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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL THAILIZE F. BRANDOLT DA ROCHA ESTUDO DO IMAGINÁRIO A PARTIR DAS CAMPANHAS PUBLICITÁRIAS SECRET GARDEN DA MARCA DIOR. Caxias do Sul 2015

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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

THAILIZE F. BRANDOLT DA ROCHA

ESTUDO DO IMAGINÁRIO A PARTIR DAS CAMPANHAS PUBLICITÁRIAS

SECRET GARDEN DA MARCA DIOR.

Caxias do Sul

2015

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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

CENTRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO

CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

HABILITAÇÃO EM PUBLICIDADE E PROPAGANDA

THAILIZE F. BRANDOLT DA ROCHA

ESTUDO DO IMAGINÁRIO A PARTIR DAS CAMPANHAS PUBLICITÁRIAS

SECRET GARDEN DA MARCA DIOR.

Monografia de conclusão do curso de

Comunicação Social, habilitação em

Publicidade e Propaganda da Universidade de

Caxias do Sul, apresentada como requisito

parcial para obtenção do título de Bacharel.

Orientador Prof. Ms. Marcelo Wasserman

Caxias do Sul

2015

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THAILIZE F. BRANDOLT DA ROCHA

ESTUDO DO IMAGINÁRIO A PARTIR DAS CAMPANHAS PUBLICITÁRIAS

SECRET GARDEN DA MARCA DIOR.

Monografia de conclusão do curso de

Comunicação Social, habilitação em

Publicidade e Propaganda da Universidade de

Caxias do Sul, apresentada como requisito

parcial para obtenção do título de Bacharel.

Aprovada em ___/___/____

Banca Examinadora

_____________________________________

Prof. Ms. Marcelo Wasserman

Universidade de Caxias do Sul – UCS

_____________________________________

Prof. Giuseppe Pessoa

Universidade de Caxias do Sul – UCS

_____________________________________

Prof. Dr. Ronei Teodoro

Universidade de Caxias do Sul – UCS

Caxias do Sul

2015

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AGRADECIMENTOS

Para a realização deste trabalho, muitas etapas tiveram que ser vencidas e muitas horas

de estudo dedicadas. Porém, nem só de livros, de pesquisas bibliográficas ou de documentos

on-line, se faz uma monografia. As pessoas que estiveram ao meu lado nesse tempo, foram

essenciais para que esse trabalho fosse realizado e se transformasse em objetivo atingido.

Agradeço primeiramente às forças maiores do universo, aquelas que se manifestam em

forma de energia positiva e invadem nossas mentes, motivando a seguir em frente e nunca

parar. Sempre acreditei que tivesse um monte de “anjinhos” me guiando e que nunca me

deixaram desanimar.

Esses anjinhos também são partes de minha família. Meu pai, Joaquim. Minha mãe,

Rose. Meus irmãos: Thainara e José Vitor... Agradeço pela compreensão de vocês, das vezes

que não pude dar atenção, dos momentos que tive que me manter afastada das atividades de

família para concluir a monografia. Vocês são mais do que parte integrante deste trabalho,

vocês foram a principal inspiração para isso.

Agradeço ao professor Marcelo Wasserman, que além de coordenador e orientador, foi

um grande incentivador deste trabalho, estando sempre disposto a me ajudar no que fosse

necessário e indispensável na realização desta pesquisa. Não só agora, mas ao longo de todo o

curso de Publicidade e Propaganda, se tornou um amigo querido e motivador, teus

ensinamentos e conselhos irão me acompanhar para sempre! Aos demais professores que tive

contato ao longo do curso, aqueles que estiveram presente de forma direta em minha vida

acadêmica e que se transformaram em referências para a minha profissional.

E aos amigos que foram os melhores presentes que eu poderia receber, sejam eles

colegas de curso, de trabalho, de profissão ou de infância, estiveram sempre ao meu lado,

dando sugestões, conselhos e principalmente o carinho e atenção. Por conta de serem muitos,

não acharia justo citar alguém em específico, quem esteve comigo durante este processo sabe

que minha amizade e gratidão são do tamanho do universo.

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RESUMO

O presente trabalho é o resultado de uma pesquisa sobre o estudo da construção do

imaginário através das campanhas publicitárias da marca Dior. Serão apresentadas referências

teóricas a respeito da história do consumo, da moda como formadora de identidade e a

interlocução entre a publicidade e os consumidores das marcas de luxo. Para realizar esse

estudo, foram escolhidos dois métodos de estudo: analise da imagem e a visão Platônica a

respeito da construção do imaginário. Foram analisadas duas peças das campanhas Secret

Garden da marca, trazendo a abordagem sociológica e simbólica do consumo de luxo.

Palavras- chave: Moda; Publicidade de Moda; Luxo; Consumo.

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ABSTRACT

This work is the result of a research on the imaginary construction of the study

through the advertising campaigns of the Dior brand. They will be presented theoretical

references about the history of consumption, fashion and forming identity and the dialogue

between advertising and consumers of luxury brands. To perform this study, we selected two

study methods: analyze the image and the Platonic vision of the imaginary construction. Two

pieces of the Secret Garden brand campaigns were analyzed, bringing the sociological and

symbolic approach to luxury consumption.

Key words: Fashion; Fashion Advertising; Luxury; Consumption.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Armário de carvalho, Jackson & Graham ...................................................... 20

Figura 2: Peplo, traje feminino de cima utilizado na Grécia Antiga ............................. 27

Figura 3: Vestuário utilizado durante a Idade Média. .................................................... 30

Figura 4: Rei Luis XIV da França em seu traje extravagante e sapato de salto alto. ..... 31

Figura 5: Anúncio da marca Dior do ano de 2008 ........................................................ 36

Figura 6: Anúncio da marca Chanel ano 2004 ............................................................... 37

Figura 7: Vestido Mondrian de Yves Saint Laurent ...................................................... 40

Figura 8: Madonna para a campanha da marca Versace 2015 ...................................... 41

Figura 9: New Look apresentado por Christian Dior em 1957 ..................................... 45

Figura 10: Baile de Máscara no Palazzo Labia em Veneza, 1951 ................................. 47

Figura 11: À esquerda obra de Cézame e à direita criação de Ferre , 1985 ................... 48

Figura 12: Grece Kelly vestindo Dior em seu noivado em 1956 ................................... 49

Figura 13: Rihanna para nova campanha Secret Garden em 2015 ................................. 50

Figura 14: Christian Dior e sua paixão pelas flores........................................................ 52

Figura 15: Campanha Dior Grand Bal Haute Couture Watches Presa Kit ..................... 53

Figura 16: Campanha Secret Garden II Versailles de maio de 2013 ............................. 55

Figura 17: Campanha Secret Garden IV Versailles de maio de 2015 ............................ 56

Figura 18: Recorte destacado das modelos do anúncio 1 .............................................. 57

Figura 19: Recorte destacado da mensagem textual do anúncio 1 ................................ 58

Figura 20: Recorte destacado dos lustres e da modelo do anúncio 2 ............................ 58

Figura 21: Recorte destacado da mensagem do textual anúncio 2 ................................. 59

Figura 22: Louch on The Grass de Édouard Manet em 1963 e Campanha Secret Garden

Versailles II para Dior em 2013 ..................................................................................... 63

Figura 23: Louch on The Grass de Édouard Manet em 1963 ......................................... 63

Figura 24: Capa da revista Vogue set/2006 em referência ao filme Maria Antonieta de Sophia

Coppola ........................................................................................................................... 64

Figura 25: Cena do Baile de Máscaras no filme “Maria Antonieta” .............................. 65

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Sumário

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 09

2. O CROQUI – AS REFERÊNCIAS .................................................................... 12

2.1. O imaginário ....................................................................................................... 12

2.1.1. O Imaginário e a Comunicação ........................................................................ 14

2.2. As diferentes fases do consumo............................................................................ 16

2.2.1 O consumo como ato de necessidade ................................................................. 17

2.2.2. O “possuir” ganha um novo status .................................................................... 18

2.2.3. O consumo de massa ......................................................................................... 21

2.3. O consumo de luxo ............................................................................................... 21

2.3.1. Justificativas para o consumo de luxo ............................................................... 23

2.4. O desfilar da moda pela história ........................................................................... 25

2.4.1. O processo de individualização da moda .......................................................... 29

2.4.2. Moda, luxo e ostentação .................................................................................... 30

2.5. A interlocução entre moda e publicidade ............................................................. 34

2.5.1. Publicidade, fomentadora de tendências ........................................................... 39

3. A MODELAGEM - AS PEÇAS COMECEM A SER COSTURADAS ............ 44

3.1.Do New Look à lenda Christian Dior …………………………………………... 44

3.2 Os desfiles e as estrelas Dior ................................................................................ 45

4. O LOOK – CONCLUSÃO DE UMA ETAPA ................................................... 51

4.1 Metodologia da análise ......................................................................................... 51

4.2 Os jardins no imaginário Dior – a análise ............................................................ 52

4.2.1 Análise da imagem ............................................................................................ 54

4.2.2 Construção do imaginário nos anúncios ............................................................ 67

5. CONCLUSÃO ...................................................................................................... 70

6. REFERÊNCIAS ................................................................................................... 72

7. ANEXOS ............................................................................................................... 76

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1 INTRODUÇÃO

Durante o curso de Publicidade e Propaganda, em vários momentos o

questionamento a respeito das propriedades simbólicas e sociológicas do consumo e como a

Publicidade interfere neste cenário, me fez perceber o quão amplo e importante pode ser

nosso papel como publicitários na formação da sociedade atual.

E por que escolher estudar a publicidade de moda de uma marca de luxo? Nunca me

considerei uma pessoa que adquire produtos que ostentam o luxo, mas sempre observei este

universo com muito cuidado e curiosidade. Já que ele é capaz de despertar tanto desejo e

engajamento por parte de seus consumidores. Estamos falando de um verdadeiro

relacionamento entre marca e público, no qual o envolvimento vai muito além da compra e se

mantém como parte integrante do “ser” e não apenas do “ter”.

O consumo de luxo faz parte de um universo que carrega os mitos, a fantasia e a ilusão

de exclusividade para todas as partes de sua comunicação. O conceito das marcas desse tipo

perpetua uma imagem significativamente simbólica do consumo e a publicidade desses

produtos é só mais uma fatia dessa história de adoração ao luxo.

A questão norteadora aqui abordada foi identificada perante uma nova fase de

consumo, onde já não se consome apenas produtos e serviços, consome-se o que ainda não

tem concretização material, consome-se o próprio desejo. Qual o papel dos anúncios

publicitários diante da valorização, não mais apenas da aparência, mas da dimensão

imaginária e simbólica oferecida pelas marcas?

O consumo atual, encarado como “consumo emocional”, está fazendo com que os

responsáveis pela comunicação, design e publicidade das marcas busquem proporcionar

experiências afetivas, imaginárias e sensoriais através dos atributos que vão além daqueles

expostos diretamente nos produtos. Os anúncios publicitários se transformam em atratividade

sensível ou experiencial, bem longe de ser uma ferramenta fria de funcionalidade para gerar

vendas. (LIPOVETSKY, 2007).

Diante de uma variedade cada vez maior de produtos e marcas, há a necessidade de

encantar e atrair consumidores de uma forma que ultrapasse a dimensão racional e passamos a

ter campanhas publicitárias destinadas a gerar experiências simbólicas e afetivas. O mercado

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de luxo, por exemplo, alimenta em seus anúncios a teoria do hedonismo, do prazer imediato e

individual, característico da sociedade do hiperconsumo.

Quando falamos de consumo de marcas de luxo, estamos falando de uma busca ligada

à satisfação mais para si que com vista à admiração dos outros. Trata-se de um desejo de se

sentir à uma distância em relação a maioria, o desejo narcísico de se permitir o sentimento de

ser uma “pessoa de qualidade” (LIPOVETSKY, 2007).

A decisão de investigar os anúncios das campanhas Secret Garden Versailles da marca

Dior, se deu por conta de tais campanhas apresentarem peças que muito se assemelham com a

história da moda e do seu próprio fundador Christian Dior. Criando assim uma identidade em

suas campanhas, um conceito que será reconhecido por seus consumidores, colaborando para

a formação de significado e a construção do imaginário.

A escolha por tal tema também encontra sua justificativa ao se encarar o processo

publicitário como um encadeamento entre conforto psíquico, desabrochamento subjetivo e

abastecedor de expectativas e necessidades do consumidor atual. Os bens de luxo são

considerados signos de exclusividade e sua publicidade explora muito bem esse conceito,

transformando o ser do consumo em consumidor do “ser” e alimentando o sentido não literal

dos produtos.

Podemos dizer que estamos diante de uma nova fase de consumo. Já passamos pela

fase em que se comprava apenas por necessidade; pela do consumo de pátina dos séculos XVI

e XVII (ligada a um ciclo de vida mais longo e à durabilidade do objeto, conferindo tradição,

nobreza e status aos seus proprietários); pela do consumo individual em busca de status e

reconhecimento e a que estamos vivendo hoje: a fase do consumo emocional.

O movimento social da moda e seu papel na expressão individual do gosto, do reflexo

histórico, bem como a influência da indústria cultural e dos meios de comunicação, são

aspectos importantes a serem analisados em anúncios de luxo, onde é possível perceber que se

compõe um universo típico do consumo atual.

Por muito tempo tratou-se a publicidade apenas pelo seu ponto funcionalista, de servir

como instrumento interligando consumidor e marca, com a incoerência de tratar o ser humano

– o nosso eterno usuário – como um simples objeto inerte e previsível. Deixando-se de

compreender a experiência do consumidor desconsiderando as dimensões simbólicas e

místicas que nele estão enraizadas (BECCARI, 2012).

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Os objetivos de tal análise então em identificar aspectos da construção de significados

na sociedade de consumo emocional através das campanhas publicitárias da marca Dior e

apresentar a publicidade enquanto articulação simbólica. Entendemos como essencial a

construção de um estudo do imaginário de consumo emocional criado em campanhas

publicitárias de moda; interpretar sociologicamente a mediação do homem contemporâneo

com o mundo do consumo atual e compreender a felicidade paradoxal da sociedade derivada

de produtos e marcas através de suas campanhas publicitárias.

Para atingirmos tais objetivos resolvemos tomar como base de nossa análise,

primeiramente, um levantamento bibliográfico que qualifique a história do consumo do luxo,

como a sua evolução histórica ajudou na formação das sociedades e na estratificação social.

Bem como o próprio percorrer da moda ao longo dos anos e como a marca Dior se

transformou em ícone de moda e também de expressão cultural.

Optamos por separar os capítulos bem como as etapas de confecção de uma peça do

vestuário, entendemos que assim conseguiremos relacionar a presente pesquisa com seu

objeto de estudo da seguinte forma: O “Croqui”, que serão nossas referências para a

construção da análise, referencial teórico onde iremos abordar o processo histórico do

consumo de marcas de luxo, da moda e o papel da publicidade diante dessas duas esferas

poderosas de consumo; a “Modelagem”, onde as peças começam a ser “costuradas”, faremos

um levantamento do histórico da Dior e sua relação com o mundo das artes e dos jardins,

possibilitando assim uma prévia do que poderemos encontrar na análise das peças

publicitárias escolhidas; e por fim o “Look” que além de fazer uma analogia ao famoso “New

Look” Dior, faz parte da análise e conclusão da pesquisa, apresentando a “costura” final entre

todas as outras etapas e preparação para a apresentação dos resultados.

