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EDUCAÇÃO EM PRISÕES Cereja Centro de Referência em Educação de Jovens e Adultos Organização Aline Yamamoto Ednéia Gonçalves Mariângela Graciano Natália Bouças do Lago Raiane Assumpção

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Educação Em prisõEs

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CerejaCentro de Referênciaem Educação de Jovense Adultos

Organização

Aline YamamotoEdnéia GonçalvesMariângela GracianoNatália Bouças do LagoRaiane Assumpção

A série CEREJA discute, do Centro de Referência em Educação

de Jovens e Adultos da AlfaSol, é mais uma ação direcionada

à ampliação da reflexão em torno dos desafios impostos ao

exercício pleno da cidadania das pessoas analfabetas ou pouco

escolarizadas, no Brasil e no mundo.

A aposta na pesquisa, na construção compartilhada de saberes

e na diversidade de estratégias de defesa da democracia como

alicerce do desenvolvimento humano e social é a expressão fiel

dos objetivos desta série.

Copyright: Alfabetização Solidária, 2010

Realização:AlfaSol (Alfabetização Solidária)

Centro de Referência em Educação de Jovens e Adultos (Cereja)

Superintendente executiva: Regina Célia Esteves de SiqueiraAssessoria Técnica: Ednéia GonçalvesAssessoria de Comunicação: Claudia CavalcantiCoordenação do Cereja: Margarete Rose Rodrigues

Coordenação editorial: Ednéia GonçalvesEdição e revisão: Claudia CavalcantiProjeto gráfico e capa: Kiki Millan / Creatrix Design

Associação Alfabetização Solidária.

Cereja discute : educação em prisões / Associação Alfabetização Solidária; [organização de] Aline Yamamoto, Ednéia Gonçalves, Mariângela Gra-ciano, Natália Lago, Raiane Assumpção. – São Paulo : AlfaSol : Cereja, 2010. (Cereja Discute ; 1)

128p.

Referências

Vários autores

1. Educação — Brasil 2. Educação nas prisões I. Associação Alfabetização Solidária II. Título III. Série

CDD 365.66

Catalogação na fonteCentro de Referência em Educação de Jovens e Adultos – CEREJA

Educação Em prisõEs

Organização

Aline YamamotoEdnéia GonçalvesMariângela GracianoNatália Bouças do LagoRaiane Assumpção

5

“Se, na verdade, o sonho que nos anima é democrático e solidário, não é falando aos outros, de cima para baixo, sobretudo, como se fôssemos os portadores da verdade a ser transmitida aos demais, que aprendemos a escutar, mas é escutando que aprendemos a falar com eles. Somente quem escuta paciente e criticamente o outro, fala com ele, mesmo que, em certas condições, precise falar a ele.”

(Paulo Freire em: Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à

prática educativa, 1996)

A série CEREJA discute, do Centro de Referência em Educação de

Jovens e Adultos da AlfaSol, é mais uma ação direcionada à ampliação da re-

flexão em torno dos desafios impostos ao exercício pleno da cidadania das

pessoas analfabetas ou pouco escolarizadas, no Brasil e no mundo.

A aposta na pesquisa, na construção compartilhada de saberes e na

diversidade de estratégias de defesa da democracia como alicerce do desen-

volvimento humano e social é a expressão fiel dos objetivos desta série.

Buscamos em diferentes olhares e experiências o fortalecimento do

diálogo e a ampliação das possibilidades de análise das temáticas indicadas,

pois ao propor “discutir” pretendemos expandir a abordagem sem as facilita-

ções da síntese ou do pensamento único.

Para inaugurar esta proposta, trazemos para o centro da discussão a

Educação em prisões. A escolha do tema na inauguração da série está dire-

tamente ligada ao amadurecimento da visão da educação como direito hu-

mano, e como implicação desta identificação nos juntamos a três Organiza-

ções, parceiras na tessitura de um painel abrangente de posições, experiências

e vias de aprofundamento da análise da situação educacional dos presos e

presas brasileiros. Desta forma, AlfaSol, Ação Educativa, Instituto Paulo Freire

e Ilanud apresentam uma proposta bastante ousada de construção coletiva,

na qual o processo é parte intrínseca da aposta na equidade: a indicação

6

dos subtemas é produto de oficina organizada no Fórum Social Mundial

2009; a indicação dos autores abrange pesquisadores, militantes dos direitos

humanos, educadores, profissionais, presos e egressos do sistema prisional

brasileiro; a organização dos relatos e costura das participações envolveu as

quatro instituições.

Ao somar vozes, pretendemos consolidar a defesa dos direitos huma-

nos desta população e expandir as ações direcionadas ao estabelecimento de

um fórum permanente de debate baseado na democracia e defesa da cidada-

nia de todos e todas.

Esta obra é fruto da dedicação de muitos atores: agradeço especial-

mente à Ação Educativa, Instituto Paulo Freire e Ilanud, que compartilharam

de forma igualmente intensa o compromisso assumido, aos autores que se

dispuseram a fortalecer a democracia com a veracidade de seus relatos, a Flá-

via Landgraf e à equipe de Avaliação da AlfaSol, que realizaram a transcrição

do áudio da oficina realizada no Fórum Social Mundial 2009, e a todos que

se envolveram direta ou indiretamente nas diferentes etapas de elaboração

deste mosaico.

Considerem aberto o debate!

Regina Célia Esteves de Siqueira

Superintendente executiva da AlfaSol

6

SUMÁRIO

9. INTRODUÇÃO

19. RESPONSABILIDADE SOBRE A EDUCAÇÃO EM PRISÕES

21. Para início de conversa: A sociedade civil e a educação na prisãoMariângela Graciano

24. O papel (ou responsabilidade) da sociedade civil na garantia dos direitos educativos das pessoas encarceradas – Francisco Scarfó

28. Responsabilidade sobre a educação nas prisões: Estado e sociedade civil Delzair Amâncio da Silva

31. A educação liberta da subserviência – Vagner Paulo da Silva

33. Comentário: A sociedade civil caminha no fio da navalha em relação à educação de pessoas encarceradas – Marcos José Pereira da Silva

37. EDUCAÇÃO COMO DIREITO HUMANO

39. Para início de conversa: Educação como direito humano Ednéia Gonçalves

41. A educação como direito – Moacir Gadotti

45. Há perspectiva de humanização das prisões? – Roberto da Silva

48. Educação como direito humano: um olhar de dentro – C. R.

52. Comentário: Educação nas prisões: entre o nada e a oferta de “qualquer coisa” – Denise Carreira

57. ESPECIFICIDADE DE GÊNERO: EDUCAÇÃO DE MULHERES PRESAS

59. Para início de conversa: As mulheres e a educação nas prisõesMariângela Graciano

62. Educação nas prisões – Maria da Penha Risola Dias

65. Dignidade humana, educação e mulheres encarceradas Sonia Regina Arrojo Drigo

68. Mulher, educação, prisão – Rosana da Conceição Souza Pontes Leite

71. Educação de mulheres presas: o olhar de uma egressa – B. B.

74. Comentário: Mulheres encarceradas e o direito à educação: entre iniquidades e resistências – Alessandra Teixeira

79. EDUCAÇÃO E SEGURANÇA

81. Para início de conversa: Prisão e educação – lógicas incompatíveis?Aline Yamamoto

83. Segurança versus educação – Maurílio de Souza Firmino

84. Educação ou punição – Rowayne Soares Ramos

86. Educação nas prisões – Manoel Rodrigues Português

91. A educação no contexto do cárcere – Marizangela Pereira de Lima

94. Comentário: Educação e segurança nas prisõesFabio Costa Morais Sá e Silva

99. EDUCAÇÃO FORMAL E NÃO FORMAL

101. Para início de conversa: O que há de educação em prisões? A educação formal e não formal – Raiane Assumpção

103. Educação formal e não formal no cárcere: questões anteriores e possíveis caminhos – Mário Miranda Neto

109. Reflexões em torno da educação escolar em espaços de privação de liberdade – Elenice Maria Cammarosano Onofre

112. Educação nas prisões: mais do que reconhecer, é necessário efetivar esse direito com qualidade – Juraci Antonio de Oliveira e Felipe Athayde Lins de Melo

117. A experiência do projeto “Quem somos nós?”: educação não formal em unidades prisionais femininas da cidade de São Paulo Fernanda Cazelli Buckeridge

119. Comentário: Os desafios da educação escolar e não escolar nas prisões Sérgio Haddad

123. SOBRE OS AUTORES

INTRODUÇÃO

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CEREJA discute

Educação das pessoas encarceradas: um direito humano pouco garantido

A educação é um direito humano reconhecido pela Constituição e

ratificado por documentos internacionais assinados pelo governo brasileiro.

No entanto, a garantia de acesso à educação ainda não é assegurada a todas

e todos, sobretudo se olharmos para uma das parcelas mais excluídas da so-

ciedade: as pessoas encarceradas.

Dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) de junho de

2009 apontam que a população carcerária brasileira está perto de 470 mil

pessoas, dentre homens e mulheres. Ao observar as informações sobre essa

população, percebe-se que o encarceramento faz parte de um processo de

exclusão anterior, que passa pela falta do acesso à educação formal: 66% das

pessoas presas não chegaram a completar o ensino fundamental, sendo que,

destas, 11,8% são analfabetas.

Ainda que a Lei de Execuções Penais reconheça o direito das pessoas

encarceradas à educação, esta não é uma realidade nos presídios do país. As

informações do Depen apontam que apenas 8,4% da população prisional

têm acesso a alguma atividade voltada à educação, em que se incluem ativi-

dades diversas, que vão da alfabetização e ensino formal, a cursos técnicos

e não-formais.

O inexpressivo número de pessoas presas que têm acesso à educação

esconde outra realidade ainda mais preocupante: não há, hoje, no país, uma

normativa que regulamente a educação formal no sistema prisional, o que

dá margem para a existência de experiências diversas e não padronizadas que

dificultam a certificação, a continuidade dos estudos em casos de transferên-

cia e a própria impressão de que o direito à educação para as pessoas presas

se restringe apenas à participação em atividades de educação não-formal,

como oficinas.

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CEREJA discute

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CEREJA discute

O direito à educação da pessoa privada de liberdade é tratado como

um benefício e um privilégio, em total contrariedade ao que dispõe a lei.

Partindo desse contexto de precariedade para a garantia de um direito

humano, quatro instituições formaram um grupo de trabalho e estudos sobre

educação nas prisões, a princípio como parte de um processo maior relacio-

nado a uma conferência internacional sobre o tema, que a Unesco realiza-

ria. Interrompido o processo relacionado à conferência, a Ação Educativa, a

AlfaSol, o Instituto Paulo Freire e o Instituto Latino-Americano das Nações

Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente (Ilanud) deram

continuidade a essa articulação.

Em janeiro de 2009 essas instituições, em parceria com outras organi-

zações da sociedade civil, organizaram uma atividade no Fórum Social Mun-

dial para discutir temas relacionados à educação nas prisões. O conteúdo dos

debates e o interesse das pessoas motivaram o grupo a dar continuidade às

discussões ali realizadas por meio de uma sistematização sobre os temas mais

recorrentes nas falas dos debatedores e participantes: educação como direito;

educação formal e não-formal; Estado e sociedade civil e sua responsabili-

dade sobre a educação; educação e especificidades de gênero; e educação e

segurança na prisão.

Em que se constitui o direito à educação das pessoas presas? Como aliar

experiências de educação não-formal dentro das prisões à garantia do acesso

à educação formal, com certificação? De que maneira a atuação da sociedade

civil pode ser colaborativa com a implementação de práticas educacionais, por

parte do Estado, para a população encarcerada? Por que o acesso à educação

dentro do ambiente prisional é ainda mais dificultado se pensarmos nas mulhe-

res encarceradas? A educação, de caráter emancipatório, é incompatível com a

lógica da segurança e do cerceamento que o espaço prisional estabelece?

As questões levantadas na atividade do Fórum Social Mundial e o

propósito de disseminar os acúmulos construídos sobre a temática da edu-

cação nas prisões fomentaram a organização desta publicação. A proposta é,

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CEREJA discute

sobretudo, divulgar a necessidade de formular políticas para o tema e, num

âmbito maior, colaborar para que a população encarcerada tenha garantido o

seu direito à educação – um direito de todas e todos.

Aline Yamamoto - Ilanud

Ednéia Gonçalves - AlfaSol

Mariângela Graciano – Ação Educativa

Natália Bouças do Lago - Ilanud

Raiane Assumpção – Instituto Paulo Freire

Instituições organizadoras

AlfaSol (Alfabetização Solidária)A AlfaSol é uma organização não-governamental, fundada em 1996

com a missão de contribuir para a redução do analfabetismo e para a amplia-

ção da oferta pública de Educação de Jovens e Adultos no Brasil e no mundo,

por meio da articulação de uma rede de parceiros, envolvendo Instituições de

Ensino Superior (IES), redes sociais, organizações não-governamentais, em-

presas, governos (municipais, estaduais e federal) e pessoas físicas.

Cinco dimensões da atuação da AlfaSol são determinantes para a efe-

tivação do direito de todos à educação, defendido pela instituição:

• Atuaçãolocal:Imersão no contexto sociocultural do aluno.

• Capacitação de educadores locais: Possibilidade de formação de

agentes efetivos de transformação social de longo prazo, advindos

da própria comunidade atendida, construindo condições de autossus-

tentabilidade para ações educativas futuras.

• ParceriacomInstituiçõesdeEnsinoSuperior(IES):União de esfor-

ços que possibilita um intenso intercâmbio entre o saber constituído

em bases acadêmicas e o conhecimento construído pelos alunos em

seu contexto sociocultural.

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CEREJA discute

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CEREJA discute

• Mobilizaçãoemtornododireitodejovenseadultosàescolarização

contínuaedequalidade: Indicação a gestores da possibilidade con-

creta de desenvolvimento de ações de ampliação da escolaridade glo-

bal do município e estado, incluindo a Educação de Jovens e Adultos

dentre as prioridades do ensino fundamental e médio.

• Avaliação:Desenvolvimento de sistema de avaliação contínua, visando

aprimorar o processo de atuação e informar à sociedade, de maneira

próxima e sistemática, os resultados do trabalho desenvolvido pela

Organização nas comunidades atendidas. Esse processo abarca todas

as etapas e aspectos do atendimento.

Ação EducativaFundada em 1994, a Ação Educativa tem por missão atuar pela ga-

rantia universal do direito à educação pública de qualidade, a afirmação dos

direitos da juventude e a promoção dos direitos de acesso e produção à cul-

tura. Sua atuação é orientada para a busca e fortalecimento da justiça social,

democracia participativa e o desenvolvimento sustentável no Brasil.

Para realizar essa missão, a Ação Educativa combina diferentes es-

tratégias: ação local e experimentação pedagógica; formação e capacitação

de jovens, educadores e outros agentes sociais; fomento a manifestações

artísticas e culturais de grupos, articulação e participação em redes e fó-

runs em âmbito local, nacional e internacional; promoção de campanhas de

sensibilização e mobilização; pesquisa e difusão de informações e conheci-

mentos; promoção de debates e intercâmbio, produção de materiais educa-

tivos, assessoria a órgãos públicos, exigibilidade social e jurídica de direitos

educativos e da juventude, lobby e advocacy junto aos poderes executivo,

legislativo e judiciário.

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A opção por combinar essas diversas estratégias constitui a própria

identidade da Ação Educativa. Reunir os diferentes, promover o diálogo e a

colaboração é a principal marca do estilo de atuação da entidade.

A Ação Educativa procura também, de forma sistemática, integrar a

intervenção nas áreas da educação, juventude e cultura a um campo mais

amplo de organizações da sociedade civil e movimentos sociais que atuam

em defesa dos direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais.

Instituto Paulo FreireO Instituto Paulo Freire (IPF) é uma organização social sem fins lu-

crativos, criada em 1991 e fundada oficialmente em 1º de setembro de 1992.

Está sediado no Brasil, mas articulado com uma rede internacional de pessoas

e instituições distribuídas em mais de 90 países e em todos os continentes.

A finalidade do IPF é dar continuidade e reinventar o legado de

Paulo Freire. Esse propósito tem sido realizado por meio de pesquisas,

promoção de espaços de reflexão e socialização (fóruns, seminários, en-

contros, dentre outros), formação, acompanhamento, sistematização e

gestão compartilhada de planos, programas e projetos nos campos da

educação, da cultura e da comunicação.

O objetivo do IPF é contribuir para a efetiva transformação social,

na perspectiva da autonomia dos sujeitos e da radicalidade da democracia

política, econômica, social e cultural. Para construir essa mudança é neces-

sário fazer uma “leitura” do mundo, analisar e interpretar os limites e as

potencialidades, a correlação de forças históricas e políticas, para dar o passo

necessário e possível.

Para o desenvolvimento das ações, as equipes do IPF partem do re-

ferencial teórico-metodológico freiriano e do contexto social e histórico em

que atuam. A concepção de ser humano de Freire permeia toda a práxis –

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interpretado como ser inacabado, incompleto e inconcluso, mas com uma

vocação ontológica de desenvolver-se na plenitude de suas potencialidades. A

compreensão desta constante reformulação dos sujeitos como seres históricos

potencializa o seu poder de transformar a realidade, à medida que interpreta

as ações empreendidas nas relações sociais dos diferentes grupos que a cons-

tituem. Na dialética de suas relações com o outro, a partir do reconhecimento

de similaridades e diferenças, o indivíduo completa-se mediante o processo

de socialização.

Estes são os motivos pelos quais a metodologia adotada é necessa-

riamente dialógica. Por meio da organização de fóruns de diálogo, concebi-

dos por Freire como Círculos de Cultura, são criados espaços em que se dá o

encontro entre os sujeitos do conhecimento. A sustentação da interpretação

da realidade como algo mutável, sujeito à reformulação e intervenções, se

dá na própria construção do conhecimento — um ensinar e aprender con-

comitante e coletivo. É nessa realização processual que ocorre a avaliação,

o acompanhamento e a intervenção político-pedagógica. Os registros e a

sistematização das práticas, das reflexões e proposições têm sido instru-

mentos operacionalizadores.

Fundamentado nesse referencial teórico-metodológico, o IPF rea-

liza ações e desenvolve projetos junto a determinados governos, aos mo-

vimentos sociais e ONGs, em que desempenha diversos papéis, tais como:

articulação, gestão, formação de formadores, definição de metodologia

educativa, análise e redefinição curricular, atuação em campanhas, em

fóruns e agendas de mobilização.

Ao considerar a educação como um ato político, como afirma Paulo

Freire, o IPF busca, por meio de suas ações e dinâmica institucional, atu-

ar junto à formação dos indivíduos, para sua conscientização como agente

histórico, fundamentado na práxis, em que ação e reflexão constituem mo-

mentos correlacionados para o aprofundamento da consciência crítica e da

transformação social.

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Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente (Ilanud)

O Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do

Delito e Tratamento do Delinquente (Ilanud) foi fundado em 1975 e tem sua

sede na Costa Rica. Trata-se de um órgão regional que compõe a Rede do

Programa de Prevenção do Crime e Justiça Criminal das Nações Unidas, ligada

ao Conselho Econômico e Social da ONU.

O escritório brasileiro do Ilanud foi criado em 1997 e atua em três

grandes áreas: justiça juvenil e sistema socioeducativo, justiça criminal e sis-

tema penitenciário e prevenção da violência e segurança pública. Suas ativi-

dades se traduzem em duas formas de atuação: produção de conhecimento

(pesquisas, diagnósticos, avaliações) e difusão do conhecimento (atividades

de formação, capacitação, publicações etc.).

A missão do Ilanud é colaborar para o fortalecimento do Estado de

Direito no Brasil, com respeito aos direitos humanos, buscando a preservação

da paz e do desenvolvimento social. Nesse sentido, o Ilanud busca promover e

apoiar os Estados e a sociedade civil nos seus esforços de prevenção ao crime,

efetivação de reformas nos mecanismos de controle social, modernização da

legislação e democratização do sistema de administração da justiça.

O Instituto orienta suas ações adotando os princípios preconizados

pelas Nações Unidas relativos à prevenção ao crime e à violência, ao trata-

mento do recluso, ao funcionamento da justiça penal e à utilização de armas

de fogo — sempre de acordo com os padrões estipulados pelos instrumentos

internacionais de proteção à pessoa humana.

RESPONSABILIDADE SOBRE A EDUCAÇÃO EM PRISÕES

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CEREJA discute

Para início de conversa

A sociedade civil e a educação na prisãoMariângela Graciano

O tema da participação da sociedade civil nas práticas educativas

desenvolvidas em espaços de privação de liberdade suscitou um interes-

sante debate.

De um lado, profissionais da educação apontavam para o risco de

o Estado transferir para as organizações sua responsabilidade de ofertar a

educação. Mais do que uma questão de princípio, esta ação fragiliza a cons-

trução de políticas educacionais do interior das prisões, por serem pontuais

e dispersas e destituídas de orientações públicas. Além disso, foi apontado o

risco de os gestores substituírem as ações de educação escolar pelas práticas

não-escolares que, do ponto de vista econômico, são muito mais “baratas”.

De outro lado, representantes de organizações e pessoas da sociedade

em geral ponderaram a necessidade de se entender que a educação, quando

destinada à formação integral dos indivíduos, extrapola a educação escolar,

responsabilidade do Estado. As práticas de profissionalização, arte-educação,

formação para e em direitos humanos e tantos outros temas podem e devem

ser compartilhadas entre Estado e sociedade civil.

Em relação à possível transferência de recursos públicos para organiza-

ções privadas por meio dessas ações, foi apontada a necessidade de criação de

critérios públicos e transparentes para a celebração de convênios e parcerias,

bem como de mecanismos de acompanhamento de sua realização. Aliás, esta

observação é válida para toda transferência de recursos públicos para a inicia-

tiva privada relacionada ao sistema prisional.

No entanto, há que se considerar outros dois aspectos da participação

da sociedade no campo da educação nas prisões. A primeira delas é a sua

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reduzida atuação na mobilização pelo reconhecimento do direito à educação

das pessoas privadas de liberdade, e pela implementação de políticas que

concretizem tal direito. Apenas muito recentemente há registros de ações

desta natureza.

O alheamento da sociedade também pode ser verificado na sua invisi-

bilidade na produção científica do País. Apenas a partir de 2000 começam a

ser produzidas dissertações e teses com foco na educação de pessoas jovens

e adultas encarceradas.

Por fim, é preciso destacar que a presença da sociedade civil no am-

biente prisional é de fundamental importância para exercer o controle social

sobre a ação repressora do Estado. Promovendo atividades educativas ou não,

as organizações têm a responsabilidade de tornar pública a realidade cons-

truída no interior dos muros e celas, buscando contribuir para o respeito aos

direitos humanos.

Neste contexto de exercício da cidadania por meio da aproximação do

ambiente prisional, alguns desafios se impõem. O primeiro deles é a necessária

construção de um sistema público de informações sobre o sistema prisional

em geral, e da educação nas prisões, em particular. Sem dados abrangentes

e confiáveis, é impossível tanto a formulação de políticas públicas quanto o

monitoramento das ações do Estado.

