ambiental - ecologia economia verde

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E D I T O R I A L

Caros amigos,

Pode-se desvincular “mudança climática” de “Economia Verde

e sustentabilidade”? Nem os cada dia mais desacreditados “cé-

ticos do aquecimento global”conseguem sacar argumentos para

justificar a bizarrice de tal divórcio. Por isso mesmo, os debates

centrais e periféricos da Rio+20 não poderão se furtar à análise

do modelo de desenvolvimento consubstanciado no “mercado”,

entidade responsável pela crise econômico-financeira e pela per-

petuação das iniqüidades socioambientais. Por isso não ficarão

de fora dos painéis oficiais e paralelos as questões de segurança

energética, alimentar, hídrica, climática, bioecológica e social.

A Rio+20 não deve nem pode se transformar apenas numa feira

de alavancagem de “negócios verdes” – intenção de boa parte

da governança global ao alegar que o momento de “crise” não

permite acelerar a transição rumo à uma era de equilíbrio entre

Planeta e sustentabilidade. Embora a governança global conti-

nue a avalizar o “mercado” e a infringir mais ansiedade e pobre-

za nas sociedades, ela já não se consegue enfiar goela abaixo da

opinião pública seus deletérios argumentos. A Economia Verde

– nascida como business – agora se revela fundamental para nos

levar ao patamar da gestão consciente e sustentável do consu-

mo. As propostas a ser analisadas na Rio+20 deverão brindar

soluções para reverter a grande contradição embutida no está-

gio atual da Economia Verde: a de que ela só produz riqueza

quando há escassez de recursos naturais. Ou seja, livrá-la das

garras especulativas do “mercado”. Cabe sobretudo à sociedade

civil desmascarar a armadilha dos que cooptam e desvirtuam as

potencialidades da Economia Verde para ganho próprio – não

para o bem-estar geral.

Como ponderam os autores dos artigos selecionadas para esta

edição, a Rio+20 só se transformará numa alavanca de mudan-

ças com o apoio da sociedade civil bem informada e, agora, do-

tada de efetivo poder de pressão e ação graças às redes sociais.

A Rio+20 é nos oferece a chance de imprimirmos um novo rumo

a nosso destino na Terra.

Helio Carneiro

Editor

Editada e impressa no Brasil.

A Revista Cidadania & Meio Ambiente nãose responsabiliza pelos conceitos e opiniõesemitidos em matérias e artigos assinados.

A revista Cidadania & Meio Ambienteé uma publicação da Câmara de Cultura

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Cidadania & Meio Ambiente tambémpode ser lida e/ou baixada em pdf no

portal www.ecodebate.com.br

ISSN217-630X

038977217763007

Colaboraram nesta edição

Achim SteinerAdrian G. White

Alan AtKissonAndré Giacini de Freitas

Camila MorenoCEPAT

Cesar SansonHans HerrenIgnacy Sachs

Instituto Humanitas Unisinos (IHU)João Peres (Rede Brasil)

Kathleen RogersMichael Löwy

PNUDProf Mohan Munasingh

Raquel JuniaRicardo Luis Mascheroni

Severn Cullis-SuzukiUNEP/GRID-Arendal

Diretora

Editor

Subeditor

Projeto Gráfico

Regina [email protected]

Hélio [email protected]

Henrique [email protected]

Lucia H. [email protected]

Page 5: Ambiental - Ecologia Economia Verde

Nº 38 – 2012– ANO VII

Capa: UN Photo/Parque Kibae - Corea

RUMO À RIO+20

Índice Global de irradiação UV 2012

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Linha do tempo do cinismo ambientalConfira o histórico dos acordos ambientais, da privatização da natureza pelo modelo capitalista e osverdadeiros móbiles embutidos no discurso da Economia Verde. Por Raquel Junia

Reflexões sobre o Dia da TerraO sucesso ou o fracasso das políticas de preservação do planeta dependem menos de ações dosgovernos e mais da decisão e da consciência dos povos. Por Ricardo Luis Mascheroni

Planeta habitável: o maior desafio humanoSegundo o biólogo, a Terra deve ser administrada como o sistema biofísico que é, e deixar deexaurir os recursos naturais finitos, antes que seja tarde demais. por Thomas Lovejoy

Rio+20 e a propaganda da Economia VerdeA Economia Verde nada mais seria que o capitalismo de mercado traduzindo em lucro erentabilidade propostas técnicas verdes bastante limitas. Entrevista com Michael Löw

As florestas na Rio+20A liquidação das florestas tropicais e subtropicais precisa ser sustada se quisermos uma EconomiaVerde. Confira como isso ainda é possível via certificação florestal. Por André Giacini de Freitas

Economia Verde + felicidade nacional = mundo sustentávelEconomia Verde e Felicidade Nacional revela as diferenças entre crescimento que enriquece eempobrece, alicerçando o advento de uma nova era de sustentabilidade. Por Alan AtKisson

A transição para uma economia verdeA Cúpula do Rio poderá marcar um ponto de virada nos assuntos globais, um momento em que aestabilidade ambiental seja transformada em realidade. Por Achim Steiner

As mulheres devem liderar a Economia VerdeConfira porque a autora advoga a participação das mulheres na construção de uma nova sociedade,já que elas estão na linha de frente das mudanças climáticas. Por Kathleen Rogers e PNUD

Não há desenvolvimento sustentável sem alimento para todosO alimento é uma necessidade humana, não um produto sujeito às especulações do mercadointernacional, que lucra com a fome de mais de 1,5 bilhão de indivíduos. Por Hans Herren

Objetivos de Consumo do Milênio – nova esperançaConfira porque a iniciativa OCM, a ser debatida no Fórum da Rio+20, pode ajudar a preservar oplaneta, proteger os pobres e promover a prosperidade. Por Prof Mohan Munasingh:

O “Brasil Grande” que pensa pequenoÀs vésperas da Rio+20, esta análise alinhava os pontos que indicariam um retrocesso na agendasocioambiental do país. Por IHU, CEPAT e Cesar Sanson

O protagonismo dos emergentesSob o álibi da crise econômico-financeira mundial, as nações ricas não irão levar propostasinovadoras à conferência da ONU sobre desenvolvimento sustentável. Por Ignacy Sachs

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Linha do tempo

Por Raquel Junia

Em sua palestra “Rio+20: a quem serve a Economia Verde?”, a pesqui-

sadora Camila Moreno traça um detalhado histórico dos acordos ambi-

entais, da privatização da natureza pelo modelo capitalista e analisa os

verdadeiros móbiles embutidos no discurso da Economia Verde.

Quase ninguém mais consegue ne-gar que o mundo vive hoje umacrise ambiental – poluição do ar,

do solo, das águas, extinção de espécies,inundações, desabamentos, falta d’água –enfim, inúmeras evidências de que há umdesequilíbrio no meio ambiente. Mas oque pode ainda não estar tão claro é que,apesar de perversa para a maior parte daspessoas, a destruição dos bens naturaispode gerar lucros para uma minoria. Ecomo isso acontece?

“Se existisse floresta por todos os lados, al-guém pagaria por um espaço para que asararas pudessem se reproduzir? Se tivesseágua limpa por todos os cantos alguém pa-garia por água?”, indaga a pesquisadoraao explicar que a Economia Verde carrega a

grande contradição de só produzir riquezaquando há escassez dos recursos naturais.

“Para falar de Economia Verde e Rio+20,primeiro temos que falar sobre o que é umaConferência das Nações Unidas – lançaCamila Moreno, coordenadora de susten-tabilidade da Fundação Heinrich Böll e ob-servadora atenta das convenções sobre cli-ma e biodiversidade das Nações Unidas.

A Organização das Nações Unidas surgiuem 1944, em substituição à Liga das Na-ções, que Camila comprara a uma reuniãodos super-heróis de desenho animado em-penhados em “salvar o mundo do mal”.“Depois da 2ª Guerra Mundial é impossí-vel pensar o mundo sem multilateralismo.Na ONU cada país tem direito a um voto.

Em tese, o voto de um país africano vale omesmo que o voto da Alemanha ou daFrança. Mas a estrutura montada paragovernar o mundo vem passando por pro-fundas transformações e sendo profunda-mente questionada. A formação de gruposde países – como os G7 e G20 –, alterou acorrelação de forças dentro das NaçõesUnidas, dando mais poder às grandes po-tências”, explica Camila.

Transformações também ocorreram no concei-to “economia”, fato fundamental para a com-preensão da proposta de “Economia Verde”.Camila observa que o vocábulo economia pro-vem do grego ‘oikos’, que significa cuidar dacasa, gerir o abastecimento, garantir a alimen-tação, o plantio, etc. O dinheiro, símbolo daeconomia atual, nem sempre se apresentou na

do cinismo ambiental

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forma de papel ou moedas, como hoje. “Aolongo da história foram utilizadas conchas,sementes de cacau, pecinhas de cerâmica eoutros artifícios para que as pessoas trocas-sem e o valor nas trocas permanecesse está-vel”. Mas as ideias econômicas ligadas a cres-cimento fazem parte da história mais recente.“Quando se pensa em oikos não se pensa emderrubar a casa dos outros, ocupar e passarpor cima, e ir crescendo e acumulando”.

LINHA DO TEMPO

Camila destaca vários momentos importan-tes para compreender o mundo que chega àRio+20 com a proposta oficial da Econo-mia Verde como solução para a crise mun-dial. Seguindo a linha do tempo, a pesqui-sadora ressalta a realização da Conferênciade Bretton Woods – quando foram criadoso Banco Mundial e o Fundo Monetário In-ternacional (FMI) – e a Guerra Fria, que di-vidiu o mundo nos blocos socialista e capi-talista. Da mesma forma, a própria criaçãoda ONU e da Organização das Nações Uni-das para a Agricultura e Alimentação (FAO),então presidida pelo brasileiro Josué deCastro, é considerada um marco nesse pro-cesso. “Josué de Castro colocou bem cla-ro que a fome e a questão da alimentaçãodo mundo são problemas essencialmentepolíticos. Naquele momento, a estratégiada Guerra Fria – vencer o bloco comunis-ta – foi promover a Revolução Verde base-ada na ideia de transformar massivamen-te os ecossistemas do mundo em grandesmonoculturas dependentes de sementeshíbridas. Pela primeira vez na História, oscamponeses tiveram de comprar sementesa cada colheita e usar todos os químicosque sobraram da 2ª Guerra”, critica.

Entretanto, houve quem questionasse o dis-curso da Revolução Verde, como o livro Pri-mavera Silenciosa, da bióloga norte-america-na Rachel Carsons, em 1962, marco inicial domovimento ambientalista que a partir dos EUAganhou outros países. “Estudando os botosna costa da Califórnia, ela descobriu que todaa vida marinha estava profundamente conta-minada pelo uso cumulativo dos agrotóxicosque adentram a terra, permeiam o ciclo daságuas e não saem mais da natureza. Ela diag-nosticou não apenas a extinção de várias es-pécies, mas também que esses venenos quími-cos chegavam à maioria da população”.

No início dos anos 70, outra publicação tevepapel importante no processo que culminarácom a Rio+20, mas, dessa vez, corroborando o

pensamento de “privatização da natureza”.Trata-se do texto A tragédia dos Bens Comuns,de Garret Hardin, que defendia a ideia de quetudo que é público está fadado a desaparecer.É nesse contexto, segundo Camila, que se rea-liza a conferência inaugural da ONU sobre MeioAmbiente, em 1972, na cidade de Estocolmo.“Pela primeira vez esses países, no âmbitodas Nações Unidas, se juntam para pensar omeio ambiente humano. Só que um ano de-pois da Conferência, quando deveria ser lan-çada uma agenda para pensar como prote-ger o meio ambiente como um bem comum,acontece o baque da Crise do Petróleo”. Apesquisadora conta que nesse momento é cri-ada a Organização dos Países Exportadores dePetróleo (Opep), e a economia entra na épocada “financeirização”, com o término do lastromonetário em ouro. “Hoje como o dinheiro étodo virtual, como a economia internacionalestá entregue ao capital financeiro nas bol-sas de valores, o sistema econômico precisadar um salto e é esse salto que vai se cristali-zar na Rio+20, onde o esforço será o de con-vencer o mundo de que agora entramos naera do ‘capital natural’”.

Nos anos 80, continua Camila, o então presi-dente dos EUA Ronald Reagan e a primeiraministra britânica Margareth Thatcher prota-gonizaram outro momento importante ao de-fender e colocar em prática as políticas neoli-berais. As reformas implementadas pelos doisgovernantes – os “ajustes estruturais” – con-

sistiram em privatização e precarização dosdireitos dos trabalhadores. Essas medidasque transformaram todas as economias fica-ram conhecidas como “Consenso de Wa-shington”. Além dele, outro consenso tam-bém fora forjado um ano antes – o relatório“Nosso futuro Comum”, organizado pela pri-meira ministra noruguesa Gro HarlemBrundtland a pedido das Nações Unidas. Nelesurge pela primeira vez a expressão “desen-volvimento sustentável”. Camila destaca asemelhança do nome desse relatório com otítulo do documento da Rio+20: “O futuro quequeremos”. Mas a pergunta que não quercalar é: “quem queremos?” Para Camila, essaé a pergunta que devemos fazer: quem falaem nome de nós? A quem interessa?”.

A QUEDA DO MURO DE BERLIM

O ano de 1989, marcado pela queda do Murode Berlim e pelo fim da Guerra Fria, tambémé outro período fundamental para entendera conjuntura do mundo. Pouco depois, em1992, é realizada no Rio de Janeiro a Confe-rência das Nações Unidas sobre Meio Am-biente e Desenvolvimento – a ECO 92. “AConferência do Rio, sob o governo doCollor, foi a celebração da vitória de umsistema sobre o outro. Por isso trouxe aoRio 108 chefes de estado e de governo. Emnenhuma outra ocasião tantas autorida-des mundiais estiveram juntas em um mes-mo lugar. Um feito histórico até hoje ja-mais repetido”, diz. Camila. E para dar umajustificativa à sociedade civil, na Conferên-cia foram assinadas três convenções sobreclima, diversidade biológica e combate àdesertificação – os mesmos temas da pau-ta da Economia Verde. “Vinte anos depois,o que a Conferência Rio+20 oferece é: omercado do clima, da biodiversidade e dosolo”, resume a pesquisadora.

DEZ ANOS DA ECO 92

Seguindo a linha do tempo, Moreno chega a2002, à Conferência das Nações Unidas so-bre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sus-tentável, realizada, em Joanesburgo, Áfricado Sul, e também conhecida como Rio+10.Segundo a pesquisadora, a Conferência foium fracasso porque os governos tiveram quereconhecer que muito pouco fora feito em 10anos após a ECO 92. Naquele momento, asolução apresentada pelos países para osproblemas ambientais foi a “parceria públi-co-privada”, quando ganhou força a ideiade que as empresas precisam ser sócias dosgovernos para a sustentabilidade acontecer.

UN Photo/JC McIlwaine

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A Economia Verde

carrega a grande

contradição de só

produzir riqueza quando

há escassez dos

recursos naturais.

