cultura.sul 66 - 7 fev 2014

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FEVEREIRO 2014 | n.º 66 www.issuu.com/postaldoalgarve Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o PÚBLICO Patrícia Reis: Por Este Mundo Acima p. 6 RICARDO CLARO Espaço CRIA: Novo dicionário Cultural p. 2 Espaço AGECAL: “Se não vai à eira, vai à feira” - Ou talvez não... p. 3 Na senda da Cultura: Monchique a serra d’água Espaço ALFA: Crescer a fotografar para mais tarde recordar p. 8 D.R. D.R. D.R. p. 7 D.R. Alexandra Gonçalves: As expectativas de uma nova liderança na Cultura p. 4 e 5 D.R. 8.302 EXEMPLARES

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• Veja o CULTURA.SUL DESTE MÊS• Sexta-feira (dia 7/2) nas bancas com o PÚBLICO e o POSTAL • Partilhe o seu caderno mensal de Cultura no Algarve • EM DESTAQUE: > ESPAÇO CRIA: Novo dicionário cultural, por Marisa Madeira > ESPAÇO AGECAL: “Se não vai à feira, vai à eira - Ou talvez não...”, por Luísa Ricardo > PANORÂMICAS: Alexandra Gonçalves: As expectativas de uma nova liderança na Cultura, por Ricardo Claro > ESPAÇO ALFA: Crescer a fotografar para mais tarde recordar, por Tânia Guerreiro > SALA DE LEITURA: Requisitar uma stripper numa biblioteca?, por Paulo Pires > ESPAÇO PATRIMÓNIO: Património Cultural algarvio: o último espaço (ainda) habitável, por Dália Paulo > DA MINHA BIBLIOTECA: A Mulher que Venceu Don Juan ou As mulheres que venceram os “dones Juanes” desta vida, por Adriana Nogueira

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Page 1: CULTURA.SUL 66 - 7 FEV 2014

FEVEREIRO 2014 | n.º 66

www.issuu.com/postaldoalgarve

Mensalmente com o POSTALem conjuntocom o PÚBLICO

Patrícia Reis:

Por Este Mundo Acima p. 6

ricardo claro

Espaço CRIA:

Novo dicionário Cultural

p. 2

Espaço AGECAL:

“Se não vai à eira, vai à feira” - Ou talvez não...

p. 3

Na sendada Cultura:

Monchique a serra d’água

Espaço ALFA:

Crescer a fotografar para mais tarde recordar

p. 8

d.r.

d.r.

d.r.

p. 7

d.r.

Alexandra Gonçalves:

As expectativas de uma

nova liderançana Cultura

p. 4 e 5

d.r.

8.302 EXEMPLARES

Page 2: CULTURA.SUL 66 - 7 FEV 2014

07.02.2014 2 Cultura.Sul

Não interessa a marca, nem o modelo. Pouco interessa o proprietário, ou o negócio que lhe possa estar associado. Interessa sim que de pequenas coisas se pode fazer a diferença na cultura.

Incidentalmente cruzei-me nas viagens ‘facebookianas’ com a Carrinha das Artes. Bran-ca, disponível, e preparada para carregar para os mais diversos destinos o material de artistas que têm na mobilidade espe-ciais dificuldades.

A ideia é lisboeta, mas bem poderia ser replicada por terras algarvias, se é que o já não é de forma menos formal.

De acordo com o promotor da ideia a Carrinha das Artes “destina-se a todos os artis-tas que andam na estrada e muitas vezes não têm como transportar material de maio-res dimensões, como cenários, instrumentos musicais, obras de arte, etc.”.

Está tudo explicado na pági-na do Facebook - https://www.facebook.com/acarrinhadasar-tes/info - as características téc-nicas, preços associados e ou-tras descrições necessárias para perceber o que se disponibiliza.

Eis uma ideia onde ganham todos, o proprietário e promo-tor do conceito e aqueles para quem a mobilidade possa cons-tituir um problema e que não podem investir num meio de transporte por sua conta.

Este é apenas um exemplo de muitos que poderiam ser ex-plorados para uma verdadeira promoção do desenvolvimen-to da produção de cultura em rede. O desafio está aliás cada vez mais aqui, na majoração do aproveitamento dos inves-timentos em meios, tornando--os por um lado acessíveis e por outro sustentáveis do ponto de vista da rentabilidade dos in-vestimentos realizados.

Porque os tempos parcos de financiamento assim o exigem e porque não devemos desperdiçar a oportunidade de, ainda que à força, apren-dermos que unir esforços é mais do que, simplesmente, somar aritmeticamente.

As pequenas coisas

Ficha Técnica:

Direcção:GORDAAssociação Sócio-Cultural

Editor:Ricardo Claro

Paginação:Postal do Algarve

Responsáveis pelas secções:• O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N:

Pedro Jubilot• Espaço ALFA:

Raúl Grade Coelho• Espaço AGECAL:

Jorge Queiroz• Espaço CRIA:

Hugo Barros• Espaço Educação:

Direcção Regionalde Educação do Algarve

• Espaço Cultura:Direcção Regionalde Cultura do Algarve

• Grande ecrã:Cineclube de FaroCineclube de Tavira

• Juventude, artes e ideias: Jady Batist a• Da minha biblioteca:

Adriana Nogueira• Momento:

Vítor Correia• Panorâmica:

Ricardo Claro• Património:

Isabel Soares• Sala de leitura:

Paulo Pires

Colaboradoresdesta edição:Luísa RicardoMarisa MadeiraPaulo SerraTânia Guerreiro

Parceiros:Direcção Regional de Cul-tura do Algarve, Direcção Regional de Educação do Algarve, Postal do Algarve

e-mail redacção:[email protected]

e-mail publicidade:[email protected]

on-line em: www.issuu.com/postaldoalgarve

Tiragem:8.302 exemplares

Novo dicionário Cultural

Todos ficámos confusos com as alterações ortográficas na Língua Portuguesa, tivemos de suprimir “cs” de algumas palavras (e não foram pou-cos), mas o mais valioso C manteve-se, quer no novo acordo ortográfico, quer na predominância: a Cultura.

Qualquer dicionário uni-versal define Cultura (do latim colere, que significa cultivar) como um conceito que abrange vários ramos do conhecimento humano. Independentemente do tipo de Cultura de que se fala, o seu conceito, por si só, evi-dencia Saber. Apesar desta qualidade nos distinguir dos animais, muitas vezes, é sub-jugada como pouco necessá-ria para a evolução e condi-ção humanas. A Cultura não existe apenas nos dicionários, não é somente uma palavra com significado, não é estáti-ca, é uma ação viva, intempo-ral, geracional, que faz tanto

a diferenciação como a liga-ção entre povos (ou culturas). Cultura é o cultivo incessan-te das nossas necessidades e desejos enquanto passageiros deste mundo. Todos temos alguma responsabilização relativamente ao papel da Cultura, mesmo quando a desprezamos, pois a Cultura é sensível às influências exte-

riores, precisa de ser bem ali-mentada e regada para que o seu crescimento seja saudável e frutuoso.

A Cultura estimula a auto-estima pessoal e da socieda-de, constrói sociedades mais inclusivas e promove o ama-

durecimento pessoal. É deve-ras um valor acrescentado, tanto a nível humano como económico.

Por estas e outras razões, a Comissão Europeia lançou no início de janeiro o programa de apoio Creative Europe (Eu-ropa Criativa), dirigido aos profissionais das áreas do Cinema, Televisão, Cultura,

Música, Artes do Espetáculo, Património e domínios co-nexos. Foi sem dúvida uma excelente notícia para come-çar o ano de 2014, perspeti-vando-se este apoio até 2020, que, com certeza, irá impul-sionar estes setores que são

uma importante fonte de em-prego e crescimento.

A nível nacional também existem apoios, basta estar-se atento e informado. Citam-se, como exemplo, as bolsas e os subsídios que a Fundação Ca-louste Gulbenkian tem vindo a promover para ajudar na criação artística e cultural.

Mas a Cultura não se faz apenas de subsídios, é cer-to. Faz-se de muita vontade, persistência e cada vez mais de espírito empreendedor. É preciso ter perspetiva nego-cial para abarcar a Cultura como uma atividade rentá-vel, que contribui para o de-senvolvimento intelectual e experiencial da sociedade.

O CRIA está cada vez mais empenhado em ajudar cria-dores e profissionais das áreas culturais e criativas do Algarve, ou que queiram implementar-se na região, para efetivação do seu negó-cio. Aqui, estamos dispostos a potenciar a criatividade, a produção artística e cultu-ral, e a trabalhar para que estas palavras não fiquem estanques nos dicionários. O nosso futuro acordo cultural contemplará palavras que se afirmem em feitos, criando um dicionário ativo e rico, repleto de significados e re-alizações que preencham as páginas da nossa existência, comunidade e História.

d.r.