Há também que se estabelecer mecanismos institucionais para a de-

núncia de violações de direitos identificadas por educadoras e educadores,

sejam vinculados ou não a organizações da sociedade civil.

O maior e mais estimulante desafio colocado à sociedade civil, no

entanto, talvez seja o de sensibilizar a própria sociedade sobre os direitos

educativos das pessoas encarceradas, e a necessária ação do Estado para

garanti-los.

Alguns autores explicam a insensibilidade social para com as horríveis

condições das prisões brasileiras em razão da classe social da população car-

cerária – são pessoas pobres, em sua maioria negras e homens.

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De acordo com estes autores, durante a ditadura militar, quando os

filhos e filhas da classe média experimentaram o tratamento do cárcere sob a

denominação de “presos políticos”, houve mobilização social. Os maus tratos

a essas pessoas indignaram e continuam indignando a sociedade brasileira.

A mesma solidariedade, no entanto, não se estende aos presos e presas

chamados “comuns”. E as pessoas que ousam contestar o tratamento indigno que

lhes é dispensado são, depreciativamente, chamadas de “defensoras de bandidos”.

Neste contexto, a mobilização pela educação nas prisões é, sem dúvi-

da, também uma necessária atuação em defesa dos direitos humanos – tarefa

de todas as pessoas.

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O papel (ou responsabilidade) da sociedade civil na garantia dos direitos educativos das pessoas encarceradasFrancisco Scarfó

A educação nas prisões, como um direito humano, exige um conjunto

de ações, tanto no âmbito do Estado como da sociedade civil, para que se

concretize plenamente e esteja ao alcance de todas as pessoas presas.

Sabemos que a prisão é, por definição, um ambiente hostil para ga-

rantir devidamente os direitos, e o acesso à educação não está livre dessa

situação restritiva.

Neste cenário, há responsabilidades e funções de protagonismo a se-

rem desenvolvidas pelo Estado e pela sociedade civil para garantir o direito

à educação.

Cabe lembrar que o Estado, em relação a qualquer direito humano,

tem a obrigação de realizar ações para promover, garantir, respeitar e proteger

tais direitos. Isto ocorre por meio de políticas integradas e intersetoriais que

favoreçam o gozo dos direitos e, quando isso não acontecer, deve promover

políticas que revertam a realidade.

Ocorre, no entanto, que muitas vezes o Estado não possui no interior

de sua estrutura os mecanismos e, às vezes, a normativa que regula e reforça

o gozo do direito, ainda mais quando se trata de privação de liberdade. A

prisão não costuma estar presente na agenda pública do Estado, tampouco a

garantia de direitos nesse contexto, dentre os quais o da educação.

Por sua vez, apesar de a maioria dos órgãos públicos de controle das

prisões considerar o tema da educação, às vezes há problemas mais urgentes ou

violações de direitos humanos, como tortura ou superlotação, que adiam, em

alguma medida, o tratamento específico ou a análise da situação educacional.

Assim, poderíamos dizer que uma das primeiras ideias que surgem a

respeito do papel que a sociedade civil pode desempenhar é o de procurar

colocar em foco, na agenda pública, a questão da educação nas prisões.

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Isto leva a uma série de estratégias integrais e intersetoriais, de curto,

médio e longo prazos, que vão desde pesquisa, produção de relatórios, visitas,

projetos educativos, publicações, participação nos meios de comunicação,

bem como na academia, dentre outras coisas, que chamem a atenção tanto

do Estado como da sociedade em geral sobre o valor da educação nas prisões.

Com o objetivo de evidenciar a situação da educação, o papel da so-

ciedade civil em relação ao direito à educação, tem, a meu ver, duas linhas de

ação concretas: promoção e monitoramento.

A promoção inclui ações de intervenção que levam ao fortalecimento

da educação pública nas prisões e não a uma competição entre ONGs e esco-

las públicas. Lembremos que o direito à educação é uma obrigação do Estado,

que deve garanti-lo pelo sistema de educação formal.

Neste ponto, a sociedade civil pode dar muitas ideias e realizar ações

de educação não-formal, que façam com que as pessoas presas tenham

acesso a conhecimentos e experiências de formação enriquecedoras, que

muitas vezes a educação formal, por sua estrutura e lógica escolarizante,

não faz. Acontece que muitas vezes o Estado substitui sua responsabili-

dade de oferecer educação formal pelo trabalho de uma ONG (geralmente

programas de alfabetização ou similar) para reduzir seus custos na hora de

garantir o direito.

Neste sentido, é essencial que exista uma lei que estabeleça as respon-

sabilidades do Estado e da sociedade civil organizada. Isto para que se possa

exigir, tanto de uma como de outra parte, o cumprimento dessa responsa-

bilidade assumida referente ao direito à educação nas prisões. Isto deve ser

alcançado através de acordos, protocolos etc. que coloquem em evidência os

compromissos assumidos, os modos de atuação, e que, definitivamente, torne

seu cumprimento exigível judicialmente.

Em relação ao monitoramento, no âmbito do Protocolo Facultativo

contra a Tortura das Nações Unidas (aprovada em 2002), há um espaço

bem concreto de participação e missão da sociedade civil em termos de

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monitoramento (controle) das prisões e garantia de direitos. Nesse sentido,

é fundamental que as organizações da sociedade civil envolvidas com a

educação na prisão possam desenhar ações que destacam a situação da

educação nas prisões e até se possa pensar numa judicialização do pedido

de acesso e fruição do direito.

Neste aspecto, é fundamental ter em vista os avanços legislativos que

tornem o direito judicializável. Certamente, não existem protocolos, deci-

sões ou mecanismos judiciais claros que permitam a queixa ante a restrição

ou violação do direito à educação nas prisões. Não se pode esquecer que o

Estado também deve facilitar o acesso à justiça e, neste ponto, é essencial

reconhecer a existência de mecanismos de reivindicação ágeis e que estejam à

disposição para que as pessoas presas possam exigir seus direitos — e é aí que

a sociedade civil pode ser protagonista de uma ação de acompanhamento e

assessoramento perante a queixa.

Além disso, pode-se pensar em obter compromissos públicos não só

do executivo, mas também do poder legislativo e judiciário para o desenvol-

vimento e fortalecimento do direito à educação nas prisões.

Será tarefa da sociedade civil organizar, conjuntamente com agências

de fiscalização, ações legais e judiciais mais pertinentes para cobrir esta lacu-

na, ou, na sua falta, fortalecê-la.

Outro aspecto que se soma aos dois anteriores é o trabalho em rede,

isto é, um trabalho com outras organizações para uma ação mais robusta e

de impacto contra as paredes que caracterizam a prisão.

Assim, o Estado deve estar convencido do valor da sociedade civil para

participar de um trabalho conjunto ou complementar que permita trocar in-

formações ou avaliar o progresso da educação nas prisões.

Isso impulsiona um amplo e democrático acesso à informação, bem

como um marco normativo específico que regulamente a participação. Acre-

dita-se, com isso, que a situação educativa, escolar e não-escolar, melhoraria

se contasse com um sistema de informação pública que permitisse orientar

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não só as decisões que concretizam a política pública e penitenciária para o

direito à educação nas prisões, mas que também permitisse à sociedade civil

atuar de maneira complementar e reforçar as medidas tomadas pelos Estados,

seja na perspectiva de monitoramento e de promoção do direito.

Portanto, dadas as dificuldades em garantir o direito à educação nas

prisões, a sociedade civil pode contribuir muito em termos de vigilância, pro-

moção; de alguma forma, sua ação terá um impacto positivo sobre a educa-

ção que o Estado promove (pouco ou muito), mas também levará a abrir a

prisão, tornando-a mais democrática, mais humana.

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Responsabilidade sobre a educação nas prisões: Estado e sociedade civil Delzair Amâncio da Silva

“Art.205 – CF de 1988: A educação, direito de todos e dever do Estado

(...), será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao

pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e

sua qualificação para o trabalho.”

A sociedade, decerto, é potencialmente a sociedade civil organiza-

da: sindicatos, igrejas, associações, comissão de direitos humanos, ONGs etc.

A educação como processo de reconstituição da experiência é atributo da

pessoa humana e, por isso, tem que ser comum a todos, incluindo pessoas

encarceradas. Nesse processo, a sociedade civil torna-se corresponsável. Nada

mais coerente. O Estado é um dos grandes responsáveis, senão o maior deles,

por toda deformação da pessoa que deságua no crime.

O direito à educação de pessoas presas está assegurado em normas na-

cionais e internacionais. A realidade, porém, demonstra que ainda há um lon-

go caminho a ser percorrido. No Brasil, apenas 18% dessas pessoas estudam.

“Não diria que o sistema está falido, o qualifico como caótico... 80% não

trabalham e 82% não estudam...” (deputado Domingos Dutra, em: http://

notícias.uol.com.br, de 19/12/2008). Desigualdades econômicas e sociais, au-

sência de oferta de uma educação de qualidade e ineficiência de políticas pú-

blicas colaboram para uma desenfreada produção em série dessa população.

A desigualdade tem sido marca da diversidade brasileira. O país chega

ao século XXI com grandes déficits na alfabetização e na Educaçao de Jovens

e Adultos (EJA). Conforme dados do Pnad (2006): a) o IBGE registrou 14,4

milhões de analfabetos com 15 anos ou mais: no Nordeste (20,7%), Norte

(11,3%), Centro-Oeste (8,3%), Sudeste (6,0%) e Sul (5,7%); b) desses analfa-

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betos, 69,4% eram negros; e c) 22,2% de analfabetismo funcional de 15 anos

ou mais. Em termos absolutos, 30,5 milhões: no Sul e Sudeste a taxa era de

16,5%, Nordeste (34,4%), Norte (25,6%) e Centro-Oeste (20%) (Documento-

Base Nacional Preparatório à VI Confintea, 20, 2008, Brasília). São indicado-

res de uma população com baixa escolaridade. Para ela, os piores postos de

trabalho, as piores condições de moradia e saúde, quando existem. São as

principais vítimas de violências múltiplas. Este é o mesmo perfil de pessoas

que superlotam as prisões brasileiras. Tal cenário exige esforços dos gestores

públicos, educadores e sociedade civil para garantia da oferta educacional

adequada às especificidades de cada público.

Produção e efetivação de políticas para a educação nas prisões é res-

ponsabilidade de governos. Os fóruns de EJA, os movimentos ligados aos

direitos humanos, de mulheres, de afro-descendentes, dentre outros, exercem

papel inquestionável na proposição de diálogo e na construção de alternati-

vas que resultem em políticas públicas destinadas aos excluídos. Todavia, o

diagnóstico da realidade das prisões demonstra desarticulação entre as ações

governamentais (MEC, MJ, SEE, dentre outras esferas de governo) e ausência

da sociedade civil, o que dificulta o desenvolvimento de políticas públicas

eficientes para a educação desses sujeitos.

Diante dos desafios enunciados, é imprescindível que a educação nas pri-

sões se integre a um sistema nacional de educação, capaz de garantir o acesso, a

permanência, a conclusão e a qualidade de ensino compatível com a demanda.

Quanto aos recursos humanos, ainda há um grande desafio. Destaca-

se a importância de reconhecer a necessidade de profissionais habilitados e

concursados em quantidade suficiente com garantia de formação inicial e

continuada. Não só para educadores, mas para todos que direta ou indireta-

mente atuam no atendimento a esses sujeitos.

Discutir educação nas prisões exige ainda, rever recursos orçamentá-

rios e financeiros, destinados ao sistema público com controle social e passí-

vel de prestação de contas à União e a tribunais de contas.

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O compartilhamento de ações contribui, decisivamente, para o cum-

primento do direito à educação de qualidade e a sua oferta efetiva aos sujei-

tos que a demandam. Ao Estado compete: a) assegurar a ampliação do direito

à educação básica pública, gratuita e de qualidade na modalidade EJA, inte-

grada à formação profissional, preferencialmente; b) ampliar mecanismos de

divulgação e conscientização do direito à Educação de Jovens e Adultos nas

prisões; c) programar ações afirmativas de geração de trabalho e renda que

contribuam para a superação da desigualdade socioeconômica dos educan-

dos; d) garantir a certificação dos educandos, estimulando que o Conselho

Nacional de Educação aprove parecer que trate a temática.

À sociedade civil compete: a) propor políticas de acesso e permanência

nos três segmentos da EJA com perspectivas de qualificação para o trabalho e

ingresso à universidade pública e gratuita, incluindo, também, possibilidades

de práticas alternativas de ensino e aprendizagem; b) fiscalizar com rigidez

a oferta de cursos de curta duração e a distribuição de certificados sem efe-

tividade e qualidade; c) participar na construção, monitoramento e controle

social das políticas públicas para a educação nas prisões em todos os níveis

de governo, além de propor soluções para irregularidades verificadas; d) for-

talecer a participação das famílias e estimular a criação de grupos de apoio.

Portanto, Estado e sociedade civil têm o dever de proporcionar opor-

tunidades para o exercício digno da liberdade. O Estado existe para garantir

o acesso de todos aos serviços essenciais. Sendo a educação elemento fun-

damental do processo de construção da cidadania, sua tarefa e o seu projeto

político não podem ser contrários a isso, tampouco deixá-la à revelia.

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A educação liberta da subserviênciaVagner Paulo da Silva

De acordo com Foucault (1987), a prisão também se fundamenta pelo

papel de “aparelho para transformar os indivíduos”. Quando lemos esta cita-

ção de Foucault, percebemos o grande abismo entre ela e a realidade. Minha

experiência de trabalho em penitenciárias femininas e masculina só ratifica

este abismo.

Quando iniciei com o projeto de incentivo à leitura como ferra-

menta de inclusão social, deparei com uma situação inusitada: todas as

atividades de cunho educacional eram praticadas como obrigações ou

como forma de obter algum benefício jurídico, sem que houvesse prazer

na sua execução.

Com o andamento do projeto, observei que todas as atividades de-

senvolvidas em caráter não-oficial (yoga, teatro, dança, oficinas de escritas e

palestras), tinham uma grande adesão por parte das reeducandas, sendo que

era visível a apropriação da proposta.

Percebi neste caminho que ações educacionais formais ou não formais

têm um grande resultado quando utilizadas de uma forma em que se faça

ouvir a voz dos agentes participantes. O exercício de reflexão e questiona-

mento só colabora com este crescimento.

Acredito que o desenvolvimento de atividades que privilegiem a edu-

cação e a cultura tenham grandes resultados quando vistas como instrumen-

to de reflexão, mudança e provocação.

Todas estas atividades, em uma sociedade que prima pelo imediatis-

mo, infelizmente parecem não mostrar resultados, mas quando olhadas sem

imediatismo, encontramos um manancial de desenvolvimento e mudanças,

que pode e deve diminuir este abismo da realidade carcerária brasileira.

Ao olharmos hoje para nossas prisões, provavelmente vemos o re-

sultado de vários anos de desmando, autoritarismo, desigualdades sociais,

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corrupção, impunidade, descaso com a educação e com problemas e polí-

ticas de saúde tratados através de políticas de segurança pública.

Para revertermos ou minimizarmos essa situação é preciso mostrar às

pessoas envolvidas a importância da educação como ferramenta de mudan-

ças profundas, a partir das quais possamos olhar para esta ferida e tocá-la,

até expurgar seu pus.

Será esta a maneira para cicatrizar e começar um tratamento onde

uma parte não comprometa o todo? É olhar para a educação como a chave

que abre as portas da liberdade.

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Comentário

A sociedade civil caminha no fio da navalha em relação à educação de pessoas encarceradasMarcos José Pereira da Silva

Os papéis de grupos e pessoas que desenvolvem práticas educativas

em espaços de privação de liberdade não são definidos previamente. Dife-

rentes perspectivas adotadas por estes sujeitos orientam sua atuação nesse

espaço e dão forma e conteúdo ao papel por eles desempenhado, e precisam

ser bastante debatidas. Vejamos.

Primeiro, o papel da sociedade civil deve ser compreendido a partir da

relação que estabelece com o que compete ao Estado em relação à política

pública de educação. O Estado desempenha um papel insubstituível e fun-

damental para efetivação da educação, pois somente ele pode assegurar o

cumprimento ou exercício do direito à educação de modo universal para to-

das as pessoas e garantir dotação orçamentária própria oriunda dos impostos

arrecadados de contribuintes.

É preciso considerar também que as práticas educativas da sociedade

civil em relação à educação e, em especial, nos espaços de privação de liber-

dade, precisam ser tratadas na lógica da construção de políticas públicas de

qualidade, as quais abordem a questão das desigualdades social, econômica

e política e das discriminações etnicorraciais e de gênero, flagrantemente

observadas junto à população encarcerada.

A presença necessária da sociedade civil no ambiente prisional pode

facilitar o controle social sobre a ação do Estado na promoção da educação

de qualidade para as pessoas encarceradas. Frente ao dilema da ação educati-

va direta ou ação em defesa de direitos, a sociedade civil consegue superá-lo

quando articula as duas ações. Deste modo, o papel da sociedade civil adquire

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uma dimensão maior, mesmo circunscrito ao pequeno espaço de intervenção

de uma prática educativa específica, como observado em algumas experiên-

cias que consideram as estratégias de emancipação e liberdade das pessoas

encarceradas, por exemplo, na Pastoral Carcerária e Instituto Terra, Trabalho

e Cidadania (ITTC).

Esta presença nos espaços do cárcere é fundamental para o desenvol-

vimento de uma educação, seja ela no ensino escolar ou não.

O fundamental é que a educação vivenciada tenha como referência as

pessoas detidas e as suas estratégias de superação daquela condição. A com-

preensão deste tipo de educação ajuda-nos a sair do falso dilema entre papel

da sociedade civil versus papel do Estado. O mais adequado é falarmos de

processos de educação política, seja como práticas de grupos que intervêm no

ambiente prisional e disputam a orientação sobre o Estado, seja como ações

educativas a partir do próprio Estado. Estes processos de educação política

influenciam o Estado e as redes de sujeitos sociais excluídos e encarcerados

e organizações que apoiam suas estratégias de sobrevivência e superação das

violações aos direitos humanos. Esta educação é compreendida como ação de

reflexão educacional, cultural, exercitada política e historicamente em con-

textos econômicos, políticos, culturais e sociais específicos. Por isso estamos

falando de uma educação que associa processos educativos a estratégias po-

líticas e sociais das classes subalternas. É necessariamente educação política

como prática de educação popular.

A mesma exclusão e carência de educação de qualidade são vivencia-

das fora dos espaços da prisão. Há uma relação entre a exclusão vivida por

pessoas com a mesma origem dentro ou fora da prisão.

É no mínimo temerário falar que a sociedade civil desenvolve práti-

cas educativas mais enriquecedoras ou de formação integral porque trabalha

com conteúdos reflexivos, vivências e aspectos culturais que levam as pessoas

encarceradas a problematizar sobre seu papel, construir autoestima etc. Se

a sociedade civil estiver articulada na construção de uma educação política,

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provavelmente desempenhará um papel fundamental na transformação da

vida das pessoas privadas de liberdade, do sistema carcerário e da política de

segurança pública.

Outra afirmação comum é que o Estado desenvolve nestes espaços

educação bancária, que reproduz a dominação porque é mais rígida e tem

um currículo predeterminado. As políticas de educação na prisão não preci-

sam ser descontextualizadas nem alijadas das estratégias dos encarcerados,

das pessoas e organizações que apostam em sua transformação. A escola

de qualidade para as classes populares é a que permite integração com o

conhecimento produzido pela humanidade e ajuda-os a exercerem a crítica

autônoma frente ao que veem e vivem. O conhecimento científico não é por

si só um reforço à desigualdade nem uma solução mágica para superação das

desigualdades e discriminações.

O problema do financiamento também fica menor se olharmos menos

para a falta ou destinação de recursos para práticas educativas escolarizadas

ou não escolares. O mesmo direito à educação escolar de qualidade deve

orientar a conquista do estudo das artes, do desenvolvimento do corpo e da

expressão corporal, enfim, do que é chamado de arte-educação. O Estado

que mantém as pessoas não encarceradas apartadas de atividades culturais,

esportivas, artísticas também as mantém longe da educação de qualidade. As

periferias são a continuidade dos presídios, e os presídios são a continuida-

de das periferias. Uma das diferenças fundamentais é apenas que uma tem

grades e trancas e a outra está lutando para romper as trancas e prisões que

negam políticas públicas para o desenvolvimento do ser humano e da socie-

dade sustentável. A exclusão é a mesma. O Estado também desenvolve políti-

cas públicas na tentativa de superar esta situação. Quero dizer que há várias

estratégias políticas recortando e dando forma ao Estado, não monolítico e

passível de ser disputado sempre.

A atuação da sociedade civil nas prisões algumas vezes ocorre por

meio de parcerias com o poder público, envolvendo transferência de recursos.

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A sociedade civil não pode deixar de debater sobre as formas de acesso aos

recursos públicos necessários para a construção das políticas públicas de qua-

lidade, inclusive para seu monitoramento e avaliação. As ONGs e movimentos

sociais em várias redes, como a Associação Brasileira de ONGs (Abong), têm

assumido uma postura de diálogo para que o Estado adote critérios transpa-

rentes na contratação de seus serviços; a criação de fundos públicos geridos

de modo paritário pela sociedade e Estado tem aparecido como uma possibi-

lidade. Há muitos editais abertos para repasse de recursos públicos. As ONGs

e movimentos assumem o desafio de realizar uma boa gestão dos contratos,

convênios e termos de parceria a eles confiados.

A sociedade civil caminha no fio da navalha, basicamente, por dois

motivos. Se age apenas no pontual, sem incorporar as estratégias dos su-

jeitos sociais e políticos com os quais se relaciona no fazer educativo, pode

legitimar violações de direitos. Se impõe a si o papel de realizadora da

educação escolar, não consegue implementar um sistema de educação com

a qualidade e escala necessárias de um sistema público de educação. Mas,

também, se recusa atuar nos espaços de privação de liberdade, temendo,

com sua ação, legitimar práticas institucionais de violação de direitos, ab-

dica da possibilidade transformar o conhecimento da realidade em subsídio

para a intervenção social.

Dada a especificidade do ambiente, ao pensar a educação no cárcere,

parece mais apropriado falar de educação política, no sentido de uma edu-

cação que vise a emancipação das pessoas, implementada pelo Estado e pela

sociedade civil.

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EDUCAÇÃO COMO DIREITO HUMANO

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Para início de conversa

Educação como direito humanoEdnéia Gonçalves

“Toda pessoa tem direito à instrução (...). A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais.”

Declaração Universal dos Direitos Humanos – Artigo 26

O reconhecimento da educação como um direito humano implica direta-

mente na análise das condições de garantia de seu exercício ao longo da vida de

todos e todas, independentemente do contexto ou ambiente em que se inserem.