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Camila Moreno – Coordenadora de sustentabili-dade da Fundação Heinrich Böll, membro do GTde Ecologia Política do Conselho Latino-america-no de Ciências Sociais (Clacso) e do ConselhoInternacional da Red por uma America LatinaLibre de Transgenicos (RALLT). Texto produzidoa partir reportagem de Raquel Júnia, da EscolaPolitécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) sobre a aula inaugural da EPSJV/Fiocruz(22;03;2012 proferida por Camila Moreno. Textopublicado no portal EcoDebate (03/04/2012).

“Dez anos antes, na Rio 92, era impensávelque uma empresa estivesse sentada dentrodas Nações Unidas. Isso mudou drastica-mente em dez anos. O setor privado e todasas instituições que visam lucro começarama se legitimar como parte do processo degovernança mundial”.

Em 2005, os movimentos sociais conquis-tam uma vitória com o plebiscito contra aÁrea de Livre Comércio das Américas(Alca). Outro evento importante, segundoCamila, foi o furacão Katrina, nos EUA, queexpôs a fragilidade do meio ambiente e daspopulações pobres às mudanças climáticas.

Em 2006, outro relatório ganha a cena: o do-cumento “A Economia das Mudanças Cli-máticas” ou “Relatório Stern”, redigido sobencomenda do governo britânico por Nicho-las Stern, ex-economista chefe do BancoMundial. Camila destaca que o documentovê oportunidades de negócios com o aque-cimento global via, por exemplo, produçãode agrocombustíveis. Segundo a pesquisa-dora, a partir desse relatório, o termo “eco-nomia de baixo carbono” começa a ganharpeso nos discursos dos governantes. Já em2008, seguindo a linha do tempo, explode acrise financeira internacional. “Recomendoque vocês assistam o filme Trabalho Interno(Inside Job), brilhante documentário sobrea formação dos economistas que conscien-temente foram cúmplices da crise financei-ra, e sobre como o sistema se aproveita dascrises para crescer. Ou seja, a crise ambien-tal não é um obstáculo ao capital, é umaoportunidade de negócios”.

Segundo Camila, a partir de então o discur-so “verde” ganha ainda mais corpo. A pes-quisadora destaca que governos mundiaisjá entraram em acordo sobre uma métricapara precificar os serviços ecossistêmicos, como polinização, ou a renovação do ar.“A bolsa de carbono é um mercado de com-pra e venda do direito de poluir o ar. Hojejá existem dois projetos de lei que tratamsobre como será a legislação para deter-minar o pagamento de serviços ambien-tais. Um deles, que supostamente vale bi-lhões, é a polinização. Mas a pergunta quenão quer calar é: como eu pago as abe-lhas? Qual é o sindicato das abelhas?Quem vai receber em nome das abelhas?”.

HEGEMONIA DOS CONSENSOS

A pesquisadora reforça o quanto o conceitode hegemonia é fundamental para compre-

ender os consensos forjados ao longo dahistória, inclusive o que se aproxima, de de-fesa da Economia Verde, na Rio+20. “A Eco-nomia Verde diz, por exemplo, que as cida-des são as mais eficientes e que é ineficienteviver no campo. Uma das tarefas da Econo-mia Verde é esvaziar o campo porque é im-possível vender pacotes tecnológicos detransmissão de energia eólica, energia so-lar e vender patentes para as pessoas dis-persas em assentamentos, para povos indí-genas e quilombolas, que usam muito pou-co dinheiro. O campo deve ser o local ondese vai produzir ecoturismo e vender paga-mento por serviços ambientais. Mais umavez, perguntas básicas que 3 não queremcalar: quem pode vender serviços ambien-tais? Quem é o proprietário da terra? Esabemos que o Brasil é o país com a maiordesigualdade em concentração de terra doplaneta. Então, quem irá vender e lucrarnovamente será o agronegócio.”

Camila encerrou sua apresentação abordan-do mais dois instrumentos de implementa-ção da Economia Verde em curso no Brasil: a

Bolsa Verde do Rio, e as recentes mudançasno Código Florestal Brasileiro. “Durantea Rio+20 haverá um evento imperdível: olançamento da Bolsa Verde do Rio. O queserá vendido? Créditos de carbono, direi-tos de emissão de efluentes químicos na Baíade Guanabara, títulos das UPPs [Unida-des de Polícia Pacificadora], porque parafazer bons negócios é preciso ter a pobrezapacificada e militarizada”, afirma.

Sobre o Código Florestal, ela explica que oprincipal capítulo da nova legislação falajustamente sobre incentivos financeiros,fator emblemático da Economia Verde. “Ocapítulo 10 especifica que cada hectarede cobertura vegetal que os proprietáriosde terra tenham poderá ser inscrito nocadastro rural. Dessa forma, será emitidauma cédula de cobertura vegetal, que oproprietário terá 30 dias para registrarna bolsa de valores, já que isso poderá sercomprado e vendido. Ou seja, a partir daaprovação do Código Florestal, o fiscaldo Ibama pode chegar em uma monocul-tura de cana de açúcar de 5 mil hectares,com trabalho escravo, e perguntar: ‘cadêa reserva legal?’ Ele vai olhar em volta enão vai ver nenhuma árvore, mas o pro-prietário vai dizer assim: ‘tá aqui o papel,aqui está a minha reserva legal, eu tenhotantos hectares no Tocantins’”.

Para a pesquisadora, esse é um prenúncio doque pode acontecer em escala mundial, em-bora ainda haja obstáculos a essa propostaque precisam ser potencializados. “Daqui aalguns anos poderá existir um mercado doque ainda resta da natureza e quem ganha-rá com a Economia Verde serão os proprie-tários dos recursos naturais. O grande obs-táculo para isso é que ainda existam no mun-do bens comuns, áreas de uso coletivo e po-vos e populações que ainda acreditem quenão é privatizando e nem através do comér-cio que se vai construir outra sociedade eoutra natureza”, conclui Camila Moreno. ■

UN Photo/Mark Garten

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Vinte anos depois,

o que a Conferência

Rio+20 oferece

é o mercado do clima,

da biodiversidade

e do solo.

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Este 22 de abril, como nos últimos 42 anos,assinala o Dia Mundial da Terra, chamado

de proposta da Bolívia em 2009, o Dia Interna-cional da Mãe Terra (em quéchua: Pachamama).

Desta vez, o dia deve adquirir um significado es-pecial em virtude do cumprimento de duas déca-das da Cúpula da Terra, no Rio de Janeiro, (RIOECO 92), evento que levou muitos a acreditar queestávamos frente ao despertar de um novo mun-do mais ecológico e menos injusto socialmente.

As esperanças e utopias em uma relação mais harmo-niosa, racional e menos agressiva ao meio ambientenão só não se concretizou como, em muitos aspectos,aprofundou a degradação, tornando a Terra um lugarde sobrevivência cada vez mais difícil, especialmentepara os habitantes dos países pobres.

Nos dias da ECO 92, o conceito de “desenvolvi-mento sustentável”, inventado por quem tem po-der de vida e de morte sobre o planeta, parecia sera varinha mágica que resolveria tudo, gerando a“terra prometida”, na qual os estreitos interesseseconômicos, a desigualdade e a destruição dariamlugar à solidariedade e à preservação ambiental.

A Rio +20 está chegando e os problemas ambi-entais igualam a obscena acumulação de riqueza,ambos em níveis recordes.

O conceito de desenvolvimento sustentável – si-nônimo de desenvolvimento econômico, desen-volvimento verde e outras variantes – nunca tevesua definição totalmenteconcluída, muito menosavançou em sua efetiva materialização e imple-mentação. Se isso tivesse sido feito, a realidadesocial e ambiental seria completamente diferente.

Na verdade, a idéia de desenvolvimento susten-tável prosperou e acima de tudo serviu comoenfeite dos discursos e declarações de uma mas-sa heterogênea de autoridades ambientais e polí-ticas, tornando-se uma cola que se estende e aco-moda todas as circunstâncias.

20 anos depois e frente ao fracasso casual oudeliberado de políticas para preservar o planeta,

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Reflexões sobre o Dia da Terra

O sucesso ou o fracasso das políticas

de preservação do planeta dependem

menos de ações dos governos e mais

da decisão e da consciência dos povos.

os responsáveis pelo desastre sabem que preci-sam atualizar conceitos e, muito especialmente,impor novos slogans numa espécie de guerracultural colonizadora para reavivar as esperan-ças e utopias de milhões de indivíduos que acre-ditam sinceramente e inocentemente que os or-ganismos internacionais, até hoje mantenedoresdo status quo da apropriação de recursos, pos-sam variar as tendências nesse sentido.

E pensar que a desacreditada ONU – que pro-vou sua ineficiência e ineficácia absolutas emresolver por meios pacíficos as muitas guerrasque proliferaram no mundo nos últimos 50 anos– possa resolver os problemas sociais e ambien-tais, é pecar por excesso de perigosa inocência.

Os dados numéricos das políticas globais ali-nhavados a seguir revelam o completo fracasso,senão o genocídio encoberto, que assola a popu-lação mundial e mostram:❚ 1,020 bilhão de indivíduos cronicamente sub-nutridos;❚ 1 bilhão de indivíduos sem acesso à água potável;❚ 1 bilhão de indivíduos “sem teto”;❚ 1,6 bilhão de indivíduos sem eletricidade;❚ 2,5 bilhões de indivíduos sem esgoto;❚ 800 milhões de indivíduos analfabetos;❚ 18 milhões de indivíduos morrendo a cada anodevido à pobreza (a maioria crianças menores decinco anos de idade).

Confrontado com estes dados de organizaçõesinternacionais somos tentados a dizer que este éo trágico saldo de 20 anos do decantado “desen-volvimento sustentável” que prevalece na Terra.

No RIO 2012, a ser realizada em junho, no Brasil,as novas criações ideológicas elaboradas, interna-lizadas e repetidas pelo poder global são “Econo-mia Verde” e “governança global”. Termos qua-se esotéricos para neófitos ou não, que delibera-damente nada têm de preciso e de interpretaçãoduvidosa para a maioria das pessoas, embora se-jam ouvidas regularmente das bocas de especia-listas, funcionários governamentais, ONGs e re-cheiem os relatórios de especialistas e jornalistas.Através da “Economia Verde” poder-se-á mensu-

rar, pesar e precificar os bens comuns (os ditos re-cursos naturais), que serão cotados nas bolsas, mo-nitorados e distribuídos pelo onipresente mercado.

Assim, o capital natural comum entra numa fase demonetização e financeirização via créditos de car-bono, sacos verdes e outras iniciativas que tornamos gestores de private equity protetores desses bens.

Quem mais tem, mais pode e, portanto, os deten-tores do poder econômico e financeiro serão osque mais se apropriarão mais destes bens semqualquer questionamento, pagando em dinheirosonante os países detentores desses assets natu-rais, mas cujas populações terão seu futuro e suaqualidade de vida comprometidos enquanto ou-tros indivíduos ficam melhor às suas custas.

Por sua vez, a “governança global” se consti-tuirá numa espécie de organismo supranacional– na esfera não das Nações Unidas – para moni-torar ou controlar o uso destes bens comuns.Uma espécie de raposa solta no galinheiro.

Tenham em mente o que acabamos de expressar everão como em um tempo não muito longo essestermos vão começar a ressoar em seus ouvidos, talcomo um canto da sereia a anunciar a boa nova deque algo está mudando em favor de Pacha Mama.

Saibam também que o poder global não faz con-cessões, muito menos está disposto a desistir deseus privilégios e regalias, tampouco às vanta-gens e satisfações que o modelo de desenvolvi-mento agressivo lhes tem garantido, embora ve-nha condenando grande parte do mundo à po-breza mais cruel e vergonhosa.

Espero que nas próximas duas décadas eu conti-nue a escrever estas reflexões, e que vocês continu-em a lê-las e para apontar meus erros e maus pres-ságios de hoje... que assumirei de bom grado. ■

Ricardo Luis Mascheroni - Docente e pesqui-sador universitário de Santa Fe - Argentina . Otexto original Reflexiones en el Día de la Terra:Hacia Río+20 foi publicado em www.ecoportal.net e em www.ecodebate.com.br (10/04/2012).

Ricardo Luis Mascheroni

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Planeta

por Thomas Lovejoy

Em um cavernoso centro de conferênci-as em Londres, tão destituído de vida

que parece um set do filme Matrix, 3.000cientistas, autoridades e membros de or-ganizações da sociedade civil reuniram-se na última semana de março de 2012 paradiscutir o estado do planeta e o que fazera respeito.

A Conferência Planeta Sob Pressão se propõea alimentar diretamente a Conferência de De-senvolvimento Sustentável da ONU, a Rio+20,em junho, 20 anos após o Encontro da Terra,que reuniu o maior número de chefes de Esta-do e produziu, entre outras coisas, duas con-venções internacionais, uma de mudança cli-mática e outra de diversidade biológica.

Não se pode dizer que nesse ínterim nadafoi alcançado ou que a compreensão cientí-fica ficou parada. Mas é óbvio que novosestudos não são necessários para se con-cluir que a humanidade fracassou em agircom a escala e a urgência necessárias.

Nos EUA, em particular, mas não exclusiva-mente, atenção demais foi dada a uma ques-tão inexistente, ou seja, se a mudança climáti-ca é real ou não. Enquanto isso, o aquecimen-

to do meio ambiente progride inexoravelmen-te, o gelo do Ártico afinou e retrocedeu aoseu menor ponto no verão, e foi associado auma primavera excepcionalmente quente naEuropa e na América do Norte, onde as floresnasceram cedo. A maior parte das pessoas sórepara em como o tempo está agradável, semter noção da marcha da mudança climática.

Desde a revolução industrial, as nações de-senvolvidas contribuíram significativamen-te para a emissão dos gases de efeito estufa(GEE). E isso levou a uma diferenciação dospaíses no Protocolo de Kyoto, originalmenteadotado em 1997, basicamente dando tempopara as nações em desenvolvimento melho-rarem suas economias antes de serem obri-gadas a tomar medidas exponenciais.

À época, a resposta dos Estados Unidosfoi abdicar de sua posição tradicional deliderança, com uma votação no Senado ba-seada na noção míope de que não haviasentido fazer nada se a China e a Índia man-tivessem suas políticas de expansão de usi-nas a carvão. Enquanto isso, a China estáfazendo um progresso mensurável em des-carbonizar sua economia, e se tornou o mai-or produtor de painéis solares no mundo.

Mas a questão diante da humanidade é, defato, maior do que a combustão de combus-tível fóssil e muito maior do que a mudançaclimática. O Instituto Ambiental de Estocol-mo resumiu muito bem a situação em umaanálise que identificou uma Terra extrapo-lando seus limites planetários de três for-mas: mudança climática, uso de nitrogênioe perda de biodiversidade.

Nitrogênio – O uso frequente e excessivode fertilizantes de nitrogênio, primariamen-te pela agricultura industrializada, poluiurios e lagos e, por sua vez, as águas costei-ras ao redor do mundo. As zonas mortasresultantes nas águas costeiras e nos estu-ários foram privadas de oxigênio e em gran-de parte estão sem vida. Elas dobraram emnúmero a cada década durante quatro dé-cadas – um aumento fatorial de 16. A quan-tidade de nitrogênio biologicamente ativono mundo é o dobro do nível natural.

Diversidade biológica – Aqui ocorre a maiorviolação perpetrada nos limites planetários.Isso porque, por definição, todos os proble-mas ambientais afetam os sistemas vivos, e adiversidade biológica integra todos eles. Re-duzir o capital biológico é pura loucura.

o maior desafio humano

habitável:

Segundo o biólogo, a Terra

deve ser administrada

como o sistema biofísico

que é antes que seja

tarde demais.

