setembro2007

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ponto_e_virgula SETEMBRO 2007 EDIÇÃO 6 memória um exercício diário pra não esquecer de como cuidar dela . entrevista pablo villaça . culinária bruxa o que come harry potter . ontogênese de um bar a história. do início ao fim . . . . . .

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Page 1: Setembro2007

ponto_e_virgulaSETEMBRO 2007 EDIÇÃO 6

memória

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. entrevistapablo villaça

. culinária bruxao que come harry potter

. ontogênese de um bara história. do início ao fim

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Page 2: Setembro2007

ponto_e_virgula SETEMBRO 2007 EDIÇÃO 6

ESCRITORESAdriana SeguroFernanda DutraJuliana Sakae

Luisa FreyLucas Sarmanho

Marina FerrazMarina Veshagem

Matheus JoffrePedro Santos

Rodrigo TonettiThiago Bora

ESPECIALDaniel LudwichFelipe Parucci

EDIÇÃOFernanda Volkerling

Luisa FreyMarina Veshagem

DIAGRAMAÇÃOCarolina MouraJuliana SakaeMaurício TussiThiago Bora

CAPA e ARTE FINALMaurício Tussi - diagramação Thiago Bora - diagramação Felipe Parucci - ilustração

REVISÃOAdriana SeguroLucas SarmanhoMarina AlmeidaRodrigo Tonetti Pedro Santos

;www.revistapontoevirgula.com

Florianópolis - SC

ESPAÇOS NESTA EDIÇÃO

Perfil

Cinema

Literatura

Viagem

Criação

Fotografia

Esporte

Entrevista

Causos&Coisas

Desequilíbrios

Culinária Bruxa: Chocolate Mágico é ainda melhor

Memória: um exercício diário

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1504

40

39

38

35

33

28

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07Sarará: em foco, a vida do fotógrafo gaúcho

Bobby, de Emílio Esteves, narra os últimos momentos de Robert Kennedy

O vôo do Anjo Negro, de Nelson Rodrigues

Pablo Vilaça, crítico de cinema: “Um grande abraço e bons filmes!”

Confissões de uma apaixonado pelo esporte como ele é

Setembro em Toledo, Espanha - Arquietura, turismo, ecumenismo e curisidades

Imagens de uma visita a Porto Alegre

Pra não esquecer de como cuidar da memória

Procura-se novo craque - A crônica de uma lembrança do futebol

Cuplados ou inocentes, o sagüis transformaram a paisagem de Florianópolis

O que come Harry Potter, o bruxo mais famoso do planeta

Música09A banda do Sargento Pimenta existe! Em MG, grupo cover vai além dos sucessos dos Beatles

[ s u m á r i o ]

Ontogênese de um Bar25Da pintura das paredes ao fechamento. Um bar do início ao fim.

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Écom muito orgulho que apresentamos a você, caro leitor, a edição de setem-bro da revista ponto-e-vírgula.

Os meses vão passando e a vida vai ficando mais difícil. Daqui a pouco todos nós da redação seremos pais - ou não; todos teremos nossos trabalhos; teremos nossas casas - que, Deus queira, venham com um botão de auto-limpeza. Enfim.

Muito embora ninguém saiba do fu-turo, nós - todos os seres humanos, acre-ditamos - encarecidamente esperamos que os conhecimentos tecnologógicos avancem mais e mais. Até os robôs adquirirem vida própria e se libertarem do domínio humano por uma revolução. A razão emancipatória das máquinas!

Ou não. Na verdade, é bom que as ca-sas sejam autolimpantes - e nada de robôs, nem revolução.

E enquanto o futuro não chega para sabermos os resultados dessas previsões, continue com a gente. Produzimos a pon-to-e-vírgula especialmente para você, caro leitor. Para você que sonha alto!

Boa leitura!

