos termos do artigo 2.526441

do CCI, sujeitou a cooperativa ao regime jurídico e ao

as de crédito e as seções de crédito das agrícolas mistas pelo Banco Central do Brasil; II - as de habitação pelo

Banco Nacional de Habitação; III - as demais pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.” 438

O Manual das Cooperativas, aprovado pela Instrução Normativa no 101, de 19 de abril de 2006, do

Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC), orienta a publicação das atas das assembleias das

cooperativas da seguinte forma: “A publicação do edital de convocação será feita, por uma vez, em jornal de

circulação regular e geral, editado ou não no município da sede da cooperativa (não serão aceitas, portanto,

publicações em jornais ou informativos de cooperativas de produção, prefeituras municipais, clubes, associações,

etc. ou publicado em folha sem identificação do jornal ou sem determinação precisa da data de publicação.)” 439

Ob. cit., pp. 53-54. 440

O novo regime do CCI introduziu, também, a distinção entre soci cooperatori e soci finanziatori. Este último

caracterizado pela remuneração não vinculada ao lucro da sociedade e pela inexistência de direitos políticos, tal

como o direito de voto, ou de interferência na vida social, como ensina Buonocore (Manuale di Diritto

Commerciale. 10a ed. Turim: G. Giappichelli, 2011, p. 637).

441 “2526. SOCI FINANZIATORI E ALTRI SOTTOSCRITTORI DI TITOLI DI DEBITO. L'atto costitutivo

può prevedere l'emissione di strumenti finanziari, secondo la disciplina prevista per le società per azioni. L'atto

costitutivo stabilisce i diritti patrimoniali o anche amministrativi attribuiti ai possessori degli strumenti

finanziari e le eventuali condizioni cui è sottoposto il loro trasferimento. I privilegi previsti nella ripartizione

degli utili e nel rimborso del capitale non si estendono alle riserve indivisibili a norma dell'articolo 2545 ter. Ai

possessori di strumenti finanziari non può, in ogni caso, essere attribuito più di un terzo dei voti spettanti

all'insieme dei soci presenti ovvero rappresentati in ciascuna assemblea generale. (2) Il recesso dei possessori

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sistema de organização da sociedade anônima no tocante à emissão de instrumentos

financeiros - enquanto gênero que comporta suas espécies: titoli di debito, obbligazioni ed

altri strumenti finanziari.

Amparando-se no direito pátrio e no direito comparado, conclui-se pela

possibilidade de emissão de debêntures por sociedades cooperativas, tanto por meio de ofertas

privadas como mediante oferta pública com esforços restritos.

di strumenti finanziari forniti del diritto di voto è disciplinato dagli articoli 2437 e seguenti. La cooperativa cui

si applicano le norme sulla società a responsabilità limitata può offrire in sottoscrizione strumenti privi di diritti

di amministrazione solo a investitori qualificati.” (Adolfo Majo, ob. cit., p. 675)

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2. NEGÓCIOS JURÍDICOS COM DEBÊNTURES

A criatividade do mercado faz com que novos negócios sejam realizados com o

uso de debêntures. Tanto a sociedade emissora como o debenturista podem emprestar as

debêntures ou empregá-las em garantia de operações junto a terceiros. Reorganizações

societárias complexas também podem empregar debêntures em sua estratégia de alocação dos

recursos. Administradores, exercentes do controle gerencial e que não queiram ser alijados de

seus cargos, têm a habilidade de criar, por meio das debêntures, mecanismos de proteção (as

chamadas poison pills do direito norte-americano) que podem desestimular a aquisição de

controle por acionistas da companhia ou por terceiros. A sociedade emissora pode criar novas

debêntures para substituir série já colocada, por meio de dação em pagamento. Enfim,

negócios jurídicos que merecem ser analisados neste trabalho, de modo a retratar o que já foi

escrito sobre o tema e, também, para estimular novos estudos e debates, teóricos e práticos,

que possam contribuir para a consolidação dos usos a que estão sujeitas as debêntures.

2.1. Empréstimo de debêntures e sua natureza de negócio fiduciário

O empréstimo442

de debêntures se revela negócio jurídico realizado entre

mutuante e mutuário que tem por objeto o uso das debêntures para fins de garantia de

operações contraídas pelo mutuário junto a terceiros.443

442

Parte da doutrina (Carvalhosa, ob. cit., p. 742) prefere a expressão locação de debêntures, por entender que o

negócio revela uma locação e não um mútuo. Usa-se, também, no jargão do mercado de valores mobiliários a

expressão aluguel de debêntures. 443

A Revista Capital Aberto (Ano 4, no 40, Dezembro/2006, p. 6) noticiou a inovação: “Dez anos depois dos

primeiros negócios com empréstimo de ações, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editou, no último dia

10 de novembro, a Instrução 441, que estende o serviço para todos os valores mobiliários. A regulamentação é

ampla, mas no primeiro momento apenas o aluguel de debêntures estará disponível. […] A demanda do mercado

pelo aluguel de debêntures vai ao encontro do cenário macroeconômico, com juros em queda e maior interesse

dos investidores por títulos de crédito privado. Além disso, a estratégia pretende aumentar a negociação desses

papéis, atualmente sem mercado secundário. […] Teoricamente, todas as debêntures custodiadas na CBLC

poderão ser negociadas — via Banco de Títulos da câmara, o BTC. No entanto, uma comissão de renda fixa

analisará o potencial de locação de cada uma das emissões. O objetivo é impedir, por exemplo, o aluguel de

papéis por poucas tesourarias, de modo a evitar que os riscos de inadimplência reduzam a segurança dos

investidores.”

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172

A sociedade emissora ou o debenturista podem emprestar as debêntures que

estiverem em sua propriedade para terceiros. Carvalhosa leciona que “os títulos em tesouraria

adquiridos no mercado pela companhia emissora prestam-se a operações de locação a

terceiros, que necessitam caucioná-los em certames públicos ou destiná-los a qualquer outro

fim lícito.”444

O uso de valores mobiliários em operações de empréstimo é recente no

mercado brasileiro. Iniciou-se em 1.996 com o empréstimo de ações, cuja operação foi

autorizada pelo Conselho Monetário Nacional em sua Resolução nº 2.268, de 10 de abril

daquele ano, por meio do qual “as entidades prestadoras de serviços de liquidação, registro e

custódia ficam autorizadas a manter serviço de empréstimo de ações de emissão de

companhias abertas, nelas custodiadas”445

, sendo que o empréstimo é condicionado à

autorização prévia e por escrito dos titulares das ações objeto da operação. Um dia após a

Resolução do CMN, a CVM editou a Instrução nº 249 (de 11 de abril de 1.996) para regular o

empréstimo de ações, sendo posteriormente alterada pela Instrução CVM nº 277/98.

Como noticiado amplamente na imprensa, dez anos após a autorização do

empréstimo de ações, o Conselho Monetário Nacional resolveu ampliar a operação para

outros tipos de valores mobiliários e editou a Resolução nº 3.278, de 28 de abril de 2.005,

revogando expressamente a Resolução CMN nº 2.268/1996. Posteriormente, a Resolução

CMN nº 3.278/2005 foi revogada pela vigente Resolução CMN nº 3.539, de 28 de fevereiro

de 2.008, alterando-se a disposição sobre a garantia do empréstimo, cuja redação atual é a

seguinte:

“Art. 2º. Em garantia do empréstimo de valores mobiliários, o tomador deve

oferecer, em caução, ativos aceitos pela câmara ou pelo prestador de serviços de

compensação e de liquidação, em valor suficiente para assegurar a certeza da

liquidação de suas operações, em conformidade com o disposto no art. 4º da Lei

10.214, de 2001, e em regulamentação complementar.”

Nessa mesma esteira, a CVM baixou a Instrução nº 441, de 10 de novembro de

2.006, posteriormente modificada pela Instrução CVM nº 466/08, revogando as Instruções

anteriores que dispunham sobre o tema (Instruções CVM nºs 249/96, 277/98 e 300/99).

444

Ob. cit., p. 742. 445

Texto do art. 1º da Resolução CMN nº 2.268/1996.

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173

De acordo com a referida Instrução, as entidades de compensação e liquidação

de operações devem elaborar regulamento do serviço de empréstimo e somente devem admitir

tais negócios com valores mobiliários que estejam em custódia nas entidades autorizadas pela

CVM a prestar tal serviço. Destaca-se, ainda, que os valores mobiliários devem estar livres de

ônus ou gravames, que impeçam sua circulação, para que possam ser empregados em

operações de empréstimo446

.

Carvalhosa defende que a natureza jurídica do negócio, ora em análise, é a de

locação e não de mútuo. Explica o ilustre comercialista o seguinte:

“[...] o mútuo é contrato de empréstimo de coisas fungíveis que, portanto, não

podem ser individualizadamente restituídas, fazendo-o o mutuário pelo equivalente

– tantundem eiusdem generis et qualitatis. No mútuo, a propriedade da coisa

fungível transfere-se a quem a tomou emprestada. O pressuposto do mútuo quanto

ao seu objeto é que, pela impossibilidade de ser restituída a coisa fungível na sua

individualidade, cuida-se de um contrato translativo. Tais características não se

coadunam sob nenhum aspecto com o contrato de locação de debêntures. Em

primeiro lugar porque se trata de títulos infungíveis, na medida em que

obrigatoriamente nominativos (escriturais), com sua identificação plena,

determinada em lei. A nominatividade compulsória (Lei n. 8.021, de 1990) retira

qualquer possibilidade de ser arguida a fungibilidade desses títulos. Ademais, seria

impossível aplicar-se à locação de debêntures a figura do mútuo, já que não se pode

garantir a devolução de igual quantidade da mesma classe quando o estoque, em

mãos do público, não pudesse suprir toda a devolução.”447

Por outro lado, com todo respeito ao entendimento acima exposto, parece-nos

que a operação de empréstimo de debêntures é sui generis e, por isso, tem a natureza de

negócio fiduciário448

, como espécie de negócio indireto, tendo em vista suas particularidades

446

A nosso ver, o empréstimo poderia ser realizado, mesmo existindo o gravame ou ônus, se houvesse a

concordância daquele a quem o gravame ou ônus favorece, já que a operação de empréstimo deve ser garantida

nos termos do art. 2º da Resolução CMN nº 3.539/2.008 e do art. 4º, §1º, III, da Instrução CVM nº 441/2.006,

com a redação modificada pela Instrução CVM nº 466/2.008, sendo que esta última regra obriga o tomador do

empréstimo a oferecer caução à câmara ou ao prestador de serviços de compensação e liquidação, em valor

suficiente para assegurar a liquidação de suas operações, em conformidade ao disposto no art. 4º da Lei nº

10.214, de 27 de março de 2.001. O registro do gravame ou ônus continuaria vinculado à conta do mutuante, já

que a mesma estaria garantida pela obrigação da câmara ou prestador de serviço de compensação e liquidação de

atuar como parte contratante e liquidar a operação, restituindo-se à conta do mutuante um valor mobiliário da

mesma espécie e qualidade do valor mobiliário emprestado. Todavia, essa operação dependeria da existência de

regras próprias para regular a vinculação da operação e a proteção daquele beneficiário do ônus ou gravame. 447

Ob. cit., p. 743. 448

Cf. LIMA, Otto de Sousa. Negócio Fiduciário. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1962. Leciona o

referido jurista (Ob. cit., p. 127): “Viu-se, através da longa exposição histórica, que a fidúcia, quer em sua forma

romana, quer em sua forma germânica e, ainda, em sua forma inglesa, ao lado de funções mais variadas e de

aplicações as mais diversas, exercia, precipuamente, a função de preencher as lacunas de dado sistema jurídico.

O direito de então, como se assinalou, tinha nítido caráter de estreiteza e era preso a solenidades que impediam

sua perfeita aplicação às necessidades correntes. Mas, as necessidades da vida e o desenvolvimento das

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174

e elementos característicos, que dificultam seu enquadramento em categorias tradicionais do

direito contratual, tais como a locação e o mútuo.449

Como bem retratou Antonio Junqueira de Azevedo, ao citar a definição de Otto

de Sousa Lima, em monografia sobre a matéria, o negócio fiduciário “é aquele em que se

transmite uma coisa ou direito a outrem, para determinado fim, assumindo o adquirente a

obrigação de usar deles segundo aquele fim e, satisfeito este, de devolvê-los ao

transmitente”.450

Antonio Junqueira de Azevedo vai além e desenvolve o conceito acima

transcrito no seguinte sentido: “haverá negócio fiduciário toda vez que uma atribuição

patrimonial (a transmissão de um direito) for realizada com um fim prático mais restrito

em relação à totalidade das faculdades e poderes transferidos, estabelecendo as partes,

com base na confiança (fidúcia), que, apesar desse excesso, o fiduciário (parte beneficiada

com a atribuição patrimonial) deverá exercer a posição jurídica que lhe é outorgada somente

em conformidade com o fim mais limitado visado especificamente pelas partes.”451

(grifo do

autor)

Para Silvio Rodrigues, em parecer emitido sobre o tema, o negócio fiduciário

se verifica “quando uma das partes, querendo obter fim econômico determinado, transmite a

terceiro a titularidade de um direito contra o empenho, por parte do adquirente, de devolvê-lo,

uma vez atingido o fim que se tinha em mente. Trata-se, externamente, de uma transferência

pura de domínio, mas que, internamente, não representa o efetivo querer dos contratantes”452

.

atividades humanas exigiam, sempre, novas formas e novos tipos jurídicos. De outro lado, é evidente que

qualquer sistema jurídico não poderá ser renovado diariamente para a satisfação daquelas novas necessidades, e,

aí, torna-se imprescindível a sua adaptação, visando a normalizar aquelas novas exigências sociais. Eis, pois, o

campo de aplicação da fidúcia: tornar dúctil um sistema jurídico fechado.” 449

Ascarelli, em seu estudo sobre o negócio indireto (In: Problemas das Sociedades Anônimas e Direito

Comparado. 1ª reimpressão. São Paulo: Quorum, 2008, p. 155), elaborado em homenagem a Vivante, ensina que

a inércia jurídica leva ao suprimento de novas necessidades com a adaptação de velhos institutos e “nessa

adaptação, a nova exigência é satisfeita através de um velho instituto que traz consigo as suas formas e a sua

disciplina, e oferece à nova matéria, ainda em ebulição, um velho arcabouço já conhecido e seguro. As velhas

formas e a velha disciplina não são abandonadas de chofre, mas só lenta e gradualmente, de maneira que, muitas

vezes, por longo tempo, a nova função vive dentro da velha estrutura, e assim se plasma, enquadrando-se no

sistema”. 450

AZEVEDO, Antonio Junqueira. Novos Estudos e Pareceres de Direito Privado. 1ª ed. 2ª tiragem. São Paulo:

Saraiva, 2010, p. 111. 451

Ob. cit., p. 111. 452

Negócio fiduciário. In: Direito Civil Aplicado. 1º Vol. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 175.

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O negócio jurídico em comento, apesar de transferir a posição de debenturista

ao mutuário, pode restringir o exercício de determinados direitos, tanto é que a própria

Instrução CVM nº 441/2006, em seu art. 4º, §1º, inciso II, admite que o regulamento do

serviço de empréstimo discipline “o tratamento a ser conferido aos direitos inerentes aos

valores mobiliários utilizados na operação de empréstimo”.

Ascarelli explica que o negócio fiduciário constitui um negócio indireto e que

“a característica do negócio fiduciário decorre do fato de se prender a uma transmissão da

propriedade e, ainda, porque seu efeito de direito real é parcialmente neutralizado por uma

convenção entre as partes; por conseguinte, o adquirente pode aproveitar-se da propriedade

que adquiriu apenas para o fim especial visado pelos contratantes, sendo obrigado a devolvê-

la uma vez preenchido aquele fim.”453

Ensina, ainda, o eminente jurista, que “o uso da transferência da propriedade

para finalidades indiretas” pode se dar para fins de garantia, de mandato e de depósito.

“Assim, num caso típico de negócio fiduciário, como, por exemplo, a transferência da

propriedade para fins de garantia, a transmissão é efetivamente desejada pelas partes, não

porém para um fim de troca, mas para um fim de garantia.”454

José de Oliveira de Ascensão leciona que a alienação do bem pode se dar com

função de garantia, visando assegurar a satisfação do credor em caso de inadimplemento do

devedor. As partes não querem efetivamente transmitir a propriedade do bem ao final do

negócio. O jurista português distingue dois tipos de negócio fiduciário: (i) a fiducia cum

creditore, em que a transmissão do bem se dá para fins de garantia; e (ii) a fiducia cum

amicum, cujo objetivo da transferência é a administração dos bens.455

Para Joaquín Garriguez, por sua vez, o negócio fiduciário é realizado por meio

de endosso fiduciário, em razão da transferência da propriedade do título, sendo que: “el

endoso fiduciario se caracteriza por la contraposición neta entre el lado real y el lado

obligatorio: el endosatario (fiduciario) adquiere la propriedad formal y material de los

títulos, convirtiéndose em proprietario y acreedor absoluto, mientras que el endosante

453

Ob. cit., p. 159. 454

Ob. cit., p. 160. 455

Ob. cit., p. 251.

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(fiduciante) pierde la propriedad de los títulos y del crédito y adquiere sólo um derecho

personal contra el endosatario para que éste haga de los títulos un uso conforme a la

finalidad preestabelecida.”456

Interessante a revelação de Garriguez a respeito da transmissão fiduciária em

que há a troca de posições: de titular das debêntures para credor do fiduciário e do devedor do

fiduciante em titular das debêntures. Aquele que detinha uma posição jurídica de natureza

real, como titular de uma coisa móvel, transmuda-se em sujeito de uma relação de natureza

obrigacional. Com a extinção do empréstimo e a devolução da coisa, o sujeito volta à posição

jurídica de titular da coisa emprestada – que pode não ser necessariamente a mesma, mas

outra de igual espécie e qualidade. Tem-se aí o término da relação obrigacional e uma nova

transmissão da titularidade ou propriedade do bem – por meio de endosso real, nas palavras

do jurista espanhol -, com o retorno da coisa ao seu titular ou proprietário inicial.

Segundo Garriguez, parte da doutrina toma como base a separação entre a

propriedade formal e a propriedade material, sendo a primeira transferida ao fiduciário e a

segunda mantida pelo fiduciante. Leciona, ainda, sobre a importância da separação da

propriedade em razão da quebra do fiduciário: “concebido así el negocio fiduciario, es claro

que el fiduciante sigue siendo dueño materialmente de la cosa transmitida, y puede separarla

de la masa de la quiebra del fiduciario”457

.

Nessa linha, a nossa lei de recuperação e falência de empresas estabelece que o

crédito do “credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis” não se

sujeitará aos efeitos da recuperação judicial, prevalecendo os direitos de propriedade sobre a

coisa e as condições contratuais, nos termos do art. 49, §3º, da Lei nº 11.101, de 09 de

fevereiro de 2.005458

(doravante “LRF”).

456

DIAZ-CAÑABATE, Joaquín Garrigues. Negocios fiduciarios en el Derecho Mercantil. Madri: Civitas, 1978,

pp. 76-77. 457

Ob. cit., pp. 82-83. 458

“§3º. Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de

arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham

cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em

contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e

prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação

respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o §4º. do art. 6o desta Lei, a

venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.”

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177

Ademais, em caso de falência, a relação contratual entre fiduciante e fiduciário

será resolvida com base na exceção contida no art. 119, inciso VIII459

, da LRF, que estabelece

o vencimento antecipado da obrigação e a sua liquidação na forma prevista no regulamento do

serviço de empréstimo de valores mobiliários, nas hipóteses em que houver “acordo para

compensação e liquidação de obrigações no âmbito do sistema financeiro nacional, nos

termos da legislação vigente”. Neste caso, a entidade prestadora do serviço de empréstimo

tem, nos termos da Instrução CVM nº 441/2006, em razão de cláusula obrigatória do

regulamento do serviço, a “faculdade de realizar as garantias, na forma da Lei nº 10.214, de

27 de março de 2.001, independentemente de notificação judicial ou extrajudicial, quando o

tomador deixar de atender obrigações decorrentes dessa operação, nos termos do

regulamento”460

.

Se o empréstimo de debêntures tivesse a natureza de locação, como defende

Carvalhosa, a operação não estaria sujeita às regras citadas acima, mas às disposições da LRF

aplicáveis aos contratos de locação. Por exemplo, no caso de falência do locatário das

debêntures, aplicar-se-ia a regra contida no art. 119, inciso VII, da LRF, e não aquela

anteriormente mencionada, prevista no inciso VIII do mesmo artigo. Neste caso, a norma

estabelece apenas que o administrador judicial pode, a qualquer tempo, denunciar o contrato,

mas não prevê a possibilidade de liquidação da operação na forma prevista em regulamento e

não admite a “compensação de eventual crédito que venha a ser apurado em favor do falido

com créditos detidos pelo contratante”.

E mais, no caso de recuperação judicial, diferentemente da proteção conferida

ao proprietário fiduciário, cujo crédito não está submetido aos efeitos da recuperação judicial,

o locador das debêntures estaria em posição idêntica ao locador de imóvel, cujo crédito

sujeitar-se-ia à recuperação judicial nos termos do caput do artigo 49, inclusive aquele ainda

não vencido.

459

“VIII – caso haja acordo para compensação e liquidação de obrigações no âmbito do sistema financeiro

nacional, nos termos da legislação vigente, a parte não falida poderá considerar o contrato vencido

antecipadamente, hipótese em que será liquidado na forma estabelecida em regulamento, admitindo-se a

compensação de eventual crédito que venha a ser apurado em favor do falido com créditos detidos pelo

contratante”. 460

Art. 4º, §1º, inciso IV, da Instrução CVM nº 441/2.006.

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178

Demonstra-se, assim, que a natureza de negócio fiduciário é mais adequada ao

tratamento das posições jurídicas inerentes ao empréstimo de debêntures, tendo em vista as

peculiaridades do negócio, em que há uma relação tripartite formada a partir de vínculos

estabelecidos entre o mutuante e o mutuário, indiretamente, e entre estes e o intermediário da

operação, diretamente, mesmo que o órgão regulador, para fins de ajuste da responsabilidade

das partes, não reconheça o vínculo entre os mutuantes e os tomadores de empréstimo,

atribuindo a responsabilidade pela restituição do valor mobiliário unicamente ao

intermediário, nos termos do art. 10 da Instrução CVM nº 441/2006461

.

E a intermediação da operação revela-se uma interposição real, que resulta em

um negócio fiduciário, nas palavras de Garriguez a seguir transcritas: “La persona interpuesta

actúa como verdadeiro contratante en el negocio jurídico, el cual en vez de desenvolverse

entre dos partes, se desenvuelve entre tres personas. El intermediario está em el medio para

recibir y transferir o para obligarse y ser liberado. Durante este estado transitorio el

intermediario se convierte en dueño o en deudor y se convierte en realidad, si bien

económicamente no puede decirse que su patrimonio aumente o disminuya.”462

Nessa posição interposta, o prestador do serviço de empréstimo de valores

mobiliários responsabiliza-se perante o fiduciante, assegurando a este o seu direito de reaver a

coisa emprestada. E o intermediador não se obriga à toa. Ele recebe em caução do tomador o

valor suficiente para assegurar a liquidação da operação, nos termos do regulamento e em

conformidade ao disposto no art. 4º da Lei nº 10.214, de 27 de março de 2.001463

, podendo

assumir a posição de contratante para fins de liquidação das obrigações.

O art. 3º da Lei nº 10.214/2001, por sua vez, disciplina o modo de liquidação

das obrigações em caso de inadimplemento de um dos participantes:

461

“Art. 10. Ressalvadas as disposições dos contratos de empréstimo, as entidades prestadoras desse serviço são

responsáveis, perante os titulares dos valores mobiliários emprestados, pela sua reposição e a dos eventuais

direitos a estes atribuídos no período de empréstimo, não se estabelecendo qualquer vínculo entre os mutuantes e

os tomadores de empréstimo.” 462

Ob. cit., pp. 51-52. 463

“Art. 4º. Nos sistemas em que o volume e a natureza dos negócios, a critério do Banco Central do Brasil,

forem capazes de oferecer risco à solidez e ao normal funcionamento do sistema financeiro, as câmaras e os

prestadores de serviços de compensação e de liquidação assumirão, sem prejuízo de obrigações decorrentes de

lei, regulamento ou contrato, em relação a cada participante, a posição de parte contratante, para fins de

liquidação das obrigações, realizada por intermédio da câmara ou prestador de serviços.”

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179

“Art. 8º. Nas hipóteses de que trata o artigo anterior, ou quando verificada a

inadimplência de qualquer participante de um sistema, a liquidação das obrigações,

observado o disposto nos regulamentos e procedimentos das câmaras ou prestadores

de serviços de compensação e de liquidação, dar-se-á:

I - com a tradição dos ativos negociados ou a transferência dos recursos, no caso de

movimentação financeira; e

II - com a entrega do produto da realização das garantias e com a utilização dos

mecanismos e salvaguardas de que tratam os §§ 2º e 3º do art. 4º, quando

inexistentes ou insuficientes os ativos negociados ou os recursos a transferir.

Parágrafo único. Se, após adotadas as providências de que tratam os incisos I e II,

houver saldo positivo, será ele transferido ao participante, integrando a respectiva

massa, se for o caso, e se houver saldo negativo, constituirá ele crédito da câmara ou

do prestador de serviços de compensação e de liquidação contra o participante.”

O negócio fiduciário, portanto, revela-se por meio da operação de empréstimo,

e não de locação, tendo em vista que a coisa objeto do negócio jurídico é considerada fungível

pela regra da CVM, a qual estabelece a obrigatoriedade de se conter no regulamento do

serviço de empréstimo “o compromisso de o tomador liquidar o empréstimo mediante a

entrega de valores mobiliários da mesma espécie e qualidade do valor mobiliário

emprestado”464

(grifo nosso), ou, ainda, de entregar ao mutuante o produto da realização das

garantias, quando inexistentes ou insuficientes os ativos negociados (conforme art. 8º acima

transcrito).

Assim, a lei e o ato normativo da CVM demonstram que o argumento de

Carvalhosa, no sentido de que não se poderia garantir a devolução de igual quantidade da

mesma classe de debêntures, para justificar a sua infungibilidade, e consequentemente sua

natureza de locação, não se sustenta.