A consolidar esta ideia, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) reco-

nhece e se apropria positivamente da diversidade de percursos no processo de

ensino e aprendizagem das pessoas jovens e adultas, impondo aos educadores

da modalidade o desafio do atendimento às necessidades básicas de aprendi-

zagem de um público caracterizado pela riqueza da diferença.

A transposição da premissa da equidade para o âmbito da oferta pú-

blica de EJA encontra desafios imensos, que vão da superação da educa-

ção compensatória que identifica a EJA como o ambiente de “correção do

descompasso” da história escolar dos sujeitos, à exigência de educação de

qualidade para todos por toda vida (inclusive nas prisões), segundo a qual o

reconhecimento da cidadania de presos e presas é o ponto de partida para

a defesa de seus direitos educativos: “As pessoas presas devem gozar dos

direitos assim como os cidadãos e cidadãs que não são privados de liberdade

– exceto pela liberdade de ir e vir” (Francisco Scarfó).

A consolidação de uma proposta consistente de educação em pri-

sões exige aprofundamento na compreensão das bases em que se sustenta

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e se relaciona a lógica da educação e da segurança dentro e fora das ins-

tituições penais.

Os sistemas penitenciários organizam-se, tradicionalmente, em torno

dos imperativos da punição/proteção da sociedade e trabalho/reabilitação,

construindo para tanto uma estrutura de funcionamento fundada basica-

mente na privação da liberdade. Neste ambiente, a oferta de EJA em todos

os níveis de ensino é uma realidade distante e normalmente descolada das

demandas gerais da sociedade por educação de qualidade e na contramão do

reconhecimento de todos os jovens e adultos como sujeitos de aprendizagem.

Incluir presos e presas no grupo de “todos” é também reconhecer que

a educação em prisões não é educação de prisioneiro (Marc De Maeyer, 2006),

“mas a educação permanente de todos aqueles que têm alguma ligação com a

prisão (...)”, o que nos leva a incluir no rol das demandas educativas a forma-

ção permanente de profissionais, as condições de infraestrutura nos ambientes

destinados à educação (dentre eles a oferta de materiais, inclusive de incentivo

à leitura) e a organização dos “tempos” com o estabelecimento de rotina ade-

quada ao projeto que se apresenta. Sobretudo a interlocução entre o sistema

educacional e de justiça deve prever e favorecer a oferta contínua de educação

em todos os níveis, com todas suas implicações organizacionais e formativas.

A diversidade de experiências desenvolvidas nos Estados brasileiros de-

monstra que é longo o caminho a ser percorrido – da visão da educação em

prisões como “programa de reabilitação” até a apropriação da educação como

exercício de direito, não privilégio, e no Brasil passa pela defesa da remição

da pena pelo estudo e pela retomada das discussões iniciadas por MEC, Mi-

nistério da Justiça e sociedade civil, no âmbito das “Diretrizes Nacionais para

a Educação em Prisões”. Este pode ser um caminho concreto em direção ao

fortalecimento do ideal de todos que, dentro ou fora das prisões, lutam por

sua humanização.

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A educação como direitoMoacir Gadotti

Parece-me fundamental que, na perspectiva da conquista do direito

à educação “para todos”, sejam incluídas as pessoas privadas de liberdade.

Negar-lhes esse direito é negar-lhes a possibilidade de se reintegrarem à

vida social.

Quando falamos de educação, já não discutimos se ela é ou não ne-

cessária. Parece óbvio, para todos, que ela é necessária para a conquista da

liberdade de cada um e o seu exercício da cidadania, para o trabalho, para

tornar as pessoas mais autônomas e mais felizes. A educação é necessária

para a sobrevivência do ser humano. Para que ele não precise inventar tudo

de novo, necessita apropriar-se da cultura, do que a humanidade já produziu.

Se isso era importante no passado, hoje é ainda mais decisivo, numa socieda-

de baseada no conhecimento.

O direito à educação é reconhecido no artigo 26 da Declaração Univer-

sal dos Direitos Humanos como direito de todos ao “desenvolvimento pleno

da personalidade humana” e para fortalecer o “respeito aos direitos e liberda-

des fundamentais”. A conquista deste direito depende do acesso generalizado

à educação básica, mas o direito à educação não se esgota com o acesso, a

permanência e a conclusão desse nível de ensino: ele pressupõe as condições

para continuar o estudo em outros níveis.

O direito à educação não se limita às crianças e jovens. A partir desse

conceito devemos falar também de um direito associado, o direito à educa-

ção permanente, em condições de equidade e igualdade para todos e todas.

Como tal, deve ser intercultural, para garantia da integralidade e a inter-

setorialidade. Esse direito deve ser assegurado pelo Estado, que estabelece

prioridade à atenção dos grupos sociais mais vulneráveis. Para o exercício

desse direito o Estado precisa aproveitar o potencial da sociedade civil na

formulação de políticas públicas de educação e promover o desenvolvimento

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de sistemas solidários de educação, centrados na cooperação e na inclusão.

Como afirma István Mészáros (2005:65), “o papel da educação é soberano,

tanto para a elaboração de estratégias apropriadas e adequadas para mudar

as condições objetivas de reprodução, como para a automudança consciente

dos indivíduos chamados a concretizar a criação de uma ordem social meta-

bólica radicalmente diferente”. Para ele, é preciso desenvolver novas formas de

educação que recuperem o sentido mesmo da educação, que é conhecer-se a

si mesmo e ser melhor como ser humano, aprendendo por diferentes meios,

formais e não-formais.

O neoliberalismo concebe a educação como uma mercadoria, reduzin-

do nossas identidades às de meros consumidores, desprezando o espaço pú-

blico e a dimensão humanista da educação. O núcleo central dessa concepção

é a negação do sonho e da utopia, não só a negação ao direito à educação

integral. Por isso, devemos entender esse direito como direito à educação

emancipadora. Este tem sido, por exemplo, o esforço desenvolvido pelo Fó-

rum Mundial de Educação (FME). Opondo-se ao paradigma neoliberal, o FME

propõe uma educação para um outro mundo possível (Gadotti, 2007), que é

uma educação para o sonho e para a esperança. Para defender suas propo-

sições, o FME pretende congregar cada vez mais pessoas e organizações em

torno de uma plataforma mundial de lutas em defesa do direito à educação

emancipadora, contra a mercantilização da educação.

O direito à educação não pode ser desvinculado dos direitos sociais.

Os direitos humanos são todos interdependentes. Não podemos defender o

direito à educação sem associá-lo aos outros direitos. A educação que o FME

defende não está separada de um projeto social, da ética e dos valores da di-

versidade e da pluralidade (Moncada, 2008). Em Nairobi (Quênia), em janeiro

de 2007, foi aprovada a “Plataforma Mundial de Educação”, com um calen-

dário mundial de ações coletivas globais por uma alternativa ao projeto ne-

oliberal, que inclui “lutar pela universalização do direito à educação pública

com todas e todos os habitantes do planeta, como direito social e humano de

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aprender, indissociável de outros direitos, e como dever do estado, vinculando

a luta pela educação à agenda de lutas de todos os movimentos e organismos

envolvidos na construção do processo do Fórum Social de Educação (FSE) e

do Fórum Municipal de Educação (FMS)”. Na ocasião, o FME adotou como

método de trabalho cruzar essa plataforma com a agenda de lutas de outros

movimentos e organizações da sociedade civil.

Faço questão de me reportar aqui a um dos maiores estudiosos atuais

da questão do direito à educação: Agostinho dos Reis Monteiro (1999). Para

ele, o direito à educação “é um direito prioritário porque é o direito mais

fundamental para a vida humana com dignidade, liberdade, igualdade, cria-

tividade” (In: FME, 2007:129). Ele distingue educação e direito à educação.

Para ele a educação é fundamentalmente uma forma de poder: “A educação

é mesmo o maior dos poderes do homem sobre o homem (…). O direito à

educação é um direito novo a uma educação nova, com educadores novos

e em escolas novas... direito a toda a educação, isto é, a todos os níveis e

formas de educação, segundo as capacidades e interesses individuais e tendo

em conta as possibilidades e necessidades sociais (…), e a uma educação que

proporciona todas as aprendizagens necessárias ao pleno desenvolvimento da

personalidade humana, com suas dimensões afetiva, ética, estética, intelec-

tual, profissional, cívica, por meio de métodos que respeitam a dignidade e

todos os direitos dos educandos” (In: FME, 2007:126-127).

Ao estabelecermos como prioridade de atendimento do direito à edu-

cação os grupos sociais mais vulneráveis, devemos incluir aí as pessoas anal-

fabetas e também as privadas de liberdade. O analfabetismo representa a

negação de um direito fundamental. Não atender ao adulto analfabeto é

negar duas vezes o direito à educação: primeiro na chamada idade própria e,

depois, na idade adulta. Não há justificativa ética nem jurídica para excluir os

analfabetos do direito de ter acesso à educação básica. No Brasil temos quase

meio milhão de presos e apenas 18% deles têm acesso a alguma atividade

educacional. Nos países mais pobres tem sido assim: a educação nas prisões

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raramente é reconhecida como um direito. Depende, muitas vezes, da boa

vontade da direção de cada estabelecimento e dos meios humanos e finan-

ceiros para garantir esse direito. Uma sensibilização em relação a essa pro-

blemática é essencial, e esta publicação certamente irá contribuir para isso. A

educação das pessoas privadas de liberdade deve ser integrada à campanha

mundial pelo direito à educação.

Referências bibliográficas

FME, 2007. Memória do Fórum Mundial de Educação: alternativas para construir um outro mundo possível. Coordenação, organização e texto de Stela Rosa. Brasília: MEC/INEP.

GADOTTI, Moacir, 2007. Educar para um outro mundo possível. São Paulo: Publisher

Brasil.

MÉSZÁROS, István, 2005. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo.

MONCADA, Ramón, 2008. El foro mundial de educación: espacio y proceso de diálogo y movibización internacional por el derecho a la educación. Medellin (mimeo).

MONTEIRO, Agostinho dos Reis, 1999. O direito à educação. Lisboa: Livros Horizonte.

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Há perspectiva de humanização das prisões?Roberto da Silva

Desde o Projeto Humanização das Prisões, em 1984, venho partici-

pando, discutindo, ensaiando experiências e testando hipóteses de trabalho

no sistema penitenciário paulista. Acompanhei várias gestões, vi gerações

nascerem e morrerem dentro e em torno da prisão, colecionei conquistas e

experimentei retrocessos. Na pesquisa “Reconstituição da trajetória de Insti-

tucionalização de uma geração de ex-menores”, defendida em novembro de

1997, na USP, apresentei evidências de que a criminalização de crianças órfãs

e abandonadas na Febem, instituição criada pelo regime militar, fora uma

obra deliberada, e que as estruturas de custódia de crianças e adolescentes e

de adultos constituíam, na verdade, subsistemas de um amplo e gigantesco

aparato jurídico, policial e administrativo de controle social, retroalimentan-

do-se um ao outro e assegurando padrões de reprodução das condições de

marginalidade social, de criminalidade e de violência. O Estatuto da Criança

e do Adolescente interrompeu esta lógica, separando a custódia de crianças e

adolescentes, e destes em relação ao adulto, ainda que tenham surgido diver-

sas iniciativas que visavam a reconstituir os vasos comunicantes que faziam

da Febem um mecanismo de alimentação direta das prisões. Em dezembro de

1998, quando concluí minha tese de doutorado na USP, intitulada “A eficácia

sociopedagógica da pena de privação da liberdade”, o Brasil contava com 512

unidades prisionais, taxa de encarceramento da ordem de 108 presos por 100

mil habitantes e uma população de aproximadamente 170 mil presos. Em

março de 2009, quando concluí minha livre-docência na mesma USP, a taxa

de encarceramento subira para cerca de 180 presos por 100 mil habitantes, o

número de unidades prisionais chegara a mais de mil e a população prisional

ultrapassara meio milhão de pessoas. Mudou o perfil do preso brasileiro, mas

não mudaram os discursos sobre o crime, a pena e a finalidade da prisão.

Permanece estável a taxa de reincidência criminal, que as previsões apontam

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entre 60 e 85% diante da absoluta falta de registro e a ausência de estudos

que investiguem a progressão criminológica. As taxas de ocupação da mão

de obra do preso, seja pelo trabalho (26%) ou pelo estudo (17%), são despre-

zíveis. De certa forma, foram inibidas as tentativas de privatização da prisão

no Brasil, ainda que os discursos favoráveis ainda persistam; são tímidas as

iniciativas no âmbito das parcerias público-privadas, e o mesmo ocorre com

a terceirização, sobretudo em função dos altos riscos inerentes ao negócio; o

preso continua sem exercer o direito de voto; a aprovação do Plano Nacional

de Saúde no Sistema Penitenciário, em 2002, ainda não saiu do papel; tenta-

se aplicar, por analogia com o trabalho, a remição da pena pela educação,

repetindo todos os erros, vícios e distorções do modelo vigente, e a edu-

cação no sistema penitenciário ainda não integra a política educacional

brasileira. Finda a gestão Nagashi à frente da Secretaria da Administração

Penitenciária em São Paulo, caíram por terra os avanços mais significativos

do sistema penitenciário brasileiro, permanecendo a figura nefasta do Regi-

me Disciplinar Diferenciado e as restrições de direitos aos autores de crimes

ditos hediondos. Excetuadas as experiências de gestão comunitária da prisão,

a criação de um único presídio industrial e a inovação arquitetônica trazida

pelos Centros de Ressocialização em São Paulo em nada contribuíram para

a evolução na diversificação da oferta de postos de trabalho nas prisões, na

oferta de educação obrigatória, pública e gratuita e no atendimento de saúde

no sistema penitenciário. A emergência da discussão sobre educação em pre-

sídios e a remição da pena por meio dos estudos, não obstante a perspectiva

de ampliação e de efetiva aplicação do direito à educação, não inovam neces-

sariamente as concepções dominantes sobre o significado do crime, da pena

e da prisão. A sociedade brasileira e suas instituições não dão demonstração

pública de que estejam dispostos a substituir o conceito de crime contra o

patrimônio pelos conceitos mais consentâneos com a contemporaneidade,

como crime de lesa pátria e crime contra a humanidade, mesmo sabendo que

menos de 10% das pessoas atualmente presas precisariam efetivamente estar

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atrás das grades e que a impunidade nos crimes de corrupção, de apropriação

do patrimônio público, de malversação de verbas e uso do poder em benefício

próprio é mais danosa ao conjunto da sociedade do que todo o volume de

roubos e furtos cometidos ao longo dos nossos 500 anos de história.

O atual perfil da população prisional no Brasil aponta evidências que

sugerem dever ser a prisão uma instância que ajude no processo de sociali-

zação incompleta a que foram submetidos seus atuais habitantes, pois falha-

ram a religião, a família, a escola, a comunidade, a sociedade, o Estado e o

mercado de trabalho em proporcionar condições de desenvolvimento digno e

integral para crianças e adolescentes que precocemente encontram nas prá-

ticas delituosas formas mais rápidas de satisfazer necessidades insatisfeitas.

Isso significa que a prisão deve ser, sobretudo, um lugar seguro para quem

precisa viver ali, e que a cultura prisional vigente precisa ser imediatamente

substituída por uma cultura pedagógica que ofereça condições para o ama-

durecimento pessoal, o despertar das potencialidades humanas e o desenvol-

vimento de habilidades e capacidades valorizadas socialmente.

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Educação como direito humano: um olhar de dentro C. R.

Diante de uma situação constrangedora e humilhante, não só para

mim, mas para a minha família, me vi sozinha num vale sombrio, gelado e

cheio de maldade por todos os lados e fui sentenciada a 20 anos de reclusão

por um crime que não cometi. Nessa total angústia e sofrimento eu só tinha

duas opções: jogar para o alto todos os meus sonhos e me entregar à de-

pressão que me levaria à morte ou lutar com toda a minha força, com todo o

meu amor pela minha mãe, pelo meu filho e por Deus, sobretudo. Claro que a

atitude mais fácil seria a primeira, mas mesmo com minha pouca força decidi

pela segunda e fui adiante.

Embora onde me encontrava não tivesse nenhuma ajuda em nenhum

sentido, continuei com minha decisão e não sabia como começar. Até que

fui removida para a penitenciária feminina da capital em 2004. Ao chegar lá,

soube que havia escola, trabalho, cursos e remição.

Assim que tive uma oportunidade, logo nos primeiros dias, me inscrevi

na escola, afinal eu havia estudado até 2º ano do 2º grau e faltava pouco para

eu concluir o colegial. Mas para mim o mais importante era ocupar o meu

tempo com coisas úteis, manter a minha mente, o meu cérebro funcionando

de forma correta.

Comecei a trabalhar e a estudar. Porém, para minha surpresa, a escola

era “usada” como um local de encontro entre presos dos quatro pavilhões

apenas para conversar, quase ninguém se interessava em aprender alguma

coisa de verdade, e as que queriam aprender tinham que se esforçar muito, e

a maioria desistia no meio do caminho, infelizmente.

Sempre que eu tinha alguma dúvida eu questionava e nem sempre ob-

tinha uma resposta satisfatória, então procurava na precária biblioteca livros

e mais livros. Só assim conseguia, sozinha, entender certas matérias. Muitas

vezes minha mãe mandava livros para mim.

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Me sentia desencorajada e por várias vezes pensei em desistir de estu-

dar, mas isso seria fracassar.

Durante quase quatro anos na PFC, vi muitas alunas concluírem seus es-

tudos e nem sequer sabiam escrever corretamente seus nomes. Muitas presas me

pediam para escrever cartas para elas, eu escrevia e sempre perguntava o porquê

de elas não irem à escola para aprender ler e escrever, já que teriam que permane-

cer no cárcere por alguns anos, e as respostas eram sempre as mesmas, me diziam

que os professoras não ensinavam direito, que escreviam algumas palavras na

lousa para que elas copiassem sem nem sequer saber o que estavam copiando.

Que realidade triste, ainda mais por saber que era uma presa que lecionava.

Eu morei numa cela com uma senhora com mais de 60 anos que era

analfabeta, ela já estava presa há uns seis anos e sempre foi à escola, co-

piava tudo direitinho, perguntava o que estava copiando e a professora, que

também estava reclusa nesta unidade, dizia que era apenas para ela copiar.

Muitas vezes ela voltava para a cela com os olhos cheios de lágrimas e se

sentindo triste e humilhada por ser analfabeta.

Nesse momento eu decidi ensiná-la, e todos os dias, quando voltáva-

mos para a cela à noite, em torno das 19 ou 20 horas, nós nos uníamos, e

eu a ensinava com muita paciência o que ela deveria aprender na escola: ler

e escrever. Para dizer a verdade, eu nem acreditei que aquela senhora apren-

deu muito mais comigo, em 6 meses, o que não havia aprendido em 6 anos.

Hoje ela sabe escrever o próprio nome e consegue até mesmo escrever uma

cartinha para suas filhas.

Muitas pessoas criticam o fato de a maioria dos presos não estudarem,

sendo que nas unidades (não em todas) há escola. Mas deveriam ver com seus

olhos como é precária a educação no presídio.

E consegui concluir meus estudos em uma prova do ENCEJA, porém

até hoje não consegui o meu certificado, ou seja, de que adiantou? Como

irei prestar vestibular sem um certificado do 2º grau? Impossível. E isso já vai

completar um ano.

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Muitos políticos dizem que uma sala de aula cheia é uma cela no

presídio vazia. E muitos dizem que existe reeducação no presídio, mas só

existe mesmo para aqueles que batalham muito, pois incentivo à educação de

verdade neste lugar não existe.

Algo que me intriga muito é o fato de as aulas durarem uma hora ou

duas apenas, sem livros, sem apostilas, sem organização, sem respeito.

Sendo que existem muitas presas que desejam, sim, estudar, aprender

e crescer, mas em várias situações são criticadas e humilhadas. Digo isso por-

que eu mesma já fui motivo de risada de agentes da unidade que diziam não

acreditar que eu iria para a escola estudar, num tom bem irônico. Percebe-se

bem que ninguém tem levado a sério a educação no presídio. Como reintegrar

essas pessoas, como ajudá-las verdadeiramente? Tenho certeza de que ficar

durante 2 horas no máximo numa sala de aula, conversando sobre assuntos

pessoais e jogando conversa fora, não é a forma certa.

Quantas vezes fui à aula e nem abri o caderno, nem ouvi nada de útil,

somente “conversa fiada”. Esta está sendo a realidade atual.

Aqui onde me encontro hoje, no semi-aberto, pensava que seria dife-

rente, mas é a mesma coisa. Gostaria muito que tudo isso mudasse, mas teria

que mudar tudo, tenho certeza que iria valer a pena e que muitas pessoas

aproveitariam o incentivo real e não ilusório e precário.

Um curso que eu fiz foi o do CDI, onde não aprendi quase nada.

Não faltava às aulas, ficava perguntando tudo, mas não tinha respostas.

Tinha que fazer desenhos e pintá-los. Apenas digitei um texto. Só isso.

Aprendi computação sozinha trabalhando na unidade diante de um com-

putador e sendo “curiosa”, pois se eu dependesse das aulas para aprender,

seria em vão.

Apesar de todos esses relatos, eu posso dizer que se eu consegui apren-

der algo e manter a minha cabeça ocupada com aprendizado, foi porque eu

lutei muito, sozinha. Mas não quero ser ingrata, pois ao menos existem salas

de aulas e eu sou muita grata a isso, só o que falta são pessoas competentes e

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com vontade de verdadeiramente mudar essa situação vergonhosa que acon-

tece no sistema prisional. Existem pessoas dispostas a estudar, a aprender e a

crescer. Só faltam pessoas dispostas a ensinar com mais dedicação.

Claro que nem todos os professores são iguais, não posso ser injusta,

afinal, por mais que tenha faltado mais ensino, algumas pessoas, inclusive eu,

conseguimos aprender um pouco. Mas precisa melhorar, e muito.

Torno a repetir que conheci professores que ensinaram e que gosta-

riam de fazer mais pelos presos, mas não tinham como, por falta de recursos,

e não por falta de vontade e de amor à profissão e ao ser humano.

E eu ainda sonho em cursar uma faculdade!!

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Comentário

Educação nas prisões: entre o nada e a oferta de “qualquer coisa”Denise Carreira

Dor, angústia, desespero, negligência e ignorância. A experiência de

Cristina Rodrigues, encarcerada do sistema prisional paulista, na luta co-

tidiana por ver garantido o direito à educação, lateja de forma intensa e

expõe o frágil lugar da educação nas prisões brasileiras. Um direito, como

lembrado pelos professores Moacir Gadotti e Roberto da Silva, previsto na

legislação nacional e na normativa internacional, e desrespeitado na maior

parte das unidades prisionais do país, com raríssimas exceções.

