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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES CURSO DE LETRAS BACHARELADO COM ÊNFASE EM ESTUDOS LITERÁRIOS INTERPRETAR: ATO CONTÍNUO UMA ANATOMIA DA INTERPRETAÇÃO POR WOLFGANG ISER FLÁVIO STEIN DE LIMA SOUZA CURITIBA NOVEMBRO 2008

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Page 1: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ · theoretician Wolfgang Iser, departing from its Spanish version, Rutas de la Interpretación. Considered one of the most important theoreticians

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

CURSO DE LETRAS

BACHARELADO COM ÊNFASE EM ESTUDOS LITERÁRIOS

INTERPRETAR: ATO CONTÍNUO

UMA ANATOMIA DA INTERPRETAÇÃO POR WOLFGANG ISER

FLÁVIO STEIN DE LIMA SOUZA

CURITIBA

NOVEMBRO 2008

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FLÁVIO STEIN DE LIMA SOUZA

INTERPRETAR: ATO CONTÍNUO

UMA ANATOMIA DA INTERPRETAÇÃO POR WOLFGANG ISER

Monografia apresentada à disciplina de Orientação

Monográfica II do Curso de Letras / Português da

Universidade Federal do Paraná, como requisito parcial

para a obtenção do título de Bacharel em Letras com

ênfase em Estudos Literários.

Orientador: Prof. Dr. Paulo Astor Soethe

CURITIBA

NOVEMBRO 2008

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Agradecimentos

Ao Milton (in memoriam), poeta que me (re)velou a vida, companheiro maior,

ausência que tudo compartilha.

À Verónica, presença serena, razão do despertar diário.

À Sandra, ao Mauricio, à Marilene, ao Caetano, à Anamaria,

como reconhecimento por anos tão instigantes e transformadores.

À Rebeca, por toda a sua paciência, compreensão e apoio, incansável.

Ao Marcelo, pelo estímulo, espírito inquieto que sempre compartilha - unidos também pela palavra.

Ao Paulo, pela orientação e amizade sincera, pela generosidade e pelo diálogo constante.

Ao Castello, por iluminar os caminhos e descaminhos da literatura, pela amizade despojada.

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“Interpretamos, logo existimos.”

Wolfgang Iser

The Range of Interpretation, 2000

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RESUMO

Este trabalho objetiva uma avaliação crítica do livro The Range of Interpretation do teórico

alemão Wolfgang Iser, a partir da sua versão espanhola, Rutas de la Interpretación.

Considerado um dos teóricos mais importantes do século XX no âmbito dos estudos literários,

Iser deixa com esta obra o seu legado de 40 anos de pesquisas e reflexões. Pela relevância e

importância da obra, este trabalho pretende apresentá-la, traçando o percurso do autor, um

resumo conciso dos temas e argumentos propostos, uma análise do terceiro capítulo do livro,

a título de exemplo do alcance de suas proposições, e um levantamento bibliográfico dos

autores e das obras com quem Wolfgang Iser se coloca em diálogo.

Palavras-chave: interpretação, tradução, Wolfgang Iser, hermenêutica, recursividade.

ABSTRACT

This paper aims at critically assessing the book The Range of Interpretation by German

theoretician Wolfgang Iser, departing from its Spanish version, Rutas de la Interpretación.

Considered one of the most important theoreticians in the 20th century in the scope of literary

studies, Iser leaves us, by means of this work, his legacy of 40 years of research and

reflections. Due to the relevance and importance of the work, this paper intends to present it,

tracing the path of the author, a concise summary of the proposed topics and arguments, an

analysis of the third chapter of the book, as an example of the amplitude of his propositions,

and a bibliographic survey of the authors and of the works with whom Wolfgang Iser

dialogues.

Keywords: interpretation, translation, Wolfgang Iser, hermeneutics, recursion.

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SUMÁRIO

1. Introdução p. 7

2. O percurso de Wolfgang Iser p. 10

3. “Rutas de la Interpretación / The Range of Interpretation” p. 15

3.1 A espiral recursiva p. 22

4. Conclusão p. 26

5. Levantamento bibliográfico p. 28

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1. Introdução

O presente trabalho tem a intenção de realizar uma avaliação crítica da última obra

ensaística do teórico alemão Wolfgang Iser. A obra em questão, The Range of Interpretation,

foi publicada pela Columbia University Press em 2000 e teve até o momento apenas uma

tradução, Rutas de la interpretación1 publicada cinco anos mais tarde, portanto em 2005, pelo

Fondo de Cultura Econômica no México. Surpreendentemente a obra não recebeu ainda uma

versão na língua materna do autor, isto é, o alemão, nem foi traduzida para qualquer outra

língua, apesar da importância e relevância de Iser no cenário mundial, sendo seu trabalho

tema de diversos congressos e simpósios, não apenas por ocasião de sua morte, ocorrida em

janeiro de 2007.

Se pensarmos que a referida obra também se dedica a uma reflexão sobre o ato de

traduzir, não podemos deixar de considerar quais seriam as possibilidades de verter o título ou

os títulos aqui apresentados para o português.

Range, uma palavra habitual do vocabulário da língua inglesa que nos dicionários

aparece como “amplitude, variação, limite” foi traduzida por Luiz Costa Lima, no obituário2

escrito em homenagem a Wolfgang Iser, como “alcance”. Já Ricardo Rubio Ruiz, tradutor da

versão em língua espanhola (ISER, México, 2005), opta pela palavra rutas, que poderia ser

compreendida como “rotas” ou “roteiros”, mas que possivelmente para um nativo da língua

espanhola seria recebida como “caminhos”.

Amplitude, variação, limite, alcance, rotas, roteiros ou caminhos são todas

possibilidades válidas para uma transposição do título para o português, e a nosso ver, este

processo de escolha demonstra a questão central da obra. Já a partir do título, nos

confrontamos com um espaço entre o texto e o leitor. Iser, desde seu primeiro conceito teórico,

o leitor implícito, apresentado em 1972, até a elaboração de uma ”antropologia literária”, foi

acompanhado em todo seu percurso pela convicção da existência de espaços vazios em toda

obra literária que necessitam ser preenchidos pelo leitor.

Com The Range of Interpretation apresenta uma súmula de todas as suas percepções

resultantes de 40 anos de pesquisas, concluindo que o cerne da nossa atividade como seres

humanos (e aqui é fundamental ressaltar que os pensamentos de Iser há muito deixaram de se

limitar a reflexões de cunho exclusivamente teórico literário), se compõe do binômio –

1 A versão espanhola foi a que serviu de base para este trabalho. Todos os trechos citados são tradução nossa. 2 LIMA, Luiz Costa. “Fim de partida”, Folha de São Paulo em 18 de março de 2007.

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interpretar / traduzir. Portanto o referido processo de escolha é um processo de interpretação e

conseqüentemente, de tradução ou vice-versa.

Os dois verbos que compõem o binômio se confundem e antes de mais nada, na visão

do autor, significam atos contínuos, inerentes a nossa vontade, presentes literalmente na vida

de qualquer pessoa, portanto, presentes em todas as atividades humanas.

Assim, a tríade embrionária da pesquisa de Iser – autor / obra / leitor, que o conduziu

até uma antropologia literária, alcança na obra mais recente uma nova dimensão, fruto de

observação profunda das relações entre literatura e vida.

O alcance da interpretação, no sentido de indagar a capacidade e a profundidade do

ato de interpretar, ou os caminhos da interpretação, isto é, as possibilidades que compõem a

ação de interpretar, são aspectos da ampla abordagem que Iser se propõe a realizar neste livro.