[ c a r t a a o l e i t o r ]

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Sarará; do laboratório de revelação para o mundo da fotografia

A trajetória do menino que começou como office boy de Redação e se tornou um dos mais prestigiados fotojornalistas no Sul do país

Cláudio Silva – ou simplesmente Sarará, como é conhecido no meio jornalístico – é o típico fotógrafo

que começou de baixo, trabalhando no laboratório de revelação, até conquis-tar seu espaço na redação. Nascido em Porto Alegre, iniciou a carreira no jornal Zero Hora, na capital gaúcha, e de lá foi transferido a Florianópolis para partici-par da elaboração do projeto gráfico do jornal, então em fase embrionária Diá-rio Catarinense. Também foi sub-editor

de fotografia do jornal O Estado e editor de fotografia no jornal Notícias do Dia. O fotojornalista acumulou vários prêmios importantes durante os mais de trinta anos de carreira.

Sarará recebeu o apelido por conta do tom moreno de pele, assim que entrou como office boy no Zero Hora, aos 16 anos de idade. Nem negro, nem branco. “Cor de burro quando foge”, brinca o irreverente fotógrafo. O trabalho na redação era ape-nas mais um como outro qualquer para o

menino que antes acordava toda madru-gada para ajudar o pai a distribuir pão pelas padarias da cidade. Aos poucos, o garoto da Zona Sul foi adquirindo o gosto pela fotografia e em três meses já estava trabalhando no laboratório de revelação. Começou como auxiliar e depois se firmou como laboratorista, responsável pelas fo-tos de quase trinta fotógrafos diferentes. Sarará afirma que essa fase foi muito importante para obter experiência sobre técnicas de luz, enquadramento etc.

por Matheus Joffre

fotos: Cláudio Silva

fotos: Cláudio Silva

[ p e r f i l ] 4

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Na mesma época, realizava plantões de madrugada para a editoria de polícia, cobrindo folga de outros fotógrafos. Sara-rá conta que a única vez em que “tremeu na base” foi quando cobria o plantão de um colega de trabalho e teve que fotogra-far um assalto a banco. Diante das cir-cunstâncias e do fato inusitado, preferiu contatar o colega que foi lá e tirou a foto que foi capa do jornal no dia seguinte. Sarará acha que fez a coisa certa naquele momento e que observar o colega em ação foi importante para lhe servir de apren-dizado. Com a prática, o fotógrafo expan-diu sua área de atuação e passou a tirar fotos de shows, esporte, política, desen-volvendo a própria linguagem fotográfica.

Em 1985, Sarará foi transferido para Florianópolis e participou da ela-boração do projeto gráfico do Diário Ca-

tarinense – jornal filiado ao Zero Hora – fundado no ano seguinte. Eleito três vezes consecutivas o melhor fotógrafo do jornal, foi demitido por justa causa em 2005. Sarará cobria a Manifestação do Passe Livre – movimento estudantil pela redução da tarifa do transporte público – no centro de Florianópolis e havia parado no Mercado Público para descansar um pouco. Ele e o repórter estavam senta-dos, tomando uma cerveja, e de repente, a polícia militar prendeu um dos líderes militantes. O repórter fotográfico sacou a câmera para registrar a cena, mas foi im-pedido pelos policiais. Sarará insistiu no cumprimento de seu ofício, e levado para a delegacia, foi processado por desaca-to à autoridade – ação que já ganhou na Justiça. Lá foi obrigado a fazer o teste do bafômetro por duas vezes e o resultado

positivo acarretou sua demissão.Sarará acredita que a empresa usou

a ocasião como pretexto para demiti-lo sem pagar os direitos que lhe pertenciam, uma vez que tinha quase 14 anos de casa. O fotógrafo nunca foi acomodado, nem se deixava subordinar sem questionamen-tos; procurava sempre discutir a edição de suas imagens, a questão dos créditos de suas fotografias e seus direitos autorais e inclusive o próprio salário. O fotojorna-lista tinha o salário mais alto dentre os outros profissionais da área na empresa. O processo está na justiça trabalhista e, de acordo com Sarará, o Diário está ten-tando um acordo para manter o sigilo ju-dicial e excluir a ação, a fim de readquirir alguns benefícios – excludente para em-presas envolvidas em processos -, como investimento público, por exemplo.