O quadro fica mais dramático quando consideramos que Cristina ainda

vive em uma unidade prisional na qual existe algum atendimento educacional, o

que não é a realidade para mais de 80% dos presos e das presas do país. Diante de

tantas dificuldades, obstáculos e fragilidades, estudar e querer aprender exigem

esforço e determinação titânicos por parte dos alunos e alunas na prisão:

“Me sentia desencorajada, e por várias vezes pensei em desistir de es-

tudar, mas isso seria fracassar. Durante quase quatro anos na PFC, vi muitas

alunas concluírem seus estudos e nem sequer sabiam escrever corretamente

seus nomes. Muitas presas me pediam para escrever cartas para elas, eu es-

crevia e sempre perguntava o porquê de elas não irem à escola para aprender,

ler e escrever, já que teriam que permanecer no cárcere por alguns anos, e as

respostas eram sempre as mesmas, me diziam que as professoras não ensina-

vam direito, que escreviam algumas palavras na lousa para que elas copiassem

sem nem sequer saber o que estavam copiando. Que realidade triste, ainda

mais por saber que era uma presa que lecionava.”

A solidariedade, o compromisso e a valorização dos conhecimentos

dos alunos e alunas, base de qualquer proposta educativa que se pretenda

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transformadora, acabam sendo apropriados pela lógica de negação e da pre-

carização do atendimento educacional que imputa aos presos e às presas a

responsabilidade pela aprendizagem em meio a condições tão adversas:

“Eu morei numa cela com uma senhora com mais de 60 anos que

era analfabeta. Ela já estava presa há uns seis anos e sempre foi à escola,

copiava tudo direitinho, perguntava o que estava copiando e a professora,

que também estava reclusa nessa unidade, dizia que era apenas para ela co-

piar. Muitas vezes ela voltava para a cela com os olhos cheios de lágrimas e

se sentindo triste e humilhada por ser analfabeta. Nesse momento eu decidi

ensiná-la, e todos os dias, quando voltávamos para a cela à noite, em torno

das 19h-20h, nós nos uníamos e eu a ensinava com muita paciência o que

ela deveria aprender na escola: ler e escrever. Para dizer a verdade, eu nem

acreditei que aquela senhora aprendeu muito mais comigo, em seis meses, o

que não havia aprendido em seis anos. Hoje ela sabe escrever o próprio nome

e consegue até mesmo escrever uma cartinha para suas filhas.”

Mesmo assim, em meio a tanta aridez, a esperança e o sonho de alguns

e algumas resistem. Cristina lembra alguns professores e professoras que fize-

ram a diferença em sua trajetória educacional dentro da prisão e do fato de até

hoje não ter recebido o certificado decorrente da sua aprovação, há mais de

um ano, pelo Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e

Adultos (Encceja), referente ao ensino médio. Sem ele, Cristina não pode lutar

por mais um sonho: o de chegar ao ensino superior, “cursar uma faculdade”.

A voz de Cristina revela a perversidade da educação vista como um

privilégio nas unidades educacionais e parte da lógica de punição, situação

apontada por vários estudos e pelo recente documento1 da Relatoria Na-

cional para o Direito Humano à Educação, da Plataforma DHESCA Brasil,

elaborado por mim e pela assessora Suelaine Carneiro. Segundo o relatório,

a educação:

1 A íntegra do Relatório Educação nas Prisões Brasileiras está disponível nos sites www.dhescbrasil.org.br e www.acaoeducativa.org.br

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• é algo estranho ao sistema prisional. Muitos professores e professoras

afirmam sentir a unidade prisional como um ambiente hostil ao tra-

balho educacional;

• constitui-se, muitas vezes, em “moeda de troca” entre, de um lado,

gestores e agentes prisionais e, do outro, encarcerados, visando a ma-

nutenção da ordem disciplinar;

• enfrenta o conflito cotidiano entre a garantia do direito à educação e

o modelo vigente de prisão, marcado pela superlotação, por violações

múltiplas e cotidianas de direitos e pelo superdimensionamento da

segurança e de medidas disciplinares;

• é descontínuo e atropelado pelas dinâmicas e lógicas da segurança;

• é muito inferior à demanda pelo acesso à educação, geralmente

atingindo de 10% a 20% da população encarcerada nas unidades

pesquisadas;

• quando existente, em sua maior parte sofre de graves problemas de

qualidade, com jornadas reduzidas, falta de projeto pedagógico, mate-

riais e infraestrutura inadequados e falta de profissionais de educação

capazes de responder às necessidades educacionais dos encarcerados.

Assim como destacado pelo professor Roberto da Silva, o Relatório

lembra que a educação e outras políticas comprometidas com a garantia dos

direitos dos encarcerados enfrentam um sistema prisional que ciclicamente

sabota experiências e gestores que buscam inovar e implementar propostas

sintonizadas com as conquistas legais. Essa “sabotagem” muitas vezes é ali-

mentada pela fragilidade do debate público, predominantemente sensaciona-

lista e preconceituoso, que torna a prisão uma “jaula de feras”; legitima as

políticas de expansão acelerada do encarceramento; isola o sistema prisional

do controle da sociedade e condena os presos e as presas à quase morte

social. É fundamental explicitar que a violação cotidiana dos direitos dos

encarcerados é também uma violência contra o conjunto da sociedade brasi-

leira, que financia um sistema que destrói seres humanos e restringe de forma

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perversa as possibilidades de inserção social de pessoas presas. Por isso, cam-

panhas nos meios de comunicação e ações junto a profissionais de mídia são

urgentes para a qualificação do debate público sobre assunto tão estratégico.

Elaborado tendo como bases visitas às unidades prisionais, entrevistas

com encarcerados, agentes, gestores e educadores do sistema prisional e le-

vantamento diversos, o documento da Relatoria Nacional pelo Direito Huma-

no à Educação apresenta um conjunto de recomendações bastante concretas

ao Estado brasileiro visando a garantia efetiva do direito humano à educação

dos presos e presas do país, dentre elas a urgência da aprovação das Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação nas Prisões e de lei que garanta a re-

mição da pena por estudo. Uma educação que possibilite o “amadurecimento

pessoal, o despertar das potencialidades humanos e o desenvolvimento de

habilidades e capacidades valorizadas socialmente”, como observado por Ro-

berto da Silva, considerando suas múltiplas dimensões: afetiva, ética, estética,

intelectual, profissional, cívica – destacadas pelo professor Moacir Gadotti.

ESPECIFICIDADE DE GÊNERO: EDUCAÇÃO DE MULHERES PRESAS

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Para início de conversa

As mulheres e a educação nas prisõesMariângela Graciano

As mulheres jovens e adultas (acima de 18 anos) em situação de pri-

vação de liberdade correspondem a 5% da população no sistema prisional

brasileiro. As condições de vida desse grupo são marcadas por violações de

direitos, sejam individuais ou coletivos. A superlotação, a falta de assistên-

cia médica e jurídica e a extrema pobreza que caracteriza a maioria dessa

população fazem com que este seja um grupo totalmente excluído.

A condição da privação de liberdade feminina é agravada pelas desi-

gualdades de gênero que caracterizam a sociedade brasileira. O perfil dessas

mulheres (Ministério da Justiça – http://www.mj.gov.br/data) aponta que

elas são, em sua maioria, jovens, negras e pobres. Sua inserção no mundo

do crime é subalterna – a maioria é condenada por envolvimento no trá-

fico de drogas em função de relações afetivas ou familiares – e, quando

presas, enfrentam a situação do abandono dos companheiros e terminam

por assumir a responsabilidade pelo seu próprio sustento e também de seus

familiares, sobretudo os filhos.

O Estado brasileiro é omisso em relação às especificidades da con-

dição das mulheres, de forma que nem mesmo as insuficientes e precárias

ações públicas destinadas às unidades masculinas chegam até as femininas1.

Não existem informações oficiais precisas sobre a existência e abran-

gência das ações públicas destinadas a tais garantias, mas as pesquisas

acadêmicas e os relatórios produzidos por organizações da sociedade civil

1 Reorganização e reformulação do sistema prisional feminino – relatório final. Ministério da Justiça e Secretaria Especial de Políticas para Mulheres. 2007. mimeo; “Relatório sobre mulheres encarceradas no Brasil”, apresentado à Corte Interamericana de Direitos Humanos em fevereiro de 2007; e Soares, Bárbara e Ilgenfritz, Iara. Prisioneiras – vida e violência atrás das grades. Garamond Universitária. Rio de Janeiro. 2002, 150p

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apontam que não há trabalho ou formação profissional para todas as pes-

soas e que as atividades de educação formal, quando realizadas, o são de

forma bastante precária, sem condições mínimas aceitáveis de qualidade.

Entrevistas realizadas com alunas na Penitenciária Feminina da Ca-

pital2 revelam, de um lado, mecanismos criados pelo sistema prisional para

impedir o funcionamento da escola. De outro lado, indicam que as alunas

atribuem à escola um valor que não está vinculado à ideia de ressociali-

zação ou reintegração, mas sim ao exercício de sua condição humana, e à

possibilidade de alterar sua vida presente, ainda na prisão.

Dentre as dificuldades elencadas por mulheres para frequentar a es-

cola na prisão estão a incompatibilidade das atividades de trabalho com as

da escola, obrigando à opção entre jantar, tomar banho ou ir para a aula.

A falta de condição emocional, provocada pela preocupação com o destino

dos filhos, a tensão do ambiente prisional e a falta de projeto pessoal tam-

bém foram lembrados como fatores atrapalham os estudos.

Em sentido contrário, as mulheres que estudam encontram diversas

razões para seu interesse. Dentre elas destacam-se a autonomia frente às

colegas e aos funcionários, adquirida com a habilidades de leitura e escri-

ta – escrever cartas é fundamental às pessoas presas! – e a possibilidade

de conquistar o respeito dos filhos. Outra fonte pessoal de estímulo é o

desejo do conhecimento... conhecimento sobre os mais diversos temas: da

mitologia grega às reações químicas; da história de Pedro Álvares Cabral à

legislação educacional; do próprio corpo à organização dos governos.

Foram inúmeros os depoimentos que apontaram para a descoberta

da relação entre escola e acesso a outros direitos, mas houve um aspecto

muito particular relacionado à situação de privação da liberdade: a relação

entre estudar e manter as características humanas da produção de conheci-

mento, de tomada de decisões autônomas e de sonhar, retomando o sentido

2 As entrevistas foram realizadas no segundo semestre de 2004, no âmbito do desenvolvimento da dissertação de mestrado “A educação como direito humano: a escola na prisão”, de Mariângela Graciano, apresentada à Faculdade de Educação da USP em outubro de 2005.

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da educação como “manifestação exclusivamente humana”, que reconhece

as pessoas como “seres inconclusos, conscientes de sua inconclusão, e seu

permanente movimento de busca do ser mais”, como nos ensinou Paulo

Freire, em sua Pedagogia do Oprimido.

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Educação nas prisõesMaria da Penha Risola Dias

Entendemos a educação como um processo amplo, dinâmico e políti-

co, o qual envolve toda a vivência humana e considera basicamente os aspec-

tos genéticos, sociais, psicológicos e culturais que incluem, das mais variadas

formas, a própria existência e formação do indivíduo.

A assistência educacional na prisão deve ser uma das prestações bási-

cas mais importantes na vida das internas, constituindo elemento fundamen-

tal ao tratamento penitenciário como meio de reinserção social.

A educação é uma das áreas de maior realce na atual conjuntura da

Secretaria da Administração Penitenciária, a qual promove, através da Funda-

ção de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap), um processo educacional que

compreende o 1º e 2º graus até a profissionalização, buscando a formação

educacional como parte do processo que visa ajudar as reclusas nas mudanças

comportamentais.

Entretanto, a educação, na prisão feminina, constitui uma prática de-

sinteressada e neutra, reproduzindo a ideologia da sociedade capitalista que

escolhe o trabalho como eixo fundamental na vida das mulheres presas, por-

quanto é através dele que elas conseguem o sustento para seus familiares,

bem como a remição dos dias trabalhados.

Um dos fatores determinantes que impedem as mulheres presas de

visualizarem a educação como um meio de transformação é o seu próprio

perfil psicológico comprometido, a autoestima baixa, haja vista que se julgam

incapazes e não conseguem se fixar em nada, além do que são instáveis nas

suas propostas de vida, não conseguem ser agentes dos seus próprios rumos,

bem como há uma parcela delas que apresentam transtornos de personali-

dade – borderlines –, que tumultuam a prisão e comprometem aquelas que

buscam atividades educacionais.

Por outro lado, grande parte das mulheres traz consigo uma cultura

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machista, obrigando-se à realização de tarefas do lar, sendo que a escolariza-

ção para elas não é tão importante quanto para os homens.

Quando questionadas sobre o porquê das ausências nos cursos reali-

zados nas unidades prisionais, elas respondem: “Eu já sei o suficiente“; “meu

companheiro me orienta”; “meus filhos precisam mais que eu”... Respostas

que demonstram a desvalorização da mulher na sociedade, que sempre abdi-

cam dos seus direitos em função dos companheiros e dos filhos.

Quando analisamos as propostas de vida das reclusas dentro da prisão,

verificamos que demonstram valores ditados pela elite capitalista, todavia não

conseguem segui-los, pois suas trajetórias foram permeadas com crises socio-

econômicas, que não lhes permitiram adquirir os mesmos padrões, restando

somente as fantasias e os sonhos, os quais são demonstrados por meio das

suas manifestações e delitos.

A situação de exclusão da mulher presa é agravada não só por seu perfil

biográfico social como também pelo tratamento que o aparelho governamental

e jurídico penal lhe confere, acentuando sua discriminação no que tange aos

direitos apontados na Lei de Execuções Penais, dentre eles o da educação.

A educação, na prisão feminina, não atende aos anseios e à diversi-

dade cultural existente e se agrava com o número de reclusas ora inseridas

no crime organizado, as quais assimilaram valores e anseios estereotipados,

reforçando o descrédito por parte das internas e do corpo funcional, o qual

tem dificuldade de lidar com essa situação e em geral desvaloriza o potencial

das mulheres presas.

A relação entre a educação e a comunidade prisional não é, de modo

algum, uma relação mecânica e automática; ao contrário, está associada à

dinâmica prisional, a qual anula a educação como processo de transformação.

Logo, faz-se necessária uma proposta de trabalho técnico-pedagógico volta-

do à especificidade da população carcerária feminina.

Nota-se que as atividades esportivas e socioculturais, as quais fazem

parte da formação da pessoa, são significativas para as reclusas, porquanto

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elas não só se ocupam e se envolvem com os aspectos tradicionais quanto

adquirem a formação profissional de índole cultural.

Assim, a educação, no meio carcerário, não é valorizada; nota-se uma

contradição na visão das internas a respeito do aprendizado; se questionadas,

sempre costumam dizer que “é bom”, que “todas precisam estudar”, que

“a Unidade Prisional não propicia condições necessárias” e, por outro lado,

não participam das aulas nem incentivam as demais no aprendizado como

um todo, desistindo do ensino e optando, em primeiro lugar, pelo trabalho

remunerado, não tendo a visão de que poderiam fazer cursos à distância ou

mesmo se propor aos estudos através do processo autodidata.

A educação, no meio carcerário, não reproduz a ideologia traçada na

Constituição Federal; por sua vez, relevante parcela da elite econômica e

intelectual também não contribui para o desenvolvimento da criatividade e

do espírito crítico, conduzindo a sociedade a viver crises ideológicas na seara

da educação.

Portanto, na visão das internas sobre a área educacional, os recursos

existentes são restritos, os horários de trabalho e os de estudo são incompa-

tíveis, e os projetos não atendem às expectativas das reclusas.

Salientamos, contudo, a necessidade de um trabalho de conscientiza-

ção, tão logo seja possível, com o objetivo de esclarecer as mulheres presas

de que precisam ter persistência nos seus propósitos, conciliando a jornada

de trabalho com estudos, esclarecendo a elas que circunstâncias difíceis são

vivenciadas por todas as pessoas, inclusive por aquelas que não estão presas.

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Dignidade humana, educação e mulheres encarceradasSonia Regina Arrojo e Drigo

Só nega educação quem não tem respeito pelo ser humano.

Pouco ou quase nada se fez em favor das mulheres presas durante a

última década neste país.

O espantoso aumento da criminalidade representa bem a política cri-

minal que vem sendo praticada e que vê na construção de novas unidades

prisionais a saída para uma das piores crises do sistema carcerário.

Das quase 470 mil pessoas presas, 28 mil são mulheres que sofrem

toda sorte de desrespeito às suas especificidades (sexualidade, diversidade

sexual e maternidade) e aos direitos fundamentais, desde o encarceramen-

to em unidades prisionais superlotadas e inadequadas para o cumprimen-

to de pena, até a imposição de castigos não previstos na legislação, tais

como a negação da feminilidade, o distanciamento da família e a submis-

são à falta de assistência à saúde, de acesso à justiça, oferta de trabalho

e prática de educação.

O papel de chefe de família assumido pelas mulheres e a importância

da sua presença para a manutenção do núcleo familiar, principalmente dentre

as que se encontram encarceradas, associados à baixa escolaridade e à falta

de capacitação profissional, são responsáveis pelo alto índice de crimes come-

tidos contra o patrimônio e de tráfico ou uso de entorpecentes.

Essa associação de carências fica mais evidente quando se observa que

a maioria das presas não completou o ensino fundamental e busca garantir

a sua sobrevivência através da prática criminosa, por falta de oportunidade

de fazer diferente.

Pobres, incultas, com filhos, sem profissão definida, vítimas de violên-

cia doméstica, do aborto clandestino e dos maus tratos da sociedade, essas

mulheres esperam pela justiça morosa, pela transferência para local mais pró-

ximo da família e pelo passar do tempo, se possível, trabalhando.

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A educação fica como opção ao ócio. Só vai para a sala de aula quem

não tem material de artesanato ou aguarda vaga numa oficina, quase sempre

de costura ou de montagem de algum equipamento, que não terá qualquer

influência na vida delas a partir do resgate da liberdade.

Além disso, se lhes fosse dado optar, o trabalho estaria sempre em

primeiro lugar por ser mais vantajoso, não só pelo pagamento do serviço em

pecúnia, o que possibilita ajudar no sustento da família, como pelo desconto

previsto em lei dos dias remidos1, pois os critérios para a aplicação da Súmula

341 do STJ2 são menos estimulantes, tanto do ponto de vista da carga ho-

rária para a obtenção do benefício3, quanto pela precariedade do serviço de

educação oferecido, lembrando que há um grande número de mulheres que

cumprem pena em cadeias públicas, onde não há oferta de trabalho, nem de

qualquer forma de estudo.

Não à toa, a discussão sobre a garantia do direito à educação das

pessoas presas foi incluída no Fórum Social Mundial de 2009. As experiências

apresentadas demonstraram que as mulheres encarceradas são discriminadas

duplamente: primeiro, por serem mulheres; depois, por estarem presas, mas

mantêm em comum com os presos a expectativa de receber educação de

qualidade, com docentes comprometidos com a profissão, material didático

e reconhecimento.

Ficou claro que o modelo atual de educação nos presídios está longe

de ser o minimamente aceitável e que é preciso mudar e humanizar as rela-

ções entre o Estado e as pessoas presas, inclusive através do estímulo à prática

da educação não formal em favor do exercício da cidadania.

1 Desconto do tempo de pena privativa de liberdade, cumprido nos regimes fechado e semiaber-to, pelo trabalho, na proporção de três dias trabalhados por um dia de pena (art. 126, §1º, LEP).

2 Súmula 341/STJ: A frequência a curso de ensino formal é causa de remição de parte do tempo de execução de pena sob regime fechado ou semiaberto (v. Câmara dos Deputados, PLs 6254/2005 e 4230/2004).

3 Vite e quatro horas de frequência em curso de educação formal por um dia de pena.

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De nada adiantará a aprovação das Diretrizes Nacionais para Educação

nas Prisões, pelo Conselho Nacional de Educação, ou do projeto do Senado4

que obriga a educação básica ou profissionalizante para as pessoas presas, se

a tolerância ao desrespeito à Constituição não deixar de ser rotina nos presí-

dios e na decretação de prisões desnecessárias.5

É preciso abrir concursos para professores para o sistema penitenciário,

através das Secretarias de Educação estaduais, e criar mecanismos de seleção

para contratação daqueles que se mostrarem comprometidos e vocacionados

para o trabalho educacional nos presídios.6

É preciso agir com bom senso e rapidez. A população prisional, em

especial a feminina, precisa ser incluída em políticas públicas que estimulem

a frequência às aulas e às oficinas de cidadania7, com a garantia de que

os horários de trabalho e estudo não sejam conflitantes, para que um não

exclua o outro.

4 Projeto de autoria do deputado Paulo Rocha e relatoria de Romeu Tuma, aprovado em 15/07/2009.

5 De agosto de 2008 até a metade de julho de 2009, 3.663 detentos foram libertados durante o mutirão realizado pelo CNJ, depois de comprovada a irregularidade da prisão. No total, 5.531 presos ganharam algum tipo de benefício (Consultor Jurídico, 27/07/2009).

6 Conclusões do 3º Encontro “A mulher no sistema carcerário”, promovido pelo GET Mulheres Encarceradas, em junho/2008.

7 A exemplo do projeto “Quem somos nós”, realizado pelo ITTC em presídios femininos de São Paulo, 2007/2009.

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Mulher, educação, prisãoRosana da Conceição Souza Pontes Leite

Tive o privilégio de trabalhar como diretora do núcleo de educação

na Penitenciária Feminina da Capital/SP, de 2005 a 2008, que estava com

uma população de aproximadamente 770 mulheres, quase 50% estrangeiras.

Minha experiência era o respeito, o acolhimento, o comprometimento com

esta população e com meu trabalho. Há atribuições, como todos os cargos e

funções, mas é necessário muito mais, há de haver o engajamento real.

A mulher tem vivido uma grande transformação no decorrer dos anos,

algumas conquistas notórias (direitos trabalhistas, igualdade na política, res-

ponsabilidade econômica, valorização de direitos sociais e uma contínua bus-

ca para que sejam ouvidas e vistas dignamente). A Lei Maria da Penha veio

garantir o direito à vida e contra qualquer ato violento, seja físico, sexual,

psicológico, moral ou patrimonial.1

Nas camadas mais pobres a submissão à violência chega a ser maior.

Deparamos com a marginalização da mulher: a falta de maturidade emocio-

nal, a desagregação familiar, as desigualdades sociais e, em alguns casos, o

conflito da transição da adolescência à vida adulta.

AInstituição. A despersonalização2: no processo de inclusão, o siste-

ma gera um número de matrícula, passará a conviver com pessoas que não

escolheu, dividirá uma cela; ela tem nome, mas muitos preferem referir-se

a ela pela sua infração penal, ou como “a bandida”. Goffman3 coloca que o

estigma é um sinal utilizado pela sociedade para discriminar os indivíduos

portadores de determinadas características. As roupas serão trocadas, será

entregue uma camiseta branca, um uniforme amarelo e produtos de higiene

1 http://leimariadapenha.blogspot.com/2006/12/resumo-de-pontos-importantes-da-lei.html.