É de se concluir, dessarte, que o empréstimo de debêntures tem a natureza

jurídica de negócio fiduciário, em que o titular do valor mobiliário empresta-o ao tomador,

mediante a transferência de sua titularidade, em razão de sua confiança no sistema de

intermediação, que lhe assegura a liquidação da operação e a restituição de um título da

mesma espécie e qualidade daquele emprestado, ou seja, o titular tem a certeza de que o título

retornará à sua propriedade. Se não fosse assim, inexistiria incentivo ao empréstimo.

464

Art. 4º, §1º, inciso I, da Instrução CVM nº 441/2006.

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180

2.2. Recolocação de debêntures conversíveis e o direito de preferência

Como se sabe, a emissão de debêntures conversíveis em ações tem regime

jurídico próprio e a sua colocação se sujeita ao direito de preferência dos acionistas à sua

subscrição. Não há dúvida sobre isso. Todavia, controvertida é a questão a respeito da

recolocação de debêntures conversíveis mantidas em tesouraria e o exercício do direito de

preferência pelos acionistas. Teriam eles o direito de exercer novamente a preferência na

recolocação?

Tavares Guerreiro, ao interpretar o regime de preferências da lei das sociedades

anônimas, afirma que a preferência é uma exceção ao princípio da livre circulação e que a sua

previsão nas debêntures conversíveis tem por finalidade preservar a proporção da participação

do acionista no capital social.465

Extrai-se dos ensinamentos do grande mestre que a preferência excepciona o

princípio da livre circulação das debêntures e, portanto, depende de previsão legal. Como a lei

das sociedades anônimas prevê apenas o direito de subscrição do valor mobiliário conversível

no momento de sua emissão, estender a preferência à recolocação das debêntures já emitidas

seria restringir a circulação das debêntures e impor limitação à emissora, que não poderia

negociar o título durante o período conferido aos acionistas para o exercício daquele direito.

Parece-nos haver aqui certo exagero daqueles que entendem existir novo

direito de preferência aos acionistas. Não há distinção entre o titular de debêntures

conversíveis que as negocia no mercado livremente e a emissora que, após recomprá-las e

mantê-las em tesouraria, decide recolocá-las em circulação. O tratamento deve ser o mesmo,

até porque, como bem lembrado por Tavares Guerreiro, a preferência é exceção à livre

circulação e deve ser interpretada de modo restrito.

465

GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Interpretação de Preferências na Lei de S/A. In: Temas de Direito

Societário e Empresarial Contemporâneos. Liber Amicorum Prof. Dr. Erasmo Valladão Azevedo e Novaes

França. Coord.: ADAMEK, Marcelo Vieira Von. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 399-401.

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181

Estamos com o ilustre Professor, pois a preferência contida no §1º do art. 57

está limitada à emissão das debêntures, vejamos a redação do dispositivo: “§ 1º Os acionistas

terão direito de preferência para subscrever a emissão de debêntures com cláusula de

conversibilidade em ações, observado o disposto nos artigos 171 e 172.” (grifo nosso)

Emissão e recolocação têm regimes jurídicos distintos e, portanto, não há como

alargar o conceito para conferir preferência aos acionistas na recolocação das debêntures.

Ademais, outro argumento importante deve ser considerado a esse respeito. O

direito de preferência contido no art. 171, como se depreende de sua redação, vincula o

exercício de tal direito à alteração da proporção do número de ações que os acionistas

possuírem no capital social.

Assim, parece-nos lógico que o direito de preferência surge no momento em

que a emissão de um determinado valor mobiliário, seja ele ação, debênture conversível ou

bônus de subscrição, coloque em risco a proporção de participação dos acionistas no capital

social.

No momento em que tal risco se torna iminente, surge o direito do acionista de

exercer a “opção”466

de subscrever proporcionalmente o novo valor mobiliário emitido, dentro

do prazo conferido pelo estatuto ou assembleia, nunca inferior a 30 (trinta) dias, nos termos

do §4° do art. 171 da LSA.

Tal preocupação da lei faz todo sentido, inclusive para as sociedades em que o

capital se acha disperso, com a nítida separação entre propriedade e controle, tendo em vista

que a decisão de emissão poderá estar a cargo da administração que, no interesse próprio de

diluir a base acionária, decide emitir valores mobiliários que poderão alterar

significativamente a estrutura de poder, sempre afastando a potencial agregação dos acionistas

rumo à detenção do controle societário, mantendo-se, assim, o controle gerencial. Essa

situação, inclusive, de prevalência do interesse particular dos administradores em detrimento

dos interesses da companhia, poderia ensejar abuso do poder de controle empresarial ou,

466

Tavares Guerreiro (Ob. cit., p. 402) menciona que o direito preferencial de subscrição foi estudado por Fábio

Konder Comparato (Fideicomisso acionário e direito de subscrição em aumentos de capital. In: Ensaios e

Pareceres de Direito Empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 177), para quem a expressão direito de

preferência seria deficiente: “Não se trata de simples prelação ou preferência, e sim autêntica opção.”

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182

indiretamente, do controle societário (se exercido pelo administradores, por meio da obtenção

de procuração para votação em assembleia, originando o fenômeno conhecido no direito

norte-americano como proxy voting).467

Portanto, ousamos concluir que a função da preferência, no sistema da Lei

6.404/76, visa proteger o acionista contra a diluição de sua participação no capital social, não

se estendendo à recolocação.

2.3. Debêntures como medida defensiva à tentativa de oferta hostil

Tema interessantíssimo é o uso das debêntures como medida defensiva à

tentativa de oferta hostil – as chamadas antitakeover measures -, em que o mecanismo impede

ou dificulta a tomada de controle, causando o fenômeno que se convencionou chamar, no

direito norte-americano, de “entrincheiramento” dos administradores, nas sociedades que

apresentam controle disperso ou gerencial.468

Diversas são as hipóteses que poderiam transformar as debêntures em armas de

destruição de ofertas hostis para tomada de controle. Veremos que a administração poderá

lançar mão de mecanismos preventivos de defesa, antes mesmo do anúncio de uma oferta, ou,

ainda, poderá enfrentar uma oferta hostil já anunciada por meio de lançamento especial de

debêntures resgatáveis ou conversíveis em ações.

Parte da doutrina brasileira utiliza a expressão poison pill para se referir, em

geral, à medida de defesa contra ofertas hostis, em que pese se tratar de uma das espécies do

gênero medidas defensivas. Alguns trabalhos mais recentes, no entanto, passaram a nomeá-

las, a nosso ver corretamente, como técnicas de defesa contra a oferta hostil.469_470

467

Aliás, pouco se falou no Brasil sobre o abuso do poder de controle pelos administradores da sociedade, o que

se cunhou de controle gerencial. A esse respeito, confira-se a importante obra de Rodrigo R. Monteiro Castro:

(Controle Gerencial. Coleção IDSA. Vol. 2. São Paulo: Quartier Latin, 2010). 468

Sobre o tema, confira-se: OIOLI, Erik Frederico. Oferta Pública de Aquisição do Controle de Companhias

Abertas. Coleção IDSA. Vol. 1. São Paulo: Quartier Latin, 2010; e VAZ, Ernesto Luís Silva e NASCIMENTO,

João Pedro Barroso do. Poderes da administração na oferta hostil de aquisição de controle no direito

comparado (medidas defensivas e poison pills). In: Direito Societário Contemporâneo I. Coord.: FRANÇA,

Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. São Paulo: Quartier Latin, 2009, pp. 387-421. 469

Como exemplo, ver a obra de Erik Oioli anteriormente citada.

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183

Carvalhosa ensina que “a poison pill pode ser compreendida como um

instrumento jurídico adotado pela companhia com o intuito de dificultar a aquisição do poder

de controle oriundo de uma oferta hostil – diretamente endereçada aos acionistas da

companhia, sem consulta prévia à sua administração”471

.

No Brasil, a poison pill mais conhecida é estatutária e “obriga o acionista

adquirente de determinado percentual de ações a realizar oferta pública tendo por objeto a

aquisição da totalidade das ações de emissão da companhia em circulação no mercado”472

.

As poison pills podem ser classificadas em legais, estatutárias ou contratuais.

Comenta Carvalhosa que “as iniciativas ou mecanismos de manutenção do poder de controle

podem ser adotados previamente, através de (i) cláusulas estatutárias; (ii) emissão de

debêntures resgatáveis; ou (iii) emissão de bônus de subscrição, ambos vinculados às ações

emitidas ou, posteriormente ao anúncio de uma oferta hostil de aquisição do poder de

controle, mediante (i) o resgate de valores mobiliários; e (ii) a compra ou venda de ativos.”473

(grifo nosso)

Carvalhosa cita, ainda, com base no direito comparado (Estados Unidos e

Inglaterra), modalidade de poison pill a partir do uso de debêntures, a saber: “emissões de

debêntures (simples ou conversíveis) resgatáveis por um valor elevado (principal + juros) na

hipótese de anúncio de um takeover hostil”474

.

Nota-se, portanto, que a doutrina já reconhece a possibilidade de uso das

debêntures como mecanismo de perpetuação do poder de controle nas mãos dos

administradores da companhia. Todavia, a expressão poison pill é utilizada genericamente

para se referir tanto à hipótese prévia e em abstrato, em que as debêntures são empregadas

para desestimular a realização da oferta, como na situação a posteriori e em concreto, quando

470

Cf. também artigo específico sobre o assunto: SHIGUEMATSU, Plinio José Lopes. Mecanismos de Proteção

e Estratégias de Defesa em Tomadas Hostis de Controle. In: Direito Societário. Desafios Atuais. Coord.:

CASTRO, Rodrigo R. Monteiro; ARAGÃO, Leandro Santos de. São Paulo: Quartier Latin, 2009, pp. 389-440. 471

As Poison Pills Estatutárias na Prática Brasileira – Alguns Aspectos de sua Legalidade. In: Direito

Societário. Desafios Atuais (obra coletiva). CASTRO, Rodrigo R. Monteiro e ARAGÃO, Leandro Santos de

(coord.). São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 22. 472

ZANINI, Carlos Klein. A Poison Pill Brasileira: Desvirtuamento, Antijuridicidade e Ineficiência. In: Temas

de Direito Societário e Empresarial Contemporâneos. Liber Amicorum Prof. Dr. Erasmo Valladão Azevedo e

Novaes França. Coord.: ADAMEK, Marcelo Vieira Von. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 258. 473

Ob. cit., p. 25. 474

Ob. cit., p. 28.

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se pretende, ativamente, deter uma oferta já realizada. Em ambos os casos, pretende-se

impedir a tomada de controle.

A doutrina norte-americana classifica as medidas prévias de proteção à tomada

do poder de controle da seguinte forma: (i) poison pills; (ii) corporate charter amendments

(alterações das cláusulas estatutárias); e (iii) golden parachutes (contratos firmados com os

administradores atribuindo-lhes benefícios ou vantagens que tornam a aquisição

desvantajosa).475

Por serem prévias, as medidas já são de conhecimento do mercado e, assim,

permitem que os ofertantes idealizem formas de superá-las.

Já as medidas a posteriori, por sua vez, enquadram-se como active

antitakeover defenses, na categoria de capital structure changes, sendo medidas de proteção à

tomada do poder de controle em concreto, ou seja, quando já há anúncio da oferta hostil ou há

indícios de um potencial e indesejado bid.476

Tratam-se, portanto, de medidas defensivas

adotadas pela administração a partir de indícios, ou do anúncio público, de uma potencial

oferta hostil e, por isso, são consideradas ativas, com o escancarado objetivo de resistir à

oferta. As medidas só se tornam conhecidas pelo mercado quando são efetivamente adotadas

pela administração.

No primeiro caso, o uso das debêntures como poison pill se dá por meio do

chamado poison debt: a sociedade alvo emite debêntures cujos termos de emissão são

claramente redigidos para impedir a tomada de controle hostil. A escritura de emissão

(indenture) proíbe o potencial adquirente do controle de contrair novas dívidas e, também, de

alienar ativos da sociedade alvo. Além disso, a escritura de emissão, normalmente, prevê que

a mudança de controle é um evento que torna a sociedade inadimplente e antecipa do

vencimento da dívida, podendo acarretar impacto significante no seu fluxo de caixa.477

Diferentemente, no segundo caso, a sociedade alvo de uma oferta hostil pode

iniciar diversas alterações na sua estrutura de capital (capital structure changes) na tentativa

475

GAUGHAN, Patrick A. Mergers and Acquisitions and Corporate Restructuring. 4ª ed. New Jersey: John

Wiley & Sons, 2007, pp. 173-174. 476

Patrick Gaughan (Ob. cit., p. 197) ensina que a administração de uma sociedade pode descobrir que ela será

alvo de uma oferta hostil da seguinte forma: “The target may become aware of this in several ways, such as

through the results of its stock watch or market surveillance programs or through required public filings such as

Hart-Scott Rodino filing”. 477

BAINBRIDGE, Stephen M. Mergers and Acquisitions. Nova Iorque: Foundation Press, 2003, p. 323.

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de resistir e afastar o potencial adquirente do controle. De acordo com a doutrina norte-

americana, essas medidas defensivas podem ser adotadas por meio de: (i) recapitalização da

sociedade; (ii) aumento do endividamento; (iii) emissão de novas ações; ou (iv) recompra de

ações. Analisaremos as duas primeiras hipóteses, que podem fazer uso das debêntures contra

ofertas hostis.478

A recapitalização se tornou conhecida medida defensiva, em 1985, em razão da

atuação da Multimedia Corporation, com a assessoria do Goldman Sachs, após os fundadores

da companhia receberem uma oferta hostil para tomada de controle, tornando-a menos

atrativa em razão do aumento do endividamento. O plano de recapitalização normalmente

compreende o pagamento de altos dividendos aos acionistas, os quais são financiados por

meio de assunção de novas dívidas pela sociedade. Também conhecida como leveraged

recapitalizations, essa medida antitakeover frusta a tentativa de aquisição do controle pois os

acionistas recebem ações da companhia por um valor superior ao preço histórico das mesmas,

sendo, consequentemente, superior ao preço por ação proposto pelo ofertante.479

A recapitalização pode ocorrer mediante a emissão de debêntures simples (art.

59, §1º, da LSA) ou, até mesmo de debêntures conversíveis em ações, dentro do limite do

capital autorizado, sem a necessidade de aprovação em assembleia geral, quando houver

previsão no estatuto social (art. 59, §2º, da LSA), servindo de medida defensiva da

administração para resistir a uma determinada oferta hostil.

A segunda modalidade de medida defensiva, que altera a estrutura de capital,

pode ser adotada por meio do aumento do endividamento da sociedade alvo.480

O

endividamento pode ser realizado sem a necessidade de recapitalização, ou seja, não precisa

ser conjugado com a distribuição maciça de dividendos.

Paul Gaughan afirma que o baixo nível de endividamento em relação ao capital

social pode tornar a sociedade vulnerável à tomada de controle, tendo em vista que o ofertante

478

Patrick Gaughan, ob. cit., p. 213. 479

Patrick Gaughan, ob. cit., pp. 214-215. A recapitalização pode enfrentar resistências dos acionistas ou se

tornar limitada em razão de cláusulas restritivas contidas nos contratos de empréstimo firmados pela sociedade

alvo, que impedem a companhia de assumir dívidas adicionais. Normalmente, estão previstas em contratos

firmados com instituições financeiras ou em escrituras de emissão de debêntures previamente emitidas. 480

Plínio Shiguematsu (Ob. cit., pp. 434-435) também menciona o aumento do endividamento como mecanismo

de defesa pós-oferta de aquisição.

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poderá utilizar a capacidade de endividamento da sociedade para financiar a sua própria

aquisição. O aumento do endividamento pode ocorrer de duas maneiras, mediante: (i)

contratação de empréstimo junto a instituições financeiras; ou (ii) emissão de debêntures.481

No tocante à emissão de debêntures, para não ter que aguardar a aprovação do

órgão regulador, no caso de registro de oferta pública, a sociedade pode lançar mão, ainda, de

ofertas privadas ou públicas com esforços restritos (IN/CVM 476), agilizando o processo de

endividamento da sociedade para fins de defesa à tomada de controle hostil.

Apesar de toda a construção teórica e prática do direito norte-americano, o

mercado brasileiro ainda carece de condições para esse tipo de experimento, sendo a principal

delas a dispersão acionária e o encorajamento da prática de tomada hostil de controle. A

escassez de ofertas hostis no mercado acionário brasileiro, em razão da concentração de poder

- aparente nas sociedades com controladores definidos ou, eventualmente, oculta em

sociedades listadas no Novo Mercado -, e as dificuldades regulatórias482

de se lançar mão

desse expediente, faz com que o uso de debêntures como mecanismo de defesa seja ainda

infrequente em nosso mercado.

Há que se considerar, ainda, se o uso das debêntures para tal fim seria lícito no

ordenamento pátrio. Não encontramos na LSA regra proibitiva a esse respeito. Todavia, assim

como ocorre no direito norte-americano, quer nos parecer que o uso de medidas defensivas

pelos administradores deve sempre levar em conta os seus deveres fiduciários e o exercício de

suas funções “para lograr os fins e no interesse da companhia” (art. 154 da LSA).

2.4. Debêntures permutáveis

Debêntures permutáveis é uma modalidade criada pelo mercado, a partir de

condições e regras previstas na escritura de emissão, em que o pagamento é realizado por

meio de permuta com outro ativo, como, por exemplo, certificados ou recibos de ações

481

Ob. cit., pp. 217-219. 482

Cita-se, por exemplo, a dificuldade de lançamento de oferta hostil para aquisição de controle com a permuta,

total ou parcial dos valores mobiliários, a qual exige registro prévio na CVM, nos termos do §1º do art. 257 da

LSA.

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187

ordinárias de sociedades controladas listadas em bolsa483

, de ações preferenciais da própria

sociedade emissora484

ou, ainda, por parcelas ideais do empreendimento financiado pelas

debêntures485

.

A permuta pode ser obrigatória e automática, desde que implementada uma

determinada condição prevista na escritura de emissão, ou facultativa, em que se exige a

manifestação de vontade do debenturista. Inexiste o elemento volitivo na primeira hipótese,

sendo o debenturista obrigado a aceitar a permuta dos ativos, quando se verificar a

implementação das condições previstas na escritura – o que dá causa à liquidação das

debêntures. Na segunda hipótese, estaremos diante de uma opção de compra de um

determinado ativo, outorgada ao debenturista, mediante permuta com as debêntures da

sociedade outorgante.

Essa espécie de debêntures também serve como medida defensiva à tentativa

de tomada hostil do controle, como vimos no capítulo anterior, principalmente se o ativo

permutável for relevante nas operações da sociedade emissora, levando à alienação da parte

mais atrativa do negócio. É a chamada “scorched-earth policy (política da terra arrasada)”,

citada por Paulo Fernando Campos Salles de Toledo486

.

483

Cf. Escritura da 1ª Emissão de Debêntures Conversíveis em Ações e com Cláusula de Permuta, emitidas pela

JBS S.A., firmada em 29 de dezembro de 2009. Disponível em:

http://jbss.infoinvest.com.br/enu/2133/Escriturada1emissaodedebentures.pdf. Acesso em: 14/09/2013. 484

Cf. Ata do Conselho de Administração da Companhia de Bebidas das Américas – AMBEV, de 03 de

fevereiro de 2004, que aprovou a manifestação de voto em assembleia de sociedade controlada – Companhia

Brasileira de Bebidas (CBB) -, para autorizar a emissão privada de debêntures, não conversíveis, com garantia

flutuante, em série única, com cláusula de permuta por ações preferenciais representativas do capital social da

controladora (AMBEV). No tocante à cláusula de permuta, o texto da referida ata assim dispõe: “As Debêntures

poderão, a qualquer tempo e à opção dos debenturistas, ser permutadas na proporção de 1 (uma) Debênture

para 12.500 (doze mil e quinhentas) ações preferenciais de emissão da Companhia e de titularidade da CBB

(´Relação de Permuta´).” Disponível em: http://ri.ambev.com.br/arquivos/Ambev_AtaRCA_20040203_port.pdf.

Acesso em: 14/09/2013. 485

Texto de escritura de emissão que prevê a permuta em frações ideais do empreendimento financiado com as

debêntures: “Após o dia 01 de novembro do de 2.002, os debenturistas poderão permutar suas debêntures,

conforme fórmula abaixo, por parcelas ideais do empreendimento denominado Península Renaissance All

Suites Hotel, que integra o ativo permanente da EMISSORA, ficando estipulada a constituição de condomínio

“pró-indiviso” entre os debenturistas que optarem pela permuta e a EMISSORA, condomínio este que assumirá a

administração do empreendimento imobiliário especificado.” (grifo nosso). Cf. a íntegra da Escritura da 2ª

Emissão de Debêntures Não Conversíveis em Ações da Companhia de Propósito Específico Península do

Tucuruçutuba, firmada em 12 de janeiro de 1998. Disponível em:

http://www.debentures.com.br/exploreosnd/consultaadocumentacao/escrituras/escrituras_d.asp?ativo=TCTB12.

Acesso em: 14/09/2013. 486

Poison Pill: Modismo ou Solução? In: Direito Societário. Desafios Atuais. Coord.: CASTRO, Rodrigo R.

Monteiro; ARAGÃO, Leandro Santos de. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 161.

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188

Além disso, a emissão de debêntures permutáveis pode ser utilizada para a

alienação da participação em sociedade controlada ou coligada, demonstrando-se, aqui, a

possibilidade de uso das debêntures também em reorganizações societárias.

Questão que se coloca é saber se a escritura de emissão poderia ser alterada

para incluir a cláusula de permuta, até então inexistente, por meio de deliberação dos

debenturistas em assembleia convocada para tal fim.

A CVM, por meio da Deliberação nº 120, de 06 de junho de 1.991, ainda em

vigor, já se pronunciou no sentido de que “as relações jurídicas contratuais entre os

debenturistas e a companhia, decorrentes dos termos da escritura de emissão devidamente

registrada [...], constituem ato jurídico perfeito.”

Com a devida vênia, todavia, parece-nos que um negócio jurídico complexo de

direito societário, que se descortina em suas diversas fases (criação, emissão e colocação), não

se pode resolver com a aplicação deslocada de instituto relacionado à interpretação da eficácia

das normas, previsto na Constituição Federal (art. 5º, inciso XXXVI487

) e na Lei de

Introdução às normas do Direito Brasileiro (art. 6º488

, do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de

setembro de 1942). O instituto do ato jurídico perfeito é fixo e rígido, não se coadunando com

o negócio jurídico societário, evolutivo e dispositivo.

Ademais, a vontade individual dos debenturistas não deve prevalecer sobre os

interesses de sua organização ou comunhão, haja vista o modelo comunitário adotado para

essa espécie de valor mobiliário. Não se está meramente diante de uma relação contratual,

mas de um complexo de relações jurídicas plurilaterais. Do contrário, ao se admitir a simples

relação bilateral entre debenturista e sociedade, esquecendo-se da multiplicidade de relações

entre a sociedade e a organização de debenturistas e entre os próprios debenturistas, poder-se-

ia admitir a aplicação da teoria geral do negócio jurídico às debêntures. Imagine-se aplicar a

previsão de resolução do contrato por onerosidade excessiva, prevista no art. 478 do CC, pela

sociedade emissora, a qual, na posição de devedora, poderia exigir a resolução do contrato por

487

“Art. 5º. [...] XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;” 488

“Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a

coisa julgada.”

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189

entender que a remuneração das debêntures se tornou excessivamente onerosa. Impensável

esse raciocínio, a nosso ver.

À organização de debenturistas se deve atribuir certa flexibilidade para

deliberar sobre a modificação da escritura de emissão, assim como ocorre em outros países,

tendo em vista a aplicação do princípio majoritário, por meio do qual os ausentes e dissidentes

vinculam-se às deliberações tomadas em assembleia regularmente convocada.

Não é à toa que a LSA estabelece, no que couber, a aplicação das normas das

assembleias de acionistas, nos termos do §2º do art. 71, bem como confere autonomia à

assembleia de debenturistas para deliberar sobre “matéria de interesse da comunhão dos

debenturistas” (art. 71, caput, da LSA), privilegiando a autonomia privada e a vontade

colegial.

2.5. Uso das debêntures para dação em pagamento de nova emissão

As debêntures podem ser criadas, também, com a finalidade de substituição de

de títulos colocados anteriormente no mercado, por meio de dação em pagamento. A

administração da sociedade, em determinados momentos, pode chegar à conclusão de que

uma nova emissão é mais benéfica para a maximização dos lucros, para o exercício da

atividade ou para a celebração de um determinado negócio. Diversos fatores, portanto, podem

levar à decisão da administração de lançar novas debêntures, em substituição à anteriormente

colocadas, tais como: (i) a redução de juros – constatando-se situação favorável do mercado;

(ii) a necessidade de ser ver livre de algum entrave da escritura da emissão anterior (obrigação

de não fazer que impede uma operação societária ou a contratação de empréstimos junto a

instituições financeiras, por exemplo); ou (iii) aproveitamento de “janelas de mercado” para a

captação de volume expressivo de recursos, com a necessidade de uso dos bens dados em

garantia da primeira emissão; dentre outras hipóteses que justifiquem a necessidade de resgate

total da emissão, ou emissões, de debêntures anteriormente realizadas.

Assim, ao invés de realizar simplesmente uma nova emissão, mantendo-se

aquela já emitida, o que poderia, inclusive, elevar o nível de endividamento da sociedade, há a

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possibilidade de se realizar a colocação das debêntures mediante a integralização com os

títulos da emissão anterior.

A dação em pagamento deve estar prevista na escritura de emissão, tendo em

vista que a operação acarretará a liquidação das debêntures e levará o debenturista a receber

um título com condições diversas daquelas aceitas na subscrição. Se a escritura mencionar

que a dação em pagamento poderá ser realizada com debêntures emitidas nas mesmas

condições, entendemos que não haverá necessidade de nova manifestação dos debenturistas.

Todavia, a dação em pagamento com novas debêntures, que possuam condições

desconhecidas e não previstas na escritura, deve ser levada pela sociedade emissora,

obrigatoriamente, à assembleia de debenturistas. Somente os titulares das debêntures é que

têm legitimidade para deliberar acerca da aceitação ou não do ativo que lhes será entregue, em

substituição àquele atualmente detido, para fins de dação em pagamento.

