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HENRIQUE KUHN GOBBI YOU DIED: UMA PESQUISA SOBRE A RELEVÂNCIA DA NARRATIVA NOS VIDEOGAMES CONTEMPORÂNEOS Monografia do Curso de Comunicação Social, Habilitação em Publicidade e Propaganda na Universidade de Caxias do Sul, apresentada como requisito para a obtenção do título de Bacharel. Orientador: Prof. Me. Marcelo Wasserman Universidade de Caxias do Sul UCS CAXIAS DO SUL 2016

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HENRIQUE KUHN GOBBI

YOU DIED: UMA PESQUISA SOBRE A RELEVÂNCIA DA NARRATIVA NOS

VIDEOGAMES CONTEMPORÂNEOS

Monografia do Curso de Comunicação Social,

Habilitação em Publicidade e Propaganda na

Universidade de Caxias do Sul, apresentada

como requisito para a obtenção do título de

Bacharel.

Orientador: Prof. Me. Marcelo Wasserman

Universidade de Caxias do Sul – UCS

CAXIAS DO SUL

2016

HENRIQUE KUHN GOBBI

YOU DIED: UMA PESQUISA SOBRE A RELEVÂNCIA DA NARRATIVA NOS

VIDEOGAMES CONTEMPORÂNEOS

Monografia do Curso de Comunicação Social,

Habilitação em Publicidade e Propaganda na

Universidade de Caxias do Sul, apresentada

como requisito para a obtenção do título de

Bacharel.

Orientador: Prof. Me. Marcelo Wasserman

Universidade de Caxias do Sul – UCS

Aprovado em:

Banca Examinadora:

Prof. Me. Marcelo Wasserman

Universidade de Caxias do Sul – UCS

Prof. Me. Ronei Teodoro da Silva

Universidade de Caxias do Sul – UCS

Prof. Me. Misael Paulo Montaña

Universidade de Caxias do Sul – UCS

CAXIAS DO SUL

2016

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a todos os jogadores que contribuíram com essa

pesquisa, suas colaborações e interesse foram inspiradores. Também o dedico a

minha família e namorada, Raquel, pelo incentivo e compreensão durante essa

produção. Por fim, o dedico, em soma, a todos aqueles, que como eu, continuam a

ser encantados pela mágica dos videogames com apenas alguns minutos ao dia.

AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer, primeiramente, ao meu orientador Prof. Me. Marcelo

Wasserman pelo interesse e apoio em uma mirabolante ideia que originou essa

pesquisa. Essa jornada só foi possível com as suas contribuições.

Também gostaria de agradecer aos integrantes da banca examinadora, Prof.

Me. Ronei Teodoro da Silva e Prof. Me. Misael Paulo Montaña por terem tido papéis

de extrema importância ao longo da minha vida acadêmica e, consequentemente, por

também terem sido responsáveis por este estudo.

“I do not think there is any thrill that can go

through the human heart like that felt by the

inventor as he sees some creation of the brain

unfolding to success . . . Such emotions make

a man forget food, sleep, friends, love,

everything.”

Nikola Tesla

RESUMO

Este estudo visa compreender o fenômeno dos videogames e entender sua conexão

com a tecnologia, assim como analisar a relevância da narrativa dentro desses. Esse

trabalho consiste em uma pesquisa bibliográfica de natureza exploratória que buscou

em publicações, produções cinematográficas e recursos disponíveis na internet

respostas para elucidar tais questionamentos. Também compõem essa pesquisa um

estudo de caso dos jogos da série Dark Souls e um questionário realizado com a

comunidade de seus jogadores com o intuito de verificar aquilo levantado através da

bibliografia.

Palavras-chaves: Videogames; Tecnologia; Narrativa; Comunidades; Game Design;

Dark Souls.

ABSTRACT

This study aims to comprehend the video game phenomenon and to understand its

connection to technology, while also analyzing the relevance of storytelling in them.

This essay consists in a bibliographic research of explanatory nature, that went through

written publications, productions of cinematography and available resources on the

internet in order to answer the questions above. The case study of the Dark Souls

series and a survey applied to the community of its players are also components of

this study, that hope to verify what has been found through bibliography.

Keywords: Video Games; Technology; Storytelling; Communities; Game Deisgn;

Dark Souls.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Pong ......................................................................................................... 23

Figura 2 – E.T. the Extra-Terrestrial – Atari 2600 ...................................................... 25

Figura 3 – Uncharted 4: A Thief's End – Playstation 4 .............................................. 25

Figura 4 – Plataformas .............................................................................................. 31

Figura 5 – Dungeons & Dragons vs. The Witcher 3 .................................................. 37

Figura 6 – Interface Informativa ................................................................................. 40

Figura 7 – Interface Funcional ................................................................................... 40

Figura 8 – Manhunt ................................................................................................... 42

Figura 9 – Super Mario World ................................................................................... 45

Figura 10 – O Herói, Solid Snake - Metal Gear Solid ................................................ 51

Figura 11 – Liquid Snake, o Sombra – Metal Gear Solid .......................................... 52

Figura 12 – O Guardião Iudex Gundyr – Dark Souls 3 .............................................. 53

Figura 13 – O Trickster e Sombra, Coinga – Batman: Arkham Asylum ..................... 54

Figura 14 – Grim Fandango ...................................................................................... 57

Figura 15 – Interface indica a morte em Dark Souls ................................................. 67

Figura 16 – A batalha contra Ornstein e Smough em Dark Souls ............................ 68

Figura 17 – A conquista da vitória em Dark Souls .................................................... 69

Figura 18 – Que tal pular? ......................................................................................... 71

Figura 19 – Cooperadores celebram sua vitória com o gesto Praise the Sun em

Dark Souls 2 .............................................................................................................. 72

Figura 20 – O jogador é invadido .............................................................................. 73

Figura 21 – O jogador é informado de uma parede ilusória ...................................... 74

Figura 22 – A subterrânea Blighttown em Dark Souls ............................................... 75

Figura 23 – A divina Anor Londo em Dark Souls ....................................................... 76

Figura 24 – A interface no combate ao Chefe Amygdala em Bloodborne ................ 77

Figura 25 – A criação de personagens em Dark Souls 3 .......................................... 78

Figura 26 – Tela de “Level Up” em Dark Souls ........................................................ 79

Figura 27 – O elmo de Lautrec em Dark Souls ......................................................... 82

Figura 28 – A armadura de Lautrec em Dark Souls ................................................. 83

Figura 29 – A serpente primordial ............................................................................. 85

Figura 30 – O protagonista e a Presença da Lua ..................................................... 88

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – A primeira pergunta do questionário ...................................................... 90

Gráfico 2 – A terceira pergunta do questionário ....................................................... 91

Gráfico 3 – A quarta pergunta do questionário ......................................................... 92

Gráfico 4 – A quinta pergunta do questionário ......................................................... 93

Gráfico 5 – A sétima pergunta do questionário ........................................................ 94

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 11

2. VIDEOGAME, TRADIÇÃO E INOVAÇÃO ............................................................................... 15

3. GAME DESIGN .............................................................................................................................. 30

4. A NARRATIVA NOS VIDEOGAMES ......................................................................................... 48

5. ESTUDO DE CASO: DARK SOULS .......................................................................................... 65

6. CONCLUSÃO ................................................................................................................................. 97

REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 99

ANEXOS ............................................................................................................................................ 102

11

1. INTRODUÇÃO

Ao longo dos anos sempre me deparei com um fascínio próprio com o

entretenimento. Uma partida de xadrez, uma boa leitura, ou até mesmo um filme de

enredo eletrizante. Na infância tive a oportunidade de encontrar uma caixa preta

aparentemente abandona pelo meus pais. Ao questioná-los com tamanha

curiosidade, me recordo de ser informado de que aquele era um velho videogame.

Mas o que era um videogame? Lembro-me de perguntar. Meu pais o

conectaram a TV e me entregaram uma espécie de alavanca com apenas um botão

na cor laranja após acoplar um cartão preto a caixa. A partir daquele momento pude

controlar aviões, canhões e submarinos que não só se moviam com aquilo que aquilo

que estava pressionando, mas que também iriam me destruir, se minhas entradas não

fossem rápidas o suficiente.

Tratava-se de um novo tipo jogo em uma máquina que, anos depois fui

reconhecer como o Atari 2600. Com o passar do tempo, fui apresentado a outros

desses pelo meu pai, que, por sua vez, eram apresentados a ele por seus amigos e

colegas de trabalho. Disquetes e CDs eram utilizados copiá-los ao nosso computador

e a cada novidade, os jogos ficavam progressivamente melhores visualmente e

naquilo possibilitavam fazer.

A partir daí minha paixão pelos jogos eletrônicos tinha sido estabelecida e

perdura, principalmente, até esse momento. A pesquisa que lhes apresento é fruto

desse relacionamento e busca compreender aquilo que os dá esse potencial de

engajamento com seus consumidores.

Este estudo parte da ideia de que é necessário compreender o jogo como

fenômeno e entender sua conexão com a tecnologia, assim como a maneira que seus

componentes afetam a quem os pratica. Através de uma pesquisa bibliográfica de

natureza exploratória, que busca em publicações, produções cinematográficas e

recursos disponíveis na internet, ferramentas para elucidar tais questionamentos,

iniciaremos os três capítulos subsequentes deste trabalho.

Nossa jornada também consiste em um estudo de caso da franquia de jogos

da série Dark Souls e uma pesquisa qualitativa que será realizada entre as

comunidades de seus jogadores nas discussões individuais de cada jogo na internet.

Tal pesquisa será realizada entre os dias 8 de Junho a 11 de Junho de 2016 e visa

12

apresentar as preferências desses jogadores frente aos aspectos constituintes dos

jogos. A meta estabelecida de participação nos questionários será quinhentos

entrevistados, tendo como única limitação apenas uma entrada por indivíduo. A opção

por esse tipo de pesquisa se deu em função de sua natureza:

A pesquisa qualitativa não se preocupa com representatividade numérica, mas, sim, com o aprofundamento da compreensão de um grupo social, de uma organização, etc. Os pesquisadores que adotam a abordagem qualitativa opõem-se ao pressuposto que defende um modelo único de pesquisa para todas as ciências, já que as ciências sociais têm sua especificidade, o que pressupõe uma metodologia própria. Assim, os pesquisadores qualitativos recusam o modelo positivista aplicado ao estudo da vida social, uma vez que o pesquisador não pode fazer julgamentos nem permitir que seus preconceitos e crenças contaminem a pesquisa. (GOLDENBERG, 1997, p. 34)

Os formulários visam eleger um jogo favorito entre os jogos pertencentes a

série, o porquê da escolha, as plataformas em que são jogados, qual é o aspecto de

jogo preferido entre seus jogadores, como esses descrevem sua experiência com os

mesmos, suas opiniões quanto o nível de dificuldade dos jogos, e, por fim, qual a

relevância da narrativa, neste sentido, similar a narrativa literária e fílmica na entrega

dessa experiência.

As ferramentas de pesquisa acima visam, acima de tudo, possibilitar a resposta

para a questão norteadora do trabalho: De que forma a narrativa atua na ligação

dos elementos constituintes de um videogame contemporâneo e quais seus

efeitos na experiência de jogo final?

Para obter e reconhecer as possíveis respostas para a pergunta, utilizaremos

do método científico hipotético-dedutivo. Parte-se do entendimento de método como

"um procedimento regular, explicito e passível de ser repetido para conseguir-se

alguma coisa, seja material ou conceitual” (BUNGE, 1980).

Lakatos e Marconi (2000, p. 71) defendem a ideia de que o método hipotético-

dedutivo tem sua maior importância na questão que será passiva de testes

provenientes da observação e experimentação. Sir Karl Raimund Popper, idealizador

do método, citado pelas autoras na mesma obra, afirma que o único método científico

seria o método hipotético-dedutivo, já que toda pesquisa teria sua origem num

problema para o qual se procura uma solução, por meio de tentativas (conjecturas,

hipóteses, teorias) e eliminação de erros. Ao contrário do método dedutivo que “parte

de princípios reconhecidos como verdadeiros e indiscutíveis e possibilita chegar a

13

conclusões de maneira puramente formal, isto é, em virtude

unicamente de sua lógica. ” (GIL, 2008, p. 9).

Através do método, antecipam-se três possíveis situações hipotéticas a serem

verificadas para a resposta da questão norteadora:

A narrativa não possui participação na integração dos demais aspectos constituintes

dos videogames contemporâneos e não afeta a experiência de jogo final.

A narrativa participa da integração dos aspectos constituintes dos videogames

contemporâneos, mas não afeta a experiência de jogo final.

A narrativa otimiza a integração dos demais aspectos dos videogames contemporâneos

e otimiza a experiência de jogo final.

Essa pesquisa, tem, portanto, o objetivo principal de responder à questão

norteadora da pesquisa através das hipóteses mencionadas acima, assim como os

objetivos específicos de comprovar a existência dos aspectos levantados pela

bibliografia em um produto videogame e explorar a opinião dos jogadores frente ao

mesmo.

Contudo, lhes convido a entrar em um universo que reúne os conceitos de

Rogers Caillois sobre o fenômeno do jogo e sua atuação psicológica, a história da

indústria a partir da visão de Steven Kent, a potencialidade e tudo aquilo englobado

pelos videogames segundo Jeannie Novak e como as narrativas dos diversos meios

de entretenimento também podem ser encontradas no videogame, assim como a

maneira em que essas são baseadas em representações familiares aos homens

segundo os estudos de Carl Jung e Joseph Campbell.

A busca por tal entendimento antecipa fontes na língua inglesa, portanto, afirmo

que todo conteúdo na língua será traduzido e localizado no rodapé de sua página

original. Todas as informações de lançamento apresentadas nos capítulos a seguir

referentes aos videogames foram todas retiradas do portal Giant Bomb1.

1 http://www.giantbomb.com/

14

Contudo, “Take a step forward” 2 é o conselho, geralmente, presente em Dark

Souls antes de um mergulho ao desconhecido.

2 Tome um passo à frente.

15

2. VIDEOGAME, TRADIÇÃO E INOVAÇÃO

Neste capítulo iremos explorar o constituem os jogos, o comportamento

daqueles que os jogam, a evolução de seus meios, assim como a origem subsequente

de novas culturas e tradições em função dessa nova plataforma de jogo: os

videogames.

Segundo o sociólogo Roger Caillois (1990) os jogos nada mais são do que uma

representação cultural da espécie, que tem como princípio, independente de um

contexto histórico, a necessidade pela distração e pelo entretenimento. O jogo,

embora parta dessas premissas, consiste em um sistema, regrado e respeitado:

É uma atividade ou ocupação voluntária, exercida num certo nível de tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas e absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, atividade acompanhada de um sentimento de tensão e alegria, e de uma consciência de ser que é diferente daquela da vida cotidiana. (HUIZINGA, 1999, p.33).

A essência do jogo é baseada, portanto, na interação livre entre o participante,

um determinado contexto (jogo) e seus respectivos estímulos. Uma tríplice relação,

semelhante à da Semiose, vista em Peirce (1974) como a inter-relação tri-relativa de

componentes distintos: signo, objeto e interpretante.

Partindo então desse pressuposto, podemos observar o que nos diz Eco

(2004), em que a Semiose é um fenômeno pertencente à base teórica da Semiótica,

que por sua vez, quando equiparada a teoria de Peirce à Lógica.

Se Peirce (2003) define que o sentido/entendimento se dá em função de um

estímulo ou signo, esse referente, que não completamente equivalente a um objeto

será decodificado por um novo signo, o interpretante.

O jogo então, quando visto por uma ótica indutiva, corresponde a um fenômeno

semiótico, da mesma forma que a leitura de um romance, ou a testemunha de um

filme o fazem. Neles existem um conjunto de signos presentes no “corpo” das

construções, assim como nas interpretações de seus receptores. O hábito de jogar,

portanto, consiste em algo que não é imposto, mas que também não é livre. Deve, em

essência, possuir um início e um fim para que, então, seja possível a criação,

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abstração e transcendência de uma experiência amenizadora, ou atenuadora da

realidade humana. Uma sublimação3.

Mas seria essa transposição do ser através dos estímulos, responsável

também pela conexão histórica e pelo interesse do homem aos os jogos? Caillois

(1990, p. 47) acredita que “reside no âmago do jogo uma liberdade primeira,

necessidade de repouso e, simultaneamente, distração e fantasia”.

Todavia, a racionalidade estabelecida pela semiose dentro do jogo pode

parecer irracional para aqueles que o observam:

No jogo de azar, por exemplo, existe o interesse pelo ganho material, contudo, ali também está incluída uma paixão, uma fascinação, que faz com que se mantenham as características principais de jogo, tratando-se, no entanto, de jogo interessado. No jogo de azar, não é certo que o jogador vá ganhar; tudo é possível acontecer, impera o risco; e o risco caracteriza o jogo. (ALBORNOZ, 2009, p.79)

O interesse e estrutura com base na paixão (irracional) garante ao jogo, já

múltiplo em signos e interpretantes, uma constituição multidimensional, racional e, ao

mesmo tempo, irracional. Huizinga, entretanto vai além, caracteriza o jogo de uma

maneira mais radical: “Como a realidade do jogo ultrapassa a esfera da vida humana,

é impossível que tenha seu fundamento em qualquer elemento racional, pois nesse

caso, limitar-se-ia à humanidade." (HUIZINGA, 1999, p.6). Embora essa divergência

possa dificultar o entendimento da natureza do jogo, é inegável que enquanto joga, o

indivíduo planeja, sente, imagina e deseja. Tais ações, em conjunto, são fatores

cognitivos e reflexivos 4 resumidos em um único ato.

Caillois (1990, p.32) aponta que, embora, ambos relativos os jogos, a maneira

e motivo para a prática de jogo, possuem formas completamente distintas em

abordagem. O autor utiliza os termos Ludos e Paidia para indicar a natureza em que

as motivações de jogo surgem. Enquanto a Paidia é relativa as às alegrias primeiras

e um tanto inexplicáveis, como as emitidas no quase interminável corte de papel em

minúsculos pedaços, consiste nas agitações imediatas e espontâneas geradores do

riso e alegria. Já o Ludos surge em antítese à Paidia. Embora ambos sejam

3 Em A Moral Sexual Civilizada e o Nervosismo Moderno (1989), Sigmund Freud caracteriza o processo de sublimação como uma espécie de canalização da entrega de estímulos sexuais em outras fontes, como por exemplo, em um produto cultural. 4 Segundo o dicionário Michaelis (2011) a reflexão está ligada ao aprendizado, enquanto a reflexão estaria ligada a aplicação deste conhecimento.

17

direcionados a satisfação e distração, o Ludos refere-se à imposição da disciplina ao

jogo e a superação dos obstáculos impostos ao mesmo, sejam eles referentes à

habilidade, ou as forças comuns como o acaso, em uma partida de futebol, ou de

cartas, por exemplo.

A regulamentação da felicidade inexplicável, através da “sede” pela dificuldade

e disciplina garantem aos jogos e aos seus jogadores propósitos intercambiáveis no

que se diz respeito a prática do jogo. Os motivos pelos quais se jogam estão

diretamente conectados ao Ludos e a Paidia e suas combinações garantem a

existência e longevidade do jogo. Caillois (1990, p.32) aponta como fatores dessa

operação os seguintes termos: Agôn, Alea, Mimicry e Ilinx.

O Agôn, assim como sua origem no grego, compreende todos os jogos

relacionados a algum tipo de competição. Evidenciado, com facilidade, em disputas

esportivas, o temo se estende às rivalidades onde os participantes possuem igualdade

de possibilidade, onde a vitória ascende dessa deficiência, ou handicap5. A conexão

direta com o Ludos os torna quase dependentes: uma competição só existe se houver

regra e um critério determinante. “O Agôn apresenta-se como forma pura do mérito

pessoal e serve para o manifestar”. (CAILLOIS, 1990, p.35).

A Alea, que não deve ser confundida com o nome de um jogo de dados em

latim, representa um contraponto ao Agôn. Consiste em um desfecho independente

aos jogadores, deixa-se ao destino a decisão sobre o vitorioso e o perdedor. Na Alea

os riscos dos jogos de azar anteriormente mencionados estão claramente

representados. A crença em variáveis como a sorte e a alegria a ela atribuída em um

desfecho positivo transparecem a ligação da Alea com a Paidia. “O Agôn reinvindica

a responsabilidade individual, a Alea a demissão da vontade, uma entrega ao destino”.

(CAILLOIS, 1990, p.37).

Embora ambos os termos simbolizem comportamentos e crenças distintas,

existem, ainda, outros fatores que explicam a motivação do ser humano para com o

jogo. O deslumbre com a ilusão, ou procura por uma dissociação do real também são

atrativos dos jogos frente a humanidade.

Qualquer jogo supõe a aceitação temporária ou de uma ilusão (ainda que esta palavra signifique apenas entrada em jogo: in-lusio), o jogo pode consistir, não na realização de uma atividade ou na assumpção de um destino

5 Incapacidade.

18

num lugar fictício, mas sobre tudo na encarnação de um personagem ilusório e na adopção do respectivo comportamento. (CAILLOIS, 1990, p.39).