Ricardo [email protected]

Editorial Espaço CRIA

Marisa Madeira Gestora de Ciência e Tecnologia no CRIA - Divisão de Empreende-dorismo e Transferênciade Tecnologia da UAlg

Juventude, artes e ideias

Ouve lá Jady Batista Estudante Coordenadora do jornal J

A partir do século VI a. C., as crenças e as práticas bu-distas já se tinham desen-volvido por mais de trinta países. Jesus Cristo nasceu há mais de 2000 anos. Estes dois homens responsáveis pela criação de religiões são seguidos por milhares de pessoas, homens estes que de certa forma tentaram trans-mitir o que o ser humano é.

Em 1946, Wilhelm Rei-ch (psicanalista austríaco) escreveu o livro Escuta, Zé Ninguém!, um livro onde o autor desnuda o ser humano.

“(...) O grande homem é, pois, aquele que reconhece quando e em que é pequeno.

O homem pequeno é aquele que não reconhece a sua pe-quenez e teme reconhecê-la; (...) A verdade diz que mais ninguém senão tu é culpado da tua escravatura. (...) Quan-to menos entendes, mais pre-zas. (...).”

Estes excertos de Reich fazem-me pensar que o ser humano conseguiu desen-volver, excelentemente, a tecnologia. Alguns até ten-taram transmitir o conheci-mento da essência do ser e tornaram-se personalidades deturpadas para o consu-mismo a partir do usufruto da esperança.

Concluo que a dor define toda a nossa vida, criando di-ferentes tendências que an-dam nos cantos do decidir da mente. Ensinam-nos a ven-

der superficialidade, fazendo com que indivíduos vivam escondidos a vida inteira. A dor faz com que indivíduos que lutam pela prosperida-de sirvam de chacota para homens que se auto-vitimi-

zam; e estes pseudo-mártires pintam-se como vítimas da sociedade.

Ó Mulher, cala-te masé! Todo mundo só quer saber com quem te deitas. O resto, é o resto.

d.r.

Page 3: CULTURA.SUL 66 - 7 FEV 2014

07.02.2014  3Cultura.Sul

Espaço AGECAL

Grande ecrã

Cineclube de TaviraProgramação: www.cineclubetavira.com281 971 546 | 965 209 198 | 934 485 [email protected]

SESSÕES REGULARESCine-Teatro António Pinheiro | 21.30 horas

13 FEV | O BEFORE MIDNIGHT (ANTES DE MEIA-NOITE), Richard Linklater - E.U.A. 2013 (108’) M/12

14 FEV | SENNA, Asif Kapadia - Reino Unido/França 2010 (112’) M/12

20 FEV | TERRA DE NINGUÉM + RE-DEMPTION, Salomé Lamas - Portugal 2012 (98’) M/16

27 FEV | LIKE SOMEONE IN LOVE, Ab-bas Kiarostami - França/Japão 2012 (109’) M/12

Tavira recorda SennaTodos os anos é a mesma

cantiga, estamos quase a che-gar à altura em que as distri-buidoras estreiam os melhores filmes do ano, já que as nomea-ções para os Óscares estão pró-ximas. As listas de previsões de estreias incluem muitos títulos com interesse para os cineclu-bes. Infelizmente, apenas po-demos programar uma sessão por semana... Para poder con-tar com a ajuda do Instituto do Cinema e do Audiovisual (cujo concurso para 2014 ainda não abriu, continuando neste mo-mento à espera de receber e as-sinar o contrato para 2013...), somos obrigados a programar 30% de cinema nacional (ou co-produções com Portugal). Por isso, este mês iremos exi-bir dois.

Na sexta feira, 14 de Feve-reiro, numa sessão extraordi-nária e em colaboração com o Cineclube de Guimarães, apre-sentaremos um dos melhores documentários dos últimos anos (que não estreou entre

nós): SENNA. Sim, sobre Ayrton Senna. Por favor, não o percam, é realmente muito bem feito e

ainda por cima a sessão será gratuita para todos... Até breve!

Cineclube de Tavira

O piloto de Fórmula 1 Ayrton Senna

d.r.

Cineclube de Faro Programação: cineclubefaro.blogspot.pt

IPJ | 21.30 HORAS | ENTRADA PAGACICLO EROTICIDADES

11 FEV | HISTÓRIAS QUE CONTAMOS,Sarah Polley, Canadá, 2012, 108’, M/1218 FEV | GRAND CENTRAL, Rebecca Zloto-wski, França/Áustria, 2013, 94’, M/1225 FEV | NINFOMANÍACA, Vol 1, Lars Von Trier, Dinamarca/Alemanha/França/Bélgi-ca/ Reino Unido, 2013, 124’, M/18

SEDE | 21.30 HORAS | ENTRADA GRATUITACICLO OLGA RORIZ... A BAILAR NA TELA

13 FEV | OLGA RORIZ - PROPRIEDADE PRIVADA + TANGO PRIVADO, Rui Simões, Portugal, 2000, 58’20 FEV | OLGA RORIZ - ANJOS, ARCANJOS, SERAFINS, QUERUBINS E POTESTADES, Rui Simões, Portugal, 2000, 34’27 FEV | OS SAPATOS VERMELHOS, Mi-chael Powell e Emmeric Pressburger, EUA, 1948, 133’

FILME FRANCÊS DO MÊS |BIBLIOTECA MUNICIPAL | 21.30 HORAS

28 FEV | COMPLICES, Frédéric Mermoud, França, 2010, 93’, M/12

A primeira mala escolar que tive oportunidade de escolher na mi-nha vida foi, mau grado a piroseira à vista de hoje, quadriculada. Qua-drados verdes e azuis. Recordo-me dela, não pelo seu bonito aspecto, mas porque foi muito negociada no seio da família - os meus pais e os meus avós paternos. A mala custou-lhes o rendimento da ven-da do excedente dos margutões* daquele ano, algures no final da década de 80. Os meus avós pater-nos eram agricultores de subsis-tência. Muito daquilo que tinham em casa era fruto directo do seu trabalho nas lides no campo, do que resultava da venda do exce-dente que não era muito e, ainda, da reforma, igualmente parca. “Se não vai à eira, vai à feira”, disse-me, há uns tempos, uma senhora que vende produtos hortofrutícolas no mercado municipal, a propósi-

to da sua actividade. Questionado o seu sentido, deparámo-nos com várias interpretações, todas elas re-metendo para a ideia de que todo o produto é aproveitado - guardada a quantidade suficiente para consu-mo próprio, o restante serve para

venda. Ideia igualmente proveitosa para retratar a chamada agricultura familiar, de ontem e de hoje.

E o que é que isto tudo tem a ver com gestão cultural? Falemos de património cultural imaterial. Mais precisamente, de “dieta mediterrâ-

nica”. Esta não é só um receituário, é um estilo de vida, que inclui , en-tre outros aspectos, os modos de produção que estão a montante da “comida” propriamente dita. A salvaguarda das manifestações de património imaterial, mais precisa-mente, as que se relacionam com a agricultura familiar (e áreas afins) poderá passar por várias vertentes: a) transmissão das técnicas “tradi-cionais” de produção (em contexto educativo informal- demonstrações, passeios de interpretação da paisa-gem, oficinas, etc. - e em contexto educativo formal); b) sensibilização para o consumo de bens alimenta-res produzidos de forma sustentável (social, ambiental e económica); c) salvaguarda do produto alimentar propriamente dito. Sobre esta últi-ma vertente, bem como as outras, claro, importa ouvir as pessoas que o fazem - as suas expectativas e, também, as dificuldades. Termi-nou no passado dia 31 de janeiro, o prazo para os pequenos agricul-tores e outras actividades afins se colectarem nas Finanças. Esta ques-tão levanta problemas. As novas re-gras fiscais obrigam a novos gastos que os rendimentos agrícolas não suportam. O resultado, alvitram algumas vozes, poderá ser o aban-

dono dos campos ou, noutros casos (como seria, provavelmente, o dos meus avós paternos), a não disponi-bilidade de certos produtos no mer-cado- algo que já se vai verificando nos mercados locais... bancas vazias, aqui e ali.

Volto à mala. Ou não. Volto antes ao cheiro e sabor (maravilhosos!) dos margutões dos meus falecidos avós, e de tantos outros bens alimentares, de tantas outras pessoas que vão vivendo (ou sobrevivendo) da sua produção e comércio, e que, se não forem de-vidamente salvaguardados, poderão desaparecer das nossas mesas.

Apesar desta conversa, sou op-timista. Há testemunhos positivos sobre circuitos curtos de produção e consumo. Creio que, de uma forma concertada (pessoas, comunidades, instituições), saberemos lidar com estes e outros problemas que se co-locam hoje no panorama da agri-cultura familiar. E que, actualmente, e de um ponto de vista mais alarga-do, também dizem respeito a uma gestão participada do património.

31 de janeiro do ano de 2014, Ano Internacional da Agricultura Familiar.

* nome dado a uma variedadede pêssego na serra de Monchique.

Imagem de margutões, variedade de pêssegos de Monchique

d.r.

“Se não vai à eira, vai à feira” - Ou talvez não...