Nessa mesma linha, se a escritura de emissão não contiver previsão expressa de

pagamento por meio de entrega de outro ativo ou debênture de nova emissão, entende-se que

somente os debenturistas, reunidos em assembleia, poderão deliberar sobre a nova modalidade

de pagamento. A deliberação positiva será modificadora das condições da escritura de

emissão.

A dação em pagamento com debêntures de nova emissão, ou até mesmo com

outros bens da sociedade ou de terceiros, encontra amparo legal no art. 54, §2º489

, da LSA,

que admite a opção de escolha do debenturista de receber o pagamento do principal e

acessórios em moeda ou em bens. Por essa razão, a nova modalidade de pagamento com a

entrega de debêntures de nova emissão deve ser objeto de deliberação em assembleia de

debenturistas. Porém, a nosso ver, não faz muito sentido exigir a avaliação do art. 8º da LSA

para as novas debêntures entregues nessa modalidade de pagamento, já que seu valor é

conhecido pelo mercado.

Ademais, a assembleia de debenturistas, como veremos mais adiante, tem

competência para deliberar sobre as matérias de interesse da organização dos debenturistas,

489

“§2º. A escritura de debênture poderá assegurar ao debenturista a opção de escolher receber o pagamento do

principal e acessórios, quando do vencimento, amortização ou resgate, em moeda ou em bens avaliados nos

termos do art. 8º.”

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sendo que a alteração da modalidade de pagamento, tanto para aceitar a permuta como para

permitir a dação em pagamento com novas debêntures de emissão da própria sociedade, ou

até mesmo com outros bens, certamente, interessa à coletividade dos titulares das debêntures,

nos termos do art. 71490

da LSA.

Em sentido contrário, a Deliberação CVM nº 120/1991, anteriormente

mencionada, estabeleceu que a modificação da escritura não produziria efeitos em relação ao

debenturista dissidente. Além do que já comentamos sobre a referida Deliberação, pensamos

que a mesma é até contrária à própria LSA, interpretada sistematicamente, pois coloca o

interesse individual do debenturista em posição superior à do interesse coletivo da

organização ou comunhão dos debenturistas.

Uma saída para essa problemática seria conferir ao debenturista dissidente o

direito de liquidação das debêntures, em dinheiro, aplicando-se as regras do direito de retirada

previstas no art. 137, da LSA, que estão inseridas no regime jurídico das assembleias dos

acionistas, tendo em vista a norma do art. 71, §2º, que estende à assembleia de debenturistas o

disposto na LSA sobre a assembleia geral de acionistas. Todavia, como nos mostra Nelson

Eizirik, a CVM (Parecer CVM/SJU nº 017/1986) e o Tribunal de Justiça do Rio Grande do

Sul (Agravo de Instrumento nº 586.038.630, da 4ª Câmara Cível, Rel. Des. Oswaldo Proença)

já se manifestaram sobre a impossibilidade de aplicação do direito de retirada aos

debenturistas dissidentes por ausência de previsão legal.491

Nada impede, a nosso ver, que a

escritura de emissão originária, elaborada pela sociedade emissora, preveja esse direito de

retirada contratualmente pactuado entre a sociedade e a organização dos debenturistas. Por

outro lado, não seria possível admitir que a assembleia de debenturistas fizesse inserir direito

de retirada em benefício próprio, sem a concordância expressa da sociedade emitente, já que

tal matéria afeta o interesse social.

Questão interessante que se coloca é se a dação em pagamento poderia ser

realizada antes do vencimento das debêntures da primeira emissão. Neste caso, estaríamos

diante do resgate total antecipado, em que a operação é forçada pela sociedade emissora, se

prevista na escritura de emissão. O caput do art. 55 da LSA admite a realização do resgate

490

“Art. 71. Os titulares de debêntures da mesma emissão ou série podem, a qualquer tempo, reunir-se em

assembléia a fim de deliberar sobre matéria de interesse da comunhão dos debenturistas.” 491

Ob. cit., p. 438 e nota de rodapé 1.100.

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antecipado total, apesar de não estabelecer o seu modo, como o fez nos parágrafos do mesmo

artigo para o resgate parcial e a amortização, conforme já discorremos anteriormente.

Arriscamo-nos a afirmar, dessarte, que o resgate antecipado total dependeria de

previsão na escritura de emissão e de deliberação em assembleia dos debenturistas da emissão

anterior. Poder-se-ia aplicar ao debenturista dissidente o mesmo direito de liquidação do

título, como mencionado no parágrafo anterior, de modo a assegurar o recebimento em

dinheiro, já que não há norma expressa sobre o tema.

2.6. Debêntures participativas

A debênture participativa é modalidade especial que confere ao debenturista o

direito de participação no lucro da sociedade emissora, sendo autorizada pelo art. 56 da LSA,

que assim dispõe: “A debênture poderá assegurar ao seu titular juros, fixos ou variáveis,

participação no lucro da companhia e prêmio de reembolso” (grifo nosso).

Caso o rendimento das debêntures advenha apenas de seu caráter participativo,

teremos um título de renda variável, e não mais um título de renda fixa. Tavares Borba

leciona que “a participação dos debenturistas tomará como base de cálculo o lucro do

exercício depois de deduzida a provisão para o imposto de renda”492

, sendo que o valor

apurado será rateado entre as debêntures emitidas nessa modalidade.

É possível estruturar operação de reorganização societária com o uso de

debêntures participativas. Imagine-se uma sociedade que necessite de recursos adicionais para

um determinado empreendimento. Se houvesse uma chamada de capital para fazer frente à

necessidade apontada, a proporcionalidade da participação dos sócios poderia ser alterada,

caso um deles não tivesse os recursos necessários para comparecer e exercer seu direito de

preferência. A fim de evitar essa situação, o sócio ou terceiro poderia subscrever debêntures

participativas, capitalizando a sociedade.

492

Ob. cit., p. 57.

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Outra hipótese é a emissão de debêntures participativas como passo inicial para

a aquisição de controle. O potencial adquirente, antes de efetuar a aquisição das ações, para

financiar emergencialmente a sociedade e já auferir o seu lucro, subscreve debêntures

participativas que poderão ser, futuramente, convertidas em ações, diluindo a base acionária,

ou permutadas pelas ações do controlador. A não concretização da operação poderia ser causa

de vencimento antecipado das debêntures, em benefício do potencial adquirente e

debenturista, ou hipótese de resgate antecipado total, facultando-se à sociedade liquidar as

debêntures a partir de determinado momento.

Além do mais, as debêntures participativas têm sido utilizadas para fins de

auferimento de benefícios tributários pela sociedade emissora – indiretamente beneficiando os

sócios, quando as debêntures são por eles subscritas -, tendo em vista que a sua remuneração

seria considerada despesa dedutível da base de cálculo do imposto de renda da pessoa jurídica

emitente. Por se tratar de questão de natureza tributária, não adentraremos no mérito dessa

discussão.

2.7. Securitização de créditos com debêntures

Outro negócio jurídico realizado com o uso de debêntures é a securitização de

créditos (vulgarmente chamados de recebíveis, tradução literal do inglês “receivables”)493

.

Estrutura-se a operação por meio da constituição de uma sociedade de propósito específico

(SPE) que irá receber, via cessão de crédito, a título oneroso – chamada de true sale -, os

créditos de uma determinada sociedade (originária).

A SPE, por sua vez, tem como único objeto a aquisição dos créditos. O capital

social inicial é baixo e pouco representativo para a operação, já que a “compra” dos créditos

493

“As operações estruturadas de securitização surgiram no início da década de 1.970, nos Estados Unidos [...]

No Brasil, pode-se dizer que o mercado de securitização deu os seus primeiros passos, de fato, com a introdução

das Companhias Securitizadoras de Créditos Imobiliários (em 1997, com a criação e regulamentação do Sistema

Financeiro Imobiliário pela Lei 9.514) e dos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (em 2.001, com a

instrução CVM 356).” (Metodologia de Rating de Securitização. Disponível em:

http://www.austin.com.br/Metodologia/SECURITIZA%C3%87%C3%83O_DE_RECEB%C3%8DVEIS/869.

Acesso em: 15/09/2013).

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será financiada, integralmente, através da emissão de debêntures, as quais, por sua vez, serão

garantidas pelo fluxo de caixa proveniente dos mesmos.

Após a primeira emissão, a SPE realiza uma segunda emissão, totalmente

subscrita pela sociedade originária, que servirá para ajustar o resultado final da própria SPE.

Lança-se mão, por exemplo, das debêntures participativas, que são emitidas para zerar o

resultado financeiro da SPE e, ao serem resgatadas, acarretam a dissolução da sociedade.

Observa-se, ainda, que a securitização de créditos, via debêntures, tem o

benefício da segregação do risco do originador dos mesmos e do risco dos ativos lastreantes,

com a melhoria do rating do crédito.

A securitização de créditos pode ser utilizada, inclusive, por sociedade

brasileira exportadora, visando a captação de recursos no Brasil ou no exterior para antecipar

as receitas provenientes de vendas no mercado externo. A sociedade brasileira pode realizar a

emissão de debêntures no estrangeiro, nos termos do art. 73 da LSA, mediante prévia

aprovação do Banco Central do Brasil e, se a negociação do valor mobiliário ocorrer também

no Brasil, da CVM. Outra hipótese é a constituição de SPE em outro país, para evitar o risco

soberano, segregar o risco de crédito e reduzir a oscilação cambial, o que é comum de se ver

nas emissões de bonds ou notes no exterior pelas companhias brasileiras exportadoras ou por

instituições financeiras.494

2.8. Outros negócios estruturados com debêntures

É frequente a estruturação de operações societárias, mediante a constituição de

sociedades de propósito específico, que se utilizam das debêntures como forma de captação

dos recursos necessários ao financiamento de determinado projeto. Nesses casos, as

494

O Financial Times publicou matéria em que afirma ser o Brasil o segundo país em emissões de corporate

bonds no mercado norte-americano: “Brazil has become the second-largest foreign issuer of corporate bonds in

the US as companies seek to tap investor appetite for higher yielding assets. Issuance by Brazil’s largest groups,

including oil producer Petrobras, state-owned bank Banco do Brasil, and mining company Vale, has pushed the

country’s market share to about 11 per cent of total overseas dollar-debt issuance, according to figures from

Dealogic.” (Disponível em: http://www.ft.com/cms/s/0/084c8b76-bfcf-11e1-8bf2-

00144feabdc0.html#axzz2ez3DtCBm. Acesso em: 15/09/2013)

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debêntures funcionam como a principal fonte de capitalização da SPE, ao passo que a

contribuição dos sócios é inexpressiva.

Tanto para a aquisição de uma sociedade, como para a estruturação de um

project finance495

voltado a grandes empreendimentos de infraestrutura (hidrelétricas, portos,

etc.), as debêntures servem para congregar os investidores e reduzir os riscos inerentes à

participação societária, principalmente no Brasil - em que o véu da pessoa jurídica é quase

inexistente para alguns julgadores, que a desnudam muitas vezes sem fundamento legal,

gerando tremenda insegurança jurídica àqueles que pretendem investir em projetos que

demandam elevadas somas de dinheiro.496

Por exemplo, para a aquisição de uma hidrelétrica, os investidores

subscreveriam debêntures de emissão de uma SPE, constituída especificamente para tal fim,

sendo que a totalidade das ações seriam detidas por um agente societário, contratado para

assegurar a proteção dos créditos. Com o valor da integralização das debêntures, a SPE faria a

aquisição da hidrelétrica (ativos) e os créditos provenientes da venda de energia seriam

utilizados para amortização das debêntures. O agente fiduciário, inclusive, poderia ter

controle sobre a conta vinculada onde seriam depositados os mencionados créditos.497

495

“Project finance, ou financiamento relacionado ao projeto, é uma forma de engenharia financeira sustentada

contratualmente pelo fluxo de caixa de um projeto, servindo como garantia os ativos e recebíveis desse mesmo

projeto. Como ele pressupõe que os investidores através de capital de empréstimo (debt) analisarão mais o risco

representado pelo projeto do que pelos patrocinadores de capital de risco (equity), um dos elementos básicos da

sua estruturação é uma separação nítida legal entre os patrocinadores e o ente jurídico responsável pela gestão do

projeto e a propriedade de seus ativos.” (BORGES, Luiz Ferreira Xavier. Securitização como parte da

Segregação de Risco. Revista do BNDES. V. 6. N. 12. Rio de Janeiro: BNDES, 1999, pp. 124-125.) 496

É o que ocorre em alguns casos julgados da Justiça do Trabalho, que prefere adotar a teoria maximalista da

desconsideração da personalidade jurídica, em detrimento da proteção que o direito confere à separação do

patrimônio, por meio da limitação da responsabilidade do sócio, ajudando a desincentivar o empreendedorismo

em nosso país, que, ao final, é o fator responsável pela geração de empregos. Ou seja, em nome da proteção

máxima do hipossuficiente, busca-se o patrimônio pessoal do sócio, tornando sua responsabilidade ilimitada e

acabando com os institutos da pessoa jurídica e da separação patrimonial, servindo de desestímulo àqueles que

pretendem iniciar um novo negócio e criar novos empregos. Justificar-se-ia a desconsideração nos casos

previstos no art. 50 do Código Civil, entre os quais se pode incluir o de flagrante subcapitalização material, mas

não genericamente sem a prova do desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Mais absurdo ainda é se aplicar

o Código de Defesa do Consumidor para justificar a desconsideração da personalidade jurídica no âmbito da

Justiça do Trabalho. 497

Estrutura sugerida em apresentação elaborada por José Alexandre Freitas. Disponível em:

www.debentures.com.br/downloads/apresentacoes/jose alexandre.ppt . Acesso em: 15/09/2013.

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196

3. TUTELA DOS DEBENTURISTAS

3.1. Princípio da igualdade de tratamento

A igualdade de tratamento dos debenturistas é princípio basilar do regime

jurídico das debêntures e está consagrado na parte final do parágrafo único do artigo 53, a

seguir transcrito: “As debêntures da mesma série terão igual valor nominal e conferirão a

seus titulares os mesmos direitos.” (grifo nosso)

Tal princípio vem desde o Decreto-lei nº 781/1938, que primeiro reconheceu a

possibilidade de criação da “comunhão de interesses entre os portadores de títulos da mesma

categoria, emitidos com fundamento no mesmo ato e subordinados às mesmas condições de

amortização e juros, gozando das mesmas garantias”498

. Nota-se que a igualdade de

tratamento está vinculada à ideia de comunhão de interesses dos titulares das debêntures,

posto que exige a semelhança dos títulos, de suas condições e garantias.

Carvalhosa leciona que “tanto para os direitos comuns como para os

individuais prevalece o princípio de que a nenhum dos debenturistas assiste mais direitos que

a outros”. Em decorrência desse princípio geral, é que a LSA estabelece o princípio da

igualdade de tratamento, também chamado de princípio da uniformidade de direito499

, dentro

de cada série.

Além disso, a conferência de iguais direitos é decorrência da necessidade de

padronização das séries emitidas pela companhia, permitindo aos seus titulares ter a certeza

sobre os direitos imanentes de sua posição ativa.

Percebe-se que o tratamento igualitário, por disposição legal, está relacionado a

uma determinada série. Não há que se falar em tratamento igualitário entre as debêntures da

mesma emissão, compreendidas em diversas séries, mas apenas dentro de uma mesma série.

498

Waldemar Ferreira, ob. cit., p. 100. 499

Ob. cit., p. 700.

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A par da igualdade de tratamento está a exigência legal de igual valor nominal para as

debêntures da mesma série, pressuposto lógico da conferência de idênticos direitos.

A CVM, por seu turno, entende que o tratamento isonômico dos debenturistas

estará bem cumprido pela companhia a partir da observância das normas que regem o

mercado organizado de valores mobiliários, como já tivemos a oportunidade de mencionar

quando abordamos o aperfeiçoamento das regras sobre amortização e resgate parcial.

Todavia, parece-nos que o princípio deve ser observado pela companhia em

decorrência da previsão legal inserida na LSA, e não apenas em razão das normas infralegais

que regem o mercado. É princípio de direito societário. Portanto, as normas que regulam o

mercado organizado é que se sujeitam à disposição legal principiológica, sendo compelidas a

observá-la. Assim, as companhias e os seus administradores devem sempre atender ao

princípio da igualdade de tratamento dos debenturistas.

3.2. Posição ou status do debenturista

Nuno Barbosa ensina que a posição obrigacional é complexa e se assemelha à

posição ou status de sócio, encerrando um feixe de posições ativas e passivas, tanto de

natureza pecuniária como de natureza participativa, em face da sociedade emissora e da

organização ou coletividade de debenturistas.500

Explica o jurista português que a aquisição das obrigações (debêntures) faz

com que o seu titular passe “a deter um acervo de direitos perante a sociedade muito

semelhantes aos «direitos de organicidade» que integram a posição do sócio ou, numa

palavra, a «socialidade». Esta, como é sabido, pode ser entendida enquanto conjunto de

posições activas e passivas ou como um «status» que é pressuposto e fonte dessas

posições.”501

500

Ob. cit., pp. 69-70. O referido jurista vai além e afirma que o título pode incorporar certos direitos que

conferem, em razão de sua natureza, a característica de títulos de participação. 501

Ob. cit., p. 52, nota de rodapé 117.

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A doutrina portuguesa traz à lume, ainda, o instituto da “incindibilidade das

qualidades de credor obrigacionista e de membro da respectiva coletividade”502

, residindo aí a

estreita relação entre a extinção das duas situações jurídicas.

Há uma relação de derivação entre a aquisição da posição de debenturista e a

de membro da organização coletiva. Isto é, ao adquirir o título, o credor passa de uma só vez a

ser titular de duas posições subjetivas interligadas e inseparáveis, surgindo, assim, o

fenônemo da incindibilidade entre as posições. Por tal razão, a transferência do título opera a

transmissão simultânea das duas posições subjetivas, assim como a extinção do empréstimo

encerram-nas, também, concomitantemente. Assim, tendo como causa de extinção da

organização dos debenturistas a extinção do empréstimo, “a perda da qualidade de

obrigacionista está intrinsecamente ligada ao reembolso da obrigação”503

.

Aproveita-se a lição de Ascarelli, a seguir, sobre a posição do sócio para se

esclarecer a posição do debenturista:

“Pode-se, antes, encarar na posição do sócio uma ´posição´, um pressuposto, um

status do qual – verificados demais requisitos, diversos nos vários casos – decorrem,

de um lado, deveres (em relação à integralização das ações) e, de outro lado, direitos

de caráter patrimonial (por exemplo, o direito ao dividendo, o direito à quota de

liquidação) e não patrimonial (por exemplo, o direito de informação, o direito de

participar da assembleia) e poderes (como o de votar na assembleia); direitos e

poderes extrapatrimoniais, por seu turno, contribuem a tutelar os direitos

patrimoniais do acionista.”504

A conceituação de Ascarelli é riquíssima e se aplica perfeitamente à posição do

debenturista. À exemplo da posição do sócio, decorrem do status do debenturista deveres

(integralização das debêntures), direitos patrimoniais (direito de reembolso dos juros e direito

de reembolso do principal) e não patrimoniais (direito de informação e direito de participar da

assembleia de debenturistas) e poderes (o de votar na assembleia de debenturistas). As

semelhanças entre os deveres, direitos e poderes reforçam a existência dessa posição ou status

do debenturista.

502

Nuno Barbosa, ob. cit., p. 90. 503

Nuno Barbosa, ob. cit., p. 91. 504

Ob. cit., p. 491.

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199

Obviamente, deve-se levar em conta as particularidades inerentes a essa

posição de credor da sociedade emitente, em que a disciplina jurídica preocupa-se com a

proteção e satisfação do crédito nas condições previstas na escritura de emissão. Nessa linha,

a escritura de emissão está para o debenturista assim como o estatuto social está para o sócio,

revelando-se, assim, o ato societário donde emanam os direitos e obrigações inerentes à sua

posição subjetiva. Já os deveres e sujeições decorrem das disposições legais e também

acrescem ao regime jurídico da posição de debenturista.

Essa posição ou status é originária da subscrição das debêntures. É a

subscrição que tem o condão de impor ou atribuir ao sujeito os deveres, direitos e poderes

inerentes àquela posição jurídica. “As obrigações constituem um micro-sistema móvel e

conferem ao seu titular um direito subjetivo complexo, aglutinador de uma multiplicidade de

posições jurídicas, algumas de exercício mediatizado pelo representante comum, outras

susceptíveis de mutação levada a cabo pela assembleia”505

.

Debenturista, portanto, é mais que um simples credor. Tem participação

especial na vida social e a acompanha por longo prazo. O tema não está esgotado; é novo e

merece ser aprofundado. Espera-se com este contributo despertar, pelo menos, a curiosidade

acadêmica de nossos estudiosos sobre o assunto. Encerramos com essa breve explicação de

Nuno Barbosa sobre o que é ser obrigacionista:

“Um poderoso investidor capaz de se bater em pé de igualdade com a entidade

emitente, segundo Guyon, mas também um aforrador de reduzida capacidade

financeira; um noivo preparado para o enlace com a sociedade, como rotula

Buonocore, ou um simples credor à espera da restituição do seu capital; um membro

de um grupo organizado com direito a tratamento igual aos restantes

coobrigacionistas, mas sujeito à vontade da maioria; o titular de uma posição

jurídica instável, porque susceptível de alteração pela assembleia; o participante

numa operação de financiamento de grupo organizado, assevera G. Ferri; um

credor-investidor que goza de alguma proximidade com os sócios, revelada em duas

variáveis independentes em si mesmas mas mutuamente implicativas neste campo

de forças: a participação na administração social e a participação nos benefícios

sociais; um credor inserido numa coletividade, latente porém necessária, em que

predomina o interesse coletivo sobre o interesse individual. Enfim, um peculiar

modo de ser credor.”506

505

Nuno Barbosa, ob. cit., p. 225. 506

Ob. cit., p. 225.

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200

3.3. Organização ou comunhão dos debenturistas e sua estrutura orgânica

O negócio societário que dá origem às debêntures – deliberação da assembleia

geral ou do conselho de administração - e a escritura de emissão conferem a mesma posição

ou status, como vimos, aos debenturistas que subscrevem os títulos de uma mesma série, em

razão do princípio da igualdade de tratamento. Decorre daí a solidariedade de interesses

intersubjetivos507

- derivados da mesma fonte -, que justifica a formação de um grupamento

ou organização com o objetivo de agir coletivamente para assegurar a proteção de seus

interesses, já que contrapostos ao da sociedade emissora508

. Nasce, assim, a ideia de

comunhão de interesses.509

É a partir da existência de interesses comuns que se justifica a reunião dos

debenturistas em uma organização coletiva, com a finalidade de realizar a tutela adequada de

seus direitos perante a sociedade emissora, assegurando, por outro lado, a reconciliação do

interesse individual através do princípio majoritário.510

O debenturista, ao subscrever o título,

passa a integrar um grupo organizado – torna-se membro dessa organização coletiva -, no qual

a sua posição individual é uma posição reflexa do ordenamento do grupo, cuja posição pode

variar em função e por efeito de um ato de vontade do mesmo grupo.511

507

Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França (Conflito de Interesses nas Assembleias de S.A., p. 18) ensina,

com a clareza que lhe é peculiar, que a solidariedade entre os interesses intersubjetivos se verifica quando “a

necessidade de um indivíduo em relação a um bem não pode ser satisfeita se não for satisfeita também a

necessidade de outro indivíduo; então, a probabilidade da satisfação de uma necessidade se determina

conjuntamente com respeito a um e a outro. A colaboração dos interessados, na hipótese, permite atingir o bem

desejado, com a satisfação das necessidades de ambos – ou das necessidades de uma pluralidade de interessados,

se for o caso – enquanto que o mesmo resultado não poderia ser obtido por apenas um dos interessados,

isoladamente. Delineia-se, por tal modo, a noção de interesse comum ou coletivo, em antítese ao interesse

individual ou singular.” 508

“Gli obbligazionisti hanno un interesse comune che, per molti aspetti, è contraposto a quello dela società. Il

legislatore prevede la formazione di un´organizzazione per la cura di questo interesse comune.” (Jaeger,

Denozza e Toffoletto, ob. cit., p. 267) 509

Merle (Ob. cit., p. 410) e Ripert e Roblot (Ob. cit., p. 611) destacam que as características particulares do

empréstimo obrigacional são as seguintes: (i) solidariedade, que une os portadores do título; e (ii) unidade da

dívida, que vincula os debenturistas à sociedade emissora. 510

A esse respeito, Ascarelli (Ob. cit., pp. 736-737) afirma que é natural “o interesse em organizar coletivamente

os debenturistas e com efeito tal se deu, em virtude de associações voluntárias dos debenturistas, mesmo

anteriormente à disciplina legal de uma organização coletiva deles. De um lado os obrigacionistas alcançam,

assim, uma tutela mais eficaz dos seus direitos perante a sociedade; de outro lado, podem, então, ser modificadas

as cláusulas originárias das debêntures mediante uma deliberação coletiva dos obrigacionistas, cuja eficácia é

geral. Faltando, ao contrário, uma organização coletiva, a modificação das cláusulas das debêntures seria

possível apenas com o consentimento individual de cada obrigacionistas (sic), seria, por isso, possível acabarem

por serem diversos os direitos decorrentes das diversas debêntures, apesar da unicidade da sua emissão. A

organização coletiva dos obrigacionistas satisfaz essas exigências.” (grifo nosso) 511

BORGIA, Rossella Cavallo. Azioni e Obbligazionidi di Societá. Pádua: CEDAM, 1988, p. 347.

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201

Nuno Barbosa assevera que “os obrigacionistas passam a ter um regime

próprio que os distingue dos credores comuns e que se caracteriza essencialmente pela fusão

das suas vontades individuais numa só que lhes é imputada ao abrigo do princípio

majoritário”512

. A adoção do princípio majoritário acarreta, inevitavelmente, a redução da

esfera de liberdade individual em prol do interesse comum, extraindo-se a vontade da maioria

a partir do ato colegial. Acresce-se ao espaço de conformação bilateral, nas palavras do jurista

português, a dimensão colegial, posto que a autonomia da vontade de um debenturista sujeita-

se à vontade dos demais debenturistas, em razão da adoção do princípio majoritário. Revela-

se, assim, uma estrutura tripartite de declarações de vontade: “a própria, a da entidade

emitente e a dos restantes membros da organização”513

.