Mygothlaundry

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Fonte: GLOBIO; Alkemade et al., 2009. Cartógrafo/designer: Hugo Ahlenius, Nordpil.Link para o site: http://www.grida.no/_res/site/file/publications/FoodCrisis_l ...

Biodiversidade em percentual de espécies abundantes antes dos impactos antropogênicos

Abundância média de espécies

Impacto altoImpacto alto-médioImpacto médio-baixoImpacto baixo

0 – 2525 – 5050 – 7575 – 100 %

PERDA DE BIODIVERSIDADE

DEVIDO À CONTÍNUA EXPANSÃO DA AGRICULTURA,À POLUIÇÃO, ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

E À INSTALAÇÃO DE INFRAESTRUTURA

O planeta funciona como um sistema biofísicoque modera o clima (mundial, continental e re-gional) e forma o solo e sua fertilidade. Os ecos-sistemas oferecem uma variedade de serviços,inclusive o fornecimento de água limpa e con-fiável. A diversidade biológica é uma bibliote-ca viva essencial para a sustentabilidade. Cadaespécie representa um conjunto de soluçõesúnico para uma série de problemas biológicos,e pode ser de importância crítica ao avanço damedicina, da agricultura produtiva, da biologiaque fornece a atual sustentação para a huma-nidade e, mais importante, pode fornecer solu-ções para o desafio ambiental.

Olhando para o futuro, não temos apenas quelidar com esses problemas em escala planetá-ria, mas também encontrar formas de alimen-tar e produzir uma qualidade de vida decentepara pelo menos dois bilhões de pessoas alémdos sete bilhões que já estão aqui. Precisa-mos fazer isso sem destruir mais ecossiste-mas e perder mais diversidade biológica.

A inventividade humana deve se abrir ao de-safio. Mas tem que reconhecer o problema elidar com ele imediatamente. Em grande escala.

Um passo importante, a criação da organi-zação o “Futuro da Terra”, foi anunciadona conferência. Ela reunirá todas as disci-plinas científicas relevantes para trabalharneste que é o maior desafio na história danossa espécie. Isso é essencial porquemuitos cientistas físicos parecem cegos àimportância da biologia no funcionamentodo planeta vivo e como ela pode proversoluções críticas. A economia e as ciênciassociais também são críticas.

A história vai medir o impacto da conferên-cia do Planeta Sob Pressão e se a Rio+20vai enfrentar o desafio. Chegou a hora deentender que este planeta que nos deu aexistência deve ser administrado como osistema biofísico que é. É hora de botar asmãos no volante, não para salvar o planeta,mas para mantê-lo habitável. ■

Thomas Lovejoy – Professor de ciências e políti-ca pública na Universidade George Mason e dire-tor de biaodiversidade do Centro H. John HeinzIII de Ciência, Economia e Meio-Ambiente. Oartigo The Greatest Challenge of Our Species foipublicado no jornal International Herald Tribunee pelo IHU On-line (publicada pelo Instituto Hu-manitas Unisinos - IHU, da Universidade do Valedo Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo,RS) e pelo portal EcoDebate (09/04/2012).

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Entrevista com Michael Löwy

PARA O ECOSSOCIALISTA

MICHAEL LÖWY, A “ECO-NOMIA VERDE” É NADA MAISQUE A ECONOMIA CAPITA-LISTA DE MERCADO QUE

BUSCA TRADUZIR EM TERMOSDE LUCRO E RENTABILIDADEALGUMAS PROPOSTAS TÉC-NICAS “VERDES” BASTANTELIMITADAS.

CAROS AMIGOS – O QUE VOCÊ ESPERA DA RIO+20, TANTO DO PONTO DEVISTA DAS DISCUSSÕES QUANTO DA EFICÁCIA DE POSSÍVEIS DECISÕES TOMADAS?Michael Löwy – Nada! Ou, para ser caridoso, muito pouco, pouquíssi-mo… As discussões já estão formatadas pelo tal “Draft Zero”, que comobem diz (involuntariamente) seu nome, é uma nulidade, um zero à esquerda.E a eficácia, nenhuma, já que não haverá nada de concreto como obrigaçãointernacional. Como nas conferências internacionais sobre o câmbio climá-tico em Copenhagen, Cancun e Durban, o mais provável é que a montanhavai parir um rato: vagas promessas, discursos, e, sobretudo, bons negócios‘verdes”. Como dizia Ban-Ki-Moon, o secretário das Nações Unidas – quenão tem nada de revolucionário – em setembro 2009, “estamos com o pécolado no acelerador e nos precipitamos ao abismo”. Discussões e inicia-tivas interessantes existirão sobretudo nos fóruns Alternativos, na Contra-Conferência organizada pelo Fórum Social Mundial e pelos movimentossociais e ecológicos.

C.A – DESDE A ECO 92, HOUVE MUDANÇAS NA MANEIRA COMO OS ESTA-DOS LIDAM COM TEMAS COMO MUDANÇAS CLIMÁTICAS, PRESERVAÇÃO DAS FLO-RESTAS, ÁGUA E AR, FONTES ENERGÉTICAS ALTERNATIVAS, ETC.? SE SIM, OQUÃO PROFUNDAS FORAM ESSAS MUDANÇAS?M.L – Mudanças muito superficiais! Enquanto a crise ecológica se agrava,os governos – para começar o dos Estados Unidos e dos demais paísesindustrializados do Norte, principais responsáveis do desastre ambiental– “lidaram com o tema”, desenvolveram, em pequena escala, fontes ener-géticas alternativas, e introduziram “mecanismos de mercado” perfeita-mente ineficazes para controlar as emissões de CO2. No fundo, continuao famoso “busines as usual”, que, segundo cálculo dos cientistas, noslevará a temperaturas de 4° ou mais graus nas próximas décadas.

C.A – EM COMPARAÇÃO A 1992, A SOCIEDADE ESTÁ MUITO MAIS CIENTE DANECESSIDADE DE PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE. ESSE FATO PODERÁ INFLUIRPOSITIVAMENTE NAS DISCUSSÕES DA RIO+20?M.L – Esta sim é uma mudança positiva! A opinião pública, a “sociedadecivil”, amplos setores da população, tanto no Norte como no Sul, está cada

vez mais consciente de necessidade de proteger o meio ambiente – não para“salvar a Terra” – nosso planeta não está em perigo – mas para salvar a vidahumana (e a de muitas outras espécies) nesta Terra. Infelizmente, os gover-nos, empresas e instituições financeiras internacionais representados noRio+20 são pouco sensíveis à inquietude da população, que buscam tran-quilizar com discursos sobre a pretensa “economia verde”. Entre as poucasexceções, o governo boliviano de Evo Morales.

C.A – COMO A DESTRUIÇÃO DO MEIO-AMBIENTE RELACIONA-SE COM A DESI-GUALDADE SOCIAL?M.L – As primeiras vítimas dos desastres ecológicos são as camadassociais exploradas e oprimidas, os povos do Sul e em particular as comu-nidades indígenas e camponesas que vêem suas terras, suas florestas eseus rios poluídos, envenenados e devastados pelas multinacionais dopetróleo e das minas, ou pelo agronegócio da soja, do óleo de palma e dogado. Há alguns anos, Lawrence Summers, economista americano, numinforme interno para o Banco Mundial, explicava que era lógico, do pontode vista de uma economia racional, enviar as produções tóxicas e poluido-ras para os países pobres, onde a vida humana tem um preço bem inferior:simples questão de cálculo de perdas e lucros.

Por outro lado, o mesmo sistema econômico e social – temos que chamá-lopor seu nome e apelido: o capitalismo – que destrói o meio-ambiente éresponsável pelas brutais desigualdades sociais entre a oligarquia financeiradominante e a massa do “pobretariado”. São os dois lados da mesma moe-da, expressão de um sistema que não pode existir sem expansão ao infinito,sem acumulação ilimitada – e, portanto, sem devastar a natureza – e semproduzir e reproduzir a desigualdade entre explorados e exploradores.

C.A – ESTAMOS EM MEIO A UMA CRISE DO CAPITAL. QUAIS AS CONSEQUÊNCIASAMBIENTAIS E QUAL O PAPEL DO ECOSSOCIALISMO NESSE CONTEXTO?M.L – A crise financeira internacional tem servido de pretexto aos vários gover-nos ao serviço do sistema de empurrar para “mais tarde” as medidas urgentesnecessárias para limitar as emissões de gases com efeito de serra. A urgência do

‘Economia Verde’ E a propaganda da

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Rio20+

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momento – um momento que já dura há alguns anos – é salvar os bancos, pagara dívida externa (aos mesmos bancos), “restabelecer os equilíbrio contábeis”,“reduzir as despesas públicas”. Não há dinheiro disponível para investir nasenergias alternativas ou para desenvolver os transportes coletivos.

O ecossocialismo é uma resposta radical tanto à crise financeira, quanto à criseecológica. Ambas são a expressão de um processo mais profundo: a crise doparadigma da civilização capitalista industrial moderna. A alternativa ecosso-cialista significa que os grandes meios de produção e de crédito são expropri-ados e colocados a serviço da população. As decisões sobre a produção e oconsumo não serão mais tomadas por banqueiros, managers de multinacio-nais, donos de poços de petróleo e gerentes de supermercados, mas pelaprópria população, depois de um debate democrático, em função de doiscritérios fundamentais: a produção de valores de uso para satisfazer as neces-sidades sociais e a preservação do meio ambiente.

C.A – O “RASCUNHO ZERO” DA RIO+20 CITA DIVERSAS VEZES O TERMO“ECONOMIA VERDE”, MAS NÃO TRAZ UMA DEFINIÇÃO PARA ESSA EXPRESSÃO.NA SUA OPINIÃO, O QUE ESSE TERMO PODE SIGNIFICAR? SERIA ESSE CONCEITOSUFICIENTE PARA DETER A DESTRUIÇÃO DO PLANETA E AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS?M.L – Não é por acaso que os redatores do tal “rascunho” preferem deixaro termo sem definição, bastante vago. A verdade é que não existe “econo-mia” em geral: ou se trata de uma economia capitalista, ou de uma economianão-capitalista. No caso, a “economia verde” do rascunho não é outra coisado que uma economia capitalista de mercado que busca traduzir em termosde lucro e rentabilidade algumas propostas técnicas “verdes” bastante limi-tadas. Claro, tanto melhor se alguma empresa trata de desenvolver a energiaeólica ou fotovoltaica, mas isto não trará modificações substanciais se nãofor amplamente subvencionado pelos estados, desviando fundos que agoraservem à indústria nuclear, e se não for acompanhado de drásticas reduçõesno consumo das energias fósseis. Mas nada disto é possível sem rompercom a lógica de competição mercantil e rentabilidade do capital. Outraspropostas “técnicas” são bem piores: por exemplo, os famigerados “bio-combustíveis”, que como bem o diz Frei Betto, deveriam ser chamados“necrocombustiveis”, pois tratam de utilizar os solos férteis para produziruma pseudo-gasolina “verde”, para encher os tanques dos carros – em vezde comida para encher o estômago dos famintos da terra.

C.A – QUEM SERIAM OS PRINCIPAIS AGENTES NA LUTA POR UMA SOCI-EDADE MAIS VERDE, O GOVERNO, A INICIATIVA PRIVADA, ONGS, MO-VIMENTOS SOCIAIS, ENFIM?M.L – Salvo pouquíssimas exceções, não há muito a esperar dos governos e dainiciativa privada. Nos últimos 20 anos, desde a Rio-92, eles demonstraramamplamente sua incapacidade de enfrentar os desafios da crise ecológica. Nãose trata só de má-vontade, cupidez, corrupção, ignorância e cegueira: tudo istoexiste, mas o problema é mais profundo: é o próprio sistema que é incompa-tível com as radicais e urgentes transformações necessárias.

A única esperança então são os movimentos sociais e aquelas ONGs que sãoligadas a estes movimentos (outras são simples “conselheiros verdes” docapital). O movimento camponês – Via Campesina -, os movimentos indíge-nas e os movimentos de mulheres estão na primeira linha deste combate; mastambém participam, em muitos países, os sindicatos, as redes ecológicas, ajuventude escolar, os intelectuais, várias correntes da esquerda. O Fórum

Social Mundial é uma das manifestações desta convergência na luta por um“outro mundo possível”, onde o ar, a água, a vida, deixarão de ser mercadorias.

C.A – COMO ANALISA A MANEIRA COMO A QUESTÃO AMBIENTAL VEM SENDOTRATADA PELA MÍDIA?M.L – Geralmente de maneira superficial, mas existe um número considerávelde jornalistas com sensibilidade ecológica, tanto na mídia dominante comonos meios de comunicação alternativos. Infelizmente uma parte importanteda mídia ignora os combates sócio-ecológicos e toda crítica radical ao sistema.

C.A – ACREDITA QUE, ATUALMENTE, EM PROL DA PRESERVAÇÃO DO MEIO AM-BIENTE É DEIXADA APENAS PARA O CIDADÃO A RESPONSABILIDADE PELA DES-TRUIÇÃO DO PLANETA E NÃO PARA AS EMPRESAS? EM SÃO PAULO, POR EXEM-PLO, TEMOS QUE COMPRAR SACOLINHAS PLÁSTICAS BIODEGRADÁVEIS, ENQUAN-TO AS EMPRESAS SE UTILIZAM DO FATO DE SEREM SUPOSTAMENTE “VERDES”COMO FERRAMENTA DE MARKETING.M.L – Concordo com esta crítica. Os responsáveis do desastre ambiental tra-tam de culpabilizar os cidadãos e criam a ilusão de que bastaria que os indivíduostivessem comportamentos mais ecológicos para resolver o problema. Com issotratam de evitar que as pessoas coloquem em questão o sistema capitalista,principal responsável da crise ecológica. Claro, é importante que cada indivíduoaja de forma a reduzir a poluição, por exemplo, preferindo os transportescoletivos ao carro individual. Mas sem transformações macro-econômicas, aonível do aparelho de produção, não será possível brecar a corrida ao abismo.

C.A – QUAIS AS DIFERENÇAS NAS PROPOSTAS QUE QUEREM, DO PONTO DEVISTA AMBIENTAL, REALIZAR APENAS REFORMAS NO CAPITALISMO E AS QUEPROPÕEM MUDANÇAS ESTRUTURAIS OU MESMO A ADOÇÃO DE MEDIDAS MAIS

“VERDES” DENTRO DE OUTRO SISTEMA ECONÔMICO?M.L – O reformismo “verde” aceita as regras da “economia de mercado”,isto é, do capitalismo; busca soluções que seja aceitáveis, ou compatíveis,com os interesses de rentabilidade, lucro rápido, competitividade no merca-do e “crescimento” ilimitado das oligarquias capitalistas. Isto não quer dizerque os partidários de uma alternativa radical, como o ecossocialismo, nãolutam por reformas que permitam limitar o estrago: proibição dos transgê-nicos, abandono da energia nuclear, desenvolvimento das energias alternati-vas, defesa de uma floresta tropical contra multinacionais do petróleo (Par-que Yasuni!), expansão e gratuidade dos transportes coletivos, transferên-cia do transporte de mercadorias do caminhão para o trem, etc. O objetivodo ecossocialismo é o de uma transformação radical, a transição para umnovo modelo de civilização, baseado em valores de solidariedade, democra-cia participativa, preservação do meio ambiente. Mas a luta pelo ecossoci-alismo começa aqui e agora, em todas as lutas sócio-ecológicas concretasque se enfrentam, de uma forma ou de outra, com o sistema. ■

Michael Löwy – Cientista social, professor na Escola de Altos Estudosem Ciências Sociais, da Universidade de Paris, e autor, entre outros, de.Ideologias e Ciência Social. Elementos para uma análise marxista (SãoPaulo: Cortez, 1985) e As aventuras de Karl Marx contra o Barão deMünchhausen (São Paulo: Cortez, 1998). Entrevista concedida a Bárba-ra Mengardo (edição 180 da revista Caros Amigos) e republicada pelaIHU On-line, do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidadedo Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS, e pelo portalEcoDebate em 10/04/2012.