O método escolhido para a realização da análise foi a análise semiótica das imagens

das campanhas, através da construção de significados no estudo da descrição, mensagem

plástica e icônica. A partir deste estudo faremos uma interpretação sociológica de tais

anúncios por intermédio da teoria da construção do imaginário.

Por tanto, o presente trabalho irá analisar como a publicidade é capaz de gerar algo

que agrada e aguça os sentidos de determinados consumidores e transforma artigos supérfluos

em necessidades que se expandem a cada dia que passa, convertendo bens em signos de estilo

de vida.

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2. O CROQUI – AS REFERÊNCIAS

Assim, nesse importante assunto das ROUPAS,

devidamente compreendido, inclui-se tudo que o homem

pensou, sonhou, fez e foi: todo o Universo exterior e o que

ele contém nada é senão Vestimenta; e a essência de toda

Ciência reside na FILOSOFIA DAS ROUPAS.

Thomas Carlyle (1833)

2.1 O imaginário

Torna-se previsível dizer que estamos em épocas em que a “civilização da imagem”

prevalece, onde milhares de informações visuais invadem nossas mentes todos os dias, em

que as representações a respeito do processo cognitivo humano diante de tais imagens é algo a

ser pensando, estudado e se torna totalmente eminente, ainda mais quando colocamos a

Publicidade nesta conta.

Perante a essa nova “inflação de imagens” prontas para o consumo, que estão

transbordando e exigindo a supremacia da imprensa e da comunicação, há uma necessidade

do aprofundamento nos estudos por conta da enorme riqueza de sintaxes, retóricas e todos os

processos de raciocínio – sobre a imagem mental (DURAND, 2001). De tal forma, é

importante conceituar aqui o uso do termo “imaginário” que irá centrar tais questões e fará

parte das campanhas publicitárias analisadas.

O termo “imaginário” não é de fácil delimitação, pois trata-se de um adjetivo

substanciado e que pode ser utilizado para referir-se a diversas coisas – imagem, signo, ídolo,

fantasia, lembrança, devaneio, sonho, mito, romance, ficção, etc. No próprio dicionário da de

sinônimos da língua portuguesa temos uma definição que não vê o termo com bons olhos1.

Durand explica que a confusão existente na utilização dos termos relativos ao imaginário

decorre de uma “extrema desvalorização que sofreu a imaginação, a phantasia2, no

pensamento do Ocidente e da Antiguidade clássica” (DURAND, 1988, p. 7).

1 Imaginário, adj. adj. é o que depende principalmente da nossa imaginação, que transforma a

capricho o que apreendeu pelos sentidos (POMBO, 2011). 2 Provém do vocábulo grego, é faculdade humana que permite reproduzir, através de imagens mentais,.

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Escolhemos uma das definições de Durand, que coloca o imaginário como sendo uma

espécie de “museu de todas as imagens passadas, possíveis, produzidas e a serem produzidas”

(BECCARI apud DURAND, 2012, pág. 173). Podemos dizer que este “baú de imagens”, o

imaginário, tem a capacidade de transferir frações do irreal, portanto, criadas a partir da nossa

imaginação, para imagens concretas e cheias de significado, as transformando em símbolos e

articulações das memórias e representações individuais que carregamos ao longo de nossa

existência.

No mesmo caminho de Durand, temos uma frase de Etienne Samain que nos ajuda a

entender melhor o processo que ocorre quando o imaginário atua diante de imagens, como

sendo o ponto de ligação entre memórias antigas e pensamentos recém-concebidos. “[...] toda

imagem é uma memória de memórias, um grande jardim de arquivos declaradamente vivos”

(SAMAIN, 2012, pag.23).

Também de acordo com Durand (1989), o imaginário pode ser entendido como sendo

a relação entre as informações objetivas (externas) e a subjetividade humana (interna). Ou

seja, definimos como as informações objetivas as limitações e concepções impostas pela

sociedade de consumo, por exemplo, e as subjetivas como sendo nossos afetos, sonhos,

sentimentos e memórias passadas.

Podemos dizer que nossas personalidades, pré-conceitos, as concepções a respeito do

universo, as crenças religiosas, expressões criativas, visões da vida social e estereótipos estão

armazenadas neste “museu” e servem de referência para qualquer próxima experiência de

decisão de compra e qual produto escolher. Os ícones apresentados pelas campanhas

publicitárias servem de combustível para que as imagens em nossas mentes se transformem

em estímulos para a formação de significado.

Nesses estímulos, o sujeito descobre símbolos, apreendendo-os como

instrumentos do seu jogo de papéis, sendo assim induzido, no sonho, nos

mitos ou na arte, a de-formá-lo, a criar um mundo de formas novas: só é

possível descobrir transformando, fazendo com que um objeto passe de sua

forma habitual para outra, aparentada (MALRIEU, 1996, pág.225).

Ao longo de sua existência, o ser humano tende a criar significados para suas

experiências que vão além da compreensão racional, lógica e objetiva. A limitação do

raciocínio objetivo não permite a formulação de sentido (BECCARI, 2012), fazendo com que

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seja através da imaginação, ou de nosso “museu de imagens” – o imaginário - que

encontramos a definição de sentido de todas as formas e imagens que nos são apresentadas.

Assim podemos acreditar que comunicadores, designers e publicitários criam sentido

utilizando os recursos da sua imaginação, criando produtos, conceitos, representações

humanas, universos de consumo, transformando tudo isso em filosofias e teorias próprias a

serem interpretadas por cada consumidor. Sabemos que a publicidade ainda serve ao seu

caráter funcionalista, de encarar o consumidor como um usuário dos seus serviços, porém

deve-se pensar na experiência simbólica que cada um vivencia diante dos anúncios e o que

isso pode acarretar como efeito em seu papel sociocultural (BECCARI, 2012).

Na área da comunicação costuma-se apresentar o símbolo como um elemento de

linguagem, isto é, como um conhecimento abstrato veiculado por uma palavra, figura ou outra

coisa qualquer (BECCARI, 2012). Ou seja, os significados abstratos e objetivos, veiculados

por signos, formariam aquilo que, nós entendemos por símbolos.

Mas existe outro tipo de símbolo, que passa a ser uma experiência, a articulação

simbólica entre as imagens. E é basicamente em torno desta experiência simbólica e do estudo

do imaginário que se concentra o principal eixo teórico deste trabalho e através da qual se

desenvolve nossa hipótese que coloca as campanhas publicitárias impressas da Dior enquanto

Articulação Simbólica.

2.1.1 O Imaginário e a Comunicação

Por meio das várias definições que existem a respeito do imaginário, e as aqui

apresentadas, podemos perceber seu caráter negativo diante das pesquisas e seus teóricos.

Seja por coloca-lo como “despertencente” ao real, “seja por não estabelecer distinções entre

os diversos tipos de imagem e empregar a palavra num sentido tão amplo que acaba não

designando nada” (BALWIN, 2010, p.126).

Apesar de sua conotação desfavorável, a vontade de desmitificar este conceito está

contagiando vários pesquisadores ligados à diferentes áreas do conhecimento, porém ainda

falta um engajamento maior por parte dos comunicadores. Em pesquisa realizada pelo autor

Baldwin (2010) os números obtidos até a data em que a pesquisa foi realizada indicam que há

mais de 253 grupos de pesquisa cadastrados no CNPq que apresentam a palavra “imaginário”

no seu nome, sendo que destes apenas 18 pertencem à área da Comunicação. Talvez pelo fato

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da imagem não conseguir ser definida através de um único conceito, o valor do estudo do

imaginário ainda seja desconsiderado.

“No campo da Comunicação, o imaginário começa a se tornar noção-chave para um

entendimento que conecte as dimensões política, social, histórica e cultural dos fenômenos”

(BALWIN, 2010, p. 127). Através das representações da comunicação, é possível identificar

um campo amplo para aqueles que desejam se aventurar pelos caminhos do estudo do

imaginário. Somos uma sociedade profundamente visual, que acredita na visão como o

sentido mais confiável.

Os comunicadores também confiam neste posicionamento e engrandecem a vista

como sendo o divisor entre a verdade e a ilusão. “Nos tempos de hoje, os olhos é que

fornecem o critério mais evidente de verdade. Esta evidência está expressa nos nossos

cotidianos” (GOUVÊA, 2004).

Com as cenas publicitárias, os anúncios e suas fotografias que falam por si sem a

necessidade de nenhuma palavra a mais, os logotipos das companhias, e por onde mais

formos observar, a imagem está explicitando seu poder de comunicação e transformação do

entendimento de cada indivíduo.

Parece que depois de termos tantas imagens nos servindo como critério de verdade,

necessitamos sempre de uma prova visual de que as coisas realmente aconteceram ou que

existem em nosso mundo. Porém é preciso ressaltar que nem sempre foi assim.

Durante um período da história a herança da suspeita da imagem, transmitida na Bíblia

e em outras religiões, em que era enfatizado que a única verdade eram as páginas escritas ou

as palavras ditas por membros da igreja. “A imaginação é suspeita de ser a ‘amante do erro e

da falsidade’. A imagem pode se desenovelar dentro de uma descrição infinita e uma

contemplação inesgotável” (DURAND, 2001, p.10).

Portanto, o que percebemos nos dias de hoje é o contrário dessa percepção de imagem.

Podemos dizer que existe uma espécie de culto idolatrando as mensagens visuais e seu

contexto ilusório de verdade absoluta. É deste falso realismo que Gouvêa (2004): utilizamos

as imagens para justificar aquilo que pretendemos convencer ou persuadir, para que não haja

dúvidas do discurso a ser defendido.

Ao lado disso, consideremos também a tendência crescente nos jornais

impresso (estimulados talvez pela competição com os televisos e digitais) de

enfatizar o design gráfico, ou seja, de tentar parecer mais visuais que textuais.

Em todos esses casos, a mesma estratégia persuasiva de utilizar um suposto

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realismo da visão e da imagem como argumento para fazer crer e aceitar

(GOUVÊA, 2004, p.105).

Sabemos, entretanto, que as imagens, ao contrário do que por muitas vezes se defende,

não podem expressar uma verdade absoluta, pois sua margem para a imaginação e

possibilidades de interpretação é muito grande. A ideia de multiplicidade de contemplação da

imagem pode servir de base quando pensamos em uma determinada pessoa em cada novo

momento de observação para uma mesma imagem, podendo ter diferentes interpretações, ou

então, quando colocamos esta mesma imagem diante de diferentes pessoas e essas possuem as

mesmas perspectivas.

A imaginação põe a descoberto um real oculto e desconhecido, escondido sob

o real conhecido, natural. Ela faz com que vejamos, escutemos e pensemos

que existem, a um nível mais profundo, outras realidades que não estamos

habituados (MALRIEU, 1996, p. 81).

O envolvimento que temos diante de uma imagem, mais do que nos fazer pensar, dar

forma a pensamentos e ideologias nos coloca em relação com seus componentes, através de

nosso poder de imaginação que fomenta um desejo de construir uma “imaginação

verdadeira”, ou uma “verdade criada” que servirá de base para nosso entendimento futuro.

O desejo pelo consumo de luxo, muito tem a ver com essa construção do imaginário

por de trás das marcas. A história do consumo para a humanidade, muito tem a haver com a

articulação entre a realidade e o intangível. Nas linhas a seguir faremos uma busca na

biografia para conseguimos entender a história do consumo de luxo e como ele se apresenta

como processo de identidade e individualização.

2.2 As diferentes fases do consumo

Somos capazes de deduzir que estamos inseridos em uma espécie de grupo de

superconsumidores, que interfere na sociedade moderna transformando as necessidades e

criando tantas outras diante de uma rotina de consumo que constitui uma boa parte do tempo

de nossas vidas. O que nos leva a questionar: como ocorre esta metamorfose que fez com que

o consumo se configurasse como uma atividade essencial de nossa rotina, e os bens

adquiridos vistos muito mais do que meros artigos necessários para a sobrevivência humana?

McCracken (2003) afirma que a esfera da sociedade de consumo já se viu diante de

muitas fases, por exemplo, desde seu início, adquirir bens materiais ajudou na formação dos

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hábitos e comportamento da população. O ser humano utiliza o significado criado pelos bens

de consumo para comunicar princípios culturais, cultivar ideais, sustentar estilos de vida,

permitir a noção de si e alimentar - e a sobreviver - as mudanças sociais (MCCRACKEN,

2003, p. 11).

Ainda, segundo o autor, ao longo dos anos a publicidade inseriu-se como articuladora

das emoções e necessidades dos consumidores, colaborando para que o consumo se

instaurasse ainda mais como meio de pertença ao universo moderno e autor de nosso universo

cultural.

Atualmente podemos estar diante da transação do consumo ostentatório para o

consumo experiencial, fase que para o autor francês Gilles Lipovetsky pode ser definida pelo

termo: hiperconsumidor. Nestes tempos, as marcas acabam falando por si e tem um valor de

significação muito maior do que possamos imaginar.

Não se trata apenas de uma companhia ou de uma distribuidora dos produtos, estamos

falando de conceitos e imagens que junto com o produto adquirido, ou desejado, carregam

intensões de uma sociedade de consumo e sua pretensão de se completar através dos mesmos.

2.2.1 O consumo como ato de necessidade

A relação homem e consumo faz parte da história da humanidade, presumidamente

configura uma necessidade humana: a de garantir sua sobrevivência, melhorar seu bem-estar.

A comida, a água, a roupa e moradia são capazes de satisfazer nossas necessidades básicas,

nossa manutenção de vida; a luz elétrica, a água encanada, os automóveis, os móveis de casa,

fazem parte de nossas necessidades relativas, ou seja, conseguimos sobreviver sem suas

existências, porém integram e são capazes de prolongar nossa durabilidade através da

qualidade de vida que proporcionam (D’ANGELO, 2006).

O consumo por satisfação de nossas necessidades essenciais, o qual chamaremos de

consumo primário, está diretamente ligado à nossa subsistência, ou seja, ele carrega a

responsabilidade de obtenção de alimento, abrigo, proteção contra predadores e demais

eventos na natureza que possam nos causar algum tipo de danos.

Na era primitiva, apesar de ainda não utilizar a troca de valores por produtos, tinha

consciência que para se manter vivo precisava plantar, colher e caçar. Com o passar dos

tempos, tais necessidades serviram de causa para que a palavra consumo se estabelecesse na

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rotina das populações. Com a criação de uma moeda universal na forma de papel que passou a

comprar os bens necessários à subsistência, sem mais ser necessário um esforço físico e

mental para obtenção (SILVA, 2014).

Em nossa rotina atual, praticamos o consumo primário toda vez que vamos ao

supermercado e colocamos na nossa lista de compras, e posteriormente no carrinho do

estabelecimento, primeiramente aqueles produtos de necessidade básica para nossa

alimentação, higiene pessoal e a manutenção de nosso abrigo.

Em segundo plano temos o consumo ligado ao nosso imaginário, o qual veremos mais

adiante, que está relacionado com o consumo de luxo, a obtenção de status e que, ao contrário

do primário, não se destina a suprir necessidades reais e físicas, e sim, carências que

imaginamos e criamos, com o propósito de alimentar sentimentos e desejos insaciáveis.

A diferença que encontramos entre as necessidades primárias e os desejos secundários,

é que ao invés de despertar estados de carência, os desejos despertam a vontade de obter

prazeres cada vez mais poderosos e difíceis de satisfazer (D’ANGELO, 2006).

Nesse contexto de sobrevivência satisfeita, a busca cerebral se volta para a

satisfação de desejos socialmente valorizados dentro de um sistema

econômico que visa o ter individual, e não o ser humano como coletivo e

comprometido com a espécie como um todo (SILVA, 2014, p. 43).