Luísa RicardoAntropóloga, sócia da AGECAL

Page 4: CULTURA.SUL 66 - 7 FEV 2014

07.02.2014 4 Cultura.Sul

Alexandra Gonçalves, a primeira grande entrevista da nova directora regional de Cultura

Panorâmica

Depois de uma breve pas-sagem, um “regresso”, à Uni-versidade do Algarve, insti-tuição onde se formou e é docente, Alexandra Gonçal-ves regressa aos domínios da coisa pública, uma área que se tornou um espaço de con-forto e desafio, que a direc-tora regional diz “gostar” de assumir, numa herança que lhe “ficou da experiência au-tárquica” na câmara farense.

Como sempre e em todas as áreas da administração desconcentrada do Estado, há muito para fazer na Di-recção Regional de Cultura (DRCAlg) e a responsável reconhece a importância do desafio e as dificuldades que lhe estão inerentes.

Desde logo na área do pa-trimónio, onde o Plano Re-gional de Intervenções Prio-ritárias do Algarve (PRIPALG) apresenta necessidades de investimento identificadas no domínio patrimonial, da responsabilidade directa da DRCAlg, dos municípios e de outras entidades, nomeada-mente, privadas, orçadas ac-tualmente em 17,7 milhões de euros.

Não há verba para respon-der a este esforço por intei-ro e, por isso, o PRIPALG é o responsável por ordenar por prioridades as intervenções.

Neste âmbito, a directora regional refere que a “identi-ficação de prioridades é uma importante ferramenta a que o plano dá resposta e fá-lo de forma actualizada anual-mente”. “Sabemos onde es-tão os principais problemas neste domínio e a respecti-va identificação está feita”. “Esta é a base necessária para a tomada de decisões para futuros investimentos nesta área”, diz.

Mas o orçamento é escas-so. Em 2013 a direcção re-gional teve um orçamento de 2,192 milhões de euros, dos quais 547,7 mil se des-tinaram a investimento e 1,644 milhões a despesas de funcionamento. Assim se po-dem ver as dificuldades ine-rentes à alocação financeira de verbas às necessidades do PRIPALG.

Alexandra Gonçalves é nesta matéria clara, “os re-cursos são os que são, num orçamento que está fechado a esta altura” e “a prioridade em termos de PRIPALG está

na aplicação das verbas dis-poníveis no nosso orçamen-to naqueles monumentos que são nossa responsabili-dade directa e que são mo-numentos nacionais”.

A responsável ressalva a possibilidade de recurso, “caso haja necessidade”, ao fundo criado pela Adminis-tração Central para respon-der a necessidades de inter-venção de emergência. Mas neste momento, refere, “a prioridade para o Algarve foi identificada como sendo a Fortaleza de Sagres, sem es-forço directo do orçamento

da DRCAlg, mas com o em-penhamento de verbas do orçamento geral do Estado e de fundos europeus”. “A ac-ção será assim predominan-temente virada para aquela que é a jóia da coroa do pa-trimónio do Algarve”, diz a directora regional.

A fechar, Alexandra Gon-çalves refere que “de mo-mento na intervenção pro-gramada da DRCAlg não estão previstas mais ne-nhumas obras ao nível do património, excepção feita a pequenas e pontuais in-tervenções de conservação

e manutenção dos nossos próprios monumentos”.

Orçamento

Em termos de orçamen-to da DRCAlg para 2014, “os valores são muito se-melhantes a 2013”, refere a titular regional da Cultu-ra. Há uma diminuição dos custos de funcionamento, nomeadamente de pessoal, que se deve a duas razões, por um lado a gestão parti-lhada de recursos e por ou-tro a saída de pessoal que ou se reformou ou optou por aderir ao programa de rescisões amigáveis na Ad-ministração Pública”.

Este é um esforço que Alexandra Gonçalves pre-tende continuar à imagem e semelhança “do que está a ser feito um pouco por todas as esferas da Admi-nistração Pública”.

No âmbito da gestão par-tilhada, a responsável des-taca o trabalho já realizado em parcerias com as autar-quias de Albufeira (Castelo de Paderne), Portimão (Al-calar) e Aljezur (Castelo de

Aljezur) e que, refere, “impor-ta aprofundar e alargar”. Nes-te momento estamos a rever o protocolo com Albufeira e a terminar a definição final dos termos do protocolo tri-partido que se celebrará com a Câmara de Aljezur.

“Nesta área a conservação e manutenção serão sempre da nossa responsabilidade, mas as dinâmicas associa-das à vivência do património contam assim com a precio-sa ajuda de quem estando perto dos monumentos pode de forma mais eficiente ga-rantir o seu aproveitamento e a majoração das interac-

ções com o mesmo”, diz.

A direcção regional como motor

da dinâmica cultural

A DRCAlg que Alexandra Gonçalves herda das mãos de Dália Paulo é um organis-mo muito diferente daquele que normalmente os algar-vios associavam a uma Di-recção Regional de Cultura. Dália Paulo tirou-lhe a dis-tância face à acção cultural, quebrou a ideia de casa dos subsídios culturais e deu-lhe visibilidade.

A acção é para continuar. Isto mesmo se retira do discur-so da nova titular que quer a instituição perto dos algarvios e em relação directa com a cul-tura e o território.

“Iniciei desde a tomada de posse um périplo por todos os municípios da região que, mais do que servir para as normais apresentações, tem por base a ideia de uma re-lação estreita com quem, em cada local melhor compre-ende as necessidades de cada comunidade e de cada terri-tório, sob todos os aspectos, nomeadamente o cultural”, refere Alexandra Gonçalves.

“Articulação com os mu-nicípios e estratégias de co-operação para o futuro” são as palavras de ordem deste início de um mandato que se prolongará por cinco anos.

Nos contactos com a Re-gião de Turismo do Algarve (RTA) também já se definem estratégias. “Há muito traba-lho a desenvolver no âmbito das rotas, itinerários e per-cursos que neste momento estão disseminados entre aquilo que é produzido pela RTA, pelos municípios e pela

“JOSÉ PEDRO MACHADO”Até 1 MAR | Biblioteca Municipal de LouléExposição bibliográfica pretende assinalar o 100º aniversário do nascimento, na cidade de Faro, do filólogo, bibliógrafo, arabista e historiador que foi José Pedro Machado (1914-2005), que, pelos estudos desenvolvidos, atingiu notabilidade internacional

“CORTIÇA - DA TERRA AO CÉU”Até 2 MAR | Museu Municipal de Arqueologiade AlbufeiraApoema Calheiros mostra 30 fotografias sobre o des-cortiçamento e as diferentes fases do processamento industrial da cortiçaAg

endar

Maria Alexandra Patrocínio Rodrigues Gon-çalves, assim se chama a nova directora re-gional de Cultura, nomeada para o cargo pelo secretário de Estado da Cultura, Jorge

Barreto Xavier, sob proposta da Comissão de Recrutamento e Selecção para a Admi-nistração Pública.Depois da passagem pela Câmara de Faro,

no consulado de Macário Correia, Alexan-dra Gonçalves é aos 41 anos a mulher à frente dos destinos da Direcção Regional de Cultura no Algarve.

Alexandra Gonçalves, directora regional de Cultura

ricardo claro

Page 5: CULTURA.SUL 66 - 7 FEV 2014

07.02.2014  5Cultura.Sul

A Fortaleza de Sagres é a grande aposta no investimento em património

“CONTACTO DE AUTOR”Até 7 MAR | Galeria de Joalharia Pontos Iguais(Rua Castilho, 16 - Faro)Exposição apresenta um grupo da escola Contacto de Autor, do Porto, dando a conhecer os melhores tra-balhos de Ana Negrão, Joana Andresen, Nádia Basto, Tatiana Barros e Ângelo Cardoso

“14º FESTIVAL AL-MUTAMID”8 FEV | 21.30 | Centro Cultural de LagosNeste espectáculo Chekara & Media Luna Flamen-ca promovem um encontro entre a música árabe--andalusí e o flamenco mais tradicional

Agendar

Panorâmica

d.r.

própria DRCAlg”. Para Ale-xandra Gonçalves “importa perceber aquilo que pode ter interesse turístico-cul-tural e dinamizar essas ro-tas de forma a poder criar verdadeiros produtos nesta área capazes de diferencia-rem a oferta que fazemos nesta que é a região turística de excelência no país”.

Para Fevereiro a directora regional conta ter em cam-po os contactos com o sec-tor privado no sentido de também nesta área definir estratégias capazes de aju-dar a desenvolver a Cultura na região.

Dinâmicas integradas

Ao nível do património Alexandra Gonçalves subli-nha “a necessidade de se continuar e certamente de se reinventar a aposta nas dinâmicas integradas em que o património deixe de ser algo imóvel que espera a visita das pessoas, para passar a ser por um lado um espaço de dinamização cultural e simultaneamente passar a integrar as dinâ-micas já existentes noutras rotas e percursos onde as si-nergias podem ser aprovei-tadas para que se conheça e valorize cada vez mais o va-lor destes espaços”.

“O nosso património pode ser pouco mas tem poten-cialidades e de facto a in-teracção com várias outras realidades pode ter um efei-to catalisador que deve ser aproveitado”, refere.

As redes e as parcerias são hoje, diz a responsável pela pasta na região, “determi-nantes” e “quanto mais hou-verem melhor”. “É aqui que reside em grande medida a resposta para a falta de re-cursos de que actualmente padecemos, mas também é por aqui, cada vez mais, que se selam cooperações deter-

minantes para o desenvolvi-mento cultural integrado e sustentável”, sublinha.