Neste livro pretendo analisar com maior atenção o ato da interpretação, em especial, porque existe uma opinião amplamente reconhecida de que tal atividade se apresenta de forma natural. Apesar disso, o que não se apresenta naturalmente são as formas que adotam a interpretação: assim, sua análise será o objetivo principal desta obra. (ISER, 2005, p. 7)

Portanto, Wolfgang Iser propõe-se a elaborar nesta obra uma anatomia da

interpretação, com vistas a compreender estes processos que, apesar de nosso contato

constante com eles, poucas vezes enfrentamos de maneira conseqüente. Ele se dedica a

investigar processos de interpretação, seja no que concerne ao texto escrito, seja nos outros

diversos âmbitos em que este ato se dá. Isto é, lá onde a palavra muitas vezes sequer aparece

oralizada e entra-se em uma dimensão subjetiva da linguagem, ou onde se chega mesmo à

dimensão do indizível: “[...] quando se trata de interpretar algo que não é textual nem está

escrito, como a cultura, a entropia ou inclusive o incomensurável, os procedimentos de

interpretação variam.” (ISER, 2005, p. 7) Já em 1991, Iser afirmava: “A literatura necessita

interpretação, pois o que verbaliza não existe fora dela e só é acessível por ela.” (ISER,

UERJ, 1996, p. 7) E sobre a questão Luiz Costa Lima havia afirmado:

A interpretação [...] cobre os vazios contidos no espaço que se forma entre a afirmação de um e a réplica do outro, entre pergunta e resposta. [...] A existência dos vazios, presente em qualquer relação humana e em qualquer texto (em mínimo grau, nos textos altamente formalizados), permite, contudo, uma escala diferenciadora dos textos. (LIMA, 2000, p. 50 e 51)

Com estes dois extratos de textos – o de Luiz Costa Lima como comentário a Iser,

publicado em 1979, em trabalho sobre o grupo da Escola de Constança3; e o anterior do

3 Ver maiores informações no capítulo seguinte

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próprio Iser, abrindo a sua súmula da antropologia literária de 1991 – pode-se perceber como

The Range of Interpretation é conseqüência natural de um longo percurso. Este percurso será

apresentado no capítulo inicial deste trabalho, com o intuito de realizar um perfil histórico do

autor, suas obras e seus principais conceitos.

No capítulo seguinte, nos detemos na obra propriamente dita através de um resumo

dos temas e argumentos propostos pelo autor, na tentativa de evidenciar sua importância, e

principalmente, sua perspectiva, a nosso ver, desafiadora e instigante.

Os extratos a seguir demonstram o desafio que Wolfgang Iser se propôs ao buscar

refletir sobre o ato de interpretação:

“Seu périplo parte da hermenêutica moderna para atrever-se a elaborar sistemas de interpretação extra textual: os do campo da teologia, da antropologia, dos sistemas biológicos e evolutivos. Este reunião não se conforma com taxonomias de métodos alternativos, mas propõe ainda um diálogo entre essas maneiras diferentes de interpretar. Assim, não só estamos a frente de um percurso histórico e multidisciplinar, em si audaz, como também frente a uma verdadeira proposta aberta de futuras possibilidades de leitura.” (Paratexto da edição espanhola) “Wolfgang Iser, em sua constante tentativa de revelar o fogo branco da escrita, nos faz lembrar que o essencialmente humano é a busca constante do sentido, que se dá como um ato interpretativo infinito.” (María Orvañanos, em resenha disponibilizada pela editora)4 (tradução nossa)

A titulo de amostragem, através da análise do terceiro capítulo do livro, “A espiral

recursiva”, procuraremos demonstrar o alcance de suas proposições.

Por fim, concluiremos o trabalho com um levantamento bibliográfico, considerando a

amplitude das áreas e a gama de autores com quem o teórico se coloca em diálogo. O

levantamento procura contemplar principalmente as edições brasileiras dos autores citados no

livro, mas não deixa de incluir obras seminais em seus originais.

4 http://www.fondodeculturaeconomica.com/subdirectorios_site/Lecturas/LEC-014545R.pdf.

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2. O percurso de Wolfgang Iser

Wolfgang Iser (22 de julho de 1926 - 24 de janeiro de 2007) foi por excelência um

teórico da literatura. Nasceu em Marienberg, cidade do estado de Sachsen no sudeste da

Alemanha. Estudou literatura (especializando-se nas literaturas de língua inglesa e alemã) e

filosofia nas universidades de Leipzig, Tübingen e Heidelberg. Em 1950 defendeu tese sobre

a visão de mundo de Henry Fielding e já no ano seguinte foi nomeado professor em

Heidelberg. Porém em 1952 se transferiu para a Universidade de Glasgow onde começou a

explorar as relações da filosofia com a literatura contemporânea, o que intensificou seu

interesse pelo intercâmbio intercultural. Em 1966 se estabeleceu na Universidade de Konstanz,

onde trabalhou até 1991, tornando-se juntamente com Hans Robert Jauß e Hans Blumenberg

um dos fundadores do grupo de pesquisa "Poetik und Hermeneutik" (Poética e Hermenêutica).

Wolfgang Iser ao lado de Hans Robert Jauß são os representantes mais importantes de

uma teoria literária que nos aos 70 foi desenvolvida por diversos pesquisadores na

Universidade de Constança (Universität Konstanz) denominada “Estética da Recepção” e que

alcançou repercussão mundial, vindo a ser conhecida como a Escola de Constança.

A contribuição de Iser para a teoria literária começou com sua leitura inaugural nesta

universidade em 1970, com o texto: “Die Appellstruktur der Texte” [“A estrutura apelativa

dos textos”]. A leitura já prefigurava o que logo depois se tornaria a sua “teoria da recepção

estética”.

A Estética da Recepção, em sua essência defende que qualquer obra de arte literária só

será efetiva, re-criada ou “concretizada”, quando o leitor a legitimar como tal. O trabalho do

autor e o próprio texto são relegados assim a um plano secundário. Para valorizar a recepção,

seria necessário descobrir, segundo os teóricos, qual o “horizonte de expectativas” 5

(somatória de códigos vigentes e de experiências sociais acumuladas) que envolve essa obra,

seja da parte do autor, seja do leitor, considerando que para estes teóricos a obra literária é

percebida em uma inter-relação com a realidade histórico-cultural do autor e do leitor.

Interessa assim à Estética da Recepção o confronto entre esses pólos e o que daí resulta, entre

a construção do autor e as reconstruções do leitor.

A ambição maior desta teoria, como anuncia Jauß, seria a reconstrução da influência

da literatura na história e o estudo das condições da produção do significado. Com a

publicação de Literaturgeschichte als Provokation der Literaturwissenschaft [História da

5 Conceito advindo de reflexões de Hans-Georg Gadamer e Edmund Husserl.

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literatura como provocação à teoria literária] Jauß propõe uma história da literatura fundada

em dois aspectos básicos: o caráter estético e o papel social da arte. Enquanto para Jauß o

interesse maior recai sobre a recepção da obra em um contexto histórico-social, no intuito de

reconstruir o “horizonte de perspectivas” de diferentes grupos de leitores sob uma perspectiva

histórica da recepção, Wolfgang Iser concentra-se no efeito que o texto produz no leitor,

como indivíduo.

Para Iser, “efeito” é o momento condicionado pelo texto, e “recepção” é o momento

condicionado pelo destinatário, o leitor. O sentido se realiza na junção desses dois momentos:

o implicado pela obra e o trazido pelo leitor de uma determinada sociedade através da sua

própria experiência de vida. Seguindo este caminho, Iser inaugura o que viria a ser

denominado como a Teoria do Efeito (Wirkungstheorie). “Uma teoria menos difundida,

porém de raízes mais profundas, do que a ‘estética da recepção’, desenvolvida por H. R.

Jauß”, como escreve Luiz Costa Lima em artigo intitulado “Fim de partida”, publicado na

Folha de S. Paulo em 18 de março de 2007.

Melhor dizer, porém, que a teoria de Iser complementa a de Hans Robert Jauß. A

partir de suas reflexões conjuntas, Iser publica dois livros, um crítico (Der implizite Leser [O

leitor implícito], 1972) e um teórico (Der Akt des Lesens, 1976 – [Ato da Leitura, 1996]).