O mimetismo presente na Mimicry é um aspecto de jogo onde a máscara, o

disfarce e a criação de uma nova persona são chave. A ideia de ser outra pessoa, ou

de imitá-la é o que garante a satisfação, mas essa não é pertencente a crença de que

os jogadores são aquilo que estão fingindo ser, mas sim pela dissimulação, mesmo

que temporária, da realidade do mesmo:

A Mimicry é invenção incessante. A regra do jogo é uma só: para o actor consiste em fascinar o espectador, evitando que um erro o conduza à recusa da ilusão: para o espectador consiste em prestar-se à ilusão sem recusar a priori o cenário, a máscara e o artifício em que o convidam a acreditar, durante um dado tempo, como um real mais real do eu o real. (CAILLOIS, 1990, p.43).

A última classificação dos motivos por trás do hábito de jogo, a Ilinx,

corresponde a uma busca pela vertigem, a alteração da percepção e consciência e/ou

‘pânicos’ momentâneos. Da mesma forma que crianças se divertem com os

maquinários de um parque de diversões, ou vibram com os picos de um balanço, os

homens encontram em momentos de euforia, como na direção de um carro em alta

velocidade, ou até mesmo na distorção do real sob a influência de alguma substância,

uma experiência satisfatória e intrigante.

Somadas ao Ludos e Paidia ambas Mimicry e Ilinx originam jogos distintos, que

podem variar do simples uso de uma máscara (Mimicry + Paidia) a uma complexa

peça de teatro (Mimicry + Ludos). A Ilinx, por sua vez, se somada a Paidia pode

corresponder a uma dança, como a valsa, e ao Ludos originando esportes como o

alpinismo e as acrobacias da ginástica.

Agôn, Alea, Mimicry e Ilinx e suas possíveis naturezas Ludos e Paidia são

componentes determinantes para existência e longevidade de qualquer seja o jogo. A

evolução dos mesmos, por sua vez, é naturalmente regrada pelo tempo em que

operam.

Para melhor entendermos o fenômeno dos jogos, sobretudo dos videogames,

é preciso contextualizar seu lugar e o seu tempo. Frente a contemporaneidade dos

séculos XX e XXI, o autor francês Pierre Lévy (2001) afirma que a condição humana

se encontra em processo de constante virtualização. A formatação de uma nova

19

cultura, ou representação da mesma, acontece através de um ambiente distante,

etéreo e imediato, que teve raízes primordiais naquilo que hoje é conhecido como

analógico. Essa cultura proveniente da possibilidade e capacidade da informação, a

cibercultura, é defendida por Pierre Lévy, em obra homônima, trata em conceituar e

entender os novos tipos de relações sociais frente as novas fronteiras do imaginário.

O autor afirma sobre a cibercultura e o ciberespaço:

O termo [ciberespaço especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informação que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Quanto ao neologismo ‘cibercultura’, especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço. (LÉVY, 1999, p.17).

Produtos dessa cibercultura e presentes no ciberespaço as mídias eletrônicas,

segundo Garbin (2003) se apresentam como um avanço tecnológico capaz de

modificar nosso comportamento, com um discurso que se materializa em novas

condições e possibilidades; em novos espaços e em novas formas por ele assumidas.

O dicionário Michaelis (2011) descreve o videogame em diferentes aspectos, o

primeiro como software6 interativo acoplado a um dispositivo que permite a interação

e compartilhamento de dados com outro dispositivo. O segundo sendo a de um

videocassete7 com a gravação de um jogo eletrônico, um videojogo. A terceira

referente ao um computador, com joystick8 e adaptador de vídeo, projetado

exclusivamente para jogos; console 9 de jogos.

6 O dicionário Michaelis (2011) caracteriza o software como: “Qualquer programa ou grupo de

programas que instrui o hardware sobre a maneira como ele deve executar uma tarefa, inclusive sistemas operacionais, processadores de texto e programas de aplicação”. A definição de hardware está localizada na próxima página. 7 O portal Como Tudo Funciona o descreve como um equipamento para reprodução analógica de fitas

magnéticas. Disponível em: <http://tecnologia.hsw.uol.com.br/videocassetes.htm> (Acesso em 10. Jun. 2016.) 8 O portal Como Tudo Funciona o descreve como um controlador com botões e/ou alavancas utilizado para operar um videogame, ou computador. Fonte: <http://tecnologia.hsw.uol.com.br/joystick.htm> (Acesso em 10. Jun. 2016.) 9 O console é um computador simplificado com o propósito voltado para a reprodução dos videogames

e seus derivados. O dicionário Michaelis (2011) o define como: “Unidade que permite que um operador

se comunique com um sistema de computador. “

20

Como resultado dessa divergência, temos o videogame como software, mas

também como hardware10. Os autores Régis e Perani (2009) afirmam que no campo

da comunicação, os videogames, ou jogos digitais, atuam como produtos midiáticos,

tornando-se a base de processos comunicativos que articulam e fazem repensar as

relações entre a tecnologia e a cognição.

Com uma ligação tão próxima aos impulsos, desejos humanos e uma crescente

representatividade na cultura virtual, a cibercultura, os videogames acabaram por

ocupar diferentes espaços no âmbito dos jogos. Falco, quanto a isso, afirma:

Em busca da convergência entre a tecnologia e a criatividade, os games servem hoje para educação, treinamento de profissionais das mais diversas áreas, desde aviação, medicina até negócios, assim como meio de divulgação de marcas. De meros objetos de entretenimento, são, hoje, meios interativos com os quais o usuário constrói hipóteses, resolve problemas, desenvolve estratégias, aprende regras, simula o real. ” (FALCO, 2007, p.52).

A busca pelas origens do fenômeno nos levam, aparentemente, a seguinte

constatação: A medida que as tecnologias evoluem, também crescem a complexidade

dos jogos eletrônicos, que segundo o documentário Video Games: The Movie (2014),

nasceram de uma combinação de inovação, necessidade e curiosidade durante as

décadas 1960 e 1970. O documentário também aponta que embora a autoria da

origem dos videogames seja polarizada entre a comunidade de jogadores e críticos,

existem aqueles que acreditam que deva ser atribuída a Nolan Bushnell, o co-

fundador da Atari, Shigeru Miyamoto, executivo da Nintendo envolvido na criação de

franquias como Super Mario, Donkey Kong, Star Fox e The Legend of Zelda, ou até

mesmo aqueles que reconhecem Ralph Baer, o inventor do primeiro console, como o

‘pai’ dos videogames.

Segundo Kent (2010) a história dos videogames pode ser categorizada através

das gerações de equipamentos fliperamas11, computadores, ou consoles e os jogos

neles lançados, assim como em qualquer outra indústria. O autor aponta que antes

10 O dicionário Michaelis (2011) caracteriza o hardware como: “Conjunto de unidades físicas,

componentes, circuitos integrados, discos e mecanismos que compõem um computador ou seus periféricos. ”

11 Segundo o dicionário Michaelis (2011) um fliperama é uma: “Máquina montada numa espécie de

caixa, geralmente em vídeo e dispositivos de controle, dotada de um cartucho ou microprocessador que possibilita um tipo só de videojogo ou telejogo em suas variações ou graus de dificuldade. ”

21

de todos os nomes identificados pelo documentário Video Games: The Movie (2014),

um jovem estudante do Massachusetts Institute of Technology (MIT), deu início a febre

de jogos interativos. Steve Russell foi o criador do Spacewar (1962), um dos primeiros

videogames, e sobre o mesmo, Russel afirma o seguinte:

There's some question about how you define a computer game. Two interactive programs existed before Spacewar, in which you interacted with switches on the computer and you changed a display on the screen, depending on what you did with the switches. But they weren't particularly designed as games. And they weren't very popular because, as games, they weren't very good. (RUSSEL apud KENT 2010, p.15).12

O jogo foi desenvolvido para a plataforma PDP-113 que segundo Kent (2010)

consistia em um simples duelo entre duas espaçonaves, onde os jogadores

controlavam a direção e velocidade de suas naves, assim como o disparo de torpedos

em direção ao outro. Steve Russel aponta o seguinte, frente ao modo de jogo: “It was

a two-player game; there wasn't enough computing power available to do a decent

opponent. I was the first person to not make money on a two-player computer game.”

(RUSSEL apud KENT 2010, p.19)14.

A composição estruturada em função da competição, do ágon, garantiu ao

Spacewar reconhecimento frente a comunidade tecnológica e da própria empresa em

que o jogo foi concebido; segundo Kent (2010) o Spacewar era distribuído junto com

o PDP-1 para diagnósticos dos componentes e ganhou até mesmo controladores

próprios que tornavam o manuseio do PDP-1 mais simples. Os controles possuíam

cada função do jogo mapeadas aos botões e alavancas, o que veio a ser o percussor

do joystick aos consoles que iniciaram com a criação de Ralph Baer, o Odyssey.

Kent (2010) afirma que a popularidade do Spacewar não foi suficiente para lhe

tornar em um sucesso comercial devido ao fato de que só poderia ser jogado em

máquinas PDP-1, que, na época, custavam cerca de cento e vinte mil dólares. O

12 Existe um debate sobre como você define um jogo de computador. Dois programas existiram antes

do Spacewar, os quais você interagia com alavancas no computador que mudavam o que era exibido na tela de acordo com o que você fazia. Mas eles não foram particularmente criados como jogos. E eles não eram tão populares, porque, como jogos, eles não eram muito bons. 13 Computador lançado pela Digital Equipment Corporation em 1959. 14 Era um jogo para dois jogadores, não havia poder computacional o suficiente para se criar um

oponente decente. Eu fui a primeira pessoa a não ganhar dinheiro com um jogo de computador para dois jogadores.

22

mesmo erro foi cometido pela Magnavox em 1970, empresa responsável pela

manufatura do console Odyssey. A empresa teria ido contra recomendações de Ralph

Baer, que sobre o ocorrido afirma o seguinte:

“Magnavox did a really lousy engineering job-[they] over-engineered the ma- chine. Then they upped the price phenomenally so that the damn thing sold for $100. Here's this thing I wanted to sell for $19.95 coming out at $100. Then in their advertising they showed it hooked up to Magnavox TV sets and gave everyone the impression that this thing only worked on Magnavox TV sets.” (BAER apud KENT 2010, p.25).15

O Kent (2010) também aponta que coube ao empreendedorismo de Nolan

Bushnell a viralização da cultura do videogame, essa que nasceu com a fundação da

Atari em 1972 e o lançamento de um jogo extremamente similar a uma das patentes

registradas por Ralph Baer. Segundo o autor, Baer teria registrado a patente para um

jogo eletrônico de tênis de mesa baseado na interação com um controlador e um

monitor de vídeo em 1968.

A criação da Atari em 1972 foi o videogame Pong, desenvolvido pelo

engenheiro de software Al Alcorn. Em essência, o jogo consiste em uma partida de

ping-pong entre dois jogadores. Alcorn afirma no documentário Video Games: The

Movie (2014) que através da identificação de uma falha de design, o jogo pôde se

transformar em algo que poderia ser jogado, praticamente, para sempre: Al Alcorn

possibilitou que as duas raquetes atingissem os limites verticais da tela, sendo, então,

o resultado do jogo dependente apenas das habilidades de seus jogadores.

15 A Magnavox fez um trabalho de engenharia bem pobre-[eles] sobrecarregaram a máquina. Daí eles

subiram o preço fenomenalmente para que a maldita coisa fosse vendida por $100. Porém, eu queria vender por $19,95. Depois, nos anúncios eles o mostraram conectado as TVs da Magnavox e deram a impressão a todo mundo que isso só funcionava com elas.

23

Disponível em: < https://www.dropbox.com/s/f5l7n84wuyjej20/1.png?dl=0>

Acesso em 10. Jun. 2016

Em uma fala ao documentário Video Games: The Movie (2014), Nolan

Bushnell, afirma que uma de suas primeiras descobertas foi a de que os jogos que

faziam mais sucesso eram aqueles fáceis de aprender, mas impossíveis de dominar.

O ludos, o amor dos homens pelas regras, ou obstáculos, impostas e/ou presentes no

jogo, pode corroborar a afirmação do empresário.

O sucesso do jogo e da manufatura em grandes quantidades das máquinas de

Pong para os fliperamas, segundo Kent (2010), foram devido às experiências prévias

de Bushnell na recriação do jogo Spacewar de Steve Russel para aparelhos de baixo

custo, assim como em uma suposta sondagem do console da Magnavox e Ralph Baer

em um evento de divulgação do mesmo. A resposta do público para o jogo garantiu a

Atari seu primeiro processo legal. Kent (2010) aponta que a Atari e Magnavox

resolveram sua disputa em um acordo fora do tribunal.

Ralph Baer e a empresa responsável pela manufatura do Odyssey não

perceberam o potencial da propriedade e concordaram em licenciar o jogo de forma

única à Atari, que por sua vez, aceita o acordo e se beneficia do mesmo, enquanto

outros competidores seriam alvos da Magnavox na busca por royalties e

reivindicações de propriedade. O acordo possibilitou a Atari a se consolidar como a

empresa líder em uma indústria já milionária por volta da década de 1970, garantiu a

Bushnell imensa popularidade e um futuro para tudo aquilo relacionado aos

Figura 1 – Pong

24

videogames. O autor Steven Kent (2010) relata um encontro entre Baer e Bushnell

anos após o ocorrido:

Years later, Baer ran into Nolan Bushnell and Gene Lipkin, Atari director of marketing, on the floor of the Consumer Electronics Show. According to Baer, Bushnell introduced him as "the father of video games." Baer smiled and said, "I wish you would have said that to the press. (KENT, 2010, p. 48)16

Apesar de possuir definições e origens controversas, o termo e objeto

videogame é apresentado no documentário Video Games: The Movie (2014) como

referente à quadriculação do sistema RGB17 presente nas tecnologias de monitores

de vídeo. As imagens exibidas pertencem a categoria bitmap, traduzido livremente do

inglês para mapa de bits18. Os bitmaps são constituídos em pixels19, cujos valores

RGB são traduzidos nos bits. A profundidade de cor, ou número de bits, presente em

cada pixel torna possível a exibição de mais canais e maior gama de cores na imagem,

consequentemente aumentando sua fidelidade visual.

O documentário aponta também que quanto maior a profundidade de cor

presente na imagem, mais memória é exigida no processamento de dados do vídeo

game e, conforme o constatado até mesmo na concepção do Spacewar, a memória

disponível nas décadas iniciais dos videogames era extremamente limitada, embora

não determinante no impedimento da criação de jogos que desafiaram cada vez mais

os limites da tecnologia.

16 Anos depois Baer encontrou Nolan Bushnell e Gene Lipkin, o director de Marketing da Atari, no piso

da Consumer Eletronics Show. De acordo com Baer, Bushnell o apresentou como “o pai dos videogames. ” Baer sorriu e disse: “Eu gostaria que você tivesse dito isso a imprensa. ” 17 Correspondente as cores vermelho, verde e azul em inglês. Utiliza das combinações dessas cores

para a exibição de imagens na tela.

18 Um bit é o menor valor de dado em um computador e pode receber apenas dois valores 0 ou 1. 19 Um pixel é o menor ponto de localização dentro de um arquivo de imagem bitmap. Tais imagens

são compostas por conjuntos de pixels com valores RGB diferentes.

25

20

Disponível em: <https://www.dropbox.com/s/gxbevlmsy8ujfs7/4.jpg?dl=0>.

Acesso em 10. Jun. 2016

21

Disponível em: <https://www.dropbox.com/s/fdtrxs7y7nfzdlp/3.jpg?dl=0>.

Acesso em 10. Jun. 2016

20 Console lançado pela Atari em 1977.

21 Console lançado pela empresa japonesa, Sony, em 2013.

Figura 2 – E.T. the Extra-Terrestrial – Atari 2600

Figura 3 – Uncharted 4: A Thief's End – Playstation 4

26

O documentário Video Games: The Movie (2014) permite levantar um

questionamento válido frente ao fenômeno. Se os videogames fossem apenas uma

combinação de respostas entre a interação dos inputs22 do jogador, não estaríamos

cansados de jogar sempre a mesma coisa? Don James, executivo da Nintendo, afirma

ao documentário que por volta da década de 90, com o lançamento do console Super

Nintendo23 os jogos haviam evoluído para além da tecnicidade, agora havia o fator

imersão em função de uma história: agora haviam motivos para se jogar e para

continuam jogando, fosse para salvar uma pessoa, o planeta ou resolver mistérios e

se divertir.

Os videogames passaram, então, a incorporar cada vez mais as razões e

naturezas dos jogos defendidos por Caillois (1990) e a formarem diferentes tradições

de jogo devido aos diferentes gêneros sendo desenvolvidos para os sistemas

disponíveis. Justin Richmond, diretor de jogos da Naughty Dog24, aponta no

documentário Video Games: The Movie (2014) que com a chegada dos consoles

Playstation25 em 1994 e do Nintendo 64 26 em 1996, a operação de jogos

desenvolvidos em três dimensões, ou 3D, dariam aos jogadores novas formas de se

relacionarem com aquilo que estavam acostumados a realizar dentro dos jogos.

Entretanto, jogos em 3D como Doom, lançado em 1993, já estavam disponíveis para

o computador em sistemas operacionais como o MS-DOS (o antecessor do Windows)

e Mac.

Em busca de maior capacidade de processamento e funcionalidade, os

videogames continuaram a evoluir em especificação técnica, mas também em visão.

O mesmo documentário aponta que cada iteração dos consoles permite aos criadores

consolidarem com ainda mais fidelidade sua visão artística, que por consequência

também tornam os videogames em produtos de arte, partindo da ideia que a soma do

meio técnico com a mensagem a ser transmitida para o jogador, intencionalmente, ou

não, é real e única em meio a outras mídias e outras formas de arte.

22 Entradas.

23 Console lançado pela Nintendo em 1990. 24 Empresa desenvolvedora de videogames famosa por jogos como Crash Banditcoot e Uncharted.

25 Console lançado pela Sony em 1994.

26 Console lançado pela Nintendo em 1996.

27

As novas formas de se jogar e porquê jogar trouxeram aos jogadores epifanias

apresentadas no documentário Video Games: The Movie (2014) como as de Karl

Stewart da Cristal Dynamics27, que afirma que além de passar a gastar mais dinheiro

com jogos, os jogadores veem os mesmos como meios de entretenimento, onde é

possível ser um participante ativo da construção; ou as de Christine Converse, da

Sony, que indica que os jogos mais antigos pertencentes aos consoles da década de

70 e 80 eram mais difíceis, dependentes apenas de ações precisas para que se

progredisse ao próximo nível, onde os mais recentes apresentam diferentes

possibilidades de se concluir um estágio de jogo buscando maior complexidade na

simulação de mundos cada vez mais reais.

No mesmo documentário aparecem falas que traduzem a visão dos

profissionais a indústria frente as novas possibilidades tecnológicas e artísticas e ao

seu próprio exercício de profissão. O executivo de Comunidade da Naughty Dog, Eric

Monacelli afirma sobre a contemporaneidade dos videogames e o comportamento do

jogador:

I feel like games as they've developed throughout time have kept a lot of the same traits, they've just sort of manipulated how they act in the game world because people have different desires from them, they want to be more involved, they don't want just sit down and, you know, sit at a bar for a little while and play Pong, they to actually be invested in that game world a little more. (MONACELLI apud SNEAD in Video Games: The Movie, 2014 – transcrição).28

Portanto, a reorganização de elementos já familiares aos jogadores, que agora

estavam amadurecendo junto a indústria, permitiu que os jogos explorassem novos

horizontes. Wyeth Johnson, diretor de arte da Epic Games29 aponta ao mesmo

documentário que no início da indústria, essa estava apenas familiarizando com suas

mecânicas e consumidores e uma vez que esses foram compreendidos, foi possível

se projetar para outras funções como gráficos de alta fidelidade visual. Os gráficos

27 Empresa desenvolvedora de jogos famosa por jogos como Tomb Raider e The Legacy of Kain.

28 Eu sinto que os jogos, à medida que eles se desenvolveram pelo tempo, manteram uma grande

parte dos mesmos aspectos, porém a maneira como esses agem no mundo do jogo mudou, pois, as pessoas têm desejos diferentes deles. Elas querem estar mais envolvidas, elas não querem simplesmente ir a um bar por pouco tempo e jogar Pong, elas querem estar investidas naquele mundo do jogo um pouco mais. 29 Empresa desenvolvedora de jogos famosa por jogos como Unreal Tournament e Gears of War.

28

também se tornaram mais relevantes devido ao, ainda novo, aprendizado de como

esses podem se relacionar com a narrativa e gameplay.

O criador da série Metal Gear, Hideo Kojima complementa a fala dos

profissionais citados acima através da sua experiência, também, apresentada pelo

documentário. Kojima reflete:

“In those days, a game designer main job was to create the rules of the game, that's all. It was very much like chess, or cards. In the 90's with PlayStation and more powerful technology arriving we had the gift of expression, games became 3D, character could talk, music could be created, characters could emote through detailed facial expressions.” (KOJIMA apud SNEAD in Video Games: The Movie, 2014).30

A busca pela tecnologia e o interesse em entregar ao público experiências mais

completas, dinâmicas e acima de tudo divertidas são características presentes em

toda a história dos videogames – e de seus criadores – que Kent (2010) traduz no

subtítulo de seu livro The Ultimate History of Video Games, como uma paixão que

tocou nossas vidas mudou o mundo.