Apoio à acção cultural

Na casa dos 70 a 80 mil euros nos últimos anos - ex-cepção feita ao ano de 2013 onde por razões específicas se saldou em 230 mil eu-ros - o apoio à acção cultu-ral da responsabilidade da DRCAlg é um importante instrumento de desenvol-vimento cultural.

Nesta área de intervenção, Alexandra Gonçalves avança que há uma lógica diferen-te na análise e definição dos apoios que serão prestados no domínio do apoio à ac-ção cultural, uma matéria que ainda está em discussão ao nível do Governo.

Certo é que entrará nas fi-leiras destes apoios o incen-tivo à edição de produção cultural nas diversas áreas que terá por base um júri capaz de decidir em cada ano para que se aposte na-quilo que se produz local-mente e que importa dar a

conhecer.No âmbito do resto dos

apoios culturais passam a existir novas linhas mestras para definição em sede de selecção quais aqueles que merecerão o apoio da direc-ção regional.

Património imaterial da humanidade,

que futuro?

Para a nova responsável da Cultura, esta área, ainda que tenha contado com uma in-tervenção muito marginal da

DRCAlg no processo de can-didatura é um dos pontos de maior interesse a nível cultu-ral na região.

“Nesta área a CCDR está a ter um papel preponderante na medida em que domina o processo de planeamento estratégico para a região”, refere Alexandra Gonçalves, que afirma estar a procurar envolver-se profundamente neste âmbito.

Em particular a directo-ra regional realça a impor-tância da participação da direcção regional na área da inventariação, que é um ponto fulcral das acções a desenvolver no âmbito da classificação atribuída pela UNESCO.

Novidadespara breve

Na calha está a criação de um programa de dinamiza-ção e valorização dos monu-mentos. “O desejo é o de que a programação para os mo-numentos na dependência directa da direcção regional possa rapidamente ser de-

senvolvida de forma inte-grada e com um horizonte de antecipação pelo menos anual”, diz Alexandra Gon-çalves.

O conceito de programa-ção pretende pôr no terre-no uma imagem e marca já desenvolvidas internamente e que se chamará Bons Mo-mentos, destinado a identifi-car o conceito de experiência pessoal na relação das pesso-as com o património.

“Há bons momentos de música, teatro, artes visuais e tudo o mais, querendo-se passar a mensagem que no património há lugar a verda-deiros Bons Momentos”, diz a responsável, que aposta este ano na temática “40 anos de Democracia”, exactamente no ano em que se atingem quatro décadas sobre a data da revolução de Abril.

Lugar ainda para a criação de um prémio destinado a reconhecer trabalhos cultu-rais desenvolvidos na defesa e promoção da igualdade de género e de oportunidades entre homens e mulheres no valor de cinco mil euros, com novidades sobre esta matéria a serem prometidas para breve.

Entretanto, é tempo de trabalho, muito, e Alexandra Gonçalves não deixa os cré-ditos por mãos alheias pelo que a nova directora regio-nal já está no terreno.

São cinco anos para mos-trar o que pode e sabe fazer com a sua dedicação à luta pela Cultura num lugar de topo na administração des-concentrada do Estado.

O Algarve, esse, e os algar-vios, esperam sempre o me-lhor de quem quer e pode dar a cara pelo interesse comum da região a bem de todos, porque o desafio é enorme, tão grande como é decerto a vontade da nova titular de o vencer.

Ricardo ClaroNova directora regional de Cultura tem pela frente um grande desafio

ricardo claro

Page 6: CULTURA.SUL 66 - 7 FEV 2014

07.02.2014 6 Cultura.Sul

“RAÍZES”Até 28 MAR | Paços do Concelho de AlbufeiraExposição de pintura de Zorba (Luís Romão), residente em Albufeira desde os dois anos. Autodidacta, utiliza muito pouco os pincéis, uma vez que o que lhe inte-ressa são as texturas e movimentos que os materiais possam criar quando utilizados de forma ‘grosseira’

“PEQUENAS E GRANDES MARAVILHASDA NATUREZA”Até 28 FEV | Polo Museológico Cândido Guerreiro e Condes de Alte – LouléFotografias de Alexis Morgan retratam algumas es-pécies botânicas e borboletas que se encontram na regiãoAg

endar

Nenhum homem é uma ilha

Por este mundo acima é um livro peculiar de uma autora que, como tantos outros nomes que inundam os escaparates das livrarias, é também jornalista. No entanto, a sua escrita é de uma sensibilidade apurada e toca temas de forma alegórica enquanto outros insistem em mastigar e deglu-tir a mensagem por inteiro. Patrícia Reis nasceu em 1970, estudou His-tória de Arte e Comunicação, tendo passado por diversos órgãos de co-municação, como o Expresso, Marie Claire e, mais recentemente, dirige a revista Egoísta. No final do ano passa-do lançou dois livros, o romance Con-tracorpo, e uma entrevista em jeito de conversa com Simone de Oliveira, in-titulada Força de viver. É ainda autora juvenil, tendo escrito uma interessan-te coleção que apresenta, através do Micas, diversos museus e instituições culturais.

Os seus últimos dois romances, Por este mundo acima e Contracor-po, possuem em comum o facto de se dirigirem a um filho ou, por outras palavras, a essa camada da população portuguesa em que reside o futuro e que vive estes momentos de confusão e angústia mas que, provavelmente, não sente ainda muito a necessidade de parar para pensar no que será esse mesmo futuro. O tema da adolescên-cia parece assim revestir-se de algu-ma importância na escrita da autora, como se pode constatar em Antes de ser feliz (2009) ou no seu mais re-cente Contracorpo, onde se tece uma conversa, durante uma road trip, em que uma mãe tenta comunicar com um filho que se fecha na sua concha de um mutismo quase autista, ainda que falar de autismo acerca da ado-lescência pareça um pouco redun-dante...

O romance Por este mundo acima nasce de um cenário de destruição, ainda que este seja apenas subtil-mente delineado no livro. Nunca se sabe concretamente o que destruiu Lisboa, havendo apenas alusões in-diretas a um qualquer acidente (nu-

clear?) que inclusivamente acarretou consequências nas crianças nascidas depois disso. Da mesma forma que estes cenários pós-apocalípticos já se vão tornando familiares, mediante o visionamento de certos filmes e sé-ries televisivas, a própria ação come-ça «in media res», um pouco como uma imagem de um filme, em que a imagem que abre o filme é depois retomada a meio da narrativa: «A VIDA TRANSFORMA-SE. Agora está ali o miúdo. Continuamos a andar. Pedro a frente, saltando rochas e de-clives, os ténis sujos de terra. Eu fico um pouco mais atrás, as mãos nos bolsos, passos hesitantes, por vezes a falhar, um certo receio em avançar, mas enfeitiçado pela sua voz. Trauteia u m a m e l o d i a sem letra. Sau-dades súbitas de música. E digo-o./Tenho saudades de música./Sim? E u t e n h o u m a harmónica. Tenho, sim, em casa. Era do meu pai. Nun-ca aprendi a tocar./É pena./Se soubesse tocar, tê-la-ia trazi-do comigo./Tu falas muito bem./A minha mãe obrigava-me a fa-lar correctamente. Diz que é muito importan-te. Dizia./A tua mãe ti-nha razão.» (pág. 15-16).

Neste trecho com que se inicia o romance, e que aparecerá novamente repetido mais a frente, delineiam-se duas linhas centrais de um romance aparentemente fragmentário, como que escrito em desabafo, aos soluços: a importância da música, que é como quem diz da literatura, aliada a im-portância da língua e do bem falar, mesmo que o mundo se tenha des-moronado e esses valores não sirvam a ninguém como instintos básicos de sobrevivência.

A escritora chamou a este livro, em entrevista, de “peregrinação futuris-ta”, pois projeta num futuro ficcio-nado os desafios que se colocam a Humanidade de hoje. Os valores hu-manos são, sem dúvida, a cola que permite refazer a destruição e a luz que ilumina o vazio de uma vida. A

autora foca-se assim, “como quem escreve uma carta a um filho”, em construir uma parábola sobre o valor da amizade e da solidariedade, inde-pendentemente da idade, da situação e da existência de laços de sangue. Os flashbacks no livro, através de Eduar-do, são constantes, quando recorda os amigos que deixou, enquanto este homem se move pelo cenário de desolação, talvez como forma de tentar encontrar um fio condutor na ruína que o cerca e atravessar o peso da solidão, até porque ao contrário de Pedro, o rapaz que ele depois en-contra, os outros que se movem pela paisagem, deslocam-se fugidiamen-te, esquivando-se: «As pessoas, os sobreviventes, não querem conver-sar.». Pedro torna-se então homem sob a alçada de Eduardo, o editor, e com ele vai aprender o valor não só

da amizade mas também dos livros. Eduardo é uma memória prodigiosa que reúne imensas histórias que vai partilhando com Pedro, educando-o, tal como a mãe antes o preparara a falar corretamente, para o gosto pela leitura e pela maleabilidade e inven-tividade das palavras. Em jeito de compensação, o jovem vai aprender de tudo um pouco, tornando-se ins-truído, mesmo que o conhecimento já pouco se aplique a um mundo que deixou de ser.