fotos: Cláudio Silva

Acidente de Christian Fittipaldi na Fórmula Indy, após invadir a pista depois de já encerrado o treino

Desgaste físico e psicológico de bombeiro após ho-ras de trabalho durante o Apagão da Ilha em 2005

Antagonismo entre postura da Polícia Militar e o protesto de estudante durante o Movimento do Passe Livre em 2005

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Além dos trabalhos em jornal, Sa-rará também realiza várias exposições e sempre desenvolve ensaios fotográfi-cos pelas cidades aonde passa. Um de seus ensaios mais bem sucedidos foi o Caminhos entre quilombos, em 2004. O fotógrafo percorreu diversas cidades do Norte e Nordeste do Brasil retratando comunidades negras. Suas fotografias também estiveram presentes no Fórum Social Mundial, nos anos de 2004 e 2005 em Porto Alegre. Atualmente, Sarará pre-tende promover sua própria exposição: o Prêmio Olívio Lamas de Fotojornalismo – em homenagem ao amigo e colega de profissão falecido em junho deste ano. Sarará alimentava uma amizade de mais de 34 anos com Lamas, quem admira-va profundamente e no qual buscava es-pelhar seu trabalho. A identificação de

ambos se dava principalmente pelo fato dos dois terem tido a mesma trajetória profissional, começando como office-boys dentro da redação. Sarará é um dos curadores da exposição que está prevista para novembro deste ano.

Outra atividade a qual Sarará vem se dedicando hoje é a fotografia de ci-nema. O fotógrafo participou de parte das gravações do filme A Antropóloga, do cineasta catarinense Zeca Pires, e foi convidado para fazer a fotografia das cenas do novo filme de Sylvio Back so-bre a guerra do Contestado. Sarará diz que busca colocar em prática sua visão de jornalista junto ao olhar artístico ci-nematográfico. Além de tentar adaptar sua linguagem fotojornalística às filma-gens, Sarará também se preocupa com a parte técnica do novo projeto e iniciou

um curso de cinegrafia. Amante do ci-nema em geral, o fotógrafo considera a fotografia do cinema francês uma das melhores.

Quase sempre carregando uma mochila pesada na costa, transbordan-do papéis e documentos, um acessório que não falta na bolsa de Sarará é a agenda cuja primeira página traz escri-to toda sua filosofia de vida: “Ética, Li-berdade, Verdade e Justiça”. Baseado nesses ideais, o fotógrafo tentar levar a vida da melhor forma possível. “Essa é minha Bíblia”, ele diz. Apaixonado pelo que faz, só se ajoelha para tirar algu-mas fotos do navegador Amyr Klink, que participava de uma coletiva no “ó do borogodó” – como Sarará se referiu à Assembléia Legislativa. ;

fotos: Cláudio Silva

Espiríto aventureiro e transgressor de jovens no trânsito de Florianópolis

Rotina de trabalho de jovem agricultora no Oeste de Santa Catarina

A estética e o glamour do carnaval dos anos 90 na capital catarinense

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Em 2004, saiu Crash – No Limite. Dois anos depois, foi a vez de Babel. Re-centemente, no final de julho, che-

gou ao Brasil mais um filme baseado na conexão entre as múltiplas histórias de seus personagens. Com elenco de peso e roteiro que mistura ficção e realidade, Bobby, dirigido pelo ator Emilio Estevez, foi indicado à categoria de melhor filme no Globo de Ouro.