Contudo, os dados apresentados neste capítulo nos permitem afirmar que o

fenômeno dos jogos é correspondente a um ato de transposição da consciência

humana para uma situação multifacetada que tem como propésito entreter, e ao

mesmo tempo sanar diferentes anseios inerentes ao homem. A evolução dessa

sistemática para o meio eletrônico em escala global permite, de certo modo, confirmar

que os videogames se traduzem em manifestações artísticas singulares, que

independente de finalidade, são multisensoriais, onde a experiência de jogo depende

principalmente da interação entre jogador (es) e jogo (e seus criadores), e também da

imersão proporcionada pelas tecnicidades presentes nos alicerces do jogo e dos

recursos visuais vinculados a operação do jogador. Esse jogador, por sua vez,

também é único em sua interpretação do jogo como fenômeno e produto, embora

busque estímulos de ágon, alea, mimicry e/ou ilinx em fontes de ludos e/ou paidia.

Com base no que vimos até agora e nos conceitos explorados pelos autores

também referenciados neste capítulo, surge um questionamento secundário: seria a

maneira em que o jogo é construído a peça-chave para se compreender a entrega

30 Naqueles dias o trabalho de um game designer era de criar as regras de um jogo e só isso. Era como

xadrez, ou cartas. Nos anos 90 com o Playstation e as novas tecnologias nós recebemos o presente da expressão, os jogos se tornaram 3D, os personagens podiam falar, a música podia ser criada e os personagens podiam reagir através de expressões faciais.

29

desses estímulos ao jogador? Buscaremos, portanto, elementos no próximo capítulo,

para elucidar ainda mais nosso conhecimento sobre este ponto e assim ampliar ainda

mais nossa visão sobre os videogames.

30

3. GAME DESIGN

A busca pela compreensão do fenômeno videogame nos apresentou a

possibilidade de que sua constituição seja o principal meio de relação entre jogo e

jogador. Na busca por maiores esclarecimentos, Philip Kotler (2000) define o termo

design como a integração da engenharia e marketing, uma união que envolve o

processo de criação, mas também o produto final desse. O termo indica um

relacionamento entre criador e produto que transcende finalidade, mas que influencia

sua mensagem final, seja ela pura, ou hibrida em manifestação comercial/artística. O

mesmo termo aplicado ao universo dos videogames, mas não limitado apenas as

áreas de engenharia de software, dá origem a segundo termo: o game design.

O videogame, conforme o estabelecido no capítulo anterior, compartilha a

natureza sistêmica dos jogos não-eletrônicos e, portanto, possui maneiras especificas

para que o gameplay31 ocorra dentro de todas as possibilidades estabelecidas durante

o extenso processo de game design. A autora Jeannie Novak Game Development

Essentials: An Introduction (2011, p.38) aponta que composição, classificação e

experiência de um videogame são dependentes da seguinte série de variáveis:

plataforma, intervalo de tempo, modo de jogador, objetivos e gênero.

A plataforma é correspondente ao meio de consumo em que um determinado

jogo está disponível e tem sido relevante desde os primórdios dos videogames. Novak

(2011) afirma que assim como os fliperamas, os consoles são máquinas com propósito

original voltado apenas para o jogo, mas que ampliaram suas funcionalidades ao

longo dos anos para outras formas de entretenimento como a reprodução de CDs de

música, filmes em DVD (e posteriormente o Blu-ray) e a conexão com a internet.

Distanciando-se ainda mais dos fliperamas, os consoles são voltados para o

consumo doméstico, uma vez que é necessário um aparelho de televisão para a

visualização do jogo, embora existam consoles móveis e até mesmo celulares, que

dispensam o televisor e podem ser carregados nos bolsos de qualquer jogador. O

desenvolvimento de videogames para tais máquinas traz a garantia de que todos os

jogadores terão o mesmo hardware e, portanto, um jogo que funcione em todas as

unidades do console. Esse hardware, porém, é um engenho proprietário cuja

distribuição de software é permitida, ou não, pelas empresas que o desenvolveram.

31 Jogabilidade.

31

Empresas como Sony, Microsoft e Nintendo lançam novas versões de seus consoles

que acompanham o desenvolvimento das novas tecnologias computacionais em

períodos conhecidos gerações, ou ciclos de vida, dos consoles, que

consequentemente, também determinam a início, ou fim de um determinada leva de

videogames. O contrário ocorre na plataforma que os originou.

Disponível em: <https://www.dropbox.com/s/zig57bwzzep59bu/consoles.jpg?dl=0>

Acesso em 10. Jun. 2016

Segundo a autora, o computador, que passou a se tornar pessoal anos após o

desenvolvimento do Spacewar no PDP-1, continua sendo um dos principais meios de

consumo dos videogames. O game design para computador é, entretanto, mais volátil

se comparado aos consoles devido ao fato de não ser proprietário. O usuário tem o

Figura 4 – Plataformas

32

controle de finalidade e composição da máquina, tornando, assim o desenvolvimento

mais complexo. Novak afirma:

There is so much variation in hardware setups between players that it is next to impossible to predict the average speed, hardware space, and memory allotment that players will be using. In the planning stages of creating a game, the development team needs to create prospective technical specifications for the game and try to develop the game around these requirements. Both minimum and recommended tech specs should also be available to the player. Minimum specs are those that are necessary to load and play the game from beginning to end (e.g., processing speed, memory, disk space). Recommended specs expand further on the minimum specs—also allowing for an enhanced game-playing experience (e.g., high-end sound and video cards). (NOVAK, 2011, p. 42).32

Os jogos desenvolvidos para o computador, ou PC, possuem, no entanto,

vantagens frente aos consoles: muitas funcionalidades e recursos de áudio, ou vídeo,

podem ser alteradas a comando do jogador. A autora também afirma que a fidelidade

gráfica é superior nesta plataforma, onde até mesmo a resolução mínima de um

computador (640px x 480px) corresponde ao dobro de qualquer título de consoles de

16 bits e grande parte dos de 32 bits.

O documentário Videogames: The Movie (2014) aponta que existe algo nos

videogames que desperta uma devoção do jogador com relação a um determinado

jogo e sua plataforma. Esse jogador assimila suas experiências e preferências com

outros jogadores, hoje conectados no ciberespaço, e acaba por participar de uma das

macro comunidades mais vocais encontradas na internet, dando origem a amizades

duradouras e até mesmo de casamentos entre indivíduos participantes de suas

subdivisões. Entretanto, formação de comunidades virtuais é descrita por Manuel

Castells (1999, p.385) como algo breve, efêmero:

32 Existem muitas variações em configurações de hardware entre os jogadores, é quase impossível de

prever uma média de velocidade, espaço em hardware e alocação de memória que os esses estarão usando. Nos estágios de planejamento da criação de um jogo, o time de desenvolvimento deve estabelecer um limite de especificações técnicas para o desenvolver dentro desses requerimentos. Ambas configurações, mínimas e recomendadas devem ser divulgadas ao jogador. As especificações mínimas são aquelas necessárias para seja possível carregar o jogo do início ao fim (ex: velocidade de processamento, memória, espaço em disco). As especificações recomendadas expandem as mínimas e também permitem uma experiência de jogabilidade melhorada.

33

Eu anteciparia a hipótese de que nessas comunidades virtuais ‘vivem’ duas

populações muito diferentes: uma pequena minoria de aldeões eletrônicos

‘residindo na fronteira eletrônica’, e uma multidão transitória para a qual suas

incursões casuais nas várias redes equivalem à exploração de várias

existências na modalidade do efêmero” (CASTELLS, 1999, p.386).

Considerando a restrição do olhar apenas para as comunidades virtuais de

Castells, o documentário nos apresenta uma possível tréplica ao embate: o

componente emocional criado pelos jogos em cada membro da comunidade virtual é

o fator determinante para o nível de investimento do interesse no objeto e meio. Mikey

Neumann, escritor da Gearbox33, relata ao documentário:

I basically fell down the stairs 'cause I had a stroke, as they later revealed to

me. I ended up in the hospital for about nine, ten days, and you're really scared

and you really don't know where to-- I mean, you're, like, sad and you have all

this anger and you don't know where to aim it and my friends started bringing

stuff up to me and at first it was food and then, they started bringing ways to

play games up, I got a little Nintendo DS and I was playing Zelda on that and

I had a laptop and I was playing, I mean, I had Steam on there and I had just

TF2 and Left 4 Dead and Borderlands and that really was the turning point, at

the hospital, where I-I... I wasn't as scared, I guess, anymore? I wasn't as

mad, I had something to do. 'Cause part of the stroke that was awful, I went

blind out of my right eye and it's sort of crazy how not just the games in the

hospital that really got me through it, it's been everyone around me in this

industry in all different companies and all different states. So, yeah, in a very

literal way, I think video games really did kinda save my life. (NEUMANN apud

SNEAD in Video Games: The Movie, 2014).34

33 Empresa desenvolvedora de videogames famosa pela série Borderlands. 34 Eu, basicamente, caí de umas escadas porque tive um derrame, o que foi revelado para mim ulteriormente. Eu acabei em um hospital por cerca de nove, dez dias, e você fica bem assustado e você não sabe aonde- Eu quero dizer, você fica triste e você tem toda essa raiva e você não sabe onde canalizá-la, meus amigos começaram a me trazer coisas, no início era comida e depois eles trouxeram maneiras para jogar alguns jogos, eu tinha um pequeno Nintendo DS e nele eu estava jogando Zelda, eu tinha um laptop e eu estava jogando, eu quero dizer, eu tinha Steam nele com os jogos TF2, Left 4 Dead e Borderlands e aquele foi o ponto da virada no hospital, onde eu- eu... Eu acho que não tive mais medo? Eu não estava mais tão brabo, eu tinha algo para fazer. Porque a parte do derrame foi horrível, eu fiquei cego do olho direito e é um pouco estranho como não foram só os jogos que me fizeram superar isso, foram todos ao meu redor nessa indústria em todas as diferentes empresas e diferentes estados. Então, sim, de uma forma bem literal, eu acho que os videogames realmente salvaram minha vida.

34

A união da comunidade virtual é repleta de uma paixão que segundo o autor

Danny Goodman (1996, p.132) pode gerar conflitos proveniente de antipatias mútuas.

Essas, por sua vez, podem ser fundamentadas por questões ideológicas, ou como

apresentada no documentário Video Games: The Movie (2011), originadas pelas

discussões dos jogadores sobre quem fez o melhor investimento na escolha de uma

plataforma, ou jogo.

A autora Jeannie Novak (2011) afirma que o intervalo de tempo disponível no

jogo é outro fator de extrema importância ao game design, pois determina,

geralmente, o tipo de jogo e para que jogador esse se tornará atrativo.

This pacing affects whether the game is played reflexively or reflectively.

Would you develop a game that allowed players to spend an unlimited amount

of time responding to challenges—or one that encouraged them to react

quickly to them? (NOVAK, 2011, p. 48). 35

Dentro das possibilidades de intervalo de tempo, a autora destaca que os

videogames podem ter as seguintes classificações: baseados em turnos, tempo real

e com limite de tempo. O game design sob o aspecto de tempo reflete extremos dos

jogos não-eletrônicos, onde a maioria dos jogos de tabuleiro e esportes poderia residir,

por exemplo, nas categorias de turnos e tempo real respectivamente. O limite de

tempo, por sua vez, condiciona respostas imediatas de um movimento, ou até mesmo

turno que pode ser simultâneo, ou não, como em um movimento de xadrez, ou um

round de luta.

Ainda dentro dos itens explorados por Novak existe a classificação do modo de

jogador, que vai de encontro direto aos itens levantados no capítulo anterior. “There

are several possible player modes, which directly correlate to the number of people

playing a game. These modes range from single-player to massively multiplayer—

35 Esse ritmo afeta o modo em que um jogo é jogado: com reflexos, ou reflexão. Você desenvolveria um jogo que permitiria aos jogadores uma quantia ilimitada de tempo para responder aos desafios- ou um que os encorajasse a reagir rapidamente?

35

involving thousands of players.” (NOVAK, 2011, p. 49). 36 O número de jogadores afeta

diretamente a experiência de jogo, pois determina se essa é compartilhada com

alguém de forma local, ou remota, se é competitiva, ou cooperativa.

As classificações levantadas pela autora, entretanto, não são os únicos

aspectos dentro do game design. Como a qualquer outra criação, o processo do game

design necessita de objetivos estabelecidos durante o desenvolvimento. Tais

objetivos, segundo Novak (2011, p.58), são, em parte, responsáveis pela criação dos

gêneros de videogames, que vão além do entretenimento e escapismo presente no

jogo. Atualmente, os jogos podem adquirir caráteres complementares a outros

processos, como nas redes sociais, onde esses são integrados a experiência de

relacionamento virtual dentro e fora da gamificação desses ambientes.

A gamificação é o processo onde os aspectos interativos dos videogames são

inseridos a outros meios do cotidiano. Max Landis, escritor da Chronicle afirma ao

documentário Video Games: The Movie o seguinte:

The old way of sort of, "Oh, computers are for geeks and stuff and video games are for geeks," has died, is dead. No one doesn't have Facebook. Angry Birds, people don't--almost don't even think of that as a video game. People don't think of-- There's become this blur of like what is a video game and what isn't. Is Facebook a video game? I kind of think it is. I mean, it's interactive like a video game and you can do stuff on it. (LANDIS apud SNEAD in Video Games: The Movie, 2014).37

Essa aproximação entre o jogo e aquilo que não é, mas que o implementa em

sua essência, é fruto dos objetivos apontados por Novak, comuns durante as etapas

de desenvolvimento, ou design. Devido a essa potencialidade os videogames podem

ter objetivos de auxílio a aprendizagem e até mesmo recondicionamento físico.

O documentário Video Games: The Movie afirma que à revolução tecnológica

e a integração dos videogames a cultura em voga trouxe às novas gerações formas e

maneiras de se experienciar o aprendizado em ambientes criativos e seguros, onde

36 Existem vários modos possíveis de jogador, os quais se relacionam diretamente com o número de pessoas jogando o jogo. Esses modos variam de único jogador à vários jogadores de forma massiva, envolvendo milhares desses. 37 Aquele velho costume de: “Oh, computadores e videogames são para os geeks”, morreu. Ninguém não tem Facebook. Angry Birds, as pessoas não-quase não pensam nele como um videogame. As pessoas não veem- Existe esse borrão no que hoje é um videogame e o que não é. O Facebook é um jogo? Eu acho que é. Eu quero dizer, ele é interativo como um videogame e você pode fazer coisas nele.

36

os motivos sucesso e falha são claramente compreendidos e superados. Em uma das

entrevistas apresentadas, David Perry, o co-fundador da Gaikai38, relata que quando

aprendeu história na escola, teve uma experiência muito entediante com livros e

teorias em preto e branco, mas que recentemente viu um vídeo de uma menina

falando sobre catapultas e armas de cerco medievais e como tinha sido sua

experiência utilizando uma; Perry comenta que a menina tinha seis anos de idade e

que para sua surpresa, estava dando sua opinião sobre algo que havia compreendido

através de um mundo virtual em contraste a sua própria entediante experiência com

a aprendizagem.

A assimilação de um objetivo a concepção do jogo também pode ser um fator

que influencia a escolha por gênero de videogame. Novak (2011, p.68) aponta que

gênero, nesse aspecto, difere-se dos livros e filmes, pois ao invés de tratar de trama

narrativa se refere a maneira, ou estilo que jogo deve ser jogado. Dessa forma os

jogos de ação, por exemplo, tendem a ser uma combinação dos modos de um, ou

mais jogadores em competição, ou cooperação, de modo local ou remoto, em tempo

real e para plataformas que atendem demográficas mais jovens devido ao objetivo

maior de entretenimento.

Entretanto, as subdivisões e combinações dos gêneros nos apresentam casos

mais curiosos como os Role Playing Games (RPGs)39 e até mesmo o Survival-

Horror40. O gênero RPG origina da tradição de jogos de Dungeons & Dragons41 onde

a Mimicry, apresentada no capítulo anterior, reina: “In these games, players take on

roles such as fighters, wizards, priests, elves, or thieves. ” (NOVAK, 2011, p. 45)42. A

autora também expõe que tais jogos, além de entreter, possuem a motivação do

desenvolvimento de narrativo um personagem e, como de costume na versão não-

eletrônica, a entrega de uma história sólida que, muitas vezes, é dependente da

tomada de decisão do jogador.

38 Empresa especializada na entrega de jogos via streaming. 39 Gênero de jogo, onde os jogadores assumem papéis e caráteres fictícios. 40 Gênero de videogame baseado em sobrevivência somado à temática de terror. 41 Jogo de tabuleiro de gênero RPG com temáticas medievais e de fantasia. 42 Nesses jogos os jogadores assumem papéis de guerreiros, magos, clérigos, elfos ou ladrões.

37

Disponível em: <https://www.dropbox.com/s/ysl91hsvhfoqkbh/7.jpg?dl=0>.

Acesso em 10. Jun. 2016

O game design para videogames de RPG é marcado por rotinas tradicionais e

condizente ao escapismo buscado pelo jogador. A autora explica que a premissa é

geralmente a de “salvar o mundo”, onde a temática mais comum é a de mundos

fantasiosos medievais, onde jogador pode se transformar em um herói e realizar feitos

extraordinários.

Através da preocupação do game designer com os elementos apontados

acima, os impulsos de agôn, alea, mimicry e ilinx dos jogadores são atendidos e

podem ser respondidos pela experiência do videogame. A autora Jeannie Novak

(2011, p.193) apresenta um exemplo clássico da teoria de jogo onde recompensa,

punição, tentação e derrota podem retornar à motivação inicial. O exemplo trata-se de

um dilema de dois jogadores e nele, após cometer um crime hipotético por qualquer

motivação, os dois são presos. Cada um é colocado em uma cela separada e

Figura 5 – Dungeons & Dragons vs. The Witcher 3

38

questionado pelas autoridades. As mesmas oferecem o mesmo acordo para cada um

dos prisioneiros: se um entregar o outro, esse será solto, ou se não o fizer, será preso

por 5 anos.

As respostas acima são as quatro possíveis soluções para o dilema. A

recompensa é obtida se ambos os jogadores cooperarem e não entregarem um ao

outro, as autoridades sem conseguir provar o crime soltariam ambos. A punição

ocorre se os dois jogadores entregarem um ao outro, ambos seriam presos. Já a

tentação acontece se o jogador entrega o outro, saindo livre enquanto o outro é preso

e sofrendo a derrota.

A experiência de jogo e seus retornos ao jogador podem ser entregues de

diferentes maneiras que, embora sempre interativas, podem requerer experiência,

habilidade, conhecimentos alheios, ou serem baseados na capacidade de decisão e

gestão do jogador. Novak (2011, p.200) mapeia essas entregas em uma série de

desafios, também correspondentes ao ludos e paidia, impostos ao jogador e os

classifica da seguinte forma:

Avanço: Cada nível de jogo, ou recompensa, fica mais difícil de ser progredida, ou obtida

ao longo do jogo.

Corrida: Consiste no cumprimento de uma tarefa antes de outro jogador.

Análise: Propõe a o jogador o uso de processos mentais para a resolução de problemas,

ou charadas imbuídas no contexto do jogo, geralmente incluí todos os outros desafios.

Exploração: Recompensa a curiosidade do jogador por procurar ver novas áreas, ou

segredos.

Conflito: Utilizado em quase todos os jogos para se aumentar a tensão dramática do jogo.

Captura: Tomar, ou destruir algo pertencente ao oponente sem que o jogador seja

destruído no processo.

Perseguição: Capturar, ou fugir de um oponente através de reflexos rápidos, ou o uso de

furtividades.

Organização: Gestão, ou reorganização de recursos disponíveis ao jogador para a

progressão do jogo.

Taboo: Fazer com que o oponente quebre as regras e falhe no jogo, geralmente

relacionado a resistência física, ou limitação virtual.

39

Construção: Construir e manter objetos, geralmente presente em simuladores.

Solução: Resolver um problema, ou enigma antes do oponente.

Superação: Uso de conhecimentos intrínsecos, ou extrínsecos ao jogo para derrotar o

oponente.

O game design engloba, portanto, o processo do reconhecimento da busca do

jogador por estímulos, a criação de um modelo de jogo especifico e direcionado para

o atendimento de uma, ou mais, dessas necessidades, ao mesmo tempo que está

inserido em um paradigma tecnológico com objetivos econômicos, artísticos e até

mesmo de serviço para um público que o consome. Esse público desenvolve

preferências, relacionamentos e experiências com o jogo e seus outros jogadores, ao

consumir o videogame como um produto de entretenimento, informação e interação.

Ao game designer compete a criação e condicionamento desse sistema com

equilíbrio. Um videogame possui equilíbrio de experiência (consumo) se, de acordo

com Novak (2011, p.202), os jogadores percebem que essa é constantemente justa e

divertida. A autora também afirma, afirma que esse equilíbrio, que deve ter como

produto um bom relacionamento entre todos os fatores mencionados acima seja por

parte do jogo, ou jogador, deve ser cultivado com o design de interface de usuário, o

design de níveis e o design suplementar aos elementos narrativos: fotografia, áudio,

história e seus personagens.