Desta forma somos induzidos à compra de nossa própria felicidade, beleza, poder e

prazer. Atualmente estamos destinados a crer que nossas necessidades secundárias, nossos

desejos como consumidores, fazem parte de nossas necessidades básicas de sobrevivência e

ao que parece sempre estaremos em busca do pertencimento que acreditamos encontrar nos

bens de consumo.

2.2.2 O “possuir” ganha um novo status

Quando consumir se estabeleceu mais do que um ato de sobrevivência, ele passou a

moldar a sociedade e construir um universo paralelo em torno do ato de comprar, através de

status e reconhecimento por conta da sociedade. Na época do consumo de pátina3, os bens

3 A mobília e outros objetos de manufatura humana sofrem uma gradual deterioração. Conforme entram em

contato com outros objetos do mundo, sua superfície original adquire outra superfície denominada “pátina”.

(McCRACKEN, 2003)

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eram passados de geração a geração, quanto mais móveis e artefatos antigos a família

possuísse, mais ela era considerada nobre e respeitável.

A pátina, tomada como uma propriedade ao mesmo tempo física e simbólica dos

bens de consumo, foi um dos meios mais importantes de que dispunham os

indivíduos de alta classe para se distinguirem dos de baixa classe (MCCRACKEN,

2003, p.53)

O esnobismo também cresce à medida que colocamos nosso patrimônio como capaz

de gerar justificativas e soluções para o desprezo e indiferença da sociedade perante a nossa

própria aptidão em sermos reconhecidos. O desejo frustrado e amedrontado de dignidade

alimenta-se no que agora é considerado a única fonte de se obter amor e reconhecimento, os

bens materiais.

Podemos também utilizar como exemplo, a história do mobiliário vitoriano que foi

dominada pela venda de itens que, evidentemente, possuíam um gosto duvidoso, porém eram

altamente valorizados pelo corpo social da época.

Podemos culpar a sociedade em que eles viviam por criar uma situação em que se

considerava a compra de armários ornamentados psicologicamente necessária e

recompensadora, onde o respeito dependia de ostentações barrocas. (BOTTON,

2005, p. 31).

E assim, ao longo dos anos foi se estabelecendo novas leituras para o consumo, assim

como os valores estabelecidos para a sociedade da comercialização. Podemos perceber o

consumo do ponto de vista emocional e não mais como uma perspectiva material, de acordo

com nossa sociedade ele que irá determinar o lugar que devemos ocupar no mundo e a

quantidade de afeto que merecemos receber e assim, por consequência, se podemos nos

orgulhar de nós mesmos e se nossa existência está valendo nossos esforços.

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Figura 1: Armário de carvalho, Jackson & Graham, Londres, 1852.

Fonte: https://babylonbaroque.wordpress.com/2010/06/04/a-passion-for-renaissance-revival/.,

acessado em 19/06/2015.

O consumo de massa se consolidou como a fase que abriu caminhos pra o momento

que vivemos atualmente: a era do hiperconsumo. Para entendermos como começa o consumo

de massa, devemos nos voltar para os anos de 1880, período em que os pequenos mercados se

viram diante da explosão das grandes infraestruturas modernas, tanto de transporte como de

comunicação, tais como: estradas de ferro, telégrafo, telefone, as redes ferroviárias — que

permitiram a expansão do comércio em alta escala, o fluxo de produtos para outros locais, etc.

Tais inovações proporcionaram o aumento da produtividade com custos mais baixos,

abrindo caminho para a produção e consumo de massa (LIPOVETSKY,2007).

É nessa época também que as empresas começam a dedicar boa parte de seus

orçamentos a publicidade, nasce o marketing de massa. “Até os anos 1880, os produtos eram

anônimos, vendidos à granel, e as marcas nacionais, muito pouco numerosas”

(LIPOVESTSKY 2007, p. 29). Com o aumento desse fluxo de mercado e com a alta

variedade de produtos surgindo, manifesta-se portanto, a necessidade de identificação e

diferenciação das marcas.

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2.2.3 O consumo de massa

Por volta de 1950 vimos aparecer um novo ciclo histórico para o consumo, construído

em três décadas do pós-guerra. Estamos falando da “sociedade da abundância”, estabelecida

durante o período em que os salários multiplicaram-se e a democratização do sonho

consumista apresentou-se como modelo para a “sociedade do consumo de massa”.

Lipovestsky (2007) aponta que o sistema fordista4 fez surgir outro paradigma para a

sociedade de consumo: com os produtos padronizados, variedades e relativos de qualidade

duvidosa passaram a ser objetos de desejo. O tempo de inovação e renovação dos produtos e

serviços também é levado em conta (LIPOVETSKY, 2007). A economia da variedade e

exclusividade ganhou força, fazendo surgir um mercado não mais comandado pela oferta, e

sim um mercado dominado pela procura.

Foi nesta fase que “o marketing de massa foi substituído por estratégias de

segmentação, ampliando sem parar a gama das escolhas e opções, promovendo séries mais

curtas, visando mais especificamente a subconjuntos do mercado” (LIPOVETSKY 2007,

p.79).

O consumo já não poderia mais ser visto apenas como parte integrante de um sistema

capitalista, mas criava o seu típico universo que começava os primeiros passos com suas

próprias pernas. “Mais que uma mensagem de um sistema, tornou-se o sistema em si, de

modo que as significações assumidas pelos objetos não se manifestam isoladamente, e sim na

relação de uns com os outros” (D’ANGELO 2006, p.12).

2.3 O Consumo de Luxo

A definição do que de fato denomina a palavra “luxo” é algo bastante conturbador

para os estudiosos da temática, já que transcende o universo econômico e é capaz de constituir

significados intangíveis à razão. Etimologicamente, "luxo" e "luz" têm a mesma origem, vêm

do latim "lux", que significa "luz". A referência à luz provavelmente associa-se com conceitos

como brilho, esplendor, distinção perceptível ou resplandecente (JOÃO E BRAGA, 2004).

4 Fase que iniciou com a indústria automobilística, implantada por Henry Ford, representou crescimento

econômico, pela elevação do nível de produtividade e do trabalho.

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A caracterização de um artigo de luxo pode também se dar tanto por sua qualidade

superior dos materiais que são utilizados na hora de sua confecção ou fabricação, quanto pela

dificuldade em ser encontrados no mercado. Talvez a melhor maneira de compreendermos os

artefatos de luxo, seja colocá-los como refinamento das necessidades humanas, o hedonismo,

a superficialidade do consumo.

O consumo de luxo vai muito além do histórico da cobiça, está diretamente ligado

como registro dos traumas emocionais de cada um. Talvez a importância dos artigos de luxo

esteja em acrescentar uma importância para a personalidade por aqueles que se sentem

pressionados ou desdenhados. (BOTTON, 2005, pág.30) e que estão tentando provar que

merecem o amor e reconhecimento da sociedade.

Para entendermos melhor a classificação dos bens de luxo, precisamos voltarmos em

cada época, pois “a evolução material torna o luxo de uma época a necessidade de outra”

(D’ANGELO, 2006, p. 39). Já vivemos a época em que o açúcar (sec. XVI) era considerado

um bem de luxo, assim como o sal que na antiguidade, servia como forma de pagamento aos

soldados durante o Império Romano.

O mesmo serve para as vestimentas e qualquer outro produto que com o passar dos

anos e com o desenvolvimento do capitalismo foram se tornando mais baratos e acessíveis à

maioria, diminuindo seu caráter luxuoso, perdendo seu status de diferenciação.

O desenrolar da história do consumo também revela o caráter moral e o poder de

julgamento da sociedade diante do luxo e sua capacidade de atender à desejos. “Durante

significativo período da História, alguns observadores da vida social consideravam ilegítimo

atender desejos e vontades individuais- e, menos ilegítimo ainda, fazê-lo sob a forma de bens

de luxo” (D’ANGELO, 2006, p. 40).

O luxo através dos tempos nos ajuda a compreender como seu caráter de consumo e

moral modificou ao longo dos anos e como sua definição se propagou, converteu e se

confundiu com a própria história da humanidade.

O luxo pré-histórico nada tinha a ver com a posse de objetos, e sim a troca, através dos

rituais religiosos e de aproximação que as comunidades utilizavam para a consolidação da

ordem social. Neste tempo, os itens de luxo estavam diretamente relacionados aos deuses e

qualquer que fosse o item mais valioso, este seria destinado ao divino. O caráter de luxo

pertencia ao coletivo, aos seres superiores e não à individualidade (D’ANGELO, 2006).

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O auge do gosto pelo luxo aconteceu durante do Renascimento (1330-1530), quando a

joalheria, a arquitetura e o mobiliário na França se consolidaram como as expressões de posse

de luxo mais poderosas. Já o século XVII trouxe consigo a legitimação do homem como

consumidor e aos poucos o caráter de luxo como algo imoral foi cedendo lugar para um olhar

mais econômico e mercadológico. Segundo D’Angelo (2006), com a democratização da

expansão material, durante o século XVIII a economia e o mercado crescente permitiram que

a classe média e a burguesia também tivessem acesso aos bens de luxo.

Ainda segundo o autor, é no século XIX que data o início das grandes grifes de luxo

que ainda hoje fazem parte do cenário mundial do segmento de moda de luxo. Luis Vuitton

(1854), Guerlain (1828), Cartier (1847), tais marcas refletiam a exigência de uma nova

sociedade que clamava por produtos sofisticados. A França e a Inglaterra eram os líderes na

moda, mas os franceses com seus designs cada vez mais renovados ocupavam o topo também

na joalheria, perfumaria, cristais e prataria.

Para D’Angelo foi com o fim da Segunda Guerra que a modernidade e a crise

econômica enfraqueceram o consumo e modificaram o conceito de luxo. Para muitos não

fazia mais sentido o conceito de alta costura, de gastar um fortuna com uma única peça que

seria usada apenas uma vez.

Crescia a prêt-à-porter e, com ele, o espírito business do Luxo. Yves Saint

Laurent foi o primeiro a investir no ready-to-wear, ao criar uma loja

específica para essa finalidade, em 1966. Foi seguido por Pierre Cardin e

Christian Dior (D’ANGELO, 2006, pág.59).

O luxo atual é regido por quatro vertentes de sentido de compra. Primeiro: a beleza e a

qualidade dos produtos; segundo, a sensualidade e atmosfera criativa sugestionado neles;

terceiro, a magia e simbolismo da marca, e quarto, a exclusividade (D’ANGELO, 2006)

2.3.2 Justificativas para o consumo de luxo

Como podemos perceber nas linhas que se antecederam, o consumo de luxo por si só,

já é carregado de significados que transpõe o cunho econômico, e são muitas as causas e

justificativas para que as pessoas vejam nesse segmento um degrau para o alcance da própria

satisfação. Lipovetsky (2007) liga o conceito de luxo com o de inveja, em que é preciso se

diferenciar dos demais, mostrar-se superior e causar notoriedade de status.

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“O consumo dispendioso não é mais que uma ‘corrida à estima, a comparação

provocante’. Prevalecer sobre os outros, atrair a estima e a inveja dos semelhantes”.

(LIPOVETSKY, 2007, p. 326). Eis o verdadeiro sentido de adquirir produtos pomposos e

carregados de significado hedonista5: fazer se sobressair o “eu sou uma pessoa melhor” diante

dos que os cercam.

Lipovetsky dedicou mais atenção ao assunto em sua obra “O Luxo Eterno” (2005), em

que trás o conceito de luxo como algo intensificador da “individualização, emocionalização,

democratização, estes que são os processos que reordenam a cultura contemporânea do luxo”

(LIPOVETSKY, 2005, p. 51).

A efemeridade dos produtos, a procura por bens não duráveis faz nascer também uma

necessidade de buscar sentimentos imediatos e satisfação instantânea, algo que os produtos de

luxo podem oferecer a quem os compra. O sociólogo francês também nos faz pensar que

apesar do hiperconsumo nos vender uma ideia de liberdade de expressão, estamos mesmo

tendo a capacidade de escolher ou, na realidade, somos induzidos por um fluxo majoritário de

consumo introduzido na sociedade contemporânea?

Nesse universo rico em símbolos e abstrações, no qual se transpõe com

facilidade a linha que separa o objetivo do subjetivo, o funcional do

emocional, há uma categoria de bens que coloca na potência máxima todas

essas características (D’ANGELO, 2006, p. 12).

Estes são os bens de luxo, produtos que carregam em si o poder de sedução e

ostentação e funcionam como verdadeiras partes da personalidade humana e se sua

capacidade de substituir produtos por experiências emocionais.

Os processos que comunicação, principalmente o meio publicitário, precisam saber

levar o consumidor por caminhos que respeitem essas nova necessidade da vida pós-moderna,

do consumo emocional. É o que nos dizem Villaça e Castilho:

Alargando seu domínio de influência, a comunicação publicitária e o

marketing se preocupam em, numa época de consumismo, não reduzir os

objetos a simples produtos e valorizar o aprendizado, realçando a autoridade

dos objetos e o saber fazer que os gera (VILLAÇA, CASTILHO, 2008, p.12).

A dimensão simbólica do consumo de bens de luxo é carregada de significação de

cunho social, pois traz fatores culturais que perante a coletividade transmitem o caráter

5 A palavra hedonismo vem do grego hedonikos, que significa "prazeroso", já que hedon significa prazer.

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pessoal de cada um. Essa imagem de si perante os demais, bem como a história individual,

desempenham um papel determinante na hora de escolher qual marca de luxo escolher.

O conceito de exclusividade e reconhecimento também está presente na obra “O Novo

Luxo” (2008) para determinar seu processo de escolha. “O consumo de luxo sugere uma

virtuosidade semiótica do objeto que será apreciado e reconhecido apenas pelos especialistas

das diferentes elites.” (VILLAÇA, CASTILHO, 2008).

Conforme Barth (apud KAPFERER 1996 - p. 46), estabelece as seguintes funções

básicas para as marcas de luxo:

• simplificação e identidade;

• garantia;

• imaginação e de simbolismo.

Podemos de mesmo modo, inferir que a mensagem publicitária de luxo também deve

estar de acordo com estas três premissas: a simplicidade dos elementos que um anúncio

apresenta irá facilitar na absorção de seu contexto, a garantia através da identidade da marca

associada a sua qualidade e o simbolismo que pode aparecer de diversas formas, até mesmo

de forma quase imperceptível, porém com caráter subversivo.

2.4 O desfilar da moda pela história

A moda ao longo da história humana pode ser percebida muito mais do que uma

espera do mundo fashion ou do consumo, pois ela também parece ter sido capaz de configurar

o comportamento e o processo de significação para o cotidiano social. Para relatarmos aqui

este percorrer da moda na sociedade, optamos por destacar os períodos e momentos em que

ela, juntamente com o consumo de luxo, se configura como formadora do processo de

identidade humana e da sociedade de consumo.

Diante da influência do termo “moda” em nossa sociedade e suas implicações de

significação, limitar nosso olhar apenas à espera das roupas seria desconsiderar que esse

fenômeno pode também fazer parte de todas as outras esperas de consumo, assim como sua

razão invade a arte, a política e a ciência, sendo algo que mora no centro do mundo moderno.

Para qualificarmos o significado de moda nos voltamos para sua origem que designa

do latim modus, significando “modo”, “maneira”. Em inglês, moda é fashion, uma corruptela

da palavra francesa façon, que também quer dizer “moda” “maneira”. Isso nos faz entender

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melhor o que Palomino (2003) refere-se ao dizer que “a moda é um sistema que acompanha o

vestuário e o tempo que integra o simples uso das roupas do dia-a-dia a um contexto maior,

político, social e sociológico” (PALOMINO, 2003, p. 14).