2 Angerami, V.A; Trucharte, F.A.R; Knijnik, R.B;Sebastiani, R.W. Psicologia Hospitalar — Teoria e Prática. São Paulo: Pioneira, 1995.

3 Goffman, E. Estigma. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.

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pessoal. Os hábitos alimentares mudam. A detenta terá de se adequar às

refeições oferecidas. Quando iniciar as atividades com o trabalho remunera-

do, ela poderá ter acesso à lista de compras (relação de itens permitidos) ou

recebê-los dos familiares.

As visitas, na maioria, são de mães, filhos e irmãos. Os esposos?

Pai dos filhos? Muitos deles também estão no cárcere. Há visitas íntimas4

com acompanhamento de uma equipe de profissionais, no entanto são

raros os homens que realmente continuam presentes durante o período

de reclusão.

Segurança: indispensável. Educação: dispensável. Trabalho: aproxima-

damente 80% das mulheres trabalham, e destas, muitas mantêm a família

com o salário recebido pelos empregadores que oferecem o serviço na Insti-

tuição. A escola é a última opção. Poderíamos conciliar em vez de optar? Sim,

se os protocolos (leis, resoluções, portarias) fossem respeitados e mantidos,

e não engavetados. Não, se a instituição for resistente a mudanças e evitar

os investimentos no processo de crescimento global do indivíduo recluso. A

iniciativa, a criatividade e o amor à profissão não são suficientes. “Vê-se bem

que um trabalho eficaz necessita uma espécie de coesão entre os diferentes

atores... Certamente, falar de ‘neutralidade’ é um discurso não polêmico, mas

sempre ‘engajado’, não de fato, como se disse, ‘em situação’, mas verdadei-

ramente engajado”.5

“A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando

prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.”6

Os trabalhos em parceria com a sociedade civil, instituições não-go-

vernamentais e grupos religiosos são necessários. Muitos projetos são solidi-

ficados através destas parcerias.

4 Resolução SAP - 096, de 27/12/2001.

5 Oury, J; Revue Pratique - 1991, pág. 42-50, trad. de Jairp Idel Goldberg.

6 Lei 7.210, de 11/07/1984.

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Prisão. A falta de confiança, o medo mascarado, a luta em outro con-

texto. Preconceitos, saudade, sonhos e muita emoção. Doença, insegurança,

revolta. Pessoas. Solidão, jovens, “gente”. Quem somos? O que pensamos?

Tentativas, erros, acertos, obstáculos. Educação e conquistas.

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Educação de mulheres presas: o olhar de uma egressa B. B.

Um terço da minha vida em “Harvard”. Ingressei no mundo “de lá”

aos 20 anos e saí nas vésperas dos 30. Posso até parafrasear Raul: “Eu nasci

após 10 mil anos...” De fato, os quase 3.500 dias incluíram: 11 rebeliões, três

copas do mundo, a inserção de mais um dígito nos telefones, bilhete único,

motor flex, Enem, a massificação da internet, a destruição das Torres Gêmeas,

facções... (Gente!!! Sou do tempo dos costureiros de guarda-chuva em feiras

de domingo!) E enquanto o mundo se transformava, muitas vezes me senti

como um móvel com placa de patrimônio, naquela instituição onde pagava

penitências (assim já explica seu nome).

Nos primeiros sete anos atuei na Escola/Posto Cultural. Ali respirava e

suava EDUCAÇÃO. Sorvia informações, numa busca descabida por atualiza-

ção. Tecla F5 full time! Era a única maneira de minimizar a sensação de estar

à margem da sociedade.

Assisti às mulheres de classes D e E sendo acolhidas pelo ensino pre-

cário que o Estado garante. Vencemos os muitos recursos que o sistema cria

para evidenciar o valor do trabalho, como remição de pena e/ou forma de

resgatar a família. Reivindicamos então remição também para as aulas. Por

fim, algumas das que sobreviveram, assisti escreverem cartas, trocarem pro-

messas, concluírem ensino fundamental, médio e até escolherem carreira para

universidade... Vi algumas lerem suas sentenças com mais clareza, montarem

pedidos de benefícios. Acompanhei, in loco, mutações nas concepções acerca

do certo, do ético e do justo. Vi sensações tornarem-se produto de comunica-

ção. Isso me fez crer que aquele era o “bote salva-vidas” do mundo e a “pílula

do encolhimento” do índice de reincidências. Ledo engano. Ensino laico não

forma índole, caráter, nem escrúpulos! Afinal, ali estava eu!

Sua ausência pode significar gesso, mobilidade reduzida de comu-

nicação e, por sua vez, diminuição nas oportunidades de subsistência e

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consumo; pode desencadear a segregação e até a fertilização do campo

da marginalidade. Também pode significar um indivíduo limitado em sua

ignorância, mas politicamente correto. Logo, tirar o tal gesso não é o bas-

tante. Necessário é aplicar FISIOTERAPIA! Mexer com seus dois gumes: o

tangível e o intangível. Este segundo, muito mais afiado, é o instrumento

que vai desentorpecer; tocar aquelas mulheres tão plurais em suas expe-

riências e tão complexas em suas dores; fazê-las atravessar a madrugada,

amanhecendo ensolaradas. O gerenciamento das informações é a opinião

formada, e esta abre precedentes para o intangível que tanto agrega. Isso

me tornou uma mulher melhor! Um ser mais polivalente; não só ADES-

TRADO, mas CONSCIENTE de suas capacidades e de seu poder destruidor;

portanto, mais maduro e capaz.

Aqui ou lá, no fundo, buscamos o mesmo: sair do terreno da invisi-

bilidade. Desejamos INCLUSÃO. Segundo Aristóteles, a felicidade resulta do

exercício das virtudes em sintonia com a vida em sociedade. A alfabetização

propicia o coletivo, a inserção, a sociedade. Bens tangíveis! A CONSCIEN-

TIZAÇÃO propicia o bem maior: a liberdade das virtudes! E quando essa

fisioterapia é iniciada lá dentro, a mulher chega no mundo “de cá” pronta

para a maratona da globalização — ora benéfica, ora um porre! —, onde lema

é “fazer a diferença” com selos de certificação até no currículo; onde uma

pessoa não precisa ser PhD para ter consciência e economizar água e energia

elétrica. Precisa estar CONSCIENTE.

O que falta nas prisões femininas então? O mesmo que falta fora de-

las: FORMADORES DE OPINIÃO versus ESPÍRITOS PRÉ-DISPOSTOS.

E o que sobra no mundo “de lá”? O mesmo que aqui, o mesmo que

na Faixa de Gaza, o mesmo que ao coelho de Alice: PRESSA, COMPETIÇÃO

onde cabem PARCERIAS. E assim o homem vai degustando paradoxos. A tec-

nologia de ponta e o alimento orgânico; a demanda semanal que não cabe na

agenda nem no trânsito; os desejos que não cabem no bolso, as frustrações

que não cabem em seu foco de atenção. Então corre para o campo, para o

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customizado, para a ioga. Corre. Vai desenfreado atrás do relax. Acelerado.

Confundindo o comum com o normal.

Quando, raramente, escrevo para alguém que ainda está em “Harvard”,

saliento que a sensação de estar conectado não é tudo aquilo de mágico

como conversávamos com a bola de vôlei nas mãos.

Ó, não!! Não tem preço estar, agora, “aqui”, onde cheguei, tangível

e intangivelmente, neste ponto de CONSCIÊNCIA e maturidade. Após muita

fisio, muito silêncio e um constante reinventar-se, de EDUCAÇÃO e OPINIÃO!

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Comentário

Mulheres encarceradas e o direito à educação: entre iniquidades e resistênciasAlessandra Teixeira

Refletir sobre a situação da mulher encarcerada no que toca ao exer-

cício do seu direito à educação pode ser um ponto de vista privilegiado para

se colocar em foco as iniquidades que marcam tão singularmente as relações

de gênero em nossa dinâmica social e seu agravamento no universo da prisão.

Iniquidades advindas, em primeiro lugar, das trajetórias dessas mu-

lheres recrutadas pelo sistema penal. Uma rápida análise sobre as estatísticas

penais e penitenciárias fornece os elementos de seu perfil, revelado por indi-

cadores sociobiográficos que as colocam na base da pirâmide social, sujeitan-

do-as às múltiplas violações que sua condição impõe.

Em São Paulo1, estudos, pesquisas e levantamentos oficiais apontam

que a maioria das presas (53%) é negra ou parda, 51% relatam violência do-

méstica, 82% são mães, mas apenas 26% são casadas ou viviam com os par-

ceiros. Com a prisão, apenas em 20% dos casos seus filhos ficarão aos cuidados

do pai, número que é radicalmente diverso quando a situação de prisão recai

sobre o homem (87% ficam com as mães). Um dado que é de importância

crucial para se entender o perfil do encarceramento feminino mais contempo-

râneo é o da chefia de família, que em 57% era assumido por essas mulheres

antes da prisão, garantido, contudo, por um relatado trabalho precário (80%),

que confere a esses lares por elas chefiados uma baixa renda mensal. Quanto à

educação formal, 56,5% não haviam completado sequer o ensino fundamental.

1 Os dados apresentados se referem ao Censo Penitenciário Funap/SAP/SP, 2002, com exceção dos relativos à violência doméstica, chefia de família e ao trabalho, que se referem ao levanta-mento realizado pelo Coletivo de Feministas Lésbicas em parceria com o Ministério da Saúde na Penitenciária Feminina do Tatuapé/SP. O dado referente à educação é mais atual, extraído do InFopen (Depen/MJ) em 2008.

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No Rio de Janeiro, pesquisa realizada pelo Cesec2, entre 1999 e 2000,

junto às presas do presídio de Talavera Bruce, concluiu que há predominância

de mulheres negras, 56,4% (em contraste com 35,4% na população femini-

na adulta do estado), e com baixos níveis de escolaridade (69% não haviam

completado o ensino fundamental em face de 41% da população feminina

adulta), e apenas 16,6% apresentavam instrução igual ou superior ao ensino

médio completo (em contraposição a 31,5% das mulheres com 18 anos ou

mais de idade residentes no Rio de Janeiro).

No que toca à educação, não são apenas as duas capitais a ostentarem

dados que atestam a baixa escolaridade dessas mulheres; no plano nacional

essa realidade também é constatada. Segundo dados reunidos pelo Depen/

MJ relativos a 76% das unidades prisionais no país, 64,77% das mulheres

encarceradas são analfabetas, apenas alfabetizadas ou possuem o ensino fun-

damental incompleto.3

Iniquidades, portanto, advindas de seu perfil socioeconômico, e que

serão reproduzidas nos contextos que marcam sua detenção, ou, antes ain-

da, seu envolvimento no mundo do crime. Como já amplamente divulgado,

a maior causa de condenação das mulheres encarceradas é o tráfico de dro-

gas, em proporções cada vez mais ascendentes, seguido pelo furto. A “op-

ção” pelo tráfico tem se revelado cada vez mais recorrente no universo de

oportunidades de renda dessas mulheres, mães solteiras e chefes de família,

representando assim uma alternativa econômica ao restritíssimo mercado

formal de trabalho. É certo, contudo, que sua atuação junto ao negócio do

tráfico se dará de modo marginal e extremamente periférico, sendo escas-

sos os meios de negociação que essa mulher dispõe diante de um oneroso

mercado de proteção, o que faz com que sobre ela recaiam maiores riscos

de uma prisão.

2 SOARES. Bárbara Musumeci. “Retrato das Mulheres Presas no Estado do Rio de Janeiro”, in Boletim Segurança e Cidadania, nº 1, julho de 2002.

3 Cf. www.mj.gov.br/depen.

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Uma vez presa, é novamente o grau de acesso aos recursos – econô-

micos e sobretudo simbólicos – que definirá sua trajetória pelo sistema, e que

explicará em muito a atuação discriminatória do aparato da justiça e das ins-

tituições penais em relação às mulheres; acesso dificultado aos mecanismos

(formais e informais) de defesa, de postulação de direitos, enfim, menor grau

de acesso à justiça em seu sentido mais amplo.

Uma violência do Estado contra as mulheres que vai se manifestar as-

sim no interior do funcionamento das instituições penais (sistema de justiça e

prisional), na desigualdade de acesso aos recursos simbólicos, e que tem, em

diferentes dimensões do que se pode atribuir como direito à educação, uma

importante e significativa representação.

Isso porque o universo da prisão se constituirá, para essas mulheres,

como repleto de interditos, a partir dos quais estará dificultado e mesmo

vedado o acesso à informação e ao conhecimento, ferramentas básicas de

um processo essencialmente emancipatório, como foi bem descrito por Ma-

riângela Graciano.4

Chegamos aqui a um ponto central que tem marcado, historicamente,

as práticas segregadoras no interior das prisões femininas, distinguindo-as

nitidamente da realidade observada nos cárceres masculinos. Pois, para além

do fato de que as prisões femininas convivem desde há muito com o aban-

dono do Poder Público, ostentando piores condições estruturais, o que leva

à desatenção sistemática de seus direitos mais essenciais, não é somente tal

dimensão material, que se demonstra decisiva para compreender a lógica dis-

criminatória que se instaura no seio do sistema.

É evidente que as deficiências materiais e estruturais podem explicar

em muito o cerceamento de direitos, sobretudo quando se tem em conta que

um grande contingente de mulheres está preso em cadeias públicas ou carce-

ragens (e em percentuais relativamente superiores aos dos homens). Mas isso

4 Em referência ao texto “As mulheres e a educação nas prisões”, que se encontra excerto nesta obra, no que toca às representações atribuídas pelas presas ao ensino, nas situações em que conseguem acessá-lo.

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não explica por quê, embora 70,5% dos estabelecimentos prisionais femininos

afirmem possuir espaços para sala de aula, apenas 25% das mulheres estu-

dem5. Do mesmo modo, não explica por quê, tal como afirmado no relatório

encaminhado pelo Grupo de Estudos e Mulheres Encarceradas e no CEJIL para

audiência na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA), em 2007,

“apesar de os números indicarem um enorme contingente de potenciais alunas

para a educação básica, apenas 1% das mulheres que estavam encarceradas, em

2002, tinha concluído o ensino fundamental na prisão”.6

A realidade desses interditos que povoam os regulamentos formais e

informais nas prisões femininas – a proibição de livros jurídicos em muitas

delas, o esvaziamento de funções destinadas às presas no setor da “judiciá-

ria” em marcante diferença do que ocorre com os presos, a coincidência de

horários das aulas com o trabalho, ou o jantar, dentre outras razões – ope-

ram no registro próprio das disciplinas, do contradireito na melhor acepção

foucaultiana7, como também dizem respeito ao universo de representações e

estereótipos que destituem e desqualificam a mulher presa.

O lugar por ela ocupado nesse diagrama de papéis é tanto o da

“louca”, “que não sabe se comportar”, “que arruma confusão” – insubmissa

assim ao código disciplinador da prisão que admite e incita a violência, mas

não tolera os protestos – como também o da “ignorante”, “que não conhe-

ce os direitos”, “desqualificada”. A prisão feminina é construída simbolica-

mente como um espaço onde não há organização, solidariedade, e embora

menos violento (as rebeliões femininas são raras), é frequentemente asso-

ciado a um tipo de desordem, atribuída à “incapacidade nata” das mulheres

de conviverem pacificamente e segundo o regulamento vigente das cadeias

(masculinas, diga-se de passagem). É a partir desse imaginário sistematica-

5 “Mulheres Encarceradas. Diagnóstico Nacional”. DEPEN/MJ 2008.

6 “Relatório sobre mulheres encarceradas no Brasil”. Centro pela Justiça e pelo Direito Interna-cional, CEJIL, e as entidades que constituem o Grupo de Estudo e Trabalho Mulheres Encarceradas, fevereiro de 2007.

7 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. O nascimento da prisão. 16ª ed. Petrópolis. Editora Vozes, 1997.

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mente construído e reiterado que se opera e se banaliza o perverso jogo no

qual direitos à informação, à educação e, enfim, o exercício da cidadania

é permanentemente subtraído, e a discriminação de gênero, naturalizada.

É assim, a partir desse contexto de representações que efetivamente

molda práticas, que o sistema prisional feminino abre margem para o campo

do maior arbítrio, o terreno disciplinar mais exaustivo, a serviço, nos dizeres

de Foucault, de um projeto mais acabado que vise a “docilização dos corpos

e a extração de sua utilidade”.8

É seguramente aí que o trabalho, como categoria moral fortemente

operante no mundo prisional, certamente em sua forma a mais subordinada,

alienada e explorada, tenderá a ocupar uma peculiar centralidade, em especial

no tocante às mulheres. É o trabalho, portanto, que será objeto de insistente

retórica pelas políticas ditas ressocializadoras, e, pese sua obrigatoriedade,

será travestido ao mesmo tempo em direito e “terapia prisional” a balizar as

intervenções políticas e jurisdicionais da execução penal, negando-se ainda a

quaisquer outras experiências/direitos, sobretudo à educação.9

Se a educação ocupa a dimensão única de proporcionar uma expe-

riência humana da autonomia, reafirmando ao mesmo tempo a capacidade

de sonhar e transcender a uma realidade dada, de que nos fala Mariângela

em seu texto, é precisamente por isso que a prisão e toda sua maquinaria

disciplinar, despersonalizante, desumanizadora a coíbam em cada pequeno

espaço em que venha a surgir. Embora a incompatibilidade entre elas seja

intrínseca, é também certo que o poder não se exerce sem que ao seu lado e

a partir dele se constituam, a todo momento, formas de resistência. Viver a

experiência do conhecimento no universo do cárcere talvez venha a ser, nesse

sentido, uma das mais completas formas de resistência constituíveis nesses

mortificados espaços.

8 Idem.

9 Um exemplo marcante é a enorme resistência até hoje vivenciada ao reconhecimento da remi-ção pela educação, ou seja, a extensão do direito previsto em lei no que toca ao trabalho (o resgate de um dia na pena a cada três trabalhados) para a educação.

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EDUCAÇÃO E SEGURANÇA

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Para início de conversa

Prisão e educação: lógicas incompatíveis?Aline Yamamoto

A Lei de Execução Penal declara, em sua exposição de motivos, que o

principal objetivo da pena privativa de liberdade no Brasil é a ressocialização

da pessoa presa. Dentre as possíveis leituras que existem a respeito do con-

teúdo de tal objetivo, entendendo-o como princípio que visa humanizar a

execução da pena de prisão, pode-se dizer que o sistema penitenciário deve

operar para reduzir ao máximo os efeitos deletérios da privação de liberdade,

não restringindo o exercício de qualquer direito que não sejam aqueles dire-

tamente afetados pela condenação.

No entanto, a lógica que domina e norteia as atividades, as relações

interpessoais e condutas dentro da prisão é a da ordem, disciplina, segurança

e neutralização do ser humano que faz parte desse sistema, afetando não só

as pessoas presas, como também todos os funcionários que nela atuam.

Neste cenário, em que a obediência passiva de todos é o interesse prio-

ritário a ser alcançado, a educação é encarada apenas como um dos instru-

mentos para sustentar o discurso da reabilitação. Tratada de forma acessória

à prisão e não como um direito, são inúmeros os entraves para sua realização:

os horários são incompatíveis com a rotina da prisão, as atividades educativas

concorrem com as oficinas de trabalho, os espaços físicos são inadequados,

as regras disciplinares são arbitrárias etc.

Como exemplo claro de instituição total, a prisão limita-se, essen-

cialmente, à contenção da massa carcerária por meio de uma rotina rigorosa

de controle permanente sobre o tempo e o corpo das pessoas. Para estas,

resta adaptar-se aos padrões e comportamento esperados para conseguir

alguns privilégios e ser, então, considerado preparado para voltar ao con-

vívio social.

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Nesse ambiente, em que há pouco espaço para o exercício de indivi-

dualidades e a liberdade é tolhida de forma ampla, como garantir o direito à

educação?

Seguindo uma lógica completamente oposta, a educação contribui

para a emancipação do ser humano e para o desenvolvimento das poten-

cialidades humanas, como a reflexão, a autonomia, a iniciativa, o diálogo,

a crítica etc., permeada por uma relação afetiva e de respeito mútuo entre

os sujeitos.

De que forma, então, concretizar um processo educativo dentro da

prisão? Será necessário haver uma reforma estrutural nos modelos atuais de

encarceramento para que os preceitos da educação sejam efetivados? Ou

trata-se, então, de ver a educação como um espaço de resistência?

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Segurança versus educaçãoMaurílio de Souza Firmino

Ao falar em educação ressaltamos que ela foi pensada para as classes

dominantes, excluindo índios, negros e pobres. É importante acrescentar

que esse modelo tem origem no regime militar. A segurança no sistema

penitenciário atual é entendida como um conjunto de procedimentos que

visam manter a ordem e disciplina de uma unidade – isto na teoria, pois

na prática tenta conseguir seus objetivos através de um controle totalitário

e violento. Além de não ser eficiente, diminui as possibilidades de ações

educativas. Alguns procedimentos submetem os encarcerados, visando sub-

jugá-los, desprezando suas consequências e até a eficiência deste controle,

e em nome disso pode tudo, inclusive desrespeitar direitos e a segurança do

próprio preso.

O trabalhador penitenciário é inserido numa cultura em que acreditar

em ações positivas significa premiar o comportamento criminoso. Um bene-

fício como a escola é visto como potencializador do crime.

O apenado, quando não inserido em atividades escolares, pode ter difi-

culdade em interagir com outras pessoas que estão fora do universo carcerário,

como sua família ou amigos. Esta dificuldade é resultante da carência de infor-

mações, pois o único assunto a que tem acesso é o relativo ao seu ambiente.

Do outro lado, o recluso, ao submeter-se a programas ressocializado-

res, é considerado um criminoso fraco e confuso para os seus pares.

Neste contexto a disciplina é melhor quando realizada por pessoas de

cara feia, truculentas e autoritárias, enquanto uma escola deve ser edificada

na gentileza e paciência.

Diante disto os Estados carecem de projetos que visem à valorização

e ao resgate do ser humano, gerando assim uma segurança eficiente através

da educação, efetivando-se somente quando realizada em ambiente seguro,

respeitando-se o crescimento individual.

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Educação ou punição Rowayne Soares Ramos

Observando ao longo dos cerca de sete anos em que estamos atuando

com profissionais da educação em contextos penitenciários, servidores da

segurança pública, voluntários (religiosos) e sujeitos privados de liberdade,

podemos perceber que a palavra educação se completa para todos em seu

significado amplo, mas que esta mesma palavra, em outros momentos, causa

medo e insegurança em alguns sujeitos que utilizam o conhecimento adqui-

rido ao longo da vida para impor as ideias autoritárias e punitivas que não

fazem parte do direito à vida e nem mesmo do direito à educação.

Não seria a educação nos espaços prisionais a causadora de tantas

insatisfações, medos e insegurança pelo fato da ação educacional ser liber-

tadora – libertadora das amarras sociais, libertadora das mentes adestradas a

somente responder ao fácil, ao imposto e ao pronto e acabado?