Saunders e Novak (2007, p.20) apontam que o design de interfaces de usuário,

ou interfaces de jogador, têm o propósito de conectar o jogador com o controle sobre

as funcionalidades do jogo. Além disso, os autores afirmam que as interfaces são a

principal fonte de direcionamento para o jogo em si, informando para o jogador se

esse está progredindo, quanto tempo tem para o fazer, ou se sua abordagem está

sendo efetiva.

40

Disponível em: <https://www.dropbox.com/s/uq4wmo46iei6a5u/8.png?dl=0>.

Acesso em Maio de 2016

Disponível em: <https://www.dropbox.com/s/gfv0nv68j53dj6h/9.jpg?dl=0>

Acesso em Maio de 2016

Figura 6 – Interface Informativa

Figura 7 – Interface Funcional

41

As interfaces de usuário, entretanto, não são constantes e pode haver mais de

uma dentro do mesmo jogo em situações distintas. Nos exemplos acima, a primeira

imagem demonstra um mapeamento de todas as funcionalidades do jogo atreladas a

índices, que, por exemplo, podem indicar a vitalidade43 do jogador, que em função de

uma determinada tradição entre todos os videogames tem cores correspondentes em

verde, ou vermelho.

Na segunda imagem o game em questão, Call of Duty 2, foi um dos primeiros

a apresentar uma interface integrada a câmera, ou perspectiva, de jogo, onde os

mesmos índices da primeira imagem são representados de uma maneira mais visual,

informando ao jogador através do “sangue” na tela, que esse está prestes a perder

em função de uma vitalidade baixa.

Novak e Saunders (2007, p.26) apontam que além de cumprir o objetivo

principal de informar e fornecer controle ao jogador, as interfaces possuem agendas

secundárias que podem somar à imersão do jogador e a atmosfera de jogo. Segundo

os autores, um jogo é imersivo quando os jogadores esquecem, por algum momento,

que estão dentro de um jogo seja pela fidelidade visual do jogo, interface ou história.

“The interface to Manhunt is nearly perfect: there practically isn’t one. For a suspense-

thriller such as Manhunt, having a minimal interface allows you to get into the game up

to your chin.” (MACK apud NOVAK e SAUNDERS,2007, p.26).44

43 A vitalidade em um videogame corresponde a quantidade de “vida” restante em seu personagem. Se esse indicador for reduzido a 0, geralmente, significa que o personagem “morreu” e o jogador falhou no jogo. 44 A interface de Manhunt é quase perfeita: praticamente, não existe. Para um suspense como Manhunt, ter uma interface mínima permite que você entre no jogo até o seu queixo.

42

Disponível em: <https://www.dropbox.com/s/pywyg4o8xm3iy01/8.jpg?dl=0>

Acesso em 10. Jun. 2016

Já a atmosfera de jogo existe quando as situações propostas no jogo são

condizentes com as entradas do jogador, como, por exemplo, em um jogo de corrida

existe uma atmosfera maior se o jogador possuir a interface manual de controlador

em formato de volante, ao invés do joystick tradicional.

O retorno de áudio também pode ser integrado a interface de jogo, onde alertas

sonoros são correspondentes a diferentes funções de jogo, ou elementos adversos

ao jogador, como em um ataque de um inimigo. Essa indicação instrui ao jogador a

estar ciente de que algo está prestes a acontecer, assim como reforçar a relevância

dos elementos visuais apresentados. Em jogos contemporâneos, existem alto-

falantes integrados aos controladores, tornando a dinâmica do áudio como

componente de interface ainda mais imersiva; por exemplo, um personagem pode

receber uma ligação, ou estar reproduzindo áudio dentro do jogo e essa saída não

Figura 8 – Manhunt

43

será feita pelos alto-falantes principais e sim pelos do controlador, tornando essa

experiência ainda mais imersiva para o jogador.

Audio provides important feedback to players on the effect of their controls. For example, instead of using the headphones, the iPod has a small external speaker that clicks as the user scrolls through menu items. This increases its appeal and improves use. Audio is essential for flow and creating a heightened sense of immersion. Audio can also create emotions. (LAZZARO apud NOVAK e SAUNDERS, 2007, p.30).45

Entretanto, Novak e Saunders (2007, p.30) observam que embora o áudio seja

de grande importância os outros componentes do jogo, não é necessário e nem

completamente efetivo no feedback ao jogador, uma vez que esse pode optar por

jogar sem áudio.

Atualmente, interface e atmosfera são termos que podem pertencer não só aos

computadores e videogames, mas aos eletrônicos em geral e aplicações web, uma

vez que a maioria desses é baseado na troca de informações com a rede. O manuseio

destes produtos é avaliado e valorizado através do quão efetivos são na realização

das tarefas solicitadas pelo usuário. Saunders e Novak (2007, p.33) apontam que a

essa efetividade da interface é medida através de sua funcionalidade, usabilidade,

estética e acessibilidade.

Os autores afirmam que a funcionalidade é correspondente a habilidade

fornecida, ou não, de se completar os objetivos principais do produto, no caso de um

videogame, como anteriormente mencionado, de garantir ao jogador controle e

informação sobre o jogo.

Já a usabilidade refere-se à facilidade de uso da interface, ou seja, se todos os

comandos permitidos são fáceis de serem alcançados e possuem um mapeamento

confortável ao usuário. No contexto de um videogame o termo “jogabilidade” é

correspondente a usabilidade, pois é essa capacidade que determina se a o desafio

proposto será completo de modo que o jogador saiba o que tem que fazer e que não

seja obrigado a realizar passos desnecessários para chegar aonde deseja.

45 O áudio entrega um feedback importante aos jogadores sobre o efeito de seus controles. Por exemplo, ao invés de usar fones de ouvido, o iPod tem um pequeno alto-falante que emite “cliques” de acordo com a movimentação do usuário nos menus. Isso aumenta seu apelo e melhora o uso. O áudio é essencial para o fluxo de jogo e na criação de um senso de imersão. O áudio também pode cria emoções.

44

Funcionalidade e usabilidade são independentes, porém os autores alertam

que algo completamente funcional e sem usabilidade é, na maioria das vezes,

frustrante e entediante ao jogador.

A estética da interface também está ligada a atmosfera do jogo e, portanto,

deve ser coerente com o gênero do jogo se a imersão estiver dentro do planejamento.

A Figura 7, apresentada acima carrega um exemplo dessa relação: o videogame Call

of Duty 2 é um First-Person Shooter46 situado na Segunda Guerra Mundial e, portanto,

sua interface apresenta visuais mais agressivos e condizentes com a temática.

A acessibilidade é similar a usabilidade, mas aplicada a jogadores com

necessidades especiais. Deficientes mentais, ou físicos podem ter inúmeras

dificuldades no uso de uma interface, Novak e Saunders (2007, p.41) afirmam que

embora não exista uma regulamentação dessa função em software e hardware, os

produtos devem se destacar por acomodar as necessidades desse público.

Atualmente existem jogos que antecipam e garantem ao jogador a possibilidade

de alterar a interface de jogo para a maneira que melhor lhes convém. O RPG

multijogador massivo online (MMORPG) World of Warcraft faz justamente isso, torna

todos os itens de usabilidade, estética e acessibilidade modificáveis enquanto mantém

sua funcionalidade intacta.

Interface e atmosfera permitem ao jogador controle sobre a informação e

condicionam a navegação no ambiente de jogo. Porém, para que essas liberdades

passem a integrar uma experiência de jogo equilibrada necessitam ser testadas

através dos desafios mencionados anteriormente e na disposição dos mesmos.

Dentro do processo de game design esse mapeamento tem o nome de level design,

ou design de níveis.

Segundo Novak (2011, p.214), o level design consiste na criação de cenários

virtuais onde ocorre o jogo e por onde esse se manifesta ao jogador. Os níveis dentro

de um jogo podem ser múltiplos e possuírem diferentes objetivos, durações e

relações, onde essas variáveis afetam diretamente o ritmo do jogo.

A autora afirma que cada nível deve possuir seu conjunto de objetivos que

sejam claros para jogador, caso contrário esse realizará ações sem propósito, ou

recompensa, descaracterizando, portanto, o jogo. Para cumprir os objetivos, o

46 Gênero de videogame traduzido do inglês para: Tiro em primeira pessoa. Esse gênero será melhor abordado no próximo capítulo.

45

jogador, aliado de uma interface, deve superar os desafios impostos pelo jogo e seus

criadores.

O nível pode possuir um limite de tempo para que seja completo, ou optar por

não o limitar, mas assim como a interface, deve ser condizente com o gênero de jogo

e seus desafios.

Disponível em: <https://www.dropbox.com/s/61ejj8k4y31tomx/9.gif?dl=0>

Acesso em 10. Jun. 2016

No exemplo acima temos o videogame Super Mario World, um jogo de aventura

em plataforma, que consiste no progresso do início de um nível até o seu fim, onde o

jogador controla um personagem que pula sobre plataformas, ou obstáculos, para

progredir, mas que também pode coletar itens que recompensam pontos e vitalidade.

O jogador é punido se falha ao desviar desses obstáculos, ou é atingido por inimigos.

O desafio de progresso é regulado pelo limite de tempo em cada nível (na

imagem, localizado no canto superior direito), forçando o jogador a agir com seus

Figura 9 – Super Mario World

46

reflexos, ao invés refletir sobre o que deve ser feito. A habilidade do jogador, por sua

vez, é medida através dos pontos que esse adquire ao longo do nível e ao completá-

lo com rapidez. Essa pontuação também é relevante em competições de mais de um

jogador, ou até mesmo em comunidades de jogadores que comparam e trocam

informações sobre como melhor se progredir em um determinado nível.

A harmonia entre os desafios presentes nos níveis de um jogo é o que a autora

Jeannie Novak (2011, p.216) entende como relacionamento. Portanto um jogo pode

apresentar conjuntos de níveis relacionados ao um mesmo objetivo, ou apresentar

níveis avulsos sem relação entre si. Em um videogame, entende-se por campanha um

conjunto de níveis pertencente a um mesmo bloco narrativo que progride com o

cumprimento de objetivos em cada nível. As campanhas, geralmente, estão presentes

em jogos com modos para um único jogador, enquanto níveis avulsos são mais

comuns em jogos multijogador, ou de simulação.

A autora afirma que dentro de uma campanha, ou nível avulso, a maneira que

novos desafios são propostos ao jogador corresponde ao ritmo de jogo e,

consequentemente, sua dificuldade. Sobre a dificuldade a autora aponta:

A game does not have to be linear consisting of challenges that steadily increase in difficulty as the game continues. It could also be flat—where difficulty does not vary from one level to the next. There is also the s-curve model, a combination of the linear and flat models that begins with a flat section consisting of a tutorial during which the player learns the game. After this training period, the difficulty level rises steadily throughout the game, and then flattens again a few hours before the game ends so that the players who get through most of the game will eventually be able to finish it. (NOVAK, 2011, p.217).47

Contudo, níveis e interface de jogador estão diretamente relacionados, pois

garantem que ocorra o relacionamento entre jogador e jogo e se desenvolvidos nos

padrões mencionados acima, também são responsáveis pela entrega de uma

experiência equilibrada de jogo, onde os anseios do jogador são atendidos por um

47 Um jogo não tem que ser linear consistindo de desafios que crescem estavelmente em dificuldade de acordo com sua progressão. Ele pode ser plano- onde a dificuldade não varia de acordo com os níveis do jogo. Também existe o modelo da curva em s, uma combinação dos modelos linear e plano, que começa com uma seção plana consistindo em um tutorial, no qual o jogador aprende como jogar. Após o treinamento, a dificuldade cresce periodicamente e depois volta a ser plana, para que os jogadores que completaram a maioria dos níveis, possam terminá-lo.

47

sistema de desafios e recompensas componentes de um produto, que através da

interação é modificado para melhor atender seu usuário, mas que também pode

crescer em complexidade à medida que é dominado pela habilidade adquirida pelo

jogador durante a prática de jogo.

Entretanto, a imersão nesse produto apenas pela maneira como é construído é

temporária, o entretenimento logo é percebido como um sistema. Conforme o

mencionado no capítulo anterior, o documentário Video Games: The Movie (2014)

aponta que com o desenvolvimento das novas tecnologias também crescem os

investimentos pessoais com jogo, existem novos motivos para se jogar. Ao salvarmos

uma princesa, ou conquistarmos a vitória como um lutador, estamos o fazendo não só

porque é divertido jogar, mas porque acreditamos que tal feito deve ser concretizado,

porque determinados personagens são interessantes e porque a história envolvida na

campanha, ou nível, é engajante.

A construção de uma narrativa inserida no jogo pode, portanto, também ser

relevante na entrega de estímulos ao jogador. No próximo capítulo

buscaremos, portanto, maiores evidências sobre a importância da

participação da narrativa no consumo dos videogames.

48

4. A NARRATIVA NOS VIDEOGAMES

A construção de um videogame é, conforme o explorado até agora, dependente

de um meticuloso processo de game design, mas como o apontado nas falas e

citações de profissionais pertencentes a essa indústria, os videogames apresentam

componentes que permitem criar conexões emocionais com seu público, ao mesmo

tempo que o compelem a continuar jogando.

Tais experiências podem ser transmitidas através da interação entre homem e

máquina, das possibilidades de relacionamento desse para com outros que também

a praticam, ou pela vertiginosa transposição, ou escolha, momentânea de uma

realidade mais atrativa e/ou mais recompensadora do que a da condição humana.

Durante todo o processo evolutivo de nossa espécie, a propagação de histórias

tem sido uma ferramenta responsável pela transmissão da memória e experiência. Ao

contarmos tais histórias seja por ficção, ou verdade, contamos com uma capacidade

e anseio humano: a de suspender a descrença. O documentário Video Games: The

Movie (2014) aponta que é essa característica que vai de encontro com a busca do

jogador por novas realidades, mesmo que seja por alguns minutos ao dia, o jogador

permite a si mesmo perder-se em outro mundo. Kart Sterwart, executivo de marketing

na Cristal Dynamics, afirma ao documentário o que essa possibilidade dentro do

contexto dos videogames significa:

We have this opportunity to be storytellers, to be able to give the consumer the opportunity to lose themselves in a world for as long, or as little as they want. We have the realities of life every day, whether it's the economy or whether it's getting by or whether it's a job and earning money, but we have a medium that we can lose ourselves in. (STEWART apud SNEAD in Video Games: The Movie, 2014).48

O documentário afirma que foi por volta dos anos 90 quando a narrativa49 foi

trazida à tona nos videogames e que essa mudança teria sido extremamente

importante na mudança da percepção dos jogadores sobre o que um bom jogo deveria

48 Nós temos essa oportunidade de sermos contadores de histórias, de poder dar ao consumidor a

oportunidade de perder-se num mundo pelo tempo que quiserem. Nós temos as realidades do cotidiano seja a economia, ou manter-se em um trabalho e ganhar dinheiro, mas nós também temos um meio onde podemos nos perder.

49 O dicionário Michaelis (2011) define a narrativa como o modo de se narrar, ou o conto/história em

si.

49

conter. Entretanto, a escritora Marianne Krawcyzk, da Monkeyshines Entertainment,

alerta, em Game Development Essentials (2011, p.126) de Jeannie Novak, que um

bom roteiro é sempre desafiador, caso contrário cada título, livro, ou filme seria um

sucesso de vendas. Tratando-se de videogames o desafio é ainda maior, pois a

história ocorre de forma não-linear, ou seja, cria-se uma história para um mundo

projetado para ser modificado e que essa seria uma metáfora ainda melhor para vida

real do que a dos filmes.

Novak (2011, p. 127) acredita que conceitos desenvolvidos pelo psiquiatra e

psicanalista Carl Jung são fundamentais para a compreensão e estruturação das

narrativas dentro dos videogames. Jung em Archetypes and the Collective

Unconscious apresenta dois conceitos chave que vão de encontro a outros

mencionados nos capítulos anteriores: o dos arquétipos e o do inconsciente coletivo.

Para que tais ideias sejam exploradas, porém, é necessário compreendermos,

também, o que Jung entende como pertencente a psique humana. A autora, Yone

Nasser afirma sobre essa visão:

O conceito de psique na psicologia analítica abrange todos os pensamentos, sentimentos e comportamentos, tanto conscientes como inconscientes. É a personalidade do sujeito que se apresenta através de sua psique [...] A psique é composta por vários sistemas e níveis interatuantes. A consciência, um dos níveis, é a única parte que se conhece por sua expressão direta. De modo simplificado, a consciência é orientada por quatro funções básicas: pensamento, sentimento, sensação e intuição [...] será a combinação de proporções na utilização das funções que fará com que a personalidade básica se diferencie de uma pessoa para outra. (NASSER, 2010, p. 327).

Jung, por sua vez, também explora os níveis do inconsciente; o autor os

distingue como pessoais e coletivos. O inconsciente pessoal estaria relacionado a

uma camada superficial do nível e, segundo o autor, se assemelha as visões iniciais50

de Freud de que esse seria o local onde se armazenam conteúdos reprimidos pela

consciência de cada indivíduo. Já o inconsciente coletivo seria pertencente a uma

camada mais profunda, não derivada das experiências pessoais e nem construída de

forma individual, pois se trata de um anseio hereditário e universal. “It is, in other

50 Jung comenta no rodapé da leitura que Freud posteriormente revisou tais conceitos. (JUNG, 2014, pos. 208)

50

words, identical in all men and thus constitutes a common psychic substrate of a

suprapersonal nature which is present in every one of us.” (JUNG, 2014, pos. 208)51.

Os arquétipos são subprodutos representativos dessa coletividade do

inconsciente. Jung os define através de seus paralelos com os mitos que se

desenvolveram a partir do ser humano primitivo tribal:

Primitive tribal lore is concerned with archetypes that have been modified in a special way. They are no longer contents of the unconscious, but have already been changed into conscious formulae taught according to tradition, generally in the form of esoteric teaching. This last is a typical means of expression for the transmission of collective contents originally derived from the unconscious. (JUNG, 2014, pos. 234).52

Portanto, o arquétipo é composto por sua origem exclusiva no inconsciente

coletivo e sua posterior alteração sofrida pela percepção consciente, que, embora,

divergente em detalhes, é, universalmente, comum. O autor exemplifica o arquétipo

como o simbolismo de um mito, ou alegoria, enquanto tal abstração é o resultado da

percepção e conexão consciente com arquétipo. Ao longo dos anos, os arquétipos

foram incorporados a figuras, ou situações materiais que espelham aquilo presente

nos meios consciente e inconsciente, evidenciando uma certa fixação do homem para

com o que não é completamente compreendido em ambos os níveis da psique.

Segundo Novak (2011, p.127), o uso dos arquétipos em uma narrativa garante

um maior engajamento com o público, devido a facilidade de conexão do mesmo com

predisposições de personagens, ou situações, universalmente reconhecidos em todas

as formas de arte/entretenimento além dos videogames.

O Herói é o arquétipo que, segundo a autora, corresponde ao personagem

principal da história e atua como a extensão do jogador, portanto, deve almejar, ou

tornar possível esse vínculo. O herói move as engrenagens da narrativa, que,

geralmente, é baseada em um processo a ser descrito ao longo desse capítulo por

Joseph Campbell (2004) como a “jornada do herói”.

51 O livro foi consultado em formato digital Kindle. Sua exibição não fornece informação em páginas e

sim em posições, portanto, nas referências estarão indicadas as posições onde seu conteúdo pode ser encontrado.

52 A sabedoria popular tribal está conectada aos arquétipos que foram modificados de alguma forma.

Eles não são mais os conteúdos do inconsciente, mas já foram alterados em fórmulas conscientes, que são ensinadas de acordo com a tradição, geralmente, na forma de ensinamentos esotéricos. Esses são um meio típico de expressão para a transmissão de conteúdos originados coletivamente no inconsciente.

51

The hero is always presented with a problem toward the beginning of the story and embarks on a physical or emotional journey to eventually solve this problem. The hero performs most of the action in a story and assumes the majority of risk and responsibility. Luke Skywalker is a classic example of a

hero character. (NOVAK, 2011, p. 127).53

Disponível em: <https://www.dropbox.com/s/zsvgu5gx5w1cixu/10.jpg?dl=0>.

Acesso em 10. Jun. 2016

O arquétipo que surge em contraste ao do herói é o da Sombra. A autora aponta

que ela representa não só o oposto do herói, mas, geralmente, o principal vilão da

história, que é responsável pelos problemas do herói. Às vezes, a Sombra pode estar

escondida até o clímax da história, o que pode amplificar a tensão dramática da

narrativa.

“Sometimes the shadow represents the dark side of the hero. This was explored symbolically in Robert Louis Stevenson’s classic, Dr. Jekyll & Mr.

53 O herói é sempre apresentado a um problema no início da história e embarca em uma jornada física,

ou emocional para resolver esse problema. O herói pratica a maioria das ações em uma história e assume a maior parte do risco e responsabilidade. Luke Skywalker é um exemplo clássico de um personagem herói.