Estes trabalhos oferecem base rigorosa para uma mudança de paradigma no início dos anos

1970 na Alemanha, em que os teóricos literários redirecionam a atenção do autor para o leitor

de uma obra. Em vez de perguntar o que o texto significa, Iser pergunta o que o texto provoca

no leitor. Portanto para ele a literatura gera efeitos de significado para o leitor em um espaço

virtual criado entre leitor e texto. O ato da leitura coloca lado a lado dois protagonistas que se defrontam: o texto e o leitor. De um lado temos o texto trazendo o mundo de valores e o horizonte de expectativas do autor, implícito nas estratégias textuais, inserido no contexto sócio-cultural, com um repertório enriquecido por intertextos, referências, ideologias que se organizam numa estrutura de comunicação. Do outro lado o leitor, indiscreto, questionador, procurando por respostas. No primeiro momento tendo para auxiliá-lo a sua intuição, mas logo a seguir, utilizando-se da investigação e da reflexão que lhe permitem o adentramento da investigação, a compreensão das tensões interiores, que interagem na complexa organização textual. De início, uma sensação de estranhamento, uma assimetria entre o texto e o leitor, que embora não seja determinada de antemão, vai lhe permitir múltiplas possibilidades de compreensão. (FLORY, 1997, p. 32)

Essa indeterminação básica implica o leitor e pede sua participação para concretizar a

leitura. Iser portanto desloca o foco do conteúdo da obra para o nível da expressão. Para ele, o

fundamental não é mais o significado, mas são as condições de construção de sentido no texto

através do leitor que precisam ser reconstruídas para que o efeito estético possa ser descrito

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teoricamente. Este efeito, "eingezeichnete Leserrolle" – o papel do leitor inscrito no texto, Iser

nomeia de "impliziter Leser" – leitor implícito 6 –, que não deve ser confundido com o

discurso feito pelo narrador ao leitor fictício. “As estruturas centrais de indeterminação no texto são seus vazios (Leerstellen) e suas negações. Elas são as condições para a comunicação, pois acionam a interação entre o texto e o leitor e até certo nível a regulam.” (ISER, 1996, p. 106) “À medida que os vazios indicam uma relação potencial, liberam o espaço das posições denotadas pelo texto para os atos de projeção (Vorstellungsakte) do leitor. Assim, quando tal relação se realiza, os vazios desaparecem.” (ISER, 1996, p. 106)

A tarefa de um leitor na sua relação com textos ficcionais é muito mais a

concretização 7 de espaços vazios e espaços de indeterminabilidade 8 ("Unbestimmtheits-

stellen") existentes no texto: portanto, um ato dialógico. O leitor reage – freqüentemente de

maneira inconsciente – ao “repertório” de normas (quer dizer, sistemas de sentido), visões de

mundo e referências literárias contidas no texto, às quais o autor recorre e que o leitor em um

novo contexto – um mundo ficcional criado por ele – concretiza. Além disso, o leitor pode ou

deve também criar hipóteses sobre o tipo de encadeamentos entre os diferentes pontos de vista

e visões de mundo, que através das “estratégias” textuais serão facilitadas e ao mesmo tempo

conduzidas no decorrer da narrativa. Os vazios não estão apenas na construção do sentido, mas aparecem também nas estratégias do repertório: narração fragmentada, multiplicidade de narradores, focalização múltipla, cortes temporais, intertextualidade, pluridiscursividade, dialogismo, entre outras. Os vazios quebram ainda a “good continuation” (continuação desejável) provocando o reforço da atividade de composição do leitor, que deve combinar esquemas opositivos, contrastivos, contrafactuais, encaixados ou segmentados, muitas vezes contra a expectativa aguardada. É preciso recorrer à sua atividade imaginativa para estabelecer a coerência significativa do texto. (FLORY, 1997, p. 34)

Conseqüentemente Iser baseia o “ato da leitura” na necessidade do leitor de uma

consistente formulação do sentido. O leitor no transcurso da construção de sentido, forma uma

base que poderia ser imaginada como uma transparência, na qual constantemente novas

expectativas, em decorrência dos acontecimentos que se seguem no texto, vão se sobrepondo

e se misturando com o já formado “horizonte de significados”. Isto é, o leitor é compelido a

escolher seletivamente entre os potenciais significados de cada elemento textual através do

retorno às experiências até agora coletadas, em um cotejo constante de significados e

compreensões dos universos ficcionais, o que por outro lado define também a sua maneira de

6 Conceito resultante de outro elaborado por Waine Booth, o “autor-implícito” (BOOTH, 1975 e 1980). 7 Conceito advindo de reflexões de Roman Ingarden.(INGARDEN, 1965 e 1973) 8 Idem.

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ler suas próximas leituras. Assim, já se percebe aqui claramente os princípios de recursividade

e traduzibilidade que irão nortear o pesquisador em suas reflexões futuras.

Mesmo antes da formulação da sua teoria do efeito estético (ISER, 1976), o estudioso

publicou diversos ensaios nos quais constatava na literatura um aumento de espaços de

indeterminabilidade (ISER, 1972). Desde o início dos anos 80, concentrou-se principalmente

no estabelecimento da área de pesquisa denominada “Antropologia literária”, na qual

pesquisaria, em face de uma aparente necessidade ficcional universal do homem, o papel e o

desempenho especifico do fictício para a humanidade. A tese de Iser (1991), neste caso, foi

que a literatura como espaço livre de criação e produção de significados e experiências é

aquele recurso, com o qual o homem pode vivenciar sem perigo, e ao mesmo tempo

construtivamente, o conflito entre o seu potencial e as condições culturais do seu tempo.

Por essa razão, parece finalmente ultrapassada a idéia iluminista/humanista de que a

literatura serve para a formação de uma individualidade (que na verdade, seguia padrões

determinados, com modelos e ideais pré-fixados), já que Iser apresenta em contraposição o

conceito de uma ampliação continua e constante da ficcionalidade e da imaginação próprias

de cada indivíduo, que afirma a inconstância e a diversidade da experiência humana, aspectos

revistos por outras teorias científicas desde o início do século XX, como por exemplo, a

psicanálise e as ciências cognitivas, revisão esta que alterou de maneira significativa conceitos

básicos da educação e da formação do indivíduo.

Iser compreende então, que se o texto literário faz alguma coisa com o leitor, isso

revela simultaneamente também alguma coisa sobre ele. Assim a literatura se transforma em

um tipo de espelho que pode localizar nossos anseios, desejos, inclinações e eventualmente

até nossas máscaras mais profundas. Dessa maneira, a literatura se aproveita de uma grande

função humana, a de imaginar por trás do que existe, e proporciona assim novas experiências.

Depois de Ato de leitura (1996/1999, na edição brasileira), Iser havia começado a explorar

essas implicações amplas da leitura para a experiência humana e seus diferentes e variados

processos.

Em 1989 Iser publica “Prospecting: From Reader Response to Literary Anthropology”

uma coleção de ensaios críticos e teóricos da década anterior, que já no título revela o

percurso do autor. Nesses ensaios extrapola das conclusões da recepção estética até o novo

terreno – a antropologia literária, onde elabora as grandes questões sobre o significado da

experiência humana.

Em “Das Fiktive und das Imaginäre - Perspektiven literarischer Anthropologie” (O

Fictício e o Imaginário: perspectivas de uma antropologia literária) publicado em 1991, Iser

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chega a mais do que uma segunda fase de seu trabalho. Ocorre sim uma verdadeira expansão

de seu projeto original, e seus estudos alcançam uma dimensão assumidamente mais ampla e

abrangente.

Depois de desenvolver uma descrição e uma explicação do “ato de leitura”, da

dinâmica entre texto e leitor, ele passa agora a descrever como seria o ato de “textualizar”–

isto é, uma descrição retrospectiva da natureza do leitor baseada nos efeitos que um texto

pode produzir nele. Poderia se dizer que a fenomenologia de Iser surge então invertida, de

maneira que o fenômeno em foco não é mais apenas a nossa literatura: agora nós mesmos

estamos incluídos nela. Como escreve Luiz Costa Lima na apresentação da edição brasileira:

“Iser desdobra a pergunta sobre o que é ficcional, tanto em plano literário, como do ponto de

vista da teoria do conhecimento.” E ainda: “[...] pensar o ficcional literário como algo

inconfundível, digno por si e não pela ‘ilustração’ que contivesse de quadros históricos ou

posições filosóficas.”

Após O fictício e o imaginário (publicado no Brasil em 1996), seu grande trabalho

teórico desde o Ato da leitura (de 1976), apresenta em Staging Politics: The Lasting Impact of

Shakespeare's Histories (1993) um estudo das histórias de Shakespeare onde expõe muitos

dos mesmos tópicos já apresentados no livro anterior. “Staging” por exemplo, é uma das

diversas categorias antropológicas de Iser derivadas da propensão humana de “ficcionalizar”.

Do impulso ficionalizante Iser infere sua conclusão antropológica. A existência

humana é fundamentalmente maleável, concebível de acordo com qualquer das infinitas

aparências de realidade disponíveis dentro da literatura. O estudo da literatura, Iser conclui,

informa-nos talvez mais sobre nós mesmos que sobre os livros que lemos. Ao ler,

descobrimos não somente visões alternativas para explorar, mas também nossa própria ânsia

humana pela liberdade de ação, compreensão última e unidade de experiência.