A limitação da autonomia privada em razão do princípio majoritário tem por

função suprimir a necessidade de se obter a manifestação de vontade individual consentânea

de todos os credores no tocante às matérias de interesse comum. Por tal razão, prefere o

direito submeter os minoritários à vontade da maioria, assim como ocorre no âmbito de

organização dos acionistas.

Os fundamentos para tal opção legislativa são os seguintes: (i) caráter unitário

do empréstimo, baseado na uniformidade de tratamento dos debenturistas e na existência de

contraparte única perante a sociedade emissora; (ii) longevidade do empréstimo, cuja

característica é a criação de uma relação de “interdependência estável entre obrigacionistas e

entidade emitente” – um verdadeiro estado de coesão durável -, que leva a organização dos

debenturistas a se interessar pelo desenvolvimento da vida social, diferentemente dos demais

credores singulares que mantém relação de curto prazo e totalmente desinteressada; e (iii)

hipossuficiência dos debenturistas em relação à sociedade emissora, tendo em vista a

necessária adesão às condições da escritura de emissão no ato de subscrição – o caráter

massivo e a padronização dos elementos do contrato são fatores que impõem menor liberdade

aos titulares de valores mobiliários.514

512

Ob. cit., p. 19. 513

Ob. cit., p. 20. 514

Nuno Barbosa, ob. cit., pp. 20-22.

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Nas palavras de Nuno Barbosa, “unitariedade e longevidade do empréstimo e

situação de inferioridade em relação à entidade emitente” são os três vetores que distinguem o

debenturista dos demais credores e “legitimam a criação da organização de

obrigacionistas”.515

Como já tivemos a oportunidade de mencionar, ao analisarmos a evolução

histórica das debêntures no Brasil, a comunhão entre os debenturistas veio a lume com o

Decreto-Lei nº 781, de 12 de outubro de 1.938516

. Foi a partir da referida norma que se

estabeleceu essa situação jurídica entre os subscritores do título, originária de uma condição

inserida na declaração social de criação das debêntures, no manifesto (prospecto de emissão

das debêntures ofertadas ao público) e em sua escritura (proposta de contrato). A existência da

comunhão, assim, era facultativa e dependia de manifestação de vontade dos sócios da

sociedade emissora.

Pontes de Miranda, desde cedo, já falava sobre a relevância de se analisar “a

organização dessa comunhão de interesses”517

, justificando a “técnica jurídica

organizatória”518

em razão da dificuldade de se obter a unanimidade dos debenturistas, ou até

mesmo a presença de todos eles, para a tomada de decisões sobre as matérias de interesse

comum. Tal se deve à quantidade de debêntures em circulação, razão pela qual se impõe a

criação de órgão e a definição de quorum para deliberação, privilegiando-se o princípio

majoritário.

Explica o referido jurista, também, que a técnica foi escolhida dentre três

soluções: “a da organização da comunhão de interesses, de modo que, na atividade, os

debenturistas apenas figurem como comuneiros, no tocante a direitos, pretensões e ações que

teriam de ser exercidos por todos, ou cada um, de per si; a da atribuição de personalidade à

organização que se deu à comunhão de interesses; a da representação coativa, por certo

número de debenturistas.”519

515

Ob. cit., p. 22. 516

Waldemar Ferreira, ob. cit., p. 100. 517

MIRANDA, Pontes. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo XXXIII. 2ª ed. Rio de Janeiro:

Borsoi, 1961, p. 350. 518

Ob. cit., p. 350. 519

Ob. cit., p. 350.

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203

A partir da LSA, a comunhão de interesses passou a ser obrigatória,

independentemente da condição inserida na declaração ou escritura de emissão, revelando-se

em estado latente e com permanência independente da vontade própria de cada debenturista -

existe enquanto possuírem a qualidade de obrigacionista. Nas palavras de Carvalhosa, ela é

formada a partir da instituição de direitos comuns, “que permitem aos debenturistas agir

conjuntamente, na defesa do seu interesse coletivo”520

. Esses direitos comuns são atribuídos

por lei ou pela escritura de emissão.

O direito espanhol reconhece que os debenturistas gozam de “una situación

especial por las circunstancias especiales que rodean el nacimiento y el ejercicio de su

derecho” 521

, que os distinguem do credor ordinário e, por isso, torna-se lógico a adoção de

medidas especiais de proteção. Arrilaga ensina que o caráter coletivo do empréstimo, em

razão da multiplicidade de credores, e a emissão por longo prazo, que exige a vigilância do

devedor por muito mais tempo, são fatores que exigem a representação de todos os

obrigacionistas “por un órgano colectivo en que éstos puedan expressar su voluntad y que

actúe por el sistema de mayorias”, por meio do qual “se conseguirá llegar a solucionar las

nuevas situaciones y evitar grandes perjuicios para los mismos obligacionistas, para la

sociedad deudora e incluso para la economia nacional.”522

Assim, não são apenas os interesses comuns que motivam a reunião dos

debenturistas, mas também a necessidade de proteção jurídica dos credores em face da

sociedade devedora que justifica o agrupamento em torno de uma organização que irá tutelar

seus direitos.

Pontes de Miranda leciona que a organização dos debenturistas tem por

finalidade evitar a difícil tarefa de se obter a unanimidade para a tomada de decisões, por essa

razão a lei impõe a criação de um órgão onde se reúnem as manifestações de vontade

individuais para a formação de uma vontade única e coletiva. Na opinião do referido jurista,

três soluções seriam possíveis: “organização da comunhão de interesses, de modo que, na

atividade, os debenturistas apenas figurem como comuneiros, no tocante a direitos, pretensões

e ações que teriam de ser exercidos por todos, ou cada um, de per si; atribuição de

520

Ob. cit., p. 702. 521

ARRILAGA, Jose Ignacio de. Emision de Obligaciones y Proteccion de los Obligacionistas. Madrid: Revista

de Derecho Privado, 1952, p. 150. 522

Ob. cit., p. 153.

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personalidade à organização que se deu à comunhão de interesses; a da representação

coativa, por certo número de debenturistas.” 523

(grifo nosso)

A solução adotada, por meio da comunhão de interesses, cria os seguintes

feixes relacionais: (i) entre a sociedade emissora e os subscritores das debêntures, na fase de

colocação dos títulos; (ii) entre os debenturistas; (iv) entre estes e os órgãos que os

representam; e (v) entre estes órgãos e a sociedade emissora.

A comunhão de interesses motiva a reunião dos debenturistas em torno de um

mesmo fim, mas não se demonstra capaz de organizar todas as relações jurídicas que a

envolvem. É a partir da organização dos debenturistas, formada em razão da própria

comunhão de interesses, assim como o é na formação da organização social, que se vislumbra

a possibilidade de estruturação de seus órgãos, os quais tem por finalidade zelar por aquele

interesse coletivo524

. Pontes de Miranda afirma, todavia, que “a organização está prevista na

lei e independe de acordo dos interessados, tanto que a convocação se faz sem que se tenha

convencionado organizar-se a comunhão dos debenturistas”.525

Diferentemente da

organização dos debenturistas, há o elemento da voluntariedade na organização social, posto

que as pessoas se obrigam reciprocamente a contribuir para o exercício de uma atividade

econômica, como ensina Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França526

, ao analisar a

comunhão de credores da Lei nº 11.101/2005.

A afirmação sobre a existência de órgãos de representação da organização dos

debenturistas, por outro lado, não é novidade.527

Miranda Valverde, citado por Carvalhosa, à

época do Decreto-Lei nº 781/1938, explica que “a ideia do legislador foi de dar à coletividade

523

Pontes de Miranda (Ob. cit., p. 351) ensina, com base no Decreto-Lei nº 781/1938, que: “A solução técnica da

organização da comunhão de debenturistas foi, principalmente, a da subordinação da massa dos debenturistas,

em função do número de debêntures, ao quórum de dois terços e à maioria de dois terços, ou simples.” 524

Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França (Ob. cit., pp. 18-19) afirma que “o interesse coletivo não consiste

na mera soma de quaisquer interesses individuais de um grupo de pessoas, mas sim na soma daqueles interesses,

posto que individuais, que digam respeito ao grupo. Vale dizer, do interesse do indivíduo enquanto membro do

grupo.” 525

Ob. cit., p. 351. 526

Da Assembléia-Geral de Credores. In: Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. Coord.:

SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro; PITOMBO, Antonio Sérgio A. de Moraes. 2ª ed. São Paulo: RT, 2007, p.

187, nota de rodapé 129. 527

A doutrina, com base nas lições de Santi Romano, admite “a possibilidade da existência de órgãos também

nas comunhões, e não apenas nas sociedades e associações” (Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França, ob.

cit., p. 187, nota de rodapé 129).

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dos obrigacionistas um órgão528

sempre pronto para a defesa dos interesses da comunhão, já

que a assembleia geral não pode ficar em sessão permanente, nem tem aptidão para executar

as deliberações que tiver tomado”.

Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França recorda que “a idéia de órgão está

vinculada à de interesse comum ou coletivo – interesse que explica, segundo Carnelluti, não

somente a formação de qualquer grupo social, mas também a sua organização, mais ou

menos complexa, segundo o grupo de que se trata.”529

Carvalhosa reconhece, ainda, que a LSA alterou a exegese anterior, passando

da criação contratual para a instituição legal de “uma entidade, ainda que não personificada, e

que se impõe soberanamente quanto às suas deliberações a todos os acionistas”, sendo

constituída, ainda, por dois órgãos: (i) assembleia geral; e (ii) agente fiduciário.

Essa entidade é criada a partir da comunhão de interesses. Não é a própria

comunhão, até porque, nos dizeres de Pontes de Miranda, ela poderia ser inorganizada530

.

Sucede que, no caso, a comunhão é organizada. Por essa razão, parece-nos que a terminologia

é inadequada para essa entidade soberana, composta de órgãos de deliberação e representação.

As semelhanças dessa entidade com a estrutura orgânica das sociedades anônimas, por

exemplo, são notáveis. Não é sem razão que o regime da assembleia dos debenturistas se

aproveita da disciplina jurídica da assembleia de acionistas (art. 71, §2º, LSA). O agente

fiduciário, por sua vez, presenta531

a entidade perante a companhia emissora (art. 68, LSA), a

exemplo da presentação da sociedade pela diretoria.

Como vimos, a matéria evoluiu positivamente com a LSA, reconhecendo-se

legalmente a técnica jurídica organizatória dos debenturistas, adotando-se, no Brasil, o

modelo italiano, que reconhece a existência legal da comunhão de interesses e de sua

528

“A própria noção de órgão, aduz, é uma decorrência lógica do conceito de interesse coletivo: o órgão é o

indivíduo, enquanto age para o desenvolvimento de um interesse coletivo, ou seja, enquanto cumpre uma função

do grupo”, como diz Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França (Conflito de Interesses nas Assembleias de

S.A., p. 18), ao apresentar as ideias de Carnelutti sobre as relações intersubjetivas. 529

Ob. cit., p. 187 530

Ob. cit., p. 338. 531

Como órgão da entidade de debenturistas, aproveitamo-nos dos ensinamentos de Pontes de Miranda para

quem o órgão não representa, mas presenta a sociedade. A entidade se revela nele próprio. Não se trata de

mandato. (Ver Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo L. 3ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972, p. 384).

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organização coletiva, composta de órgãos de presentação e deliberação, sem adentrar na

controvérsia a respeito de sua capacidade jurídica como sujeito de direitos e obrigações.

O direito francês, por sua vez, desde 1.966, soube reconhecer a ficção jurídica

e “atribuir, de pleno direito, personalidade jurídica à massa subjetiva dos debenturistas”532

.

Philippe Merle explica que “os portadores de obrigações de uma mesma emissão são reunidos

de pleno direito para a defesa de seus interesses comuns, em um grupamento, uma massa,

dotada de personalidade jurídica”533

. Por isso que a doutrina francesa, com mais razão,

reconhece a organização da massa dos debenturistas, por meio da teoria organicista: “La

masse est dotée par la loi d´une organisation, avec des représentants (1) et une assemblée

générale (2).”534

Todavia, a ausência de personificação, como ocorre no Brasil, não retira o

caráter organizacional da massa de debenturistas, haja vista que ela continua reunida em torno

desse ente não personificado, porém organizado, que se manifesta por meio de seus órgãos de

presentação e deliberação.

A organização de obrigacionistas no direito italiano também “se articula em

dois órgãos necessários e instrumentais à tutela do grupo: a assembléia de obrigacionistas e o

representante comum”535

. No tocante à natureza, Borgia explica que há divergência a respeito

da definição da organização privada plurissubjetiva e cita as principais correntes que disputam

a sua natureza jurídica, a saber: (i) associação (Ascarelli); (ii) comunhão (Mignoli); (iii)

consórcio ex lege (Valeri, Frè e Ferrara Jr.); ou (iv) voluntário (Pettiti). Destaca, ainda, a tese

sustentada por Galgano em que o fenômeno jurídico se caracteriza, de um lado, como

associação autonôma e, de outro, como elemento da organização societária536

.

532

PINTO JÚNIOR. Mario Engler. Debêntures. Direitos de Debenturistas – Comunhão e assembleia – Agente

fiduciário. Revista dos Tribunais. Ano 72. Vol. 567. São Paulo: RT, 1983, p. 18. 533

Ob. cit., p. 411. Texto original: “Les porteurs d´obligations d´une même émission sont réunis de plein droit

pour la défense de leurs intérêts communs, en um groupement, une « masse », dotée de la personnalité morale.”. 534

Merle, ob. cit., p. 411. Tradução livre: “A massa é dotada pela lei de uma organização, com representantes e

uma assembleia geral”. 535

Borgia, ob. cit., p. 347. Texto original: “L´organizzazione degli obbligazionisti si articola in due organi

necessari e strumentali alla tutela del gruppo: l´assemblea degli obbligazionisti e il rappresentante comune”. 536

Borgia (Ob. cit., p. 349) leciona que: “il gruppo degli obbligazionisti è configurabile da un lato come

autonoma associazione, d´altro canto esso è al tempo stesso «elemento d´organizzazione della società per

funzione di inserire il gruppo de quo nella organizzazione societaria si spiega perché l´assemblea degli

obbligazionisti possa essere darci, possano assistervi, perché il rappresentante comune possa presenziare

all´assembleia dei soci”.

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Pontes de Miranda atribui à organização de debenturistas a natureza de

consórcio constituído ex lege, “sem personalidade jurídica e sem patrimônio próprio”.537

Mario Engler, ao tratar da comunhão de interesses, afirma que se faz “necessário observar que

esse agrupamento possui interesses específicos, que transcendem a simples soma atomística

dos interesses individuais de cada debenturista. Embora essa realidade seja insuficiente para

conferir a condição de ente moral personificado, é verdade, também, que constitui um de seus

pressupostos indispensáveis”538

.

Reconhece-se, ainda, o requisito organizacional da coletividade de

debenturistas ao afirmar que ele “se manifesta de forma clara, a partir da regulamentação do

funcionamento da respectiva assembleia geral, capaz de impor decisões simplesmente

majoritárias a todo conjunto de obrigacionistas”539

.

Portanto, não há como abdicar a existência de uma organização dos

debenturistas, sem personalidade jurídica, que é constituída a partir da comunhão de

interesses e manifesta-se através de seus órgãos de deliberação (assembleia geral) e de

presentação (agente fiduciário), os quais dão vida àquela estrutura organizativa, sujeitando e

vinculando os titulares das debêntures à vontade coletiva, enquanto membros dessa entidade.

No direito comparado, a doutrina italiana reconhece a utilidade da constituição

obrigatória da organização de debenturistas, dotada de determinados poderes e cujas decisões

vinculam todos os seus membros, tendo em vista a regular dispersão dos titulares das

obrigações e a necessidade de proteção do interesse comum.540

Há, também, no direito alemão, “o agrupamento dos obrigacionistas numa

Gläubigerverband541

dotada de uma organização formal composta por um órgão colegial de

que fazem parte todos os obrigacionistas e por um órgão individual com funções

537

Ob. cit., p. 351. 538

Ob. cit., p. 18. 539

Mario Engler, ob. cit., p. 19. 540

“Il mezzo con cui sono stati perseguiti unitariamente tali due risultati è stato quello di prevedere a livello

normativo che tutti i sottoscrittori di un determinato prestito sono costituiti obbligatoriamente in una

organizzazione di categoria, la quale è dotata di determinati poteri e le cui determinazioni risultano vincolanti

per tutti i suoi membri” (AUTUORI, Luca. Organizzazione degli obbligazionisti. In: Commentario alla riforma

delle società. Obbligazioni. Bilancio. Org.: MARCHETTI, Piergaetano et. al. Milão: Egea – Giuffrè, 2006,

p.205). 541

Tem o significado de uma associação de credores.

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essencialmente representativas, e cuja natureza jurídica prefigura uma

Interessengemeinschaft542

”.543

Com relação ao momento de formação dessa organização, a doutrina diverge

entre a data da escritura de emissão, a qual confere todos os direitos aos debenturistas, e a data

de término da subscrição de todos os títulos, em que há a assunção coletiva da posição de

debenturista.

No Brasil, como ensina Pontes de Miranda, a organização surge a partir da

lavratura da escritura de emissão, e não da subscrição do título, existindo, portanto,

anteriormente à circulação dos títulos: “O manifesto, o plano ou programa, a lei, os próprios

estatutos da sociedade que lança as debêntures podem ter atribuído aos invitados, ao unus ex

publico, direitos, pretensões, ações e exceções antes mesmo de se terem apresentado para

subscrever ou adquirir.”544

Assim, existe organização antes mesmo da colocação – é vazia em

seu nascedouro -, sendo composta paulatinamente por aqueles que forem subscrevendo os

títulos. A subscrição, por sua vez, confere ao subscritor uma dupla qualificação subjetiva: (i) a

posição545

ou status de debenturista; e (ii) a posição de membro da organização dos

debenturistas.

Já Nuno Barbosa, ao discorrer sobre o tema no direito português, defende que a

organização de obrigacionistas é constituída assim que concluído o período de subscrição, ou

seja, “concluído o prazo da oferta, cujo resultado é imediatamente apurado e publicado, dá-se

por findo o processo e os subscritores ficam titulares da posição jurídica correspondente ao

contrato celebrado”546

.

A nosso ver, diferentemente da linha adotada por Pontes de Miranda, temos

que a existência da organização pressupõe a subscrição do título. Na data da lavratura da

escritura de emissão, temos apenas a disposição das regras da organização que virá a ser

posteriormente constituída. Ou seja, inexistindo subscrição não há que se falar em formação

542

Significa a comunhão de interesses. 543

Nuno Barbosa, ob. cit., pp. 32-33. A constituição do ente coletivo, todavia, está condicionada ao valor

nominal do empréstimo e ao número mínimo de títulos emitidos. O legislador alemão entende ser útil a

organização dos debenturistas para as emissões de maior dimensão. 544

Ob. cit., p. 369. 545

Nuno Barbosa, ob. cit., p.69. 546

Ob. cit., p. 74.

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da organização ou comunhão dos debenturistas. A escritura é o documento central donde

emanam todos os direitos e obrigaçoes e a partir do qual se estabelecem as regras de

funcionamento dos órgãos dessa entidade sem personalidade jurídica. Antes da escritura não

seria possível formá-la, posto que sequer haveria a indicação do agente fiduciário e a

definição das regras de funcionamento de seus órgãos.

Assim, filiando-nos ao pensamento de Nuno Barbosa, defendemos que o

término do período de subscrição é o momento que marca a existência da comunhão ou

organização dos debenturistas. Na subscrição individual, tem-se a assunção da posição de

membro da organização coletiva, e não a sua constituição, o que virá a ocorrer se as condições

de subscrição do título forem atendidas – já que a sociedade pode condicionar a colocação a

um determinado número mínimo de subscritores -, encerrando-se o período da oferta.

Ademais, são as regras da organização que preexistem à subscrição, permitindo que os

potenciais subscritores tenham prévio conhecimento de seu funcionamento, principalmente

em razão da limitação da vontade individual, que passa a se sujeitar à vontade coletiva.

Nesse sentido, a Instrução CVM nº 28, de 23 de novembro de 1983, estabelece

que “o agente fiduciário entra no exercício de suas funções a partir da data da escritura de

emissão”. A referida instrução em seu art. 12, incisco V, imputa ao agente fiduciário o dever

de “verificar, no momento de aceitar a função, a veracidade das informações contidas na

escritura de emissão, diligenciando no sentido de que sejam sanadas as omissões, falhas ou

defeitos de que tenha conhecimento”, ou seja, tal disposição demonstra que o representante da

coletividade dos debenturistas deve atuar na fase preparatória à lavratura da escritura de

emissão, antes mesmo de aceitar a função, tendo em vista suas responsabilidades perante

aqueles que vierem a subscrever os títulos.

E se não houver subscrição? Não ocorrendo a subscrição, os títulos não seriam

efetivamente colocados no mercado e, portanto, inexistiria a organização dos debenturistas.

Por outro lado, uma vez colocadas no mercado, tem-se a permanência da comunhão, mesmo

que a sociedade emissora posteriormente lance mão da aquisição da totalidade das debêntures

para permanência em tesouraria – e não para a sua extinção -, tendo em vista que as mesmas

podem retornar ao mercado a qualquer momento.

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Como dito acima, a organização dos debenturistas é composta de dois órgãos:

assembleia e agente fiduciário. Analisaremos a seguir, portanto, a competência e o

funcionamento desses órgãos.

3.3.1. Assembleia de debenturistas

A assembleia é órgão soberano da organização dos debenturistas. Está prevista

no art. 71547

da LSA e tem competência para deliberar sobre todas as matérias de interesse

comum dos titulares de debêntures da mesma emissão ou série.548

Antes de tratarmos da competência e funcionamento, cumpre-nos abordar a

questão relativa aos destinatários das decisões tomadas em assembleia. Erasmo Valladão

Azevedo e Novaes França leciona que as deliberações assembleares são destinadas aos

administradores, sendo por meio destes que a sociedade se manifesta perante terceiros.549

Tal

raciocínio se amolda perfeitamente às assembleias de debenturistas. É o órgão colegiado da

organização dos debenturistas e suas deliberações destinam-se ao agente fiduciário, o qual

tem a atribuição, como órgão singular, de presentá-la perante terceiros, incluindo, aí, a

sociedade emissora.550

Por exemplo, a deliberação da assembleia dos debenturistas que aprovar

determinada modificação de cláusula da escritura de emissão somente produzirá efeitos

perante a sociedade emissora quando houver a lavratura de aditivo à escritura, o qual será

firmado pelo agente fiduciário, na qualidade de representante daquela organização. A vontade

da organização, portanto, manifesta-se internamente no âmbito da assembleia e se dirige ao

547

“Art. 71. Os titulares de debêntures da mesma emissão ou série podem, a qualquer tempo, reunir-se em

assembléia a fim de deliberar sobre matéria de interesse da comunhão dos debenturistas.” 548

No direito francês, de acordo com Merle (Ob. cit., p. 413), a assembleia geral dos obrigacionistas tem por

finalidade deliberar sobre todas as medidas que visem a defesa dos interesses comuns, a execução do contrato de

empréstimo e as proposições tendentes a modificá-lo. 549

Invalidade das Deliberações de Assembleia das S.A., p. 61. Interesse registrar, ainda, os ensinamentos de

Ascarelli, reproduzidos por Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França, na mesma obra (nota de rodapé n. 101),

a saber: “As deliberações não são diretamente manifestadas aos terceiros; a deliberação diz respeito à ´formação´

da vontade, não à sua declaração; os seus destinatários imediatos são os diretores, ou seja, o órgão executivo da

sociedade; são eles que, por sua vez, comunicam a declaração aos terceiros”. 550

Carvalhosa (Ob. cit., p. 926) afirma que “a assembleia dos debenturistas é um órgão interno da comunhão, já

que não tem poderes de representação. Suas deliberações são executadas pelo agente fiduciário.”

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agente fiduciário. Este, por sua vez, tem o dever de levar à sociedade emissora aquela vontade

manifestada no conclave, externalizando-a, haja vista o mandamento contido no art. 68 da

LSA.

Superada a questão dos destinatários do ato colegial, voltemo-nos à

problemática apontada pela doutrina que se circunscreve ao âmbito dos poderes da

assembleia, os quais podem ser classificados em três grupos: (a) poderes organizativos e de

administração; (b) poderes de ingerência; e (c) poderes contratuais.551

Dentre os poderes organizativos ou de administração, destacam-se o seguintes:

(i) nomeação e destituição do agente fiduciário, bem como a sua remuneração (art. 67 da

LSA); (ii) nomeação de representante comum dos debenturistas em processos de falência,

recuperação judicial ou extrajudicial, intervenção ou liquidação da sociedade emitente,

retirando os poderes do agente fiduciário para tanto (art. 68, §3º, alínea “d”, da LSA).

Poderes de ingerência, por sua vez, são aqueles que interferem na vida da

sociedade emissora, podendo influir ou restringir a celebração de negócios ou a prática de

determinados atos societários. Nesta categoria, a LSA estabelece os seguintes poderes à

assembleia de debenturistas: (i) oposição à redução do capital social (art. 174, §3º, da LSA);

(ii) oposição à incorporação, fusão ou cisão da sociedade emissora (art. 231, LSA); e (iii)

oposição à alteração do objeto da companhia e à criação de ações preferenciais ou

modificação das vantagens das ações existentes, pelos titulares de debêntures conversíveis em

ações (art. 57, §2º, alínea “a” e “b”, da LSA).

Por fim, os poderes contratuais são aqueles que se inserem no âmbito de

modificação da escritura de emissão ou das condições das debêntures. Vislumbramos os

seguintes poderes previstos em lei: (i) deliberação sobre a modificação das condições das

debêntures (art. 71, §5º, da LSA); e (ii) deliberação sobre outras matérias previstas na

escritura de emissão, inclusive para sua alteração.

551

Nuno Barbosa, ob. cit., p. 94. O referido jurista explica que tais poderes, por sua vez, encontram seus limites

legais nos seguintes preceitos: “o não aumento de encargos dos obrigacionistas, a igualdade de tratamento e o

interesse comum”.