Não seria o medo da ação educacional nos contextos prisionais causa-

do pela ideia de segurança que impera nesse ambiente? Segurança que trata

de fazer amarrações, punições, detenções, castrações, no sentido de somente

castigar o sujeito privado de liberdade e seu direito inviolável de poder pensar,

se expressar e de ser um sujeito digno? De ser cidadão por meio do acesso

ao conhecimento que lhe deve ser proporcionado de forma igual às demais

pessoas que não estão privadas de liberdade?

Medo causa insegurança. As más condições de trabalho aos pro-

fissionais que atuam no contexto prisional são um fator forte de medo

e apreensão. E isso explica, em alguns casos, por que muitas ações edu-

cativas não prosperam em determinados contextos prisionais. Mas somos

conhecedores de lugares e espaços que possuem as melhores instalações

de segurança máxima e demais recursos tecnológicos que proporcionam

“segurança” ao homem e, no entanto, as ações educacionais não aconte-

cem na prática.

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A educação em prisões para sujeitos privados de liberdade implica

perceber que o conjunto de juízos e normas sobre criminosos ganhou forma

de verdades e se legitimou pelo direito penal, onde não há interesse pelo “ho-

mem conhecível, enquanto alma, individualidade e consciência, ao se preten-

der a universalidade do normativo” (FOUCAULT, 1989: 267). O transgressor,

quase sempre, é visto sob o ângulo do seu delito. A sociedade o enquadra

num único e definitivo tempo, em que as lembranças da infração não deixam

apagar a culpa. O seu tempo é o do crime, o seu espaço o da prisão e o seu

destino, a marginalidade.

Reconhecer a história do outro, dialogar/discutir a política do encar-

ceramento e proporcionar ações educacionais que possam dar significado ao

desenvolvimento humano e intelectual do sujeito em privação de liberdade

são atitudes éticas e de respeito que valorizam os direitos humanos. E, com

isso, se estabelece a verdadeira relação saudável entre educação e segurança,

construída por meio de uma linguagem: a linguagem do amor ao próximo,

da justiça social.

No entanto, as lutas ideológicas não se encontram apenas nas diferen-

tes visões de mundo. São também afirmações de uma determinada subjetivi-

dade percebida nos discursos. A organização social do discurso, por exemplo,

numa formulação mais geral, apresenta enfoques de restrição ao uso deste

discurso, numa ordem de quem pode falar, quando se pode falar, o que falar

e quando falar.

Referências bibliográficas

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 11ª Ed. – São Paulo: Ed. Hucitec,

2004.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis, RJ. Vozes. 1986.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

ORLANDI, Eni Pulccineli. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. Cam-

pinas, SP: Hucitec, 1997.

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Educação nas prisõesManoel Rodrigues Português

A educação, desde que a prisão se tornou a forma por excelência

de combate ao crime, combinando elementos punitivos, dissuasórios, in-

timidativos e correcionais, é parte constituinte da operação carcerária de

reabilitação dos sujeitos punidos. Este é o fundamento para a edificação

de todo aparato jurídico legal para garantir o direito à educação destinada

aos prisioneiros.

O objeto de que trata este artigo é a educação formal, a escolarização.

Destaca-se, contudo, que os processos de educação formal, informal e não

formal irrompem-se e interferem-se reciprocamente no ambiente prisional.

A prisão caracteriza-se por ser um sistema social, com regras, valores e

procedimentos que lhes são próprios; com papéis que implicam em posições,

privilégios, poderes e status.

Os segmentos que compõem a prisão, a saber: prisioneiros (e seus fa-

miliares), funcionários, técnicos e diretores, forjam em seu próprio interior a

gestão penitenciária, sua organização e funcionamento, determinando padrões

de comportamento, relacionamento e distribuição de poder (FISCHER, 1996).

A finalidade dessa organização é a manutenção de um equilíbrio tênue

do cotidiano prisional e controle da massa encarcerada. “É um terreno pan-

tanoso, de relações pactuadas entre corpo dirigente, funcional e lideranças

da população carcerária que permite um equilíbrio tênue e sensível da ordem

interna.” (PORTUGUÊS, 2001a: 30).

Assim, os meios pelos quais a prisão se propõe a reabilitar criminosos

— o isolamento, a disciplina, a ordem, a vigilância e a segurança — transfor-

mam-se no fim precípuo da organização penal.

Isso não significa que as propostas de reabilitação do sistema peniten-

ciário são ausentes ou inexistentes, mas que estão inseridas nesta lógica de

controle da massa encarcerada, afiançando-a.

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A constatação de que a prisão não reduz a criminalidade e não rea-

bilita é tão antiga quanto a própria prisão. À prisão não caberia suprimir as

infrações; antes, seria sua função distingui-las, distribuí-las e até utilizá-las.

“Organizar as transgressões numa tática geral de sujeições (...) É uma maneira

de gerir as ilegalidades, de riscar limites de tolerância, dar terreno a alguns,

de fazer pressão sobre outros, de excluir uma parte, de tornar útil outra, de

neutralizar estes, de tirar proveito daqueles” (FOUCAULT, 1986: 226). O siste-

ma penitenciário, portanto, gerencia a delinquência, inserido numa estratégia

global de dominação e disciplinarização.

O controle da massa encarcerada, transfigurado no fim precípuo da

organização penitenciária, o necessário e irrefreável processo de socialização

e aprendizagem ao sistema social da prisão, ao mundo do crime (RAMALHO,

1979), prescreve e orienta todos os programas e atividades cujo escopo é a

reabilitação dos sujeitos punidos: a psicoterapia, o trabalho, a cultura, os

esportes e a educação.

A alternativa das ações identificadas com a reabilitação e, em especial,

a educação, recai na contradição inerente aos processos de ajustamento, de

adaptação dos indivíduos ao sistema social da prisão.

A intenção de subjugar e de negar a vocação ontológica do homem

de ser sujeito, de ser criativo e de ser mais, visto ser inacabado, inconcluso

(Freire, 1979), jamais pode ser plena e integral. Inapelavelmente, estes pro-

cessos encerram em si uma série de contradições. “As contradições existem

dentro de todos os processos do princípio ao fim; movimento, coisa processo,

pensamento – tudo é contradição” (TSÉ-TUNG, 1979: 40).

No interior das prisões as contradições do processo de ajustamento

materializam-se nas possibilidades concretas dos indivíduos punidos pre-

servarem-se como sujeitos; na resistência a subjugarem-se plenamente aos

valores da instituição e do sistema social que lhe é inerente. “A resistência

prisioneira ao controle carcerário (...) é muito mais forte e presente que seu

raro registro na literatura faz supor (...). As pessoas presas conseguem man-

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ter a identidade, os valores de origem e grupais, a perspectiva de vida e de

liberdade, a despeito das longas condenações e de todos os fortes e rigo-

rosos meios de controle e sujeição utilizados pela instituição penitenciária”

(ROCHA, 1994: 3).

A educação formal não permanece neutra, em absoluto, nesse pro-

cesso pleno de contradições de subjugação – resistência. “A característica

fundamental da pedagogia do educador em presídios é a contradição,

é saber lidar com conflitos, saber trabalhar as contradições à exaustão”

(GADOTTI, 1993: 143).

Por um lado, as rígidas normas e procedimentos oriundos da necessi-

dade de segurança, ordem interna e disciplina das unidades que prescrevem

as atividades escolares, a vigilância constante ou até mesmo a ingenuidade

dos educadores, podem contribuir para que a escola seja mais um dos instru-

mentos de dominação, subjugando os indivíduos punidos ao “sistema social

da prisão” (SykES, 1999) ao “mundo do crime” (RAMALHO, 1979). Por outro

lado, a escola pode apresentar-se como um espaço que se pauta por afirmar

a vocação ontológica do homem, a de ser sujeito, que pressupõe o desenvol-

vimento de uma série de potencialidades humanas, tais como: a autonomia,

crítica, criatividade, reflexão, sensibilidade, participação, diálogo, estabeleci-

mento de vínculos afetivos, troca de experiências, pesquisa, respeito e tole-

rância, absolutamente compatíveis com a educação escolar, especificamente

a destinada aos jovens e adultos (PORTUGUÊS, 2001a).

As possibilidades concretas da educação nas prisões recaem em desen-

volver suas ações nos interstícios dos processos de dominação e subjugação.

O embate franco, o conflito aberto, fatalmente traz, em seu bojo, o

acometimento do processo educativo e a afirmação dos procedimentos de vi-

gilância, de segurança e da ordem interna. No cotejo, avultam-se os preceitos

relativos aos esquemas disciplinares e punitivos.

No claro intuito de materializar as possibilidades da educação, é

fundamental inscrever a educação em prisões no cenário educacional brasi-

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leiro e na constituição de um sistema a ele integrado, desarticulando-a da

gestão penitenciária, a fim de concretizar uma Educação nas prisões e não

para as prisões; estender ao universo da prisão os pressupostos, objetivos,

currículo, orientações, metodologias, avaliação e certificação da Educação

de Jovens e Adultos.

A fim de acometer a entropia da gestão penitenciária, é absoluta-

mente necessária a coordenação da educação e a composição de seus atores

com segmentos externos a ela, atribuindo-se ao poder público municipal tal

incumbência, em consonância com as diretrizes nacionais da educação de

jovens e adultos.

Referências bibliográficas

COELHO, Edmundo Campos (1987). A Oficina do Diabo (Crise e conflitos no sistema peni-

tenciário no Rio de Janeiro). Rio de Janeiro. Espaço e Tempo, IUPERJ.

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FREIRE, Paulo (1995). Política e Educação. São Paulo, Cortez, 2ª ed.

_________ (1979). Educação e Mudança. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 18ª ed.

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RAMALHO, José Ricardo (1979). Mundo do Crime: a ordem pelo avesso. Rio de Janeiro,

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ROCHA, Luiz Carlos da (1994). A Prisão dos Pobres. São Paulo, Tese de Doutorado, Insti-

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CEREJA discute

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tradição, Sobre a Arte e Literatura. Seleção e tradução: José Ricardo Carneiro Moderno.

RJ, Paz e Terra.

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A educação no contexto do cárcereMarizangela Pereira de Lima

O sistema penitenciário ao longo de sua história tem sido pensado sob

a ótica de aparelho reformador dos indivíduos. Foram estruturadas práticas de

dominação, através de relações de força, poder e violência legitimadas pelo

Estado. No entanto, o que se verifica é o aumento do contingente de pessoas

que são privadas de liberdade por não se adequarem ao sistema vigente na

nossa sociedade.

Atualmente, o sistema carcerário no Brasil possui inúmeros proble-

mas: superlotação, estrutura física em estado precário, constantes rebeliões,

fragilidade na proteção da integridade física, falta de treinamento dos fun-

cionários, violações de direitos humano, e — o mais preocupante — poucas

oportunidades de recuperação dos detentos. É nesse contexto que o Estado

tem reservado aos apenados, ainda que de forma bastante precária, serviços,

como apoio psicossocial, assistência médica, atividades laborais e educacio-

nais. São atividades previstas na Lei de Execução Penal (LEP), com vistas à

ressocialização desses indivíduos.

A educação formal se insere no cárcere como meio de garantir aos ci-

dadãos presos a oportunidade de acesso à escolarização, da qual, por diver-

sos motivos, os mesmos não usufruíram quando em liberdade. Entende-se

que ela é um recurso importante no processo de desenvolvimento humano,

e que apesar da maioria das pessoas que trabalham no cárcere não acei-

tarem, a educação constitui um direito público e subjetivo assegurado por

lei a todas as pessoas, inclusive aos que cumprem penas. Pois a condição

de preso não deve tirar-lhe a possibilidade de ampliação do conhecimento,

uma vez que esta é a condição indispensável ao seu processo de emancipa-

ção como ser humano.

Apesar de a educação ser usada como possibilidade de instrumenta-

lização para a ressocialização, atesta-se, nesse sentido, a impressão de que

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as prisões são apenas depósitos de pessoas cumprindo punição por crimes

cometidos. O que se verifica é uma incompatibilidade muito grande entre

os objetivos da educação e os objetivos da segurança, pois a primeira vista

à emancipação dos indivíduos enquanto a segunda à anulação dos mesmos.

“A contradição entre a educação e a reabilitação penitenciária incide preponderantemente neste aspecto. A primeira almeja a formação dos sujeitos, a ampliação de sua leitura de mundo, o despertar da criatividade e da participação para a construção de conhecimento, a transformação e a superação de sua condição. Já a segunda atribui a absoluta primazia na anulação da pessoa, na sua mortificação enquanto sujeito, aceitando sua situação e condição como imutáveis ou, ao menos, cujas possibilidades para modificá-las estão fora de seu alcance.”

(Português, 2001, p. 200)

Tal afirmativa se confirma no dia a dia das instituições prisionais, pois

as pessoas que trabalham com os apenados não estão preparadas para pro-

mover a sua reabilitação, mas unicamente a punição. Como, por exemplo, na

retirada das alunas para a sala de aula, no tratamento de reprovação constan-

te por acharem que elas só querem ir passear, trocar informações.

Ressocialização, reeducação, reabilitação são termos muito utilizados

como sinônimos para designar a pretensão de alcançar o que seria a pro-

moção do desenvolvimento do preso para devolvê-lo à sociedade como um

cidadão “de bem” e produtivo. No entanto, o que se verifica é uma distância

muito grande entre este discurso, que não é de todos, e o trabalho que é

desenvolvido na prática dentro das casas penais.

“Ainda que de forma crítica, tais análises tomam a educação como elemento a serviço da transformação dos indivíduos que se encontram em situação de privação de liberdade, que parte da premissa de que a educação é um direito humano, portanto, assegurada a todas as pessoas, inclusive àquelas socialmente

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identificadas como criminosas. Se na primeira perspectiva a população carcerária é objeto da ação da educação, na segunda, é sujeito deste direito, ao menos formalmente.”

(Graciano, 2005, p.13)

A educação no cárcere deve ser vista como alternativa para a constru-

ção/resgate da autoestima, da capacidade produtiva e reflexiva dos apenados,

bem como a devolução de direitos básicos do ser humano como o sentimento

de pertencimento à raça humana.

Faz-se necessária uma reforma estrutural; não pequenos ajustes, mas

profundas transformações nos modelos atuais de encarceramento para que

os preceitos da educação sejam efetivados. É necessário que todos – Estado

e sociedade civil – estejam engajados nessa mudança. Finalizo com esta frase

tão chocante, mas real: “Os apenados hoje estão contidos, amanhã poderão

estar ‘contigo’” – escrita em um presídio do Nordeste, segundo o deputado

Domingos Dutra1. A sociedade precisa fazer algo; se não for pensando nos

direitos dos que estão presos, que seja pelo menos para sua própria proteção.

Referências bibliográficas

GRACIANO, Mariângela. A educação como direito humano: a escola na prisão. Dissertação

(Mestrado). Faculdade de Educação. São Paulo: USP, 2005.

PORTUGUÊS, Manoel Rodrigues. Educação de adultos presos: possibilidade e contradi-

ções da inserção da educação escolar nos programas de reabilitação do sistema penal

do estado de São Paulo. Dissertação (Mestrado). Faculdade de Educação. São Paulo:

USP, 2001.

1 Relator da comissão na CPI do Sistema Carcerário.

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Comentário

Educação e segurança nas prisõesFabio Costa Morais de Sá e Silva

Anos atrás, o Centro de Teatro do Oprimido do Rio de Janeiro desen-

volveu uma atividade com vários grupos de presos daquele Estado, tendo

como objetivo até então inédito viabilizar a escuta da própria população

prisional na elaboração de uma política pública para a oferta de educação nas

prisões (Sá e Silva, 2006; 2008). A atividade consistia em capacitar os presos

na metodologia de teatro-fórum e convidá-los a produzir cenas que revelas-

sem aspectos problemáticos de suas experiências com educação nas prisões.

A encenação de um dos grupos abordava um episódio de “revista de cela”, no

qual os presos não apenas tinham os seus livros e cadernos destruídos pela

ação da polícia, como também tinham de enfrentar posteriores cobranças dos

professores pela suposta falta de cuidado com o material.

Apesar da linguagem lúdica que é própria da expressão teatral, a apre-

sentação desse grupo de presos trouxe à tona um dos problemas mais centrais

e dramáticos da gestão prisional: o embate frequente entre segurança e edu-

cação. Quem busca promover a educação nas prisões alega que as medidas

de segurança adotadas nas unidades representam um fator de desmotivação,

quando não de completo impedimento ao engajamento com o ato de apren-

der. Quem administra as prisões e por vezes estabelece restrições à prática

educativa nessas unidades em geral alega fazê-lo em nome da preservação da

segurança – seja ela dos educadores, dos agentes penitenciários, da sociedade

ou dos próprios presos.

Os textos que Maurílio Souza Firmino, Rowayne Soares Ramos, Mari-

zangela Pereira e Manuel Rodrigues Português produziram para este número

do CEREJA discute podem não oferecer uma saída pronta e acabada para este

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CEREJA discute

estranhamento, mas certamente oferecem bons insumos para que compreen-

damos as suas origens e formas de reprodução. E, para proveito ainda maior

do leitor, fazem-no a partir de uma linguagem que não apenas é bastante

reflexiva, mesmo quando não escorada diretamente em referenciais teóricos

ou acadêmicos, como também é profundamente autobiográfica – já que to-

dos eles reúnem experiência de trabalho e pesquisa no sistema penitenciário.

No que diz respeito às origens do problema, os textos parecem remeter

ao processo histórico pelo qual o alcance e o sentido do funcionamento das

prisões foi se construindo. Como apontou Foucault, que aliás é citado em várias

ocasiões pelos autores dos textos aqui reunidos, a explicação para o sucesso da

prisão no quadro das reformas penais do século XVIII reside na sua capacidade

de atender a uma outra aspiração do projeto burguês que não a da simples

racionalização do aparato punitivo. Essa aspiração é a da transformação do

condenado mediante a intervenção técnica e científica em seu corpo.

A trajetória da instituição prisional, culminando no modelo do panóp-

tico, é uma expressão sintomática dessa nova maneira de não apenas lidar

com as ilegalidades, mas também promover o ajustamento dos indivíduos a

esquemas mais gerais de dominação. Pouco a pouco, as prisões foram assu-

mindo a vocação de “tratar e reabilitar” a figura do “delinquente” a fim de

que ele pudesse retornar harmonicamente ao convívio social. O “sujeito de

direitos”, antes celebrado pelas revoluções iluministas, acabou por tornar-se

um objeto da ciência, de seus programas e esquadrinhamentos. As práticas

jurídico-penais foram colonizadas pelos discursos de um Lombroso, um Ferri,

um Garofalo. “E os juízes, eles mesmos, sem saber e sem se dar conta, passa-

ram, pouco a pouco, de um veredicto que tinha ainda conotações punitivas, a

um veredicto que não podem justificar em seu próprio vocabulário, a não ser

na condição de que seja transformador do indivíduo” (FOUCAULT, 2006:138).

Em muitos sentidos, os autores indicam que as noções de “segurança”

e até mesmo de “educação” até hoje são largamente definidas em função

daquele projeto. No caso da segurança, esta restrição de sentido parecerá

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mais saliente e imediata ao leitor. Maurílio Souza Firmino relata que, no dia

a dia das prisões, a segurança acaba sendo entendida como um atributo de

“pessoas de cara feia, truculentas e autoritárias”. E Marizangela Pereira dá o

exemplo da “retirada de alunas [da cela] para a sala de aula” como uma oca-

sião constantemente acompanhada por um “tratamento de reprovação, por

acharem que elas só querem ir passear, trocar informações”. “Passear” e “tro-

car informações” são comportamentos inerentes à condição humana que em

nada ameaçam a “segurança” dos estabelecimentos penais ou da sociedade.

Censurá-los e, com isso, restringir a possibilidade de processos de ensino-

aprendizagem nas prisões só pode representar uma tentativa de reafirmar a

perversa lógica disciplinadora de que falavam os estudos de Foucault.

A educação não está necessariamente fora disso. Como adverte Ma-

nuel Rodrigues Português, a escola pode ser “mais um dos instrumentos

de dominação, subjugando os indivíduos ao sistema social da prisão ou ao

mundo do crime”. Um dos argumentos mais utilizados para se reivindicar

a oferta de educação nas prisões está baseado na crença, ingênua ou mal

intencionada, de que a educação poderá “transformar” os indivíduos presos,

fazer com que se “arrependam de suas trajetórias criminosas” e aceitem um

“conjunto de valores sociais” supostamente compartilhados por uma maioria

não-delinquente. Nessa leitura, a educação corresponde a uma simples ferra-

menta para a readequação ética dos presos, tendo como base, obviamente, a

ética de quem se pretende “de bem” (SÁ, 2005). Por isso é que é importante

o alerta de Rowayne Soares Ramos no sentido de que, nas prisões, “alguns

sujeitos utilizam o conhecimento adquirido ao longo da vida para impor

ideias autoritárias e punitivas” e de que um olhar atento para as dinâmicas

educativas nas prisões pode revelar padrões inusitados de opressão baseados

na definição de “quem pode falar, quando pode falar, o que pode falar e

como pode falar”.

No que diz respeito às formas pelas quais o embate entre segurança e

educação se reproduz nas prisões, os textos revelam um notável processo de

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subjetivação muito semelhante ao que Goffman identificou em seus estudos

sobre “instituições totais” (1974). Nesse processo, agentes, dirigentes e até

mesmo presos não apenas introjetam a perversa lógica disciplinar pela qual

as prisões têm operado como se tornam eles próprios agentes de reprodução

dessa lógica. O texto de Maurílio Souza Firmino descreve esse fenômeno sem

usar meias palavras. Segundo sua narrativa, “o trabalhador penitenciário é

inserido numa cultura em que acreditar em ações positivas significa premiar

o comportamento criminoso. Um benefício como a escola é visto como po-

tencializador do crime. De outro lado o recluso, ao submeter-se a programas

ressocializadores, é considerado fraco e confuso para os seus pares”.

Felizmente, os textos aqui reunidos também trazem uma palavra de

esperança. Como todos os autores mencionam, ainda que com diferença de

ênfase, o acúmulo teórico e prático da Educação de Jovens e Adultos nos legou

uma noção de educação que não se deixa represar pelas pretensões disciplina-

doras sobre as quais a prisão se erigiu como instituição. Nessa outra visão, a

educação aparece como “um espaço que se paute por afirmar a vocação onto-

lógica do homem, a de ser sujeito, que pressupõe o desenvolvimento de uma

série de potencialidades humanas, tais como: a autonomia, a crítica, a criativi-

dade, a reflexão, a sensibilidade, a participação, o diálogo, o estabelecimento

de vínculos afetivos, a troca de experiências, a pesquisa, o respeito e a tolerân-

cia”, para citar a contribuição específica de Manuel Rodrigues Português.