A literatura se constitui ao final, no ramo principal, mas não exclusivo, de um

território bem mais amplo, deixando claro que para ele o que importava era questionar a que

fundamentos no ser humano correspondia a demanda pelo ficcional. Por isso mesmo sua

paixão pela literatura se desdobrava em paixão pela interpretação. Nesta última, interessava a

Iser a própria extensão que a interpretação é passível de assumir, desde um texto literário até

sua frente religiosa, por exemplo. E é essa ênfase no fenômeno da interpretação que o leva a

editar, em 1996, junto com seu colega Sanford Buddick, A Traduzibilidade das Culturas -

figurações do espaço intermediário [The Translatability of Cultures - figurations of the space

between].

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Aos conceitos e à nomenclatura específica que o acompanham desde seu texto

inaugural (como leitor implícito, concretização, espaços de indeterminabilidade, espaços

vazios, estratégias textuais, variantes de leitura, atos de projeção, ato de fingir, entre outros),

Iser acrescenta agora o de traduzibilidade e se aproxima, cada vez mais – como conseqüência

natural, a nosso ver – ao conceito de interpretação.

Stanley Fish, teórico americano, considerou Wolfgang Iser como um dos mais

proeminentes teóricos literários do final do século XX. Seus trabalhos críticos sobre as obras

de Beckett, Pater e Shakespeare (entre outros) são conhecidos por seus comentários sensíveis

e sua formulação original, reveladores de novos aspectos e de novas relações entre a literatura

e a vida. Do seu envolvimento na fundação da inovadora Escola de Constança na Alemanha

dos anos 60 até assumir a cadeira de professor de inglês na Universidade da Califórnia em

Irvine, explorou durante 40 anos os estudos sobre como a literatura atinge ou se relaciona com

a experiência humana.

Em Rutas de la Interpretación (2002), como veremos a seguir, Iser parte da análise da

hermenêutica, desde Schleiermacher a Paul Ricoeur, para falar sobre os caminhos possíveis

do ato de interpretar. Em suas palavras: “[...] devemos recordar o que sempre foi a

interpretação: um ato de tradução.” (ISER, 2005, p.28)

3. “Rutas de la Interpretación / The Range of Interpretation”

O Alcance da Interpretação, recorrendo a aqui já citada tradução do título da obra

proposto por Luiz Costa Lima (o mais importante interlocutor de Wolfgang Iser no Brasil), é

uma obra estruturada em quatro capítulos, uma introdução e um epílogo a título de resumo e

conclusão. Dois ensaios complementam a obra na forma de anexos, apresentando reflexões

sobre obras de Thomas Carlyle e Walter Pater que se relacionam diretamente com os

problemas esboçados nos capítulos precedentes.

É importante destacar que uma versão preliminar desta obra serviu como base para

uma série de conferências realizadas por Wolfgang Iser na primavera de 1994 na “Wellek

Library” da Universidade da Califórnia na cidade de Irvine. O projeto de analisar a

interpretação nasceu de disciplinas e oficinas organizadas pelo autor juntamente com Sanford

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Budick, e contou com o apoio de diversas entidades9 no período de 1988 a 1996, resultando

em diversas publicações.

Durante muito tempo a interpretação foi considerada uma dessas atividades que não parecem requerer uma análise de seus próprios procedimentos. Havia a suposição tácita de que acontecia de maneira natural, em especial porque os seres humanos vivem em uma constante interpretação. Todo o tempo emitimos um amontoado de signos e sinais em resposta a um bombardeio de signos e sinais que recebemos do nosso entorno. (ISER, 2005, p.21)

Partindo desta afirmação, o autor apresenta na primeira parte da introdução à obra o

que chama de “mercado da interpretação”, com o intuito de destacar as tendências

predominantes no mundo ocidental e a maneira como o ato de interpretar é considerado nos

dias de hoje. Procura revelar aí a mecânica dos procedimentos interpretativos e a amplitude de

seus significados, ao anunciar sua intenção de propor uma “anatomia da interpretação” no

lugar de “interpretar a interpretação”, acreditando que desta maneira pode manter uma

distância do material a ser estudado, já que acredita que esta escolha também revela um

esforço por estabelecer “procedimentos transparentes”. De cunho histórico, realiza um

levantamento das tentativas de elaboração de uma teoria da interpretação (como, por exemplo,

as realizadas por William Elford Rogers e Paul Ricouer10) e do que considera o discurso

hegemônico vigente, Mas conclui: “Este amálgama de discursos interpretativos revela que

nenhum tem a capacidade de estabelecer um monopólio da interpretação” (p. 26).

Ao passar para a segunda parte da introdução, “A interpretação como traduzilibidade”,

utiliza uma colocação de Harold Bloom para endossar outra sua: à frase “‘Interpretação’

alguma vez significou ‘tradução’, e em essência ainda significa isso”11 ele relaciona outra,

“Toda interpretação transforma alguma coisa em outra” (p. 29).

Nessa parte, então, Iser apresenta seus argumentos para a escolha do conteúdo dos

capítulos centrais, intitulados a saber: “A autoridade do cânone”; “O circulo hermenêutico”;

“A espiral recursiva” e “O diferencial móvel”. Das colocações citadas, ele retira a conclusão

fundamental e o conceito que irá guiar todo seu trabalho nas quatro abordagens exploradas em

detalhe. No processo de transformação de “alguma coisa em outra” abre-se um espaço que ele

denomina de espaço liminal ou espaço limítrofe. Este espaço seria no entender do autor, o

9 German-Israeli Foundation of Research and Development e The Center for Literary Studies da Hebrew University em Jerusalém; Institute of European and American Studies da Academia Sinica em Taipei, República da China. 10 ROGERS, William Elford. Interpreting Interpretation: Textual Hermeneutics as an Ascetic Discipline. Pennsylvania: Penn State Press, 1993; RICOEUR, Paul. The Conflict of Interpretations. Evanston: Northwestern University Press, 1974. 11 BLOOM, Harold. A Map of Misreading. Nova Iorque: Oxford University Press, 1980. [ed. bras.: Um mapa da desleitura. Rio de Janeiro: Imago, 2002.]

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equivalente a uma “diferença” resultante do processo tradutório, à qual se refere Willis

Barnstone: “A tradução, [...] como toda transcrição e leitura de textos, cria uma diferença.” 12 Podemos ver aqui o desenvolvimento de suas idéias e conceitos a respeito dos espaços

vazios existentes entre texto e leitor em seus primeiros trabalhos. Iser conclui: [O propósito de transformar alguma coisa em outra] será alcançado enquanto houver um confronto com a dita diferença. Chamaremos a esta diferença de espaço liminal, pois demarca o limite entre o tema e o registro, e este limite não pertence a nenhum deles, mas sim, é produto da própria interpretação. (p. 29)

O capítulo I, “A autoridade do cânone”, dentro da arquitetura da obra, aparece como

um resgate do próprio significado do ato de interpretar. Pretende inclusive uma revisão

histórica do primeiro momento em que a atividade teve lugar, e demonstra ainda como, desde

seu início, manteve uma estreita relação (às vezes, até mesmo se confundindo13) com o ato de

traduzir.

Assim, o capítulo resulta em uma longa reflexão sobre a expansão da interpretação

dentro da tradição rabínica, na qual o comentário sobre o cânone devia traduzir o texto

sagrado de forma que ele atuasse na vida da comunidade. A leitura da Torá abre um espaço

entre o texto e sua exegese (sua interpretação, portanto), que faz que a autoridade do texto

oscile entre o cânone e a sua leitura. Tal deslocamento é dos mais óbvios na tradição do

cânone secular, em que o comentário pretende atribuir-se uma autoridade própria ao indicar

como se deve ler o texto canônico. Desta maneira, Iser traz outros aspectos à tona, como a

questão da autoria, da escolha das interpretações, de como se autoriza ou não uma

interpretação, e descreve, por fim, como uma tradição de cunho religioso virá a intervir no

mundo profano. Para isso, a título de exemplo, faz uma longa análise da exposição de Samuel

Johnson sobre Shakespeare 14, onde nos chama a atenção para o que resultou dessas tradições

nos dias de hoje e nos leva a pensar como nos relacionamos com elas.