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212

Dentre os poderes contratuais, como vimos, extrai-se da redação do §5º do art.

71 da LSA a possibilidade de a assembleia “aprovar modificação nas condições das

debêntures”. Parece-nos que a disposição mencionada estende a competência da assembleia

para além das matérias de interesse comum dos debenturistas. Tem-se aí, na verdade, a

permissão legal para que a assembleia delibere sobre qualquer matéria relativa à modificação

das condições das debêntures. Há, porém, na doutrina brasileira, entendimento intermediário

que admite apenas as modificações das condições acessórias por meio de deliberação da

maioria dos debenturistas. Já as condições substanciais552

somente poderiam ser alteradas

pela unanimidade dos titulares das debêntures em circulação. Como veremos mais adiante, tal

distinção das condições, em razão de interprestação restritiva, e a consequente exigência de

quorum unânime operam contra legem, já que o §5º do art. 71 da LSA é claro em fixar o

quorum da maioria para as modificações das condições das debêntures. Válida é a regra de

hermenêutica: “Onde a lei não restringe, não cabe ao intérprete restringir”.

Todavia, parece-nos que a eficácia de certas alterações da escritura de emissão

que afetem os interesses da sociedade emissora dependem de deliberação do órgão social

responsável pela criação das debêntures ou encarregado de lavrar a escritura de emissão,

tendo em vista que alteram a vontade originária, manifestada anteriormente no momento da

criação e emissão dos títulos.553

Nesse ponto, a deliberação dos debenturistas estaria

condicionada à manifestação do órgão responsável pela matéria. Se se tratar de questão

deliberada no ato de criação pela assembleia geral de acionistas, por exemplo, caberá somente

a uma nova assembleia a decisão de aceitar ou não as novas condições.

552

Conforme Tavares Borba (Ob. cit., p. 147), a essência do direito de crédito é a pretensão ao reembolso.

Qualquer deliberação da assembleia que obstaculize esse direito, tanto para cancelá-lo como reduzi-lo, afetará a

sua substância, atingindo o interesse individual do debenturista. A nosso ver, tal posição não leva em conta o

princípio da supremacia da vontade da organização dos debenturistas sobre os interesses individuais, cuja

aceitação e opção o debenturista fez no momento da subscrição do título. É a vantagem de ingressar em uma

organização de debenturistas, que terá mais força para negociar com a sociedade emissora, já que o montante da

dívida será aquele decorrente da unicidade do crédito. Pensando ao contrário, não aceitando substituir o interesse

indivual pelo coletivo, restaria apenas realizar o empréstimo singular em face da sociedade emissora, com a

desvantagem de que o valor do crédito poderia ser insuficiente para igualar as forças em jogo. Portanto, o

debenturista tem ciência de que está abrindo mão de parte de seus interesses individuais em prol do interesse

coletivo da organização, em todos os seus aspectos, inclusive no tocante à modificação das condições das

debêntures pela maioria, já que expresso no art. 71, §5º, da LSA. 553

Nesse sentido, Tavares Borba (Ob. cit., p. 144) afirma que “a alteração das condições da emissão processa-se

através de um pacto entre a sociedade emissora e a comunhão de debenturistas, exigindo, portanto, de um lado, a

manifestação favorável da sociedade, a ser emitida pelo órgão societário competente segundo a natureza da

matéria, e de outro lado, uma deliberação da assembleia de debenturistas, aprovando a alteração pretendida.

Essas alterações, normalmente, são propostas pela emissora e acolhidas ou não pelos debenturistas. Aprovada a

modificação por ambos os lados, deve a escritura de emissão ser objeto de aditamento firmado pela emissora e

pelo agente fiduciário ou pelo representante indicado pela comunhão, consubstanciando-se assim a reformulação

das condições das debêntures.”

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Por outro lado, se a deliberação de criação competir ao conselho de

administração, nova reunião deste órgão será necessária para deliberar sobre a aceitação das

novas condições. Já se a matéria estiver relacionada às condições ou cláusulas inseridas na

escritura de emissão, pela administração da sociedade emissora, nos termos do art. 61 da

LSA, a matéria poderá ser aprovada ou rejeitada pela diretoria ou conselho de administração,

a depender da previsão estatutária, sem a necessidade de se convocar nova assembleia de

acionistas.

Le Cannu anota que, no direito francês, as decisões da massa não podem ser

impostas à sociedade emissora quando a proposta de modificação se referir diretamente ao

empréstimo. Por outro lado, se as modificações forem indiretas, o conselho de administração

e a diretoria da sociedade emissora poderão se opor à deliberação da assembleia.554

Em matéria de convocação, a LSA estabelece no §1º do art. 71 que as

assembleias de debenturistas podem ser regularmente convocadas pelos seguintes

legitimados: (a) agente fiduciário; (b) sociedade emissora; (c) debenturistas que representem,

no mínimo, dez por cento dos títulos em circulação; e (d) CVM, no caso de debêntures

colocadas mediante oferta pública.

Já no tocante ao quorum, a LSA é precisa ao definir que a assembleia somente

será instalada, em primeira convocação, com a presença de debenturistas que representem a

metade das debêntures em circulação ou, em segunda, com qualquer número. Todavia, o

dispositivo não deixa claro o intervalo de tempo entre a primeira e a segunda convocação. A

regra pode ser extraída da aplicação supletiva do art. 124 da LSA, seguindo-se o mesmo

parâmetro assimétrico utilizado para companhia fechada (oferta privada de debêntures) ou

companhia aberta (oferta pública de debêntures).

É, porém, falha a LSA no que tange à definição do quorum de deliberação.

Estabelece, apenas, que a escritura de emissão deverá estabelecer a maioria necessária (não

inferior à metade das debêntures em circulação) para as deliberações relativas à modificaçao

nas condições das debêntures. A redação do §5º do art. 71 da LSA, que reproduz a regra

explicitada nas linhas anteriores, não é das melhores. Interpreta-se, a partir da leitura do

554

Ob. cit., p. 688.

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referido parágrafo, que a escritura de emissão poderia impor quorum mais elevado para tais

modificações.

Por outro lado, o art. 71 é omisso em relação ao quorum para deliberação de

todas as demais matérias de interesse da comunhão dos debenturistas, deixando a cargo da

escritura de emissão defini-lo ou, sendo esta também omissa, às normas supletivas das

assembleias de acionistas (art. 71, §2º, da LSA). Ao contrário, Carvalhosa555

entende que o

quorum para as deliberações de eficácia interna (art. 71, caput) é o da maioria absoluta, sem o

cômputo dos votos em branco, remetendo diretamente à disciplina do art. 129556

da LSA, sem

atentar para a possibilidade de disciplina diversa do quorum na escritura de emissão.

A IN/CVM 28/83, por sua vez, estabelece quorum de deliberação no parágrafo

único do art. 13, o qual estabelece a atuação do agente fiduciário no caso de inadimplemento

da sociedade emissora, na forma seguinte: “O agente fiduciário somente se eximirá da

responsabilidade pela não adoção das medidas contempladas nos incisos I a IV se, convocada

a assembléia dos debenturistas, esta assim o autorizar por deliberação da unanimidade das

debêntures em circulação. Na hipótese do inciso V, será suficiente a deliberação da maioria

das debêntures em circulação.”

Curioso notar que a primeira parte do texto transcrito estabelece o quorum da

unanimidade dos debenturistas, em total confronto com o princípio majoritário que constitui a

essência da sua organização. Nelson Eizirik explica que se trata de matéria afeita à esfera de

liberdade individual do debenturista e, por isso, somente poderia ser modificada pelo

consentimento unânime dos titulares das debêntures.557

Todavia, em que pese a ratio legis contida na Nota Explicativa CVM nº

27/1983, também citada por Nelson Eizirik, e a opinião da doutrina558

sobre o tema, não se

555

Ob. cit., p. 934. 556

“Art. 129. As deliberações da assembléia-geral, ressalvadas as exceções previstas em lei, serão tomadas por

maioria absoluta de votos, não se computando os votos em branco.” 557

Ob. cit., p. 441. 558

Waldecy Lucena (Ob. cit., p. 710). Curioso que o próprio Waldecy Lucena (Ob. cit., p. 537), ao tratar dos

direitos dos debenturistas, defende que “se o direito individual do obrigationista entrar em choque com o direito

comum da comunidade de debenturistas, este há de prevalecer. A existência de uma comunhão de interesses

entre eles e a realização de assembleia de debenturistas, para deliberar sobre todas as questões que digam

respeito ao crédito coletivo, indicam essa solução. Por isso mesmo, a minoria de debenturistas há sempre de se

submeter ao deliberado pela maioria.”

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pode presumir o conflito de interesses a justificar a unanimidade do quorum, nem mesmo a

explicação de que o crédito tem caráter pessoal e autônomo, cabendo apenas ao credor a

decisão sobre as medidas que visam a realização de seu crédito pessoal. Ora, pensar dessa

forma é colocar totalmente em xeque a função das debêntures, enquanto valor mobiliário.

Permitir que as debêntures se transformem em título executável em face da sociedade

emissora, contrariamente à vontade da maioria dos debenturistas, é enfraquecer a ideia de

organização e desestimular o uso das debêntures como empréstimo coletivo e especial,

transformando-o em crédito simples e colocando o debenturista em posição de credor

individual, o que conflita totalmente com a ideia inicial que justificou o lançamento das

debêntures pela sociedade emissora.

Carvalhosa rebate a parcela da doutrina que não concorda com a deliberação da

assembleia sobre os direitos essenciais dos debenturistas. É enfático em afirmar que “sendo

único o débito debenturístico, não pode desmanchar-se em direitos diferentes para uns e

outros titulares de suas frações”. E mais, assevera que “a prevalência dos interesses comuns

sobre os individuais garante a uniformidade e igualdade dos direitos creditícios”.559

Tavares Borba, utilizando-se da interpretação sistemática e teleológica, afirma

que o intérprete deve ponderar se as condições a serem modificadas são acessórias ou

substanciais. Afirma que a tendência é considerar que a alteração das condições substanciais

exige a deliberação unânime dos debenturistas e que apenas as condições acessórias podem

ser ajustadas pela maioria prevista no §5º do art. 71.560

No entanto, como já mencionado, esse

entendimento doutrinário é totalmente contra legem. “Onde a lei não restringe, não cabe ao

intérprete restringir”. A redação do dispositivo em comento é clara no sentido de que as

modificações das condições das debêntures exigem a deliberação pela maioria dos

debenturistas. Não há previsão legal para quorum mais elevado, a não ser para a hipótese de

não responsabilização do agente fiduciário prevista no parágrafo único do art. 13 da IN/CVM

28/83. Para todas as outras hipóteses, não há como exigir unanimidade sem previsão legal. É a

opção que o sujeito faz ao subscrever as debêntures, abrindo mão de seu interesse individual

em prol do interesse coletivo. Voltar atrás depois da emissão e sujeitar a modificação das

condições à vontade individual quer nos parecer democratizar em exagero o instituto das

559

Ob. cit., p. 704. 560

Ob. cit., pp. 146-147.

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debêntures, eliminando o caráter unitário do crédito, a uniformidade do título e a função de

contraparte única em face da sociedade emissora.

Nesse sentido, Carvalhosa afirma que “admitir-se não ter a assembleia dos

debenturistas competência para deliberar sobre cláusulas e condições essenciais do negócio

jurídico do empréstimo significaria negar a sua própria função, estabelecida em lei (art.

71)”.561

Deve-se privilegiar a soberania da assembleia de debenturistas para deliberar

sobre a modificação das condições da escritura. Retirar-lhe tal autonomia é encerrar

abruptamente a organização dos debenturistas e submeter a sociedade emissora à vontade

individual de cada credor, o que confronta com a essência do instituto.562

Registra-se que o Trust Indenture Act, base modelar do regime jurídico da

LSA, contém norma expressa admitindo que os debenturistas, em deliberação colegiada,

possam conceder waiver a eventuais inadimplementos da sociedade emissora, bem como que

os debenturistas, também em ato colegial, possam aprovar a suspensão do pagamento de

juros, por um período não superior a três anos. As duas hipóteses devem estar previstas na

escritura de emissão. A primeira poderá ser deliberada pela maioria dos debenturistas e, a

segunda, exige quorum especial de debenturistas que representem 75% do valor principal das

debêntures. Tem-se, assim, no direito comparado, exemplo de modificação das condições das

debêntures que, para a doutrina brasileira, estaria inserida na esfera individual do debenturista.

Ainda, no regime anterior das debêntures, havia a possibilidade de alteração

das cláusulas do empréstimo mediante aceitação dos debenturistas que representassem dois

terços do valor total dos títulos emitidos, como nos recorda Waldemar Ferreira563

. Apesar da

prevalência do princípio majoritário, havia a necessidade de homologação judicial para

verificação das condições e formalidades previstas em lei. Eram outros tempos. A

homologação judicial não retirava a liberdade contratual de se alterar as condições das

debêntures por maioria qualificada.

561

Ob. cit., p. 705. 562

Em sentido contrário: Tavares Borba (Ob. cit., p. 147). Há decisão do STJ no sentido de não admitir a

redução do valor das debêntures por decisão da assembleia de debenturistas, conforme ementa transcrita por

Tavares Borba. 563

Instituições de Direito Comercial. Ob. cit., p. 359.

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Por tais razões, é que nos insurgimos em relação à posição de que seria

necessário o consentimento unânime dos titulares das debêntures para modificação das

cláusulas da escritura de emissão ou de suas condições, em total descompasso com o princípio

majoritário que está na base da organização dos debenturistas.

Com relação à formação do quorum válido de instalação ou de deliberação,

Carvalhosa destaca que “há forte tendência do conflito de interesses na emissão de

debêntures” e, por isso, os debenturistas que forem controladores diretos ou indiretos da

sociedade emitente ou os underwriters (instituições financeiras responsáveis pela colocação

das debêntures) não poderão ser considerados para a composição do quorum. Admite, por

outro lado, o cômputo dos votos dos debenturistas que forem considerados acionistas

minoritários, desde que tais votos não sejam prevalentes na deliberação da assembleia de

debenturistas. Parece-nos que há certo equívoco nessa última parte. O conflito não se

estabelece em razão do poder de controle societário, mas em razão da posição de sócio, cujos

interesses podem ser conflitantes com os interesses comuns dos debenturistas. Logo, a nosso

ver, havendo interesse conflitante, os acionistas-debenturistas, como um todo, não poderão

compor o quorum de deliberação.

Carvalhosa assevera, ainda, que o abuso no exercício do direito de voto e o

desvio de finalidade podem viciar a manifestação do debenturista e caracterizar conflito de

interesses564

, “quando ficar evidente que procura ele defender os seus interesses individuais,

em confronto com os da comunhão, perturbando os trabalhos com argumentos sem

consistência e apresentando moções obstrutivas (cita, como exemplo, as repactuações e as

manifestações de dissidência no interesse individual). Afirma que deve prevalecer o princípio

da supremacia do interesse da organização dos debenturistas sobre os interesses

individuais.565

Falta-nos, por fim, abordar a aplicação supletiva das normas previstas na LSA

sobre a assembleia geral de acionistas, conforme disposto no já referido §2º do art. 71. A

564

Carvalhosa (Ob. cit., pp. 929-930) traça distinção entre o conflito de interesses formal e material a

caracterizar o impedimento absoluto do acionista-debenturista, afirmando que para os controladores o conflito

seria formal e para os minoritários o conflito seria material, já que, neste caso, a presunção do impedimento seria

relativa. Todavia, como nos ensina Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França (Ob. cit., pp. 92-93), a LSA

privilegiou o sistema de verificação do conflito de interesses em cada caso concreto, afastando-se de um critério

meramente formal. 565

Ob. cit., pp. 928-929.

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problemática, a nosso ver, reside em saber se prevalecem as regras da escritura de emissão ou

as normas da assembleia de acionistas para regular o funcionamento da assembleia de

debenturistas, em caso de omissão da LSA.

Tem-se que, em razão do caráter cogente do diploma das sociedades por ações,

as eventuais omissões da LSA, no que tange ao funcionamento da assembleia de

debenturistas, devem ser supridas pelas regras aplicáveis às assembleias de acionistas. Não

sendo estas suficientes, deve-se atribuir ampla liberdade de estipulação aos debenturistas para

disciplinar, na escritura de emissão, as regras de funcionamento dos órgãos da comunhão de

interesses.

3.3.2. Agente fiduciário

O Decreto-Lei nº 781 era omisso em relação à figura do agente fiduciário.

Estabelecia apenas que a assembleia dos debenturistas, facultativamente, poderia nomear um

ou mais representantes para a representação da comunhão dos portadores de debêntures. Fran

Martins recorda que a nomeação dependia apenas de deliberação dos debenturistas, sem

qualquer participação da sociedade emissora.566

A figura do agente fiduciário foi uma das inovações da LSA em matéria de

debêntures, reformulando totalmente o instituto que era regulado em norma específica

(Decreto nº 177-A/1893)567

. A permanência e a finalidade do novo órgão de presentação da

comunhão dos debenturistas foram explicitadas na justificativa contida na Exposição de

Motivos da LSA (Mensagem nº 204, do Ministério da Fazenda, de 1976), conforme nos

retrata Eli Loria, em seu voto proferido nos autos do Processo CVM RJ2009/5863:

"Para maior proteção dos investidores do mercado, o Projeto prevê e regula a função

do agente fiduciário dos debenturistas tomando por modelo o ´trustee´ de direito

anglo-saxão, e adaptando-o à nossa técnica jurídica.

566

Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 253. 567

Tavares Guerreiro e Egberto Lacerda (Ob. cit., pp. 366-368) explicam que a figura do agente fiduciário,

adaptada do instituto anglo-saxão do trustee, foi uma das mais importantes inovações da LSA no tocante ao

instituto das debêntures, aperfeiçoando-o e contribuindo para o seu desenvolvimento.

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A experiência dos países que, na tradição de direito continental europeu

desconhecem essa função, revela a inadequação da solução adotada pelo nosso

Decreto-lei nº 781, de 12-10-1938, da reunião eventual de assembléia de

debenturistas, o que em geral somente ocorre quando a companhia emissora tem

interesse em modificar as condições das debêntures em circulação ou já se ache

inadimplente. A proteção eficiente dos direitos e interesses dos debenturistas requer

fiscalização permanente e atenta por pessoa habilitada, com as responsabilidades de

administrador de bens de terceiro, independente da companhia devedora e dos

demais interessados na distribuição das debêntures, e que não tenha interesses

conflitantes com os dos debenturistas, cujos direitos e interesses deve proteger.”568

(grifo do autor)

O modelo adotado pela LSA para a representação da organização dos

debenturistas, nos dizeres de Fran Martins, “aproveitou certos princípios da lei inglesa, certas

práticas da lei americana e a conservação de muitas regras do direito tradicional continental,

para delinear a figura do agente fiduciário dos debenturistas”569

. Como vimos anteriormente,

trata-se de órgão da comunhão dos debenturistas encarregado de representá-lo externamente,

sendo permanente e obrigatório. É órgão de representação externo, já que é encarregado de

transmitir a vontade interna da assembleia de debenturistas, tanto para a sociedade emissora

como a terceiros.

A disciplina jurídica relativa ao agente fiduciário da organização dos

debenturistas está prevista nos arts. 66 a 70 da LSA, bem como é regulada pela CVM por

meio da IN/CVM 28/83, a qual foi objeto de alterações posteriores pelas Instruções nºs.

123/90, 490/11 e 519/12.

A doutrina majoritária entende que a nomeação do agente fiduciário é

facultativa nas ofertas privadas570

, tendo “caráter contratual e não institucional”571

. Já nas

ofertas públicas, conforme disciplinado no art. 1º da IN/CVM 28/83, é obrigatória tal

nomeação na escritura de emissão, assim como a sua aceitação pelo agente fiduciário

568

Disponível em: http://www.cvm.gov.br/port/descol/respdecis.asp?File=6603-0.HTM. Acesso em: 22/09/2013. 569

Ob. cit., p. 253. 570

Mario Engler (Ob. cit., p. 21) anota que, “embora a intervenção do agente fiduciário na escritura de emissão

seja dispensável nas subscrições particulares, nada impede que, posteriormente, a assembleia dos debenturistas

venha a elegê-lo, sobretudo quando se fizer necessária a tomada de providências para defesa dos interesses da

comunhão”. Fran Martins (Ob. cit., p. 256), sabiamente, esclarece que nas debêntures colocadas mediante oferta

privada, em que não houver a nomeação de agente fiduciário, “a defesa dos direitos e interesses dos

debenturistas se faz diretamente por cada um, já que, com a emissão de tais debêntures, não se forma, como

acontece com o direito francês, de pleno direito e obrigatoriamente, uma comunhão de interesses entre os

debenturistas, caso em que esses deveriam ser representados por alguém por eles indicado”. No mesmo sentido,

Carvalhosa (Ob. cit., p. 880) e Waldecy Lucena (Ob. cit., p. 682). 571

Carvalhosa, ob. cit., p. 881.

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220

nomeado. Nomeação e aceitação ocorrem no mesmo ato e a representação tem caráter

institucional.

Nessa linha, o extinto 1º Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, em uma das

poucas vezes que foi chamado a decidir um caso envolvendo o regime jurídico das

debêntures, reafirmou o entendimento no sentido de que não é necessária a nomeação do

agente fiduciário em emissões privadas, conforme divulgado em extensa pesquisa realizada

por Paulo de Lorenzo Messina e Paula A. Forgioni:

“Em 1990, o 1º Tribunal de Alçada Cível de São Paulo decidiu que se a emissão de

debêntures é privada, ou seja, se os títulos não são emitidos visando a negociação no

mercado, não há obrigatoriedade de contratação de agente fiduciário, conforme

previsto no art. 61, § 1º da Lei nº 6404/76 (Apelação Cível nº 417.789-5).” 572

“Ementa: Debêntures - Emissão – Títulos que não se destinam à negociação no

mercado – Ato que prescinde da intervenção do agente fiduciário dos debenturistas

ou da assembléia correspondente – Inteligência do art. 61, § 1º, da Lei 6.404/76. O §

1º do art. 61 da Lei 6.404/76 é claro ao dispor que a intervenção do agente fiduciário

dos debenturistas é requerida na emissão de debêntures distribuídas ou admitidas no

mercado. Não em outras hipóteses. Vale dizer, a lei contenta-se com a assembleía

dos debenturistas ou com o próprio investidor para a proteção de seus interesses

quando os títulos não se destinarem ao mercado.” “Debêntures - Execução –

Legitimidade ´ad causam´ do debenturista individual – Título dotado da autonomia e

literalidade, que confere direito de crédito contra a companhia, o que possibilita ao

credor invocar a tutela jurisdicional correspondente – Vencimento antecipado por

inadimplemento que prescinde da intervenção da assembléia de debenturistas, visto

que somente se pretende cobrar direitos individuais correspondentes às debêntures

do autor. Debêntures são títulos de crédito que gozam dos tributos de autonomia e

literalidade, conferindo direito de crédito contra a companhia. É claro que cada

titular de debêntures, desde que inadimplente a emitente e obrigada, pode

individualmente invocar a tutela jurisdicional correspondente para satisfação de seu

crédito. No inadimplemento referido, à assembléia é quem (sic) competirá pleitear o

vencimento antecipado de todas as obrigações. Não assim quando se pretende o

vencimento antecipado apenas dos direitos emergentes das debêntures do

exequente.”573

Os requisitos para a nomeação do agente fiduciário, previstos no §1º do art. 66

da LSA, são os seguintes: (i) pessoa natural: preenchimento dos requisitos para o exercício de

cargo em órgão de administração da companhia; (ii) pessoa jurídica: as instituições

financeiras que, especialmente autorizadas pelo Banco Central do Brasil, tenham por objeto a

572

MESSINA, Paulo de Lorenzo; FORGIONI, Paula A. A Posição dos Tribunais Perante as Sociedades Por

Ações (1986-1997). Relatório de Pesquisa nº 9/1999. São Paulo: EAESP/FGV/NPP – Núcleo de Pesquisas e

Publicações, 1999, p. 33. 573

Ob. cit., p. 177.

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221

administração ou a custódia de bens de terceiros.574

Além disso, o art. 8º da IN/CVM 28/83

estabelece que o agente fiduciário, nas ofertas públicas, será obrigatoriamente instituição

financeira quando a emissão for garantida por caução.575

A primeira dúvida, relativa à nomeação de pessoa natural, recairia na definição

dos tais “requisitos para o exercício de cargo em órgão da administração”, especialmente

porque eles podem ser distintos – exemplo é o requisito de residência no Brasil para os

diretores e a sua dispensa para os conselheiros. O agente fiduciário, pessoa natural, poderia

ser residente em outro país? Por se tratar de órgão de representação da comunhão dos

debenturistas, a nosso ver, os requisitos devem ser aqueles atribuídos aos diretores da

companhia, e não aos do conselho de administração, posto que este é órgão deliberativo.

Logo, o agente fiduciário necessariamente deve ser residente no Brasil para ser nomeado na

escritura de emissão, sob pena de prejuízo à representação daquele órgão.

Carvalhosa pondera que a profissionalidade e a especialidade são requisitos de

capacidade atinentes ao exercício do cargo de agente fiduciário, adicionando-se os deveres

fiduciários dos administradores, entre eles os deveres de lealdade e de diligência.576

O agente

fiduciário deve-se manter totalmente independente em relação aos interesses individuais dos

titulares das debêntures e os da sociedade emissora, tendo em vista a possibilidade de conflito

entre eles e os interesses coletivos da organização dos debenturistas. Aqui, assim como ocorre

no pacto social com os administradores, os deveres do agente fiduciário se voltam a favor da

organização dos debenturistas, vista como entidade coletiva, e não ao interesse individual de

cada debenturista577

.

