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BATIMETRIA DO LAGO CAÇÓ – MA: DEFINIÇÃO DO ESPELHO D’ÁGUA DO LAGO NOS ÚLTIMOS 21.000 ANOS AP UTILIZANDO FERRAMENTAS DE GEOPROCESSAMENTO CAÇÓ LAKE BATHYMETRY: SURFACE LAKE ÁREA IN THE LAST 21,000 YEARS BP USING GEOPROCESSING TOOLS Brandina de Amorim 1 ; Bruno Turcq 1,2 , Ana Luiza Spadano Albuquerque 1 e Abdelfettah Sifeddine 1,2 1 PPG em Geoquímica Ambiental, UFF([email protected] ); 2 IRD-França ([email protected] ) 1. Introdução O lago Caçó está localizado no estado do Maranhão, próximo aos lençóis maranhenses e às sedes dos municípios de Barreirinhas, Urbano Santos e Humberto Campos, aproximadamente a 100km do litoral. A variação do nível do lago, nos últimos 21.000 anos AP, foi estimada por Nascimento (2003) utilizando as diatomáceas como marcadores de paleonível. Variações ambientais utilizando outros marcadores também foram reportadas por outros pesquisadores (SIFEDDINE et al. 2003, ZOCATELLI, 2005 e CARDOSO, 2004). Conforme estes autores, nos últimos 21.000 anos AP o lago Caçó apresentou variação de nível, desde o seu surgimento, até o presente, em função das variações climáticas que ocorreram neste período. Nascimento (2003) destaca nove fases relacionadas ao nível do lago: Fase I (21.000 a 18.200 anos cal. AP): quando o lago ainda estava se formando, apresentando-se como um sistema fluvial lótico no início e a partir de 20.090 anos cal. AP marcou o início da fase lacustre do lago; Fase II (18.200 e 16.200 anos cal. AP): caracterizado por uma fase mais úmida e um aumento gradual do nível do lago (~6m); Fase III (16.200 a 14.900 anos cal. AP): ocorreu um aumento no nível do lago na ordem de 3 metros em conseqüência de um período ainda mais úmido (~9m); Fase IV (14.900 a 13.280 anos cal. AP): o lago experimenta seu apogeu, com águas mais profundas alcançando, provavelmente, 10 m; Fase V (13.280 a 12.600 anos cal. AP): o lago diminui gradualmente seu nível em função do clima mais seco e mais frio (~9m); Fase VI (11.500 a 6990 anos cal. AP): período caracterizado por um lento aumento da umidade, mantendo o nível do lago (~6m); Fase VII (6.990 a 5.050 anos cal. AP): ocorre um aumento rápido do nível do lago, estando o mesmo associado à intensificação de ocorrência do fenômeno El Niño (~10m); Fase VIII (5.050 a 3.990 anos cal. AP): período úmido, mas de inconstância climática, com fases prolongadas de seca, provocando oscilações no nível do lago (~8m); Fase IX (3.990 anos cal. AP até a atualidade): o clima permanecia mais úmido propiciando aumento do nível do lago, chegando a, aproximadamente, 9 metros. No entanto, a falta da batimetria associada ao relevo da bacia hidrográfica do lago restringia a reconstrução do seu espelho d’água. Assim, com o objetivo de estimar as áreas do espelho d’água do lago Caçó, bem como o seu volume, foi realizado um levantamento batimétrico no lago que, associado a dados de relevo na região e utilizando ferramentas de geoprocessamento, permitiu definir as curvas de variação do volume e da área com a cota do terreno em relação ao nível médio do mar, na atualidade. Com as informações geoprocessadas foi possível estimar os espelhos d’água do lago Caçó em suas diversas fases, nos últimos 21.000 anos cal. AP, demonstrando que as ferramentas de geoprocessamento e de sensoriamento remoto são fundamentais nas análises paleoambientais em escala regional. 2. Metodologia Estudos paleoambientais: os estudos sobre os paleoníveis do lago Caçó (NASCIMENTO, 2003) foram agrupados em profundidades, descritas a seguir:

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BATIMETRIA DO LAGO CAÇÓ – MA: DEFINIÇÃO DO ESPELHO D’ÁGUA DO LAGO NOS ÚLTIMOS 21.000 ANOS AP UTILIZANDO FERRAMENTAS

DE GEOPROCESSAMENTO CAÇÓ LAKE BATHYMETRY: SURFACE LAKE ÁREA IN THE LAST 21,000 YEARS BP

USING GEOPROCESSING TOOLS Brandina de Amorim1; Bruno Turcq1,2, Ana Luiza Spadano Albuquerque1 e Abdelfettah Sifeddine1,2