O capítulo apresenta ainda dois aspectos a nosso ver importantes. Ao dividir os

processos de canonização de um texto entre cânone fechado e aberto, faz de maneira sintética

um histórico do fenômeno na cultura ocidental. De outro lado, ressalta que o processo de

formação do cânone se restringe a uma tradição escrita, que portanto vai colocar em destaque

a forma de registro da interpretação e sua estreita relação com o homem e a época em que

vive. Assim, Iser retorna ao seu conceito básico e o relaciona com o tema elegido: 12 BARNSTONE, Willis. The Poetics of Tanslation: History, Theory, Practice. New Haven: Yale University Press, 1993. 13 Sobre as semelhanças e diferenças em intérprete e tradutor, é bastante interessante como esta questão é abordada por Schleiermacher em: Sobre os diferentes métodos de tradução. (HEIDERMANN, 2001). 14 JOHNSON, Samuel: Prefácio a Shakespeare. São Paulo: Iluminuras, 1996.

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A autoridade se divide entre o cânone, a leitura que se dá do cânone e o registro que estabelece com os termos mediante os quais o cânone se relaciona com a vida. Temos várias autoridades ou a autoridade se desloca sempre sem ter em absoluto um lugar definitivo? Não é necessário responder a estas perguntas, pois o deslocamento da autoridade é conseqüência do espaço liminal, cuja indeterminação básica faz que a autoridade oscile entre o cânone, a leitura e o registro. Encontramos de novo, na origem mesmo da exegese rabínica um problema básico de interpretação: a necessidade de ocupar o espaço liminal.” (ISER, 2005, p.57 e 58)

O capítulo II, “O círculo hermenêutico”, se dedica à ascensão e desenvolvimento da

hermenêutica moderna e alude ao que ficou oculto na tradição da exegese rabínica, isto é, a

ocupação do espaço que se abre entre o que se vai interpretar e a forma que adquire o

interpretado, através do ato da interpretação. Para tanto, Wolfgang Iser subdivide o capítulo

em três partes, e recorre a três pensadores com suas respectivas teorias: “Friedrich Daniel

Ernst Schleiermacher: circularidade autoreflexiva”; “Johann Gustav Droysen: os círculos

concêntricos” e “Paul Ricoeur: as espirais transacionais”.

Para fazer frente ao espaço aberto necessita-se uma técnica que o preserve, e a este

desafio respondeu Schleiermacher (1768-1834) – o hermeneuta moderno mais importante –

com o que desde então se denominou círculo hermenêutico. Em lugar de evocar a autoridade, Schleiermacher se dedica a estudar o vazio entre o texto e seu receptor, o que faz do texto um discurso alheio e estranho, cuja compreensão sofre a ameaça contínua de ser mau entendida. (ISER, 2005, p.93 e 94)

Schleiermacher tinha como objetivo principal tentar compreender um autor melhor do

que este se compreendia a si mesmo. Para conseguir isso, devia pôr em operação um

movimento circular entre a gramática do autor e sua psicologia. Um círculo assim necessita

relacionar-se com um método de percepção intuitiva e de comparação. A partir de uma

adivinhação resultante de uma percepção intuitiva compreende a individualidade de um autor

ao confrontar o que é alheio ao intérprete; o método comparativo depois controla a

adivinhação na medida em que o autor, ao ser representante de um tipo determinado, se

compara com outros do mesmo tipo. Deste modo surge uma rede que pode vir a preencher o

vazio entre o texto de um autor e sua compreensão. O círculo da interconexão partes/todo, gramática/psicologia e adivinhação/comparação é o selo distintivo da hermenêutica. Destaca que já não existe uma autoridade dada que valide o que a interpretação se propõe a conseguir. E ainda, não há autoridade que habite o texto propriamente dito; portanto, deve se alcançar a compreensão a partir do texto por meio de múltiplas operações circulares que ofereçam uma forma de corrigir e vigiar a compreensão. (ISER, 2005, p.115)

Porém, a circularidade tende a complicar-se quando o tema que se estuda não é um

texto produzido para ser compreendido mediante sua leitura. Isto é, um texto que se apresente

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apenas na forma escrita. Esta questão se colocou Johann Gustav Droysen (1808-1884), – um

dos grandes historiadores do seu século – que já compreendia a história, não como um texto

escrito por um autor; mas sim como um texto que estava por construir-se a partir de um

emaranhado de coisas que existiram e inclusive sobreviveram ao tempo, bem como de

acontecimentos que sucederam no passado, e que, como passado fragmentado podiam ecoar

até o presente nesse texto em construção. Assim, na visão de Droysen a tarefa da interpretação

tem duas faces: deve construir o tema que se estuda e proporcionar o entendimento do que se

constituiu. Tal complexidade se enfrenta com uma multiplicação de círculos. Estes operam

não só entre os resíduos discerníveis do passado, como também entre a construção

interpretativa da história e uma humanidade destinada a perceber-se no reflexo de suas ações.

O círculo hermenêutico atuaria ainda em outro nível, se considerarmos que o objetivo

não é algo dado, pré-existente, mas algo oculto que se deve apresentar à luz da compreensão.

Algo assim viria a ser discutido claramente na psicanálise, por exemplo. Droysen trabalhou

com feitos observáveis do passado não mais da história, mas da vida de uma pessoa com o

objetivo de detectar suas relações obscuras, não compreensíveis em um primeiro momento.

Porém a situação mudou de maneira drástica quando algo oculto se mostrou com outra

aparência, de maneira surpreendente. O que revela o paciente deve vincular-se com o que esta

revelação deve ocultar. Em tal movimento reverso, isto é, de trás para a frente poderia se dizer,

o círculo hermenêutico neste caso opera através do que se convencionou chamar de espirais

transacionais (loops): o que se traduz mutuamente nunca se vê por completo, mas sim coberto

de símbolos. Isto é, as espirais transacionais são uma representação do resultado das

interações entre as partes, onde cada parte assume uma postura ativa em um processo de

causa-e-efeito transformador, que no caso da psicanálise oferecia de maneira clara elementos

associativos que revelavam por sua vez tanto dados do inconsciente, como dados que

escapavam à consciência do indivíduo.

Se Droysen, considerando o oculto a ser revelado, aponta um novo espaço de reflexão

a respeito da interpretação e com isso entra no terreno da psicanálise, Paul Ricoeur (1913-

2005) procura através de uma análise da obra de Sigmund Freud compreender e esclarecer as

espirais transacionais. A questão central agora passa a ser exclusivamente a dos componentes

intangíveis do sujeito, isto é, o inconsciente e o consciente, que ao contrário de um círculo

infinito criam um movimento em espiral, já que os pontos de retorno como vimos, não são

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sempre os mesmos. Para Ricoeur: “No sentido estrito, não há ‘fatos’ na psicanálise, pois o

analista não observa: mas interpreta.”15

Considerando que não existe uma referência externa para este procedimento, o

processo de espirais só pode se estabelecer através de um exame minucioso constante do que

as espirais transacionais tornam tangível, portanto revelam. Assim, a interpretação, graças ao

sistema de tentativa e erro que estrutura as espirais transacionais, adquire um caráter auto-

corretivo.

Dessa maneira, em cada um desses casos o vazio entre o que se interpreta e o registro

em que se traduz é de uma dimensão distinta e determina o método para superá-lo. O círculo

opera como uma retransmissão quando o tema já existe (Schleiermacher), transforma-se em

um conjunto de círculos quando o tema deve elaborar-se (Droysen) e transforma-se em

espirais transacionais quando o tema deve ser revelado (Ricoeur). Quanto mais amplo é o

vazio, mais complicado tenderá a converter-se o círculo.

Em hermenêutica, o círculo se emprega para inter-relacionar o explícito com o implícito, o oculto com o revelado e o latente com o manifesto. Utiliza-se sobretudo para recuperar aquilo de que um autor não está consciente quando escreve, ou o que cria a partir do material histórico que se vai observar no presente, ou o que não deu certo para o sujeito humano em seu trânsito até si mesmo. Ir mais longe do que está dado para recuperar o que se perdeu – quer dizer, um passado histórico, subconsciente do autor; ou o fim último do eu fraturado – é o que estrutura este tipo de interpretação. (ISER, 2005, p.34)

E Iser conclui o capítulo com a seguinte consideração: Enquanto se trata de um texto que se vai compreender, ou cuja compreensão se vai aplicar, ou cujos constituintes ocultos devem ser retirados da sombra, o círculo hermenêutico em todas as suas variantes, desde Schleiermacher até Ricoeur, parece ser o método adequado para abordar o espaço liminal. (ISER, 2005, p.33)

O terceiro capítulo do livro, “A espiral recursiva”, como anunciado, será analisado em

detalhes na parte seguinte deste trabalho.