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O sistema atual não pode existir sem expansão

ao infinito, sem acumulação ilimitada, sem

devastar a natureza e sem produzir e reproduzir

a desigualdade entre explorados e exploradores.

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Por Andre Giacini de Freitas

A atual liquidaçãodas florestas tropicaise subtropicais preci-sa ser interrompida sequisermos rumarpara a preconizadaEconomia Verde.Confira como issoainda é possível viacertificação florestal.

Em junho de 2012, líderes políticos detodos os países vão se reunir no Riode Janeiro para avaliar o progresso

com desenvolvimento sustentável e discu-tir novas iniciativas para enfrentar a per-gunta mais importante a ser respondida pelahumanidade: como vamos sobreviver?Como poderemos sobreviver com uma po-pulação mundial em rápida expansão e aomesmo tempo garantir aos bilhões de indi-víduos que ainda hoje vivem na pobreza oinegável direito a uma vida digna e à pros-peridade no contexto de um planeta comlimitada e já estressada capacidade de sus-tento? Como reverter a situação de esgota-mento cada vez mais acelerada dos recur-sos naturais e a capacidade de sustentaçãode nosso planeta em função de estilos devida insustentáveis de uma crescente por-ção da população mundial?

Estou convencido de que a conferência tra-rá algumas respostas. O que não é suficien-te. Não há mais tempo a perder, e as respos-tas precisam ser acompanhadas pela açãodeterminada da sociedade global. Infeliz-mente, não percebemos a mesma determi-nação e o mesmo entusiasmo que a Cúpulada Terra, também no Rio, desencadeou hávinte anos. E que foi o ponto de partidapara as Convenções sobre as MudançasClimáticas, Biodiversidade, Desertificação,o Global Environment Facility e outras boasiniciativas. Foi esta reunião de cúpula que

definitivamente colocou o desenvolvimen-to sustentável na agenda para não mais sairde cena. Mas a herança da Rio92 não serevelou suficiente para garantir a sobrevi-vência, e muito mais precisa ser feito.

Ser fatalista não é a opção. Temos que usarcada oportunidade para transformar as ten-dências que a Rio +20 certamente trará parauma forte ecologização econômica da agen-da política. E saúdo o papel do PNUMA emtornar este conceito tangível ao focar e mes-clar com clareza objetivos ambientais e finssociais, com especial ênfase na erradicaçãoda pobreza. A Economia Verde é essencialpara lidar com a crescente tensão entre ouso global dos recursos e a capacidade doplaneta em sustentar tal uso por longo pra-zo. Inevitavelmente, essa transição econô-mica precisa ser conduzida por justiça sociale equidade, caso contrário fracassará.

O PNUMA afirma com razão: “As florestassão o alicerce da Economia Verde ao sus-tentar ampla gama de setores e meios desubsistência”. E: “a liquidação em curtoprazo dos ativos florestais para ganhos pri-vados limitados ameaça esse alicerce e pre-cisa ser interrompida”. Esta mensagem éparticularmente urgente para as áreas tropi-cais e subtropicais do mundo. Sustar o des-matamento e a degradação florestal é urgen-te já que as florestas mundiais têm a desem-penhar papel chave na Economia Verde: via

seqüestro e armazenamento de carbono, re-sistência às mudanças, manutenção dosecossistemas de abastecimento de água,purificação, prevenção de inundações, e tam-bém por fornecer madeira para a construçãocivil sustentável, biomassa para produçãoenergética e uma crescente gama de recur-sos alimentares e outros. E garantir o sus-tento e a subsistência de 1,6 bilhão de pes-soas que dependem das florestas.

Para o PNUMA, a certificação do manejo flo-restal sustentável via FSC (Forest Steward-ship Council) constitui relevante contribui-ção para a mudança de tendências. No en-tanto, o organismo sabe que muito mais pre-cisa ser implementado em grande escala, emparticular nas áreas tropicais e subtropicais.E conclui que “há razões para otimismo, mas“esverdear” o setor florestal requer um es-forço sustentado. Vários padrões e sistemasde certificação fornecem uma base sólidapara a prática do manejo florestal susten-tável, mas sua aceitação generalizada re-quer mandato forte, políticas consistentese mercados.”

Como membro do FSC concordamos com estaanálise, e por experiência própria sabemosque a certificação florestal nas áreas tropi-cais e subtropicais pode fazer uma enormediferença em termos ambiental, social e eco-nômico, mas também que os obstáculos sãodefinitivamente maiores do que em outras

As florestasna Rio+20

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partes do mundo. Uma pena o PNUMA nãoir mais fundo e precisar o que vem a ser o“mandato forte, políticas consistentes e mer-cados” e como atingi-los.

Em resposta, o FSC apresentou no processopreparatório da Rio+20 uma proposta para quetodos os Governos se comprometam, no Rio,“a dar apoio concreto e sistemático, e pro-mover sistemas de certificação florestal degerenciamento multiparticipativo em todasas partes do mundo, com especial ênfase nasflorestas tropicais “. As promessas devemincluir ações aplicáveis, como legislação deapoio, condições favoráveis para sistemas degerenciamento multiparticipativo como oFSC, financiamento da educação e de treina-mento, e exemplaridade via certificação dasflorestas estatais. Em relação aos mercados,os governos devem sistematicamente insti-tuir contratos públicos ecológicos e garantirque os critérios de rotulagem ecológica so-mente se apliquem a produtos e serviços cer-tificados. As empresas podem desempenharum papel importante ao convencer os gover-nos da necessidade de tais medidas, dando oexemplo correto e fazendo do business casepara certificação credível uma ferramenta-cha-ve na trilha rumo à Economia Verde.

O FSC promove com sucesso a certificaçãoda gestão florestal a nível mundial, que abran-ge atualmente cerca de 148 milhões ha (ouseja, 3% de todas as florestas planetárias, ou12% de todas as florestas produtivas). As flo-restas certificadas pelo FSC garantem a ma-nutenção dos ecossistemas e da biodiversi-dade, otimizam e asseguram os direitos soci-ais e tradicionais da população local, bemcomo os trabalhadores, garante conformida-de às leis nacionais e internacionais relevan-tes. O FSC vai ainda mais longe: garante ummercado madeireiro e de produtos origináriosde tais florestas por meio de seu bem sucedi-do processo de certificação de empresas (maisde 20 mil) que operam na cadeia de suprimen-to até o consumidor final.

No entanto, temos de admitir que até agoratemos sido mais bem sucedidos nas zonastemperadas e boreais do que nas regiõestropicais e subtropicais. Há muitas razõespara isso, embora eu não possa resumi-lasadequadamente neste artigo. Mas é claroque agora precisamos concentrar nossaatenção às áreas tropicais e subtropicais.Basta ver as estatísticas mais recentes daFAO. Nas zonas de floresta temperada eboreal, a cobertura florestal floresta é cres-

cente ou estável (não necessariamente oequivalente de biodiversidade estável). Noentanto, nas áreas tropicais e subtropicaisdo mundo o desmatamento não diminui nosúltimos 20 anos, apesar de toda a atenção ede programas de apoio, etc. Todos os anos,continuamos a perder 1% da cobertura flo-restal tropical! Todos os anos! E ela con-centra o mais rico biótipo do planeta, commuitos aspectos ainda desconhecidos.Essa cobertura vegetal garante os meios desubsistência para centenas de milhões depessoas, além de ser importante parceira nadinâmica climática global.

O FSC até agora certificou 18 milhões dehectares de florestas tropicais. Onde faze-mos isso enfrentamos desafios, mas tambémvemos a grande diferença que isso acarretapara a população local, a natureza, e a confi-ança que a madeira tropical ganha junto aosconsumidores do Norte. Estamos convenci-dos de que a certificação é uma ferramentaimportante para combinar proteção dos re-cursos naturais ao progresso econômico esocial das regiões tropiciais. Desde que acertificação obedeça os padrões do FSC:garantindo a participação equilibrada daspartes interessadas na tomada de decisões,com consistente sistemática de verificação eavaliações regulares.

Nossa proposta coloca os governos comoprovedores de infra-estrutura física e legal,como guardiões e promotores da ação dasociedade civil, como doadores, consumi-dores e fornecedores de informações obje-tivas aos consumidores sobre os impactosambientais e sociais das escolhas de pro-dutos e serviços. Desta forma, todos osgovernos do mundo podem participar doprojeto com papéis específicos em funçãodas necessidades de seus países.

Gostaria de sublinhar o papel das parceriasnesta iniciativa. Com o PNUMA, concordo

Referências:http://www.unep.org/greeneconomy/Portals/88/documents/ger/GER_5_Forests.pdfFAO State of the World’s Forests: www.fao.org/forestry/sofo/en/

Andre Giacini de Freitas – Engenheiro flores-tal pela USP, atuou na ONG Imaflora afiliada àSmartWood, na Gerência Social e Ambiental doRabobank e é diretor-executivo do FSC, O arti-go original Let’s Make Some Progress atRIO+20! foi publicado em www.unep.org/e n v i r o n m e n t a l g o v e r n a n c e /PerspectivesonRIO20/AndreGiacinideFreitas/tabid/ 55818/Default.aspx Tradução Cidadaqnia & MeioAmbiente.

que a parceria pode ser uma força motrizpara a ecologização da economia, uma vezque tal parceria sinaliza claramente aos ma-deireiros que a mudança para o manejo flo-restal responsável garante retornos. Cons-tatamos a força dessa parceria tanto no se-tor privado quanto no público. Na EuropaOcidental ocorrem vários exemplos. Atual-mente, na Holanda, um terço da madeira uti-lizada em projetos de construção pública éproveniente de florestas certificadas, como objetivo de se atingir os 100%.

A partir de 2015, no Reino Unido apenas“madeira sustentável” será aceita nas obraspúblicas. Na Bélgica, as autoridades locaisrecompensam os usuários de madeira queutilizam madeira certificada FSC em suas ca-sas. O LEED, nos EUA, sistema de constru-ção verde não oficial com critérios próprios,está a caminho de conquistar 25% de toda aconstrução no país ao estabelecer que o FSCé o único certificado reconhecido (mesmoque este agora esteja sob ataque por partedos que querem enfraquecer os requisitos).Também no uso de papel (livros, embala-gens, recibos, bilhetes de trem, jornais), opapel certificado FSC está decolando. Na Di-namarca, por exemplo, mais de 80% dos jor-nais são certificados. De fato, a procura étão elevada que a fonte é um fator limitativo.Os produtores de madeira tropical certifica-dos têm na Europa uma real oportunidade.

Esperamos que governos e organizaçõesda sociedade civil percebam o propósitode nossa iniciativa e a apoiem ativamente,de modo que Rio+20 possa dar um grandeimpulso aos processos de certificação efi-cazes nas áreas tropicais e subtropicalcomo contribuição à transição para a Eco-nomia Verde Global de que tão desespera-damente necessitamos. ■

3% das florestas mundiais

(148 milhões ha)

ou 12% de todas

as florestas produtivas

são certificadas

pelo FSC.

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por Alan AtKisson

A justaposição doconceito de Eco-nomia Verde como de FelicidadeNacional ajuda aver as diferençasentre o crescimen-to que enriquece eo que empobrece,alicerçando o ad-vento da era desustentabilidade.

Será possível criar “felicidade para todos” eao mesmo tempo preservar o planeta? Será

que a humanidade conseguirá criar “EconomiasVerdes” e converter no devido tempo os atuaissistemas econômicos de forças destrutivas emprocessos sustentáveis e restauradores? O novorelatório Life Beyond Growth (A vida além docrescimento), liberado em 1 de março de 2012pelo Institute for Studies in Happiness, Eco-nomy, and Society, com sede em Tóquio, ma-peia o passado e o futuro desta visão emergente,e a crescente revolução no seio do pensamentoeconômico que está por trás da ideia.

O relatório, no entanto, apresenta uma visão dife-renciada. Observe a palavra “economias” no pa-rágrafo acima: enquanto fazemos normalmentereferência a uma única “economia global”, na rea-lidade a civilização é composta por uma rede com-plexa de sistemas econômicos alimentados por

MUNDO SUSTENTÁVEL

ECONOMIA VERDEFELICIDADE NACIONAL +

diferentes tipos de energia e de informação, e ori-entados por diferentes mãos, tanto visíveis comoinvisíveis. Muitas das economias do mundo ain-da estão em estágio comunitário de subsistência,e seus indivíduos praticam a agricultura ou caçame vivem do que está em seu entorno, com relati-vamente pouca integração com processos em es-cala global.

É óbvio que mesmo as tribos indígenas das pro-fundezas da Amazônia estão cada vez maisconectadas à ampla rede mundial de transaçõeseconômicas, agrupadas (pelo menos para fins derelatórios) em “estados-nação”, e firmemente en-trelaçadas por comércio, tecnologia e câmbio.Mas a “economia global” não é um monolito. Oprocesso da utilização de recursos que cria va-lor e satisfaz as necessidades e aspirações hu-manas parece muito diferente de um lugar paraoutro. O mesmo acontece com a felicidade.

A ascensão da Economia Verde tem sido acom-panhada pelo aumento da felicidade e do bem-estar, novos indicadores e paradigmas do pro-gresso nacional. Os países ao redor do mundoestão estudando, preparando ou já colocandoem prática essas indicadores como instrumen-tos políticos. A medida da felicidade pode diferirem metodologia, dependendo se aplicada a umbritânico ou ao cidadão do Butão. Mas, mesmodentro dessa diversidade existe identificável se-melhança: o desejo de uma vida boa e a percep-ção crescente de que a vida é que é boa, não ocrescimento do PIB em si. E é isso que os cida-dãos do mundo hoje realmente querem, e quenossas economias devem providenciar.

Após realizar um estonteante levantamento dadiversidade de conceitos e de índices agora emexperimentação em todo o mundo, o relatórioLife Beyond Growth faz uma proposta simplifi-

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cadora: linkar de forma explícita os conceitosEconomia Verde e Felicidade Nacional.