1PPG em Geoquímica Ambiental, UFF([email protected]); 2IRD-França ([email protected]) 1. Introdução O lago Caçó está localizado no estado do Maranhão, próximo aos lençóis maranhenses e às sedes dos municípios de Barreirinhas, Urbano Santos e Humberto Campos, aproximadamente a 100km do litoral. A variação do nível do lago, nos últimos 21.000 anos AP, foi estimada por Nascimento (2003) utilizando as diatomáceas como marcadores de paleonível. Variações ambientais utilizando outros marcadores também foram reportadas por outros pesquisadores (SIFEDDINE et al. 2003, ZOCATELLI, 2005 e CARDOSO, 2004). Conforme estes autores, nos últimos 21.000 anos AP o lago Caçó apresentou variação de nível, desde o seu surgimento, até o presente, em função das variações climáticas que ocorreram neste período. Nascimento (2003) destaca nove fases relacionadas ao nível do lago:

Fase I (21.000 a 18.200 anos cal. AP): quando o lago ainda estava se formando, apresentando-se como um sistema fluvial lótico no início e a partir de 20.090 anos cal. AP marcou o início da fase lacustre do lago; Fase II (18.200 e 16.200 anos cal. AP): caracterizado por uma fase mais úmida e um aumento gradual do nível do lago (~6m); Fase III (16.200 a 14.900 anos cal. AP): ocorreu um aumento no nível do lago na ordem de 3 metros em conseqüência de um período ainda mais úmido (~9m); Fase IV (14.900 a 13.280 anos cal. AP): o lago experimenta seu apogeu, com águas mais profundas alcançando, provavelmente, 10 m; Fase V (13.280 a 12.600 anos cal. AP): o lago diminui gradualmente seu nível em função do clima mais seco e mais frio (~9m); Fase VI (11.500 a 6990 anos cal. AP): período caracterizado por um lento aumento da umidade, mantendo o nível do lago (~6m); Fase VII (6.990 a 5.050 anos cal. AP): ocorre um aumento rápido do nível do lago, estando o mesmo associado à intensificação de ocorrência do fenômeno El Niño (~10m); Fase VIII (5.050 a 3.990 anos cal. AP): período úmido, mas de inconstância climática, com fases prolongadas de seca, provocando oscilações no nível do lago (~8m); Fase IX (3.990 anos cal. AP até a atualidade): o clima permanecia mais úmido propiciando aumento do nível do lago, chegando a, aproximadamente, 9 metros.

No entanto, a falta da batimetria associada ao relevo da bacia hidrográfica do lago restringia a reconstrução do seu espelho d’água. Assim, com o objetivo de estimar as áreas do espelho d’água do lago Caçó, bem como o seu volume, foi realizado um levantamento batimétrico no lago que, associado a dados de relevo na região e utilizando ferramentas de geoprocessamento, permitiu definir as curvas de variação do volume e da área com a cota do terreno em relação ao nível médio do mar, na atualidade. Com as informações geoprocessadas foi possível estimar os espelhos d’água do lago Caçó em suas diversas fases, nos últimos 21.000 anos cal. AP, demonstrando que as ferramentas de geoprocessamento e de sensoriamento remoto são fundamentais nas análises paleoambientais em escala regional. 2. Metodologia Estudos paleoambientais: os estudos sobre os paleoníveis do lago Caçó (NASCIMENTO, 2003) foram agrupados em profundidades, descritas a seguir:

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� ~10m: Fases IV e VII � ~09m: Fases III, V, IX � ~08m: Fase VIII � ~06m: Fases II e VII � ~00m ou sem o lago: Fase I

Obtenção de dados de relevo: o relevo da região foi obtido através dos dados SRTM3 (Shutle Radar Topography Mission), disponível para download no site da NASA-USA (National Aeronautics and Space Administration), no formato hgt. Estes dados foram adaptados em formato tif pela EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias), através do projeto Brasil em Relevo, também disponível para download. Definição do contorno do lago: o contorno foi obtido através de imagem disponível no Google Earth a qual foi georreferenciada com o Global Mapper, sendo o mesmo digitado manualmente. Levantamento sísmico: um levantamento do perfil de sedimento no fundo do lago foi feito em 1995 utilizando um equipamento de sísmica, o qual forneceu, também, informações sobre a profundidade do lago. No entanto, neste levantamento não havia referência em relação ao relevo da região e não foi feito o levantamento próximo à entrada do rio principal. Levantamento batimétrico: foi realizado um levantamento batimétrico, utilizando um Ecobatímetro e um GPS. Com os dados foi possível elaborar isolinhas de profundidade do lago em relação ao nível médio do mar. Associação dos dados de batimetria com os dados de relevo: utilizando o software Global Mapper foi possível transformar os dados do formato hgt para dados tabulares em formato ASC. Juntou-se estes dados com os dados de batimetria, obtendo-se uma grade regular de pontos xyz, contendo as coordenadas e a elevação. Novamente utilizando o Global Mapper foi possível gerar um arquivo arcgrib para ser lido no ArcGis, no qual foram definidas as isolinhas através da geração de grade triangular e calculado as áreas e volumes para cada profundidade. Na Figura 1 pode-se ver a associação dos dados e a Figura 2 mostra a curva cota área volume do lago Caçó.