O filme narra o assassinato do sena-dor, e possível candidato à presidência da República dos Estados Unidos em 1968, Robert Kennedy. Estevez optou por mos-trar a campanha eleitoral terminada em tragédia a partir da visão de 22 hóspedes e funcionários do hotel onde se deu o crime.

A diferença principal com as outras experiências semelhantes – Crash e Babel – está no fato de o número de personagens ser muito maior e a interligação entre suas histórias ser mais próxima em termos es-paciais. Em Babel, a conexão se dá entre um casal de americanos no Marrocos, um

japonês e sua filha adolescente em Tó-quio e as crianças do mesmo casal ame-ricano levadas dos Estados Unidos para o México pela babá. Crash liga, a partir de um assalto, a vida de pessoas de diversas classes sociais em Los Angeles. Apesar de se passar na mesma cidade californiana, Bobby não chega a abranger o âmbito de toda a Los Angeles, muito menos de di-versos países. Tudo se passa no luxuoso Ambassador Hotel.

Lá ocorre o anúncio da vitória nas eleições primárias da Califórnia (prece-diam a indicação a candidato à presidên-cia pelo Partido Democrata) e um discurso de Robert Kennedy, cuja campanha se ba-seava em recuperar os ideais anti-racistas do assassinado Martin Luther King e aca-bar com a Guerra do Vietnã. Apesar de o filme se chamar Bobby¸ pouco se aproxi-ma de um documentário sobre Kennedy. A campanha eleitoral serve como pano de fundo para a trama e contextualiza a si-tuação política norte-americana da época. Os ideais e a morte do líder pacifista unem a vida dos personagens. Acima de política, Bobby trata de relacionamentos e conflitos humanos – tema que nunca se esgota.

Bobby entrelaça a vida de 22 personagens envolvidos com o hotel onde Robert Kennedy foi assassinado

E a moda das teias continua

[ c i n e m a ]

Crash

Babel

Bobby

fotos: filmposters.itmontagem: Maurício Tussi

por Luisa Frey

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O alcoolismo aparece na pele da fa-mosa cantora Virginia Fallon (Demi Moo-re), cujo marido e empresário, Tim, é in-terpretado pelo próprio Emilio Estevez. As drogas ilícitas também têm vez: os jovens Cooper (Brian Geraghty) e Jimmy (Shia La-Beouf) – voluntários da campanha de Ken-nedy – provam, através do traficante hippie (Ashton Kutcher) hospedado no Ambassa-dor, os efeitos do LSD.

O racismo é polemizado através de Miguel (Jacob Vargas), revoltado com o tratamento dado a mexicanos como ele. Em contrapartida, seu conterrâneo e co-lega na cozinha do hotel, José (Freddy Rodriguez), e o cozinheiro negro Edward (Laurence Fishburne) aprendem a lidar com o preconceituoso gerente Timmons (Christian Slater).

O pai do diretor, Martin Sheen, e He-len Hunt interpretam Jack – rico financia-dor da campanha de Kennedy – e Samantha – sua esposa muito mais jovem. O relacio-namento marido-mulher está presente também entre a cabeleireira do hotel, Miriam (Sharon Stone), e o gerente Paul (William H. Macy), que mantém um ro-mance com a bela telefonista Angela (He-ather Graham). Outro casal demonstra a coragem da juventude e a descoberta do amor: Lindsay Lohan é Diane, jovem que se propõe a casar com o amigo William (Elijah Wood) para livrá-lo da Guerra do Vietnã.

Esses são apenas alguns dos 22 per-sonagens e seus conflitos. É uma pena que atores consagrados como Anthony Hopkins tenham papéis de pouco desta-que – risco que se corre ao lançar mão de tantos subenredos. Na pele de John Casey – porteiro aposentado e fiel ao Ambassa-dor – Hopkins é o primeiro a recepcionar Kennedy. ;

A família Kennedy foi marcada por inúmeras mortes trágicas. A mais famosa é a do Presidente John F. Ken-nedy, assassinado em 1963, cinco anos antes do irmão Robert. Ainda antes, morre o irmão mais velho, Joseph P. Kennedy em uma explosão aérea durante uma missão na Se-gunda Guerra Mundial. A irmã Kath-leen também havia morrido em um acidente de avião. Para terminar, nos anos 1980 e 1990, dois dos 11 filhos de Robert Kennedy, Michael Kennedy e David Kennedy, morrem relativamente jovens.