Há ampla justificativa para essa linkagem em acor-dos internacionais existentes. Na verdade, a feli-cidade – ou, pelo menos, a possibilidade de alcançá-la – já pode ser um direito humano. Nenhum dostrinta artigos da Declaração Universal dos Direi-tos do Homem adotada pelas Nações Unidas, em1948, menciona especificamente a felicidade. Maso Artigo 25 afirma: “Toda pessoa tem direito aum padrão de vida capaz de assegurar a saúde eo bem-estar próprio e os de sua família ....” ADeclaração também especifica muitos dos fatoresidentificados pelos pesquisadores como precur-sores da felicidade subjetiva. Essas necessidadesbásicas incluem alimento, moradia, vestuário, cui-dados médicos e outros serviços sociais, incluin-do apoio para os que estão desempregados. Mui-tos outros direitos garantidos pela Declaração tam-bém estão relacionados ao que os pesquisadoresafirmam nos fazer felizes, entre os quais trabalho,recreação e possibilidade de participar das deci-sões que afetam nossas vidas.

Se a expressão “Felicidade Nacional” pode pelomenos ser um cognato próximo ao conceito de bem-estar universal esboçado na Declaração – e apesardos debates sobre nuances de definição, poucosnegariam que é –, então a adoção de medidas deFelicidade Nacional em conjunto com políticas eco-nômicas verdes poderia ser vista como aimplementação tardia dos ideais abraçados pelomundo há mais de sessenta anos. Mais importanteainda: adotar a felicidade como um direito humanopoderia criar a possibilidade de um compromisso ede uma visão comum sobre a justa distribuiçãodos recursos globais. A pesquisa confirma que afelicidade independe da conquista de um padrãomínimo de prosperidade material. Mas o cresci-mento além desse mínimo parece dar em trocamenos e menos felicidade, até finalmente chegar-seao ponto em que o crescimento em si – verde ounão –, torna-se não mais que desperdício.

Justapor o conceito de Economia Verde com ode Felicidade Nacional pode nos ajudar a ver asdiferenças entre o crescimento que enriquece e ocrescimento que realmente empobrece. Esse “ca-samento” tem o potencial para descrever – tal-vez pela primeira vez – uma visão clara e proa-tiva da sustentabilidade em escala global. Afinal,onde realmente precisamos crescer para garan-tir que a felicidade fique a nosso alcance? E ondeprecisamos decrescer, por exemplo, em nossasemissões de carbono ou nas ações que impactama biodiversidade se quisermos garantir que to-dos tenham a oportunidade de exercer seu direi-to à felicidade agora e amanhã?

Pela primeira vez, técnicas de pesquisa podem re-almente fornecer metas mensuráveis e quantificá-veis que vinculem o progresso econômico ao bem-estar. Novos indicadores podem nos retroalimen-tar sobre a progressão dessa visão integrada viaações e atitudes que concorram favoravelmente com

os tradicionais índices econômicos em termos desolidez. Finalmente, agora dispomos de todas asferramentas de que precisamos para apontar efeti-vamente em direção à transformação.

O mundo está grandemente necessitado de umanova visão qcapaz de tornar o conceito de de-senvolvimento sustentável mais real às pessoas,e que possa contemplar as nações com um novosentido de vida e bem-estar comum a todos. Acre-dito que essa perspectiva já esteja despontandoà nossa volta, em lugares grandes e pequenos –como citamos antes, da Grã-Bretanha ao Butão.

Alan Atkisson – Principal autor do relatórioLife Beyond Growth (em que este artigo é base-ado), e consultor em desenvolvimento sustentá-vel para o setor privado, público e agênciasinternacionais. O relatório de 73 pags. Podeser baixado em www.lifebeyondgrowth.org. Tex-to original deste artigo – Linking the Green Eco-nomy to National Happiness – foi publicado emwww.unep.org/environmentalgovernance/PerspectivesonRIO20/

Trata-se de uma equação simples e fácil de lembrar:ECONOMIA VERDE + FELICIDADE NACIONAL =MUNDO SUSTENTÁVEL. ■

O Índice da Satisfação com a Vida criado a partir de metadados por AdrianG. White, psicólogo social analítico da Universidade de Leicester, Inglater-ra, foi a primeira tentativa de revelar o grau de satisfação das nações.

Nesta aferição, o bem-estar subjetivo se apóia nos critérios saúde, poder e acessoà educação básica. Foi o primeiro levantamento alternativo aos tradicionais índi-ces de sucesso político-econômico,como os PIB e PNB. Embora, em 2006, o resul-tado tenha se revelado muito confiável, a pesquisa baseada na apreciação sub-jetiva e no perfil econômico e social de cada entrevistado com certeza mudou apartir da crise econômico-financeira detonada em 2008, que ano após ano vemceifando postos de trabalho, esperanças e felicidade de milhões.

Confira no quadro abaixo como andava o Estado de Felicidade do Mundo em2006, onde o Brasil ocupava a 81ª. posição, sendo que entre os 20 primeirosnão figuravam EUA, Alemanha, Grã-Bretanha, França, China, Japão, Índia eRússia. Há 12 anos, os 20 mais felizes eram, por ordem decrescente: Dinamarca,Suíça, Áustria, Islândia, Bahamas, Finlândia, Suécia, Butão, Brunei, Canadá,Irlanda, Luxemburgo, Costa Rica, Malta, Holanda, Antigua e Barbados, Malá-sia, Nova Zelândia, Noruega e as Ilhas Seicheles.

Em 2012, certamente, muitos dos primeiros estão quase atingindo o patamar dosentão últimos colocados entre 177 países: Sudão, Ucrânia, Moldávia, Congo e Zimbábue.

REFERÊNCIAS:White, A. (2007). A Global Projection of Subjective Well-being: A Challenge To PositivePsychology? Psychtalk 56, 17-20. The data on SWB and SWLS were extracted from a meta-analysis by Marks, Abdallah, Simms & Thompson (2006).University of Leicester (2006, November 14). “Psychologist Produces The First-ever ‘WorldMap Of Happiness’.” ScienceDaily. Accessed July 23, 2011.Pink, Daniel H. (December 2004) “The True Measure of Success” Wired.com Accessed23 July 2011.

Gráfico: UNESCO, UNHDR, World Happiness, Mike McGrath.wordpress.com/2007/01/04/subjective-world-happiness

FELICIDADE SUBJETIVA GLOBAL (FSG)

altaFSG

baixaFSG

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por Achim Steiner

para uma Economia Verde

A Cúpula do Riopoderá marcar umponto de virada nosassuntos globais,um momento emque a estabilidadeambiental possa sertransformada emrealidade.

Atransição para uma Economia Verde, debaixo carbono e com uso eficiente dos re-

cursos naturais virou a prioridade central dosesforços internacionais em busca do desenvolvi-mento sustentável neste século 21 em processode acelerada transformação .

Governos vão se reunir novamente no Brasil, 20anos após a Cúpula da Terra, a Rio92, em meioa um cenário de desafios persistentes e emergen-tes, e contra o pano de fundo de crises recentese atuais em parte desencadeadas pelo modo comoadministramos os recursos naturais finitos, ou,melhor, como deixamos de administrá-los.

A Economia Verde, no contexto do desenvolvi-mento sustentável e da erradicação da pobreza,é um dos dois temas centrais da Conferência dasNações Unidas sobre Desenvolvimento Susten-tável-2012, a chamada Rio+20.

O engajamento do Brasil será crucial para mol-dar a ambição internacional na Rio+20, ao mes-mo tempo em que destacará a experiência dopróprio país, desde sua economia à base de eta-nol até a gestão aprimorada dos patrimôniosbaseados na natureza, incluindo a Amazônia.

O Pnuma (Programa das Nações Unidas para o MeioAmbiente) afirma que uma Economia Verde é dointeresse de todos os países – os ricos e os menosricos, os desenvolvidos e os que estão em desenvol-vimento, os de economia estatal ou de mercado.

Achim Steiner é Subsecretário-geral da ONUe Diretor-executivo do Programa das NaçõesUnidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Arti-go publicado originalmente no jornal Folha deS. Paulo (24/4/2011), tradução de Clara Allain ,pelo Centro de Informações das Nações UnidasRio de Janeiro (www.unicrio.org.be) e no portalEcoDebate (25/04/2011) .

Recentemente, o Pnuma lançou o relatório “A Tran-sição para uma Economia Verde”, e fui solicitado acompartilhar as conclusões do relatório em um en-contro extraordinário das comissões ambientais doSenado e da Câmara do Brasil, em 26 de abril.

O relatório sugere que o investimento de 2% doPIB global por ano – ou seja, cerca de US$ 1,3trilhão – em dez setores-chave poderia deslanchara transição Econômica Verde, desde que o inves-timento fosse apoiado em políticas e medidas pú-blicas inteligentes. O financiamento poderia virem parte do término gradual de subsídios “preju-diciais”, algo perto de US$ 1 trilhão, que vão doscombustíveis fósseis aos fertilizantes e à pesca.

O estudo sobre a Economia Verde destaca paí-ses em que transições já estão em curso, como aRepública da Coreia e Uganda. Em 2011, a capa-cidade instalada de fotovoltaicos provavelmen-te será de 50 GW – o equivalente a 50 reatoresnucleares – em países que vão de Bangladesh eMarrocos a Alemanha e Emirados Árabes.

Haverá desafios – é possível que muitos empregossejam perdidos, inicialmente no setor da pesca,para que os superexplorados estoques de pescadopossam ser restaurados. Mas, de modo global, umaEconomia Verde gera mais empregos do que osperdidos nos velhos setores “marrons”. A confe-rência Rio+20 representa uma oportunidade de in-tensificar e de acelerar a germinação dessas “se-mentes verdes”.

Alguns países estão preocupados com tarifasverdes ou barreiras comerciais. Esses são riscosque precisam ser enfrentados, mas que tambémsão inerentes aos modelos econômicos existen-tes em um mundo em que os países competemem um mercado global.

Vivemos em uma época de desafios múltiplos –muitos dos quais a ciência vem confirmando se-rem ainda mais palpáveis, reais e urgentes doque eram em 1992, incluindo as mudanças cli-máticas, a perda da biodiversidade e a degrada-ção dos solos. Mas também vivemos em ummundo de oportunidades inéditas para uma mu-dança fundamental dos caminhos econômicos,sociais e ambientais em relação ao passado.

A Rio+20 poderá ser apenas uma data a mais nocalendário. Mas também poderá marcar um pon-to de virada nos assuntos globais, um momentoem que a promessa de emprego, igualdade e es-tabilidade ambiental feita 20 anos antes seja trans-formada de ideal em realidade para cerca de 7bilhões de pessoas. ■

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Ambientalistas otimistas acreditam queas gerações futuras verão a primeira me-

tade do século 21 como marco de nasci-mento de uma revolução Econômica Verdeglobal. Na verdade, os investimentos e osavanços da tecnologia acoplados à ansie-dade gerada pelas mudanças climáticas jáestão empurrando os líderes mundiais aabraçar um futuro sustentável. Infelizmen-te, essa visão otimista está enevoada.

O fato incontestável é que quase todos osinvestidores e os tomadores de decisão –que definem e projetam a Economia Verde– pertencem a um único gênero: masculi-no. O Dia Internacional da Mulher apre-senta uma rara e importante oportunidadepara se analisar por que as mulheres de-vem ser líderes na Economia Verde.

Como em qualquer revolução, existe um ris-co substancial de que a Revolução Verde semova em direções imprevisíveis ou erráticas.Todas as economias são mais fortes quan-do os indivíduos que as lideram contribu-em com pontos de vista diversos. Certamen-te, a criação de uma economia sustentável,a quebra de hábitos de consumo excessivoe a abordagem da dependência aos com-bustíveis fósseis não são tarefas fáceis.

Confira porque a autora advoga aparticipaçao das mulheres naconstrução da nova ordem social.

por Kathleen Rogers

Vamos examinar algumas das razões pelasquais a inclusão das mulheres na constru-ção da Economia Verde é desejável:

■ As mulheres são responsáveis pela mai-oria das decisões de consumo. Estimular oempreendedorismo feminino é fundamen-tal para aproveitar esta importante oportu-nidade comercial.

■ As mulheres estão impulsionando o cres-cimento econômico. O aumento das mu-lheres no mercado de trabalho dos paísesmais ricos do mundo tem contribuído maispara o crescimento do PIB mundial nas duasúltimas décadas do que qualquer nova tec-nologia ou novos gigantes econômicosChina e Índia.

■ A proporção de mulheres na legislatu-ra de um país reduz significativamente onível de corrupção. Menos corrupção be-neficia os empreendedores, as mulheres etodos os setores empresariais.

■ As mulheres são mais confiáveis no reem-bolso de recursos à comunidade. Elas emgeral reinvestem um percentual muito maiorde seus ganhos na comunidade do que oshomens, e aceleram o desenvolvimento.

■ As taxas de reembolso das mulheres sãomaiores. Quando as mulheres são benefi-ciárias diretas do crédito, suas taxas de re-embolso são as mais altas em todas as re-giões do mundo.

Apesar destes fatos, existem verdadeirasbarreiras à participação plena das mulhe-res na concepção e no desenvolvimentoda Economia Verde. Vejamos::

■ As empresas de propriedade de mulhe-res enfrentam problemas de crescimento.Motivo: falta de acesso às redes de finan-ciamento e de comercialização. Enquantoas mulheres possuem cerca de 30 por cen-to das empresas americanas, apenas cercade 5 por cento de todo o capital de investi-mento é direcionado às empresas chefia-das por mulheres, e apenas 3 por centoobtêm investimento de capital de risco.

■ As mulheres têm menos acesso à cadeiade abastecimento global. Apenas uma fra-ção dos governos e das grandes corpora-ções custeiam regularmente negócios ban-cados por mulheres.

■ Mulheres empreendedoras enfrentam leisdiscriminatórias em várias regiões culturas.

As mulheres devem liderar

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Como podemos corrigir isso? Para começar,empresas, governos e instituições interna-cionais deveriam adotar cotas de participa-ção feminina – das reuniões aos fóruns na-cionais e às negociações multilaterais. Umavez que o problema inicial da representa-ção seja resolvido, podemos chegar à eta-pa de acabar com as barreiras legais à ple-na participação das mulheres na EconomiaVerde. Precisamos de uma análise profun-da das legislações nacionais e internacio-nais e dos protocolos que versam sobreeconomia, energia e meio ambiente paraacabar com o preconceito contra as mulhe-res. Ou seja, precisamos “alterar” a lingua-gem para promover a inclusão.

Uma vez que sanados os entraves no siste-ma, podemos ir além. Devem ser adotadospolíticas e mecanismos legais para, por exem-plo, apoiar o tratamento preferencial na ga-rantia de empréstimos; para promover a par-ticipação plena das mulheres na ciência, natecnologia, na engenharia, na matemática, naeducação; além de criar investimentos e in-centivos de mercado para melhorar oempreendedorismo feminino.

Nesse meio tempo, também temos de corri-gir a percepção das mulheres como líderesda Economia Verde. Precisamos consci-entizar a imprensa sobre a questão “dife-rença de gênero”. Devemos tornar as abor-dagens de gênero, desenvolvimento, Eco-nomia Verde e mudanças climáticas ques-tões “sérias” – já que muitos jornalistas astratam de forma “light”.