Ademais, o agente fiduciário tem como funções: (i) representar a organização

dos debenturistas perante a sociedade emissora; (ii) fiscalizar o cumprimento das obrigações

574

O Código de Sociedades Comerciais Português (art. 357.º) estabelece, curiosamente, que o representante

comum dos obrigacionistas deve ser: “uma sociedade de advogados, uma sociedade de revisores de contas ou

uma pessoa singular dotada de capacidade jurídica plena, embora não seja obrigacionista”. 575

A segunda hipótese do art. 8º da IN/CVM 28/83, que exige a atuação de instituição financeira como agente

fiduciário sempre que a emissão ultrapassar o capital social, foi derrogada tacitamente, já que não mais existe tal

limite à emissão de debêntures, conforme tivemos a oportunidade de anotar anteriormente neste trabalho. 576

Ob. cit., p. 873. 577

Carvalhosa (Ob. cit., p. 874) pondera o seguinte: “É nesse sentido e com essa amplitude e rigor que o agente

fiduciário deve agir, procurando defender o crédito como um todo, no interesse geral, evitando qualquer ato que

possa configurar desvio de finalidade de suas funções legalmente instituídas (arts. 68 e 69)”. Indo além, parece-

nos que o referido órgão da massa de debenturistas deve evitar qualquer ato que possa caracterizar a

inobservância ou a quebra de seus deveres fiduciários, não apenas desvio de finalidade.

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assumidas pela sociedade emissora na escritura de emissão; e (iii) exercer os poderes

conferidos para a satisfação dos créditos dos debenturistas.

No tocante aos impedimentos, a LSA estabelece que não pode ser agente

fiduciário: (i) pessoa que já exerça a função em emissão da mesma companhia, salvo se

houver autorização da CVM; (ii) instituição financeira controlada ou coligada à sociedade

emissora ou ao underwriter responsável pela distribuição do valor mobiliário no mercado;

(iii) credor da sociedade emissora, ou sociedade por ele controlada; (iv) instituição financeira

cujos administradores tenham interesse na sociedade emissora; e (v) pessoa que se coloque

em situação de conflito de interesses pelo exercício da função.

Trata-se de rol exemplificativo, como anota Waldecy Lucena, sendo que

“outros impedimentos ou incompatibilidades podem ser adicionados, decorrentes da situação

jurídica do escolhido, como seu status pessoal e as relações que mantém com a companhia

emissora”.578

Nesse sentido, a IN/CVM 28/83 ampliou o rol do §3º do art. 66 da LSA, ao

estabelecer, também, impedimentos e restrições para o exercício da função de agente

fiduciário por pessoa natural ou instituição financeira, nos seguintes termos:

“Art. 10. Não pode ser agente fiduciário:

I - pessoa natural ou instituição financeira:

a) (alínea revogada pela Instrução CVM nº 519/2012);

b) que exerça cargo ou função, ou preste auditoria ou assessoria de qualquer

natureza à companhia emissora, sua coligada, controlada ou controladora, ou

sociedade integrante do mesmo grupo;

c) que seja associada a outra que já exerça as funções de agente fiduciário nas

condições previstas nas alíneas anteriores;

d) que, de qualquer outro modo, se coloque em situação de conflito de interesses

pelo exercício da função.

II - instituição financeira coligada à companhia emissora ou à entidade que

subscreva a emissão para distribuí-la no mercado, e qualquer sociedade por ela

controlada;

III - credor, por qualquer título, da sociedade emissora, ou sociedade por ela

controlada;

IV - instituição financeira:

a) cujos administradores tenham interesse na companhia;

b) cujo capital votante pertença, na proporção de 10% (dez por cento) ou mais, à

companhia emissora, a seu administrador ou sócio;

578

Ob. cit., p. 683. Observa o referido jurista (Ob. cit., pp. 684-685), ainda, que a Nota Explicativa nº 27, de 23

de novembro de 1983, emitida pela CVM quando da publicação da IN/CVM 28/83, expressamente consignou

que a lista de impedimentos contida no art. 10 da referida instrução é exemplificativa, tendo em vista ser

impossível prever todas as hipóteses de conflito de interesses entre os do agente fiduciário e aqueles da

organização dos debenturistas.

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c) que direta ou indiretamente controle ou que seja direta ou indiretamente

controlada pela companhia emissora.”

Dentre as regras impeditivas, a situação de conflito de interesses pelo exercício

da função é a que pode gerar mais controvérsias, já que demanda a análise de cada caso

concreto. Como mencionado anteriormente, as regras de conflitos de interesses no direito

norte-americano estão previstas no Trust Indenture Act.

Ainda, em matéria de impedimentos ao exercício do cargo de agente fiduciário,

devemos atentar para as regras de inelegibilidade contidas nos parágrafos 1º e 2º do art. 147

da LSA, as quais restringem a nomeação de pessoas que tenham sido impedidas por lei

especial ou que tenham sido condenadas pelos crimes relacionados nos referidos parágrafos.

Superadas as regras impeditivas, cumpre-nos analisar os deveres impostos ao

representante comum da massa, como o denominam os italianos. Como já acentuado, o agente

fiduciário incorpora um órgão da comunhão dos debenturistas, tendo o dever legal de zelar

pelos interesses comuns dessa coletividade. Entende-se que o agente fiduciário tem poderes

de gestão e representação da organização, sendo que os seus “poderes-deveres fundam-se no

princípio da especialização e profissionalização das funções e da responsabilidade pessoal

pelos atos de gestão praticados ou deixados de praticar”579

.

Outrossim, as funções do agente fiduciário são indelegáveis580

e a sua relação

decorre da nomeação ou eleição, e não de um contrato. Inexiste, assim, qualquer vínculo de

subordinação do agente fiduciário para com a sociedade emissora ou os debenturistas,

individualmente considerados. Há, sim, uma relação orgânica entre o agente e a comunhão

dos debenturistas, enquanto entidade coletiva organizada que tem por objetivo proteger os

interesses comuns dos titulares do valor mobiliário em estudo.

Por tais razões, a LSA prevê que os deveres, atribuições e responsabilidades do

agente fiduciário, previstos na lei, não poderão ser restringidos pela escritura de emissão. Tais

disposições são de ordem pública, como afirmado por Tavares Guerreiro e Egberto

579

Carvalhosa, ob. cit., p. 899. 580

Carvalhosa (Ob. cit., p. 901) afirma que as funções do agente fiduciário não podem “ser suprimidas, alteradas

ou diminuídas pela escritura de emissão, nem partilhadas com a assembleia geral (art. 71) ou com qualquer outra

pessoa, órgão ou entidade, pública ou privada.”

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224

Lacerda581

, e as cláusulas que, porventura, os restrinjam, serão consideradas não escritas, nos

termos do §6º do art. 68 da referida lei.

Importante anotar que o agente fiduciário tem o dever legal de cuidar dos

interesses da organização dos debenturistas e protegê-los, desde a fase que precede a

colocação, a partir da data da escritura de emissão, até a extinção do título – e até mesmo após

este marco temporal se sobrevier algum fato que demande a atuação do órgão da massa de

debenturistas.

Nos dizeres de Carvalhosa, “os deveres legais do agente fiduciário abrangem

atos de conservação dos direitos da comunhão e atos de proteção e execução judicial desses

mesmos direitos no caso de risco ou de efetiva inexecução das obrigações assumidas pela

companhia emissora”582

Os deveres e atribuições do agente fiduciário estão previstos no art. 68583

da

LSA, bem como no art. 12584

da IN/CVM 28/83. Pretendendo discorrer objetivamente sobre

581

Ob. cit., p. 373. 582

Ob. cit., p. 905. 583

“Art. 68. [...] §1º. São deveres do agente fiduciário: a) proteger os direitos e interesses dos debenturistas,

empregando no exercício da função o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na

administração de seus próprios bens; b) elaborar relatório e colocá-lo anualmente a disposição dos debenturistas,

dentro de 4 (quatro) meses do encerramento do exercício social da companhia, informando os fatos relevantes

ocorridos durante o exercício, relativos à execução das obrigações assumidas pela companhia, aos bens

garantidores das debêntures e à constituição e aplicação do fundo de amortização, se houver, do relatório

constará, ainda, declaração do agente sobre sua aptidão para continuar no exercício da função; c) notificar os

debenturistas, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, de qualquer inadimplemento, pela companhia, de

obrigações assumidas na escritura da emissão.” 584

“Art. 12. São deveres do agente fiduciário: I - proteger os direitos e interesses dos debenturistas, empregando

no exercício da função o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na

administração de seus próprios bens; II - renunciar à função, na hipótese da superveniência de conflito de

interesses ou de qualquer outra modalidade de inaptidão; III - conservar em boa guarda toda a escrituração,

correspondência e demais papéis relacionados com o exercício de suas funções; V - verificar, no momento de

aceitar a função, a veracidade das informações contidas na escritura de emissão, diligenciando no sentido de que

sejam sanadas as omissões, falhas ou defeitos de que tenha conhecimento; VI - promover nos competentes

órgãos, caso a companhia não o faça, o registro da escritura de emissão e respectivos aditamentos, sanando as

lacunas e irregularidades porventura neles existentes; neste caso, o oficial do registro notificará a administração

da companhia para que esta lhe forneça as indicações e documentos necessários; VII - acompanhar a observância

da periodicidade na prestação das informações obrigatórias, alertando os debenturistas acerca de eventuais

omissões ou inverdades constantes de tais informações; VIII - emitir parecer sobre a suficiência das informações

constantes das propostas de modificações nas condições das debêntures; IX - verificar a regularidade da

constituição das garantias reais, flutuantes e fidejussórias, bem como valor dos bens dados em garantia,

observando a manutenção de sua suficiência e exeqüibilidade; X - examinar a proposta de substituição de bens

dados em garantia, quando esta estiver autorizada pela escritura de emissão, manifestando a sua expressa e

justificada concordância; XI - intimar a companhia a reforçar a garantia dada, na hipótese de sua deterioração ou

depreciação; XII - solicitar, quando julgar necessário para o fiel desempenho de suas funções, certidões

atualizadas dos distribuidores cíveis, das Varas de Fazenda Pública, cartórios de protesto, Juntas de Conciliação

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os deveres elencados na lei e na regulação da CVM, apresentamo-nos a seguinte proposição

classificatória:

a) Dever de diligência (ou de proteção):

O dever de diligência, ou de proteção, é o preceito geral que orienta a atuação

do agente fiduciário no sentido de que ele empregue o “cuidado e diligência que todo homem

ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios bens” (art. 68, §1º, alínea

“a”, da LSA). Este dever vincula o agente fiduciário à proteção dos direitos e interesses da

organização dos debenturistas. Trata-se de standard empregado na LSA também para os

deveres dos administradores (art. 153) e tem sua raíz no standard of care585

do Model

Business Corporation Act, do direito norte-americano, o qual foi posteriormente adequado em

razão da regra do business judgment rule, passando a exigir a atuação de acordo com a boa-fé

e no melhor interesse da companhia.

Pinheiro Guimarães observa que “o cumprimento desse dever legal requer do

agente fiduciário uma postura pró-ativa e vigilante, de forma a permitir antecipação aos fatos

e Julgamento, Procuradoria da Fazenda Pública, onde se localiza a sede do estabelecimento principal da

companhia emissora e, também, da localidade onde se situe o imóvel hipotecado; XIII - solicitar, quando

considerar necessário, auditoria extraordinária na empresa; XIV - examinar, enquanto puder ser exercido o

direito à conversão de debêntures em ações, a alteração do estatuto da companhia emissora que objetive mudar o

objeto da companhia, ou criar ações preferenciais ou modificar as vantagens das existentes, em prejuízo das

ações em que são conversíveis as debêntures, cumprindo-lhe ou convocar assembléia especial dos debenturistas

para deliberar acerca da matéria, ou aprovar, nos termos do §2º do art. 57 da Lei nº 6.404/76, a alteração

proposta; XV - convocar, quando necessário, a assembléia de debenturistas, através de anúncio publicado, pelo

menos por três vezes, nos órgãos de imprensa onde a companhia emissora deve efetuar suas publicações; XVI -

comparecer à assembléia dos debenturistas a fim de prestar as informações que lhe forem solicitadas; XVII –

elaborar relatório destinado aos debenturistas, nos termos do art. 68, §1º, alínea “b”, da Lei nº 6.404, de 1.976, o

qual deve conter, ao menos, as seguintes informações: [...];XVIII - colocar o relatório de que trata o inciso

anterior à disposição dos debenturistas no prazo máximo de 4 (quatro) meses a contar do encerramento do

exercício social da companhia, ao menos nos seguintes locais: [...];XIX - publicar, nos órgãos da imprensa onde

a companhia emissora deva efetuar suas publicações, anúncio comunicando aos debenturistas que o relatório se

encontra à sua disposição nos locais indicados no inciso XVIII; XX - manter atualizada a relação dos

debenturistas e seus endereços, mediante, inclusive, gestões junto à companhia emissora; XXI - coordenar o

sorteio das debêntures a serem resgatadas ou amortizadas, inutilizando os certificados correspondentes às

debêntures resgatadas; XXIII - fiscalizar o cumprimento das cláusulas constantes da escritura de emissão,

especialmente daquelas impositivas de obrigações de fazer e de não fazer; XXIV - notificar os debenturistas, se

possível individualmente, no prazo máximo de 90 (noventa) dias, de qualquer inadimplemento, pela companhia,

de obrigações assumidas na escritura de emissão, indicando o local em que fornecerá aos interessados maiores

esclarecimentos. Comunicação de igual teor deve ser enviada: [...]; XXV – divulgar as informações referidas na

alínea “k” do inciso XVII do caput em sua página na rede mundial de computadores tão logo delas tenha

conhecimento.” 585

“In New York an early theoretical standard was declared to be the care and diligence that an ordinarily

prudent man would exercise in the management of his own affairs.The fairer and more satisfactory rule is that

degree of care and diligence that an ordinarily prudent director can reasonably be expected to exercise in a like

position under similar circumstances.” (Cox e Hazen, ob. cit., p. 186).

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que possam afetar os direitos dos debenturistas e a tomada de medidas necessárias para

resguardá-los. A atuação do agente fiduciário deve ser acima de tudo acautelatória,

preventiva, e não meramente reparatória.”586

b) Dever de informar:

A LSA cuida de uma série de deveres atribuídos ao agente fiduciário no

sentido de informar a organização dos debenturistas sobre o estado da sociedade emissora.

Deve-se atentar, nesse sentido, para as seguintes condutas mandatórias previstas na referida

lei societária e na IN/CVM 28/83: (i) elaboração de relatório anual, “informando os fatos

relevantes ocorridos durante o exercício social findo, relativos à execução das obrigações

assumidas pela companhia, aos bens garantidores das debêntures e à constituição e aplicação

do fundo de amortização, se houver; do relatório constará, ainda, declaração do agente sobre

sua aptidão para continuar no exercício da função”, devendo ser colocado à disposição dos

debenturistas dentro de quatro meses do encerramento do exercício social da sociedade

emissora; (ii) publicação de anúncio, nos órgãos da imprensa onde a companhia emissora

deva efetuar suas publicações, comunicando aos debenturistas que o relatório se encontra à

sua disposição; e (iii) divulgar as informações referidas na alínea “k” do inciso XVII do caput

(art. 12 da IN/CVM 28/83) em sua página na rede mundial de computadores tão logo delas

tenha conhecimento.

O relatório mencionado no item (i), na realidade, é a forma exigida para a

apresentação das informações e comprovação de cumprimento do dever de informar. A

informação nele contida é que torna o agente fiduciário cumpridor de seu dever. Por essa

razão, preferimos nomeá-lo dever de informar, e não dever de elaborar relatório, como alguns

doutrinadores o fazem.

c) Dever de cientificar:

Como terceiro dever previsto na LSA, o agente fiduciário está obrigado a

notificar os debenturistas sempre que a sociedade emissora se tornar inadimplente em razão

do descumprimento das obrigações assumidas na escritura de emissão.

586

Ob. cit., p. 628.

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O prazo inicial da LSA era de noventa dias e foi reduzido, posteriormente, para

sessenta dias pela Lei nº 10.303/2001. Em que pese a alteração do prazo, o mesmo continua

extenso para desobrigar o agente fiduciário, o qual deve empregar a diligência necessária para

comunicar os debenturistas o mais breve possível, sob pena de arcar com eventuais prejuízos

decorrentes de sua inércia.

Como bem observa Waldecy Lucena, a notificação pode vir acompanhada da

convocação de assembleia, caso o inadimplemento demande providências a serem deliberadas

pelo órgão colegiado da organização dos debenturistas.587

Esse dever de notificar, previsto na alínea “c” do §1º do art. 68 da LSA, guarda

muita semelhança com o texto do Trust Indenture Act do direito norte-americano, o qual

prevê, ainda, a possibilidade de o agente fiduciário sobrestar a notificação se de boa-fé

entender que a suspensão da notificação é do interesse dos debenturistas.588

A escritura de emissão, ainda, poderá reduzir esse prazo de notificação e

estender o rol dos destinatários. Cita-se, como exemplo, a seguinte cláusula contida na minuta

de escritura de emissão do BNDES589

:

“[…]

6.4. Deveres

Além de outros previstos em lei, ou em ato normativo da CVM e nesta Escritura de

Emissão, constituem deveres e atribuições do Agente Fiduciário:

[…]

q) sem prejuízo do disposto na Cláusula 4.2.1 acima, notificar os Debenturistas, por

edital e individualmente, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, de qualquer

inadimplemento, pela Emissora, de obrigações assumidas na presente Escritura de

Emissão, indicando o local em que fornecerá aos interessados maiores

esclarecimentos. Comunicação de igual teor deve ser enviada:

587

Ob. cit., p. 702. 588

“Section 315. […] (b) The indenture trustee shall give to the indenture security holders, in the manner and to

the extent provided in subsection (c) of section 313, notice of all defaults known to the trustee, within ninety days

after the occurrence thereof: Provided, That such indenture shall automatically be deemed (unless it is expressly

provided therein that such provision is excluded) to provide that, except in the case of default in the payment of

the principal of or interest on any indenture security, or in the payment of any sinking or purchase fund

installment, the trustee shall be protected in withholding such notice if and so long as the board of directors, the

executive committee, or a trust committee of directors and/or responsible officers, of the trustee in good faith

determine that the withholding of such notice is in the interest of the indenture security holders.” 589

Cf. Prospecto Definitivo do Terceiro Programa de Distribuição Pública de Debêntures de Emissão da BNDES

Participações S.A. – BNDESPAR. Disponível em:

http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/empresa/debentures/prosp

ecto_definitvo_debentures2010.pdf. Acesso em: 29/09/2013.

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q.1) à CVM;

q.2) à BM&FBOVESPA e/ou à CETIP; e

q.3) ao Banco Central do Brasil;

(grifo nosso)

d) Dever de agir:

O dever de agir exige que o agente fiduciário use de qualquer meio para a

proteção e defesa dos interesses dos debenturistas, enquanto coletividade organizada,

conferindo o poder de declarar antecipadamente vencidas as debêntures e ingressar com as

medidas judiciais cabíveis para a satisfação do crédito da massa.

Trata-se, na realidade, de poder-dever previsto no §3º do art. 68 da LSA. Ao

mesmo tempo que faculta a escolha da providência a ser adotada, conferindo o poder de atuar

em benefício da organização dos debenturistas, implicitamente demanda a iniciativa do agente

fiduciário para se desincumbir de seu dever de diligência.

Poder-se-ia dividir a referida norma em duas partes: (i) poder geral de cautela:

permite a adoção de qualquer medida para a proteção e defesa dos interesses da organização

dos debenturistas, que tanto pode ser preventiva ou repressiva; e (ii) poder específico de agir

para realização do crédito: faculta o uso de qualquer providência para a proteção do crédito

dos debenturistas, sempre a posteriori, em caso de inadimplemento pela sociedade

emissora.590

Neste caso, a norma prevê a possibilidade de declaração de vencimento

antecipado da dívida, execução de garantias, requerimento de falência ou participação em

processo falimentar ou de recuperação judicial ou extrajudicial591

requerido por terceiro, além

de conferir poder amplo e genérico ao agente fiduciário para a tomada de qualquer

providência necessária à realização dos créditos debenturísticos.

590

Nelson Eizirik (Ob. cit., p. 424, nota de rodapé 1.060) observa que a CVM já se manifestou sobre o limite da

competência para fiscalizar a atuação do agente fiduciário, por meio do Parecer CVM/PJU nº 015/2002, assim

transcrito: “A CVM não possui competência para determinar ao agente fiduciário a escolha do melhor meio de

cobrança do crédito debenturístico, podendo, entretanto, aplicar-lhe sanção administrativa, caso verifique que

tal escolha representa maior ônus aos seus representados, por constituir violação do seu dever de diligência.”

(itálico do original) 591

Note-se que a redação da alínea “d” do §3º do art. 68 da LSA não foi atualizada em razão da nova Lei de

Recuperação e Falência (Lei nº 11.101/2.005). O texto menciona a vetusta concordata e não se refere aos

procedimentos de recuperação judicial e extrajudicial.

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229

Duas exceções são oponíveis a esse dever de agir. A primeira, está prevista na

parte final da alínea “d” do §3º do art. 68 da LSA e permite que a assembleia de debenturistas

delibere contrariamente à representação da organização pelo agente fiduciário em processo de

falência ou recuperação da sociedade emissora, retirando-lhe tais poderes. A segunda hipótese

é a que admite a atuação isolada de um debenturista em face da sociedade, tendo em vista

ofensa a direito individual, e não aos interesses da organização. Neste caso, havendo lesão

particular, como nos ensina Waldecy Lucena, admite-se ação individual do debenturista

prejudicado em face da sociedade emissora. Do contrário, a ação deverá ser coletiva, proposta

pelo agente fiduciário.592

Outras funções, ainda, podem ser atribuídas ao agente fiduciário por meio da

escritura de emissão, nos termos do art. 69 da LSA, tais como: (i) autenticação de

certificados; (ii) administração do fundo de amortização; (iii) custódia de bens dados em

garantia; (iv) prestação de serviços relacionados com o pagamento de juros, amortizações e

resgates das debêntures.593

Trata-se de rol exemplificativo, já que a escritura de emissão

poderá atribuir outras funções ao agente fiduciário.594

No tocante à responsabilidade do agente fiduciário, o §4º, do art. 68, da LSA,

estabelece que “o agente fiduciário responde perante os debenturistas pelos prejuízos que lhes

causar por culpa ou dolo no exercício das suas funções”. Nessa mesma linha, o art. 17 da

Instrução CVM nº 28, de 23 de novembro de 1.983, define a responsabilidade do agente

fiduciário com a mesma redação da lei acionária.

Todavia, a redação da norma de responsabilidade trata do prejuízo causado por

conduta comissiva do agente fiduciário no exercício das suas funções, enquanto não trata dos

prejuízos causados por omissão ou não cumprimento de seus deveres. Waldecy Lucena

esclarece que “o agente fiduciário que atua de maneira descuidada no exercício de suas

funções, age de forma negligente. O que atua de forma não-diligente, age de forma

592

Ob. cit., pp. 714-715. Waldecy Lucena cita como exemplo de ação individual “o pagamento incorreto de juros

ou do principal vencido a um determinado debenturista. 593

Lamy Filho e Bulhões Pedreira, ob. cit., pp. 632-634. 594

Nesse sentido: Nelson Eizirik (Ob. cit., p. 430) e Waldecy Lucena (Ob. cit., p. 718). Em sentido contrário:

Modesto Carvalhosa (Ob. cit., p. 808) não admite a inclusão de novas funções, não previstas em lei, ao agente

fiduciário, entendendo que o rol do art. 69 é exaustivo

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230

imprudente. E, finalmente, o que atua de forma canhestra, sem ter os conhecimentos técnicos

e a qualificação profissional necessários ao exercício da função, age de forma imperita.”595

Para que a conduta, comissiva ou omissiva, do agente fiduciário dê causa à

ação de responsabilidade, deve ficar devidamente comprovado o prejuízo causado à massa ou

ao debenturista individualmente. A nosso ver, abrem-se duas possibilidades de ressarcimento

de prejuízos: uma, pela organização dos debenturistas, se o prejuízo foi causado à

coletividade; outra, pelo debenturista prejudicado, se o prejuízo for causado a um debenturista

isoladamente identificado. Neste último caso, tome-se como exemplo a falta de entrega do

relatório anual ou a ausência de notificação do inadimplemento da companhia a apenas um

dos debenturistas, causando-lhe algum prejuízo. É evidente que, neste caso, o direito de ação

será individual em face do agente fiduciário, e não coletivo.596

Outra questão que fora omitida na LSA é a responsabilidade do agente

fiduciário pelos prejuízos causados à sociedade emissora. Imagine-se que o agente exerça,

abusivamente, o seu poder de declarar o vencimento antecipado do título e isto acarrete o

vencimento “em cascata” de outros instrumentos financeiros, em razão das chamadas

cláusulas de cross-default. Tal situação poderia levar a sociedade emissora ao risco de

liquidez, sem contar o prejuízo à imagem da companhia e aos seus acionistas, principalmente

se as suas ações estiverem cotadas em bolsa, podendo ocasionar oscilação tanto do valor das

ações como das debêntures.

Portanto, quer nos parecer que a organização dos debenturistas, um

debenturista individualmente ou a sociedade emissora, a depender do direito violado, têm

legitimidade de agir em face do agente fiduciário, o qual poderá ser responsabilizado em

razão de prejuízo devidamente comprovado e que tenha relação ou nexo de causalidade com a

sua conduta.

A doutrina, por outro lado, não esclarece quem tem legitimidade para mover a

ação de responsabilidade em face do agente fiduciário quando este direito recair sobre a

595

Ob. cit., p. 707. 596

Nas lições de Waldecy Lucena (Ob. cit., p. 715), “quando a ofensa a direito atinge a todos os debenturistas,

caberá ao agente fiduciário agir como representante da comunhão de interesses (ação coletiva); e quando alcança

tão-somente um debenturista isoladamente, cabe a ação individual proposta por este em face da companhia

emissora.

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231

organização dos debenturistas. Tratando-se de ação para a proteção dos interesses comuns,

parece-nos que a ação deva ser promovida por novo agente fiduciário escolhido em

substituição àquele faltoso pela assembleia de debenturistas, posto que o debenturista

individualmente não teria legitimidade para agir em nome da referida organização.