Figura 1. Composição de dados de batimetria e relevo Figura 2. Curva Cota – Área – Volume do Caçó

3. Resultados e discussão Com as informações obtidas foi possível obter o espelho d’água em cada fase do lago, durante os últimos 21.000 anos AP, conforme mostra a Figura 6. Observa-se que nas fases II e VI ocorre a formação de dois pequenos lagos os quais desaparecem quando passa para as fases subseqüentes, ou seja, fases III e I, enquanto que na fase

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VIII, quando o lago estava com aproximadamente 8m, observa-se a formação de apenas um lago, não ocorrendo separação no corpo d’água principal. Vale ressaltar que o nível do lago nesta última década apresenta um valor diferente daquele proposto por Nascimento (2003) quando se refere à atualidade, variando entre 10 a 11m de profundidade. No entanto, quando se refere ao nível do lago na atualidade (Fase IX) pode-se considerar que a profundidade proposta é uma média para o período.

(a) Fase I (b) Fases II e VI (~6m)

(c) Fase VIII (~8m) (d) Fases III, V e IX (~9m)

(e) Fases IV e VII (~10m) Figura 3. Espelhos d’água do Lago Caçó em suas diversas fases

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Na Tabela 1 pode-se observar a relação das áreas dos espelhos d’água e seus respectivos volumes em cada fase nos últimos 21.000 anos. O cálculo destes volumes não levou em consideração a variação da camada de sedimento no fundo do lago durante os 21.000 anos cal. AP, sendo assim, um valor aproximado. Tabela 1. Relação dos espelhos d’água e volumes no lago Caçó-MA nos últimos 21.000 anos cal. BP

Fase* Período Volume (m3) Área (km2) Fase I 21.000 a 18.200 anos cal. BP - - Fase II 18.200 à 16.200 anos cal. BP 1.036.149,5 3,26 Fase III 16.200 a 14.900 anos cal. BP 2.000.788,06 7,53 Fase IV 14.900 a 13277 anos cal. BP 2.564.288,00 9,81 Fase V 13.200 a 12.500 anos cal. BP 2.000.788,06 7,53 Fase VI 12.500 a 6.900 anos cal. BP 1.036.149,5 3,26 Fase VII 6.900 a 5.050 anos cal. BP 2.564.288,00 9,81 Fase VIII 5.050 a 3.980 anos cal. BP 1.538.748,38 5,79 Fase IX 3.090 anos cal. BP ao Presente 2.000.788,06 7,53

*Fases conforme Nascimento (2003) 4. Conclusão A redução ou aumento do espelho d’água e do volume de lagos é conseqüência direta de mudanças climáticas, sejam elas naturais ou antrópicas, afetando os diversos usos da água. Com os estudos paleoambientais em lagos é possível dimensionar conseqüências de longo prazo das mudanças climáticas sobre um corpo hídrico e, conseqüentemente, auxiliar na tomada de decisão dos gestores dos recursos hídricos. O geoprocessamento e o sensoriamento remoto tornaram-se ferramentas fundamentais de apoio a diversas atividades, principalmente àquelas relacionadas ao planejamento e à identificação de impactos provenientes de alterações no meio ambiente, sejam estas de curto ou longo prazo. 5. Referências bibliográficas Sifeddine, A., Albuquerque, A. L. S., Ledru, M. P., Turcq, B., Knoppers, B., Martin, L., Mello, W. Z.,

Passenau, H., Dominguez, J. M. L., Cordeiro, R. C., Abraão, J. J., Bittencourt, A. C. S. P. 2003. A 21000 cal years paleoclimatic record from Caçó Lake, northern Brazil: evidence from sedimentary and pollen analyses. Paleogeography, Paleoclimatology, Paleoecology. 168: 25-34;

Nascimento, Lilian Rodriguez. 21.000 anos de registros das mudanças paleoambientais na região da

lagoa do Caçó (Maranhão-Brasil) inferidas através de diatomáceas. Niterói, 2003. 206f. Tese (Doutorado em Geociências – Geoquímica) – Departamento de Geoquímica, Universidade Federal Fluminense, Niterói. 2003;

Zocatelli, Renata Oliveira. Composição da matéria orgânica em função de eventos paleoclimáticos na

lagoa do Caçó, MA, Brasil. Niterói, 2005. 106f. Dissertação (Mestrado em Geociências – Geoquímica) – Departamento de Geoquímica, Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2005;

Cardoso, André Gustavo Assumpção. Niterói, 2004. 127f. Reconstrução paleoambiental na lagoa do

Caçó (Maranhão – Brasil) durante os últimos 21.000 anos AP por marcadores e processos

inorgânicos sedimentares. Tese (Doutorado em Geociências – Geoquímica) – Departamento de Geoquímica, Universidade Federal Fluminense. Niterói – RJ.