Essa noção distinta de educação pode servir não apenas como um

meio de resistência à lógica de funcionamento das prisões — como Aline

yamamoto parece haver sugerido no texto que motivou todo este debate —,

como também pode ajudar a dar novos sentidos para a “segurança” na po-

lítica penitenciária. Uma gestão prisional que se comprometa a promover a

educação como “prática de liberdade”, como dizia o saudoso Paulo Freire

(2000), pode buscar os fundamentos da “segurança” no respeito aos Direitos

Humanos e não nos esquemas de sujeição que tradicionalmente organizam a

convivência nas prisões. Seremos capazes de construí-la?

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Referências bibliográficas

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FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade: a sociedade brasileira em transição.

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en prisiones en latinoamérica: derechos, libertad y ciudadanía. Brasília, DF: UNESCO,

2008, p. 143-170.

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CEREJA discute

EDUCAÇÃO FORMAL E NÃO FORMAL

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Para início de conversa

O que há de educação em prisões? A educação formal e a não formal. Raiane Assumpção

Quando a palavra “educação” é utilizada, atribui-se a ela algum signi-

ficado. Ainda que estes significados possam se diferenciar quanto a aspectos

ideológicos, conteúdos, metodologias, participantes etc., algo permanece das

diferentes visões. Esse algo que permanece, das mais diversas formas de signi-

ficar a educação, diz respeito ao fato primeiro de que toda Educação se refere

ao ensino e à aprendizagem. Educar é aprender, é ensinar.

Dada essa ideia como fato, coloquemos logo de início algumas ques-

tões abordadas e discutidas enfaticamente na atividade do FSM/2009: quan-

do falamos da educação em prisões, a que estamos nos referindo? O que deve

ser garantido no âmbito da prisão, por ser a educação um direito humano

universal? O que deve ser específico, em função da intencionalidade que ela

deve possuir frente à situação da privação de liberdade? De fato, o que tem

sido a educação em prisões no cenário brasileiro e internacional?

Embora o direito à educação seja universal, no caso brasileiro garan-

tido pela constituição de 1988 e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação

(LDB), de fato, evidencia-se a ausência de uma política pública que garanta

esse direito aos adultos em situação de privação de liberdade. São raras as

unidades prisionais que tenham escolas que façam parte do sistema educa-

cional. À Educação e aos seus profissionais tem sido atribuída uma função

secundária, em relação às instâncias jurídicas e burocráticas, na avaliação para

a tomada de decisões referente à pena. Com isso, há ênfase na disciplina e na

segurança em detrimento das abordagens voltadas para o desenvolvimento

pessoal e na inserção social.

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No que diz respeito à educação formal no âmbito das prisões, compre-

endida como a educação escolar, há a omissão do Estado, tanto no âmbito das

diretrizes como da execução. O que existe são ações de educação formalizadas

e institucionalizadas, porém que não se inserem no sistema educacional e não

possuem uma proposta e um plano pedagógico definido. São resultado de

algumas iniciativas institucionais, de profissionais comprometidos com a edu-

cação e de projetos sociais desenvolvidos por organizações da sociedade civil.

O fato dessas ações não estarem inseridas no marco escolar faz com que

sua prática se vincule mais ao contexto em que está inserida e reúna um con-

junto muito diversificado de atividades, em sua maioria, articulando formação

cidadã com uma formação teórica e vivência prática, além do desenvolvimento

de ações que estimulam a conexão dos saberes sensíveis e reflexivos.

Nessas iniciativas está presente a intencionalidade da ação pedagó-

gica, diferenciando-se da informalidade. Com isso, tem sido necessário ar-

ticular saberes formais e saberes vinculados aos direitos à saúde, trabalho,

alimentação, justiça, direitos humanos. Como exemplo, o fortalecimento da

autoestima e identidade concomitantemente ao trabalho para a melhoria do

nível de alfabetização.

Frente ao cenário descrito, uma das questões cruciais em relação à

Educação de presos tem sido a incompatibilidade entre os objetivos da Edu-

cação e os objetivos da pena e da prisão. Ainda que se possa afirmar que a

condição de confinamento prolongado, a necessidade de rápida adaptação

a um ambiente hostil marcado pela cultura da violência e a perda de refe-

renciais de valor sejam capazes de suscitar outras formas de saberes e de

produção de conhecimentos, a questão fundamental é a garantia do direito

à educação, atendendo as suas especificidades, para que os presos não sejam

duplamente estigmatizados.

Isso exige políticas públicas definidas, profissionais com formação e

infraestrutura adequada para quem faz a mediação nesse processo educacio-

nal no cumprimento da pena.

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Educação formal e não formal no cárcere: questões anteriores e possíveis caminhosMário Miranda Neto

Mão para trás, cabeça baixa. “Sim, senhor”, “Não, senhor”, “Doutor”,

“Professor”.

O processo de institucionalização no cárcere assume, formaliza e na-

turaliza desigualdades da sociedade brasileira que na rua, mesmo que apenas

retoricamente, são combatidas.

Objetivamente, o disciplinar da palavra falada e dos corpos que dizem

joga o ideal de respeito para um marcador de desigualdade muito evidente.

Se “sai de rua”, o estigma de preso não sai da mente, das relações

sociais diversas, de burocracias estatais e mesmo do corpo. Como me dizem:

“É física a parada.”

Parece ser contraditório, mas, mesmo para uma pretensa vanguarda,

até seria suportável a igualdade para os kaigang, mulheres quebradoras de

coco e quilombolas...

Mas, e para pessoas que cometeram crimes?

É que tem gente que acha que quem cometeu crime veio para cá de

nave espacial.

Efetivamente não trabalhamos com a ideia de igualdade como valor,

seja do ponto de vista biológico, antropológico, marxista, liberal ou mesmo

religioso na lógica do “todos são filhos de Deus”.

A ideia de prisão especial talvez seja o mais tosco exemplo de que, na

luta pela sua derrubada, se via a manutenção do privilégio alargando-se o

leque de beneficiários.

O coração da resistência contra a educação no cárcere parece estar aí.

Para aqueles que já lidam com a ideia de igualdade, segue a ques-

tão do tipo de educação. Volta e meia confunde-se educação com ades-

tramento a partir de uma determinada visão sobre ressocialização e rein-

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tegração. Chega-se a reduzir educação a mero mecanismo para diminui-

ção de reincidência.

O fato é que educação no cárcere, para muitos, não tem a ver com

processos emancipatórios, de aumento de criticidade pelo educando e de

construção de igualdade. Deixa-se de levar em conta que uma decantada

diminuição de reincidência, não avaliada quantitativa e qualitativamente, tal-

vez só ocorresse na plenitude com um processo educacional que levasse em

conta os valores acima citados.

Ora, sem enfrentar estas questões a discussão entre educação formal

e não formal – ou, como prefiro, escolarizada ou não escolarizada – fica ab-

solutamente prejudicada.

É que, pensando a educação como mecanismo inclusivo e potencia-

lizador de igualdade, o não reconhecimento da educação não escolarizada

para acesso a determinados postos de trabalho ou ascendência para outros

níveis educacionais cria o paradoxo para o educando de um processo rico,

mas não reconhecido, que mais uma vez lhe coloca como cidadão de terceira

categoria.

Note-se que aqui estou trabalhando com projetos de educação não

escolarizada sérios e bem organizados dentro dos princípios inclusivos já

elencados.

A questão que emerge é que, sem nenhum esforço por neutralidade,

estou trabalhando a educação como referência do aumento de capital cultu-

ral, competências e possibilidades de escolhas para o educando.

Todavia, muitos gestores de sistema prisional se preocupam apenas

com o critério “ter ou não educação” na lógica da formalidade da Lei de Exe-

cuções Penais (LEP). A fiscalização também não se atém na questão de forma

qualificada, seja ela realizada por conselhos, poder legislativo ou judiciário,

igrejas, familiares e mesmo grupos dos aclamados Direitos Humanos.

Assim sendo, projetos educacionais são, na maioria das vezes, vistos

como concorrentes. Com a simples existência de um projeto educacional na

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prisão, considera-se já cumprida a LEP, não importando muito a maneira

como ela se realiza.

Esta situação traz problemas evidentes para os esforços de comple-

mentaridade entre educação escolar e não escolar – caminho óbvio para, no

sentido formal, não tirar do educando o direito de certificação e, no sentido

político e pedagógico, para aumentar seu leque de escolhas e competências.

O Rio de Janeiro vem sendo visto como exemplo por implantar esco-

las formais vinculadas à SEEDUC em presídios da SEAP; apesar de apresen-

tar problemas, parece desenvolver uma experiência positiva na consolidação

da ideia de gestão pública integrada e intersetorial. Para além de modelos,

professores e inspetores penitenciários são funcionários públicos que devem

respeitar-se mutuamente. Os excessos podem ser contidos, e os atores educa-

cionais não ficam de forma absoluta reféns da prisão na sua lógica repressiva.

Há relatos de que mesmo inspetores outrora resistentes a profissionais que,

pela natureza do ofício, têm autonomia intelectual e funcional, hoje veem

este modelo como um dos mecanismos de garantia do funcionamento do

cárcere de forma menos tensa. Muitas vezes professores mediam diversas si-

tuações e compartilham riscos, numa perspectiva mais estável e consequente

para a efetivação de uma política de direitos humanos no cárcere que não os

desvalorize como mercadoria ou mero mecanismo acusatório.

Há ainda o aspecto da remição de pena, que pode ser facilitada pela

burocracia estatal através de atestado emitido por funcionário público em

exercício de função, detentor portanto, de “fé pública”. Professores concur-

sados tem prerrogativas que podem ser usadas num sentido mais inclusivo.

Outra questão: a experiência tem mostrado que vários projetos de

educação não escolarizada possuem prazo determinado e detêm pouca mar-

gem de negociação com uma perspectiva repressiva. Deixam muito pouco

frente à energia despendida.

O frescor e oxigênio que trazem geram asfixia posterior em vários sen-

tidos. Isso sem contar a desproporção nos custos de alguns.

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Por outro lado, a educação escolar sempre está no limiar de ser o cár-

cere dentro do cárcere, reproduzindo a escola com grades físicas, curriculares

e outras grades da escola da rua.

Sempre há o risco de professores que não lidam com a ideia de nego-

ciação constante própria do espaço que estão e se fecham em copas. Há tam-

bém o risco daqueles que no processo de atuação em presídios naturalizam

o engolir sapos para construir jardins e perdem a consciência de que estão a

engolir sapos apenas em função de valores maiores e que os problemas estão

para além de um inspetor penitenciário. Aliás, tratar todos os inspetores como

sendo somente a repressão me parece um equívoco para que o professor seja

somente o bonzinho.

Diretrizes específicas para educação no cárcere e, no caso de uma

grade curricular, bastante campo aberto para que educadores adequem esta

grade à realidade de cada escola pode ser um caminho.

Talvez aí a relação entre educação escolarizada e não escolarizada

possa se dar de forma que os projetos possam ser complementares.

O fato é que alguns projetos maravilhosos, com perspectivas inovado-

ras da educação, construídos no marco da educação não escolar, merecem

todo o respeito. Principalmente por quebrarem a ideia do currículo como

instrumento de poder e controle que despreza vários saberes relevantes e

reconhecidos pela sociedade, em que pesem não reconhecidos pelo Estado.

Mas a luta pelo reconhecimento destes saberes fundados na educação

no cárcere me parece um problema, já que pode impingir mais um estigma

sobre o educando preso.

Vale lembrar as críticas quanto aos significados de projetos de educa-

ção não escolarizada que operam da seguinte forma:

Homens presos: cursos de pedreiro, marceneiro, soldador, ladrilheiro,

padeiro...

Mulheres presas: cursos de manicure, cozinheira, costureira...

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É que nossa desigualdade opera na lógica escravocrata de trabalho

intelectual para alguns e braçal para outros. Não me assusta então que os

poucos presos que trabalham ganhem menos e que em muitos estados o

trabalho intelectual (incluído aí o estudo formal) sequer seja levado em conta

para efeitos de remição.

Para além do “senhor” por vezes dito no ranger dos dentes, a ideia

de “doutor” ganha cores muito vivas na prisão. Poucos conhecem o peso da

hierarquia como o conhece um preso.

Uma hierarquia que produziu o “doutor” sem doutorado: “O doutor

me colocou aqui”; “O doutor defensor não me chama”; “Fulano (preso que

faz petições) é quase um doutor”; “Aquele professor (que dá boas aulas) é um

doutor”; “Fulano é doutor na cozinha”; e por aí vai.

“Doutor”, na prisão, é distinção para quem sabe e resolve; é perma-

nência colonial, robustecida pelo contato com os doutores da lei que pos-

suem saber capital aos presos.

Então enquanto não quebrarmos a lógica dos doutores, ainda mais

viva no cárcere, seria problemático sonegar a possibilidade de termos ex-

presos doutores que começam a construir sua caminhada nos cárceres.

Através de prêmios e aprovações em vestibulares, vejo que o rompi-

mento destas barreiras por alguns tem significado empenho maior de outros

internos no processo de conhecimento. Mas para isso a delimitação do ter-

ritório escolar no cárcere parece fundamental. Até se reduzida a noção de

território para o aspecto físico, torna-se notório que projetos de educação

não escolar são ainda mais prejudicados. A educação fica sem lugar.

Todavia, permanece o desafio da escola se reinventar. Tendo o cárcere

como espelho, pode afinal a escola ser significada como local de liberdade

pelos alunos se educadores tiverem a habilidade necessária para esta constru-

ção. Talvez nisso a educação não escolar pudesse ajudar.

Mas sigo cético. Continuarei vendo desqualificações mútuas, justifi-

cadas ou não, porque não se enfrenta a questão da igualdade e do sistema

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de justiça criminal e penitenciário que, quando muito, incentiva processos

educacionais quaisquer.

É preciso evitar que a luta por um lugar ao sol coloque a rica discus-

são entre educação escolar e não escolar num Fla x Flu que, no contexto do

cárcere, gere como resultado um 0 x 0 com os dois times eliminados.

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Reflexões em torno da educação escolar em espaços de privação de liberdadeElenice Maria Cammarosano Onofre

Pensar a educação escolar em espaços de privação de liberdade nos

leva a questões centrais: como lidar com a contradição da cultura prisional,

caracterizada pela repressão, ordem e disciplina, com o fim de adaptar o indi-

víduo ao cárcere e o princípio fundamental da educação, que é por essência

transformador e libertador? Ou então, estariam as práticas escolares a serviço

das prerrogativas carcerárias? A quem a escola serve?

Isto posto, as questões que nos parecem relevantes são: que escola

está presente nas unidades prisionais? Qual é o seu papel e o que a escola

pode fazer?

Em quaisquer espaços, a escola possui características organizacionais

e sociais que influenciam o trabalho dos agentes escolares. Como lugar de

trabalho, ela não é apenas um espaço físico, mas também um espaço social

que define como o trabalho dos professores é planejado, supervisionado, re-

munerado e visto pelos outros (TARDIF; LESSARD, 2005).

Novos desdobramentos às questões anteriores: que espaço físico é re-

servado na arquitetura prisional às escolas? Quem são os professores? Em que

momento eles planejam suas atividades? Orientados por quem? Como são remu-

nerados? Embora não se possa generalizar, tem ficado evidente o descaso em re-

lação às salas de aula adaptadas e em número insuficiente à demanda existente;

aos professores que assumem as salas, sem o devido preparo e acompanhamento;

à atribuição das aulas a monitores ou monitores-presos; ao salário simbólico que

recebem por seu trabalho. Da mesma forma, é preciso evidenciar: que relações

são estabelecidas entre a escola e seus atores, com os demais espaços prisionais,

na busca de caminhos para a (re)inserção do indivíduo na sociedade?

Concordando com Scarfó (2003), nossa aposta para sair da cilada entre

o real punitivo da prisão e o ideal educativo da escola, bem como garantir

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uma educação de qualidade, tem sido a de oferecer processos educativos,

quer de maneira formal ou não formal, que mantenham o aprisionado envol-

vido em atividades que possam melhorar sua qualidade de vida e criar con-

dições para que a experiência educativa lhe traga resultados úteis (trabalho,

conhecimento, compreensão, atitudes sociais e comportamentos desejáveis)

que perdurem e lhe permitam acesso ao mercado de trabalho e continuidade

nos estudos, quando em liberdade, o que poderá contribuir para a redução na

reincidência, (re)integrando-o eficazmente à sociedade.

Há que se enfatizar que o aprisionado necessita não somente ter suas

necessidades básicas atendidas, pois o empobrecimento material a que é sub-

metido é uma ameaça à sua autoestima e imagem como membro da socieda-

de. Mesmo sendo restrita a sua oportunidade de fazer escolhas, a escola pode

contribuir no sentido de resgatar sua autonomia, num espaço em que está

submetido a regras e comandos destinados a controlar o seu comportamento,

nos mínimos detalhes.

A escola é apontada por alunos e professores como um espaço onde

as tensões se mostram aliviadas (Onofre, 2002). A autora defende que, inse-

rida numa ordem que funciona “pelo avesso”, a escola oferece ao homem a

possibilidade de resgatar ou aprender uma outra forma de se relacionar, di-

ferente das relações habituais do cárcere, pois sendo o processo de educação

contínuo, nesse espaço, ele se modifica em sua natureza, em sua forma, mas

continua, sempre, sendo processo educativo.

Com base nas reflexões apresentadas, optou-se por não se referir ao

espaço escolar da prisão como um espaço formal de educação, visto que não

seria possível, em nosso entender, explicitar o que é formal e o que é não

formal em um espaço de privação de liberdade. Na penumbra de que tudo

é formal, a escola se vislumbra como uma possibilidade, como um ponto de

encontro, representando um campo de interação de diferentes concepções de

mundo. No espaço prisional, nenhuma proposta que envolva compartilhar,

interagir, intersubjetivar é simples, porém, pode resgatar a função da escola

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como mediadora de saberes, culturas e realidade, visto ser a educação um

direito do cidadão, independente do espaço em que está inserido.

Referências bibliográficas:

ONOFRE, E. M. C. Educação escolar na prisão. Para além das grades: a essência da escola e

a possibilidade de resgate da identidade do homem aprisionado. 2002. Tese (Doutorado

em Educação Escolar), UNESP, Araraquara/SP.

SCARFÓ, F. J. El derecho a la educación en las cárceles como garantia de la educación

en derechos humanos (EDH). Revista IIDH, San José, Costa Rica, v. 36, p. 1-35, jul./

dez., 2003.

TARDIF, M.; LESSARD, C. O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência

como profissão de interações humanas. Petrópolis: Vozes, 2005.

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Educação nas prisões: mais do que reconhecer, é necessário efetivar esse direito com qualidadeFelipe Athayde Lins de Melo e Juraci Antonio de Oliveira

A questão prisional vem crescentemente chamando a atenção de pes-

soas e instituições para além daqueles que, por força de sua atuação, já estão

presentes neste contexto especialíssimo de nossa sociedade.

Ora, um dos temas mais controversos quando se fala nas prisões é jus-

tamente o debate sobre sua função. Não iremos aqui entrar nesta senda, que

exigiria um texto de enorme fôlego. Mas pode-se, em relação a este aspecto,

refletir sobre um elemento fundamental quando se pensa no papel de reabi-

litação ou de inclusão social dos presos, o qual a prisão deveria cumprir. Esse

elemento é, sem dúvida, a educação. Aliás, ela é componente indissociável da

cidadania. E é disso que falamos, em última instância, quando se pensa no

retorno à vida em liberdade das pessoas que vivem ou viveram uma situação

de aprisionamento.

Outro tema que conquistou prestígio e certo consenso social nas úl-

timas décadas é o direito de todos à educação. E esse direito foi reafirmado

e consolidado nas diversas leis do país, desde a Constituição Federal à Lei de

Diretrizes e Bases. O mesmo se aplica às prisões, pois, ainda que de forma

genérica, a Lei de Execução Penal também trata do assunto.

Portanto, o debate hoje necessita de um deslocamento para outro eixo.

Não cabe mais, em razão dos avanços históricos, questionar se a educação,

dentro das muralhas das prisões, deve ou não existir como um direito das

pessoas que ali cumprem pena. O que se deve discutir agora é como efetivar

tal direito. E, ainda mais, a discussão deve ir além, pois a questão que deve ser

colocada, de igual importância, é que tipo de educação se oferecerá nas prisões.

Ou seja, já estamos no momento de pensar na qualidade desta educação.

Embora ainda persistam resistências à compreensão da importância

de ações voltadas para a formação cidadã das pessoas que cumprem pena

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privativa de liberdade, os pressupostos legais, históricos e sociais contidos

nos argumentos até aqui expostos são por si mesmo eloquentes o suficiente

defender o direito à educação nas prisões.

Cabe então contextualizar esse debate no cenário prisional do estado

de São Paulo.

Sendo o mais populoso da Federação, com mais de 41 milhões de

habitantes, não é surpresa que o estado apresente números superlativos tam-

bém em relação à população carcerária. São Paulo possui 147 estabeleci-

mentos penitenciários, nos quais concentra mais de 145 mil presos, o que

corresponde a 38% dos presos do país.

Com números assim, é de se supor que os desafios para a manutenção

desse sistema sejam proporcionais à sua magnitude. Outros aspectos sobre

a população carcerária do estado podem indicar a direção e necessidade de

políticas públicas apropriadas.

O censo penitenciário organizado pela Fundação Professor Doutor

Manoel Pedro Pimentel (Funap) em 2002 apontou que 96% desta popula-

ção é masculina, e que, dentre os homens, 76% estão na faixa etária dos

18 aos 34 anos, o que demonstra que ela é também predominantemente

jovem.

Igualmente revelador, o INAF Carcerário, realizado em 2006 pelo Inep,

em parceria com a Funap, demonstra:

Nível de escolaridade % Anos de escolaridade %

Até 4ª série do ensino fundamental 33 Até 3 20

5ª a 8ª do ensino fundamental 47 4 a 7 48

Ensino médio 18 8 a 10 21

Ensino superior 2 11 ou mais 11

Fonte: INAF Carcerário – 2006

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Diante do panorama apresentado, cumpre dizer o que é feito no esta-

do no âmbito da educação prisional.

A educação no sistema penitenciário paulista está sob a responsabili-

dade da Funap, fundação pública criada em 1976 e hoje vinculada à Secreta-

ria da Administração Penitenciária.

Pode-se dizer que a história da educação no sistema prisional paulista

se cruza com a própria história da Funap.

Até 1978 a Secretaria Estadual de Educação executava as ações de

educação no sistema prisional por meio de professores comissionados. O en-

sino então obedecia ao calendário das escolas oficiais, com seriação anual e

utilizando o mesmo material didático destinado às crianças.

É de se supor que este tipo de ensino não correspondia às necessida-

des de uma população adulta. Além disso, a demanda por escolas nas prisões

aumentava significativamente.

Um ato político administrativo da Secretaria de Educação no final de

1978 suspendeu todos os comissionamentos de professores nos presídios, o

que provocou a paralisação das aulas. Essa situação exigiu uma resposta por

parte da Funap, que a partir de 1979 assumiu a educação nas prisões no

estado. Para tanto, buscou a parceria de várias instituições, uma vez que não

possuía estrutura para uma ação dessa envergadura.