Desta feita, verificando-se a culpa ou dolo do agente fiduciário no desempenho

de suas funções ou o não cumprimento de seus deveres (previstos na LSA ou nas normas da

CVM) e obrigações - previstas na escritura de emissão -, caberá a convocação de assembleia,

por debenturistas que representem, no mínimo, dez por cento dos títulos em circulação, para

deliberação sobre a destituição do agente fiduciário e a nomeação de novo representante que

estaria incumbindo de promover a ação de responsabilidade daquele primeiro agente. Nos

termos do art. 67, parágrafo único, alínea “b”, da LSA, a CVM também poderá nomear

substituto se o agente fiduciário deixar de cumprir os seus deveres597

.

Como destacado anteriormente, nas emissões privadas, inexistindo a nomeação

de agente fiduciário, os debenturistas terão legitimidade para agir individualmente em face da

sociedade emissora ou de terceiros para a proteção ou defesa de seus interesses.

3.4. Direitos dos debenturistas

3.4.1. Direitos essenciais ou principais

Dentre os chamados direitos essenciais ou principais dos debenturistas, que

definem a sua situação jurídica, estão o direito ao pagamento dos juros e o direito ao

reembolso do valor nominal da dívida598

, que espelham a função econômica do título de

dívida em análise.

597

A norma citada fala apenas em deveres e não menciona a hipótese de descumprimento de obrigações

previstas na escritura de emissão para fins de substituição do agente fiduciário pela CVM. 598

Código das Sociedades Comerciais Anotado. Coord.: CORDEIRO, António Menezes. 2a ed. Coimbra:

Almedina, 2012, p. 931.

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232

O direito ao reembolso do valor nominal, como direito principal atribuído aos

titulares de debêntures, é pressuposto do regime do título de dívida, cujo pagamento é o modo

de exaurimento da obrigação do emissor, que leva à extinção do título, como vimos

anteriormente. É, portanto, o direito atribuído ao debenturista de receber, após o decurso do

prazo definido na escritura de emissão, o reembolso do capital investido no ato de subscrição

da debênture.

Decorre, assim, do direito de crédito conferido ao titular da debênture que,

apesar de não estar referido expressamente na LSA, é intrínseco ao título de dívida. É mais

que o crédito. É o direito de realizá-lo, fazendo com que o capital investido retorne ao credor.

Esta, talvez, seja a característica principal que diferencia um título de dívida de um título de

participação, já que neste caso pressupõe-se que o valor integralizado, em princípio, não

retornará ao sócio, a menos que a sociedade seja dissolvida – e após o pagamento de todos os

credores.

Se o reembolso é um direito essencial do debenturista, como explicar a

perpetuidade das debêntures? A priori, a questão pode parecer complexa, porém não o é. A

perpetuidade ou permanência do título tem a ver com a não fixação na escritura de uma data

certa, fixa no tempo, para vencimento do título. Como anotamos anteriormente, isso não

significa que o título não se vença. O título continua a ter seu vencimento previsto na

escritura, estando vinculado, todavia, a determinado evento futuro e incerto. Altera-se apenas

a forma de se marcar o vencimento, se por meio de data fixada no tempo (termo) ou se

mediante uma condição resolutiva, persistindo o direito ao reembolso. Se assim não o fosse, o

título não seria de dívida, mas de participação, o que levaria à alteração da posição subjetiva,

de debenturista para sócio.

O reembolso pode ser efetuado mediante o pagamento do valor nominal ou,

ainda, acima ou abaixo deste, tendo em vista as disposições contratualmente estabelecidas

pelo emitente na escritura e aceitas no ato de subscrição.

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233

Com relação à forma, a LSA, originariamente, estabelecia o pagamento do

reembolso apenas em dinheiro. Foi com a inclusão de um novo parágrafo599

no art. 54, a partir

da modificação introduzida pela Lei n° 10.303/2001, que se passou a admitir a faculdade do

debenturista de escolher receber o principal e acessórios em moeda ou em bens – neste caso,

avaliados nos termos do art. 8° da LSA. Tal opção deve estar prevista na escritura de emissão

e o seu exercício dependerá da vontade dos debenturistas, vinculando-se aos eventos previstos

em lei, quais sejam: vencimento, amortização ou resgate.

Indaga-se, aqui, se a vontade a ser manifestada é a individual, de cada

debenturista isoladamente considerado, ou a vontade coletiva da organização de debenturistas,

manifestada através da deliberação colegiada em assembleia geral. O parágrafo segundo do

art. 54 menciona a palavra “debenturista”, o que nos leva a crer, à primeira vista, que o

legislador preferiu inserir essa faculdade nos direitos individuais do titular da debênture, tendo

em vista que o exercício da opção afeta a sua esfera individual e abre a possibilidade de

divergência entre os debenturistas, o que afastaria a ideia de comunhão de interesses. No

entanto, como já manifestado pela doutrina, a vontade da organização dos debenturistas deve

prevalecer sobre o interesse individual de cada um – é o princípio da supremacia do interesse

coletivo sobre o interesse individual.

Esse entendimento, contudo, será adequado toda vez que o bem a ser dado em

pagamento for passível de fracionamento ou individualização, pelo mesmo valor nominal do

título, permitindo que cada debenturista receba a sua parcela ou bem equivalente à sua

posição. Por exemplo, a entrega de fração ideal de um condomínio ou de ações de sociedade

controlada pela emissora. Tal não ocorre, entretanto, quando o bem oferecido em pagamento

pela sociedade for indivisível, ou de difícil individualização, o que poderia levar à recusa do

debenturista em exercer a opção de pagamento em bens, ou, se todos exercerem a opção,

exigir a deliberação colegiada para fins de decisão sobre a forma de destinação do bem

oferecido em pagamento, de modo a realizar a liquidação dos títulos em circulação. Neste

caso, parece-nos que a deliberação colegiada deveria ser segregada: (i) a deliberação sobre o

exercício da opção por todos os debenturistas; e (ii) a deliberação sobre a destinação do bem

recebido em pagamento. O agente fiduciário, por sua vez, poderia ser o encarregado de tomar

599

“§2º. A escritura de debênture poderá assegurar ao debenturista a opção de escolher receber o pagamento do

principal e acessórios, quando do vencimento, amortização ou resgate, em moeda ou em bens avaliados nos

termos do art. 8º.”

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234

todas as providências necessárias para a destinação do bem dado em pagamento, a partir das

diretrizes fixadas na assembleia de debenturistas.

Além do direito ao reembolso, outro direito essencial ou principal inerente à

posição de debenturista é o direito ao pagamento dos juros previstos na escritura de emissão.

É fundamental ao debenturista que a sociedade efetue regularmente o pagamento dos juros,

sob pena de declaração de vencimento antecipado do principal. Interessante relembrar, ainda,

a faculdade prevista no Trust Indenture Act, que permite aos debenturistas, reunidos em

assembleia, aprovarem a suspensão da cobrança de juros por até três anos, bem como

concederem um waiver à sociedade emitente em caso de inadimplemento, abrindo mão do

direito de declarar o vencimento antecipado da dívida.

Ao lado dos direitos econômicos, tem-se os direitos políticos que são inerentes

à posição de membro da organização dos debenturistas, sendo eles: (i) direito de participar da

assembleia de debenturistas; e (ii) direito de nelas votar.

Como dito, tais direitos são inerentes à posição de membro da organização de

debenturistas e, como vimos anteriormente, são incindíveis, ou seja, inseparáveis do status de

debenturista. Nesse caminho andou muito bem a doutrina portuguesa ao reconhecer a

incindibilidade da posição de credor social e de membro da organização de debenturistas.

O debenturista não pode, portanto, ser impedido de participar das assembleias.

Exige-se a regularidade da convocação para se evitar o cerceamento desse direito. A

publicação da convocação deverá observar as regras aplicáveis às assembleias gerais de

acionistas, tendo em vista o seu caráter supletivo, como vimos anteriormente (art. 71, §2º, da

LSA). Nessa linha, aplicando-se as regras do art. 124 da LSA, o anúncio deve ser publicado

por três vezes, no mínimo, nos jornais utilizados pela sociedade emitente, com a antecedência

exigida pelo §1º do referido artigo.

Já o direito de votar nas assembleias é consequência desse direito de

participação. Também é inerente à posição subjetiva de membro da organização, revelada a

partir da comunhão de interesses.

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235

A doutrina estabelece, ainda, o direito à livre transferência das debêntures a

terceiros e o direito à constituição de garantias sobre as debêntures de que for titular. Tais

direitos são também inerentes à posição de debenturista. Para Waldecy Lucena, tratam-se de

direitos individuais600

, tendo em vista que os debenturistas podem exercitá-los sem a

necessidade de anuência dos demais.601

Observa-se que os direitos essenciais ou principais emanam de disposições

legais, as quais têm natureza cogente. Já os direitos não essenciais, como veremos a seguir,

decorrem de disposições contratuais, inseridas nas escrituras de emissão. Têm caráter

dispositivo e podem ser convencionadas de modo diverso entre as partes – a sociedade e a

organização dos debenturistas -, mediante ajustes na escritura de emissão.

3.4.2. Direitos não essenciais ou secundários

Dentre os direitos conferidos aos debenturistas, Menezes Cordeiro sabiamente

ensina que podem ser atribuídos pelo emitente “situações jurídicas activas”, que resultam das

disposições inseridas nas escrituras de emissão, prevendo o seguinte:

“(a) o compromisso de não concessão de garantias a outros credores (negative

pledge); (b) o incumprimento em cadeia, em caso de incumprimento de outros

empréstimos (cross default); (c) a graduação paritária da dívida relativamente a

outras assumidas pelo emitente (pari passu).”602

O negative pledge, por sua vez, poderia estar inserido em cláusula de obrigação

negativa (negative covenants) assumida pela sociedade emitente que, ao revés, cria uma

situação jurídica ativa ao debenturista em caso de descumprimento das regras ali dispostas.

600

Individual é apenas a faculdade atribuída ao titular da debênture que lhe permite exercitar tais direitos. Uns

podem transferir o título, deixando a posição de debenturista. Outros podem empenhá-lo. Tudo isso faz parte do

livre exercício do direito conferido pelo título. Já a limitação ou restrição dos direitos em si, que são conferidos

pelo título, é matéria que interessa a toda a coletividade dos debenturistas. 601

Ob. cit., p. 536. 602

Ob. cit., p. 931.

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236

Como exemplo de outras obrigações que poderiam resultar, por outro lado, em

direitos aos titulares das debêntures, temos o seguinte:

“[...]

7.1. A Emissora adicionalmente se obriga a:

i) fornecer ao Agente Fiduciário os seguintes documentos e informações:

[...]

c) cópia de qualquer notificação judicial ou extrajudicial recebida pela Emissora

envolvendo procedimento de valor equivalente a, no mínimo, R$10.000.000,00 (dez

milhões de reais), em até 7 (sete) dias úteis após o oferecimento de qualquer forma

de resposta, defesa, contestação ou reconvenção, conforme o caso, acompanhada da

respectiva cópia destes, sendo reajustado o valor acima referido, desde a Data de

Emissão, pelo IGPM;”603

Trata-se de obrigação assumida pela sociedade emissora que, ao mesmo tempo,

atribui direito secundário aos debenturistas. No caso acima transcrito, a cláusula confere o

direito de ser informado sobre qualquer notificação judicial ou extrajudicial recebida pela

Emissora envolvendo procedimento de valor equivalente a, no mínimo, R$10.000.000,00 (dez

milhões de reais).604

3.5. Deveres dos administradores em face dos debenturistas

O direito norte-americano, ao analisar os deveres fiduciários dos

administradores em face dos debenturistas, criou a chamada bond doctrine. Por meio desta

teoria, entende-se que os direitos dos debenturistas são determinados e assegurados pelo

“contrato” (ou relação contratual), que se forma com a aceitação da escritura de emissão

(indenture) pelo subscritor do título, negando-se a aplicação dos deveres dos administradores

para a proteção dos credores, exceto no caso de insolvência.605

603

Cf. Escritura Particular da 3ª Emissão de Debêntures Simples da JHSF Participações S.A. Disponível em:

http://www.mzweb.com.br/jhsfri/web/arquivos/JHSF%20Escritura%20terceira%20emissao.pdf. Acesso em:

29/09/2013. 604

Questão interessante é a de saber se o debenturista seria detentor de informação privilegiada, caso o evento

contido na notificação não seja objeto de divulgação ao mercado e aos acionistas, por não ser considerado

materialmente relevante para a companhia. Imagine-se uma contingência, cujo valor seja pouco superior ao

limite definido para disparar a obrigação de informar, mas que, porém, pode gerar precedente e desencadear uma

série de ações em face da sociedade emissora, colocando-a em risco de insolvência. Parece-nos que a

administração, para se resguardar, deveria informar o mercado, evitando a assimetria informacional. 605

Simone Sepe (Directors´ Duty to Creditors and the Debt Contract. Journal of Business & Technology Law.

Vol. 1. Nº 2, 2007, p. 553. Disponível em: http://ssrn.com/abstract=1086139. Acesso em: 31/08/2013) descreve,

conforme a seguir transcritos, os casos em que tradicionalmente se negou a aplicação da proteção societária aos

credores e a responsabilização dos administradores por violação de seus deveres fiduciários, reafirmando a

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Diferentemente, os sócios não possuem um “contrato” para a proteção de seus

interesses. Por essa razão, os deveres fiduciários dos administradores da sociedade serviriam

de amparo à posição de sócio.

Nessa linha, os deveres fiduciários não se aplicariam à relação entre os

administradores e debenturistas, ou seja, os administradores não teriam deveres fiduciários em

face dos debenturistas, mesmo que as debêntures fossem conversíveis ou em ações, haja vista

a relação contratual estabelecida entre a sociedade emitente e os debenturistas.

Simons v. Cogan (1988) foi o primeiro caso que concluiu pela inexistência de

deveres fiduciários dos administradores em face dos detentores de títulos de dívida – a

chamada bond doctrine. Os titulares de debêntures conversíveis em ações ajuizaram ação

coletiva em razão da perda de seu direito de converter as debêntures, tendo em vista operação

de reorganização societária que levou à mudança dos termos da escritura de emissão,

admitindo apenas a conversão das debêntures em uma determinada quantia em dinheiro, e não

mais em ações da sociedade emissora.606

Isso se deu em razão da incorporação da sociedade

emissora em outra sociedade. A ação foi movida em face dos acionistas controladores e dos

administradores da companhia. A principal alegação foi a de que os réus violaram seus

deveres fiduciários em relação aos titulares das debêntures ao extinguirem o direito de

conversão em ações ordinárias da sociedade emissora.607

A Suprema Corte de Delaware, todavia, não acatou os pedidos dos autores da

referida ação coletiva. A decisão se baseou na fundamentação do caso precedente Harff v.

Kerkorian (Del.Ch.1974), em que a referida Corte concluiu que os debenturistas são

corrente de que os credores devem ser protegidos pelas disposições contratuais, e não pelas normas societárias

ou de governo das sociedades, pois inexistiriam deveres fiduciários em face dos credores: “Metro. Life Ins. Co.

v. RJR Nabisco, Inc., 716 F. Supp. 1504, 1519 (S.D.N.Y. 1989) (affirming that the rights of corporate

debtholders are limited to those arising from the contract governing debtor-creditor relationships); Simons v.

Cogan, 549 A.2d 300, 303–04 (Del. 1988) (stating that creditors of solvent corporations are not entitled to

directorial fiduciary duties because they do not hold any existing property right or equitable interest which

supports the imposition of such duties); Harff v. Kerkorian, 324 A.2d 215, 219– 20 (Del. Ch. 1974) (dismissing

bondholders’ derivative cause of action which alleged breach of directors’ fiduciaries duties on the ground that

such duties do not exist).” 606

No Brasil, esse tipo de operação mencionada em Simons estaria condicionado à aprovação prévia dos titulares

das debêntures em assembleia convocada especificamente para deliberar sobre tal matéria (art. 231, caput, LSA).

Porém, o §1o do art. 231 também faculta a opção de resgate das debêntures, se previsto nos documentos da

operação e desde que fique em aberto por um período de seis meses, o que poderia resultar na mesma hipótese

verificada em Simons se as debêntures em circulação fossem conversíveis em ação. Além do mais, o caso pode

servir à interpretação comparativa dos deveres fiduciários dos administradores da companhia brasileira em face

de seus credores e, em especial, dos titulares de debêntures. 607

Jeffrey Haas, ob. cit., pp. 245-246.

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considerados apenas credores da sociedade emissora e que seus direitos estão inseridos na

escritura de emissão. Enquanto as debêntures não forem convertidas, os debenturistas

continuam em sua posição de credor. Trata-se de mera expectativa de direito que não é apta a

criar uma relação fiduciária (trust relationship) de imputação dos deveres fiduciários aos

administradores. Eles somente passariam à posição de acionista com a efetiva conversão das

debêntures em ações.608

Por outro lado, ao se utilizar da decisão do caso Harff, a Corte de Delaware

entendeu que aquela mesma decisão havia criado uma exceção à chamada bond doctrine,

permitindo aos titulares de debêntures o ajuizamento de ação em face dos administradores

para o ressarcimento de prejuízos causados em “circunstâncias especiais”. Estas

circunstâncias, listadas pela decisão, incluiríam fraude, insolvência ou atuação contrária às

disposições do estatuto social. Desse modo, a apreciação do Judiciário iria além da mera

análise da escritura de emissão ou dos direitos nela conferidos aos debenturistas.609

Interessante destacar, ainda, que a decisão do caso Harff reconheceu que o

conselho de administração, no caso de situação de insolvência da companhia, possui deveres

fiduciários em relação à empresa, à comunidade de interesses que sustentam a companhia,

devendo tomar suas decisões de maneira informada, de boa-fé e com o objetivo de maximizar

a capacidade de geração de riqueza da companhia no longo prazo.610

A construção da chamada bond doctrine foi influenciada, também, pelos

estudos e decisões do direito norte-americano no sentido de que os administradores devem

buscar sempre o interesse da companhia, tendo como obrigação a maximização dos resultados

em benefício dos acionistas. É o que se cunhou de “shareholder primacy rule” (ou, regra de

supremacia dos acionistas)611

, construída a partir da decisão proferida no caso Dodge v. Ford

Motor Co., em 1919.612

608

Jeffrey Haas, ob. cit., p. 246. 609

Jeffrey Haas, ob. cit., p. 247. 610

Jeffrey Haas, ob. cit., p. 247. 611

A shareholder primacy rule foi estabelecida a partir de Dodge v. Ford Motor Co. (Michigan, 1919) e,

posteriormente, reconhecida em Revlon, Inc. v. MacAndrews & Forbes Holdings, Inc. (Delaware, 1986) e Katz v.

Oak Indus., Inc. (Delaware, 1986) 612

A seguir, trecho da decisão em Dodge v. Ford Motor Co., transcrita por Stephen Bainbridge, para demonstrar

que a norma fundamental no direito norte-americano é a regra de maximização dos resultados em favor dos

acionistas: “A business corporation is organized and carried on primarily for the profit of the stockholders. The

powers of the directors are to be employed for that end. The discretion of directors is to be exercised in the

choice of means to attain that end, and does not extend to a change in the end itself, to the reduction of profits,

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Margaret Blair explica, com base nas lições de William T. Allen, que a decisão

do caso Dodge v. Ford exemplifica a chamada “property conception of the corporation”, cuja

teoria está associada à chamada Escola de Chicago de Direito e Economia e se funda no

tratamento da sociedade como uma teia de vínculos contratuais (“nexus of contracts”) -

baseada na teoria contratualista, anteriormente explicitada neste trabalho -, por meio da qual

os diversos participantes transacionam entre si. Por esta concepção, os sócios são os

proprietários dos ativos da sociedade e os administradores são vistos como mandatários dos

sócios613

, sem qualquer dever legal em face dos stakeholders.614

Por outro lado, Ronald Green defende que a companhia não é de propriedade

dos acionistas e, por isso, uma nova construção téorica e jurisprudencial deveria ser criada

para estabelecer que a atuação dos administradores se voltasse aos interesses de todos os

stakeholders615

, ou seja, eles deveriam proteger os interesses de todos os participantes - leia-

se, todos aqueles que possuem uma relação contratual com a sociedade -, baseando-se na

teoria dos vínculos contratuais.616

Green sugere a criação de um modelo multifiduciário

or to the nondistribution of profits among stockholders in order to devote them to other purposes.”

(BAINBRIDGE, Stephen M., In Defense of the Shareholder Wealth Maximization Norm. Washington & Lee

Law Review, Vol. 50, 1993, p.1423. Disponível em: http://ssrn.com/abstract=303780. Acesso em: 09/08/2013). 613

Optou-se por adequar o termo “agents of shareholders” pela expressão mandatários dos sócios, já que aquela

ideia se baseia na agency theory, propagada pelo direito norte-americano, e que não encontra modelo idêntico

em nosso sistema. O modelo que mais se aproxima àquela teoria é o do mandato, previsto no Código Civil. 614

Ownership and Control: Rethinking Corporate Governance for the Twenty-First Century. In: Theories of

Corporate Governance. Org.: CLARKE, Thomas. Londres: Routledge, 2007, pp. 176-177. 615

Preferiu-se manter o termo em inglês, posto tratar-se de palavra que não encontra uma tradução precisa em

nosso vernáculo. O termo foi cunhado por R. Edward Freeman, Professor da Universidade de Virginia (Darden

School of Business), em sua obra Strategic Management: A Stakeholder Approach, em que ele analisa uma nova

perspectiva sob o olhar de diversas partes interessadas na maximixação da empresa, em contraposição à teoria da

primazia dos acionistas, criada a partir da decisão do caso Dodge v. Ford, citada anteriormente. O texto a seguir

explica com clareza essas duas teorias: “The current debate on corporate governance theories has been

polarized between a shareholder perspective and a stakeholder perspective (Letza et al., 2004; Szwajkowski,

2000; Vinten, 2001). These two contrasting paradigms have different ways of understanding and justifying

fundamental questions concerning the purpose of the corporation and its associated structure of governance and

arrangements. On one side is the traditional shareholding model that regards the corporation as a legal

instrument for shareholders to maximize their own interests, i.e. investment returns. On the other side is the

relatively new stakeholding approach that views the corporation as a locus of responsibility related to wider

external stakeholders’ interests rather than merely to shareholders’ wealth. Employees,creditors, suppliers,

customers and the local community are major stakeholders often mentioned and emphasized within a broad

definition of stakeholders.” (AYUSO, Silvia et. al. Maximizing Stakeholders’ Interests: An Empirical Analysis of

the Stakeholder Approach to Corporate Governance. Working Paper Nº 670. IESE Business School, 2007.

Disponível em: http://ssrn.com/abstract=982325. Acesso em: 31/08/2013). 616

Stephen Bainbridge é quem destaca esse entendimento de Ronald Green, ao refutar seu pensamento sobre a

teoria multifacetária dos deveres fiduciários dos administradores, porém reconhecendo que a companhia não é de

propriedade dos acionistas. Transcrevemos, a seguir, a passagem do texto que explica a teoria dos vínculos

contratuais (ou contratualista) para melhor compreensão da temática: “Nexus of contracts theory visualizes the

firm not as an entity, but as an aggregate of various inputs acting together to produce goods or services.

Employees provide labor. Creditors provide debt capital. Shareholders initially provide equity capital and

subsequently bear the risk of losses and monitor the performance of management. Management monitors the

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240

(multifiduciary model) para lidar com a proteção dos interesses de todos aqueles que possuem

uma relação contratual com a sociedade, incluindo os credores – debenturistas -, fornecedores,

empregados e consumidores.617

Margaret Blair afirma que William T. Allen cunhou esse novo modelo de

“social entity conception”, em que o objetivo da sociedade não é mais restrito à satisfação

individual dos sócios (com base na teoria contratualista e da propriedade acionária), mas

tende a ser voltado também para o aspecto social.618

Stephen Bainbdrige, ao rebater a teoria multifacetária dos deveres fiduciários

sugerida por Green, reforça que a regra de maximização dos lucros em favor dos acionistas

ajudou a desenvolver a economia com a participação de grandes sociedades de capital aberto

(macroempresas), defendendo a permanência da teoria unitária dos deveres fiduciários e da

regra de supremacia dos acionistas, que obriga os administradores a buscar a maximização

dos resultados da companhia, sempre e apenas, em favor de seus sócios.

Hansmann e Kraakman, alguns anos após os escritos de Green e Bainbridge,

destacam que há consenso entre doutrinadores, governos e empresários no sentido de que os

administradores devem exercer suas funções no interesse da companhia, sendo que os

credores e outros interessados (empregados, fornecedores e consumidores, por exemplo)

devem ser protegidos com base nos contratos firmados e pela regulação aplicável, mas não

com base em regras ou princípios de governo das sociedades.619

Os referidos juristas,

performance of employees and coordinates the activities of all the firm’s inputs. The firm is seen as simply a

legal fiction representing the complex set of contractual relationships between these inputs. In other words, the

firm is treated not as a thing, but rather as a nexus or web of explicit and implicit contracts establishing rights

and obligations among the various inputs making up the firm. Because shareholders are simply one of the inputs

bound together by this web of voluntary agreements, ownership is not a meaningful concept in nexus of contracts

theory. Someone owns each input, but no one owns the totality. Professor Green thus is quite correct when he

asserts that “shareholders are not property owners.” (Ob. cit., pp. 1426-1427). 617

Para este trabalho, interessa-nos a inclusão dos credores ou debenturistas nesse modelo sugerido por Green. 618

Ob. cit., p. 177. 619

“The principal elements of this consensus are that ultimate control over the corporation should be in the

hands of the shareholder class; that the managers of the corporation should be charged with the obligation to

manage the corporation in the interests of its shareholders; that other corporate constituencies, such as

creditors, employees, suppliers, and customers should have their interests protected by contractual and

regulatory means rather than through participation in corporate governance; [...]” (The End Of History For

Corporate Law. Working Paper Nº 235. Yale Law School, 2000, pp. 2-3. Disponível em:

http://ssrn.com/abstract=204528. Acesso em: 09/08/2013). Calixto Salomão, por sua vez, afirma que: “essa

perspectiva, dominante na prática societária e na doutrina norte-americana e que chega a falar em final da

história do direito societário, tem efeitos teóricos e práticos extremamente deletérios.” (Introdução da obra

Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. Coord.: SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de;

PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. 2ª ed. São Paulo: RT, 2007, p. 46).

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241

portanto, reforçam que havia, à época de seu artigo, The End of History of Corporate Law,

certa unanimidade em relação à proteção dos debenturistas por meio da teoria contratualista,

reforçando o entendimento emanado dos precedentes que edificaram a bond doctrine.