Desde seu início a moda ajudou a transformar a sociedade em que estava inserida, o

ato de escolha já continha em si um contexto de gosto e expressão das experiências

individuais e culturais daqueles que se dispunham a adquirir determinada vestimenta. “A

moda afeta a atitude das pessoas em relação a si mesmas e aos outros” (SVENDSEN, 2010,

p.10) e talvez até a sua percepção de mundo do que realmente pode “servir” e ser “útil” à

aquilo que nem sequer merece atenção.

Porém, desde seu princípio também havia a existência de críticos que desqualificaram

a expressão “da moda”, colocando-a como algo sem substância e supérfluo (SVEDSEN,

2010). Assim como o luxo, a moda continha um caráter desmoralizante e cheio de desprezo,

pelo fato do gosto ser o seu conceito central e por aflorar a efemeridade dos momentos, já que

a novidade seria a sustentabilidade de seu conceito.

A mutualidade da moda se impôs como um fato evidente à consciência dos

cronistas; a instabilidade e a estranheza das aparências tornaram-se objetos de

questionamento, de espanto, de fascínio, ao mesmo tempo que alvos

repetidos da condenação moral (LIPOVESTKY, 1989, p.31).

Nas últimas décadas percebemos que essa teoria está se esvaindo e a capacidade de

entender a moda como sendo um esforço para alcançar o “novo” e estabelecer uma relação

reflexiva a seu respeito tem ganhado força entre os entendedores do assunto. A moda como

conhecemos hoje nem sempre fez parte da história humana, seu caráter de novo e de

transformação só foi ser percebido com o passar dos tempos.

Não que os primitivos não tivessem noção do estético ou do gosto por aquilo que

usavam, porém mesmo com seus múltiplos ornamentos, estes eram fixados pela tradição,

submetidos a ordens inalteradas pelos antepassados e cultivados em nome da coletividade,

que era passado de geração para geração. O que impedia que o aparecimento da moda como

articuladora para as novidades, autonomia estética e fantasias particulares se instaurasse.

Durante um período da história, o cenário que era percebido era o de uma sociedade

que acreditava não ser ela a autora de sua própria história, colocando o mítico como fonte

principal da verdade e que não assentia às novidades. Assim como no Egito antigo, o mesmo

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tipo de toga-túnica comum aos dois sexos manteve por quase quinze séculos, o peplo na

Grécia antiga, impôs-se das origens até metade do século VI (LIPOVETSKY, 1989).

Figura 2: Peplo, traje feminino de cima utilizado na Grécia Antiga.

Fonte: http://neumannnicolle.blogspot.com.br/2012/07/historia-da-moda-grecia.html, acessado em

19/04/2015.

Por não qualificar o “novo” como algo positivo, a aceitação de novidades demorou

certo tempo para ser percebido. Porém a resistência foi dando lugar a revolução, as pessoas

queriam quebrar toda essa tradição, queriam a renovação da vida em sociedade e a sua própria

revolução. Para isso, viam em suas roupas do passado uma justificativa e pretexto para a

inovação.

A moda do vestuário teve sua origem no fim do período medieval, possivelmente no

início do Renascimento, uma conexão com a expansão do capitalismo mercantil (SVEDSEN,

2010). A independência do termo, a moda como sistema próprio, surgiu quando, diante da

aproximação da população da área urbana e o enriquecimento do comércio, a necessidade de

imitar de instaurou.

Os burgueses queriam se vestir conforme os nobres como maneira de se sentirem

pertencentes a sociedade. “Ao tentarem variar suas roupas para diferenciar-se dos burgueses,

os nobres fizeram funcionar a engrenagem” (PALOMINO, 2003, p. 15).

Com a produção em massa instaurada a partir do século XIX, a ideia de consumo de

símbolos, e não mais apenas o de produtos, se espalha pela sociedade. A partir deste cenário é

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produzida uma identificação da pessoa com aquilo que o item de consumo representa (posição

social, nível intelectual), ou seja, a moda se mostrou como sendo um caráter estratificador de

classes.

“O desejo por itens de consumo simbolicamente poderosos torna-se então um

mecanismo autoestimulador que é ao mesmo tempo causa e consequência de desigualdade

social” (SVEDSEN, 2010, p. 42). Diante disso foi impossível encarar o processo de moda

como algo totalmente fútil e direcionado apenas às classes mais abastadas. Para entender o

contexto em que uma sociedade vive foi preciso analisar o seu sistema de moda e como isso é

encarado por seus adeptos.

Lipovetsky (1989) apresenta um resgate histórico do termo, mas evidencia o poder da

moda de sendo um articulador essencialmente sócio histórico. “Contra a ideia de que a moda

é um fenômeno consubstancial à vida humanos-social, afirmando-a como um processo

excepcional, inseparável do nascimento e do desenvolvimento do mundo moderno ocidental”

(LIPOVETSKY, 1989, p. 23).

No sentindo de entender a moda como algo de caráter efêmero, o autor afirma que o

sistema de moda depende altamente do gosto pelas novidades, da busca incessante, pois a

inovação é a grande pretendida da vez e o desuso se acelera conforme vão surgindo outras

possibilidades de escolha (LIPOVETSKY, 1989).

A sociedade centrada na expansão das necessidades é, antes de tudo, aquela

que reordena a produção e o consumo de massa sob a lei da obsolescência, da

sedução e da diversificação, aquela que faz passar o econômico para a órbita

da forma moda (LIPOVETSKY, 1989, p. 159).

Na visão do sociólogo francês, o efêmero invade nossos dias, a moda consumada torna

a substituição de bens em uma constante mutação de história e contribui para que o homem se

desprenda de seus objetos mais facilmente, tornando a troca e o consumo ainda mais

indispensáveis e frequentes.

2.4.1. O processo de individualização da moda

O século XIV foi marcado por numa período de crises, pestes e fim do Império

Romano. Os processos de despovoamento e invasões bárbaras começavam a designar uma

época de rupturas com os sistemas tradicionalistas e a vontade de permitir as novidades.

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Nessa época as roupas são confeccionadas em casa, porém começam a surgir as lojas

especializadas em vestuário comandadas por alfaiates, tecelões e artesãos, principalmente

destinadas a vestirem a nobreza na época. Apesar de ser encarada como uma era de

considerações preconceituosas, a Idade Média possuiu uma diversidade que não se limitava ao

predomínio religioso e houve a busca pelo conhecimento mais aprofundada.

A entrada do Ocidente na era moderna trouxe consigo a ciência e a filosofia modernas

e configuração das artes como sistema autônomo "É durante o período medieval que se

estabelece a complexa fusão de valores culturais romanos e germânicos" (SILVA E

VALENCIA, 2012, p. 104).

O fenômeno da moda serve de motivação para o pensamento de liberdade e

individualidade, acrescentado aos valores estabelecidos pela época é incorporando a vontade

de inovação e liberação dos desejos.

[..] a moda aparece antes de tudo como o agente por excelência da espiral

individualista e da consolidação das sociedades liberais. E é na roupa, em

especial, que os homens assumem e dão visibilidade à sua individualidade e

sociabilidade perante o grupo em que se inserem (LIPOVETSKY, 1989,

p.13).

Foi nesse momento que se vestir ganhou um novo sentido, seguiu a lógica de que a

preocupação com o estilo de se vestir não era algo aleatório e raro, passou a ser cultivado por

si só como parte da personalidade. "Os trajes começaram também a se parecerem com os

modernos por serem adaptados aos indivíduos, e o corte passou a ser modificado de quando

em quando sem nenhuma razão aparente exceto pela própria mudança" (SVEDSEN, 2010, p.

24).

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30

Figura 3: vestuário utilizado durante a Idade Média.

.

Fonte: http://www.cpt.com.br/cursos-confeccaoderoupas/artigos/a-historia-do-vestuario-os-costumes-

de-cada-epoca, acessado em 19/05/2015.

Na Idade Média, a habilidade dos artesãos fez com que as roupas passassem a ser mais

refinadas. Com a aplicação de pedrarias e jóias, as vestimentas luxuosas passaram a ser vistas

como verdadeiros adornos na nobreza. Começou assim a percepção da moda como

sustentação de status, maneira de se sobressair perante os demais e estabelecer sua maneira de

pensar.

2.4.2 Moda, luxo e ostentação

A moda ostentatória e de luxo teve seu princípio com o reinado de Luís XIV, quando

sobe ao trono da França. Extremamente vaidoso e que adora esbanjar riqueza, ele foi

considerado o criador do luxo, da ostentação, do status, e da sofisticação. Na época de Luiz

XIV que foi instaurado os caros perfumes, os sapatos de salto, a gastronomia sofisticada, o

champanhe, os salões de beleza e as primeiras criações da alta costuram.

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Figura 4: Rei Luis XIV da França em seu traje extravagante e sapato de salto alto

(Século XVII).

Fonte: http://www.leonelcunha.com/aulashca/documentos/mod6/5barroco_LuisXIV.pdf/ acessado em

19/04/2015.

Na sua corte no Château de Versailles, viveu rodeado de luxo e de cortesãos

subservientes, num cerimonial rigoroso, onde os deveres do Estado e da religião coexistiam

com os prazeres mundanos e do espírito. Para Luís XIV ostentar o luxo era uma forma de

poder.

A França soube utilizar muito bem esse poder de sedução para influenciar outros

países. As criações da corte francesa eram desejadas e disseminadas por toda corte Europeia.

Todas as cortes europeias estavam dispostas a seguir a filosofia do rei francês e a França

passou a ser a nova referencia ditando a moda mundial.

No reinado de Luis XIV a ideia de lançar modos e modas já havia sido

pensada e o Castelo de Versalhes, foi o epicentro divulgador das sutilezas do

requinte, da sofisticação exacerbada, do fausto e do esplendor para todas as

cortes europeias (SILVA E VALENCIA, 2012, p. 105).

Outra época também pode ser vista como enaltecedora do luxo e ostentação, também

na França, a Belle Époque, período que vai da década de 1890 até o início da Primeira Guerra

Mundial, em 1914. Paris era considerada a grande esfera e referência sofisticação, com todo

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seu ambiente luxuoso, a moda serviu como reflexo desse cenário comportamental e cultura

para começar sua indústria de luxo.

Porém todo esse glamour começou a decair quando a primeira Guerra começou. Surge

então Madeleine Vionnet e Coco Chanel, as estilistas da nova silhueta feminina e Paul Poiret,

o homem que libertou as mulheres dos espartilhos.

Àqueles tempos difíceis não permitiam extravagâncias, as roupas deveriam

ser práticas, simples e sérias, em tecidos como flanela e algodão, baratos e

duráveis. A mulher passa a trabalhar, usam-se uniformes, as roupas passam a

ser um pouco como conhecemos hoje: práticas e simples. Assim, a bela

época teve a moda abafada (SILVA E VALENCIA, 2012, p. 106).

A sedução e fantasia que atraia os olhares para as vitrines e seus produtos, fez explodir

a cultura consumista de massa que, assim como a moda, é transitória e passageira. As imagens

de jornais, revistas e telas de cinema, revelavam a moda como exuberância febril da

modernidade.

A moda, conceito central deste trabalho, sempre teve relevante papel de significação

na sociedade que está inserida. Este processo teve seu suposto princípio, com a abertura dos

Estados Gerais (1789), com o crescimento do comércio e surgimento de produtos que

ofereciam novas comodidades e quando as pessoas passaram a ter uma preocupação crescente

com o que vestiam.

A roupa funcionada então, com processo de identidade. “[...]a roupa possui um

significado político. Assim surgiram as nomeações como: ‘traje estilo Constituição’, ‘traje

estilo Igualdade’, ‘mulher patriota’, a ‘grande dama’, que veste ‘cores listradas estilo nação’”

(DE CARLI, 2002, p. 24).

O vestuário manteve seu papel o desenvolvimento da sociedade moderna, desde a

Revolução Industrial, passando pela industrialização, sociedade de consumo e hoje atua com

força no neoliberalismo do mercado globalizado. Podemos perceber que o caráter principal da

moda está na geração de novidade, na capacidade de transformação de uma verdade em outra,

na desqualificação do absoluto. “A moda organiza um sistema indissociável de uma única

necessidade: a mudança” (DE CARLI, 2002, p. 45).

Este processo de transfiguração nunca cessa, é algo desassossegado e cheio de vontade

de inserir a novidade em alta velocidade no contexto de consumo. Quando De Carli afirma

que “A renovação da moda é um drible ao tempo que passa” (2002, p. 46), entendemos que

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esse incômodo pela manutenção, pela estabilidade das aparências, seja uma alternativa para

alimentar, ainda que por pouco tempo, as vaidades frívolas e superficiais que surgem com o

decorrer dos dias modernos.

Assim, podemos dizer que o consumo de moda atual se assemelha a um consumo

simbólico, em que o poder do produto está em sua maneira de uso e não no produto em si.

Essa linha de pensamento é seguida por Lars Sevedsen que acredita nas mercadorias como

polos neutros e o modo como são usadas é que as define socialmente (SVEDSEN, 2010).

Com todo o processo simbólico que envolve o consumo de moda, temos um

consumidor que busca plena satisfação em seu uso, como essa busca de prazer nunca é

cessada e surgem cada vez mais possibilidades de consumo. o capitalismo moderno gira

eternamente em torno desse fluxo.

As roupas podem expressar muito além do que a identidade a respeito do sexo, classe

social, ou características geográficas. Elas conseguem externar algo a respeito da “alma” de

seus usuários, as vontades individuais que, nem ele sabe, estão sendo dispostas em sua

maneira de vestir. “Símbolos são centrais para toda conformação de identidade, quer se trate

de um crucifixo, um piercing ou um traje nacional” (SVEDSEN, 2010, p.71).

Nas sociedades feudais, por exemplo, o código que era transmito pelo vestuário tinha

caráter político e religioso, através das cores usadas, o corte ou a sua costura. Na

modernidade não temos mais esse critério de interpretação pessoal tão rigoroso a respeito das

roupas usadas por cada um, mas ainda é possível identificarmos algo de tão particular no

vestuário.

Porém, no discurso de Svedsen, há um questionamento importante “É óbvio que as

roupas comunicam alguma coisa, mas o quê? Não podemos dizer eles expressam uma

mensagem como se isso fosse evidente” (SVEDSEN, 2010, p.73) e acaba concluindo que só

resta uma alternativa para essa questão: o significado deve residir na própria roupa, porém não

podemos acreditar que a significação está apenas no terno “em si”, por exemplo. O contexto

em que este foi inserido não pode ser removido, se não o seu significado também vai ser

(SVEDSEN, 2010).

A moda como fenômeno cultural, como maneira de expressar uma ordem social

experimentada e comunicada, também é percebida por Malcolm Barnard em “Moda e

Comunicação”. A autora concorda que o acordo social sobre o que se vestirá já é ele próprio

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um vínculo social. A proteção, o pudor, a preocupação com que será transmitido através das

roupas são formas de comunicar uma posição numa ordem social.

O sistema de moda pode funcionar não apenas como um estratificador, aquele que

diferencia e coloca a parte, mas também como integrante do coletivo no contexto de pertença

social. “A função unificadora da moda e da indumentária serve para comunicar a afiliação de

um grupo social, tanto para aqueles que são seus membros quanto para os que não são”

(BARNARD, 2003).