O ano de 1987 também foi um marco nessa história, pois, em decor-

rência de resolução da Secretaria da Justiça, a Funap passou a ser a respon-

sável pela unificação da metodologia e pelo controle geral dos alunos presos

de todo o estado.

Em 2004 a Funap implantou o projeto “Tecendo a Liberdade”, que

estabeleceu um material didático próprio e sistematizou as experiências reali-

zadas nas escolas que a fundação mantém nas unidades prisionais.

O documento do projeto declara inicialmente suas bases:

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“Em sua essência, este projeto implica a atenção ao analfabeto e prevê uma proposta de educação no sistema prisional que, ao final de um percurso formativo, além do desenvolvimento da sociabilidade, do domínio do funcionamento da escrita e dos conhecimentos por ela veiculados e de habilidades cognitivas, ofereça ao educando a certificação de Ensino Fundamental, sem a necessidade de realização de exames supletivos.”

(Souza, Britto e Fortunato, 2005)

A preocupação com a realidade prisional também é manifestada mais

adiante:

“A organização de conteúdos e as atividades sempre levarão em consideração as especificidades do educando que está no Sistema Prisional Paulista e do modelo de formação que aqui se propõe. Neste sentido, o eixo trabalho e formação humana perpassa todo o programa.”

(Ibd., 2005)

É necessário que se esclareça que alguns aspectos declarados não

se efetivaram ainda. Este é o caso da alfabetização, que não se incluiu

efetivamente neste projeto, mas que se realizou até 2007, em parte com

recursos oriundos do Programa Brasil Alfabetizado do governo federal.

Hoje a alfabetização ocorre com recursos exclusivamente advindos da pró-

pria Funap.

Quanto à certificação, esta ainda ocorre por meio dos exames pú-

blicos, atualmente o Exame Nacional para Certificação de Competências

de Jovens e Adultos (ENCCEJA) e o Exame Nacional do Ensino Médio

(ENEM).

Em que pesem as dificuldades estruturais ainda encontradas, a im-

plantação do “Tecendo a Liberdade” e sua execução desde 2004 trouxeram

à educação no sistema prisional paulista avanços significativos, dentre os

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quais podemos destacar: a) consolidação de um grupo de educadores da

Funap com formação e prática em EJA e com habilidades e conhecimen-

tos para “interpretar” a EJA no contexto prisional; b) reconhecimento, por

parte da maioria dos alunos das escolas Funap, quanto à viabilidade e ade-

quabilidade do modelo de educação proposto; c) superação do paradigma

da escola regular como modelo único para a educação no sistema prisional.

Neste sentido, conquanto o debate em torno da educação formal,

informal ou não formal seja deveras importante para o estabelecimento das

políticas educacionais em geral, e no sistema prisional em particular, a ques-

tão primordial que se coloca para a educação prisional diz respeito ao reco-

nhecimento de um programa de educação que considere os tempos e espaços

de aprendizagem dos sujeitos em privação de liberdade, permitindo reconhe-

cer as aprendizagens adquiridas não somente no espaço escolar “formal”,

mas, sobretudo, incorporando as demais ações que, no contexto da prisão,

contribuam para desenvolver nos alunos os instrumentos e conhecimentos

necessários para interpretar e agir no mundo.

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A experiência do projeto “Quem Somos Nós?”: educação não formal em unidades prisionais femininas da cidade de São PauloFernanda Cazelli Buckeridge

Este texto nasceu de observações e vivências ao longo do exercício

da função de oficineira no projeto “Quem Somos Nós?”, uma iniciativa do

Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, realizada dentro de unidades prisionais

femininas da cidade de São Paulo. De natureza educativa e informativa, o

projeto consistiu principalmente em realizar oficinas temáticas com ativi-

dades lúdicas e debates sobre violência, gênero e cidadania, e teve como

objetivo atuar na busca pela garantia de direitos e do exercício da cidadania.

Quando pensamos em cidadania, sua compreensão mais comum é

aquela relacionada com aos direitos e deveres. Ao trabalharmos com as mulhe-

res que estão presas, pensar cidadania apenas desta forma se torna complicado

por diversos motivos. A população carcerária é composta majoritariamente por

pessoas com histórias de vida marcadas pela miséria e pela negligência estatal,

tendo encontrado grandes dificuldades em gozar de seus direitos ao longo de

suas vidas. São também inúmeras as vivências de humilhação social – efeito

da desigualdade política –, em que seu sentimento de dignidade é desfeito no

contínuo contato com situações de rebaixamento e descaso. Além disso, de-

bater e vivenciar a prática cidadã em oficinas dentro do cárcere é propor uma

prática educativa com objetivos emancipatórios paradoxais dentro da lógica

prisional, com seus códigos disciplinares que aprisionam o corpo, a alma e

destituem tudo aquilo que referencia o sentimento de humanidade. Em nossa

cultura, por vezes pensamos “cidadania” de modo individualizado, quando esta

somente pode ser real na presença de outros seres humanos; isto tem a ver com

sentir-se parte de algo maior que a existência individual e privada, sentir-se res-

ponsável pela coletividade, pela vida pública e pelas outras pessoas. Percebemos

o contínuo esvaziamento dos espaços da vida pública; estar com os outros hoje

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pode parecer perda de tempo, chateação, ou mesmo arriscado. Observamos isto

também nos grupos de mulheres em situação de cárcere.

As mulheres ali presas chegam com idades, histórias, opiniões e graus

de envolvimento com o crime bastante diversos, e veem-se obrigadas a con-

viver proximamente por longos períodos de tempo. Apesar dessa proximidade

física, elas relatam um grande distanciamento nos relacionamentos interpes-

soais, nos falam sobre fortes sentimentos de medo, solidão, isolamento e des-

confiança, e descrevem o perigo existente em expressar opiniões no contexto

prisional. Este regime de desconfiança impede o reconhecimento recíproco

dos indivíduos como parte de uma mesma força de trabalho social, afastam-

nos, dificultam que pensem coletivamente os problemas que vivenciam jun-

tos. Isto muitas vezes leva a um entendimento da experiência da prisão como

resultado apenas de falhas individuais.

Nas oficinas, buscamos que todas as mulheres tivessem espaço para

falar, reforçando a importância do sigilo e de cada opinião exposta. Isto

possibilitou abordar como temas seu cotidiano, e não conteúdos predetermi-

nados. Aos poucos, o que era um agrupamento de pessoas que não se conhe-

ciam e não conversavam entre si começou a se configurar como um grupo, no

qual as opiniões circulavam, eram respeitadas mesmo sem consenso, e as falas

eram dirigidas para todo o grupo. Outras posturas afetivas e corporais foram

se tornando possíveis, e o diálogo de igual para igual foi tomando lugar.

Compartilhar trajetórias de vida possibilitou não só a atribuição de

novos sentidos às experiências como também a percepção de vivências e

questões em comum e a solidariedade com histórias diferentes. Considerando

que o sistema penitenciário não oferece muitas possibilidades de racionali-

zação para a situação em que se encontram, neste espaço – em que a prisão

é compreendida em um contexto mais amplo do que apenas o âmbito in-

dividual – os sofrimentos político-sociais puderam ser legitimados e muitas

vezes transformados, não em impedimento da participação coletiva, mas em

direcionamentos e ações positivas.

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Comentário

Os desafios da educação escolar e não escolar nas prisõesSérgio Haddad

A imagem do iceberg tem sido utilizada com frequência para fazer a

distinção entre educação escolar e não escolar. A parte visível do iceberg seria

a educação escolar, aquela que se confunde com o próprio termo educação e

que é valorizada socialmente como um direito humano e fator de conquista

de cidadania. A parte submersa, com um volume maior e de sustentação da

parte visível, normalmente não vista pelo senso comum, aqui denominamos

de educação não escolar.

Um trata de todo processo educativo institucionalizado, graduado em

séries, hierarquizado. Outro, que ocorre fora deste marco oficial, pode ter

como características desde práticas formalmente organizadas e sistemáticas

até processos informais de ensino e aprendizagem. A somatória destas práti-

cas constituiria o universo da educação.

Vários têm sido os campos de referência conceitual que fundamentam

a educação não escolar. Dentre eles, podemos destacar o campo da Educação

Continuada, dos Direitos Humanos, da Formação para o Trabalho, do Desen-

volvimento Humano, da Educação Popular.

Podemos pensar também que à medida que nos afastamos dos proces-

sos formalizados da educação não formal, vamos chegando às experiências

educativas que ocorrem no cotidiano das pessoas, pelo seu relacionamento

com outras pessoas e com o seu ambiente.

Poderíamos dizer, em um primeiro momento, que o que distinguiria

uma prática educativa escolar e outra não escolar, porém formal, para uma

prática educativa informal, seria a maior ou menor intencionalidade e insti-

tucionalidade. Quer dizer, uma prática educativa informal seria aquela com

baixa intencionalidade de quem educa e teria uma forma mais assistemática.

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No entanto, isto não é muito real. Se definirmos uma prática informal como

aquela que ocorre no cotidiano da nossa vida, a ação de uma mãe e de um

pai educando seus filhos poderia ser classificada nesta categoria. Mas, apesar

de ser uma ação pouco formal e assistemática, não podemos negar que ela é

intencional – como por exemplo, educar uma criança a não bater em outra

criança. Não se faz um curso para isto, é uma ação permanente e assistemá-

tica, mas não destituída de intencionalidade.

Se a ideia foi classificar e mostrar as fronteiras até agora entre os

diversos campos, isto não significa que não haja interações entre eles. Jau-

me Trilla identifica estas interações de diferentes sentidos1. As relações de

complementaridade que ocorrem em função da insuficiência de cada uma

delas atender igualmente a todos os aspectos e dimensões da educação. Uma

tem sua ênfase maior na formação para o conhecimento, outras com maior

ênfase na formação moral, ou ética, ou afetiva. Enfim, são ênfases que dão

a necessária complementaridade à formação do ser humano. As relações de

suplência ocorrem quando uma é insuficiente para completar os objetivos do

educando, como por exemplo é o caso de um aluno que aprende a se exerci-

tar na escola, mas não o suficiente para sua demanda de ser um atleta, o que

demandaria uma formação específica não escolar. Há ainda as interações de

substituição, como é o caso dos frequentes trabalhos realizados por organi-

zações não-governamentais e movimentos sociais que acabam substituindo o

papel do sistema público na escolarização da população. Ou o inverso, quan-

do se espera da escola uma educação que dê conta de todos os aspectos da

vida, como formar para o consumo consciente, educar sexualmente, ou fazer

catequese, ou código de trânsito. Há ainda as relações de colaboração, nas

quais as interações ocorrem como uma forma de reforço mútuo no cumpri-

mento da missão de cada um – caso, por exemplo, dos trabalhos das escolas

em museus, ou bibliotecas públicas.

1 Veja “La educación no formal” de Jaume Trilla Bernet, in: Aportes a las Prácticas de Educación no Formal, desde la Investigación Educativa, Ministerio de la Educación y Cultura, Universidad de La República, Montevideo, enero 2009.

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Se é verdade que muitas das interações possíveis são baseadas em um

sentido positivo, como a complementaridade, a suplência, a colaboração, o

universo da educação não é de todo homogêneo, e nem seria possível que

isto ocorresse. Em particular, quando pensamos sobre o universo do informal

da educação que ocorre no cotidiano das pessoas, ela certamente desenvol-

verá valores e comportamentos que podem ser contraditórios com os valores

desenvolvidos no universo da família, ou mesmo da educação escolar.

Ao analisar estas linhas de interação, finalmente, uma última questão

poderia ser apontada. Trata-se do encontro colaborativo destes programas

de forma coordenada. A intencionalidade das diversas dimensões da educa-

ção – escolar e não escolar – deveria ser coordenada para que houvesse um

reconhecimento e uma aproximação entre elas, de forma a poder aumentar o

potencial coletivo de aprendizagem.

Tendo trabalhado estes conceitos, podemos refletir nestas linhas finais

sobre como isto pode ser apreendido no contexto da educação que ocorre

no sistema prisional. Um primeiro passo é reconhecer que há um universo de

aprendizagem que não se restringe – quando ocorre – apenas à educação

escolar. Não podemos nos ater apenas à parte visível do iceberg. Temos que

considerar as práticas não escolares e dentro dela, as informais, aquelas rela-

tivas ao cotidiano da mulher e do homem encarcerado.

Vários são os aspectos deste universo descrito pelos autores nesta pu-

blicação: o universo da escola, o universo dos cursos não escolares para o

homem (marceneiro pedreiro, soldador, ladrilheiro, padeiro) e das mulheres

(manicure, cozinheira, costureira), e, finalmente, o universo do cotidiano do

sistema carcerário. Talvez muitas das contradições acima referidas estejam

fortemente realçadas quando falamos de um universo como o sistema pri-

sional. Esta contradição se expressa no texto de Elenice Onofre: “Como lidar

com a contradição cultura prisional, caracterizada pela repressão, ordem e

disciplina, com o fim de adaptar o indivíduo ao cárcere e o princípio funda-

mental da educação, que é por essência transformador e libertador.”

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CEREJA discute

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Temos que pensar, ao identificar este universo das várias “educações”,

que o seu não reconhecimento pode levar a não identificar as interações dos

seus diversos sentidos, como a complementaridade, interação e colaboração.

Temos que pensar o quanto esta educação não escolar, produzida no mesmo

contexto em que ocorre a educação escolar, dialoga com ela, se alimentam

mutuamente, na perspectiva de uma mesma formação para o educando preso.

Como ambas dialogam ou confrontam com a educação informal do cotidiano

de violência e repressão do sistema prisional. É possível superar seus limites?

Ao mesmo tempo, ao reconhecer a existência destas diversas dimensões

do educativo, é preciso considerá-las de forma coordenada, como uma política

voltada ao desenvolvimento da cidadania e da reabilitação da pessoa encarce-

rada. Como diz Mário Miranda Neto no seu texto, ao reconhecer que normal-

mente os projetos educacionais dentro da prisão são vistos como concorrentes:

“Esta situação traz problemas evidentes para os esforços de complementarida-

de entre educação escolar e não escolar que seria o caminho óbvio para, no

sentido formal, não tirar do educando o direito de certificação e, no sentido

político e pedagógico, para aumentar seu leque de escolhas e competências.”

Pensar o sentido educativo e a articulação que existe nas diversas prá-

ticas que se organizam ou simplesmente ocorrem no sistema prisional é um

desafio dos mais importantes para todos aqueles que pensam a educação

nas prisões. Este desafio tem por fundamento a ideia de que este esforço de

concepção e articulação atua sobre um mesmo educando que sofre as diver-

sas influências e constrói a sua vida de sucesso e fracasso de acordo com o

caminho e as alternativas que lhe são propostos.

Não é um trabalho fácil, pois a fragmentação destes processos educativos

é grande, e o educador do sistema prisional tem capacidade de influir apenas em

alguns aspectos destas modalidades, tanto no escolar, quanto no não escolar.

Trabalhar sobre as influências da educação informal que ocorrem no cotidiano

do sistema prisional, com seus agentes repressivos e o universo dos encarcerados

é, sem dúvida alguma, o maior desafio colocado para estes educadores.

122

CEREJA discute

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Sobre os autores

Alessandra Teixeira: Advogada, mestre e doutoranda em sociologia pela

USP. Coordenadora da comissão sobre o sistema Prisional do IBCCRIM. Militante

pelos direitos das mulheres encarceradas.

Aline Yamamoto: Graduada em Direito, máster em Criminologia e Exe-

cução Penal, pela Universidade Autônoma de Barcelona, e pós-graduada em Di-

reitos Humanos e Mulheres pelo Centro de Direitos Humanos da Universidade

do Chile. Coordenadora de Projetos do Instituto Latino-Americano das Nações

Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente (Ilanud Brasil).

B. B.1: Egressa do sistema prisional paulista.

C. R2: Detenta em regime semiaberto no sistema prisional paulista.

Delzair Amâncio da Silva: Educadora da Secretaria de Educação do Dis-

trito Federal, graduada em Pedagogia e pós-graduada em Educaçao Especial no

Sistema Prisional. Atua na Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Sistema Pri-

sional do Distrito Federal.

Denise Carreira: Coordenadora do Programa de pesquisa e monitora-

mento de políticas educacionais da Ação Educativa e Relatora Nacional para o

Direito Humano à Educação/Plataforma Dhesca. Feminista, ex-coordenadora da

Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

1 O uso de iniciais visa preservar a identidade da autora, conforme solicitação da mesma.

2 Idem.

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Ednéia Gonçalves: Cientista social com especialização em educação.

Pesquisadora da área de EJA com atuação nas áreas de formação de docentes

e gestores educacionais e elaboração e avaliação de projetos socioeducativos.

Assessora técnica da AlfaSol.

Elenice Maria Cammarosano Onofre: Docente do Departamento de Me-

todologia de Ensino e Programa de Pós-Graduação em Educação (UFSCar). Linha

de pesquisa: Práticas Sociais e Processos Educativos.

Fabio Costa Morais de Sá e Silva: Bacharel e mestre em Direito. Foi diri-

gente no Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (Depen/

MJ) e consultor da Unesco e do Pnud em projetos de melhoria do sistema pe-

nitenciário brasileiro. Atualmente é técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea

(Diretoria de Estudos sobre o Estado, as Instituições e a Democracia ) e doutoran-

do em Direito, Política e Sociedade pela Northeastern University (Boston, EUA).

Felipe Athayde Lins de Melo: Graduado em Filosofia, com pós-gradua-

ção em gestão social; desde 2004 ocupa a gerência regional da Funap.

Fernanda Cazelli Buckeridge: Psicóloga, mestranda em Psicologia Social,

pesquisa o cotidiano de uma penitenciária feminina de São Paulo; é psicotera-

peuta do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde.

Francisco Scarfó: Presidente do Grupo de Estudos sobre Educação em

Prisões (GESEC), em La Plata, coordena curso de especialização para educadores

de jovens e adultos privados de liberdade na Bolívia, organizado pela Associação

Alemã de Educação de Adultos, pela Universidade de la Cordillera.

Juraci Antonio de Oliveira: Cientista Social com pós-graduação em edu-

cação e marketing, é supervisor regional da Funap-SP desde 1994.

124 125

Manoel Rodrigues Português: Pesquisador do tema educação em prisões,

autor de Educação de adultos presos: possibilidade de contradições da inserção

da educação escolar nos programas de reabilitação do sistema penal de Estado

de São Paulo, obra de referência na área. Atuou por 16 anos na coordenação de

formação da Funap-SP.

Maria da Penha Risola Dias: Advogada e assistente social, diretora da

Penitenciária Feminina da Capital (SP). Atua há 30 anos no sistema prisional

paulista.

Mariângela Graciano: Graduada em Ciências Sociais e Jornalismo,

mestre e doutoranda em Sociologia da Educação, desenvolve pesquisas sobre

a educação em prisões. É assessora da ONG Ação Educativa, onde coordena o

programa Observatório da Educação.

Marcos José Pereira da Silva: Mestre em Educação pela PUC/SP, com

foco em educação popular, é ativista dos direitos humanos, atual presidente do

Centro de Direitos Humanos e Educação Popular (CDHEP) de Campo Limpo e

coordenador administrativo e financeiro da Ação Educativa.

Mário Miranda Neto: Professor (Sociologia e Filosofia) e coordenador do

Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas na Prisão (NIEP) do C. E. Anacleto

de Medeiros – Presídio Evaristo de Moraes. Representante da OAB-RJ no Conse-

lho Penitenciário RJ; pesquisador NUFEP-UFF; discente PPGHCTE-UFRJ.

Marizangela Pereira de Lima: Graduada em Pedagogia, coordenadora das

atividades educativas do Centro de Reeducação Feminino (CRF) de Belém, Pará.

Maurílio de Souza Firmino: Agente penitenciário no sistema prisional

paulista, militante da área de educação em prisões.

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Moacir Gadotti: Professor titular da Universidade de São Paulo (USP),

diretor do Instituto Paulo Freire e autor de várias obras, dentre elas A educação

contra a educação; Convite à leitura de Paulo Freire; História das ideias pedagó-

gicas; Pedagogia das práxis; e Perspectivas atuais da educação.

Natália Bouças do Lago: Graduada em Ciências Sociais pela Universida-

de de São Paulo (USP) e pesquisadora na área de justiça juvenil e justiça criminal

do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e

Tratamento do Delinquente (Ilanud Brasil).

Raiane Assumpção: Cientista social, mestre e doutora em Sociologia, do-

cente do ensino superior e responsável pela Coordenadoria de Educação Popular

do Instituto Paulo Freire.

Roberto da Silva: Professor titular da Universidade de São Paulo (USP),

consultor da Unesco e pesquisador do tema da educação em prisões.

Rosana da Conceição Souza Pontes Leite: Diretora de Educação do Ins-

tituto Psiquiátrico Franco da Rocha, ex-diretora do Núcleo de Educação na Peni-

tenciária Feminina da Capital/SP.

Rowayne Soares Ramos: Pesquisador do GPMSE/IE da UFMT, agente pri-

sional do Centro de Ressocialização de Cuiabá/MT e ex-coordenador de ensino

penitenciário da SEJUSP/MT.

Sérgio Haddad: Economista, mestre em História e Sociologia da Educa-

ção e doutor em História e Sociologia da Educação. Coordenador geral da Ação

Educativa e Diretor Presidente do Fundo Brasil de Direitos Humanos. Participa da

diretoria do Conselho Internacional de Educação de Adultos. É membro da co-

missão nacional de educação de jovens e adultos do Ministério da Educação, do

126 127

Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República e

membro do conselho técnico e cientifico de educação básica da Capes.

Sonia Regina Arrojo e Drigo: Advogada criminalista. Sócia fundadora do

Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC). Integrante do Conselho da Comuni-

dade da Vara das Execuções Penais da Capital e do Grupo de Estudos e Trabalho

“Mulheres Encarceradas”.

Vagner Paulo da Silva: Bibliotecário, idealizador e mediador de leitura

do projeto “Leitura Ativa”.

Este livro foi impresso sobre papel Alta Alvura 90g

pela Eskenazi Indústria Gráfica, em janeiro de 2009, São Paulo.

Educação Em prisõEs

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CerejaCentro de Referênciaem Educação de Jovense Adultos

Organização

Aline YamamotoEdnéia GonçalvesMariângela GracianoNatália Bouças do LagoRaiane Assumpção

A série CEREJA discute, do Centro de Referência em Educação

de Jovens e Adultos da AlfaSol, é mais uma ação direcionada

à ampliação da reflexão em torno dos desafios impostos ao

exercício pleno da cidadania das pessoas analfabetas ou pouco

escolarizadas, no Brasil e no mundo.

A aposta na pesquisa, na construção compartilhada de saberes

e na diversidade de estratégias de defesa da democracia como

alicerce do desenvolvimento humano e social é a expressão fiel

dos objetivos desta série.