Mais recentemente, diversos artigos620

sobre o tema têm se preocupado em

demonstrar que os contratos, muitas vezes, não são suficientes para a proteção dos credores –

debenturistas -, haja vista que o modelo de governo das sociedades é dominado pela regra da

supremacia dos acionistas e que a assimetria informacional entre os administradores e os

credores tornam os contratos de dívida inadequados para prevenir o chamado managerial

oportunism – a atuação da administração voltada para benefício de seus próprios interesses ou

objetivos.621

Essa corrente inovadora propagou-se a partir da exceção prevista no case law

citado anteriormente (Harff), em que os administradores somente poderiam ser

responsabilizados em caso de insolvência – ou de pré-insolvência. Verificando-se esta

situação, ampliar-se-iam os interesses a serem protegidos pelos administradores, que se

voltariam à comunidade de interesses que sustentam ou participam da empresa, dentre eles os

credores, alternando a posição anterior de proteção dos interesses da companhia e, em última

instância, dos acionistas.

620

Destacamos os seguintes: (i) LIPSON, Jonathan C. The Expressive Function of Directors' Duties to Creditors.

Stanford Journal of Law, Business and Finance. Vol. 12. Nº 2. Stanford University, 2007. Disponível em:

http://ssrn.com/abstract=988798. Acesso em 31/08/2013; (ii) Simone Sepe, ob. cit., p. 553; (iii) BOOTH,

Richard A. The Duty to Creditors Reconsidered - Filling a Much Needed Gap in Corporation Law. Legal

Studies Research Paper Nº 2006-42. Universidade de Maryland, 2006. Disponível em:

http://ssrn.com/abstract=886772. Acesso em: 31/08/2013; e (iv) SAPPIDEEN, Razeen. Fiduciary Obligations to

Corporate Creditors. Journal of Business Law, 2009, pp. 365-397,. Disponível em:

http://ssrn.com/abstract=1464572. Acesso em: 31/08/2013. 621

Dentre os autores, Simone M. Sepe (Ob. cit., p. 556/557) retrata bem a questão: “My basic claim is that in a

corporate governance system dominated by the shareholder primacy rule and in which managers’ compensation

is often equity-based, informational asymmetry between managers and creditors makes the debt con- tract

inadequate to prevent managerial opportunism. Being held to the exclusive maximization of share value and

often holding themselves an equity interest, man- agers have weak incentives to disclose their private

information to creditors. As a result, it is very difficult for creditors to negotiate contractual provisions that are

effective in restraining managerial opportunism. In fact, under the present fiduciary law paradigm, managers

might well be induced to conceal information to borrow at a lower cost and reserve a costless option to invest in

riskier projects. Furthermore, even when managers disclose information to creditors, the latter tend to be

reluctant to consider it credible, because they expect managers to act in the exclusive interest of shareholders.

The credit agreement’s failure to deter managerial opportunism, however, is not a problem of a distributive

nature, but rather allocative. Anticipating this failure, creditors charge higher interest rates. In addition,

because of the lack of credible information on the risk underlying corporate assets, creditors are unable to

distin- guish between good firms (i.e., firms that do not engage in asset substitution) and bad firms (i.e., firms

that engage in asset substitution). Thus, they pool firms in risk categories and price debt on the basis of the

average risk increase pursued within that category. Consequently, problems of cross-subsidization and adverse

selection arise, and credit capital is inefficiently allocated.”

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242

Simone Sepe622

explica, também, que há duas correntes que enxergam o

problema dos deveres fiduciários em face dos credores sob óticas distintas: contractarians

(contratualista) e communitarians (comunitária ou institucionalista). As posições divergentes

foram construídas a partir de debates sobre o modelo de governo societário centrado ora sob a

perspectiva dos acionistas e ora sob a de todos os participantes e interessados na empresa –

pessoas ou grupos que não são seus sócios -, os chamados stakeholders.623

Os contratualistas objetam à ampliação dos deveres fiduciários aos credores,

justificando que os interesses destes podem ser perfeitamente protegidos pelos contratos

firmados com a companhia. Já a visão institucionalista se contrapõe à rigidez da posição

adotada pelos contratualistas. Para ela, o contrato não é suficiente para autoproteção dos

credores, tendo em vista a assimetria informacional e as disparidades nas relações de troca,

sugerindo a adoção de um modelo multifiduciário em que todos os participantes e

interessados na empresa se beneficiariam da atribuição de deveres fiduciários aos

administradores.624 Por outro lado, critica-se essa perspectiva sob o argumento de que ela

premiaria a ineficiência (justificativa econômica), e a contratualista, sob o fundamento de que

ela promoveria a injustiça.

Em que pese o debate travado pela doutrina, os legisladores de vinte Estados

norte-americanos criaram, desde 1980, criaram leis que autorizam os administradores a

considerarem os interesses de não sócios nos processos de tomada de decisões, os quais

ficaram conhecidos como “corporate constituency statutes”.625

622

Simone Sepe, ob. cit., p. 553. 623

A divergência doutrinária encontra origem em discussões travadas sobre o excessivo formalismo da academia

no tocante à perspectiva de que a própria companhia seria beneficiária da proteção decorrente dos deveres

fiduciários. Nas palavras de Simone Sepe (Ob. cit., p. 560/561, nota de rodapé 24): “For some early discussion

on the matter, see the debate developed in the 1930s between the shareholder-centered vision of the corporation

backed by Columbia Professor Adolf A. Berle and the opposed stakeholder-centered perspective supported by

Harvard Professor E. Merrick Dodd.” (grifo nosso) Sepe recomenda, ainda, a leitura dos seguintes artigos: “A.

A. Berle, Jr., For Whom Corporate Managers Are Trustees: A Note, 45 Harv. L. Rev. 1365 (1932); and E.

Merrick Dodd, Jr., For Whom Are Corporate Managers Trustees?, 45 Harv. L. Rev. 1145 (1932).” 624

Simone Sepe, ob. cit., p. 561. 625

De acordo com o Comitê de Direito Societário, da American Bar Association, as regras normalmente contêm

as seguintes disposições: “(1) The directors may consider the interests of, or the effects of their action on,

various non-stockholder constituencies. (2) These constituencies may include employees, customers, creditors,

suppliers, and communities in which the corporation has facilities. (3) The directors may consider the national

and state economies and other community and societal considerations. (4) The directors may consider the long-

term as well as the short-term interests of the corporation and its shareholders. (5) The directors may consider

the possibility that the best interests of the corporation and its stockholders may best be served by remaining

independent. (6) The directors may consider any other pertinent factor. (7) Officers may also be covered.” –

grifo nosso - (Other Constituencies Statutes: Potential for Confusion. Revista The Business Lawyer. Vol. 45. Nº

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243

Em Portugal, também, o atual Código das Sociedades Comerciais traz em seu

art. 78.º disposição inovadora, em que os gerentes ou administradores respondem “para com

os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou

contratuais destinadas à proteção destes, o patrimônio social se torne insuficiente para a

satisfação dos respectivos créditos”. Trata-se de responsabilidade aquiliana, como bem frisou

Menezes Cordeiro.626

Note-se que a responsabilidade dos administradores perante os credores

decorre de disposição legal, e não apenas de cláusulas contratuais previstas em acordos

firmados com a sociedade, o que nos leva a crer que os deveres fiduciários voltam-se também

aos obrigacionistas, assim como o faz nosso ordenamento jurídico.

No Brasil, por sua vez, a questão é pouco enfrentada pela doutrina e, sequer,

pela jurisprudência. Comecemos por analisar a abordagem dos criadores da LSA e as normas

atualmente em vigor, que projetam o exercício do poder empresarial externamente às

fronteiras societárias, especialmente no tocante à proteção dos interesses dos credores e

debenturistas.

Lamy Filho e Bulhões Pedreira, em escritos publicados quinze anos após a

entrada em vigor da LSA, em seção denominada Responsabilidade Social da Companhia,

explicam essa influência do poder empresarial sobre a comunidade, considerando o “interesse

transcendente da empresa em si, que se identifica com o interesse da coletividade

nacional”627

, nas observações realizadas por Walter Rathenau, bem como o fenômeno em sua

amplitude na macroempresa, conforme a seguir:

“O poder empresarial das companhias não se exerce apenas interna corporis, mas se

projeta sobre a comunidade na qual – e da qual – vive a empresa.

Realmente – e na grande empresa o fenônemo se apresenta com nitidez – o

funcionamento das unidades de produção não diz respeito, apenas, aos acionistas

titulares das suas ações: os empregados que nela trabalham, os fornecedores que

para ela trabalham, seus financiadores, os distribuidores e os consumidores dos bens

que produz, a própria economia do país, todos estão, ou podem estar, alcançados

pela ação da empresa.”628

4, American Bar Association, 1990, p. 2253-2271. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/40687148. Acesso

em: 09/08/2013.) 626

Ob. cit., p. 288. 627

Lamy Filho e Bulhões Pedreira, ob. cit., p. 95. 628

Ob. cit., p. 95.

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Os referidos mestres concluem sua análise no sentido de que há uma forte

tendência de “consagração da responsabilidade social das companhias, em contrapartida do

exercício do poder empresarial, que lhe é inerente”, exemplificando esse movimento com a

evolução das reformas da empresa, realizadas em matéria de administração, partilha dos

lucros e participação dos empregados no capital da companhia.629

É em matéria de

administração que se voltam os interesses dos debenturistas, haja vista o potencial conflito

entre os seus direitos, em especial, o de ver o seu crédito satisfeito pela companhia, e a

maximização dos resultados em prol dos acionistas - conflito que pode surgir em decisões da

administração, tanto individualmente como em deliberações colegiadas, quando houver a

contraposição de tais interesses.

Nesse sentido é que a LSA estabeleceu preceito que obriga o administrador a

exercer suas atribuições, conferidas por lei ou pelo estatuto, “para lograr os fins e no interesse

da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa”, como

diz o caput do art. 154.630

O reconhecimento expresso dos interesses dos credores, como uma das

vertentes do interesse social em seu alinhamento com o interesse público, veio insculpida no

art. 47 da Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, que assim dispõe:

“A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise

econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte

produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores,

promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à

atividade econômica.”

(grifo nosso)

Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França revela que “a Lei 11.101, seguindo

as modernas legislações falimentares dos diversos países, parece inspirada no assim chamado

‘princípio da autonomia dos credores’, segundo o qual os credores, como principais

629

Ob. cit., pp. 97-98. 630

Trata-se, sem dúvida, na parte final do dispositivo legal, de redação influenciada pela obra do economista

alemão, Walter Rathenau. Em que pese a tradição privatística das companhias, nota-se a presença de elementos

que aproximam o interesse social do interesse público. Calixto Salomão explica que “a ideia de coobrigação de

todos os entes pela questão social é em muito auxiliada pela difusão dos ideais institucionais nos campos da

filosofia do direito e do direito constitucional”, bem como que a obra do referido economista teria identificado o

alinhamento do “interesse social ao interesse público”, em substituiçao à vontade estatal, em oposição à teoria

contratualista clássica. (Ob. cit., p. 47).

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envolvidos na insolvência da empresa devedora, devem decidir sobre as mais relevantes

questões ocorrentes no processo de recuperação ou falência.”631

Demonstra-se, assim, a evolução das ideias institucionalistas e um novo

modelo de pensamento para o balanceamento dos interesses que permeiam e orbitam a

empresa. Tem-se aqui, claramente, a influência socializadora do modelo institucional. Leva-se

ao extremo a ideia multifacetária de proteção dos diversos interesses que giram em torno da

empresa, privilegiando as teorias de governo societário que impõem aos administradores

deveres fiduciários em face de todos os stakeholders, em especial, para nós, dos credores e

debenturistas.

Se a preservação da empresa e o desempenho de sua função social dependem

estritamente da mantença do núcleo da organização produtiva, ou seja, em outras palavras, da

conservação do emprego dos trabalhadores e do amparo dos interesses dos credores, infere-se

daí que o interesse social vai muito além da simples maximização dos lucros em prol dos

sócios. Calixto Salomão leciona que “os vários interesses de grupos (credores, trabalhadores)

declarados são sintetizados na ideia de preservação da empresa, verdadeiro ponto comum de

encontro desses interesses”632

.

Questão curiosa é saber, portanto, se essa convergência de interesses a favor da

preservação da empresa, em sua fase de recuperação, influenciaria ou alteraria a relação

fiduciária dos administradores. Parece-nos que o direito norte-americano resolveu muito bem

essa questão ao declará-la a única hipótese excepcional à shareholder primacy rule, na

decisão proferida no caso Harff. Isto é, verificando-se o estado de insolvência, altera-se a

relação fiduciária dos administradores, não mais apenas centrada na busca da maximização

dos lucros em benefício dos acionistas, mas voltando-se para a preservação da empresa, com

o objetivo de manter o núcleo produtivo, o emprego dos trabalhadores e o interesse dos

credores. Transmuda-se a posição dos administradores, ampliando-se sua perspectiva para

abarcar também os interesses dos stakeholders.

631

Temas de Direito Societário, Falimentar e Teoria da Empresa. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 8. 632

Recuperação de Empresas e Interesse Social. In: Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência.

Coord.: SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. 2ª ed. São Paulo: RT,

2007, p. 50.

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A nosso ver, durante a vida da sociedade, os administradores tem que assegurar

a harmonia entre os interesses de todos os stakeholders, sem perder a eficiência633

e a

competitividade inerente à atividade empresarial, buscando a maximização dos lucros também

em prol da preservação e perpetuação da empresa – não apenas em prol da satisfação imediata

dos sócios, com a distribuição de dividendos, mas também considerando o reinvestimento na

empresa e a constituição de reservas para suportar períodos de dificuldades -, que, certamente,

no longo prazo, retornará em benefício de todos os interessados.

Anna Beatriz Alves Margoni e Susana Amaral Silveira, em obra coordenada

por Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França, defendem que “não apenas os interesses dos

acionistas devem ser levados em conta em uma sociedade anônima, mas sim o de todos os

stakeholders.” Elas explicam, ainda, que os interesses do acionista controlador, em sociedades

que possuem concentração de poder em um acionista, ou grupo de acionistas, não podem

prevalecer sobre os interesses social e dos demais stakeholders, exigindo-se o necessário

equilíbrio, mencionado anteriormente, para acomodação de todos os interesses que gravitam

na orbita societária.634

Essa concepção social tem por função também assegurar uma equilibrada

estrutura de incentivos à atração de investidores e financiadores das atividades empresariais e

à satisfação dos interesses dos demais stakeholders, como bem ressaltou Margaret Blair, ao

citar as seguintes palavras de William T. Allen:

“Contributors of capital (stockholders and bondholders) must be assured a rate of

return sufficient to induce them to contribute their capital to the enterprise. But the

corporation has other purposes of perhaps equal dignity: the satisfaction of

consumer wants, the provision of meaningful employment opportunities and the

making of a contribution to the public life of its communities. Resolving the often

conflict claims of these various corporate constituencies calls for judgment, indeed

calls for wisdom, by the board of directors of the corporation. But in this view, no

633

Rachel Sztajn defende que “a função social da empresa só será preenchida se for lucrativa, para o que deve

ser eficiente. Eficiência, nesse caso, não é apenas produzir os efeitos previstos, mas é cumprir a função

despendendo pouco ou nenhum esforço; significa operar eficientemente no plano econômico, produzir

rendimento, exercer a atividade de forma a obter os melhores resultados. Se deixar de observar a regra de

eficiência, meta-jurídica, dificilmente, atuando em mercados competitivos, alguma empresa sobreviverá.

Esquemas assistencialistas não são eficientes na condução da atividade empresária, razão pela qual não podem

influir, diante de crise, na sua recuperação.” (Da Recuperação Judicial. In: Comentários à Lei de Recuperação

de Empresas e Falência. Coord.: SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de

Moraes. 2ª ed. São Paulo: RT, 2007, pp. 223-224) 634

A Administração das Sociedades Anônimas. In: Direito Societário Contemporâneo I. Coord.: FRANÇA,

Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 357.

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247

single constituency´s interest may significantly exclude others from fair

consideration by the board.”635

Sofia Rodrigues aponta que a proteção dos investidores tem seu fundamento

lógico em um conjunto de princípios, que se complementam entre si, a saber: “interesse

público, a necessidade de segurança dos mercados, a prossecução da igualdade entre os

diversos agentes que aí intervêm e a protecção dos consumidores”636

(grifo da autora).637

Por tais fundamentos é que os debenturistas não podem ficar à mercê das

cláusulas da escritura de emissão, de acordo com a teoria contratualista, para a proteção de

seus interesses. Muito mais que isso. Adotando-se a teoria institucionalista, parece-nos que os

deveres fiduciários dos administradores também devem se voltar aos interesses dos

debenturistas. Como credores da sociedade emissora, os debenturistas ocupam posição

especial, tanto que podem influir em certas decisões estratégicas da empresa, em razão dos

poderes de ingerência da assembleia, mencionados anteriormente neste trabalho, tais como: (i)

redução do capital social (art. 174, §3º, da LSA); (ii) incorporação, fusão ou cisão da

sociedade emissora (art. 231, LSA); (iii) alteração do objeto da companhia (art. 57, §2º, alínea

“a”, da LSA); e (iv) criação de ações preferenciais ou modificação das vantagens das ações

existentes (art. 57, §2º, alínea “b”, da LSA).

Nota-se, assim, que a posição do titular de debêntures não decorre apenas de

uma relação de natureza meramente contratual, mas também de natureza societária, já que a

lei impõe certos deveres à administração, e até mesmo aos sócios (sobretudo ao acionista

controlador, nos termos do art. 117, §1º, “b” e “c”), para proteção dos interesses dos

debenturistas. Desse modo, os deveres fiduciários dos administradores se voltam também à

proteção da posição de debenturista, levando-se em conta as particularidades de tal centro de

imputação de direitos e obrigações.

635

Ob. cit., p. 177. 636

A Protecção dos Investidores em Valores Mobiliários. Coimbra: Almedina, 2001, p. 23. 637

Interessante destacar, por outro lado, que a proteção aos investidores em valores mobiliários apresenta certos

limites: “inevitabilidade do risco, recusa de paternalismo por parte da entidade de supervisão e auto-

responsabilização do investidor”. Sofia Rodrigues (Ob. cit., p. 33) destaca, ainda, que “o objectivo de protecção

dos investidores tem por finalidade criar um contexto jurídico e económico em que os seus interesses, no que

toca ao investimento que realizam, tenham um tratamento adequado quanto a uma diversidade de aspectos:

informação, igualdade de oportunidades, regularidade das transacções, entre outros. Contudo, todo o

investimento em valores mobiliários tem um risco económico determinado: em certos caso (sic), esse risco é

maior; noutros, será menor.”

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Trata-se, sem dúvida, de evolução sobre a atuação dos administradores e a

quais interesses eles devem servir. Faz-se essa pequena contribuição ao tema, neste capítulo,

de modo a estimular o debate sobre o governo das sociedades e a posição dos administradores

em face dos debenturistas, sem a pretensão de esgotar o assunto, que estará sempre aberto a

novas reflexões.

3.6. Proteção dos direitos dos debenturistas

Como vimos acima, a partir da subscrição do título, são conferidos direitos

essenciais e não essenciais ao titular da posição de debenturista, que devem ser protegidos

para a estabilidade da relação jurídica mantida entre eles e a sociedade.

Diversos são os mecanismos de proteção à posição de debenturista em razão de

deliberações sociais ou de atos dos administradores, ou do agente fiduciário que se mostrem

prejudiciais aos credores. Veremos a seguir como se dá o tratamento do assunto na LSA, no

tocante às debêntures criadas pelas sociedades anônimas638

.

Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França explica que “as deliberações de

alteração do estatuto que possam atingir, direta ou reflexamente, os direitos dos credores

titulares de partes beneficiárias, de debêntures conversíveis em ações ou de debêntures

simples” são consideradas ineficazes até que haja a manifestação consentânea dos credores,

por meio de assembléia especialmente convocada para deliberar sobre a matéria.639

Arremata o referido jurista que algumas deliberações poderão trazer prejuízos

aos credores e, consequentemente, serão consideradas ineficazes. Cita como exemplos aquelas

que se referem: “(a) à redução de capital com restituição aos acionistas de parte do valor das

ações, ou pela diminuição do valor destas, quando não integralizadas, à importância das

638

A nosso ver, tal disciplina jurídica também se aplica às sociedades limitadas regidas supletivamente pelas

normas das sociedades anônimas, caso venham a emitir debêntures, conforme discorremos sobre o assunto em

capítulo anterior. 639

Invalidade das Deliberações de Assembleia das S.A, ob. cit., pp. 112-113.

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249

entradas (art. 174 §§ 1o e 2

o); (b) à transformação da sociedade (art. 222); (c) à cisão (art. 233,

parágrafo único).”640

Interessante destacar, nesse ponto, o contido no Parecer da Procuradoria

Regional da Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro, que condiciona a eficácia da ata da

assembleia extraordinária de acionistas, modificadora da escritura de emissão de debêntures

da companhia, ao arquivamento de ata de assembleia de debenturistas, em que haja o

consentimento destes às alterações promovidas pelos acionistas.641

A partir da subscrição dos títulos é direito dos debenturistas manifestarem-se a

respeito das alterações da escritura de emissão, tendo em vista que as modificações poderão

afetar os direitos inerentes à sua posição. Duas exceções nos parecem razoáveis, todavia. A

primeira, caso os títulos ainda não tenham sido subscritos, pois nessa hipótese admitir-se-ia a

alteração da escritura, ou ao menos das características da emissão, por meio de assembleia de

acionistas ou reunião do conselho de administração, conforme a competência para criação,

sem que se exija o consentimento dos debenturistas, até porque inexistiria a formação da

relação jurídica externalizada no ato de subscrição, produzindo efeitos apenas na esfera

interna da sociedade emissora. A segunda, decorreria do necessário aditamento da escritura

decorrente do lançamento de uma nova série de emissão já colocada no mercado (artigo 61,

parágrafo 2o, da LSA

642). Neste caso, por se tratar de exigência legal e desde que o aditamento

não modifique as condições das séries anteriormente emitidas, não nos parece razoável

condicionar o aditamento da escritura à manifestação dos debenturistas das outras séries.

No tocante às operações de fusão e incorporação, a disciplina é diversa, tendo

em vista que, em tais casos, o artigo 232 da LSA estabelece que o credor prejudicado poderá

ingressar judicialmente com pedido de anulação em até 60 (sessenta) dias da data da

publicação dos atos relativos à operação.643

640

Ob. cit., p. 113. 641

Disponível em: http://www.jucerja.rj.gov.br/Instituicao/procuradoria/pdf/0020130459828.pdf. Acesso em:

17/08/2013. Parecer emitido nos autos do Processo n. 00-2013/045982-8. Em sua conclusão, a Procuradoria,

além de opinar pela colocação do processo em exigência, consigna na ata que “as deliberações tomadas ficam

com a eficácia suspensa até que eventual assembleia geral dos debenturistas ratifique as alterações deliberadas na

AGE”. Todavia, parece-nos haver impropriedade no uso do termo “ratificar”, pois não há como uma assembleia

de debenturistas ratificar uma deliberação dos acionistas. O que há, na verdade, é a deliberação dos debenturistas

no sentido de aprovar as modificações nas condições da escritura de emissão deliberadas pelos acionistas. 642

“§2º Cada nova série da mesma emissão será objeto de aditamento à respectiva escritura.” 643

Ob.cit., p. 113, nota de rodapé 116.

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Ademais, com relação às debêntures, há disposição específica sobre a

necessidade de prévia aprovação dos debenturistas para a realização das operações de

incorporação, fusão ou cisão, conforme disciplina do art. 231 da LSA. Todavia, a própria lei

excepciona a regra nos casos em que a companhia assegure o resgate das debêntures durante o

período de 6 (seis) meses a contar da data da assembléia que deliberar sobre a operação.

Dentre as disposições legais que protegem os interesses dos debenturistas,

podemos destacar as seguintes: (i) art. 57, §2o, da LSA

644, que exige a prévia aprovação, no

caso de debêntures conversíveis, para mudar o objeto da companhia ou modificar as

vantagens das ações em que os títulos de dívida serão convertidos, enquanto puder ser

exercido o respectivo direito à conversão; (ii) art. 174, §3o, da LSA

645, que exige prévia

aprovação da maioria dos debenturistas para a redução do capital social com restituição aos

acionistas de parte do valor das ações, ou pela diminuição do valor destas, quando não

integralizadas, à importância das entradas.

Além das hipóteses de ineficácia apontadas acima, as deliberações violadoras

da lei que prejudiquem os debenturistas poderão ser consideradas absolutamente nulas, sendo

dever do agente fiduciário ingressar com a necessária ação para declarar a respectiva

nulidade, nos termos do art. 68, §3o, da LSA.

Como ensina Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França, “são radicalmente

nulas, outrossim, as deliberações que infrinjam as disposições legais que têm por objeto a

proteção de interesses de terceiros”646

- incluindo-se entre eles os credores atuais e futuros da

sociedade.

644

“§2º. Enquanto puder ser exercido o direito à conversão, dependerá de prévia aprovação dos debenturistas, em

assembléia especial, ou de seu agente fiduciário, a alteração do estatuto para: a) mudar o objeto da companhia; b)

criar ações preferenciais ou modificar as vantagens das existentes, em prejuízo das ações em que são

conversíveis as debêntures.” 645

“§3º. Se houver em circulação debêntures emitidas pela companhia, a redução do capital, nos casos previstos

neste artigo, não poderá ser efetivada sem prévia aprovação pela maioria dos debenturistas, reunidos em

assembléia especial.” 646

Ob. cit., p. 107. Na nota de rodapé 93, da mesma página, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França aponta

a divergência doutrinária acerca do conceito de terceiros e revela que, para Tullio Ascarelli, “o conceito abrange

não só os credores atuais e futuros da sociedade, mas também os ‘futuros compradores de ações”.

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Além do mais, como regra geral, o agente fiduciário poderá usar de qualquer

ação para proteger direitos ou defender interesses dos debenturistas, nos exatos termos do §3º

do art. 68 da LSA, como já tivemos a oportunidade de comentar quando do estudo da figura

do agente fiduciário.

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