Enquanto o mundo tenta se recuperar dacrise financeira e, ao mesmo tempo, reco-nhece a falta de sustentabilidade da eco-nomia atual, não podemos nos dar ao luxode permitir que os obstáculos à participa-ção das mulheres prevalesçam. Os fatossão claros: trazer as mulheres para a cons-trução e o desenvolvimento da EconomiaVerde vai resultar em uma economia me-lhor, mais sustentável e mais justa. Vamostrabalhar para que isso aconteça. ■

Kathleen Rogers – Presidente da Earth DayNetwork, trabalhou por mais de 20 anos comoadvogada e defensora ambiental com foco empolítica e direito ambiental público. Foi dele-gada dos EUA na Conferência da ONU sobrea Mulher e dirige iniciativas políticas em prolda biodiversidade. O artigo Women must beleaders of the green economy foi pu blicado emwww.unep.org/environmentalgovernance/PerspectivesonIO20/

“As mulheres desempenham um papel muito mais forte do que os homens na gestão deserviços ambientais e segurança alimentar.”

Na maioria das vezes, as mulheres estão na linha de frente dos impactos provo-cados pelas mudanças climáticas. Em escala global, o mundo enfrenta as cadavez mais frequentes secas e inundações que afetam severamente as economias erepercutem em graves consequências sociais. Atualmente, as mulheres e os habi-tantes da Ásia são os que se encontram em maior risco: mais de 100 milhões deindivíduos são afetados anualmente.

Os padrões de desenvolvimento e de assentamentos colocam os pobres e osvulneráveis em risco crescente, já que força muitos a se fixarem em locais prec[ariose temporários – áreas muitas vezes propensas a deslizamentos, inundações eenxurradas de lama. Infelizmente, como sublinha o relatório Women at the Frontlineof Climate Change:: Gender risks and hopes. A Rapid Response Assessment, as mulhe-res são mais propensas do que os homens a perder suas vidas em tais eventos.

Por ocasião de desastres, como secas ou inundações, as mulheres também sãomais vulneráveis a organizações criminosas de tráfico humano em função desuas comunidades ficarem pulverizadas e os padrões de proteção das famílias eda sociedade entrarem em colapso – aspecto que a Interpol e organizaçõesnão-governamentais apontam no relatório, e que espelha o padrão de explora-ção também comum em conflitos armados e outros desastres.

Mais de 1,3 bilhão de pessoas vive nas bacias hidrográficas das cadeiras mon-tanhosas da Ásia. Como mais de metade da produção de cereal do sul da Ásiaocorre a jusante do Hindu Kush-Himalaia, os impactos sobre a segurança ali-mentar vão se tornar cada vez mais importante com a intensificação das mu-danças climáticas. Neste canto do mundo, a adaptação se tornará crucial.

De crítica importância é a sub-represen-tação das mulheres na política e na to-mada de decisão das instituições, no di-álogo sobre a adaptação às mudançasclimáticas, na governança dos recursosnaturais e em outras importantes dimen-sões da gestão da sociedade. Inúmerossão os relatórios sobre mudanças climá-ticas que reconhecem e discutem a im-portância da integração dos gêneros e anecessidade de maior participação dasmulheres nos processos e negociações so-bre mudanças climáticas ((IUCN – The In-ternational Union for the Conservation ofNature, Gender CC – Women for ClimateJustice, GGCA – Global Gender and Cli-mate Alliance, etc.). Embora essa partici-pação seja vital, as instâncias superioresque deliberam sobre as mudanças climá-ticas apresentam uma sub-representaçãode mulheres e, em particular, de mulhe-res do Sul (MacGregor, 2010).

Fonte: Gráfico publicado em Women at theFrontline of Climate Change - Gender Risksand Hopes, 2011. Designer: Riccardo Pra-vettoni, UNEP/GRID-ArendalLink: www.grida.no/graphicslib/detail/gender-imbalance-in-the-delegation-of-parties-cop-on-climate-change_134d

AS MULHERES NA LINHA DE FRENTEDAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

(DE)SEQUILÍBRIO ENTRE GÊNEROS NA DELEGAÇÃO DE PARTES (COP) SOBRE AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

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A igualdade de gênero e a educação formal são os princi-pais veículos para melhorar os padrões de vida, a susten-tabilidade, os meios de subsistência e eliminar a pobreza,conjunto de fatores brindado nos Objetivos de Desenvolvi-mento do Milênio (ODM) como meta 3: ‘Promover a igual-dade entre os sexos e a autonomia das mulheres’. Este mapailustra um dos indicadores para o indicador 9 (objetivo 4)do Projeto Millennium, que avalia o progresso atual naconsecução deste objetivo na África do Norte e atesta osavanços na África Subsaariana, embora ainda se estejalonge da realização plena da meta.

Fonte: Gráfico publicado em African environment collection, 2006.Designer: Hugo Ahlenius, UNEP/GRID-ArendalLink: www.grida.no/graphicslib/detail/gender-equality-and-empowermen t -o f -women-e l im ina te -d i f f e rences - in -education_150a

As mulheres representam recurso fundamental para a adaptação às mudançasclimáticas por sua experiência, responsabilidade e resistência. Este relatório forneceinformações suficientes para mostrar que as mulheres desempenham um papelmuito mais importante do que os homens na gestão dos serviços dos ecossistemase na questão da segurança alimentar. Assim, para ter sucesso, a adaptação sus-tentável deve focar no gênero e na atuação da mulher.

As vozes, as responsabilidades e os conhecimentos das mulheres sobre o meio am-biente e os desafios que elas enfrentam terão de ocupar o cerne da resposta adapta-tiva a um clima em rápida mutação. O Programa das Nações Unidas para o MeioAmbiente (PNUMA) agradece a colaboração e as contribuições dos países e de insti-tuições regionais, como o ICIMOD, no fortalecimento da pesquisa, compreensão edivulgação do importante papel que as mulheres desempenham frente aos desafiosda mudança climática, desempenho que será cada vez mais atuante neste século.

Os governos têm a responsabilidade de tornar as considerações em relação aogênero parte da resposta à questão climática, e o PNUMA espera que este relatórioajude as agências que operam em todo o espectro de desenvolvimento e de assis-tência às mudanças climáticas a colocar as mulheres no foco de suas estratégias.

Achim Steiner – Sub-Secretário Geral eDiretor Executivo do PNUMA. Prefácio ‘dapublicação Women at the frontline of cli-mate change: Gender risks and hopes. ARapid Response Assessment, por Nelle-mann, C., Verma, R., and Hislop, L. (eds).2011. United Nations Environment Pro-gramme, GRID-Arendal.

As mulheres são responsáveis pelo trabalho doméstico –e, em muitas partes do mundo, pela maioria da produçãoagrícola – , mas seus direitos à propriedade da terra econtrole dos recursos são tolhidos por costumes tradicio-nais e leis religiosas.

Fonte: Gráfico publicado em Environment and Poverty Times #1:WSSD issue, em 2007. Designer: Philippe Rekacewicz com cola-boração de Lucie Dejouhanet, UNEP/GRID-Arendal.Link:www.grida.no/graphicslib/detail/women-in-government-decision-making-positions-in-1998_729c

AS MULHERES EM POSTOS DE DECISÃO GOVERNAMENTAL EM 1998

A IGUALDADE DE GÊNERO E O EMPODERAMENTODAS MULHERES: ELIMINAR AS DIFERENÇAS NA EDUCAÇÃO

Lawrence Hislop/ONU

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por Hans Herren

“Precisamos – o Banco Mun-dial, o FMI, todas as grandesfundações e todos os gover-nos – admitir que há 30 anosestamos, inclusive eu, quan-do fui presidente, errados aoacreditar que o alimento écomo qualquer outro produ-to no comércio internacional.Temos de voltar a ampararuma agricultura mais respon-

sável e sustentável.”

Ex-presidente dos EUA, Bill Clinton,em discurso nas Nações Unidas

no Dia Mundial da Alimentação,16 de outubro de 2008

Os alimentos e a agriculturasão questões de naturezadiferente no comércio, no

desenvolvimento e na política.À semelhança do ex-presidenteBill Clinton, muitos políticos têmnegligenciado este fato e, con-trariamente a Clinton, a maiorianão está disposta a admitir seuequívoco. Com o mundo a sairde duas importantes crises de ali-mentos nos últimos cinco anos,uma melhor compreensão eenfoque da agricultura e do de-senvolvimento rural são uma ne-cessidade caso os líderes dese-jem cumprir as metas de Desen-volvimento do Milênio, da ONU,e Agenda 21, esta última estabe-lecida na Rio92.

Estas questões foram brinda-das, tanto em nível político quan-

to de governança na Cúpula daTerra – a Rio 92 – com um capí-tulo da Agenda 21, uma parce-ria (FAE) e numa avaliação ci-entífica (IAASTD - Internatio-nal Assessment of AgriculturalKnowledge) ao final da Cúpulade Joanesburgo, em 2002, e numciclo de dois anos de conferên-cias sobre DesenvolvimentoSustentável. No entanto, esta-mos longe de alcançar o que énecessário para assegurar for-ma sustentável a disponibilida-de e o acesso a alimentos sau-dáveis e nutritivos para a cres-cente população mundial.

A agricultura e o sistema alimen-tar são fundamentais para en-frentar os desafios abordadosem três das Convenções do Rio.Hoje, a agricultura e as mudan-

ças no uso da terra são relacio-nadas principalmente a parte doproblema – contribuindo comcerca de 30% para as emissõesde gases de efeito estufa (IPCC,2007) e fortemente responsávelpela degradação do solo e pelaperda da biodiversidade. Noentanto, estes também estãoentre os poucos setores quedetêm o potencial para contri-buir significativamente para so-luções. Para desbloquear o seupotencial positivo torna-se ne-cessário uma mudança de para-digma na política, na pesquisa enas práticas agrícolas.

Dar maior ênfase aos pequenosagricultores e muito especial-mente às soluções agroecológi-cas já a espera de implementaçãodeve ocupar o centro de um novo

e integrado sistema agrícola.Desde 2008, o relatório doIAASTD (encomendado em2002, na Cimeira de Joanesbur-go sobre Desenvolvimento Sus-tentável pelo Banco Mundial eseis agências da ONU e formali-zado por mais de 400 cientistas eagentes concernidos) exige talmudança de paradigma e propõeum plano de ação. No entanto, apolítica agrícola em nível globalpraticamente não reagiu às su-gestões do relatório. Enquantoisso, os desafios da mudança cli-mática, o crescimento populaci-onal, as necessidades de ener-gia e a escassez dos recursosnaturais têm aumentado. A horade agir é, portanto, agora.

A principal razão para a ausênciade resposta pode estar no fato de

Não há desenvolvimento sustentável

SEM ALIMENTO PARA TODOS

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as responsabilidades referentes àagricultura e ao desenvolvimentorural estarem amplamente disper-sas entre as três Convenções doRio e os organismos das NaçõesUnidas como um todo. As trêsconvenções criadas em 1992 noRio de Janeiro – Convenções so-bre Mudanças Climáticas, Diver-sidade Biológica e Desertificação– de alguma forma lidam com a agri-cultura, mas nenhuma ostenta apalavra agricultura em seu título.Portanto, o que se vem fazendona agricultura no contexto do de-senvolvimento sustentável ocor-re de forma aparentemente desco-ordenada. Embora esta situaçãonão seja exclusiva da agricultura eseja semelhante, por exemplo, nocampo energético, a importânciada agricultura e do sistema alimen-tar para o desenvolvimento eco-nômico e social sob fortes restri-ções ecológicas exige uma abor-dagem mais coerente no âmbitodas Nações Unidas e das Conven-ções firmadas no Rio.

Isso não é facilmente imple-mentável. No entanto, uma inici-ativa semelhante ao “Energiapara Todos”, lançada recente-mente pelo Secretário-geral daONU, poderia ser aplicada aocampo da agricultura e aos sis-temas alimentares. Colocar nocentro das políticas globais a im-plementação de medidas para al-cançar a agricultura sustentávelpoderia induzir a necessária mu-dança de paradigma no curtoprazo. A longo prazo, faz-se ne-cessária uma mudança mais per-manente na estrutura de gover-nança global em torno da agri-cultura e do sistema alimentar.Embora um pacote completo deesforços seja ainda provavel-mente inviável, a conexão ciên-cia-política precisa em definiti-vo de ser reforçada para permitira aplicação efetiva das medidasacordadas.

Atualmente, inexiste um painelou organismo que de forma par-ticipativa e multirepresentativareferencie periodicamente o co-

nhecimento, a ciência e a tecno-logia agrícolas. O IPCC e os pró-ximos IPBES representam duasestruturas no âmbito das Con-venções do Rio a trabalhar nainterface política-ciência e capazde produzir relatórios relevantes.

Embora este trabalho tambémdesague na agricultura, até ago-ra não há instituição ou organi-zação participativa interessadaem reunir todo o conhecimentocientífico relevante em um qua-dro coerente e integrado de in-formação à agricultura e àspolíticas do sistema alimentar. OComitê de Segurança AlimentarMundial da FAO objetiva tornar-se este órgão de coordenação,mas até mesmo os relatórios deseu painel de peritos são redigi-dos por poucos especialistas enão no contexto de um proces-so participativo multifacetado.

Para se conseguir seriedade namudança de paradigma na agri-cultura e nos sistemas alimen-tares, precisa-se reforçar a co-ordenação no seio do sistemada ONU e estabelecer-se um pa-inel intergovernamental especí-fico para essas áreas paraintgegrar as informações de ou-tros painéis, bem como o traba-lho de organismos da ONU e doconhecimento tradicional.

Este corpo poderia emergir deuma reforma dos mecanismosexistentes – o que permite umprocesso multidisciplinar e par-ticipativo – ou pela criação deuma nova instituição. De qual-quer modo, o processo IAASTDindicando mudanças para corri-gir as deficiências do primeirorelatório e o conteúdo expandi-do para cobrir todas as áreas daagricultura e dos sistemas ali-mentares deverao constituir abase de tal organismo.

Os problemas são identificados ehá caminhos para resolvê-los. Por-tanto, comecemos a mudar as po-líticas e estruturas que interpreta-ram mal a agricultura e o sistema

alimentar por mais de 50 anos. ARio+20 é a oportunidade para ostomadores de decisão política re-conhecerem – como fez o presi-

Hans Herren – Cientista reconhecido internacionalmente e em maior de2005 eleito presidente do Millenium Institute (MI). Foi diretor-geral do CentroInternacional de Fisiologia e Ecologia de Insetos (ICIPE), em Nairóbi, Quênia,diretor do Centro de Controle Biológico Africano do Instituto Internacional deAgricultura Tropical (IITA), no Benin, co-presidente da International Assess-ment of Agricultural Knowledge, Sciencde and Technology (IAASTD). O textooriginal No sustainable development without healthy, nutritious and culturallyadapted food for allfoi publicado em www.unep.org/environmentalgovernance/PerspectivesonRIO20/

dente Clinton – que há muito têmnegligenciado a função da agricul-tura e, finalmente, mudar o cursoda agricultura global. ■

USO DA TERRA E AGRICULTURA

Terra para agricultura

Campos extensos (pasto incluso)

Regeneração após uso

Florestas

Campos

Terras improdutíveis

Fonte: Projections de la modification de l’utilisation des terrespour la période 1700–2050. Publicado em 2009 em TheEnvironmental Food Crisis - The Environment’s Role in Aver-ting Future Food Crises. Designer: Hugo Ahlenius, UNEP/GRID-Arendal. Link: http://www.grida.no/publications/rr/food-crisis

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por Prof Mohan Munasingh:

Confira porque a iniciativa Objetivos de Consumo do Milênio (OCM),a ser debatida no Forum da Rio+20, pode ajudar a preservar o planeta,proteger os pobres e promover a prosperidade.

nova meta de consumo

Aproposta dos Objetivos de Consumodo Milênio (OCM ) foi apresentada em

janeiro de 2011, em Nova York, durante ospreparativos para a Conferência das ONU so-bre Desenvolvimento Sustentável (Rio +20).