Da mesma maneira que nos capítulos anteriores Iser, para falar dos conceitos, prepara-

nos com a contextualização das obras a que se refere e oferece um perfil / histórico do autor,

em “O diferencial móvel. Franz Rosenzweig: The Star of Redemption”, ele volta a nos dar

subsídios para exemplificar os caminhos trilhados por Franz Rosenzweig (1886-1929). Aqui,

o que se coloca em questão é um gênero de interpretação que se desenvolve quando as

incomensurabilidades, isto é, aquilo que ultrapassa o conhecível e o mensurável, como Deus,

15 RICOEUR, Paul. De l'interprétation. Essai sur Freud. Paris: Seuil,1965.

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o mundo, a humanidade, podem ser traduzidos para a linguagem ou transformar-se em

cognição. Portanto o que se coloca como tarefa é compreender o infinito em termos finitos.

Iser cita o filósofo através das próprias palavras deste: “Me esforço em traduzir os

problemas teológicos à existência humana e esta a uma dimensão teológica.”16 E ainda:

“Nossa viagem de exploração, avança dos Nadas do saber a Algo do saber.” Rosenzweig, ao

colocar estes elementos lado a lado, estruturaria assim seu argumento e comporia ao mesmo

tempo as ferramentas conceituais para traduzir o incomensurável ao conhecimento. Para ele, o

incomensurável deve desdobrar-se desde seu interior mesmo com o objetivo de que expresse

sua aparência provável.

Por exemplo, não existe uma posição externa que nos permita compreender a

continuidade de algo que não podemos abarcar a partir de nossas referências. Isso se

apresentou como problema para Gottfried Wilhelm Leibniz (1646 - 1716), que desenvolveu

em resposta o cálculo diferencial. Para sua tarefa, Rosenzweig recorreu justamente ao

diferencial, que fundamentalmente trata de uma operação de realização, e deste modo é

particularmente adequada, quando se trata de conceber a realidade, a continuidade ou o

infinito. Iser esclarece: “O diferencial só organiza uma trajetória através da qual o Nada se

forma pra revelar o não-Nada que está contido em si mesmo, apresentado como algo ainda

por vir.” (p. 244) O diferencial móvel, denominado por Rosenzweig, oferece portanto, a

maleabilidade necessária para lidar com elementos tão abstratos e conceituais.

No capítulo V, “Configurações da interpretação: um epílogo”, o teórico oferece por

fim algumas conclusões das análises dos paradigmas individuais da interpretação. A favor

dessa análise, os capítulos anteriores haviam pretendido apresentar e destacar as distinções

entre hermenêutica, cibernética e compreensão diferencial, como tipos de interpretação. É

interessante notar que as diferenças em seus modos operacionais não são de nenhuma maneira

rígidas, admitindo-se ao final que o círculo hermenêutico, a espiral recursiva e o diferencial

móvel fundem-se entre si sempre que se dá a interpretação. O que sugere esta interação é a

necessidade de preencher o espaço liminal que se abre em todo ato de interpretação. O espaço

é liminal porque demarca o tema a respeito do registro e por fim não é idêntico a nenhum. O

jogo entre os modos resulta ser a zona de interação através da qual se supera o espaço liminal

e de onde portanto, algo surge. Por fim, a interpretação não é tanto uma explicação quanto

uma representação. E aqui temos um aspecto importante frisado pelo autor:

16 ROSENZEIG, Franz. Das neue Denken: Einige nachträgliche Bemerkungen zum „Stern der Erlösung“. In: Kleinere Schriften. Berlin: Schocken, 1937.

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Mas ainda, se a interpretação deve enfrentar o espaço liminal que resulta da transposição de uma coisa em outra, a interpretação é sobretudo um ato representativo, mais que explicativo, se bem que na maioria das vezes a representação se confunda com a explicação. Sempre que isso sucede, o equívoco é de categoria: para que uma explicação seja válida, se deve supor um marco de referência, enquanto que a representação deve produzir seus próprios critérios. A autogeração de critérios na interpretação nos permite antes de mais nada participar em qualquer coisa que se destaque, mais que validar os resultados obtidos.” (p. 32)

Wolfgang Iser, ao diferenciar aqui “ato representativo” de “ato explicativo”, apresenta

a nosso ver uma noção esclarecedora do seu conceito de interpretação, justamente porque ao

diferenciar sugere que a representação não propõe um ponto final ao processo, mas pelo

contrário, o mantém “aberto”, em movimento, considerando que cada leitor/intérprete poderá

encontrar ainda uma nova “representação”. Já a “explicação” por sua vez, define e formata,

não permitindo a interlocução, tendo ainda como conseqüência sempre a tendência de se

alcançar “a” interpretação. É interessante observar, que esta perspectiva também se estende a

outra que se refere agora à questão dos modos, ou melhor, dos gêneros, o que nos leva mais

uma vez às suas palavras: Em cada um destes três tipos – que configuraram o marco para esta análise – a tentativa interpretativa a respeito do tema por traduzir se verá exposta a mudanças. Isto implica que o espaço liminal terá que ser manipulado de maneiras distintas, do que se pode concluir que não existe a interpretação. Por outro lado, existem apenas gêneros de interpretação, distintos entre si de acordo com a forma em que se conduz a traduzibilidade. Este processo varia não somente em relação ao tema, mas também à maneira que se enfrenta o espaço liminal em cada ato interpretativo. Portanto, a interpretação é basicamente genérica, e as características sobressalentes do gênero respectivo se assinalam em especial segundo a maneira em que se supera o espaço liminal. (p. 31)

Através de um apêndice, composto por dois ensaios dedicados a Thomas Carlyle e

Walter Pater, respectivamente, Wolfgang Iser oferece exemplos da qualidade representativa

da interpretação, relacionando-os com a problematização levantada nos capítulos precedentes.

Assim, complementa o livro com exemplos que poderíamos aceitar como práticos.

3.1 A espiral recursiva

Assim, parece existir um sentimento oculto repetitivo no processo mesmo de interpretação, e deste modo, é a recursividade o ponto central do paradigma que vou investigar. (p. 169)

Wolfgang Iser com esta frase aponta dois aspectos, a nosso ver, que percorrem todo o

seu texto e que conseqüentemente poderíamos considerar de absoluta relevância para que se

compreenda como ele percebe os processos interpretativos. Repetição e recursividade são

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aspectos que podem ser encontrados em qualquer tipo de interpretação e acabam por ter um

papel fundamental no trato com o espaço liminal, preocupação primeira do autor.

A repetição anuncia o movimento circular existente entre o tema (o texto, o assunto, o

conteúdo) e a forma de registro (mídias, estilos, gêneros) do que se vai interpretar, lembrando

sempre que o teórico considera a interpretação como uma forma de traduzibilidade. Este

movimento circular – descrito em seus detalhes e nas suas diversas acepções no capítulo

anterior a este no livro, “O circulo hermenêutico” – vai se transformar de círculo em espiral,

mantendo seu aspecto repetitivo, mas acrescentando agora o aspecto da recursividade.

Dividido em duas partes, intituladas “A recursividade no discurso etnográfico” e

“Recursividade Sistêmica”, o capítulo apresenta paradigmas que têm em comum o fato de não

serem textuais e nem se realizarem no âmbito da escrita, exigindo, portanto, uma re-

instrumentação das técnicas interpretativas.

Para tanto, retomamos a citação de autor apresentada no início deste capitulo, onde ele

destaca a recursividade como ponto central da re-instrumentação anunciada. A recursividade

que toma a forma de uma espiral passa então a ser denominada pelo teórico de “espiral

cibernética”. Como nos informa Iser, o termo deriva do grego e significa “o homem que

controla”, tendo sido cunhado em 1947 pelo matemático Norbert Wiener (1894-1964).