O horizonte de esperança com que o livro encerra é o facto de este jovem, depois da morte de Eduardo, o editor, se apaixonar por uma mulher, conse-guir recuperar técnicas tipográficas que permitem fazer um livro. Como gesto de amor para com o editor que o adota, Pedro recupera, inclu-sivamente, as técnicas de imprensa gráfica. É esse o manifesto gesto de esperança que pode redimir a vida de uma humanidade praticamente de-saparecida, quando um livro, de um jovem autor, curiosamente chamado Sebastião, é descoberto pelo editor. Este nunca chega a ler o livro antes da catástrofe, apesar de ter sido apresen-tado ao jovem e ficado intrigado com o mesmo, e só depois de tudo mudar e um livro de um jovem autor parecer uma ninharia a quem tenta sobrevi-ver, reveste-se, independentemente da sua genuína qualidade, da maior

importância para outro tipo de pes-soas. Como uma elite que vive dessas pequenas grandes inutilidades, como a música e a literatura, que animam os nossos dias e podem até, em últi-ma análise (histórica, cultural, antro-pológica) reflectir os nossos valores.

É curioso que se registe, quase no final do livro, como o legado que Eduardo deixa ser a sua biblioteca: as estantes de livros que herdara da avó, e que, depois, tentou compor com alguns “empréstimos” de outros locais por onde iam pilhando o que precisando, biblioteca essa que cons-titui um centro conglomerador das réstias da humanidade: «Decidiram passar a biblioteca da avó de Eduardo para um centro cultural, para estar sempre disponível, para ser a memó-ria de todos. Ocuparam a estação de metropolitano que ficou intacta: têm um centro de acolhimento, um cen-tro de estudos, a biblioteca e uma sala de convívio.» (pág. 180). E, mais uma vez, é inevitável um outro paralelo com os media, quando a adaptação cinematográfica da obra A rapariga que roubava livros acaba de estrear, sobre uma jovem que, durante a II Guerra, salva livros de arderem nas fogueiras ateadas pelos nazis.

Nenhum homem é uma ilha, por-tanto, mesmo que cada leitor possa ter em si uma biblioteca imensa que o entretenha.

Paulo SerraInvestigador da UAlgassociado ao CLEPUL

Letras e Leituras

d.r.

Patrícia Reis

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07.02.2014  7Cultura.Sul

Momento

Noite infantil

Foto de Vítor Correia

Crescer a fotografar para mais tarde recordar

O meu interesse pela fotografia co-meçou muito cedo. Desde os 12 anos que me lembro de andar com uma máquina fotográfica atrás e querer fotografar tudo: pessoas, animais, paisagens, etc. No entanto, só come-cei a levar este meu “hobby” mais a sério há cerca de quatro anos. Foi quando a minha curiosidade come-çou a aumentar e senti necessidade de ter formação na área e foi assim que descobri a “Alfa” em 2011, com quem já fiz formações e passeios fo-tográficos que me permitiram evoluir enquanto fotógrafa.

Cerca de três meses depois de me ter juntado a esta associação surgiu--me o meu primeiro trabalho remu-nerado, um casamento. Fotografar um dos dias mais importantes da vida de um casal é sempre uma gran-de responsabilidade mas também é uma experiência muito gratificante

e que me permitiu aprender muito enquanto profissional. Para mim, a fotografia é uma paixão. À medida que vou adquirindo mais conheci-mento e formação a minha paixão aumenta. Espero horas se necessário para conseguir tirar a fotografia que quero e por vezes perco a noção do tempo. Pego na câmara e saio de casa para fotografar. Estou constantemen-te à procura de novas formas para fo-tografar lugares ou pessoas, de fazer algo diferente. Seja para trabalhos ou projetos pessoais, tenho sempre um enorme prazer e dedicação por aqui-lo que faço.

Em Maio de 2012, tive a minha pri-meira exposição na Casa da Juventu-de de Olhão, que reuniu retratos dos trabalhos e projetos pessoais que ti-nha feito até aquela data. Já este ano, participei na mostra fotográfica Cor e Criatividade da Alfa, da qual fui vencedora da cor Branca e que está a decorrer até ao mês de Junho e convi-do todos a participarem. Peguem nas vossas câmaras e sejam criativos. Não se esqueçam também que a fotogra-fia é também uma forma de eterni-zar aqueles momentos mais especiais. Podem encontrar mais informações sobre a mostra fotográfica Cor e Cria-tividade em www.alfa.pt.

Espaço ALFA

d.r.

Tânia GuerreiroSócia da ALFA

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07.02.2014 8 Cultura.Sul

Requisitar uma stripper numa biblioteca?

Monchique, a serra d’águaA 902 metros de altitude estamos no

ponto mais alto do Algarve. Altaneira a Fóia encima a Serra de Monchique feita de xisto e de fóiaite, um tipo raro de sienite (rocha granítica), e dela se pode mirar o oeste algarvio que se espraia até ao mar.

A localização junto ao Atlântico dá à Serra de Monchique um clima único na região, misto de mar e altitude, deno-minado subtropical marítimo de mon-tanha, característico pela humidade.

É neste enquadramento que a serra de origem vulcânica se faz serra d’água, não só pelas famosas termas, nas Cal-das de Monchique, onde a água me-dicinal brota a elevadas temperaturas (aproximadamente 32 graus centígra-dos) mas, também, porque no Inverno a face da serra exibe a sua beleza sob a forma líquida.

Para quem desconhece, o Algarve também tem cascatas e em Monchique estão três das mais belas da região, com a força bruta da rocha a deixar-se acari-ciar pela água em catadupa que se solta das entranhas das escarpas.

Vale a pena conhecer e deixar-se en-volver pela beleza sempre impressio-nante das quedas de água enquanto se solta o pensamento aos ritmos borbu-lhantes do marulhar das águas que só à gravidade obedecem, rasgando por força dos séculos sulcos na encosta capazes de contar histórias de outros tempos.

A cascata do Barbelote é a primeira de três jóias de Monchique que se con-vida a conhecer. Por entre a vegetação luxuriante do Inverno monchiquen-se, num estradão que sai da estrada nacional 266-2, ali se revela a queda de água onde o branco da espuma se impõe contra o fundo cinza da rocha pontilhado daquele verde único de Monchique que faz desta serra a Sin-

tra do Algarve.Para chegar ao segundo deslumbre

desta rota das cascatas o destino é a cas-cata do Penedo do Buraco, que se pode

encontrar quando se segue na estrada que liga Monchique Casais e Marmele-te, desviando para a direita no sentido Marmelete – Chilrão antes de chegar ao

sítio dos Gralhos.Por fim, perto do sítio com o mesmo

nome, pode ver-se a cascata do Pene-do do Buraco, também ela acessível

a partir da estrada nacional 266-3, e com esta terceira maravilha se fecha o périplo pelas cascatas da Serra de Monchique.

Pode ainda optar por fazer a rota pedestre proposta pela autarquia de Monchique. Na Rota das Cascatas a proposta é a de realizar um percurso de 20 quilómetros com uma dificul-dade considerada alta e que propõe numa viagem circular percorrer as três cascatas com passagem pela Fóia. Para tanto, diz o sítio da autarquia na internet, serão necessárias três horas e a consulta do mapa da rota e demais dados pode ser feita on-line em www.cm-monchique.pt.

Junte-se à paisagem rara oferecida por estes três sítios únicos com o que de melhor a serra tem para oferecer por aquelas paragens, leia-se enchidos, boa gastronomia serrana e o inestimável medronho de Monchique e o passeio é mais do que uma simples proposta e revela-se um must do por estes tempos de maior invernia.

Há de facto para descobrir muitos al-garves dentro do Algarve, insuspeitos e inusitados lugares que são segredos guardados por uma região onde a serra resistiu estóica aos avanços dos tempos e do homem.

Imperdíveis estes lugares secretos são as preciosidades de uma região que tem muito por descobrir, mesmo para os algarvios, e há lá melhor forma de viver o Algarve do que conhecê-lo no seu íntimo e muito para além do óbvio.

Deixe-se transportar para outro mundo, numa realidade em que tem-po avança fora do compasso do reló-gio e em que a água em queda livre se propõe ser, por momentos, dona e senhora dos seus pensamentos, aqui mesmo ao lado na Serra de Monchi-que, a serra d’água. Ricardo Claro

Sala de leitura

d.r.