Figura 10 – O Herói, Solid Snake - Metal Gear Solid

52

Hyde. Darth Vader is another example of a shadow character—someone who

has gone completely over to the dark side.” (NOVAK, 2011, p. 127).54

Disponível em: <https://www.dropbox.com/s/qmybbg77y633ec7/11.png?dl=0>.

Acesso em 10. Jun. 2016

O arquétipo do Mentor é defendido por Novak (2011, p.128) como um

personagem que, geralmente, guia o herói para alguma ação. É o Mentor que inicia o

herói em sua jornada através de alguma informação fornecida. É comum que esse

arquétipo se apresente como um conselheiro mais experiente ao herói por ter

participado em um desafio similar.

Obi-Wan Kenobi and Yoda are examples of mentor characters. In the Civilization series, the advisors (military, domestic, culture, science) provide warnings and hints to the player. Sometimes a mentor character gives bad advice to the hero—deliberately leading the hero down the wrong path. In the tutorial for Black & White, a devilish advisor gives only evil advice to the player. (NOVAK, 2011, p. 128).55

54 Às vezes, a sombra representa o lado negro do herói. Isso foi explorado simbolicamente no clássico

de Robert Louis Stevenson, Dr.Jekyll & Mr. Hyde. Darth Vader é um outro exemplo de um personagem sombra- alguém que se imergiu completamente no lado negro.

55 Obi-wan Kenobi e Yoda são exemplos de personagens mentores. Na série Cvilization, os

conselheiros (militar, doméstico, cultural, cientifico) oferecem avisos e dicas ao jogador. Às vezes, um personagem mentor oferece conselhos ruins ao herói- deliberadamente o levando ao caminho errado. Na série Black & White, um conselheiro demoníaco só oferece conselhos maus ao jogador.

Figura 11 – Liquid Snake, o Sombra – Metal Gear Solid

53

Novak apresenta o arquétipo do Aliado, um personagem que auxilia o herói em

tarefas que podem ser difíceis, ou impossíveis de serem completas sozinhas. “Han

Solo and Chewbacca from the Star Wars franchise are examples of allies.” (NOVAK,

2011, p.128).56

A autora também apresenta o arquétipo do Guardião e o relaciona a um

personagem que bloqueia o progresso do herói até que esse prove seu “valor”. O

Guardião pode testar o herói de inúmeras maneiras:

A classic guardian character is the sphinx who guards the gates of Thebes in the Greek play Oedipus. For the hero (Oedipus) to gain access to Thebes, he must answer the famous riddle posed by the sphinx […] By answering the riddle correctly, the hero has proven worthy of continuing on the journey. Sometimes the guardian character is the shadow’s henchman. The guardian could also be a “block” that exists within the hero’s mind—such as self-doubt, fear, discomfort—that makes the character hesitate to continue on the journey. (NOVAK, 2011, p. 128).57

Disponível em: <https://www.dropbox.com/s/u0g3iifi263sf1b/12.jpg?dl=0>.

Acesso em 10. Jun. 2016

56 Han Solo e Chewbacca são exemplos de personagens aliados.

57 Um personagem guardião clássico é a esfinge que guarda os portões de Tebas na peça grega Édipo.

Para o herói (Édipo) obter acesso a cidade, ele deve responder a famosa charada imposta pela esfinge[...] Ao responder corretamente a charada, o herói se demonstra digno de prosseguir na jornada. Ás vezes, o guardião é um capanga da sombra. O guardião também pode ser um “bloqueio” na mente do herói- como a dúvida de si mesmo, medo, desconforto- que fazem com que o personagem hesite em prosseguir na jornada.

Figura 12 – O Guardião Iudex Gundyr – Dark Souls 3

54

O Trickster58 é o arquétipo correspondente a um personagem que manipula o

herói, ou aquele que serve como alívio cômico a história. Seus feitos também podem

impedir o progresso do protagonista, ou apenas brincar com o que acontece na

narrativa. “Examples of these characters include C-3PO and R2-D2. These characters

can be the hero’s sidekicks or even a shadow character” (NOVAK, 2011, p.129).59

Disponível em: <https://www.dropbox.com/s/cip125xj1dbi7bh/13.jpg?dl=0>.

Acesso em 10. Jun. 2016

O último arquétipo listado por Jeannie Novak (2011, p.129) é do Mensageiro,

esse facilita a mudança na narrativa e também oferece direcionamento o herói. “An

example of a herald character is Princess Leia, whose call for help motivates Luke

Skywalker to take action toward a specific goal.” (NOVAK, 2011, p.129).60

58 Trapaceiro. 59 Exemplos desses personagens incluem C-3P0 e R2-D2. Esses personagens podem ser

companheiros do herói, ou até mesmo um personagem sombra.

60 Um exemplo de um personagem mensageiro é a Princesa Leia, cujo chamado por ajuda motiva Luke

Skywalker a tomar uma ação frente a esse objetivo específico.

Figura 13 – O Trickster e Sombra, Coinga – Batman: Arkham Asylum

55

Em adição aos arquétipos jungianos a autora lista uma série de papéis

tradicionais em uma narrativa que acabam por abrigar aspectos dos arquétipos e

garantir propósito aos personagens. Os papéis são os seguintes: protagonista,

antagonista, co-protagonista e coadjuvantes.

Novak (2011, p.129-130) afirma que o protagonista é o personagem que recebe

a predisposição arquetípica do Herói, ele é o personagem principal da história e quem

é controlado pelo jogador. A história, ou narrativa, gira em torno das ações desse

personagem e é provocada pelas ações do mesmo. Esse personagem apenas reage

a história, se o objetivo da mesma for o de reobter o controle sobre a mesma.

Entretanto, esse personagem, que é, tradicionalmente, forte fisicamente, ou

mentalmente, não é necessariamente “bom”. O protagonista, geralmente possui uma

falha trágica, ou fatal, que universalmente reflete vulnerabilidade, e

consequentemente o torna relacionável e humano (mesmo que o personagem não

seja um ser humano).

O antagonista, que assim como seu arquétipo correspondente (Sombra), é o

oposto do protagonista. Mas esse papel não se restringe à super vilões com índoles

“más”, esse personagem pode simplesmente possuir visões opostas às do

protagonista. Os interesses do protagonista e antagonista, podem ser, entretanto,

iguais; a autora aponta que quando isso ocorre, ambos personagens estão

conectados na narrativa.

This device is known as the unity of opposites, and it makes any conflict or competition more relevant. Interestingly, players can sometimes become attracted to an evil force in a game—which is why some player characters are antagonists. (NOVAK, 2011, p.130).61

Porém, existem possíveis variações para os antagonistas, tais personagens

podem ser antagonistas por processos de transformação, compreensão, exagero ou

realismo. O antagonista transformacional, ou o anti-herói, é aquele poderia ter sido,

ou foi inicialmente, um protagonista e, normalmente, é punido para que a justiça seja

cumprida dentro da narrativa. Já o antagonista incompreendido é aquele que dentro

61 Esse instrumento é conhecido como a união dos opostos e torna qualquer conflito, ou competição

mais relevante. Curiosamente, os jogadores podem ser atraídos a uma fonte má em um jogo- o que explica porque alguns personagens controlados pelo jogador são antagonistas.

56

da narrativa aparenta ser um vilão, mas com o desenrolar da história é apresentado

como inocente:

In the Prince of Persia series, the Empress of Time is a mistaken antagonist who is killed by the Prince—with her remains forming the Sands of Time. After realizing the Empress is not a villain, the Prince attempts to save her by resetting the timeline prior to when he killed her. (NOVAK, 2011, p.131).62

O antagonista exagerado é aquele personagem cuja vilania é tão demasiada

que pode até ter fundamentos cômicos, tornando-o, geralmente, em um personagem

mais interessante do que o protagonista. “Examples of these exaggerated antagonists

include Dr. Evil in Austin Powers—and most of the villains in Batman (e.g., Joker,

Riddler, Cat Woman).” (NOVAK, 2011, p.131).63

A autora afirma que o antagonista realista talvez seja um doas mais difíceis de

serem criados, pois são personagens tão próximos do protagonista e da realidade

humana, mas que ao mesmo tempo são opostos do antagonista exagerado: “which

can sometimes make them seem a bit creepy—especially if it is revealed that he or

she is the “killer next door” ”. (NOVAK, 2011, p.131).64

Os co-protagonistas e coadjuvantes são personagens de complexidade menor

do que a dos protagonistas e antagonistas, pois, geralmente, existem apenas para

auxilar ambos. O papel do co-protagonista é o de acompanhar o protagonista na

história e o ajudá-lo em seu objetivo, enquanto o coadjuvante pode receber os

arquétipos de Mentor, Trickster e Mensageiro cumprir seu objetivo e ser omitido da

história.

A presença dos arquétipos identificáveis em uma história permite que essa seja

construída e os utilize de acordo com o que seu criador deseja transmitir. As

predisposições dos personagens facilitam a conexão de uma estrutura narrativa, que,

dentro dos videogames, não é fixada. O jogador em sua interação com o jogo, tem

62 Na série Prince of Persia, a Imperatriz do Tempo é uma antagonista incompreendida, que é morta

pelo Príncipe – com os seus restos criando as Areais do Tempo. Após perceber que a Imperatriz não era uma vilã, o Principe tenta salvá-la com a volta no tempo para um período anterior à sua morte. 63 Exemplos de antagonistas exagerados incluem o Dr. Evil de Austin Powers- e a maioria dos vilões

do Batman (ex: Coringa, Charada, Mulher Gato)

64 O que pode, às vezes, fazer o parecer um pouco assustador- especialmente se for revelado que

ele, ou ela é o “assassino inesperado”.

57

controle sobre o personagem principal da história o que, consequentemente,

transforma a narrativa em uma experiência ativa, ao contrário do que ocorre no

cinema, ou teatro, onde o enredo e seus diálogos são definidas antes mesmo da sua

reprodução.

Video games are a lean forward experience whereas film and television are a lean back experience. You're driving every moment of the game. A friend of mine a while back actually compared games to novels in the fact that if you stop reading, the novel doesn't keep going. Video games are very much the same. (BLESZINSKI apud SNEAD in Video Games: The Movie, 2014)65

Disponível em: <https://www.dropbox.com/s/ib7qg1g24be6opc/14.png?dl=0>.

Acesso em 10. Jun. 2016

O videogame Grim Fandango (1998) exemplifica essa estrutura dependente de

interação, assim como possui exemplos claros de personagens e arquétipos dentro

de uma narrativa. No jogo, o jogador assume o papel do protagonista Manny Calavera,

65 Videogames são uma experiência ativa, enquanto filmes e televisão são uma experiência passiva.

Você está no comando durante todos os momentos do jogo. Um amigo meu, há um tempo atrás, comparou videogames com romances, no sentido de que se você parar de ler, a história não continua. Nos videogames acontece a mesma coisa.

Figura 14 – Grim Fandango

58

executivo de uma empresa que recebe as almas dos mortos e as encaminha para

descansos eternos com base nas suas ações em vida. Manny, cansado de receber

clientes “impuros”, rouba uma cliente e descobre que foi forçado a lhe classificar

erroneamente pelo sistema da empresa. Ao investigar os motivos, Manny, descobre

um sistema de corrupção dentro da empresa e percebe que para prová-lo, precisa

resgatar a cliente que encaminhou para uma jornada não tão agradável.

A investigação dos paradeiros da cliente é a base do jogo, onde só existe a

progressão se o jogador cumprir com os requerimentos do nível. Os objetivos da

investigação podem ser cumpridos de diversas maneiras, e, muitas vezes, o que

jogador escolhe durante os diálogos modifica tais objetivos. O jogo é dividido em atos,

avançando a história em diferentes períodos de tempo da investigação, apresentando

personagens novos, assim como recorrentes, através da progressão do jogador.

A autora Jeannie Novak (2011, p.155) descreve formas de entrega da narrativa

nos videogames que podem prejudicar, ou até mesmo amplificá-la. O uso de cenas

cinemáticas, ou cutscenes66, remove o controle do jogador, para, narrar

acontecimentos, ou mostrar algo em vídeo, que não é possível realizar com os

controles da interface. O posicionamento da câmera, ou ponto de vista disponibilizado

ao jogador também interfere no tipo de história contada. Por exemplo, nos, já

mencionados, First Person Shooters o ponto de vista do jogador é equivalente a visão

do próprio personagem. Essa escolha permite que o jogador se sinta em síntese com

a disposição arquetípica de Herói do seu personagem, o que é mais difícil de

estabelecer em visões mais distantes como a de Terceira Pessoa, onde a câmera

segue as costas do personagem do jogador, ou até mesmo em visões aéreas

presentes na maioria dos simuladores.

Novak (2011, p.133) também afirma que a divisão de uma narrativa em

capítulos, ou atos, tem sido um tópico presente a décadas no ensino da escrita de

roteiros em Hollywood, pois são fórmulas testadas que, na maioria das vezes,

garantem um engajamento emocional com o espectador. A autora afirma que a

estrutura mais comum é a Hollywood Three Act.

66 A autora aponta que as cinemáticas são similares as cutscenes, no sentido de que a primeira está

mais direcionada para o início, ou final de jogo, enquanto a outras ao que ocorre ao decorrer do jogo. Não existe uma tradução muito específica para a palavra cutscene, mas literalmente, significaria algo como “corte de cena”. Entretanto, no contexto dos videogames, ambas se referem ao uso de

sequencias em vídeo para fins narrativos.

59

A estrutura de três atos parte do princípio de que uma boa história deve ter um

início, um meio e um fim. O início, ou ato um, introduz o problema a ser resolvido pelo

protagonista, assim como captar a atenção do público. O meio foca nos obstáculos

que previnem que o problema seja resolvido, assim como imbuir a história com a

tensão necessária para sua conclusão. O fim consiste na resolução do problema

frente os obstáculos do meio, assim como na entrega de uma conclusão as

particularidades da história.

No entanto, essa estrutura é modificada quando se tratam de videogames, a

autora alerta que são necessários ambientes de familiarização com as mecânicas do

jogo antes que atos narrativos aconteçam. Essa possibilidade de adaptação de

estrutura também funciona para que a entrega da narrativa seja condizente com as

liberdades presentes no videogame:

In film, all scenes in the middle of the story should advance the plot or reveal an important aspect of a character’s personality. This is related to the closed nature of linear media. In addition to being limited by time (usually no more than two-and-a half hours), movies are not meant to be vast worlds for the audience to explore. In a game, there’s all the time in the world for an unrelated storyline, twists and turns, and other tricks, which help create the illusion of freedom for the player as well as a more realistic game world with endless experiences. (NOVAK, 2011, p.134)67

Inclusa na maioria das estruturas narrativas está a já mencionada jornada do

herói, conceito criado por Joseph Campbell na obra The Hero With a Thousand Faces.

Ao longo de seus capítulos, Campbell (2004) imbuindo dos estudos de Carl Jung e

Sigmund Freud introduz a jornada do herói como um monomito, uma espécie de

padrão encontrado nas lendas e mitos (provenientes dos arquétipos) de todas as

culturas mundiais.

A jornada do herói consiste, portanto, em uma fórmula narrativa que visa

fortalecer as figuras ligadas ao arquétipo do Herói. A estruturação da primeira parte

67 Nos filmes, todas as cenas na metade da história devem avançar a trama, ou revelar um aspecto

importante da personalidade do personagem. Isso é relacionado a natureza fechada da mídia linear. Em adição a ser limitada por tempo (geralmente, não mais do que duas horas e meia), os filmes não têm o objetivo de serem vastos mundos para a audiência os explorar. Em um jogo, existe todo o tempo do mundo para uma história secundária, reviravoltas e outros truques, que podem ajudar na criação de uma ilusão de liberdade para o jogador, assim como na estruturação de um mundo realístico com repleto de inúmeras experiências.

60

dos capítulos do livro de Campbell, The Hero With a Thousand Faces, classifica três

etapas nessa jornada universal de todos os Heróis: a Partida, a Iniciação e o Retorno.

No primeiro episódio do documentário serial Joseph Campbell and the Power

of Myth (1988), o jornalista Bill Moyers discute com Campbell sobre a influência e uso

da jornada do herói em criações contemporâneas como no cinema. Moyers e

Campbell apontam que nos filmes da franquia68 Star Wars, o diretor George Lucas,

cuja fazenda, Skywalker Ranch, foi o local de gravação dos primeiros cinco episódios

do documentário, havia claramente utilizado da estrutura e seus arquétipos

adjacentes.

Dentro de cada etapa da jornada, Campbell descreve acontecimentos chave

que movem uma narrativa. Nos itens abaixo poderemos observar a jornada do herói,

descrita por Campbell, e onde, normalmente, ocorre dentro dos atos no Hollywood

Three Act:

Ato 1 – A Partida

O chamado para a aventura: Campbell (2004, p.45-54) aponta que é onde o mistério da

história, o Herói e o Mensageiro têm seu primeiro contato. O Herói em função do desconhecido

apresentado pelo Mensageiro é tentado a embarcar em uma aventura muito além de sua

realidade inicial. Em um exemplo contemporâneo e cinematográfico, tal momento corresponde

ao pedido de ajuda enviado pela Princesa Leia a Luke Skywalker no início de Star Wars

Episódio IV: Uma Nova Esperança (1977).

A recusa do chamado: Campbell (2004, p. 53-63) afirma que é o momento onde o Herói,

ainda ignorante, ou descrente, de suas habilidades, em função de sua realidade recusa o

chamado para aventura. No mesmo episódio de Star Wars, Luke Skywalker desiste da busca

pela princesa quando é lembrado por si mesmo e seus tios de que a próxima colheita estava

por vir.

Auxílio sobrenatural: Campbell (2004, p. 63-71) argumenta que esse é o momento do

primeiro encontro do Herói com uma figura protetora, ou o Mentor. O Herói é empoderado,

literal, ou figuradamente pela sobrenaturalidade do destino/história. Esse encontro encoraja e

motiva o Herói para seguir em sua jornada. Em Star Wars esse encontro é marcado quando

Luke Skywalker é salvo e acompanhado por Obi-Wan Kenobi na busca pela princesa. O

encontro acontece após a recusa, mas o destino, ou história, força o herói a encontrá-lo.

68 Na época do documentário apenas os Episódios IV, V e VI haviam sido lançados.

61

O cruzamento do primeiro limite: Campbell (2004, p.71-83) aponta que o Herói é

apresentado ao seu primeiro desafio e consequentemente, a um Guardião. O teste é,

geralmente, sobre o contraste entre a motivação recém-adquirida pelo Herói e as razões de

sua recusa. Luke Skywalker, em Star Wars, deve escapar de seu planeta natal, ou ser

capturado pelo Império.

A barriga da baleia: O autor (2004, p. 83-88) classifica esse momento como de extrema

tensão para o Herói, mas também, como uma experiência purificadora, muitas vezes,

proveniente do primeiro limite. O Herói, ao invés de dominar o desafio, é consumido pelo

desconhecido, mas apenas aparenta ser derrotado. O mesmo retorna fortalecido com um

maior entendimento dos perigos de sua jornada. Em Star Wars, Luke Skywalker, Han Solo e

a Princesa Leia são presos em um compactador de lixo e enfrentam a morte certeira, através

do esforço de seus companheiros C-3P0 e R2-D2 os mesmos são resgatados no último

momento possível e podem proceder com a jornada.

Ato 2 – A Iniciação

A estrada dos desafios: Campbell (2004, p. 89 – 100) afirma que nesse estágio, o Herói,

sobrevivente do primeiro limite, deve enfrentar uma série de novos desafios, onde é

secretamente auxiliado pelos poderes do Mentor, ou descobrir que existe uma força maior

auxiliando sua jornada. Em Star Wars, Luke Skywalker, com o auxílio de Obi-Wan Kenobi,

aprende sobre os poderes da Força e os usa durante a prática de sabre de luz para reagir

precognitivamente aos disparos feitos por uma unidade de treino.

O encontro com o a deusa: Campbell (2004, p. 100 – 111) aponta que nesse estágio da

jornada, o Héroi tem a oportunidade de se encontrar com aquilo que tem buscado, geralmente,

apresentado em uma figura feminina. A deusa, nesse sentido, é um catalisador para que o

Herói se aprofunde na jornada e se torne equiparável, ou merecedor dos mesmos valores de

sua busca. Esse encontro pode não ser claro, ou percebido, pelo Herói. Em Star Wars, por

exemplo, Luke Skywalker resgata a Princesa Leia, líder da Aliança Rebelde, e passa a integrar

a rebelião na missão subsequente de destruir a Estrela da Morte.

A tentação: Campbell (2004, p. 111 – 116) argumenta que durante a jornada, o Herói pode ser

tentado a não cumprir com seu destino e, portanto, falhar a ser aquilo que seu arquétipo

determina. Alternativo a ordem a prevista por Campbell, o terceiro filme da saga Star Wars,

Episódio VI: O Retorno de Jedi(1983), possui o momento, onde Luke Skywalker é tentado a

tomar o lugar de seu pai, Darth Vader, e, consequentemente, se tornar um vilão.