Ela tem raízes na Agenda 21, que destacou“a insustentabilidade do consumo e da pro-dução”, e em iniciativas mais recentes, comoo Processo de Marrakech, de 2003, que des-tacou a urgente necessidade do consumo eda produção sustentáveis (CPS).

Os OCM alinhavam objetivos desenhadospara motivar os ricos de todos os países aconsumir de forma mais sustentável. Eles aju-darão a tornar o consumo humano e a produ-ção mais sustentável . Ou seja, melhorar obem-estar geral, reduzir os danos ao meio am-biente, liberar recursos para atenuar a pobre-

OCM

za e assegurar a equidade intra e intergeracio-nal. Para o mundo rico, os OCM complemen-tam os Objetivos de Desenvolvimento do Mi-lênio (ODM) de proteção aos pobres.

Em função do subconsumo dos pobres, osOCM devem, em primeira instância, assegu-rar que as necessidades humanas básicas emescala mundial sejam satisfeitas. Em segui-da, para frear o consumo excessivo dos ricos,vários OCM óbvios e quantificáveis objetivamquestões como emissões de gases de efeitoestufa (GEE), uso de energia, uso da água,uso do solo, poluição e desperdício.

OCMs suplementares poderão incluir: se-gurança alimentar e agricultura; nutrição,saúde e obesidade; meios de subsistênciae estilos de vida; sistemas econômico-fi-nanceiros e gastos militares.

Precisamos urgentemente dos OCM porqueos padrões insustentáveis de exploração,produção e consumo dos recursos natu-rais acarretam inúmeros problemas que ame-açam o futuro da humanidade – como po-breza, escassez de recursos, fome, confli-tos e mudanças climáticas.

A produção mundial que utiliza serviçosambientais já consome o equivalente a 1,5planeta Terra, o que é insustentável. O 1,4bilhão de pessoas mais ricas consome maisde 80% desta produção – 60 vezes mais doque os 1,4 bilhão mais pobre.

Enquanto isso, os ODM (Objetivos de De-senvolvimento do Milênio) procuram ele-var os níveis de consumo de mais de 2 bi-lhões de pessoas pobres. A realidade mos-tra que os ricos estão “expulsando” os po-

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Mohan Munasinghe – Presidente do Instituto deDesenvolvimento Munasinghe (MIND), em Colom-bo, professor de Desenvolvimento Sustentável ( SCI)da Universidade de Manchester, Reino Unido, pro-fessor-visitante da Universidade de Pequim, China,e Conselheiro Sênior Honorário do Governo do SriLanka. O texto original Millennium ConsumptionGoals Initiative (MCGI) foi publicado emwww.unep.org/environmentalgovernance/PerspectivesonRIO20/. Para informações adicio-nais sugerimos pesquisa no site www.Millennium-ConsumptionGoals.Org

bres. Uma atitude que perpetue e ignore oproblema irá agravar o conflito e aumentaro risco de colapso global.

Em vez de os ricos serem vistos como umproblema, eles devem ser persuadidos acontribuir para a solução – a abordagemdos OCM levará a um futuro mais adminis-trável e seguro.

Os OCM irão fornecer um conjunto de bali-zamentos (nem sempre obrigatórios) paraque os mais abastados possam aderir. Es-sas metas encorajariam a combinação deações voluntárias por parte dos consumi-dores ricos com o apoio explícito de políti-cas governamentais de promoção do con-sumo e da produção sustentáveis.

As pesquisas já promovidas e planejadas for-necem uma base para a definição tanto dosobjetivos quanto das políticas. A estratégiaproposta é abrangente e multidirecional. Umpasso importante é implantar os OCM naagenda das Nações Unidas, via de normas deação com padrões globais e de um quadropara a implementação dos objetivos. Comoesse processo pode levar algum tempo, mui-tos preferem agir JÁ.

A abordagem imediata envolve o pioneiris-mo de indivíduos, comunidades, organiza-ções, empresas, cidades, regiões e nações,que já criam e implementam seus própriosOCM voluntários. Os OCM muitas vezesfornecem um atraente e significativo “guar-da-chuva” aos objetivos já existentes. Emsuma, os OCM voluntários estão sendoimplementadas nos mais diferentes níveissegundo o alvo do consumo a ser atingido.

Para fazer essa idéia prosperar, a MillenniumConsumption Goals Initiative (MCGI) foilançada na ONU por uma ampla coalizão deinteressados denominados Rede MCG. Elaé orientada para a ação inclusiva, multies-tratificada, pluralista e transnacional. AMCGI tem por alvo a conferência Rio +20para estabelecer um mandato internacionalpara a proposta.

OS OCM E SUAS VANTAGENSPARA COMEÇAR, os Objetivos de Consumodo Milênio são aplicáveis em todo o mun-do, tanto nos países desenvolvidos quan-to nos em desenvolvimento, desconhecemfronteiras nacionais e reduzem o potencialde impasses motivados por interesses na-cionais e regionais.

EM SEGUNDO LUGAR, as reduções relativamen-te pequenas no consumo de materiais (viatecnologias jé em uso, legislação e melhorespráticas) pelos ricos podem até mesmo me-lhorar seu bem-estar e ao mesmo tempo redu-zir significativamente o dano ambiental, alémde liberar recursos para atenuar a pobreza.

EM TERCEIRO LUGAR, os OCM podem ser im-plementados via estratégia inclusiva emvários níveis, amalgamando todo tipo deestratégia. O conceito de OCM é ao mesmotempo fractal e subsidiário em virtude de aconcepção básica permanecer inalterada(como um floco de neve) em níveis maisrefinados de detalhamento e, ainda assim,de possí vel aplicação efetiva.

EM QUARTO LUGAR, os OCM têm potencial deoferecer resultados mais rápidos por galva-nizar a sociedade civil e empresarial no “agiragora”. Isso poderá mudar o comportamen-to das famílias ricas e das corporações inde-pendentemente de políticas governamentaise investimentos de longo prazo.

Além disso, os indivíduos ricos e as comu-nidades podem ser motivados a agir de for-

ma eficaz em seu próprio interesse, uma vezque são mais bem educados, têm mais in-fluência e comandam mais recursos.

EM QUINTO LUGAR, a geminação OCM-ODMtorna-se possível ao conectar uma OCM deum país/comunidade rico a um ODM decomunidade/país pobre.

PARA TERMINAR, os OCM teriam a capacida-de de mobilizar, capacitar e vincular consu-midores e produtores sustentáveis, inclu-sive as cadeias de fornecimento globais, emum ciclo virtuoso. A mesma publicidade queagora promove o consumo excessivo e odesperdício poderia ser usada para incenti-var o consumo mais sustentável.

Em um determinado lapso de tempo, valo-res e hábitos sociais poderiam ser modifi-cados para favorecer um comportamentomais sustentável – semelhante ao que ocor-re em relação ao tabagismo. Os OCM têm acapacidade de“fortalecer o indivíduo paradefinir o consumo em vez de permitir que oconsumo defina o indivíduo”.

Os OCM foram projetados para se tornaruma importante ferramenta prática no seiode uma estratégia global de desenvolvimen-to sustentável, complementando as açõesem curso, como o consumo e a produçãosustentáveis (CPS) e a transição para umaEconomia Verde (EV).

Tudo isso constitui etapas essenciais parao estabelecimento do desenvolvimento sus-tentável conectado a uma estrutura holísti-ca e prática capaz de tornar o desenvolvi-mento mais sustentável – o conceito de“Sustainomics”, que propus na Cúpula daTerra da Rio92. Assim, a inclusão dos OCMnos acordos da CNUDS 2012 – a Rio+20 – ,vinte anos depois, seria apropriada . Ao tra-balharmos em conjunto – e JÁ! – com osOCM, tornaremos o planeta mais seguro emelhor para nossos filhos e netos. ■

A produção mundial

consome o equivalente

a 1,5 planeta e o 1,4

bilhão de pessoas mais

ricas consome mais de

80% desta produção:

60 vezes mais do que o

1,4 bilhão mais pobre.”

Cidadania&MeioAmbiente 29

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hout

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30

Desde os dois governos Lula, particu-larmente a partir do segundo mandato

[2006], o Brasil vive certo clima de ufanis-mo. O país voltou a crescer, distribuir ren-da, tornou-se a 6ª maior economia do mundoe de nação subdesenvolvida passou a naçãoemergente e potência no cenário internacio-nal em suas expressões política e de mercado.

Economia estabilizada, distribuição de ren-da via programas sociais, aumento real dosalário mínimo, sociedade do quase plenoemprego e faxina na política compõe o qua-

Trabalhadores/CEPAT e doProf. CesarSanson alinha-va os pontosque indicariamum retrocessona agenda so-cioambientaldo país.

Às vésperasda Rio+20,esta análiseconjunta doInstituto Hu-manitas Uni-

sinos/IHU, doCentro dePesquisa eApoio aos

dro que dá a Dilma Rousseff, assim comofoi com Lula, altos índices de popularidadee em todas as classes sociais. Renovou-seo sentimento do “Brasil Grande” similaràquele da época dos militares em que sedizia que ‘ninguém segura esse país’.

Esse sentimento de pujança, vigor e ufanis-mo contrastam, entretanto, com retrocessosna agenda social, na agenda de reformasestruturais e, pior ainda, no recuo de con-quistas efetivadas no que se denominou deConstituição Cidadã [1988], resultante das

lutas sociais do final dos anos 70 e anos 80.A regulamentação de muitos dessas con-quistas caminham para trás e a elas se so-mam outros ataques aos direitos sociais. Umparadoxo surge, estamos diante de uma agen-da conservadora num governo de esquerda.

RETROCESSOS NA AGENDA AGRÁRIA,SOCIOAMBIENTAL E DO TRABALHOOs casos de retrocesso na agenda social,ambiental e do mundo do trabalho não sãopoucos e, entre tantos, podemos citar:❚ PEC 215: Projeto de emenda constitucio-

por IHU, CEPAT e Cesar Sanson

O ‘Brasil Grande’

que pensa pequeno Amazônia - Neil Palmer/CIAT

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nal que propõe transferir do Poder Execu-tivo para o Congresso Nacional a demar-cação e homologação de terras indígenase quilombolas, além de rever os territórioscom processo fundiário e antropológicoencerrado e publicado. Caso aprovadosignifica o fim da demarcação das terrasindígenas e quilombolas que se arrastamhá mais de uma década. Segundo a Cons-tituição de 1988, o processo de demarca-ção das terras indígenas no país deveriater sido terminado em 1993. Nas últimassemanas travou-se intensa batalha noCongresso contra a medida.

❚ADI 3239: Somado a PEC 215 Ação Dire-ta de Inconstitucionalidade – ADI 3239,foi proposta pelo Partido dos Democratas(DEM) contra o Decreto Federal 4887/2003que regulamentou o processo de titulaçãodas terras dos remanescentes das comu-nidades de quilombos criando mecanismosque facilitam o processo de identificaçãoe posterior titulação de comunidades. Casoaprovada a representação do DEM, os di-reitos de populações que historicamenteforam discriminadas e jogadas à margemda sociedade ficariam nulos. Mais de 120anos após o fim da escravidão, a regulari-zação das áreas remanescentes de quilom-bos ainda enfrenta resistências. Para aCNBB, “a garantia da propriedade dasterras secularmente ocupadas pelos qui-lombolas é dever constitucional e com-promisso ético-moral”.

❚PEC 483: Segundo a proposta da PEC483, as propriedades rurais e urbanas dequalquer região do país onde forem locali-zadas produção de drogas ou a explora-ção de trabalho escravo serão expropria-das e destinadas à reforma agrária e a pro-gramas de habitação popular, sem qual-quer indenização ao proprietário. A pro-posta tramita a dez anos na Câmara dosDeputados e nunca foi votada. A bancadaruralista impede a votação e o governonunca se empenhou decisivamente por suaaprovação. Há promessas de que a PECirá à votação nesse ano.

❚ MINERAÇÃO EM TERRAS INDÍGENAS: O go-verno está propondo um novo código demineração que permitirá a exploração deterras indígenas por empresas minerado-ras. O argumento do governo é que a re-gulamentação é necessária para que se es-tabeleçam regras e controle sobre a explo-ração das terras indígenas, que hoje ocor-

re de forma desordenada por garimpeiros,causando grande impacto ambiental e soci-al – e, muitas vezes, provocando conflitos.Além disso, o Estado deixa de arrecadar tri-butos sobre a exploração dos recursos na-cionais. Especialistas, entretanto, alertamque empreendimentos para exploração mi-neral instalados em terras indígenas podemcausar impactos tão grandes nos povos quepodem mesmo levá-los à extinção.

❚ CÓDIGO FLORESTAL: De todos os temasem pauta, o Código Florestal é visto comoo dos mais graves exatamente por simboli-zar retrocessos sem precedentes na agen-da socioambiental. Segundo organizaçõesambientalistas, a iminente votação de umaproposta de novo Código Florestal é oponto paradigmático do processo de de-gradação da agenda socioambiental queflexibiliza a legislação de proteção às flo-restas, concede anistia ampla para desma-tamentos, institui a impunidade e estimu-lará o aumento do desmatamento, além dereduzir as reservas legais e Áreas de Pro-teção Permanente – APPs – em todo o País.As organizações alertam ainda que “a ver-são em fase final de votação afronta estu-dos técnicos de muitos dos melhores ci-entistas brasileiros, que se manifestamchocados com o desprezo pelos alertasfeitos sobre os erros grosseiros e desman-dos evidentes das propostas de lei oriun-das da Câmara Federal e do Senado”.

❚ MATRIZ ENERGÉTICA: Faz poucos dias, apresidente Dilma Rousseff afirmou que nãose pode discutir “fantasias” na área ener-gética. O recado da presidenta foi dado aosmovimentos sociais que criticam a prolife-ração de hidrelétricas, principalmente asgrandes, em construção ou projetadas paraos rios Madeira, Xingu, Tapajós, Teles Pi-res e Araguaia na região da grande Amazô-nia. A presidente desqualificou as energiasalternativas no exato momento em que pes-quisas e estudos apontam para o seu cres-cimento no mundo todo, particularmente noBrasil, e na sua viabilidade.

❚ REFORMA AGRÁRIA: O acesso e a democra-tização da terra pouco avançou no primeiroano do governo de Dilma Rousseff. Dadosoficiais do Incra revelam que a presidentaconquistou em 2011 a pior marca dos últi-mos 17 anos, contrariando a expectativa dosmovimentos sociais do campo. Em 2011 fo-ram assentadas apenas 22.021 famílias. Parao MST, os números de 2011 são vergonho-sos. João Pedro Stédile, cita entre as razõesda paralisia da Reforma Agrária, o descasodo governo que “não compreendeu ainda aimportância e a necessidade da reforma agrá-ria como um programa social, de produçãode alimentos sadios, para resolver o proble-ma da pobreza no meio rural”.