Cascata do Barbelote

Paulo PiresProgramador Culturalno DepartamentoSocioculturaldo Município de [email protected]

Na senda da Cultura

Porque não? Ousem e imaginem uma biblioteca repleta de livros com títulos como: Refugiado, Treinador desportivo, Dono de Agência Funerá-ria, Homossexual, Imigrante, Stripper, Alcoólico, Invisual, Doente com cancro, Cantor hip-hop, Cirurgião plástico, De-sempregado, Matemático, Budista, Po-

lícia, Padre, etc. “Livros humanos”, que valem pelo

seu conteúdo intrínseco e não pela sua capa/aparência, feitos de/por pessoas que, em regra, são representativas de um dado grupo social ou profissional, convictas das suas ideias e avessas a estereótipos, as quais pretendem par-tilhar as suas histórias, valores, experi-ências e visões do mundo, tal como os livros feitos de papel. Para os leitores é uma oportunidade inesperada de, gratuitamente, “requisitar exemplares únicos” – mediante reserva prévia e durante um período de tempo prede-

finido (variável, mas que pode ser, por exemplo, até 60 min.) –, interpelando--os, na primeira pessoa, sobre as suas inúmeras “estradas” e “folheando” as-sim, oralmente, páginas e páginas de vidas incríveis.

Estes “human books” são geralmente escolhidos a dedo: pessoas reais (de pro-veniências diversas e até, nalguns casos, díspares), com estilos de vida e ideias di-ferentes que as tornam autênticas obras abertas, e que se voluntariam para dar a conhecer, a um ou mais “leitores” in-teressados” – num ambiente aberto, seguro e acolhedor –, a sua forma de

estar, pensar e sentir o mundo, feita de singularidades, imprevistos, origi-nalidades, surrealismos e, não poucas vezes, de discriminações ou exclusão sociais. Nos países em que o projecto já foi implementado têm surgido figuras interessantíssimas, com estórias empol-gantes, como uma mulher que cresceu na África do Sul em pleno apartheid, um ex-professor que passou por uma operação de mudança de sexo ou um ex-veterano da guerra do Vietnam. Os livros humanos ostentam uma t-shirt que identifica o seu título e ao leitor basta escolher o que quer ler.

É fundamental – de forma a manter um diálogo estimulante e interessante com os leitores, respondendo às suas questões e ajudando-os a ultrapassar distorções sociais e outras ideias feitas – que estes “livros vivos” tenham perso-nalidades estáveis e tenham desenvolvi-do previamente uma reflexão madura e consciente sobre os assuntos que es-tão abordando. Só assim se produzirá, junto dos receptores, o (literariamente) chamado “efeito de real” e o élan que certas obras escritas tanto almejam. A escolha, pela entidade organizadora, dos “títulos” dos livros deve ainda coa-

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07.02.2014  9Cultura.Sul

Património Cultural algarvio: o último espaço (ainda) habitável

Ontem como hoje as ques-tões de salvaguarda e valoriza-ção do Património Cultural são complexas, sendo o seu papel como garante de memória e de evolução civilizacional contro-versas na opinião pública. Já no final do século XIX, um jornal algarvio, aquando das obras do Largo da Sé, em Faro, man-dava que se tapasse os vestígios arqueológicos para os “arqueó-logos não meterem o bedelho” e o arquiteto Alexandre Alves Costa no seu artigo “Lugares praticados versus lugares de memória”, na Revista Patrimó-nio, afirma que “A visão do des-moronamento do passado é tão desoladora como a mesquinhez dos sobreviventes e, por isso, Marinetti propôs, como terapia de choque, “libertar o país da sua fétida gangrena de professores, arqueólogos, cicerones e antiquá-rios.””, sob pena de nos tornar-mos “construtores de utopias”, como lembra Marc Guillaume, no precioso livro “Política do Pa-trimónio”. Esta erosão do pas-sado não nos deve aprisionar, deve, pelo contrário, impelir-

-nos a trabalhar o Património Cultural com um olhar atual, integrador na sociedade e não como último reduto de um pas-sado que queremos preservar imutável. A consciência de que temos de fazer opções e perce-ber que muito da preservação de memória implica, igualmen-te, muito de esquecimento é um processo de construção (a cada momento) de um território.

No Algarve, qual a impor-tância do Património Cultural no desenvolvimento regional, no ordenamento do território e na construção/fortalecimento da nossa identidade? Na defini-ção da estratégia regional o Pla-no Regional de Ordenamento do Território do Algarve, apro-vado em Conselho de Minis-tros de 2007, preconizava para a área do património 12 objec-tivos operativos que se mantêm atuais e a necessitar de trabalho, objectivos para os quais têm de convergir as administrações, lo-cais e central, focando a inven-tariação, a investigação e a con-versão de recursos em produtos turísticos, bem como a mono-torização, através de dados fiá-veis, dos impactos da cultura e do património na região.

Será legítimo o leitor pergun-tar: que caminho se percorreu, desde 2007, para dar corpo a es-ses objectivos operativos? Ora vejamos, a região dispõe de um Plano Regional de Intervenções Prioritárias, realizado pela Dire-ção Regional de Cultura do Al-

garve em colaboração com os Municípios, o que permite uma radiografia das necessidades de intervenção e uma linha orien-tadora; os museus da região têm trabalhado a questão do inven-tário do património (material e imaterial); requalificado a oferta museológica, tendo sido criada, em 2007, a Rede de Museus do Algarve que tanto permitiu ga-nhar escala como qualificar os seus técnicos. Foram trabalha-

dos, ainda que não em extensão suficiente, roteiros temáticos, como: o Al-mutamid, a Rota Europeia dos Descobrimentos e a Umayad; e, concluiu-se, em junho de 2013, os processos de classificação, como Monumento Nacional ou de Interesse Públi-co, que estavam pendentes.

Permita-me o leitor a incur-são na prática da gestão deste Património Cultural. Muito se tem escrito sobre a falta de po-

líticas coerentes, consistentes e continuadas de educação para e pelo património e a relação deste com o turismo, sobre a descaracterização que o terri-tório sofreu ao longo das últi-mas cinco décadas e de como o desenvolvimento assentou em modelos (quase) aniquiladores da identidade dos lugares. Mas, ainda, pouco se escreveu ou dis-cutiu sobre novas abordagens e olhares plurais da gestão do património, colocando o patri-mónio no centro da discussão e não como “auxiliar” de um turismo cultural ou criativo; como o património deve ser visto como parte integrante do território e por isso um recurso útil, necessário e diferenciador dos territórios, fazendo parte do quotidiano das populações (residentes e visitantes) e assu-mindo-se como uma força da comunidade.

Existe um longo caminho a percorrer sobre a questão da gestão privada do património: riscos e oportunidades. Este tema será discutido num semi-nário no dia 14 de fevereiro na CCDR Algarve, promovido na sequência do estudo nacional, que a Universidade do Algarve está a realizar intitulado, “Patri-mónio e Território”, e integrado no “Plano de Estudos – Cultura 2020”, uma iniciativa do secre-tário de Estado da Cultura. Aí serão discutidas algumas des-tas questões: as apropriações da renda e o investimento na dua-

lidade público privado; o papel do privado e do Estado no Patri-mónio português; quais os mo-numentos passíveis de gestão privada; quais os modelos sus-tentáveis de gestão do Patrimó-nio Cultural; e quais os garantes que a gestão privada pode dar na manutenção da identidade do lugar face aos perigos (mas também seduções) do modelo “one fits all”.

Estes temas devem ser debati-dos com grande abertura e sem preconceitos, ouvindo e criando novos pensamentos. A nível re-gional importa perceber que o património se tornou nos últi-mos anos no último espaço (ain-da) habitável, e que isto obriga aos decisores políticos com-preender que uma estratégia de desenvolvimento regional e de valorização turística só pode passar pela identidade e pela va-lorização patrimonial, porque aliado ao golfe e ao sol e mar (e não à praia) o Património Cultu-ral é um produto 365 dias/ano. Cabe-nos a nós, mulheres e ho-mens da cultura, nesta questão do Património Cultural - como nos recorda Paulo Pereira: “por ser um universo em permanen-te crescimento, será sempre, também, uma área em que o trabalho nunca acaba, nem é essa a sua natureza. Recomeçar, e recomeçar de novo” – ser re-silientes e continuar a criar diá-logos para contribuir para uma paisagem cultural de excelência e um foco de desenvolvimento.

Espaço ao Património

d.r.

Dália PauloGestora cultural

dunar-se com as especificidades locais das áreas de implantação e estar atenta à conjuntura do momento.

As bibliotecas são, entre outras voca-ções, verdadeiros lugares de aprendi-zagem intercultural, de reflexão sobre cidadania e direitos humanos, e de de-senvolvimento (inter)pessoal, funcio-nando como contextos inclusivos que estimulam e propiciam a aproximação sensível e criativa, a humanização dos temas e a desconstrução mental (o “sair da caixa”). Daí que estes encontros en-tre leitores e livros humanos funcio-nem como pontes preciosas de diálo-go construtivo entre pessoas que, em condições normais, não teriam a opor-tunidade de falar umas com as outras.

O conceito de Biblioteca Humana surgiu em 2000, na Dinamarca, com a ONG “Parar a violência”, procuran-

do lutar contra os estereótipos e incre-mentar atitudes tolerantes face à dife-rença. Foi depois exportado para mais de sessenta países pelo mundo, sendo praticado em bibliotecas, escolas, asso-ciações, fundações e em espaços cultu-ralmente menos convencionais.

Na Internet – o site oficial é: http://humanlibrary.org – é possível aceder a descrições de boas práticas, guias para organizadores, cursos de forma-ção para dinamizadores, exemplos de catálogos de “livros” disponíveis, bem como a vídeos sobre projectos já de-senvolvidos em diferentes realidades geográficas e culturais.