Sabemos que a circularidade está ligada a duas idéias essenciais. A primeira delas é a cibernética, introduzida por Norbert Wiener. A segunda é a teoria dos sistemas, desenvolvida por Ludwig von Bertalanffy. Do ponto de vista do pensamento linear-binário, a relação causa-efeito se resume a dois momentos: princípio e fim. [...] Não há fenômeno de causa única no mundo natural nem no cultural. Onde houver seres vivos as relações serão sempre circulares. Por mais que pareçam lineares, elas são não-lineares: os efeitos retroagem sobre as causas e as realimentam. Com isso são corrigidos desvios, o que faz com que os ciclos se mantenham em funcionamento e os sistemas se conservem vivos. O mesmo raciocínio se aplica a sistemas não-vivos. Vimos que a esse mecanismo Wiener chamou de feedback (retro-alimentação). A disciplina criada com esse conceito ele denominou de cibernética, que pode ser definida como a ciência que estuda os sistemas de controle. Aqui a palavra ‘controle’ deve ser entendida no sentido de ‘manutenção de um rumo’. (MARIOTTI, 2007)

E é justamente a partir do mecanismo de retro-alimentação que a “espiral recursiva” se

estabelece, oferecendo no ponto de vista de Iser uma nova ferramenta para a análise de

processos interpretativos, nestes casos, destinados a melhor compreender fenômenos culturais

e biológicos. O conceito básico desenvolvido por Wiener, prevê: A retro-alimentação [é] a propriedade de ser capaz de ajustar a conduta futura ao desempenho passado. A retro-alimentação pode ser tão simples como a de um reflexo comum, ou talvez ser uma retro-alimentação de uma ordem mais elevada, em que a experiência passada se emprega não só para regular movimentos específicos, como também políticas completas de comportamento. O sistema nervoso e a maquina automática se parecem fundamentalmente na medida que são instrumentos que tomam decisões com base em decisões que tomaram no passado. (WIENER, 1988, p. 33)

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A retro-alimentação opera portanto, sob o princípio básico de recursividade, em um

intercâmbio entre entradas e saídas, que se caracteriza como um sistema auto-corretivo. Isto é,

uma ação entra e regressa como reação em uma espiral alterada, que por sua vez aciona uma

nova entrada modificada. O sistema se retro-alimenta, quer dizer, alimenta a si mesmo,

adequando continuamente o que deve sair em conseqüência do que deve entrar. O sistema,

ressalta Iser, se aplica a toda variedade de sistemas de aprendizagem, desde máquinas até o

comportamento humano, e se regula (melhor dizendo, se auto-regula) como uma espiral

recursiva que ajusta a conduta futura de acordo com o desempenho passado. Como diz

Wiener: “Seu presente difere de seu passado, e seu futuro difere de seu presente. Nos

organismos vivos, a repetição exata é completamente impossível.” (WIENER, 1988, p. 48).

Da cibernética, Iser estabelece a ponte com a antropologia, e chega à cultura. A obra

do etnólogo americano Clifford Geertz (1926-2006), A Interpretação das Culturas publicada

em 1973 apresenta uma série de ensaios onde se pode perceber a aplicação de princípios de

recursividade na relação entre a cultura e o homem. No ensaio “The Impact of the Concept of

Culture on the Concept of Man” [O impacto do conceito de Cultura sobre o conceito de

Homem] Geertz demonstra uma relação recursiva clara. Aponta que o que chamamos de

“cultura” e o que chamamos de “homem”, na verdade, são dois sistemas mutuamente

interdependentes que parecem se alimentar um do outro, e que só através desta conexão pode-

se entender a evolução da espécie humana e da cultura.

Na tentativa de [...] alcançar, assim, uma imagem mais exata do homem, quero propor duas idéias. A primeira delas é que a cultura é melhor vista não como complexos de padrões concretos de comportamento — costumes, usos, tradições, feixes de hábitos —, como tem sido o caso até agora, mas como um conjunto de mecanismos de controle — planos, receitas, regras, instruções (o que os engenheiros de computação chamam “programas”) — para governar o comportamento. A segunda idéia é que o homem é precisamente o animal mais desesperadamente dependente de tais mecanismos de controle, extragenéticos, fora da pele, de tais programas culturais, para ordenar seu comportamento. (GEERTZ, 1989, p. 56)

Entre os conceitos, Geertz indica ainda, um sistema de retro-alimentação: Entre o padrão cultural, o corpo e o cérebro foi criado um sistema de realimentação (feedback) positiva, no qual cada um modelava o progresso do outro, um sistema no qual a interação entre o uso crescente das ferramentas, a mudança da anatomia da mão e a representação expandida do polegar no córtex é apenas um dos exemplos mais gráficos. Submetendo-se ao governo de programas simbolicamente mediados para a produção de artefatos, organizando a vida social ou expressando emoções, o homem determinou, embora inconscientemente, os estágios culminantes do seu próprio destino biológico. Literalmente, embora inadvertidamente, ele próprio se criou. [...] Sem os homens certamente não haveria cultura, mas, de forma semelhante e muito significativamente, sem cultura não haveria homens. (GEERTZ, 1989, p. 60 e 61)

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Sem dúvida, seguindo estas exposições, pode-se compreender de maneira clara as

associações que o teórico alemão realiza, mesmo trilhando áreas tão diversas. Porém, o

inesperado é perceber que é neste contexto que surge o paralelo mais importante, quando ele

demonstra que também aqui existem espaços vazios. Isto é, um espaço liminal que só pode ser

superado justamente no confronto entre a cultura (o modo de viver que o homem com o

passar do tempo se auto-estabelece) e o homem (que na sua angústia/desejo de organizar a

vida transforma seu ambiente). Conseqüentemente, a relação entre a cultura e o homem se

configura em uma relação de interdependência de característica recursiva.

Conforme um autor mencionou com grande propriedade, vivemos num “hiato de informações”. Entre o que o nosso corpo nos diz e o que devemos saber a fim de funcionar, há um vácuo que nós mesmos devemos preencher, e nós o preenchemos com a informação (ou desinformação) fornecida pela nossa cultura. A fronteira entre o que é controlado de forma inata e o que é controlado culturalmente no comportamento humano é extremamente mal-definida e vacilante. (GEERTZ, 1989, p. 62)

Se nesta primeira parte, Iser apresenta através de Geertz a relação recursiva existente

entre a cultura e o Homem, na segunda, intitulada “Recursividade sistêmica”, ele dialoga

principalmente com o biólogo chileno Francisco Varela (1946-2001). Varela, juntamente com

Humberto Maturana (1928), formou o que ficou conhecido como a Escola de Santiago da

Teoria dos Sistemas. Diferentemente do antropólogo, os dois biólogos chilenos concentraram

seus estudos em sistemas vivos, como o imunológico e o nervoso, chegando a descrevê-los

como autônomos e autopoiéticos. Iser alcança aqui uma outra categoria, a interpretação agora

percebida frente a sistemas vivos. As diferenças já estão presentes na estrutura interna dos

sistemas autônomos, que Varela denomina “maquinas autopoéiticas” e cuja definição básica é

a seguinte: Um sistema autopoéitico está organizado (definido como unidade) como uma rede de processos de produção (transformação e destruição) de componentes que produz os componentes que: 1) através de suas interações e transformações regeneram e efetuam continuamente a rede de processos (relações) que as produziram e 2) a constituem (a máquina) como uma unidade concreta no espaço onde existem ao determinar a área específica de sua realização dentro da referida rede. (VARELA, 2001)

Poiesis é um termo grego que significa produção. Autopoiese quer dizer portanto

autoprodução. A palavra surgiu pela primeira vez na literatura internacional em 1974, num

artigo publicado por Varela, Maturana e Uribe, para definir os seres vivos como sistemas que

produzem continuamente a si mesmos. Esses sistemas são autopoiéticos por definição, porque

recompõem, de maneira incessante, os seus componentes desgastados. Pode-se concluir, dessa

maneira, que um sistema autopoiético é ao mesmo tempo produtor e produto.

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Para os biólogos, o termo "autopoiese" traduz o que eles chamaram de "centro da

dinâmica constitutiva dos seres vivos". Para exercê-la de modo autônomo, eles precisam

recorrer a recursos do meio ambiente. Para manter essa condição eles dependem de elementos

que estão no meio ambiente: ar, água, alimentos, informação e a convivência com mais seres

vivos de sua própria espécie e de outras. Em outros termos, são ao mesmo tempo autônomos e

dependentes. Sendo os sistemas autopoiéticos a um só tempo produtores e produtos, pode-se

também dizer que eles são circulares, ou seja, funcionam em termos de circularidade

produtiva.

Porém, enquanto o sistema de retro-alimentação elaborado por Wiener prevê pontos

fixos de entrada/saída, Varela percebe que a recursividade que se estabelece em sistemas

autopoiéticos é de outra ordem, porque nestes a auto-sustentabilidade é a característica

dominante. Assim, os sistemas vão reagir ao que ele denominou de “perturbação ambiental”,

especialmente devido às interconexões naturais com outros sistemas ao seu redor. Esta

perturbação não é uma entrada que o sistema vivo necessite para sua auto-sustentabilidade,

mas ela desencadeia uma operação compensatória dentro do próprio sistema.