62

O reconcilio: Campbell (2004, p. 111 – 138) afirma que nesse momento existe um reconcilio

entre uma figura, geralmente paterna, que o renega, ou foi renegada pelo Herói. No mesmo

filme do exemplo acima, Darth Vader e Luke Skywalker reconciliam sua relação pai/filho após

um conflito.

A apoteose: Campbell (2004, p.138 – 159) aponta que esse é o momento onde o Herói,

transformado em deus por suas experiências prévias, assume o papel do seu destino e realiza

feitos julgados, anteriormente, impossíveis por si mesmo. Em Star Wars Episódio V: O Império

Contra-Ataca (1980), Luke Skywalker se torna um Jedi e ganha controle sobre a Força.

A dádiva: Campbell (2004, p.159 – 178) descreve a dádiva como o fruto da busca do Herói

durante a história. Embora seja a conclusão do objetivo e da etapa, não marca o fim da jornada.

Em Star Wars Episódio IV: Uma Nova Esperança (1977) a destruição da Estrela da Morte é

conquistada por um disparo de Luke Skywalker auxiliado pela Força.

Ato 3 – O Retorno

A recusa do retorno: Campbell (2004, p.179 – 182) define esse momento como uma hesitação

do Herói após a dádiva, pois esse sabe que deve retornar a seus companheiros e sua nova

realidade. A incerteza, ou desconfiança sobre o novo estado do mundo pode fazer com que o

Herói renegue sua jornada durante um determinado período de tempo. Novamente em Star

Wars Episódio IV: Uma Nova Esperança (1977), Luke Skywalker, após resgatar a princesa,

recusa a escapar com seus companheiros, pois deseja permanecer na Estrela da Morte e

vingar a morte de Obi-Wan Kenobi.

O voo mágico: Campbell (2004, p.182 – 192) apresenta essa instância da narrativa como o

momento em que toda força sobrenatural se apresenta para auxiliar o retorno do herói, ou

força-lo caso exista a recusa. Em Star Wars Episódio IV: Uma Nova Esperança (1977) Han

Solo e a Millenium Falcon, que haviam partido da narrativa, fazem um retorno triunfante para

auxiliar Luke Skywalker durante a destruição da Estrela da Morte.

O salvamento de fora: Campbell (2004, p.182 – 192) aponta que esse momento sucede o voo

mágico. As forças do mundo resgatam o Herói e o colocam de volta a trilha da jornada. Em

Star Wars Episódio IV: Uma Nova Esperança (1977), o exemplo se torna muito similar ao listado

acima: enquanto o voo mágico refere-se à apresentação das forças de resgate do Herói, o

salvamento de fora enquadra o resgate em si.

O cruzamento do segundo limite: Campbell (2004, p.192 – 212) argumenta que durante o

seu salvamento, o Herói ainda deve enfrentar um último teste. A falha nesse teste, geralmente,

63

encerra a jornada do Herói através da morte e transmite, também, que o personagem falhou

com seu arquétipo apontado, trazendo um brusco final a história; o Herói deve sobreviver e

retornar ao seu mundo. Em Star Wars Episódio IV: Uma Nova Esperança (1977), Luke

Skywalker, ainda precisa se concentrar e acertar o disparo para destruir a Estrela da Morte.

O mestre dos dois mundos: Campbell (2004, p.212 – 221) afirma que nesse estágio da

narrativa, o Herói retorna para seu mundo, após obter a vitória sobre o segundo. Esse, que no

início da jornada, era marcado pelo desconhecido. O Herói é, portanto, um mestre da vida como

conhecia e um sobrevivente da morte que sombreava seu objetivo. Ao final de Star Wars

Episódio IV: Uma Nova Esperança (1977), Luke Skywalker e Han Solo recebem medalhas em

uma celebração pela vitória contra o Império na lua do planeta Yavin.

Liberdade para viver: Campbell (2004, p.221 – 226) conclui que esse é o momento em que

jornada do Herói, realmente, chega ao fim. O campo de batalha, já deserto, é um local onde a

vida irá ressurgir em função dos esforços do Herói e seus companheiros. Esse momento marca

o final de algo, mas o início de outro. A conclusão de Star Wars Episódio IV: Uma Nova

Esperança (1977) mostra a Aliança Rebelde vitoriosa sobre o Império, onde não é mais

ameaçada pela Estrela da Morte, a esperança de vida ressurge graças ao Herói.

Contudo, a jornada do Herói descrita por Campbell reúne uma série de

acontecimentos e envolvimentos arquetípicos comuns ao homem que, conforme os

estudos de Carl Jung mencionados anteriormente, refletem anseios do homem sobre

o controle daquilo que desconhece e reprime. Os exemplos de Star Wars

mencionados acima, nos permitem perceber que nem sempre a estrutura do

monomito é seguida à risca, embora esteja presente em inúmeras criações ao longo

da história humana. Podem haver, também, múltiplas jornadas dentro de uma mesma

história e a autora Jeannie Novak alerta para o seguinte:

Although it is important to have a framework for traditional storytelling, using rigid storytelling structures could result in tired, overused stories [...] These structures also do not account for scenarios involving multiple main characters who all share equal importance in the story. (NOVAK, 2011, p.136). 69

69 Por mais que seja importante ter um quadro para um contar de histórias tradicional, o uso de

estruturas muito rígidas pode resultar em histórias repetitivas[...] Essas estruturas também não preveem cenários que envolvam múltiplos protagonistas de mesma importância na história.

64

Conforme o já mencionado no início deste capítulo, o documentário Video

Games: The Movie (2014) afirma que a presença de uma história que seja de fácil

relacionamento/aceitação do público e, ao mesmo tempo, integrada a interatividade

do jogo, tem sido o novo padrão qualidade escolhido pelos jogadores.

Por esse motivo, a autora Jeannie Novak (2011, p.149-160) aponta que a

narrativa do jogo possui relação direta com os itens apresentados no segundo capítulo

dessa pesquisa: o jogador que habita e manipula o jogo através da interface é

conhecido como o player character (PC)70. Esse tem seus anseios de

entretenimento/escapismo entregues por uma experiência equilibrada de jogo, criada

através de um cuidadoso processo de game design. A narrativa surge para

estabelecer, com o auxílio de estruturas arquetípicas e os objetivos secundários de

uma interface, a imersão do jogador em uma realidade diferente, assim como, torná-

la instigante o suficiente para que o jogador continue jogando e escolhendo para ela

ser transportado.

Tendo elucidado o que compõe um jogo, o que compõe um videogame e como

são construídas as estruturas narrativas neles inseridas, no próximo capítulo nos resta

explorar a questão norteadora dessa pesquisa. Através da observação dos

videogames da série Dark Souls buscaremos compreender de que forma esse

casamento de interatividade e narração realmente ocorre.

70 Personagem controlado pelo jogador.

65

5. ESTUDO DE CASO: DARK SOULS

Como descrito na metodologia presente na introdução desta pesquisa, após os

levantamentos exploratórios dos três capítulos anteriores, passaremos para a

observação da aplicação dos conceitos apresentados anteriormente no estudo de

caso dos jogos da série Dark Souls. Após essa primeira parte da análise,

prosseguiremos para os questionários aplicados aos jogadores dos jogos da franquia.

Prepare to die71. É o que estampa a embalagem do RPG criticamente

aclamado72, Dark Souls (2011). O jogo foi desenvolvido pela empresa japonesa

FromSoftware e publicado pela Namco Bandai Games em 2011 para o Playstation 3

e o Xbox 360, com uma segunda versão que incluía o conteúdo adicional Artorias of

the Abyss, lançada para o PC em agosto de 2012. O conteúdo foi disponibilizado para

os consoles como downloadable content (DLC) 73 em outubro do mesmo ano.

O game é o primeiro de uma série de jogos que foi lançada a partir do seu

sucesso, mas, na verdade, é uma sequência espiritual74 a outro jogo, Demon’s Souls,

lançado pela mesma empresa exclusivamente para o Playstation 3 em 2009, esse,

possui uma resposta crítica igual75 a de seu sucessor.

Os jogos da série Souls são similares em quase todos seus aspectos, porém,

cada título apresenta sua própria direção de arte e enredo. O fator que os une são os

desafios que propostos aos jogadores: Em todos os jogos da série o jogador é punido

com a morte de seu personagem a cada erro que comete.

71 Prepare-se para morrer.

72 A principal fonte utilizada para se medir respostas críticas dos videogames é o portal Metacritc, que

reúne os comentários e notas dos principais veículos de mídia do mundo e apresenta um valor médio corresponde a todas as avaliações do título. No caso de Dark Souls, sua avalição é 89 de 100. Disponível em: <http://www.metacritic.com/game/playstation-3/dark-souls> Acesso em 10. Jun. 2016. 73 Conteúdo para download. Os DLCs podem ser gratuitos, ou pagos. Sucederam os pacotes de

expansão lançados em mídias físicas para jogos já existentes. Porém, ambos são relativos à adição de níveis e/ou funções ao jogo. 74 No contexto dos videogames, ser uma sequência espiritual significa que jogo mantém aspectos

similares de gameplay ao anterior, enquanto apresenta uma narrativa não relacionada a de seu predecessor, ou vice-versa. 75 Demon’s Souls também apresenta uma avaliação de 89 de 100 no portal Metacritic. Disponível em:

<http://www.metacritic.com/game/playstation-3/demons-souls> Acesso em 10. Jun. 2016.

66

A morte do personagem não só marca a repetição de um nível de jogo,

conforme o desafio de avanço já apresentado nos capítulos anteriores. Os jogos da

série Souls não permitem ao jogador a funcionalidade se gravar um estado de jogo

(salvar), ou de interrompê-lo (pausar), mas armazenam o progresso do jogador de

acordo com a ativação de marcadores, conhecidos no jogo como Bonfires76, pelo

próprio jogador. Isso significa que se o jogador não os ativar, a partir da morte de seu

personagem, ou do abandono de sessão, será levado novamente, por definição

padrão, ao início do jogo. Se o jogador os ativar, será transportado para o último

marcador com que interagiu.

Entretanto, o desafio da série Souls é mais complexo. Durante os jogos, o

jogador recebe a missão de progredir por inimigos e níveis de dificuldades

propositalmente árduas. Através da paciência, dá análise dos recursos a sua

disposição e o reconhecimento de padrões na movimentação dos inimigos o jogador

pode obter sucesso. Esse sucesso é medido através de um índice de pontos (Souls77),

que podem ser utilizados como moeda na ampliação das capacidades do personagem

e na compra de itens ao longo do jogo.

Ao falhar (morrer), além de ser forçado a retornar a sua última ativação de

Bonfire, o jogador perde suas Souls acumuladas e tem apenas uma chance de

recuperá-las no mesmo local em que as perdeu, se falhar novamente elas são

perdidas para sempre. Existe, no entanto, ainda mais um obstáculo imposto ao

jogador: a Bonfire, que “grava” o avanço do jogador, é o mesmo local onde esse pode

gastar suas Souls para fortalecer seu personagem, quando ativada, reanima todos os

inimigos e armadilhas já enfrentados pelo jogador em determinado nível. A morte do

personagem também conta como uma ativação.

A perda do progresso no jogo, no avanço do personagem, assim como a

repetição do nível e seus desafios são fatores diretamente ligados a habilidade de

jogo que tornam o fracasso ainda mais temível pelo jogador, mas ao mesmo tempo,

estabelecem que a contínua testemunha da imagem abaixo não se torne

extremamente frustrante:

76 Fogueiras. 77 Almas.

67

Disponível em: <https://www.dropbox.com/s/wag3h2ckn3vw0dv/15.jpg?dl=0>

Acesso em 10. Jun. 2016

Os jogos da série Souls podem punir o jogador por sua falta de atenção, ou

habilidade, o que claramente evidencia um game design voltado aos jogadores que

buscam o ludos, apresentado nos capítulos anteriores. Mas se existem obstáculos,

deve existir uma entrega do estímulo de superação desses. Essa entrega é um dos

pontos principais da série Souls.

Como se os desafios mundanos dos jogos Souls não fossem suficientes, existe

ainda o ápice do desafio, as Boss Battles 78. Os Chefes são inimigos de design único

e de dificuldade extrema, localizados o mais distante possível de cada Bonfire e em

áreas que não sinalizam o confronto iminente ao jogador. Ao entrar em uma delas, o

jogador é tratado com uma cut-scene, o que não só indica que algo está prestes a

acontecer, mas que apresenta o inimigo, geralmente, de estatura colossal e de caráter

ameaçador. O jogador não pode escapar do confronto, seu ponto de entrada é

bloqueado por uma barreira de névoa, e, portanto, deve obter a vitória, ou morrer.

78 Batalhas de Chefe.

Figura 15 – Interface indica a morte em Dark Souls

68

79

Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=QHDPr07hyzs>

Acesso em 10. Jun. 2016

No exemplo disponível em vídeo no link acima, ou QR code no rodapé, o

jogador é desafiado a enfrentar dois Chefes ao mesmo tempo. O jogador vai aos

poucos diminuídos as barras representantes da vitalidade de um Chefes apenas para

ser surpreendido com uma nova fase do combate. O Chefe restante absorve a

essência daquele que foi derrotado e tem sua vitalidade recuperada e habilidades

ampliadas. Novamente, o jogador é apresentado a duas escolhas: ou finaliza seu jogo

em fracasso, ou supera o desafio e pode continuar a progredir.

A interação de combate ao Chefe reúne todos os aspectos de gameplay

disponíveis ao jogador, esse deve os administrar e descobrir qual é a melhor

estratégia para proceder. O Chefe, por sua vez, é fruto de um conjunto de animações

de ataque que visam punir a movimentação do jogador, muitas vezes o induzindo ao

erro devido ao fato de seus ataques causarem grande perda da vitalidade do jogador

e serem difíceis de desviar.

A cada ativação de Bonfire, é disposta uma quantidade limitada de itens de

recuperação de vitalidade o jogador e, geralmente, esse pode os gastar antes mesmo

do confronto ao Chefe. A relevância desses itens é alta, pois podem resgatar o jogador

79

Figura 16 – A batalha contra Ornstein e Smough em Dark Souls

69

de um fracasso garantido, mas também podem ser responsáveis pelo mesmo: seu

uso restringe a movimentação do jogador, o que o deixa livre para receber ataques de

inimigos, ou Chefes.

A adaptação do jogador aos desafios impostos pelos jogos da série Souls é o

que o torna vitorioso. A conquista do Herói jogador sobre o antagonismo de seus

inimigos não só o recompensa com pontos, mas consiste em um feito que tem seu

significado ampliado pela dificuldade e que continua sendo buscado, apesar dos

possíveis fracassos a serem sofridos ao longo do caminho.

A vitória sobre um Chefe garante um grande número de Souls ao jogador e

pode estar conectada ao sistema de conquistas de cada plataforma. Sua tela de

informação, embora contrária à de fracasso, apresenta elementos similares como

indicações sonoras e grafismos exibidos na tela, assim como pode recompensar o

jogador com itens pertencentes ao Chefe:

Disponível em: <https://www.dropbox.com/s/qu01p1yv1c2np11/17.jpg?dl=0>

Acesso em 10. Jun. 2016

Figura 17 – A conquista da vitória em Dark Souls

70

As batalhas contra os Chefes ainda podem conter objetivos ocultos, como por

exemplo, em Dark Souls a cauda de Chefes dragões pode ser cortada e convertida

em poderosas armas a serem utilizadas pelo jogador. A propagação de tais

possibilidades é atribuída à troca de informações de jogadores nas comunidades de

discussão dos jogos. A formação dessas comunidades, apresentada anteriormente

nesta pesquisa, é natural frente ao contexto tecnológico contemporâneo, mas é

influenciada a acontecer pelas funcionalidades inseridas no processo de game design

dos jogos da série Souls.

Todos os jogos da série Souls (Demon’s Souls, Dark Souls, Dark Souls II, Dark

Souls III e Bloodborne) possuem dois modos de jogo Online e Offline. A conectividade

aos servidores do jogo, permite que jogadores de um jogo que só permite o controle

de um único jogador interajam entre si de três formas: pela troca de mensagens,

cooperação ou invasão.

As particularidades da troca de mensagens consistem no alerta, ou indução

dos leitores ao perigo iminente, assim como na tentativa de estratégias que podem,

ou não, resultar em sucesso. A possibilidade da utilização das mensagens

direcionadas ao fracasso dos outros jogadores, são previstas pelo âgon, apresentado

no primeiro capítulo, como a competição dentro jogo, assim como no cumprimento de

um desafio de corrida, também já definido como um apelo ao cumprimento de um

objetivo antes dos outros jogadores.

As mensagens, entretanto, não são livres em escrita, os jogadores as escrevem

através de frases e palavras pré-definidas, o que facilita a presença de ambiguidade

nas mesmas, assim como a elaboração de outras que servem como alerta, ou alívio

cômico:

71

80

Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=i0lj9u7HoKI>

Acesso em 10. Jun. 2016

O conteúdo (em vídeo no link acima, ou QR code no rodapé) acima mostra um

jogador sendo atraído pela presença de uma mensagem deixada por outro jogador. A

mensagem sugere a esse que pule de onde está. O jogador percebe que essa pode

ser uma mensagem mal-intencionada, mas devido à falta de outras mensagens, que

geralmente indicam um mentiroso, decide se certificar e alertar outros jogadores, o

que resulta, é claro, na sua morte. As mensagens podem receber qualificações

positivas e negativas e a cada uma delas o jogador que as deixou tem sua vitalidade

restaurada. Ou seja, além de poder se comunicar, o jogador é incentivado a o fazer.

As mensagens nos jogos da série Souls complementam as duas mecânicas da

funcionalidade Online. A cooperação com outros jogadores, consiste, no convite, ou

participação de um, ou mais jogadores para auxílio no confronto de um Chefe, ou

contra outros jogadores e é limitada por tempo e efetividade do parceiro que foi

convidado. Ao final de uma cooperação de sucesso (sem que ambos os jogadores

morram) os participantes recebem uma mensagem de que seu dever foi cumprido e

80

Figura 18 – Que tal pular?

72

índices de reputação que podem ser gastos na obtenção de itens e habilidades, que

são mais facilmente adquiridos através da interação no componente Online.

Curiosamente, a tradição de cooperação foi transformada em meme entre a

comunidade graças a um NPC do original Dark Souls. O misterioso cavaleiro Solaire

entrega um item ao jogador que o permite participar em tal ato de cooperação, o

diálogo com o personagem revela que esse acredita nas boas práticas entre os

jogadores, mas também que possui uma crença que deve ser compartilhada: a

adoração ao Sol. A frase do cavaleiro, “Praise the Sun! ”81, pode ser deixada como

mensagem para outros jogadores em qualquer ponto do jogo, mas devido a sua

popularidade foi transformada em animação nos jogos subsequentes.

As animações, ou gestos, que também são pré-definidos, permitem a

comunicação entre os jogadores do componente Online, mas também produzem

efeitos em determinados NPCs no modo Offline.

Disponível em: <https://www.dropbox.com/s/k1jc9jl924wn44o/19.jpg?dl=0>.

Acesso em 10. Jun. 2016

81 Adore ao Sol!

Figura 19 – Cooperadores celebram sua vitória com o gesto Praise the Sun em Dark Souls 2

73

Em todos os jogos da série, para que o jogador possa solicitar a ajuda de outro

é necessário que consuma um item que modifica a natureza de seu personagem. Em

Dark Souls, esse item é chamado de Humanidade. O consumo do item permite que

sua conexão com outros jogadores fique mais forte e, portanto, faz com que possa

visualizar mais mensagens e que possa gastar uma unidade do índice para solicitar

ajuda. O item, entretanto, é extremamente raro, existem quantidades limitadas que

podem ser obtidas pelo progresso no jogo, mas também existe uma solução para esse

limite.

Em Dark Souls, o jogador pode obter o item (Humanidade) se invadir o jogo de

outra pessoa. O ato da invasão consiste em combate imposto ao jogador vítima sem

que esse possa recusar. O jogo impõe barreiras ao progresso do jogador que sofre a

invasão, não lhe deixando outra opção a não ser combater seu invasor. O jogador que

opta pelo modo Online e consume Humanidade está sempre sujeito a invasões,

exceto quando enfrenta um Chefe. A invasão recompensa o vitorioso com Souls e

Humanidade que não são removidas do perdedor. Esse, em função do fracasso

(morte) sofre as consequências e é retornado a última Bonfire ativada. Ambos os

jogadores recebem pela interface de jogo a mensagem de que o conflito está prestes

a começar.

Disponível em: <https://www.dropbox.com/s/qzvsbui50u2j9ux/20.jpg?dl=0>

Acesso em 10. Jun. 2016

Figura 20 – O jogador é invadido

74

As dinâmicas do componente Online podem ocorrer também no Offline, mas

são menos frequentes e regidas pela inteligência artificial do jogo, o que pode fazer

com que a experiência de jogo de comunicação, competição e cooperação seja

diferente se comparada a dos jogadores humanos.

Além de possibilitar a interação entre jogadores, os jogos da série Souls

cultuam o desafio de exploração, anteriormente mencionado no capítulo 3, onde existe

o incentivo aos jogadores que buscam caminhos escondidos, ou difíceis de serem

percebidos. Tais caminhos, geralmente contém itens únicos, ou atalhos que facilitam

o trajeto do jogador entre as Bonfires disponíveis em um nível. Os caminhos

escondidos e segredos da série Souls podem ser guardados por outros desafios, seja

por um salto difícil de ser completo, armadilhas, ou até mesmo em paredes ilusórias.