2.5 A interlocução entre moda e publicidade

Se a moda teve seu papel marcado na história da humanidade por ser uma importante

parte do processo de identidade e comportamento, a publicidade também pode ser entendida

como uma influencia significativa no decorrer da atuação social humana. Às duas também

compete o papel do extraordinário, da fuga do comum, do espetáculo das formas e da estética,

e é por este motivo que, colocadas lado a lado, são possíveis autoras de nossas vidas.

Os conceito de moda e publicidade podem estar mais próximos do que imaginamos.

Conseguimos identificar o critério efêmero de cada um deles se manifestando na sociedade

atual, onde o consumo imediato se faz necessário e com tamanha diversidade de produtos,

estes acabam, por vezes, se confundindo uns com os outros (LIPOVETSKY, 1989).

Para iniciarmos esse alinhamento entre publicidade é moda, precisamos primeiramente

destacar que publicidade e propaganda não designam a mesma coisa. Embora muito se fale a

respeito disso nos cursos de comunicação, sempre é importante lembrar que as duas estão

ligadas a contextos diferentes, e como aqui trataremos de publicidade de moda vale a

contextualização destes conceitos.

O termo propaganda vem de propagar e está ligado ao caráter ideológico, em que

valores são disseminados e destinados ao público. Já publicidade usa seu poder de persuasão

para promover a venda, com o objetivo de encontro entre sujeito e produto (ERBOLATO,

1985).

Isso faz com que a comunicação publicitária seja uma maneira de diferenciar e

determinar escolha de compra. E a ligação entre publicidade e moda está, além disso, se

encontram na efemeridade, em seu poder se criar tendências e atitudes nos campos que atuam.

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A publicidade “articula os valores da cultura e os promovem em suas campanhas. A

publicidade para criar a identificação e causar o desejo, necessita apoderar-se de modelos

simbólicos sociais, locais e globais” (SILVA, 2012). Esse poder ligado ao simbólico também

é outro fator que interliga esses dois conceitos e faz com que possamos analisa-los de forma

conjunta.

Publicidade e moda também se conectam por conta de sua forma híbrida, ou seja, ou

seja, na sua capacidade de “misturar” culturas de diferentes lugares, comportamentos distintos

e transformá-los em uma única mensagem hábil a moldar a sociedade em que vivemos

(SILVA, 2012). A subjetividade que encontramos nesses dois universos interligam pessoas e

marcas, marcas e grupos sociais ainda maiores, formando o que podemos chamar “nichos”6

sociológicos.

À moda confia-se a expectativa de um discurso não verbal, insinuado em seus trajes,

ornamentos e acessórios, que confere às novidades um critério de afirmação para um patamar

de inclusão ao contexto social. Semelhantemente, a publicidade, que por vezes também se

utiliza de uma fala rodeada de significados sem dizer uma palavra, que busca o

convencimento de que os produtos e marcas executarão o papel de intensificadores da

inserção coletiva.

Em uma de suas obras7 Lipovetsky destinou um capítulo de sua obra, “A Publicidade

mostra suas garras”, para a compreensão da fusão destes dois conceitos: moda e publicidade.

“A arma-chave da publicidade: a surpresa, o inesperado. No coração da publicidade trabalham

os próprios princípios da moda: a originalidade a qualquer preço, a mudança permanente, o

efêmero” (LIPOVETSKY, 1989, p. 186).

A comunicação publicitária se coloca como parte integrante de nossa cultura de

consumo, sustentada pela expansão das necessidades e na substituição constante dos bens. Em

“Lingerie, Moda e Sedução” (2003) Almeida confirma este caráter simbólico presente nas

campanhas publicitárias, especialmente as de moda. “De objetos compráveis a corpos, em

uma sociedade onde naturalmente tudo é consumido como um bem descartável, signos são

criados pela publicidade como um convite à inserção em um estilo de vida” (ALMEIDA,

2003, p.5).

6 Utilizamos aqui nicho em seu conceito quanto divisor dos grupos sociais e seus comportamentos.

7 O Império do Efêmero, 1989

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Figura 5: anúncio Dior ano de 2008.

Fonte: http://models.com/work/dior-fw-08-1, acessado em 25/05/2015.

A sedução e o despertar do imaginário são características marcantes nos anúncios de

moda. Há uma ligação entre o real oferecido pela mercadoria e as expectativas emocionais

dos consumidores, que são alimentadas através da composição fotográfica, das modelos e

ambientação reforçados pela publicidade.

Observando a comunicação na publicidade de moda, percebe-se claramente que ela

sugere um comportamento, está ligada ao conceito de atitude e define um estilo,

podendo estimular até a identificação do público, mais com a estética criada para o

produto do que o produto em si (ALMEIDA, 2003, p. 141).

Tal pensamento se relaciona com a possibilidade de acreditarmos que o que seria o

mundo ideal, a ideia de sofisticado e exclusivo, algo que as reconheça como pessoas únicas e

especiais, está presente entre as inúmeras interpretações de um anúncio de moda.

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Figura 6: Anúncio da marca Chanel ano 2004.

Fonte: http://models.com/Work/chanel-chanel-fw-2004/320873, acessado em 25/05/2015.

A publicidade e a moda trabalham com a imagem, com o sentido da visão, do estético

e a beleza. Na maioria das vezes, reforçam que há um arquétipo que deve ser seguido e que

seus produtos são capazes de oferecer esse ambiente perfeito de sedução.

É essa atmosfera perfeita que permite à publicidade manipular o imaginário

dos grupos, estimulando a vontade de consumo do sujeito, construindo

credibilidade, que estimula a compra. Ao fazer isso, a publicidade possibilita

à moda o lançamento de novos produtos, que, posteriormente, tornar-se-ão

novas necessidades para o público consumidor (ARAUJO e PINKOSKI,

2008, p. 3)

Desta forma, confere-se á publicidade de moda um mecanismo simbólico para levar

aos consumidores o universo da estética reforçado por valores do mundo real, mas ainda

inseridos no imaginário de cada um. “A nova publicidade busca entender mais a cabeça e

alma dos consumidores. O inconsciente e os valores que nele habitam passam a interessar aos

novos planejadores da comunicação na contemporaneidade [...]” (SILVA, 2012).

Lipovetsky também acrescenta que há um poder de gerir comportamentos e que a

publicidade acaba por integrar em seus anúncios. Para ele, por se tratar de uma comunicação

de moda, a publicidade não deixa de fazer parte da dominação social moderna. A sua

mensagem persuasiva, mesmo que de maneira sútil, acaba guindo de fora os comportamentos

da sociedade (LIPOVETSKY, 1989).

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Nem sempre as marcas de luxo consideraram a publicidade como uma “amiga’ para

seus negócios. Durante um bom período da história tais grifes não anunciavam, e quando

resolviam se render à publicidade era algo muito limitado. “As casas de artigos de couro

como Loius Vuitton e a Gucci publicaram alguns artigo em revistas e maisons de costura

como a Chanele a Yves Saint Laurent faziam propaganda de seus perfumes e cosméticos”.

Entretanto, os estilistas e executivos de luxo “achavam uma anátema fazer propaganda de

moda, pois desvalorizaria o negócio” (THOMAS, 2008, p. 91).

Esse cenário começou a mudar quando, a partir da década de 70, com o surgimento da

geração de estilistas de luxo, incluindo Giogio Armani, que começaram a investir em revistas

de moda e fizeram das fotos publicitárias e as grandes estrelas de cinema os diferenciais de

marca em meio a numerosa concorrência que começava a se instaurar.

“A indústria tornou-se mais competitiva era preciso ser mais agressivo.” (THOMAS,

2008, p. 91). A publicidade desempenhava um papel importantíssimo nesse cenário e fazia

com que os orçamentos fossem cada vez mais direcionados para ela.

Com o crescimento da indústria na década de 1990, o mesmo aconteceu com

a propaganda. A Gucci quase duplicou seus gastos com propaganda, de US$

5,9 milhões, ou 2,9% das receitas, em 1993, para US$ 11,6 milhões, ou 4,6%

em 1994. (THOMAS, 2008, p. 91).

A pós-modernidade trouxe consigo o progresso de uma ferramenta econômica-

administrativa muito eficiente: o marketing. Nessa época foram “superadas as questões de

produtividade ou abundância de ofertas, produtos e consumidores passam a busca diferencial

no preço, na qualidade, no design, nas vantagens adicionais, nas pequenas mudanças [...]”

(DE CARLI, 2002, P.42).

A personificação dos produtos, citada por Lipovesky, também faz parte da tentativa de

gerar valores simbólicos para as marcas, principalmente as de moda. “A publicidade cria uma

alma para o produto, ignorando o limite do apenas concreto, pois anima o objeto, agregando

características, identidades, que serão desejadas e consumidas” (ARAUJO e PINKOSKI,

2008, p. 3).

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2.5.1 Publicidade, fomentadora de tendências

Acredita-se que a publicidade e a moda são referências no esforço para fazer do

estético o sustento da diversificação social e critério de escolha. Talvez por isso seja

necessário pensarmos que cada segmento de nossa sociedade, possivelmente, foi sustentado

através de uma tendência criada por uma dessas esferas, publicidade e moda, ou pelas duas ao

mesmo tempo.

A vida cotidiana é alimentada pelas aparências geradas pelas campanhas publicitárias,

invade a vida cotidiana, e vai além dos meios de comunicação de massa, se encontra

“paralelamente ao design industrial, à renovação dos bairros antigos, à camuflagem de

antenas, à decoração das vitrinas, ao paisagismo” (LIPOVETSKY, 1989, p. 189).

A moda e a publicidade talvez, ambas são preponderantes em sua capacidade de criar

tendências. Os anúncios publicitários se juntam aos desfiles, revistas de moda, críticos

especializados como integrantes de uma comunicação da moda efervescente.

No fervor do surgimento da publicidade8, ela veio com o intuito de promover os

avanços tecnológicos da época, os novos produtos e marcas. Limitava-se a tornar público o

que começava a ser fabricado. E por serem novidade, o desejo de comprar era estimulado

quase sem nenhum esforço por parte de seus divulgadores. Com o passar do tempo a

publicidade viu a necessidade de importar outros elementos para seus anúncios para que os

produtos se diferenciassem no meio de tantos comum (SILVA, 2014).

A publicidade começou a ser percebida como alimento do subjetivo ou como

transformadora dos objetivos em sonhos e desejos pessoais, escondidos no imaginário de cada

um e que não tangem mais apenas critérios racionais. Tornando a personificação dos

produtos e marcas sua forte arma para a formação de tendências e comportamentos de

consumo.

[...] as agências de publicidade deixaram de ser apenas facilitadoras de

vendas de determinado produto e se tornaram especialistas nos aspectos mais

profundos das grifes; algo semelhante a ‘terapeutas cuidadores da

personalidade vital dos produtos (SILVA, 2014, p. 29).

8 A explosão do marketing ocorrida durante a segunda metade do século XX.

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Segundo Castilho e Villaça, a publicidade de luxo, e aqui também podemos colocar tal

estratégia para a publicidade de moda de luxo, apoia-se sobre três táticas: dirigir-se a uma

elite (qualquer que seja o critério para essa definição de “elite”); visa a criar um universo

paralelo par seus beneficiários9 e utiliza símbolos fortes, facilmente identificáveis, as marcas

(SILVA e VILHAÇA, 2006).

O caráter subjetivo da publicidade de moda também pode ser identificado quando

relacionamos seus elementos como algo semelhante a uma obra de arte. As artes e moda

tiveram papéis muito próximos nos acontecimentos do século XVIII. A alta-costura e os

estilistas atingiram uma esfera extra artística, de “criação livre” e com uma visão romântica da

arte. (SVENDSEN, 2010).

Muitos estilistas se inspiravam nas próprias obras de arte e movimentos artísticos para

criarem suas peças. Paul Poiret foi inspirado por decorações do balé russo dirigido por Sergei

Diaghilev. Outro exemplo da fusão moda e arte, foi o designer Yves Saint Laurent que teve

algumas de suas criações inspiradas em Picasso, Van Gogh, Matisse, Mondrian, entre outros.

Figura 7: Vestido Mondrian de Yves Saint Laurent.

Fonte: http://www.rivistadimoda.com/2013/04/fashion-and-art/, acessado em 25/06/2015.

Eventualmente a publicidade se utiliza de seu poder de transformar os produtos em

personagens por si só e coloca os consumidores como vitrines das marcas. Quando tal

estratégia alcança sua eficiência, os clientes pagam para se transformar em cartazes

9 No caso, não apenas um universo simbólico, mas um mundo físico em que os produtos adquiridos servem de

sustentação para sua permanência no contexto social.

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publicitários das marcas como, por exemplo, os jovens do subúrbio que viram promoções

ambulantes de joggings e calçados de esporte (SILVA e VILHAÇA, 2006).

Podemos associar também esse favorecer de tendências pela publicidade, em sua

capacidade de motivar adoração pelos personagens utilizados em seus anúncios, as estrelas

publicitárias, os modelos não só de moda, mas de comportamento, beleza e identidade.

“Se a cultura de massa está imersa na moda é também porque gravita em torno de

figuras de charme com sucesso prodigioso, que impulsionam adorações e paixonites

extremas: estrelas e ídolos” (LIPOVETSKY, 1989, p.213). E o que seria da moda sem as suas

estrelas publicitárias para fazer verter o desejo por novas peças? Segundo Lipovetsky as

estrelas são capazes de despertar comportamentos miméticos em massa e a publicidade

funciona como instrumento de ligação entre a moda e suas personagens icônicas.

Figura 8: Madonna, ícone da indústria Pop para a campanha da marca Versace 2015.

Fonte: http://www.fashionmagazine.com/fashion/2014/12/04/madonna-versace/, acessado em

19/05/2015.

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A própria vida das personagens publicitárias se confunde com a indústria fashion, seus

hábitos luxuosos, sua vida noturna agitada, seus amores não duradouros, suas excentricidades

se confundem com a imagem que vimos nos anúncios e nos fazem crer num “casamento”

perfeito entre essas três esferas: moda, publicidade e modelos de comportamento que se

transformam em tendências a serem seguidas (LIPOVESTKY, 1989).

A marca muitas, vezes de forma implícita, posiciona-se como uma pessoa,

dotada de identidade e personalidade, isto é, uma característica da imagem de

marca. É na e pela linguagem e também pela comunicação que as partes

(discurso e subjetividade) se aproximam, se identificam e se correspondem,

resultando desta forma no consumo do produto ou da imagem de marca

(SILVA, 2012, p. 75).

Neste caso arriscamos dizer que a publicidade de moda talvez seja, não só um

representante, mas também orientadora das emoções, traços de personalidade e caráter da

sociedade atual. Sua vontade de lançar tendências pode ir além das do vestuário e acabar

penetrando identidade e personalidade humanas.

Com a movimentação do mercado, as influências de consumo também podem recair

sobre o mercado publicitário e exigir dele novas adequações. Como a publicidade de luxo irá

lidar com a era do hiperconsumo e continuar a ser razão de diferenciação e privilégio? Pode-

se dizer que as tendências nesse sentido pesam sob os “ombros” da época do consumo de

experiência e a era digital.

Segundo pesquisa do observatório global LuxHub de Research & Insights, da Havas

Media Group,10 (2014) um relatório sobre as tendências globais no mercado de luxo, aponta

que as marcas terão que em um pilar muito para sua sustentação: a era digital.

O relatório lista que aos poucos as marcas de luxo foram percebendo que as os

websites se tornaram o primeiro contato e busca de informações sobre a marca desejada e que

as lojas virtuais são capazes de manter o estilo de boutique e não desqualificam a experiência

de compra de artigos de luxo, tornando a vida de seu usuário mais cômoda e prática.