Assim, a realidade não é pré-determinada: é um processo que se autoproduz. O meio

produz alterações contínuas na estrutura dos sistemas e estes, por sua vez, atuam sobre o meio

e o modificam também de modo incessante. Nesta perspectiva é fundamental esclarecer que

Varela sempre afirmou insistentemente que, apesar de que no início de sua pesquisa tivesse o

foco direcionado para os sistemas imunológico e nervoso, suas descobertas foram

confirmando que a idéia de autonomia e suas conseqüências não se restringiam a sistemas

biológicos naturais, mas que abarcavam também os sistemas sociais e humanos, como pode se

ver na sua obra principal, realizada conjuntamente com Humberto Maturana: A Árvore do

Conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana (VARELA, 2001).

Portanto, a recursividade sistêmica percebida por Varela e Maturana vai, do ponto de

vista de Iser, repercutir no espaço liminal, criando neste uma dinâmica também recursiva:

Ao engrenar níveis inter-sistêmicos, a recursividade destaca a maneira em que o sistema participa na resolução de interferências em sua homeostase. Deste modo transforma os espaços liminais em um circuito de interconexões e, ao fazê-lo, oferece um fechamento para o sistema, apresentando-o como uma unidade autopoiética autônoma. Da mesma maneira que as espirais de retro-alimentação estruturam a organização interna do sistema através de uma interação permanente entre níveis, componentes e processos, estas preenchem o espaço liminal entre os sistemas, cujos acoplamentos dão origem aos sistemas compostos. Portanto, a recursividade aparece como uma força generativa. (ISER, 2005, p. 213)

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Concluindo, Wolfgang Iser propõe com este capítulo uma reflexão sobre o que

denominamos habitualmente de “interpretação” e redimensiona também o que ele próprio

apresentou anos atrás como “espaços vazios” de um texto, existentes entre este e seu leitor.

Acreditamos que o capítulo exemplifica a abordagem de Iser, que, ao se distanciar da

teoria literária em sentido mais estrito, procura voltar-se aos fenômenos relacionados à

literatura para, dessa maneira, oferecer à análise literária novos caminhos, ao aproximá-la de

outras áreas do conhecimento, bem como, de maneira mais radical, integrá-la a processos de

“leitura” da vida em geral.

Em diálogo direto com um dos teóricos de referência para Wolfgang Iser, Clifford

Geertz, desenvolvemos na segunda monografia de conclusão do bacharelado (intitulada

Literatura e cultura em Himmelfarb: reflexões sobre alteridade, sociedade e ficção) um

exercício de aproximação entre a literatura e outra área de conhecimento. A análise do

romance de Michael Krüger proporcionou-nos verificar de que maneira a interpretação

daquela obra literária retro-alimenta as discussões próprias à etnografia e vê-se iluminada pelo

diálogo que estabelece com elas.

4. Conclusão

A nosso ver, The Range of Interpretation pode ser entendido como o resultado do

processo de pesquisa e reflexão de Wolfgang Iser, ao longo de todo seu percurso intelectual,

desde os primeiros trabalhos na década de 1960. Na obra, percebe-se o desenvolvimento de

idéias e conceitos concebidos já no início da carreira do pesquisador. Aquele que tiver

conhecimento desse percurso poderá perceber o quanto a obra traz de radicalidade em suas

propostas, mas, principalmente, como Wolfgang Iser sempre retornou às suas inquietações e

assumiu de maneira conseqüente os resultados que obteve, revisando-os e atualizando-os.

Da tríade autor – obra – leitor, no âmbito mais estritamente literário, ele chega ao

conceito do ato de interpretação como um ato de tradução; e conclui que ambos, diferenciados

ou não, são atos contínuos, que pertencem a qualquer pessoa, em qualquer contexto, em

qualquer época. Portanto, uma característica e uma particularidade da espécie humana.

Recebida pela crítica especializada como ousada, mas sem dúvida alguma instigante, a

obra redimensiona os estudos literários na medida que os coloca em contato direto com a

experiência humana, comprovando que a interação dos processos de criação e recepção estão

profundamente interligados entre si e, poderíamos dizer também, inseridos aos “micro e

macro” universos a que pertencem.

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A percepção de que os espaços vazios existem e se estabelecem em todo e qualquer

ato de leitura e o redimensionamento do que são “atos de leitura”, ao serem entendidos sob os

dados da cultura, ciência e religião, demonstram a nosso ver que Wolfgang Iser “mergulha”

na essência do ato interpretativo, procurando descrevê-lo de maneira ampla e adequada à

complexidade dessa atividade humana.

Partindo da afirmação de que “Toda interpretação transforma alguma coisa em outra

coisa” (p. 29), condição intrínseca de traduzilibidade, Iser oferece ao leitor ou ao pesquisador

interessado nos temas que aborda a possibilidade, inclusive, de uma reflexão crítica sobre os

mecanismos da produção de trabalhos teóricos e sobre as perspectivas do diálogo efetivo entre

áreas diversas de conhecimento, aproximadas pelo fato último de partilharem processos

interpretativos bastante semelhantes e relacionados entre si.

A criatividade de sua abordagem equivale à dos autores com quem dialoga, e por essa

razão acreditamos que, como conclusão, vale apresentar um extrato do texto de apresentação,

pelo médico e psicoterapeuta Humberto Mariotti, da edição brasileira do livro de Francisco

Varela e Humberto Maturana – A Árvore do Conhecimento, já mencionado. O texto de

Mariotti reforça a postura do teórico alemão em face de sua área de atuação, os estudos

literários, ao mesmo tempo que reflete muito bem, em nossa opinião, o impacto que a sua

obra pode causar a um leitor.

Para [Maturana e Varela], o mundo não é anterior à nossa experiência. Nossa trajetória de vida nos faz construir nosso conhecimento do mundo – mas este também constrói seu próprio conhecimento a nosso respeito. Mesmo que de imediato não o percebamos, somos sempre influenciados e modificados pelo que vemos e sentimos. Quando damos um passeio pela praia, por exemplo, ao fim do trajeto estaremos diferentes do que estávamos antes. Por sua vez, a praia também nos percebe. Estará diferente depois da nossa passagem: terá registrado nossas pegadas na areia – ou terá de lidar também com o lixo com o qual porventura a tenhamos poluído. Do mesmo modo, as águas de um rio vão abrindo o seu trajeto por entre os acidentes e as irregularidades do terreno. Mas estes também ajudam a moldar o itinerário, pois nem a correnteza nem a geografia das margens determinam isoladamente o curso fluvial: ele se estrutura de um modo interativo, o que nos revela como as coisas se determinam e se constroem umas às outras. Por serem assim, a cada momento elas nos surpreendem, revelando-nos que aquilo que pensávamos ser repetição sempre foi diferença, e o que julgávamos ser monotonia nunca deixou de ser criatividade. Tomemos ainda outra metáfora: não são só os timoneiros que dirigem os navios. O meio ambiente também pilota as embarcações, por meio das correntes marítimas, dos ventos, dos acidentes de percurso, das tempestades e assim por diante. Dessa forma os pilotos guiam, mas também são guiados. Não há velejador experiente que não saiba disso. Portanto, pode-se dizer que construímos o mundo e, ao mesmo tempo, somos construídos por ele. Como em todo esse processo entram sempre as outras pessoas e os demais seres vivos, tal construção é necessariamente compartilhada. [...] Maturana e Varela mostram que a idéia de que o mundo não é pré-dado, e que o construímos ao longo de nossa interação com ele, não é apenas teórica: apóia-se em evidências concretas. [...]

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[...] Em suma: se a vida é um processo de conhecimento, os seres vivos constroem esse conhecimento não a partir de uma atitude passiva e sim pela interação. Aprendem vivendo e vivem aprendendo. (p. 11 e 12)

Mas não seria justo finalizar o trabalho sem retomar palavras do próprio Wolfgang

Iser. A leitura que seu texto nos oferece, diante dessa profusão de interdependências descrita

por Mariotti, não nos deixa esquecer que a forma de interação própria com o mundo, em

especial em nossa área de reflexão em Estudos Literários, é a interpretação, da qual decorre

nossa ação sobre os fenômenos da realidade, também sob o medium do texto literário. Talvez

de fato saibamos de maneira privilegiada, na atividade acadêmica cotidiana, que

“Interpretamos, logo existimos” (ISER, 2005, p. 21).

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