Essas paredes podem estar espalhadas ao longo dos níveis do jogo e cabe ao jogador

atacar aquilo que não parece visualmente condizente com o ambiente para revelar o

segredo.

Disponível em: <https://www.dropbox.com/s/cff8x1azfnd0ut1/21.png?dl=0>

Acesso em 10. Jun. 2016

Figura 21 – O jogador é informado de uma parede ilusória

75

Os segredos não se limitam apenas a caminhos e tesouros, os jogos da série

Souls possuem conteúdo narrativo e Chefes escondidos em diferentes níveis de jogo.

O design de tais níveis é, em maior parte, linear, mas o jogador tem a liberdade de ir

e vir entre os níveis via os atalhos que pode descobrir ao longo do caminho. Dessa

forma, o jogador pode escolher por frequentar áreas diferentes, se não souber

progredir na que está.

O primeiro jogo da série, Dark Souls, tem seu design de níveis interligado a

todas as locações disponíveis ao jogador. A partir de sua área inicial, o jogador pode

viajar até o último estágio do jogo assim que o inicia, entretanto, pode não estar

preparado e ter um personagem fraco demais para tais áreas. Entre a comunidade é

comum testemunhar jogadores que impõem ainda mais limites a sua jogatina. Esses

publicam vídeos de sessões que buscam quebrar recordes de cumprimento do jogo

em menor tempo, ou sem o gasto de recursos para o avanço de seus personagens.

Os jogos da série Souls em união ao seu design de níveis apresentam locações

e ambientes completamente diferentes uns dos outros. Os níveis são construídos para

demonstrar ao jogador que esse está em uma área que possui sua própria distinção,

além de abrigar um conjunto de inimigos com habilidades provenientes, ou

condizentes com esses ambientes. Seguem dois exemplos baixo:

Disponível em: <https://www.dropbox.com/s/rjo03cnmm3xobg3/22.jpg?dl=0>

Acesso em 10. Jun. 2016

Figura 22 – A subterrânea Blighttown em Dark Souls

76

Disponível em: <https://www.dropbox.com/s/0wu4mp26f8e1rc6/23.jpg?dl=0>

Acesso em 10. Jun. 2016

As imagens acima mostram que diferente dos níveis, a única constante ao

jogador é sua interface de jogo. Cabe ao jogador, através da mesma, gerenciar os

itens que adquire ao longo do jogo para que sua travessia nele seja otimizada. Por

exemplo, o jogador pode encontrar uma tocha que ilumina ambientes escuros como o

da primeira imagem acima, ou até mesmo itens pertencentes a outros personagens

que podem ser entregues aos mesmos, ou não.

Conforme o afirmado anteriormente, a interface dos jogos da série Souls não

permite que o jogador interrompa o jogo, mas ao mesmo tempo, fornece informações

de suma importância ao jogador. Nela estão contidas não só as habilidades do

personagem, mas todos os itens adquiridos e o estado dos índices de vitalidade e

energia disponíveis ao jogador.

A vitalidade mantém a já mencionada tradição de ser representada na cor

vermelha e nos jogos Souls é exibida e uma barra localizada no canto superior

esquerdo da tela do jogador. A vitalidade é o que separa o jogador do fracasso, se a

barra for esvaziada a morte do personagem acontece. A barra é acompanhada por

uma segunda na cor verde, essa que representa a energia disponível ao jogador e

Figura 23 – A divina Anor Londo em Dark Souls

77

seu personagem. Através dessa, o jogador pode executar ataques, desviar de

inimigos e é esvaziada com a repetição dessas ações, mas ao contrário da vitalidade

é recuperada automaticamente após instantes de ser atingir seu fim. A falta de energia

faz com que o jogador seja incapacitado de executar mais ações no jogo e, na maioria

das vezes, é demonstrada por uma animação de seu personagem que fica imóvel, o

que também pode resultar em fracasso, caso jogador esteja engajado em combate

com algum inimigo.

A interface também permite ao jogador saber quanta vitalidade resta a seus

inimigos, assim como quanto seus ataques estão conseguindo drenar dos mesmos.

Através dessa informação, de forma implícita, o jogo aponta ao jogador que se os

ataques não estão surtindo efeito esse deve repensar em sua abordagem. Os Chefes

possuem barras de vitalidade muito maiores que a do jogador e inimigos comuns,

durante o combate são centralizadas na tela e podem ser intimidantes ao jogador, ou

até mesmo indutoras ao erro se próximas do fim.

Disponível em: <https://www.dropbox.com/s/t9eqy3y18bvzm5f/24.jpg?dl=0>.

Acesso em 10. Jun. 2016

Figura 24 – A interface no combate ao Chefe Amygdala em Bloodborne

78

Todos os elementos mencionados acima sobre os jogos da série Souls são

elementos de gameplay, ou seja, elementos pertencentes a natureza sistêmica do

jogo e seu diálogo com o jogador. Existe, entretanto, um fio condutor na entrega da

experiência dos jogos da série Souls que não só complementa o gameplay, mas os

une na criação de um universo narrativo para o jogador.

Os jogos da série possuem uma narrativa, aparentemente, vaga, porém a

complexidade dessa história pode passar despercebida ao jogador acostumado com

a contagem de histórias mais tradicionais. O protagonista, como dita a tradição da

maioria dos RPGs, é criado pelo jogador e tem seu nome, aparência, sexo e classe

definidos pelo mesmo. A classe representa não só o conjunto de habilidades iniciais

do personagem, mas como seu passado.

Disponível em: <https://www.dropbox.com/s/7toezfqeis73wuk/25.jpg?dl=0>

Acesso em 10. Jun. 2016

No exemplo acima, existe a escolha pela classe Guerreiro, onde o jogo aponta

que o personagem é um descendente de guerreiros do norte, famosos por sua força

física e que esse usa dessa disposição para utilizar armas mais pesadas, como um

machado. O que estabelece tais possibilidades são as habilidades, ou atributos do

Figura 25 – A criação de personagens em Dark Souls 3

79

personagem, no exemplo acima, o atributo força é condizente com a classe do

personagem pois é um dos valores com mais pontos alocados. Enquanto esse atributo

possui dezesseis pontos, outros como o de inteligência possuem alocações mínimas.

Nos jogos da série Souls, isso significa que esse personagem não poderá utilizar

ataques atrelados a esses índices, como por exemplo mágica, se não gastar Souls no

aumento desses índices.

Conforme o já mencionado, o jogador recebe Souls na derrota de seus inimigos

e pode perdê-las com a morte. Caso esse deseje melhorar seus atributos, deve ativar

uma Bonfire, reativar os desafios do nível e proceder com o a dinâmica. Cada atributo

melhorado aumenta o nível do personagem, assim como o custo em Souls para a

próxima melhoria, essa ocorrência é evidenciada no exemplo abaixo. Portanto, para

o avanço de seu personagem, o jogador deve sempre buscar desafios maiores e que

ofereçam mais Souls em recompensa.

Disponível em: <https://www.dropbox.com/s/ytik0j4ogjjo9sh/26.jpg?dl=0>

Acesso em 10. Jun. 2016

Com a criação do personagem em Dark Souls, o jogador recebe sua primeira

entrega narrativa, o jogo inicia com uma cinemática, que além das cut-scenes

Figura 26 – Tela de “Level Up” em Dark Souls

80

introdutórias aos Chefes, é uma das únicas no jogo inteiro. A cena introduz um

contexto ao mundo que será habitado pelo jogador com elementos de significado,

geralmente, alegórico.

A narradora informa ao jogador que em uma era primordial o mundo, ainda em

formação, era dominado por Dragões de vida eterna, mas em acontecimento

excepcional veio o Fogo, e com ele a disparidade entre Vida e Morte, mas

principalmente entre Luz e Escuridão foi estabelecida. Seres surgiram da escuridão e

na chama encontraram as almas de Lordes. Eles são: Nito, o primeiro dos Mortos, a

bruxa de Izalith e suas filhas do Caos, Gwyn o Senhor do Sol e seus cavaleiros e um

furtivo pigmeu que foi facilmente esquecido. Com as almas, os Lordes e Seath, o

dragão sem escamas, desafiaram os outros Dragões e prevaleceram. A partir daquele

momento começara a Era do Fogo, mas a narradora alerta que logo a chama irá

desaparecer e só a Escuridão restará. Entre os homens existem aqueles

amaldiçoados por um símbolo da Escuridão que os amaldiçoa. Tais homens são

mortos-vivos, incapazes de morrer permanentemente, e que nesse ciclo de morte e

ressureição acabarão por enlouquecer buscando mais almas sem motivo algum.

Os mortos-vivos, que possuem a aparência de cadáveres, são presos em um

asilo distante enquanto aguardam pelo fim do mundo. Para prevenir a loucura da

maldição esse devem consumir o item Humanidade, que restaura seus corpos

temporariamente (assim como possibilita as já mencionadas interações de

cooperação e invasão).

Esse é o destino do protagonista. Além de todas as similaridades com os

arquétipos de Jung apresentados na cinemática, como a luz que transmite vida e a

escuridão morte, esses espelham a mesma forma que o homem busca dominar sua

condição finita (vida) e de desconhecimento de seu inconsciente (escuridão). O

protagonista, como dita o arquétipo de Herói, é falho, é amaldiçoado. Porém esse é

resgatado por um Mentor, também morto-vivo, e embarca em uma jornada

extremamente similar à definida por Joseph Campbell nos capítulos anteriores.

O jogo inicia com o protagonista escapando de sua cela, o ambiente é de

familiarização com jogo, indicado como necessário por Jeannie Novak anteriormente

nessa pesquisa. Entretanto, a interface não apresenta nenhuma instrução ao jogador,

esse, por sua vez, pode aprender sobre os controles do jogo se optar por interagir

com as mensagens deixadas (e disponíveis Offline) pelos criadores ao longo do nível.

81

Após ser apresentado aos controles, o jogador é instruído a prosseguir por uma

porta. Nesse momento esse pode visualizar uma vasta área, onde o primeiro Chefe o

surpreende e pode matá-lo com extrema facilidade. Existe uma outra mensagem no

chão, se lida em segurança, apresenta o seguinte: “Corra”. Ao jogador não só é

introduzido o primeiro conflito com um Chefe e suas capacidades mortíferas, mas

também o papel de tais personagens na narrativa, o de antagonismo. O chefe é

conhecido Asylum Demon, e pode ser observado pelo jogador antes mesmo do

conflito, se este estiver explorando seus ambientes com cuidado. É possível afirmar

que esse Chefe atua como uma espécie de carcereiro para a prisão dos mortos-vivos.

O jogador em seu primeiro conflito está desarmado, portanto, o acato a

mensagem que indica perigo extremo é aconselhável. Após uma série de confrontos

a inimigos de menor relevância (mas que podem matar o jogador com a mesma

facilidade) e a conversa com o Mentor Oscar, responsável pelo resgate do jogador e

na introdução da jornada em busca de uma cura para a maldição, o protagonista deve

escapar da prisão, porém, a chave para o feito ainda está em posse do Chefe. O

jogador já armado e aliado a um possível ataque em salto, que pode drenar metade

da vitalidade do Chefe, não deve ter problemas para obter a vitória e escapar.

Ao chegar no nível Firelink Shrine, somente se houver a interação do jogador

com um NPC o jogador recebe uma explicação propositalmente vaga de sua missão.

Esse aspecto se repete ao longo do jogo e em todos os outros da série. A narrativa é

inserida na interação com outros personagens, cujo desenrolar de ações é também

conectado às do jogador. Essa interação, entretanto, não é necessária para a

progressão, o jogador pode completar o jogo sem trocar diálogo com a grande maioria

dos personagens do jogo.

Com um vago conhecimento do que deve fazer, o jogador tem a promessa de

que se tocar dois sinos em lugares distintos, algo acontecerá. A partir desse momento,

o jogador possui liberdade completa para explorar e interagir com o mundo. Com o

progresso, o jogador certamente irá obter diversos itens e armas em sua jornada, cujo

uso, conforme o anteriormente mencionado, é regrado pelos atributos investidos pelo

jogador. Tais obtenções possuem uma potencialidade escondida. Cada item possui

uma descrição que não só indica para que serve, mas como foi criado e a quem

pertenceu. Ao jogador cabe atrelar os pedaços dessas informações com suas

interações com outros personagens e níveis.

82

Por exemplo, em Dark Souls o jogador pode encontrar e resgatar o cavaleiro

Lautrec, um NPC preso na mesma área onde o jogador pode obter perdão por invadir

os jogos de outras pessoas. Se o jogador o resgatar, esse poderá ser encontrado no

nível central do jogo Firelink Shrine. O nível reúne a maioria dos NPCs com que o

jogador pode interagir e, portanto, abriga uma outra personagem, responsável por

cuidar da Bonfire do nível. O cavaleiro Lautrec irá assassinar essa personagem e,

consequentemente, tornar a Bonfire inutilizável se for deixado por muito tempo em

Firelink Shrine. O jogador, após uma longa progressão, pode encontrar o cavaleiro,

invadir seu “jogo” e recuperar a alma da personagem, restaurando a vida da mesma

e as funções da Bonfire. Ao matar o cavaleiro, o jogador recebe suas armas e

armadura. As motivações do personagem são elucidadas apenas se houver a leitura

desses itens:

Disponível em: <https://www.dropbox.com/s/wslwdof2g7wmozw/27.png?dl=0>

Acesso em 10. Jun. 2016

Figura 27 – O elmo de Lautrec em Dark Souls

83

Disponível em: <https://www.dropbox.com/s/7qihw33famgio1x/28.png?dl=0>

Acesso em 10. Jun. 2016

As imagens acima contêm descrições que apontam para uma devoção e paixão

do cavaleiro Lautrec para com a deusa Fina. Essa devoção o fez esquecer de todo o

resto e sua armadura representa aspectos dessa devoção. A armadura possui dois

braços que abraçam o corpo de Lautrec. O jogo não oferece maiores explicações

sobre a deusa, assim como sobre a reciprocidade dessa relação.

As particularidades narrativas dos NPCs e seus respectivos itens se repetem

ao longo do jogo e cumprem o papel de enriquecer a interação com o jogador. Esse

aspecto também se repete nos outros jogos da série e influencia suas comunidades a

reunir todos os detalhes da experiência narrativa em diversos conteúdos que são

propagados e trocados entre os membros das mesmas.

Por exemplo, o usuário membro do subReddit82 de Bloodborne conhecido como

Redgrave elaborou uma análise83 da narrativa do jogo que reúne em torno de 120

páginas com sua interpretação e esclarecimento dos eventos que acontecem no jogo.

82 O fórum online Reddit é repleto de discussões. Os centros de cada discussão recebem links próprios

e são chamados de subReddits. Endereço do portal: http://www.reddit.com. 83 Documento disponível em: <https://goo.gl/K2CqfL> Acesso em 10. Jun. 2016.

Figura 28 – A armadura de Lautrec em Dark Souls

84

No Youtube, o canal VaatiVidya84 tem cerca de 760 mil assinantes devido aos vídeos

de análise extremamente detalhada sobre todos os jogos da série Souls. Tais usuários

são conhecidos e relevantes entre a comunidade que os cita em seus próprios

conteúdos. A animação Happy Souls85 satiriza de forma excepcional todas as

experiências comuns para os jogadores em Dark Souls 2, além de um determinado

momento parodiar a narração de VaatiVidya. Nos comentários do vídeo é possível

observar que os espectadores reconhecem as diversas referências da animação.

A liberdade de interação somada aos desafios sistêmicos dos jogos da série

Souls os tornam recompensadores acima de tudo. Existe a recompensa pela

habilidade e exploração na forma de progresso e vitória frente ao perigo de árduos

desafios. Esses são interconectados através de uma narrativa complexa e integrada

a interface de jogo que só existe por completo se houver interesse do jogador em

compreendê-la.

O jogador próximo do final de sua jornada em Dark Souls, encontra dois NPCs

que o informam de possíveis caminhos para a “cura” da maldição de seu personagem.

Em ambos os caminhos o jogador deve enfrentar os lendários antagonistas a quem

foi apresentado no início do jogo: a bruxa de Izalith, Nito e Gwyn, para usar suas

poderosas almas de Lordes para reviver a chama da era do Fogo, ou deixá-la apagar

e se tornar o Lorde da Escuridão. De forma alegórica, o jogador é tentado por esses

dois personagens que tomam a forma de serpentes gigantes idênticas e não claras

quanto as possíveis consequências dessa escolha. O jogo através da descrição de

um item, descreve as serpentes como seres que desejam, acima de tudo, se tornar

dragões.

84 Disponível em: <https://www.youtube.com/user/VaatiVidya> Acesso em 10. Jun. 2016.

85 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=2kr7KDCsIws> Acesso em 10. Jun. 2016.

85

Disponível em: <https://www.dropbox.com/s/om4udg4rkxri2dm/29.jpg?dl=0>

Acesso em 10. Jun. 2016

Ao longo do jogo o jogador pode ser informado de que o mundo que habita

possui uma barreira muito fraca com os outros possíveis mundos no espaço-tempo e

é isso que torna as mecânicas de cooperação, ou invasão possíveis e condizentes

com a história contada. Mas não é até o final do jogo que jogador pode perceber a

natureza cíclica da narrativa. Ao contrário do que é informado, o protagonista não é

um ser especial e sim mais um morto-vivo que optou pelas escolhas apresentadas

pelas serpentes em um determinado momento do tempo.

O jogador também pode aprender que Gwyn, o senhor do Sol, usou sua alma

para prolongar a chama e garantir maior longevidade a Era do Fogo. A chama

consumiu seu poder e Gwyn sucumbiu à loucura da maldição dos mortos-vivos e é o

último Chefe de Dark Souls. Se o jogador optar por reviver a chama, como Gwyn, o

mesmo acontecerá com seu personagem. Se não o fizer, o personagem traz a

escuridão ao mundo, apenas para que chama seja descoberta novamente como o

apresentado no início do jogo. Ambos os finais reiniciam o jogo de volta ao seu estágio

inicial, porém, o jogador mantém seus itens e habilidades apenas para descobrir que

seus inimigos também ficaram mais fortes.

Os subsequentes Dark Souls 2 e 3 possuem enredos extremamente similares,

mas retratam as possíveis consequências que as repetições do ciclo do primeiro jogo

Figura 29 – A serpente primordial

86

podem trazer ao mundo e aqueles que o habitam. Os jogos, no entanto, permitem que

uma terceira opção não prevista pelo ciclo seja escolhida pelo jogador. Não é até um

dos possíveis finais de Dark Souls 3 que o ciclo deixa de existir graças as ações do

protagonista do segundo jogo. O antecessor de Dark Souls, Demon’s Souls não

possui um enredo tão definido, atualmente existem discussões entre a comunidade

sobre se esse se passa antes de Dark Sous, ou é uma sequência ao terceiro jogo.

Existe, entretanto, um do jogo da série que apresenta uma narrativa muito

diferente dos demais. Bloodborne é um jogo exclusivo para o Playstation 4, lançado

em 2015 com a narrativa inspirada nos trabalhos do autor H.P. Lovecraft. O autor

publicou diversos livros relacionados a sua criação do mito de Cthulhu. A criatura,

seria um ser extraterrestre de conhecimento e poder imensamente superior ao do

homem, onde a própria testemunha da figura poderia trazer a loucura para quem o

fizesse.

No jogo, o protagonista é um caçador armado de serras, ceifas, machados e

armas de fogo que podem sofrer transformações, como extensão, ou conversão em

outras, ao contrário das armas medievais dos outros jogos. O jogador chega a cidade

de Yharnam, sede de uma igreja construída a partir das propriedades “sagradas” de

um sangue descoberto pelos fundadores da mesma. A transfusão do sangue curaria

todas doenças da população e, segundo a descrição de um item, seria até mais

intoxicante do que outras drogas.

O uso prolongado do sangue traria um maleficio escondido para a igreja. A sede

por mais tornaria as pessoas que o consomem gradativamente em monstruosidades

que se aproximam de lobisomens, ou até mesmo serpentes. Os itens do jogo

informam que os clérigos se tornavam as piores bestas, talvez por esconderem

desejos, por muito tempo, reprimidos.

A mesma igreja é responsável pela criação de um grupo de caçadores que iriam

exterminar a “maldição” em segredo da população. O jogo acontece em um período

em que muitas caças já aconteceram. O protagonista é um dos últimos a ser

recrutado. Da mesma que os jogos anteriores, é possível escolher todos os aspectos

desse personagem. Entretanto o conjunto de armas e estratégias é o que mais sofre

alterações.

Anteriormente, o jogador podia confiar nas propriedades de defesa de um

escudo, em Bloodborne não existe essa possibilidade. O jogador pode encontrar

87

apenas um escudo de madeira em todo o jogo e, se o utilizar, logo irá perceber a

diferença dos inimigos que enfrenta. Os inimigos, geralmente, são criaturas

animalescas com ataques rápidos e incessantes que podem fazer com a energia de

um personagem que utiliza um escudo seja facilmente inutilizável, trazendo a morte

com ainda mais frequência.