Assim como as mídias digitais e plataformas mobiles, onde o tempo que os

consumidores permanecem on-line é, perceptivelmente, cada vez maior e muito importante

para a sua tomada de decisão de compra, se transformando em verdadeiras vitrines de seus

produtos. Facebook, Instagram, Pinterest e Twitter possivelmente são as revistas de moda

atuais, que servem de expositores para novas as tendências.

10 Luxhub Insigths, 2004.

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Marcos Cobra em uma de suas obras enfatiza que a experiência a relação direta e

autêntica com seu público através da prática do brandsense é uma oportunidade que as marcas

de luxo devem explorar. A mensagem publicitária neste caso, para ser persuasiva, ela precisa

prender a atenção do consumidor de forma prazerosa e divertida, fazendo com que o

consumidor se relacione com a experimentação de consumo já no momento de contato com o

anúncio (COBRA, 2007).

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3. A MODELAGEM - AS PEÇAS COMECEM A SER COSTURADAS

[...]é preciso que ela surpreenda, que ela encante; ela deve

dourar-se para ser adorada. Deve tomar, portanto de todas

as artes os meios para elevar-se acima da natureza para

melhor subjugar os corações e tocar os espíritos.

Baudelaire (1991)

3.1. Do new look à lenda: Christian Dior

Numa época conturbada no pós-guerra, um estilista audacioso e apaixonado pelas

mulheres resolve dar provocar com seu estilo que incorpora a feminilidade, autenticidade,

com um misto de exuberância e elegância. Christian Dior lança em 1947 o New Look,

possivelmente uma das mais notáveis revoluções da moda.

A denominação New Look nasceu de Carnen Snow, na época editora da revista

Harper’s Bazar, que ao ver “a saia rodopiante com vinte metros de circunferência, o chapéu

inclinado sobre os olhos da modelo, a insolência no modo de andar” (POCHNA, 2000, p.4),

afirmou estar diante de um “new look”, de uma referência prestes a revolucionar o mundo da

moda.

Supondo que o New Look não representou uma transformação somente no mundo

fashion, mas também na sociedade que, diante das remodelações do fim da Segunda Guerra

Mundial, estava diante da predominância da restrição, racionamento e uniformes e viu na

criação de Christian Dior um motivo para figura feminina se destacar.

Segundo o poeta surrealista Jean Cocteau, amigo do estilista francês e quem ajudou a

financiar a sua primeira maison, o “nome mágico que combina Deus (Dieu) e ouro (or)” já era

motivo para se acreditar no sucesso que a marca teria no cenário mundial. Desde seu início,

Dior já significava magia e encantamento para suas consumidoras (POCHNA, 2000, p.4).

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Figura 9: New Look apresentado por Christian Dior em 1947.

Fonte: http://www.dior.com/couture/pt_br/a-maison-dior/historias-da-dior/a-revoluc%C3%A3o-do-

new-look, acessado em 25/05/2015.

A apresentação no New Look não se limitou meramente ao público típico da alta-

costura parisiense. Mulheres trabalhadoras, acostumadas com as saias curtas, ombros

maciços, solas em plataforma e um perfil pouco glamoroso, percebem no resgate do passado

trazido por Christian Dior, com os decotes peito-de-pomba, saias volumosas e farfalhantes,

uma composição para retomar sua feminilidade e elegância.

O que pode ter sido a grande mudança para o cenário da alta-costura, que nunca antes

tinha se preocupado em vestir a classe trabalhadora. As mulheres da época correram para as

casas de tecido para elas mesmas confeccionarem seu New Look. “Incorporam o design, dão-

lhe um novo conjunto de valores, e usam-lhe para expressar seus próprios valores.”

(POCHNA, 2000, p.10).

Não só pelo seu poder visionário de estilista, mas também de empresário, Christian

Dior projetou-se como a grande representação da indústria de luxo. Nos cinco primeiros anos

de sua existência, a maison Dior detinha a metade das exportações europeias para os Estados

Unidos e se afirmava como marca de sofisticação e refinamento (BAOUDOT, Francóis,

2000).

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Com toda essa ascensão, a marca Dior se difundiu pelos cinco continentes como uma

gigantesca rede de empresas de luxo, instituindo conceitos como “marca registrada”,

“contrato padrão” e “royalties de licenciado”11 (POCHNA, 2000).

Segundo informações do site oficial da marca, Christian Dior sempre acreditou muito

em símbolos e seus poderes místicos. E se ele foi capaz de conceder significados

revolucionários através de seus looks, também foi eficiente em atrair grandes personalidades a

usarem e replicarem os conceitos da marca pelo mundo a fora, produzindo cada vez mais

fascínio sob sua marca.

Em 1995, a maior celebridade mundial da época, a princesa Diana, foi fotografada

com uma bolsa Dior - batizada de Laly Dior em sua homenagem – o que foi suficiente para

vender cem mil bolsas no valor de U$$ 1 mil cada e ser responsável pelo aumento de 20% das

receitas anuais de 1996. (THOMAS, 2008). O universo Dior, hoje supostamente consolidado

como marca histórica de luxo, se mantém como ícone de um império dominante do mercado

de luxo.

3.2 Os desfiles e estrelas da Dior

Segundo Pochna (2010) a ligação de Christian Dior com as artes sempre foi muito

preponderante para a criação de seus trabalhos. O desejo que tinha de cursar Belas Artes que

fora interrompido pela repressão de seus pais conservadores, não o impediu de estabelecer

uma ligação muito forte com amigos artistas e influentes ao longo de sua vida.

O jovem, até então estudante de Ciências Politicas, mata as aulas para se encontrar

com jovens prodígios das artes: como o pintor Christian Bérard, o músico Henri Sauget, além

do poeta Jean Cocteau já citado. Essa influencia artística pode ser identificada da mesma

forma em seus desfiles e na composição de suas coleções.

Cada um deles é batizado com um nome próprio, o enredo da peça é dado

pelo tema da coleção e reflete um amplo espectro de mundos que são caros

ao costureiro: o teatro, a ópera, a literatura, as flores, as cidades-museus

(POCHNA, 2010, p.18).

Uma das referências encontradas para seus desfiles ocorreu em 1951, quando

Christian Dior se juntou a Salvador Dali para a composição do “Baile do Século”, oferecido

11

Christian Dior propôs exigir do licenciado à vendar sua marca uma porcentagem sob a forma de royaties, com

a assinatura de contratos de concessão sobre seus produtos.

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por Charles de Beistegui em Veneza, imaginando um cortejo de personagens e composições

que levaram a arte surrealista a “despir” a tradição dos bailes antigos de máscara.

Figura 10: Baile de máscaras no Palazzo Labia em Veneza, em 1951.

Fonte: http://marcondesviana.blogspot.com.br/2010/05/o-grande-baile-de-dior-11-05-2010.html,

acessado em 19/06/2015.

A tradição de fazer dos desfiles verdadeiros espetáculos de arte, motivou outros

estilistas a fazerem o mesmo e continua viva até hoje na avenida Montaigne. Em 1995, o

diretor estilístico da época, Gianfranco Ferré, cria suas peças e o desfile da coleção Outono-

Inverno 95/96 da Dior com base nas obras de Paul Cézame.

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Figura 11: A esquerda obra Arlequim de Cézame e ao lado direito casaco criado por

Ferré em 1995.

Fonte: http://www.eternels-eclairs.fr/tableaux-cezanne.php /

https://www.pinterest.com/Thechiclibrary/gianfranco-ferre/, acessados em 21/05/2015

Pressupondo que os desfiles de moda integram um importante espaço para a

comunicação de moda, para Gruber e Rech (2011), eles se tornam o “momento em que os

conceitos que sustentam a coleção são expostos” e levam ao consumidor a formalização de

deus desejos em frente ao que está sendo exposto.

Considerando esta capacidade dos desfiles de comunicar de forma implícita a

articulação entre marca e seus “espectadores”, - consumidores e imprensa especializada - tais

eventos funcionam como verdadeiros espetáculos artísticos que proporcionam, segundo De

Carli (2002), o aflorar e prazer dos sentidos dos expectadores.

Durante as décadas de 1980 e 1990 os desfiles se tornaram cada vez mais

espetaculares e foram situados em arenas cada vez mais imaginativas, como

quando John Galliano transformou um estágio de futebol numa floresta de

conto de fadas (SVEDSEN, 2010, p. 112).

Elementos como ambiente, local e modelos escolhidos para compor o “espetáculo” vai

muito além das roupas e são capazes de consagrar, da forma mais eficiente, os conceitos que a

coleção e marca querem transmitir. No desfile da Alta-Costura Dior, Outono-Inverno de

98/99 idealizada por John Galliano, realizado em uma estação de trem, conseguimos

identificar que não só as roupas, mas todo o ambiente idealizado comunicam os significados

do processo criativo de moda e suas pretensões como espaço de articulação entre desejos e

emoções (DE CARLI, 2002).

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Com a grandiosidade dos desfiles, a alta-costura adentrava no ramo do da indústria do

entretenimento como meio de gerar cada vez mais notoriedade e envolvimento de seus

consumidores. Ela se tornava mais lucrativa, não por conta de suas confecções exclusivas e

luxuosas, mas pela sua forte estratégia publicitária.

As supermodels fazem parte dessa articulação entre a marca de moda e seus

consumidores, funcionando como mais uma etapa da mensagem e se fazendo parte

fundamental de sua publicidade. No site oficial da Dior há um espaço dedicado a história da

maison e relata relação de Christian Dior com as estrelas das artes, principalmente as do

cinema e fez dessa relação um “trampolim” para seu sucesso.

Desde o lançamento do New Look, Dior encantou os ícones da moda e do cinema.

Marléne Dietrich foi a primeira a “desfilar” as criações de Christian Dior e se tornou fiel à

marca. Assim como ela, diversas outras personalidades encontraram na Dior a possibilidade

de destacar seu sucesso e consolidar sua imagem de glamour.

Figura 12: Grace Kally vestindo Dior em noivado com o príncipe de Mônaco em

1956.

. Fonte: https://www.pinterest.com/krh2371/grace-kelly/, acessado em 19/05/2015.

Alguns exemplos: Elizabeth Taylor – que usou o vestido Soirré à Rio para receber o

Oscar em 1961 -; Grace Kelly – usou um tailleur San Francisco para a inauguração da Baby

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Dior em 1967 - ; Ingrid Bergman – atuando no Indriscret cem 1968 com jóias e manta Dior ;

Jane Russell – vestiu um modelo Mazette para a sua estreia em Gentlemen Marry Brunettes

em 1955, Ava Gardner, Olivia de Havilland, Marlyn Monroe, Sophia Loren, Brigit Bardot e

Rita Hayworth.

Todas essas divulgaram a marca de forma espontânea e como ícones culturais

serviram de referência para a época em que viveram. Porém também encontramos as estrelas

publicitárias que foram contratadas de forma intencional a representar o luxo e magia da

marca Dior. Jennifer Lawrence, Marion Cotillard, Robert Pattison, Natalie Portman, Charlize

Theoron são as atuais personalidades que fazem parte da estratégia para entender as suas

figuras como ascendência ao mito, mas também pela sua importância no anúncio publicitário.

Figura 13: Rihanna para nova campanha Secret Garden da Dior, 2015.

Fonte: http://models.com/Work/dior-dior-secret-garden-campaign-iv-2015, acessado em 25/05/2015.

As estrelas da Dior fazem parte de seu conceito de magia, teatralização,

deslumbramento artístico e tendência revolucionária. Para o último episódio de sua campanha

Secret Garden, a boutique surpreendeu ao escolher pela primeira vez uma modelo negra para

ser sua embaixadora na campanha: Rihanna, a cantora que referência de uma geração bem

mais nova que costumava a ser a aposta Dior. Talvez essa seja mais uma tentativa da marca

de entrar para história e mudar o cenário da moda de luxo para sempre, mais uma vez.

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4. O LOOK – CONCLUSÃO DE UMA ETAPA

Não é por acaso que a metamorfose da lagarta e da ninfa em

borboleta é chamado de imago. Assim se passa coma a imagem

da borboleta e com a imago psíquica no sentido de Lacan (ou

de Lerleau-Ponty) ela bate – ela bate as asas. É uma questão de

aparição visual e de experiência corporal ao mesmo tempo.

Didi Huberman, em 2010.

4.1 Metodologia da análise

Para obter os resultados desejados na futura monografia torna-se necessário adotar

procedimentos e métodos científicos que depois permitam uma análise, e assim será possível

chegar a indicadores que possivelmente solucionem o problema proposto inicialmente.

Será feita uma pesquisa qualitativa, com análises de conteúdo e imagem. A análise

conteúdo é uma técnica de investigação destinada a formular, a partir de certos dados,

inferências reproduzíveis e válidas que podem se aplicar ao contexto analisado.

Em “Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação” (2005), a análise estrutural do

discurso permite identificar que todo texto (verbal ou não verbal) é uma realidade estruturada,

que não se revela pelo conteúdo manifesto, pois se encontra implícito. Através da análise

estrutural dos anúncios impressos da campanha Secret Garden da Dior será possível

identificar tais fatores ocultos em seu discurso publicitário (DUARTE, BARROS, 2005).

Utilizado o método de leitura e análise do discurso publicitário presente nos anúncios

Dior serão observados, portanto, seu contexto de produção e ainda a importância de

significação e perspectivas simbólicas contidas no ambiente do anúncio, através de uma

análise semiótica dos anúncios impressos (DUARTE, BARROS, 2005).

Através de uma análise que utiliza a semiótica das imagens, que lever[a em conta a

interpretação da imagem e procurar entender como ela transmite mensagens através dos

signos. De acordo com Charles Sanders Peirce em sua obra ”Semiótica” (2000), signo,

basicamente, é algo que representa alguma coisa para alguém em algum lugar. Portanto o

conceito de signo designa percepções visuais, como por exemplo, cores e formas que de

algum modo fazem sentido e transmitem determinadas mensagens.

Para a realização da análise das campanhas Secret Garden Versailles, numa primeira

etapa, utilizaremos um modelo de análise da imagem, proposto com Martine Joly (1999), que

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consiste em três etapas: a) a descrição; b) a mensagem plástica e c) a mensagem icônica. Em

um segundo momento, faremos o estudo do imaginário, utilizando a visão platônica diante da

relação entre a imagem e a realidade, dividida em 3 aspectos: 1) representação de uma

realidade (função espetacular); 2) produção de um efeito de realidade (simulacro); 3) criação

de uma ilusão (phantasma).

4.2 Os jardins no imaginário Dior – a análise

Christian Dior era um admirador das mulheres e seu poder de seduzir, o encantamento

através da feminilidade inspiradora também fez com que o estilista nutrisse um amor pelas

flores, pelos jardins e desde pequeno tomou esta atividade como uma maneira de ficar mais

perto da elegância e sofisticação.

Figura 14: Christian Dior e sua paixão pelas flores.

Fonte: http://bellezaenvena.com/2012/09/coleccion-privee-de-dior-milly-la-foret/, acessado em

19/06/2015.

Foi em Graville, propriedade de seus pais, que Christian Dior começou o seu cultivo

pelas flores e jardins. Os sentidos do estilista se aguçavam diante da atividade hortícola e

levaram para a toda a Dior toda a fantasia e estética de seus jardins. Até hoje as criações da

maison carregam parte desta paixão de seu fundador pelas plantas e jardins, no cuidado na

hora da confecção, ou até mesmo nas estampas e composições das roupas, dos cenários dos

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desfiles e dos comerciais da marca12.