Em Portugal, pelo que sei, apenas fo-ram feitas duas experiências: o conceito estreou-se no Rock in Rio no Verão de 2004, de forma pontual; e no Municí-pio de Valongo a partir de 2010, através

da sua Agência para a Vida Local, que tem replicado anualmente este forma-to, já reconhecido internacionalmente.

Há um poema de Adília Lopes que a certo passo diz: “eu não sou um livro / e quando me dizem / gosto muito de seus livros / gostava de poder dizer / como o poeta Cesariny / olha / eu gos-tava / é que tu gostasses de mim / os livros não são feitos / de carne e osso / e quando tenho / vontade de chorar / abrir um livro / não me chega / preciso de um abraço”. A este grande poema permitam-me contrapor: sim, (tam-bém) pode haver livros de carne e osso, com enredos cativantes, páginas surpreendentes e estilos inusitados – livros cujas histórias têm o poder de um abraço e de um silêncio pleno de gritos e danças lá dentro…

d.r

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07.02.2014 10 Cultura.Sul

“LOST HAVEN – YOU ONLY MISS WHAT’S GONE”9 FEV | 21.00 | Cine-Teatro LouletanoTrata-se de uma curta-metragem independente in-teiramente rodada no Algarve pela New Light Pic-tures, a mesma equipa que criou “Comando”, curta que conquistou múltiplos prémios, fez sensação no Youtube, e foi exibida um pouco por todo o mundoAg

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“MOSAICO”Até 25 FEV | Galeria de Arte Pintor Samora Barros - AlbufeiraLídia Almeida apresenta uma mostra colectiva que tem por objectivo dar a conhecer ao público os trabalhos executados pelos seus alunos, com vista a incentivar o seu talento, empenho e desenvolvimento artístico

Fevereiro

Pedro [email protected]

O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N

fotos: d.r.

Prunus Dulcis

Quando os dias que deixam Janeiro fora, se acrescentam de uma hora de mais luz, há uma outra luminosidade a cobrir as pequenas árvo-res caducifólias da nossa paisagem, do barrocal ao litoral. Essa planta levemente rosácea que cobre as amendoeiras, ao contrário da princesa nórdica da lenda, representa para mim o prin-cípio do fim da estação Inverno.

Nesta outra estação, a de Tavira, não há como não lembrar o poema de Álvaro de Campos (Ta-vira, 15.10.1890) que começa assim: «Cheguei finalmente à vila da minha infância./ Desci do com-boio, recordei-me, olhei, vi, comparei./(Tudo isto le-vou o espaço de tempo de um olhar cansado)./Tudo é velho onde fui novo.» (…)

~ Estofo de Maré ~

quero ficar na manhã para pescar na ria azul, a linha já lançada repousa agora na corren-

te fria. o s p e i x e s n ã o n a d a m p o r a q u i .

resta-me um livro de Hemingway que trago na mochila,

com cheiro a sandes de conserva de cavala à portuguesa.

e a paisagem que só olhos treinados neste horizonte

daqui, conseguem perceber como se mo-difica.

Postais da Costa Sul

Aqui neste lugar da costa sul onde me exilei para vos mandar postais, não posso ver cam-pos de trigo a perder de vista, nem tão pouco olhando para as serras me é difícil adivinhar o seu ponto mais alto. Se caminho entre grupos de árvores consigo sempre ver o que está para lá delas. Mais de dois carros em marcha lenta à minha frente, já me trazem o desespero de um engarrafamento, e prédios com mais de 4 andares causam-me vertigem mesmo com os pés no chão. Se desço o rio, observo desde a nascente à foz. Só esse imenso pranto de água azul me preenche a totalidade do olhar até à infinitude.

José Afonso

Trauteando os seus tititirriiri, o distraído e sonhador Zeca era seguido pelos cães vadios da ‘branca noiva do mar’ (nome poético para a terra da Fuzeta), no caminho que o levava, pas-sando pela doca ou parando no ‘Escandinávia bar’ (também nome de canção no lp ‘Galinhas do Mato’, 1985) a caminho da casa de Zélia… «O conhecimento da Zélia, no lugar da Fuzeta no Algarve, reconciliou-me com a água fresca e com os tons maiores. Passei a fazer canções maiores.» Refere-se a ‘Maria’, canção que se encontra em

‘Cantares de José Afonso’ (ep,Columbia,1964--1ªedição).

Faleceu a 23 de Fevereiro de 1987.

Vítor Gil Cardeira

‘Espuma Evanescente’ é o mais recente li-vro deste autor (Conceição de Tavira,1958) e terá o seu lançamento em Tavira, no Clube de Tavira (r. da liberdade, 23) pelas 17h30, de sábado 22 de fevereiro, com apresentação de Miguel Godinho e Pedro Jubilot. Numa edição da editora CanalSonora, decorrerão leituras de textos da obra e música por Orlando Al-meida (guitarra) e João Ornelas (viola). Do livro, página 32:

A passagem conforta os que não têm nadaos que procuramos que nunca encontram.A passagem é um caminho que reflecte as som-

bras do passadoenquanto dormem os inúteis sobressaltos. Há gente que precisava de mais vidas para

amaros sinuosos tremores da paixãoas escolhas impossíveis e imateriaisos labirintos claros da impotência que sopra

da juventudedifusa, larvar  e narcótica. A passagem une o que respira ilusão. Os sonhos são a realidade por cumprirquando da solidão nasce a palavra que em-

briagaque sorve o conforto incontornável das distân-

cias.Há gente que precisa de mais vidas para sofrer.

Uma Árvore

Hoje de manhã conheci uma árvore. Ali no cruzamento dos bombeiros. Como as pesso-as que habitam a cidade há tanto tempo e

que um determinado dia vimos a conhecê--las... a árvore já ali estava há tanto tempo, mas só hoje nos conhecemos. Gostei de falar com ela. Até lhe tirei uma fotografia que postei no facebook. Talvez fiquemos amigos e possamos aprofundar a nossa relação.

‘Os Pescadores’

Quando alguém nascido e criado numa cidade costeira do litoral algarvio, abre e lê pela primei-ra vez ‘Os Pescadores’ (Raul Brandão, 1923) nun-ca mais o abandonará cioso que o levem da sua biblioteca. Os hábitos e costumes do povo e as suas práticas de pesca, a descrição da atmosfera, da paisagem, da luz, dos sentidos despertos, do olfacto…surpreendem pela sua aproximação à realidade, mesmo passados tantos anos.

Brandão chegou ao Algarve no esplendor do mês de Agosto em 1922, e parece ter ficado tão enfeitiçado pelo estio destas terras levantinas, que chega mesmo a dizer: «...Teria aqui uma casa numa das vielas(…) seria um deslumbramento: no pátio caiado,(…) viver num meio adormecimento, seduzido pela luz, fora de todos os interesses e rea-lidades...» E quando parte é: «Tarde. Olho pela úl-tima vez a brancura imaculada dos terraços com o céu todo de oiro em cima e deixo com saudade esta luz e esta terra embruxada.» ….e escreve quase a segredar, tão a segredar, que terá sido mais um pensamento, muito intimo. Percebe-se pela paixão e pelo número de páginas que dedica a Olhão como foi esta a terra da costa sul que mais lhe ficou no coração «(…) este homem é um homem à parte no Algarve. Se veio de Ílhavo, como dizem, não sei, mas é o único homem arrojado des-ta costa.»

Deixou cerca de duas centenas de obras pu-blicadas, mas é através de ‘Os Pescadores’ que nunca esqueceremos a voz do mar.».

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07.02.2014  11Cultura.Sul

A Mulher que Venceu Don Juan ou As mulheres que venceram os “dones Juanes” desta vida

Da minha biblioteca

Adriana NogueiraClassicistaProfessora da Univ. do [email protected]

“A SOMBRA DA GUERRA”8 FEV | 16.00 | Biblioteca Municipal de LagosApresentação do livro de Pedro Cantinho Pereira. Mi-lhões de soldados anónimos esfumaram-se em cin-zas, levando com eles sofrimentos incomensuráveis e inconfessáveis, e onde os agressores, quantas vezes, se transformaram em vítimas dos seus próprios actosAg

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“CONCERTO DE PIANO POR ANTÓNIO OLIVEIRA8 FEV | 21.30 | Cine-Teatro LouletanoNo âmbito das comemorações do centenário do nas-cimento de Maria Campina vão ser interpretadas por António Oliveira músicas de alguns compositores preferidos da pianista

Teresa Martins Marques é professora na Faculdade de Le-tras da Universidade de Lisboa e conhecida ensaísta no meio académico, sobretudo pelos trabalhos sobre José Rodrigues Miguéis e David Mourão-Ferrei-ra. Em 2009 escreveu um conto, «Carioca de café», que já deixava antever a fluência da escrita, o mundano e o erudito fundidos nas personagens, tal como po-demos encontrar neste seu pri-meiro romance, A Mulher que Venceu Don Juan.