❚ TERCEIRIZAÇÃO E PRECARIZAÇÃO DO TRA-BALHO: Tramita no Congresso o projeto de

Quilombolas no STF - Wilson Dias/ABr

A garantia da propriedade das terrassecularmente ocupadas pelos quilombolas é dever

constitucional e compromisso ético-moral.

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Lei 4.330 que pretende regularizar o meca-nismo da terceirização. Na opinião dos sin-dicatos, particularmente da CUT, a terceiri-zação precariza as condições de trabalho,aumenta número de acidentes e adoecimen-tos, reduz salários, amplia a jornada de tra-balho, aumenta a rotatividade e desrespei-ta direitos trabalhistas. Destacam ainda queos trabalhadores terceirizados sofrem comos empecilhos à criação de identidades co-letivas nos locais de trabalho. Movimentocontra a regulamentação da terceirizaçãolançou um Manifesto em defesa dos direi-tos dos trabalhadores ameaçados pela Ter-ceirização e um abaixo-assinado.

AGENDA NOVA. VELHAS VISÕESParalelamente a esse processo de retroces-so em legislações já em vigor ou derroga-ção de direitos em regulamentações a se-rem efetivadas, assiste-se a outras iniciati-vas que fazem coro ao discurso do “BrasilGrande” e sobre as quais há desconheci-mento, pouco debate ou até mesmo a tenta-tiva de desqualificação das forças sociaisque procuram contestá-las. Destacam-seaqui o debate da Rio+20 e as obras da Copado Mundo, entre outras.

RIO+20 – O debate da superexploração dosrecursos naturais planetário e os seus limi-tes se dá no contexto da Conferência dasNações Unidas sobre Desenvolvimento, aRio+20 e não há muito otimismo com o que

vem pela frente. A contribuição brasileira àConferência tem sido tímida. Pergunta o eco-nomista Ricardo Abramovay: “se o país quevai abrigar a conferência não ousa apon-tar horizontes inovadores em suas posi-ções, como esperar que a própria reuniãodesperte entusiasmo proporcional ao quedeveria ser a sua importância?” A sensa-ção que se tem é que o Brasil dá mais aten-ção à forma do que ao conteúdo na prepa-ração da Rio+20 e estaria preocupado empassar boa imagem – daí todos os cuida-dos com a votação do Código Florestal eaté seu possível adiamento para após oevento. O país, apesar de todas as condi-ções de assumir a vanguarda nesse debate,estaria declinando dessa postura. Até já sefala em fiasco do evento. O diretor-executi-vo do Pnuma, Achim Steiner, pede que “oBrasil, como país anfitrião, não deixe quea cúpula apenas reafirme os compromis-sos de 1992. Isso será um fracasso”.

COPA DO MUNDO – Articulação Nacional dosComitês Populares da Copa tem denuncia-do reiteradamente casos de impactos e vio-lações de direitos humanos nas obras etransformações urbanas empreendidas paraa Copa do Mundo e as Olimpíadas no Bra-sil. Os problemas acontecem nas áreas damoradia, trabalho, meio ambiente, mobilida-de, segurança pública, entre outros. Paraalém desses problemas, outros se somam,como os excessivos gastos brasileiros em

estádios que sequer se pagarão num futuropróximo, a subserviência do Estado brasi-leiro diante da Fifa como na aprovação dotexto básico da Lei da Copa e o autoritaris-mo com que o governo toca o projeto semespaço para a participação da sociedadecivil organizada.

TRIUNFALISMO ESVAZIA AGENDA SOCIALO que se vê, portanto, é que o clima do“Brasil Grande” eclipsa retrocessos naagenda social, ambiental, agrária e do tra-balho. A ascensão social via mercado deconsumo esconde problemas estruturaisnão resolvidos como nas áreas da saúde,educação, moradia, saneamento, sistemaprisional entre outros. O inegável cresci-mento econômico brasileiro, a melhoria derenda do conjunto da população e os pro-gramas sociais têm servido de forte argu-mento de esvaziamento do debate sobre osproblemas que persistem na sociedade bra-sileira e até mesmo dos recuos na agendasocioambiental, agrária e do trabalho.

O triunfalismo com o “Brasil Grande” negli-gencia a dívida social para os indígenas,negros e os pobres do campo. Os grandesprojetos elevados a totens do Brasil potên-cia e a transformação do país em exporta-dor de commodities passaram a justificarretrocessos sociais. Sem terras, indígenas,populações ribeirinhas e quilombolas tor-naram-se muitos casos estorvos. Acrescen-te-se a isso tudo e decorrente dessa lógicao aumento da violência no mundo rural.

A agenda no Congresso que procura retar-dar e impedir a demarcação das terras indí-genas, a interrupção de legalização dos ter-ritórios quilombolas, a tolerância para como trabalho escravo, a flexibilização do Códi-go Florestal, associados ao projeto do go-verno de retomada do projeto de minera-ção, da inoperância na reforma agrária, dainsistência de uma matriz energética cen-trada em megaobras com impactos devas-tadores revelam que o “Brasil Grande” nãopermite espaço à contestação e desqualifi-ca as vozes dissonantes.

Sobre essa retomada do espírito do “BrasilGrande”, comenta a jornalista Eliane Brum:“Entre os desafios que um futuro biógrafoenfrentará ao contar a vida e a obra deDilma Rousseff está o seguinte paradoxo:como uma mulher que entrou na clandesti-nidade, pegou em armas para lutar contrao autoritarismo e pagou pela sua coerên-

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Empreendimentos para exploração mineralem terras indígenas podem causar impactos

tão grandes que podem levar os povos à extinção.“

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Cidadania&MeioAmbiente 33

Análise elaborada a partir das “Notícias do Dia’publicadas no sítio do Instituto Humanitas Uni-sinos/IHU, pelo Centro de Pesquisa e Apoio aosTrabalhadores/CEPAT e por Cesar Sanson,professor na Universidade Federal do Rio Gran-de do Norte/UFRN. Texto publicado emwww.ecodebate.com.br (25/4/2012)

cia o preço altíssimo de ter sido torturadavira uma ministra, primeiro, uma presiden-te depois, que, em se tratando de políticaspara a Amazônia e o meio ambiente, incor-pora – e o pior, implanta – a mesma visãoda ditadura militar que combateu”.

“De novo, – continua a jornalista – estamosde volta ao Brasil Grande que pensa pe-queno – mas em plena democracia e numaimprensa sem censura oficial. Acho o para-doxo fascinante do ponto de vista humano,mas um desastre para o país”. Mais: “Tal-vez, hoje, a presidente Dilma Rousseff pas-sasse um pito na guerrilheira Dilma Rous-seff: ‘Não há espaço para a fantasia’”.

(DES)RAZÕES DO RETROCESSOQuais seriam as razões do retrocesso naagenda social mesmo num governo de es-querda? O porquê das enormes dificulda-des em se pautar os temas citados anterior-mente na sociedade? Quais as razões doisolamento da agenda social? Como expli-car a debilidade do movimento social e odescenso das lutas sociais mesmo quandodireitos conquistados são atacados?

As respostas não são simples. O próprioenunciado das questões pode ser questio-nado. Não deixa, entretanto, de ser um para-doxo o fato de que num governo de esquer-da a agenda se apresente tão conservadora.

Na opinião de João Pedro Stédile, “esta-mos num período histórico de descenso domovimento de massas e da falta de mudan-ças estruturais. E é isso que afeta as mobi-lizações no campo, e também na cidade”e, segundo ele, agravando essa situaçãotem-se um governo tecnocrata e um partidode esquerda, o maior deles, sem entusias-mo com reformas estruturais. Na opinião daliderança do MST, “o governo da presi-dente Dilma Rousseff foi tomado por umaburocracia de segundo escalão que nãoentende nada de povo” (…) e “o PT virouum partido chapa-branca, que se preocu-pa mais com cargos e em puxar o saco dogoverno, deixando de cumprir seu papelde partido político”.

Outra razão para o freio de mão com que ogoverno lida com a agenda social seria asua condição de refém das forças conser-vadoras que lhe dão sustentação. Essa hi-pótese dá conta de que o pretenso Brasilmoderno necessita do Brasil atrasado paracontinuar em frente. A denominada tese da

realpolitik que defende que é preciso mui-tas vezes recuar para paradoxalmente avan-çar. As concessões à bancada ruralista,evangélica, ao lobby empresarial, entre ou-tros, explicar-se-iam por essa lógica.

Os problemas enfrentados por sem terras,indígenas, quilombolas, povos ribeirinhos,populações da periferia que devem ser re-movidas em função de megaprojetos deve-se também a opções políticas. No caso dogoverno brasileiro ao que se tem denomi-nado de modelo (neo)desenvolvimentista,um modelo que prioriza o crescimento eco-nômico como varinha de condão de reso-lução de todos os demais problemas. É apartir desse modelo que se justificam e selegitimam as grandes obras: hidrelétricas,estádios, transposição de S. Francisco…Na equação do desenvolvimentismo o meioambiente se torna secundário, daí a dificul-dade do governo lidar com a agenda ambi-ental (Código Florestal, Rio+20).

Há ainda outras possíveis razões do enfra-quecimento da agenda social e mesmo doseu recuo. Vozes fortes que estiveram dolado do movimento social, encontram-seagora do lado oposto, no governo. Essasmesmas vozes e articulações que auxilia-ram na construção do movimento social,agora, muitas vezes, o desqualificam. Entreos casos, recentes, têm-se a postura auto-ritária da ministra dos Direitos Humanos

Maria do Rosário que na polêmica do rela-tório que envolve a hidrelétrica de BeloMonte tentou censurar e desqualificar asposições do movimento social. Outro casorecente envolve o ministro da Casa CivilGilberto Carvalho que procurou desqualifi-car o movimento grevista dos canteiros dahidrelétrica de Jirau e Belo Monte utilizan-do-se dos mesmos argumentos que o pa-tronato costuma utilizar.

Somam-se aos ministros de Estado, parla-mentares, milhares de assessores em car-gos de confiança que precisam defender asposições do governo e que já não deposi-tam suas energias na agenda do movimen-to social, muitas vezes, aliás, estão na trin-cheira oposta.

O recuo da agenda social por outro lado,relaciona-se ao crescente conservadorismoda sociedade que se mobiliza fortementeem torno de temas morais, mas não neces-sariamente sociais. ■

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O novo Código Florestal institui a impunidade,estimula o desmatamento, reduz as reservas legaise Áreas de Proteção Permanente em todo o País.

Brasília - Manifestantes protestam contra a aprovaçãodo novo Código Florestal no plenário da Câmara

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OBrasil e a Índia devem comandar o bloco denações emergentes para fazer da conferên-

cia um encontro exitoso no desenho de políticasque conciliem respeito ao meio ambiente comeconomia e promoção de bem-estar social.

“Vocês têm todas as chances, mais que outrospaíses, para entrar em uma trilha de desenvolvi-mento socialmente includente e ambientalmentesustentável”, afirma Ignacy Sachs, ecossocioeco-nomista e professor da Escola de Altos Estudosem Ciências Sociais de Paris. O pesquisador pon-tua que o Brasil é altamente respeitado devido àpostura internacional e às grandes reservas de ma-tas e de água. Para ele, o fato de a conferência voltarao Rio é uma demonstração deste respeito.

Sachs entende que as nações do Norte e a China nãoterão interesse em assumir o papel de protagonistaspor diferentes fatores. De um lado, EUA e UniãoEuropeia se vêem em meio a um desdobramento dacrise financeira internacional iniciada em 2008 quetende a recalcar os “egoísmos nacionais”. De outro,a China não deixa claro que tipo de desenvolvimentoalmeja e que correlação de forças deseja.

“O palco está criado para o avanço dos paísesemergentes” avalia Sachs a respeito da possibi-lidade de as nações aproveitarem a atual crise -que não é simplesmente econômica, mas ineren-te à estrutura do sistema capitalista - como umaoportunidade. Durante seminário promovidopelaAgência Carta Maior, o professor indicou quenão haver tempo hábil para a Rio+20 apresentar

O protagonismo dos emergentesO renomado ecossocioeconomista entende que nações ricas, afe-

tadas por crise financeira, não irão levar propostas inovadoras à

conferência da ONU sobre desenvolvimento sustentável.

Fonte: João Peres – Rede Brasil Atual, www.-redebrasilatual.com.br. Publicado em 14/09/2011.

por Ignacy Sachs

propostas concretas de mudanças. Atingir con-senso entre quase duas centenas de nações cominteresses tão diversos e em momentos históri-cos diferentes não é uma tarefa simples no qua-dro atual. “Devería-se transformar a Rio+20numa conferência para mapear o caminho, dartempo aos países para planejar.”

Sachs entende que essa proposta passa pela apre-sentação de linhas gerais e pelo compromissodos países em apresentar metas concretas den-tro de dois anos. Esses acordos, avalia, não de-vem ser obtidos unicamente pelos Estados naci-onais, mas precisam ser construídos no diálogocom empresários, trabalhadores e organizaçõesda sociedade civil. A ONU trabalha sobre doiseixos centrais na Rio+20. A primeira vertentediz respeito à criação de uma “economia verde”baseada simultaneamente em desenvolvimentosustentável e erradicação da pobreza. Em segun-do lugar, a criação de um quadro institucional afavor do desenvolvimento sustentável.

O pesquisador acredita que, por isso, é precisorealizar em paralelo aos esforços da conferênciauma reorganização nas próprias Nações Unidas.Uma das questões é a colocação em prática doantigo anseio de se criar um fundo comum em quecada país destine um determinado percentual doProduto Interno Bruto ao desenvolvimento sus-tentável. “O caminho passa por um debate queutiliza uma nova geografia, a geografia dos bio-mas. Não posso ter uma mesma estratégia paraAmazônia, cerrado, semiárido, litoral e etc.”

Ao mesmo tempo em que desperta grande in-teresse, o evento suscita uma expectativa quetem, por trás, um receio quanto à possibilida-de de frustração. O exemplo mais recente deconversas bilaterais fracassadas em torno daquestão climática se deu na COP-15, realiza-da em 2010 em Copenhague, na Dinamarca. AConferência da ONU sobre Mudanças Climá-ticas terminou sem que os maiores emissoresde gases que provocam poluição e agravam oaquecimento global quisessem firmar qualquercompromisso que lhes pudesse prejudicar ocrescimento econômico.

A primeira Cúpula da Terra, a Eco-92, terminouà ocasião com a Agenda 21, uma série de com-promissos em torno do desenvolvimento sus-tentável, um cenário bastante inovador para en-contros multilaterais de caráter global. A imple-mentação desses compromissos, no entanto, nemsempre acompanhou a teoria.

Para Sachs, o cenário de 2012 é muito maispromissor para a Rio+20. “A conferência de1992 aconteceu na contramão da história”,afirma, em referência ao recente colapso dobloco soviético e da ofensiva neoliberal. “Em2012 estaremos em plena crise e, portanto,em maior credibilidade sobre a necessidadede mudar de rumo.” ■

Na IV Reunião de Cúpula doBRICS (29/3/2012), na Índia,a Presidenta Dilma reafirmao apoio brasileiro à forma-ção de um grupo de trabalhopara discutir a criação dobanco de desenvolvimento doBRICS, que teria como fun-ção financiar projetos de in-fraestrutura nas naçõesemergentes e nos países po-bres, já que o BRICS consti-tui extraordinária plataformade articulação das relaçõesmultilaterais.

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