Figura 15: Campanha para a Dior Grand Bal Haute Couture Watches Press Kit 2012.

Fonte: http://models.com/Work/dior-grand-bal-haute-couture-watches, acessado em 16/06/2015.

Desde 2012, a Dior desenvolve uma campanha publicitária intitulada: Secret Garden

Versailles, que envolve produções de fotografias para as revistas de moda e um filme para ser

veiculado em sua conta no YouTube.

A campanha já possui quatro edições: 2012, 2013, 2014 e 2015 e enfatiza a pomposa

elegância das roupas e acessórios Dior, além de adentrar no mundo mitológico do maior

palácio do mundo. As coleções utilizadas são as de outono/inverno de cada na, revelando o

glamour das coleções pret-à-porter de uma forma que une moda e entretenimento.

As primeiras três campanhas tinham como fotógrafos a dupla irlandesa Inez van

Lamsweerde & Vinoodh Matadin que há mais de 25 anos tem seu trabalho com fotografia de

moda reconhecido pelas principais revistas e marcas do mundo. Para a campanha de 2015

quem assume a fotografia é o americano Steven Klein que também já trabalhou para clientes

12

Informações extraídas do site dior.com acessado em maio de 2015.

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poderosos como Calvin Klein , Dolce & Gabbana , Louis Vuitton , Balenciaga , Alexander

McQueen e Nike.

Da mesma forma, houve mudanças das modelos contratadas, para as campanhas de

2012, 2013 e 2014 a personagem principal do anúncio era a modelo russa Daria Strokous, já

para a de 2015 a Dior resolveu pela primeira vez colocar uma estrela da cultura pop e sua

campanha: Rihanna, a cantora negra que nasceu em barbados e hoje é uma referência na

cultural jovem.

A seguir iremos fazer a análise de dois anúncios que fizeram parte da série Secret

Garden Versailles. Um referente a campanha de 2013 e outro pertencente a última edição, do

ano de 2015. Para a realização deste estudo, optamos por fazer a análise conjunta dessas duas

peças, pois em muito se assemelham e as diferenças que carregam faz parte da sua construção

de significado. Não se trata de um comparativo entre os dois anúncios, mas sim uma

construção em conjunto, unindo o que cada um deles colabora para a construção do

imaginário do consumidor Dior.

4.2.1 Análise da imagem

Quando falamos em análise da imagem precisamos ter compreendido do que se trata o

termo propriamente. Embora saibamos que não seja possível darmos uma definição simples

para esse conceito, que abrange tantas maneiras de ser empregado, compreendemos que nem

sempre se remeta ao visível, porém toma vários traços do visual que, dependendo da produção

do sujeito: imaginária ou concreta, essa imagem passa por alguém e produz e reconhece

significado. (JOLY, 1999)

Ainda segundo Joly, as imagens que aqui iremos analisar, tratam-se de imagens

midiáticas, ou seja, aquelas que são “anunciadas, comentadas, aduladas ou vilipendiadas pelas

própria mídias” (JOLY, 1999), tornando-se sinônimo de publicidade.

A autora ainda enfatiza que imagem publicitária foi um dos primeiros objetos de

observação semiológica, na década de 60, contribuindo para que a publicidade começasse a

ser vista como corpo teórico. Para nossa analise teremos como objetivo identificar o discurso

implícito proposto pela marca.

Anúncio 1:

Figura 16: Campanha Secret Garden II Versailles publicada em maio de 2013.

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Fonte: http://models.com/Work/dior-dior-secret-garden-campaign-2013, acessado em 25/05/2015.

Ficha técnica

Campanha: Dior Secret Garden Versailles II

Modelos: Daria Strokous, Katlin Aas, Diana Moldovan, Chiharu Okunugi

Fotos: Inez van Lamsweerde & Vinoodh Matadin

Fashion Editor/Stylist: Carlyne Cerf De Dudzeele

Anúncio 2:

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Figura 17: Campanha Secret Garden IV Versailles, publicada em maio de 2015.

Fonte: http://www.dazeddigital.com/fashion/article/24787/1/decoding-rihanna-s-dior-campaign,

acessado em 14/06/2015.

Ficha Técnica

Campanha: Dior Secret Garden 4 – Versailles

Modelo: Rihanna

Fotos: Steven Klein

Designer: Raf Simons

Fashion Editor/Stylist : Mel Ottenberg

a) Descrição:

Anúncio 1:

Anúncio de página dupla, sem margens. Apresenta três modelos. Modelo 1: pele

clara, cabelo loiro e solto, vestido vermelho tomara que caia com fenda na perna esquerda,

está com o braço direito apoiado no joelho direito e com a mão segurando o queixo, possui

uma pulseira e um anel na mão direita. Modelos 2: está a direita da modelo 1, de frente para

ela, vestindo um tailhier preto, cabelo escuro preso, com a mão direita apoiada no joelho

direito, levemente deitada sob a almofada que está no chão, Possui uma “venda” de tule lilás

sob os olhos. Modelo 3: está em segundo plano, atrás da modelo 1, com um vestido preto, de

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cabelo escuro preso, colar no pescoço e com a mesma “venda” que a modelo 2.

Figura18: Recorte destacado das modelos no anúncio 1.

Fonte: http://models.com/Work/dior-dior-secret-garden-campaign-2013, acessado em 25/05/2015.

O cenário é de névoa, com árvores de galhos secos, folhas secas caídas no chão, com

um lago no fundo. Há uma cadeira antiga a esquerda caída no chão, uma toalha florida no

chão, sob a toalha uma cesta com frutas, almofadas jogadas, uma bolsa rosa e laranja no lado

esquerdo. A floresta fechada, sem luz solar, uma cena típica de outono.

A inserção do logotipo “Dior” está localizada na esquerda do anúncio entre as bolsas

jogadas no chão e a modelo principal de vestido vermelho. No lado direito do anúncio, parte

de baixo, está inserida o nome da campanha "Unseen Garden - Versailles" e o site da marca

logo abaixo "www.dior.com".

Figura 19: recorte destacado da mensagem textual do anúncio 1.

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Fonte: http://models.com/Work/dior-dior-secret-garden-campaign-201, acessado em 25/05/2015.

Anúncio 2:

Anúncio página dupla. Onde temos uma mulher de vestido vermelho correndo de

costas, com o olhar voltado para a câmera. Há 6 lustres de cristal fazendo da decoração do

castelo, 3 estátuas de ouro, 3 bancos com estofados de veludo vermelho. Paredes de mármore

e uma estátua de gesso também integram o cenário. A iluminação e noturna, do interior de um

palácio com adornos luxuosos, vários espelhos nas paredes e uma janela com abertura para

uma possível varanda do castelo.

Figura 20: recorte destacado dos lustres e da modelo do anúncio 2.

Fonte: http://www.dazeddigital.com/fashion/article/24787/1/decoding-rihanna-s-dior-campaign/

acessado em 14/06/2015.

No lado direito do anúncio temos a inserção de uma mensagem textual: a logo marca

“Dior” e logo abaixo o nome da campanha “Secret Garden IV Versailles” e o site oficial da

marca.

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Figura 21: recorte destacado da mensagem textual do anúncio 2.

Fonte: http://www.dazeddigital.com/fashion/article/24787/1/decoding-rihanna-s-dior-campaign,

acessado em 14/06/2015.

b) Mensagem plástica:

Aqui serão descritos elementos como cores, formas, composição, textura considerados

signos plenos e integrais e não apenas signos icônicos (figurativos). Tais elementos nos

ajudam a identificar o poder de articulação simbólica entre anunciante e seus possíveis

consumidores.

Começamos pelo meio e veículo de comunicação em que os anúncios foram inseridos,

que também integra o conceito central da campanha e é o difusor da mensagem publicitária. A

campanha Secret Garden Versailles II, começou a ser publicada em maio de 2013 nas revistas

Vogue China e Vogue Francesa, o mesmo aconteceu com a Secret Garden Versailles IV,

lançada em maio de 2015 na revista Vogue França. Tais veículos representam as referências

que são no segmento de moda de luxo.

O meio de comunicação revista hoje faz parte da cultura de massa, ou seja, dos "mass

media", levando à uma audiência mensagens que nem sempre geram respostas e a única

maneira de "medir" os resultados é através de estudo do publico assinante da revista e seu

comportamento de compra.

A vantagem é a segmentação do meio, que permite que a publicidade seja direcionada

para um publico especifico e que esteja de acordo com o produto anunciado (SANTAELLA,

2003). E as revistas já nasceram com conteúdo segmentado, desde o início de sua história elas

apresentavam matérias referentes a um tema de sua especialidade. A primeira revista que se

em conhecimento, surgiu como um livro que falava somente em teologia13 (SCALZO, 2004).

13

A revista Edificantes Discussões Mensais que surgiu na Alemanha em 1663.

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As revistas também eram inicialmente destinadas às famílias de classe alta e por isso

até hoje é considerado o melhor meio publicitário para inserções de marcas de luxo, por

possuir um material impresso de qualidade, reunir diversos assuntos e possibilitar que as

imagens não percam características fotográficas. Revistas de moda, vida, estilo e

comportamento, neste caso foram as escolhidas para a marca de luxo Dior que quer atingir

pessoas com personalidades semelhantes a seus produtos: preocupadas com a elegância,

exclusividade e qualidade.

A revista Vogue é publicada desde 1982 nos Estados Unidos e atualmente está

presente em mais de 90 países, incluindo locais de culturas tão díspares como a Índia, o Japão,

a Rússia, a Grécia ou a China, enfatizando e fazendo apologia ao luxo, ao estilo e a vida

social. Pode ser considerada a revista de moda mais influente e poderosa do mundo.

Quando ao enquadramento14, tanto o anúncio 1 quanto o anúncio 2, podemos dizer que

é horizontal no formato paisagem. Na primeira peça as modelos aparecem centralizadas na

foto, como se o fotografo estivesse com a câmera em altura média para conseguir uma

perspectiva que o fundo do cenário seja integrado ao anúncio de forma a inserir o espectador

como se estivesse dentro do contexto do anúncio.

Na peça 2, a modelo é colocada na altura média do fotógrafo e a há uma certa

distância para que todos os detalhes do cenário serem enquadrado e todo o corpo da modelo

ser percebido. Nos dois anúncios, na escolha da objetiva, temos uma perspectiva de uma visão

natural, de grande profundidade de campo, transmitindo uma ilusão de colocar o espectador

dentro do anúncio.

A composição de leitura do primeiro anúncio é a construção em profundidade, que

consiste em fazer do produto parte integrante da cena com o cenário em perspectiva,

ocupando a frente da cena, no primeiro plano (as bolsas e a marca estampada).

No segundo anúncio, temos uma construção focalizada: as linhas de força (iluminação,

tamanho, traços e cores), convergem para um ponto do anúncio que tem o papel de evidenciar

a marca. O olhar é imediatamente “atraído” para o logotipo da marca “Dior” que está

localizado em um lugar estratégico (esquerda do anúncio) que logo em seguida direciona

nosso olhar para a figura da modelo, elemento essencial do anúncio.

As cores e a iluminação do cenário da primeira peça, da paisagem, são sombrias e em

tons de cinza, porém estamos falando de uma cena diurna. As cores vibrantes do anúncio

14

Representa a dimensão da imagem, possível resultado da distância entre o tema fotografado e a objetiva.

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estão na roupa da modelo que veste vermelho, mas bolsas rosa e laranja no chão e nas vendas

dos olhos das outras duas modelos.

Para a segunda peça, vamos perceber que a trata-se de uma cena noturna, com cores

sombrias e mais uma vez a cor vermelha aparece como peça única no vestido da modelo.

Através da análise plástica podemos ver de forma didática como o dispositivo plástico

da mensagem visual do anúncio é portador de significações bem perceptíveis e, ao contrário

da mensagem icónica, acontece de forma voluntária sem a adição de valores e pré-concepções

que cada indivíduo terá ao ver a imagem.

c) Mensagem Icônica:

Neste momento iremos observar as possíveis conotações que abrangem o sistema do

anúncio analisado. A mensagem conotativa implica em destacar significados segundos a que

vem agregar-se ao primeiro (denotativo) na relação signo/objeto. Também pode ser chamada

de "sentido figurativo" e está ligada a significação e aos valores transmitidos pelo anúncio.

(NETTO, 1999).

Cada elemento contribui para o processo de significação icônica. No contexto geral

dos dois anúncios, conseguimos identificar que a composição cromática é de um sombrio e o

que dá cor a tudo os produtos o Dior, seja nos vestidos vermelhos usados pelas modelos do

anúncio 1 e 2, seja pelas bolsas coloridas presentes na primeira peça.

Podemos dizer que o valor simbólico desta comunicação está em evidenciar o que os

produtos da marca, no caso apresentado as roupas e as bolsas, além de qualificarem uma

personalidade de elegância e luxo, são capazes de moldar e "colorir" a vida de quem os usa.

A marca acaba transformando seu espectador em mais um personagem da trama, para

desvendar os mistérios do "jardim secreto" (anúncio 1) ou dos salões luxuosos do Castelo de

Versailles (anúncio 2). O olhar das modelos diretamente para a câmera, com a expressão de

surpresa, coloca o espectador como um intruso, como se estivesse invadido algo se seja

secreto e misterioso, o que nos remete ao nome da campanha “Secret Garden”.

Talvez dessa forma, a composição acaba instigando ainda mais o consumidor a

investigar os outros elementos das peças. A banalidade de representa no anúncio não

chamaria tanto a atenção, que segundo Lipovetsky, entedia, e o que procuramos é sempre uma

oportunidade para aproveitar ao máximo as coisas e precisamos do inabitual, da surpresa, de

certo grau de inesperado.

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No anúncio 1 temos a curiosa representação de uma cena muito semelhante com a do

quadro do pintor frances Édouard Manet, de 1863. Relacionar o anúncio com o quadro do

Manet, provavelmente trata-se de mais uma tentativa da marca Dior de se aproximar do

universo das artes, colocar seus produtos como verdadeiras obras não apenas de consumo,

mas de cultura e simbolismo artístico.

Figura 22: Lunch on the Grass de Édouard Manet, 1963/ Secret Garden Versailles II

para Dior, 2013.

Fonte: http://artnaz.com/fashion-photographer/, acessado em 04/06/2015.

Relacionar o anúncio com o quadro do Manet, provavelmente trata-se de mais uma

tentativa da marca Dior de se aproximar do universo das artes, colocar seus produtos como

verdadeiras obras não apenas de consumo, mas de cultura e simbolismo artístico.

Da mesma maneira que na arte moderna o observador se impõe como coautor

da obra, a publicidade criativa apela a um público mais ativo, mais cúmplice,

educado na cultura midiática. [...] assistimos ao desenvolvimento de seu

momento irônico, reflexivo, emocional (LIPOVESTKY, 2007, p.113)

O quadro francês provocou a sociedade conservadora em sua época de lançamento,

por trazer uma modelo completamente nua diante de dois homens vestidos. O nudismo que

era representando até então, apresentada características renascentistas e o que foi colocado no

quadro de Manet apresenta um realismo em sua cena que chocou a sociedade.

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Figura 23: Lunch on the Grass de Edouard Manet, 1963.

Fonte: http://www.manet.org/luncheon-on-the-grass.jsp, acessado em 19/06/2015.

No caso do anúncio Dior, o mesmo produziu um efeito que mistura a realidade com a

fantasia. O universo mágico de Versailles e o piquenique representado colocam o realismo de

uma cena quotidiana ao lado de um universo fantástico. As fendas nos olhos de duas modelos

e as cadeiras que representam os objetos do castelo de Versailles, não são típicas de um

piquenique. Dá a ideia de "caos" a cena, como se tivesse ouvido uma fuga até aquele local.