Don Juan e Doña Juana

Inicialmente publicado em forma de folhetim no Facebook, ganhou nova forma, de modo a tornar-se num romance consis-tente, sem deixar de lado a estru-tura em pequenos capítulos que deixam o leitor em suspenso até que a história que cada um deles conta se complete mais adiante na narrativa.

Neste livro não há apenas uma voz, pois vamos acompanhando a vida das personagens de diver-sas maneiras: através de diários, de pensamentos, de cartas e de comentários do narrador, que se vai transformando ao longo das 324 páginas, ora contando--nos tudo, ora fazendo-nos adi-vinhar que há muito mais para saber, até à revelação final, que liga todas as pontas que foram sendo soltas pelo livro.

De que trata, afinal, esta his-tória?

O título e as epígrafes reme-tem para a personagem de Don Juan, o sedutor sem escrúpulos, que abandona as mulheres de-pois de as enganar, mas neste ro-

mance não são apenas os homens que seduzem e aban-donam: as mulheres também o fazem. Joana (nome que já por si remete para o feminino “Doña Juana”, como, aliás, a jovem al-gumas vezes é tratada) é uma conquistadora de corações, uma destruidora de felicidade alheia, e assim se mantém até ao fim, sem remissão. Esta é uma das ca-racterísticas mais marcantes das personagens, que nos faz pensar que não se deve esperar que as pessoas mudem, porque, no seu mais íntimo, elas não o fazem.

Facto e ficção

Talvez por resultar de uma pu-blicação no Facebook que terá sido lida e comentada por ou-tros membros desta rede social, ou apenas por opção da autora, muitos lugares e personagens são reais (se bem que ali, no li-vro, não deixam de ser criação literária), de Lisboa ao Porto, de Buenos Aires ao Rio de Janeiro, de Trás-os-Montes ao Algarve. Por aqui circulam conhecidos professores da Faculdade de Le-tras de Lisboa e intelectuais, aqui se explica muita história e filo-sofia (Kierkegaard e o seu Diário

do Sedutor são mesmo o alvo de uma tese de doutoramento de uma das personagens), aqui se aprende muita psicologia.

Dos lugares, destaco, natu-ralmente, o Algarve, onde Rui e Marinela Soares, de Tavira, são os anfitriões de Luís e Sara (as personagens principais). Todo um capítulo (e um bocadinho de outro) é passado nesta cida-de (da página 147 à 167), mos-trando ao leitor a região, locais como a Ilha de Tavira, Praia do Barril ou Santa Luzia, alguns monumentos como a Igreja da Misericórdia, espaços como a Biblioteca Álvaro de Campos e algumas delícias gastronómicas, como o polvo ou a flor do sal. É destacada a intensa atividade da Associação Internacional de Pa-remiologia, presidida por Rui So-ares, aproveitando a autora para nos “piscar o olho” e fazer uma passagem discreta pela história (lembrando Hitchcock a fazer de figurante nos seus filmes):

«– A única história que co-nhecemos ligada ao Convento das Bernardas é a da bastarda

de D. João VI, que a Teresa Mar-tins Marques nos veio há tempos contar.

Luís perguntou:– A Teresa também esteve cá?

Ela já me contou essa história.(…) Sara olhou para Luís com

ar intrigado. Quem seria essa Te-resa? Mas a boa educação impe-diu-a de perguntar.» (p.154-5)

As mulheres que venceram os “Dones Juanes” desta vida

Espero que a minha afir-mação de há uns parágrafos não dê a entender que o livro mostra que não há esperan-ça na mudança: esta ocorre, sim, mas apenas naqueles que querem modificar as suas cir-cunstâncias, naqueles que lu-tam, que pedem ajuda e apoio para conseguir alterar o curso que as suas vidas estão a levar. Apesar de também haver uma personagem masculina que está numa situação algo semelhan-te e uma outra que de agressor passa a agredido, a maioria são mulheres, vítimas de violência

doméstica: «A Odete apanhou o marido a violar a irmã mais nova. Foi denunciá-lo à polícia e teve de fugir de casa. A Maria levou anos e anos a levar pan-cada do marido bêbado e foi a filha que a levou à esquadra. A Antónia era manipulada por um namorado violento que a obrigada a prostituir-se. A Mar-ta vivia com um drogado que a sovava sempre que estava de ressaca» (p.133).

Na verdade, quem venceu Don Juan não foi apenas a Sara, ou a Lúcia, ou a Manuela: foram as Odetes, as Marias, as Antónias e as Martas, que conseguiram interromper percursos de vio-lência.

Para o sucesso deste feito, demonstra-se que o recurso à polícia e à APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima) são fundamentais. Há uma evi-dente preocupação em frisar a importância da colaboração entre estas entidades. A polícia é aqui representada por um co-missário empenhado em apa-nhar os agressores e a APAV

por uma psicóloga dedicada a cuidar das vítimas.

Nota-se um especial cuidado com as informações que são prestadas, não só nas inúmeras referências culturais, como nes-te aspeto específico, de modo que este livro possa também ser motivacional: que aqueles e aquelas que são vítimas de violência, quer doméstica, quer no trabalho ou na escola, não tenham vergonha nem medo de denunciar, pois a vergonha e o medo são algumas das armas usadas pelos agressores para perpetuarem o seu domínio.

Como diz Manuela (a tipifi-cação da jovem sensata): «Sabia, com uma sabedoria intuitiva, mas certeira, que não se forçam sentimentos, que não se empur-ram situações amorosas. Gostar de alguém começa por ser uma forma de respeito» (p.116).

Nota: este livro vai ser apresentado no Salão Nobre da Câmara Municipal de Tavira,

às 17.30 do próximo sábado,dia 8 de fevereiro.

d.r.

Page 12: CULTURA.SUL 66 - 7 FEV 2014

07.02.2014 12 Cultura.Sul

Num texto de reflexão so-bre lugares patrimonializa-dos, que publicou faz agora 11 anos1, o professor Vítor Oliveira Jorge distinguia três categorias de perceção do território. «Espaço», cor-respondendo a uma reali-dade física mais ou menos extensa, suscetível de ser cartograda, administrada, subdividida, objeto de tran-sações, convertida num ativo financeiro. «Lugar», corres-pondendo a uma realidade percecionada, repleta de nomes, experiências, narra-tivas, densa de história, de tempos e de sentidos, com uma espessura antropoló-gica de pessoas concretas e memórias. «Sítio», situável entre as duas precedentes categorias e correspondendo a uma invenção da moderni-dade, fixando vivências, nar-rativas e passados ao espaço abstrato, tornando-o um recurso cultural convertível num produto suscetível de ser experienciado e fruído por todos.

No Algarve, o Estado Por-tuguês administra direta-mente um conjunto destes «sítios», mediante a sua «afe-tação» à Direção Regional de Cultura do Algarve, feita por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da cul-tura. Isto é, o Estado assegu-ra a administração pública desses imóveis através de um serviço periférico de tutela.

São imóveis classificados como bens culturais de grau nacional, preservados e pre-

parados de forma a possi-bilitar que neles se cruzem públicos diversificados, es-tudantes, visitantes, turistas. Nesse rol se incluem o Caste-lo de Aljezur, a Fortaleza de Sagres, a Ermida de Nossa Senhora de Guadalupe, os Monumentos Megalíticos

de Alcalar, a Villa romana da Abicada, o Castelo de Pa-derne, o Castelo de Loulé e a Villa romana de Milreu.

Esses oito sítios museogra-fados e os equipamentos que lhes estão associados (infra-estruturas museográficas e centros de receção e inter-pretação) desempenham um papel incontornável na pro-

gramação de atividades de extensão cultural: na media-ção de saberes, na conceção e curadoria de exposições, na qualificação das experiências de visita turística, na mobili-zação de recursos, mormente voluntariado, e na angaria-ção de financiamentos.

Para esse conjunto de sítios afetos, a Direção Regional de Cultura do Algarve criou a marca «Monumentos do Al-garve, Bons Momentos». Este é o mote de toda uma agen-da de atividades de extensão cultural que se configuram como projetos educativos e pedagógicos, compreenden-do iniciativas com públicos escolares e juvenis, ações de difusão de conhecimentos e fruição dos sítios, privilegian-do a boa articulação entre a Direção Regional de Cultura e outras entidades que pros-sigam políticas educativas e de inclusão social, maximi-zadas através de protocolos e de apoios pontuais ao asso-ciativismo regional e incen-tivando o voluntariado. Isto porque os «sítios patrimo-niais» têm que ser espaços de aprendizagem mas também de fruição e de bem-estar.

1 Os sítios arqueológicos

como heterotopias.

In: «Olhar o Mundo

como Arqueólogo».

Coimbra: Quarteto Editora,

fevereiro de 2003,

pp. 147-162.

Direção Regionalde Cultura do Algarve

Bons momentosd.r.

A Direção Regional de Cultura do Al-garve criou a mar-ca «Monumentos do Algarve, Bons Momentos», mote de uma agenda de atividades de ex-tensão cultural que inclui a mediação de saberes, contem-plando a educação para o património e para as artes e a inclusão social, a conceção e curado-ria de exposições, a qualificação das ex-periências de visita turística e a mobi-lização de recursos

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