O jogador veterano dos jogos anteriores deve se adaptar a esse novo estilo de

gameplay, mais rápido e agressivo se deseja obter a vitória. No lugar dos escudos,

entram as armas de fogo, que se disparadas no momento certo, podem interromper

um ataque e causar dano extremo ao inimigo. Ao perder vitalidade, o jogador também

pode recuperá-la atacando o inimigo em um período após a perda. Isso estabelece o

desafio e recompensa daqueles que decidem arriscar perder ainda mais na

recuperação.

Naturalmente, todos os elementos de gameplay são validados por sua

narrativa. A igreja de Yharnam guarda o segredo de que seu milagroso sangue é fruto

de divindades de uma raça antecessora aos humanos, cujo legado pode ser

encontrado em cavernas subterrâneas. Esse panteão de “deuses” seria habitante de

diferentes planos de existência e detentores de conhecimento infinito. Os deuses

interferem interdimensionalmente nos mundos habitados por criaturas de menor

complexidade. A loucura causada pelo uso do sangue foi estrategicamente calculada

e posta em prática em um plano de um desses.

O primeiro dos caçadores, Gerhman, foi emprisionado por uma dessas

divindades em um plano dimensional conhecido como Sonho. O sonho do caçador

atua como uma ponte para o mundo dos homens e possibilita que o jogador navegue

entre os diversos níveis do jogo. O sonho recebe o protagonista e atua como o local

onde o jogador pode avançar suas habilidades e melhorar seu equipamento. Tal plano

também previne a morte do personagem, através das explicações de Gerhman, o

jogador é informado que ao morrer, o acontecimento não passará a ser mais do que

um sonho ruim. Sem que isso seja claro para o jogador até o final do jogo, Gerhman

é forçado pela divindade a entregar o poder que reside no sangue obtido pelo jogador

ao longo do jogo. A divindade busca consumir tal poder sem ter o trabalho de obtê-lo.

Gerhman ainda mantém um determinado senso de honra de seu passado como

caçador ao final jogo. Esse oferece ao jogador a possibilidade de morte, o

desligamento do Sonho.

88

Se optar por aceitar a “piedade” de Gerhman, o jogador acorda no mundo

normal. O diálogo com outros caçadores encontrado no mundo ao longo do jogo,

evidencia que esses também fizeram a mesma escolha e que antecederam o

protagonista no Sonho. A caçadora, Eileen, The Crow, informa ao jogador que não

sonha mais, por isso, em função de um ferimento sofrido, encontrará seu fim.

O jogador também pode escolher por recusar Gerhman, onde deve o enfrentar

como o último Chefe do jogo. Ao obter a vitória, a divindade que estabelece a

dimensão do Sonho torna o protagonista no sucessor de Gerhman, assim o

emprisionando no Sonho.

Existe, entretanto, uma terceira opção, ao longo do jogo, o jogador pode

encontrar e consumir partes do cordão umbilical de um dos filhos de tais seres etéreos.

Se consumir três dessas partes fica implícito o fato de que o personagem sofre os

primeiros estágios de uma transformação. No final do jogo tendo tomado esses

passos, a morte de Gerhman faz com a divindade tente aprisionar o protagonista. Ao

não conseguir, o protagonista enfrenta mais um Chefe secreto, a Presença da Lua.

Com a vitória, o personagem ascende a existência dos seres desconhecidos e é

representado em uma forma embrionária dos mesmos, possivelmente herdando o

Sonho e começando o jogo novamente.

Disponível em: <https://www.dropbox.com/s/gpptvsxuu0dy6fp/30.jpg?dl=0>

Acesso em 10. Jun. 2016

Figura 30 – O protagonista e a Presença da Lua

89

O conteúdo apresentado até agora marca o final da primeira parte da análise

prevista na introdução dessa pesquisa. Com o término do estudo de caso,

passaremos, portanto, para a segunda parte do estudo, a pesquisa com os jogadores

dos jogos da série e como suas opiniões se relacionam aos aspectos apresentados

sobre o case.

A complexidade da ligação entre gameplay e narrativa nos jogos da série Souls

incitou que durante essa pesquisa fossem aplicados questionários entre as

comunidades de jogadores no ciberespaço, cujo intuito fora de verificar a importância

de tal ligação segundo a opinião de seus consumidores.

Foram questionados na língua inglesa e de forma anônima, durante o período

de 8 de Junho a 11 de Junho de 2016, os membros das comunidades individuais de

cada jogo nos fóruns da Steam86 (apenas Dark Souls 1,2 e 3 estão disponíveis para

a plataforma PC) e nos subReddits de cada jogo (Demon’s Souls, Dark Souls, Dark

Souls 2, Bloodborne e Dark Souls 3). A pesquisa teve a contribuição total de

novecentos e sessenta e nove entrevistados.

Durante a pesquisa, os usuários deveriam responder de forma objetiva e

descritiva sobre sua preferência por um dos títulos, o motivo pela escolha, as

plataformas em que jogam os jogos da série, sobre seu aspecto favorito nos jogos,

sobre o nível de dificuldade da série, sobre a importância da narrativa nos jogos, sobre

sua experiência e se essa compara-se a outro jogo familiar ao entrevistado.

Relativa a pergunta “Qual é o seu jogo favorito da série Souls? ”, a imagem

abaixo apresenta, em gráfico, uma divisão bem próxima entre o primeiro Dark Souls

e Bloodborne, enquanto os outros jogos da série são preferidos em menores

proporções.

86 Plataforma de distribuição online de jogos para as Plataformas PC e Mac.

90

A segunda pergunta, “Por que? ”, questiona de forma descritiva o porquê da

escolha na pergunta anterior. Notoriamente, um entrevistado eleitor de Dark Souls

como preferido, respondeu o seguinte nessa pergunta:

The first Dark Souls was my introduction into the Souls Series. I'd never experienced a game quite like it. The nervous feeling I'd get before entering a fog door, the awe when standing before a massive enemy, and the feeling of accomplishment when overcoming challenges that at first seemed impossible. The way the world is layed out and interconnected is amazingly complex,

giving it a feeling that it actually exists just on the other side of the screen. 87

Curiosamente, o jogo mais preferido pelos entrevistados, Bloodborne, teve

respostas reveladoras, como a seguinte:

Dark Souls 1 had the best mixture of story and aesthetic in a game I had ever played, and I love that game. However ever since the Dark Souls series have repeated that same formula. Therefore, I found Bloodborne refreshing, not just in its vastly different gameplay compared to the Dark Souls series, but also by its extreme shift in tone and aesthetic compared to it. 88

87 O primeiro Dark Souls foi minha introdução à série Souls. Eu nunca havia experienciado um jogo

como esse. O nervosismo que eu tive antes de entrar em uma parede de névoa, o temor de ficar próximo a um inimigo enorme e o sentimento de realização quando superava os desafios, que a princípio, pareciam impossíveis. A maneira que o mundo é construído e interconectado é supreendentemente complexa, dando um sentimento de que realmente existe no outro lado da tela.

88 Dark Souls 1 teve a melhor combinação de história e estética em todos os jogos que já joguei, eu

amo esse jogo. Entretanto a partir do mesmo, a série só repetiu sua fórmula. Portanto, eu achei que Bloodborne foi refrescante, não só pelo gameplay muito diferente se comparado à Dark Souls, mas também pela mudança extrema em tom narrativo e estética.

Gráfico 1 – A primeira pergunta do questionário

91

Essas e as demais repostas para as duas perguntas evidenciam que a

subjetividade da preferência está diretamente ligada a análise feita pelos próprios

jogadores com relação aos títulos jogados. A percepção de melhorias e mudanças em

gameplay e narrativa, fazem com que os jogos sejam comparáveis, ou não, uns aos

outros sobre a experiência oferecida.

A terceira pergunta, relativa as plataformas em que entrevistados jogam os

jogos da série teve a reposta exibida na imagem a seguir. É importante ressaltar que

Demon’s Souls e Bloodborne são exclusivos para o Playstation 3 e Playstation 4

respectivamente, enquanto os outros títulos são multiplataforma.

A pergunta possibilitava aos usuários que selecionassem mais de uma resposta

devido as exclusividades dos títulos. As plataformas Playstation 4 e PC foram líderes

entre as entradas. A possível relação entre as respostas mostra que a exclusividade

do jogo mais preferido nas questões anteriores, Bloodborne, tenha tentado jogadores

das outras plataformas a buscar o jogo e o console, uma vez que 13% dos

entrevistados tenham marcado suas respostas como Playstation 4 e PC apenas.

A quarta pergunta do questionário é relativa a preferência dos jogadores quanto

aos aspectos de jogo da série Souls. Os entrevistados deveriam escolher apenas uma

reposta entre: Gameplay, Narrativa, Co-op (representando a cooperação entre

jogadores), PVP (representando as invasões entre jogadores), Social (representando

Gráfico 2 – A terceira pergunta do questionário

92

as trocas de mensagem e interações entre a comunidade), ou outro aspecto não

listado. Os resultados seguem na imagem abaixo:

A preferência mais votada, válida para todos os jogos dá série, foi a de

gameplay. Através dessa informação é possível afirmar que a sistêmica do jogo ainda

é fator principal na experiência desses videogames. A narrativa foi a segunda opção

mais votada, enquanto a terceira opção, “outro”, foi completa com diferentes

combinações entre os aspectos da lista. Em uma notável resposta, um entrevistado

justifica seu voto como a soma de todos eles: “You can't separate the gameplay from

the world, themes, and atmosphere. The game is so good because each piece

resonates with the others so closely and not because of any piece individually.” 89

A quinta pergunta questiona sobre a percepção dos jogadores com relação ao

nível de dificuldade nos jogos da série. Ao completar o formulário, os entrevistados

deveriam escolher apenas uma entre as opções: “I can’t tak this...” que satiriza as

mensagens nos jogos e representa algo quase impossível, “Challenging”

caracterizando o jogo como desafiador, “Fair” como justo, “Easy” para fácil e “Way too

easy” para muito fácil.

89 Você não pode separar o gameplay do mundo, temas narrativos e atmosfera. O jogo é tão bom

porque cada pedaço ressoa com os outros, e não por cada pedaço individual.

Gráfico 3 – A quarta pergunta do questionário

93

A predominância pela opção que descreve os jogos da série como desafiadores

contrasta com a segunda opção mais votada. Isso nos permite afirmar que a maioria

dos jogadores considera os desafios presentes nos jogos da série Souls como mais

desafiadores do que justos. Entretanto, porcentagens muito menores de entrevistados

os classificaram como fáceis, muito fáceis e até mesmo extremamente difíceis.

Em busca de um maior esclarecimento sobre a visão do jogador com relação a

sua experiência com os jogos Souls, os participantes foram instruídos a resumi-la em

uma frase na sexta pergunta do questionário. As respostas apontaram níveis comuns

de engajamento com os jogos:

“The feeling once you beat a boss you've been struggling with for awhile is incomparable” 90.

“Souls games force you to get out of your comfort zone and beat your head against a

seemingly impassable wall until you understand your mistakes and work past them.” 91.

“The tight gameplay, aesthetic, and mysterious story and environments have spoiled me to

the point where I can't hardly enjoy any other games anymore.” 92.

90 O sentimento quando você vence um Chefe que te dava trabalho é incomparável. 91 Os jogos Souls te forçam a sair de sua zona de conforto e bater sua cabeça contra uma parede,

aparentemente, impassável, até que você entenda seus erros e passe por elas. 92 O gameplay tenso, estética, história e ambientes misteriosos me estragaram a ponto de quase não

apreciar mais os outros jogos.

Gráfico 4 – A quinta pergunta do questionário

94

A sétima pergunta é relativa a percepção do jogador quanto a relevância da

narrativa nos jogos da série. Os entrevistados deveriam escolher apenas uma opção

dentre as seguintes: “Very important. Without it, they wouldn't be same. ”, significando

extrema importância e que sem a narrativa os jogos não seriam os mesmos,

“Somewhat important. I cherish other aspects of the game more. ”, relativa a alguma

importância, porém existem outros aspectos do jogo mais atrativos, “Not really

important. Give me more souls. ”, retratando pouca importância e interesse maior em

gameplay, e “What story? ”, representando nenhuma importância e/ou percepção de

narrativa nos jogos.

A grande maioria dos entrevistados elegeu a narrativa como muito importante

e tal relevância como modificadora da experiência com os jogos. Curiosamente, o

resultado da terceira pergunta teve o gameplay como elemento mais preferido entre

os mesmos. Isso nos permite afirmar que, embora a sistêmica do jogo seja relevante

para compor o produto videogame, sua experiência de consumo é modificada pela

presença de uma narrativa, que o transforma na síntese dessa união.

A última pergunta do questionário foi opcional e buscava obter uma resposta

descritiva dos entrevistados com relação a outros videogames que consideram

similares aos da série Souls. Trinta e quatro por cento do total dos entrevistados

completaram a questão com jogos que variam em gênero como Shadow of the

Colussus, The Legend of Zelda, The Witcher e outros ainda mais distantes como

Gráfico 5 – A sétima pergunta do questionário

95

Battlefield e até mesmo o simulador Civilization. O entrevistado que escolheu o último,

justificou sua resposta: “Civilisation 5. Very different game, but the only one that I've

fallen down the rabbit hole of exploring wikis and considering minute game mechanics

to the same extent.” 93.

Através da observação dos jogos da série Souls e dos resultados obtidos com

a aplicação dos questionários, é possível afirmar que a ligação entre gameplay e

narrativa em um videogame é de fundamental importância e tem o potencial de

modificar sua experiência de consumo final. Essa relação pode criar novas motivações

para se jogar que vão além do mecânico atendimento dos anseios iniciais de quem

busca essa forma entretenimento.

Através da narrativa, os desafios sistêmicos e recompensas do jogo podem ser

justificados e validados como pertencentes a esse mundo alternativo habitado pelo

jogador. Essa pode ser tão complexa quanto outros meios contadores de histórias, ou

até mais, se permitir em conjunto as regras do jogo a possibilidade de aproximar seus

jogadores uns aos outros.

As comunidades de jogadores podem ser integrantes da experiência de jogo

se tiverem a motivação para o fazer. Os jogos da série Souls possuem uma

comunidade que ativamente troca informações e busca saber mais sobre o jogo, pois

esses foram persuadidos por uma satisfatória experiência de jogo e ambos os

aspectos constituintes.

Com o final do questionário, os usuários poderiam deixar comentários sobre

sua participação. Além dos desejos de boa-sorte com este estudo, um dos

entrevistados apresentou uma resposta sintetizadora do potencial de impacto

subjetivo, aqui representado na análise dos jogos da série Souls, de um videogame

que tem seu processo de game design abrangente a todos os detalhes apontados

nessa pesquisa:

One of the most amazing things about the Souls series is how so much of the lore is conveyed through short blurbs on items. Not big long codex entries or cutscenes or dialogue or anything. It's flavor text on items that you piece together with short dialogues that are contextual to the people you talk to. And the character questlines? The characters themselves? Their lives are told through environment, dialogue, and flavor text. The world is real and coherent through ways that require effort from the player that the player actually wants to put in. DS3 came out, my boyfriend and I played through and he had to read

93 Civilization 5. Um jogo muito diferente, mas o único que me fez entrar pela toca do coelho, explorando

wikis e considerando mecânicas de jogo para cada minuto, da mesma forma.

96

every single item before he used it. Extra Credits is playing it and taking time out in the hub town to read them so you don’t die. Because they ARE the Souls lore. And the lore is just ambiguous enough, obfuscated in a way that there is no ONE way to decipher it. It's brilliant. 94

Contudo, encerramos aqui nossa busca pela elucidação da questão constituinte

da pesquisa. No capítulo conclusivo a seguir estarão reunidos tópicos pontuais que

foram observados ao longo desse estudo. Retorno, portanto, a uma das respostas

mais frequentes na questão do formulário referente a construção de uma frase síntese

da experiência nos jogos da série.

No contexto em que nos imergimos, a frase possui caráter motivacional e

preparatório para novas descobertas: “You died. ” 95.

94 Uma das coisas mais fascinantes sobre a série Souls é como a narrativa é contada a partir de

pequenos trechos nos itens. Não são entradas longas em um códex, ou cinemáticas, ou diálogo, ou qualquer outra coisa. É com os textos bem escritos dos itens que você pode juntar e com diálogos curtos e contextuais de quem você escolhe conversar. E as missões dos personagens? Os personagens em si? Suas vidas são contadas pelo ambiente, diálogo e esse mesmo texto. O mundo é real e coerente por maneiras que requerem esforço do jogador, que voluntariamente quer o oferecer. Quando Dark Souls 3 saiu, meu namorado e eu jogamos e ele tinha que ler cada item antes de usá-lo. Você ganha créditos extras ao jogar e os ler em uma área segura, assim evitando morrer. Porque eles SÃO a narrativa. E ela é ambígua o suficiente para que não haja APENAS UMA maneira de decifrá-la. É brilhante. 95 Você morreu.

97

6. CONCLUSÃO

A partir dos elementos apresentados nos capítulos anteriores é possível

afirmar, de que, de fato, existe um papel interconector da narrativa para com seus

demais elementos constituintes e que essa tem o potencial de otimizar a experiência

de jogo final. Segundo o método regente dessa pesquisa, torna-se evidente o

falseamento das duas primeiras hipóteses do capítulo introdutório.

Com a compreensão do jogo e seu histórico de evolução podemos perceber

como esse ato de transposição de realidades e, ao mesmo tempo, de entretenimento

dos videogames, se consolidou como uma contemporânea forma de manifestação

artística multissensorial e intercultural. A experiência dos videogames depende

principalmente da interação entre jogador (es) e jogo (e seus criadores), e também da

imersão proporcionada pelas tecnicidades presentes nos alicerces do jogo e dos

recursos visuais vinculados a operação do jogador.

Entretanto, a imersão nesse produto apenas pela maneira como é construído é

temporária, o entretenimento logo é percebido como um sistema. A partir do momento

em que o investimento emocional do indivíduo se torna um fator na dinâmica, a ligação

com o jogo também é amplificada. A narrativa torna as ligações entre a interface de

jogo, seus níveis e desafios em uma construção ainda mais coerente com seu gênero,

ou seja, torna uma experiência de jogo equilibrada em algo ainda imersivo, a ponto de

que o mundo virtual do jogo seja capaz de prender a atenção de seu jogador pela

totalidade do tempo que esse puder jogar.

Também foi possível perceber que presença de uma história que seja de fácil

relacionamento/aceitação do público e, ao mesmo tempo, integrada a interatividade

do jogo é o novo padrão qualidade escolhido pelos jogadores. Através das entrevistas

tornou-se ainda mais claro o papel da narrativa nos jogos da série Souls e os jogos

relacionados pelos entrevistados. Supreendentemente, a meta de aplicação dos

formulários foi alcançada e quase dobrada devido ao alto interesse e colaboração das

comunidades de jogadores na participação deste estudo.

Dos novecentos e sessenta e nove entrevistados, 39% elegeram Bloodborne

como seu jogo favorito em função de seu enredo inovador e mecânicas de gameplay

mais aceleradas se comparadas às de seus antecessores. As plataformas de escolha

pelos jogadores tiveram maiores registros no PC e Playstation 4. O gameplay foi eleito

98

como o aspecto favorito entre os jogos da série, marcado por 63% da preferência. A

representação de 57% dos jogadores descreve o nível de dificuldade dos jogos como

uma experiência desafiadora. A grande maioria dos entrevistados resume tal

experiência como algo baseado no aprendizado frente aos erros de execução nos

desafios propostos pelos jogos. Em contraste com a preferência pelo aspecto de

gameplay, 64% descreveram a relevância da narrativa como muito importante e que

sem essa, os jogos não seriam os mesmos.

As repostas obtidas com o questionário mostram um comportamento analítico

do jogador frente a sua experiência com o jogo, ao mesmo tempo que esse é um

consumidor apaixonado por tudo aquilo relacionado ao mesmo. O jogador,

aparentemente, sabe avaliar e relacionar sua experiência com outros títulos, assim

como atribuir aos componentes do jogo sua preferência e compartilhar sua

introspecção com a comunidade.

As comunidades de jogadores podem ser integrantes da experiência de jogo

se tiverem a motivação para o fazer. Os jogos da série Souls possuem uma

comunidade que ativamente troca informações e busca saber mais sobre o jogo, pois

foi persuadida por uma satisfatória experiência de jogo em ambos os aspectos

constituintes, gameplay e narrativa.

Portanto, sobre a questão norteadora da pesquisa, é possível afirmar que a

terceira hipótese apresentada na introdução manteve-se verdadeira, a narrativa tem

todo o potencial para otimizar os demais componentes de um videogame e amplificar

sua experiência final de jogo.

Contudo, nossa jornada e pesquisa sobre uma parte fascinante desse universo

chega ao fim com a esperança de que, como em Dark Souls, signifique apenas mais

um início para novas buscas de compreensão do fenômeno videogame.

99

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102

ANEXOS

No CD estão contidas todas as imagens utilizadas na pesquisa, o projeto de

pesquisa e uma planilha contendo todos os resultados do questionário aplicado.