No anúncio 2 também temos a presença de um conceito que une arte e publicidade. Os

elementos luxuosos do castelo trazem a tona elementos que caracterizam um mito do Castelo

luxuoso de Versailles e sustenta a ideia de talvez colocar o espectador como parte de uma

história fictícia.

Neste mesmo caminho de deserção, na peça 2 o mito da mulher em fuga, nos faz

remeter para a famosa produção cinematográfica de Sofia Coppola, Maria Antonieta (Marie

Antoinette, 2006). Que coloca a famosa Arquiduquesa, como um ícone de libertinagem,

extravagância e rebeldia.

Figura 24: Capa da Vogue set/ 2006.

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Fonte: http://opinionexchange.lohudblogs.com/2012/06/12/morning-conversation-safety-of-route-9w-

at-issue-after-cyclist-dies/, acessado em 19/06/2015.

A adolescente que aos 14 anos foi enviada a corte de Versalhes para se casar com o

Delfim de França, Luis Augusto, e que se sente presa ao mundo rígido da corte, suas regras de

etiqueta, suas fofocas e brigas de família. Maria Antonieta ficou conhecida por seus

relacionamentos extraconjugais, compulsão por compras e uma vida de festas e noitadas

luxuosas e volúpia.

Os famosos bailes de máscara dos quais Maria Antonieta era frequentadora, aparecem

na primeira peça. Através das fendas nos olhos das modelos, percebemos que a vontade de

“disfarce”, de “esconder” a verdadeira identidade, faz parte do universo de luxo. Colocar os

consumidores diante da possibilidade de escolher ser quem sempre sonhou ser.

Figura 25: Cena do Baile de Máscara no filme Maria Antonieta, 2006.

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Fonte: http://www.superiorpics.com/rose_byrne/movie-picture/2006_marie_antoinette_030.html,

acessado em 19/06/2015.

Na história real, Maria Antonieta pediu que construísse um "hameou"15 para viver a

sua vontade. Longe de toda a opressão e intrigas que a corte impunha em sua vida. Esse

momento de se rebelar contra as regras, contestar o que é imposto pela sociedade e acreditar

na construção de um mundo próprio mergulhado em fantasias particulares, também

percebemos nos anúncios aqui apresentados.

Os consumidores da Dior podem adentrar nesse conceito e acreditar que a marca não

quer apenas inseri-los num mundo de luxo, onde a opressão por se manter sempre nos rígidos

padrões exigidos pela sociedade é muito grande. Também lhes dá a liberdade de "fuga" para

seu mundo imaginário, seu ideal de momento, colocando o produto como uma companhia e

pretexto para essa libertação.

Porém quem olha apenas o primeiro anúncio, não tem a percepção que estamos

falando do famoso castelo Versailles. A única referência que temos ao maior palácio do

mundo é o título da campanha, inserido no canto inferior direito. O deixar implícito também é

uma forma de instigar o desejo e fomentar a construção do imaginário.

15

Um retiro rústico que serviu como um lugar de reunião privada para a rainha e seus amigos mais próximos.

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Versailles é um lugar com fortes laços históricos para a Dior – as primeiras coleções

da casa tinham peças que levavam nomes referentes ao palácio e alguns registros fotográficos,

bem como desfiles da marca francesa já foram realizados nas locações ícones do palácio.

No segundo anúncio, temos a famosa Galerie des Glases16 como cenário para a cena

publicitária. Essa famosa locação do castelo evidencia o a ilusão do reflexo, que transmite as

pessoas o conceito que podem ter a sua imagem refletida nessa história de magia e luxo.

Mas o olhar da maison dessa vez não está voltado apenas para o passado. A campanha

faz Rihanna a primeira mulher negra a frente da casa: é uma atitude positiva para uma marca

que tem um respeito por histórico, mas que nunca deixou de inovar. Rihanna, a cantora pop e

ícone da cultura jovem atual e integra o histórico inovador que a marca Dior sempre quis

trazer para o conceito de seus produtos e agora também de seus anúncios.

A cor vermelha também é um fator determinante para a significação das duas peças

analisadas. As sensações cromáticas são muito importantes entre uma relação entre a

publicidade e seu público. Segundo a psicodinâmica das cores (FARINA, PEREZ e

BARROS, 2006), a cor é capaz de impressionar, expressar e construir. O sujeito diante da cor

capta a sensação oferecida e a qualifica como uma linguagem própria de entendimento.

Neste caminho, o que encontramos nas duas peças é a presença de uma cor que

carrega vários significados. O vermelho tem associação material que remete a guerra, sangue,

sol, mulher, feridas, perigo, fogo, isso reflete em sua associação afetiva de força, energia,

paixão, vulgaridade, coragem, furor Essa cor simboliza encontro, aproximação entre a figura

feminina e seu poder de revolução.

A mulher em fuga no segundo anúncio evidencia as emoções evocadas pelo vermelho,

que são as mesmas despertadas pelo sangue: desde o amor e a coragem, até a luxúria, o crime,

a raiva e a alegria. A comunicação destinada às mulheres de que a força e o poder de sedução

pertence a sua natureza e que os produtos Dior são capazes de evidenciar esse

comportamento.

Diante de tal análise, podemos interpretar os anúncios Dior como sendo uma das peças

de uma história que transforma os produtos em personagens principais da trama de fantasia e

misteriosa da marca que sempre carregou a inovação e arte como seus principais referenciais.

A mensagem da Dior, assim como das marcas e produtos mais desejados, colocam o ser

16

Obra central da terceira campanha de construção de Luís XIV, inaugurada em 1678.

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humano diante de dois sentimentos que instigam o interesse: a fuga da realidade e a

curiosidade a ser saciada.

“Ao criar e recriar determinadas necessidades, fundam-se os mundos da fantasia,

ilusões que respondem à satisfação dos desejos transformados em necessidades pela cultura.”

(CASTILHO e VILHAÇA, 2006). Essa talvez seja a principal estratégia das marcas de luxo,

transformar seus consumidores em seres fantásticos e cheios de magia, capaz de torna-los

peças “únicas” na sociedade.

4.2.2 Construção do imaginário nos anúncios

Sabendo que para Platão17 nosso mundo faz parte de uma cópia imperfeita do mundo

ideal (mundo das ideias), as cenas que presenciamos em nosso dia-a-dia nada têm de real, são

uma apenas uma representação.

E se pensarmos que o próprio anúncio já é uma representação dessa “falsa” realidade,

temos então uma dupla representação, tornando-a um espetáculo para os olhos de seus

espectadores. Transpondo isso para a nossa realidade, vamos perceber que o ser humano

busca essa realidade fantástica para tentar se aproximar de seu mundo ideal, do mundo das

ideias.

A nossa imaginação e a capacidade de produzirmos sonhos que sejam “palpáveis”,

encontra-se em nossas vidas através de objetos (produtos) do cotidiano produzindo um efeito

estético ao contempla-los. Através dessa experiência criamos uma fantasia que irá assumir

nossa individualização diante de cada significação que passamos a criar diante das imagens

tangíveis de nosso dia-a-dia (GOUVÊA, 2004).

Os produtos de luxo tem ainda um caráter simbólico muito mais elevado, por se tratar

de bens que vão impulsionar ainda mais o hedonismo pessoal, o corpo físico, a aparência

individual, colocando o consumidor muito perto da forma concreta de seu mundo ideal,

construído através de seu imaginário (D’ANGELO, 2006).

Utilizando a visão platônica diante da relação entre a imagem e a realidade, que

segundo sua tradição filosófica está divida em: 1) representação de uma realidade (função

espetacular); 2) produção de um efeito de realidade (simulacro); 3) criação de uma ilusão

(phantasma), iremos relacionar com os anúncios analisados a sua capacidade de alimentar e

17

A República, 2007.

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interferir na construção do imaginário de seus espectadores.

Primeiramente observamos a peça 1. Temos uma representação de realidade, através

dos elementos naturais colocados ali. Tais como: as árvores, as mulheres, as frutas, as folhas

secas, o lago, a névoa, horizonte, o chão. Na peça 2: temos poucas “imagens naturais”, a

mulher em destaque é o único elemento o qual podemos chamar de representação de uma

realidade.

Todos esses componentes, são o que Platão chamava de “imagens naturais”, reflexo da

sombra, as únicas passíveis de se tornarem uma ferramenta filosófica. Essas são as partes que

mais se aproximam da realidade e que conseguem inserir o espectador a se identificar com as

formas naturais ali apresentadas.

A produção de um efeito de realidade, segunda função da imagem analisada, se

encontra nos itens que são capazes de compor uma atividade ou situação que percebemos em

nosso dia-a-dia. É o caso das roupas, das bolsas, das cadeiras, das almofadas, da toalha, dos

acessórios usados pelas modelos no anúncio1.

Já na segunda peça as unidades de produção de efeito real, se dá por conta da

estrutura interna do palácio, as paredes, os móveis, os lustres, o vestido usado pela modelo, as

luvas e o sapato.

Isso faz com que a realidade representada chegue ainda mais perto do que o

espectador está acostumado e tem contato em sua rotina. Para que ele sinta que aquela cena

está muito próxima dele e é capaz de reproduzi-la também. “A imagem produz a ilusão da

certeza” e é essa certeza de qualidade e status que o consumidor espera encontrar nos

produtos de luxo.

Essa criação da ilusão, que aqui chamamos de phantasma faz parte da nossa luta

constante de fugirmos da realidade absoluta. Pois a parte material desejada joga com o desejo

e a imaginação do consumidor. Todo o desejo de compra, principalmente dos bens de luxo,

nasce de uma subjetivamente construindo um imaginário povoado pelas imagens que

imaginadas e desenhadas anteriormente por nós mesmos.

No caso dos anúncios analisados vemos que os phantasmas criados trata-se de uma

construção de uma ficção (o mito do palácio Versailles, o mito do luxo e elegância), fazendo

com que quem olha tais produções veja uma maneira de romper com os obstáculos subjetivos

de sua vivências, armazenadas em seu corpo interno e externo. A publicidade dos produtos de

luxo é mais uma tentativa de alimentar o simbolismo desses bens e a materialização

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instantânea de nossos desejos.

A figura da mulher colocada nos dois anúncios é adornada pelas roupas, pela

iluminação e pelos acessórios que utilizam, a sensualidade, o erotismo e a feminilidade e

alimenta o arquétipo do desejo. A Beleza é vista como forma de ascensão social nos contos de

fada (GOUVÊA, 2004), e neste caso, os anúncios apresentam essa mesma ideia. As peças

colocam nas imagens o objeto de desejo do mundo.

Vemos assim que o mito da beleza e a construção de uma ficção intangível é o que

define a construção do imaginário das peças analisadas e auxilia na formação do desejo, não

só de compra dos produtos, mas de ser alguém além do que a sua realidade permite ser, ou

seja, estar cada vez mais próximo do mundo ideal, do mundo das ideias.

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5. CONCLUSÃO

O luxo pode ser visto como um querer elevado de se destacar entre os demais, e os

produtos deste ramo funcionam como verdades intensas para tornar sonhos intangíveis em

mais palpáveis. Ligando mente, psique e coração o consumidor de luxo se vem como alguém

exclusivo e sua necessidade de se manter do topo se torna cada vez mais intensa

(LIPOVETSKY, 2007).

A atividade publicitária integra essa construção de mudança de necessidades, da

frivolidade transformada em argumento para a obtenção e desejo de bens luxuosos. Os

anúncios aqui analisados estimulam a criação de um mito, do luxo em forma de ilusão, de

fuga daquilo que atormenta e propõem que a possibilidade de construirmos um universo

paralelo é possível por meio da alimentação de nossos sonhos através dos produtos

anunciados.

Através da análise semiótica realizada, utilizando o método de descrição, identificação

da mensagem plástica e icônica, conseguimos atingir o objetivo principal de identificar

aspectos da construção de significados através das campanhas publicitárias das marcas de

luxo, aqui representadas pela Dior. Vimos que a marca constrói um universo fantasioso e

coloca a mulher como imagem central de elegância e independência. Isso reflete o fato de as

marcas de luxo não competirem por preço. Elas concentram sua atenção nos demais fatores

que serão parte de sua imagem, refletindo em sua identidade e posicionamento.

Suas estratégias incluem elementos mais experienciais, como o uso dos sentidos

através de fatores abstratos, ligados à personalidade da marca que, inúmeras vezes, estão

entrelaçadas pela personalidade do seu autor original ou, no caso da moda, seu estilista.

Percebemos que a marca Dior carrega ao longo de sua história uma forte ligação com

o mundo das artes, com a vontade de inovação sem deixar de lado a tradição das peças

deixadas por seu criador Christian Dior. Essa manifestação artística e a consolidação de um

posicionamento que envolve toda a marca faz da Dior uma referência quando falamos em

articulação simbólica entre publicidade e moda.

O discurso apresentado pelas peças analisadas assina algo que começou com o New

Look: a força da mulher perante suas vontades e a perseverança de sua elegância e

feminilidade. A beleza inalcançável, aquela construída no imaginário de cada uma, não é o

principal objetivo dos anúncios. O que avaliamos como sendo o propósito da marca é

justamente a construção de trama que envolve permanecer ou não na busca dessa estética

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ideal.

A utilização das flores, do jardim secreto, do castelo de Versailles faz parte da

legitimação da marca como sendo não apenas um ícone de moda, mas também de expressão

artística e cultural. A inserção de uma figura da cena pop atual, Rihanna, a primeira negra a

representar a Dior, nos mostra que a preocupação em comunicar para um público mais jovem

também está presente em sua mensagem.

O olhar da marca está voltado para o futuro, como sempre esteve, na busca de

inovação e revolução do mundo da moda. Porém a presença de histórias e analogias clássicas

em seus anúncios, que remetem para o começo da maison, nos lembram que a Dior já tem

uma estrutura comunicativa e relacionamento bem consolidados com o seu público. Mais não

se prende nessa segurança e vai além, buscando atingir seu público através da experiência

afetiva e imaginativa de seus anúncios.

Podemos agora responder nossa questão norteadora da seguinte forma: o papel dos

anúncios publicitários diante da valorização, não mais apenas da aparência, mas da dimensão

imaginária e simbólica oferecida pelas marcas, revela-se na sua capacidade de aguçar os

sentidos, de tornar visível àquilo que, segundo Platão, estaria somente no mundo das ideias: a

perfeição das formas, a verdadeira beleza.

Entendemos como essencial a construção de um estudo do imaginário do consumo

emocional, que no caso das campanhas analisadas, colocam em cena o desejo como principal

elemento. Quanto mais intangível for o objeto, mais o desejamos. A distância confunde os

defeitos e torna a perfeição possível. Os anúncios da Dior aqui estudados denunciam que

mesmo um universo luxuoso é capaz de apresentar seus momentos de desagrado e de nada

adianta o luxo em produtos se a sua personalidade não condiz com esse esplendor.

Por fim, este trabalho procurou trazer referências e visões a respeito do consumo de

luxo e coloca-lo como ferramenta sociológica, qualificando o papel da publicidade nesta

articulação e permitindo que seu estudo seja ainda mais significativo quando falamos em

publicidade de moda. A análise imagética dos anúncios nos possibilitou entender que o

posicionamento da marca Dior relaciona-se diretamente com seu público principal através da

criação de mitos que englobam elegância, tradição e pioneirismo.

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7. ANEXOS:

7.1 Projeto Monografia I (em CD).