A trágica família Kennedy

Apenas algumas cenas foram filmadas no Ambassador Hotel em Los Angeles, que estava sendo demolido.Robert Kennedy é representado quase que somente através de imagens suas gravadas.A personagem de Lindsay Lohan foi baseada na garçonete do motel onde Emilio Estevez escreveu parte do roteiro. Helen Hunt recebeu o roteiro um dia antes de começarem as filmagens.Emilio Estevez demorou sete anos para escrever o filme.A cena em que Miriam (Sharon Stone) corta o cabelo de seu marido (William H. Macy) não estava no roteiro. A atriz deveria fingir, mas ela realmente cortou o cabelo. A tensão visível de Macy era real.

Curiosidades sobre Bobby||

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fotos: bobby-the-movie.com

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“It was twenty years ago today, Sgt. Pepper taught the band to play” (Foi há 20 anos, Sargento Pimenta ensinou a banda a tocar) - John Lennon/Paul McCartney.Da música tema do CD Sgt. Pepper’s Lonely Heart Club Band (1967)

“A idéia original e aceita de imediato por todos integrantes é a de que nós seríamos a tal banda que o Sgt. Pepper teria ensinado a tocar.”

Jô Rocha

Sgt. Pepper’s Lonely Heart Club Band (Banda do Clube de Corações Solitários do Sargento Pimenta, em português) foi o oitavo álbum dos Beatles, gravado na volta de uma viagem espiritual do quarteto à Índia e comemorou 40 anos em junho de 2007.

Extrair do Universo The Beatles a sua natureza peculiar e projetá-la detalhadamente

para o público. Ideal musical que a Sgt. Pepper’s Band cumpre há 17 anos. Era outono de 1990, em Belo Horizonte, quando os amigos e músicos Jô Rocha e Mauro Mendes tomaram uma decisão. Fundaram a banda - cover dos Beatles -concretizando a paixão mútua por um dos maiores ícones do pop e do rock mundial. “O nosso foco inicial era reproduzir o que escutávamos nos discos o mais próximo possível. O grande prazer era descobrir como eles faziam e o que faziam, tanto nos vocais quanto na parte instrumental”, explica o baixista Jô. E é o que realizam os atuais integrantes da SPB: Jô Rocha, Marcos Gauguin, Marcelo Carrato, Victor Mendes e André Katz.

A banda do Sargento Pimenta existe (e é mineira)

O grupo fictício que completou 40 anos este ano vive há 17 em BH

por Adriana Seguro

fotos: Dea Tomachi e Roberto Caiafa arte: Thiago Bora

9[ m ú s i c a ]

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Vocal, guitarra soloBelo Horizontino, 48 anos

É também produtor musicalA entidade “Beatles” é maior do que a soma de seus indivíduos“A Beatle Week é um encontro anual de Beatlemaníacos do

mundo inteiro, dá pra se imaginar um lugar melhor para se estar? Dá pra se imaginar um lugar melhor para se tocar? Visitar locais da história dos Beatles que a gente sempre conheceu

pelos livros é uma emoção muito grande.”

Marcos Gauguin

A grande oportunidade para que a Sgt. Pepper’s mostrasse seu trabalho e fosse reconhecida no Brasil e no exterior veio em 1994. A cidade dos Beatles - Liverpool - a recebeu no Mersey Beatle Festival (Beatles Week). Nos sete anos seguintes, voltou a tocar no evento, que presenteia os beatlemaníacos com shows de bandas cover, exposições e outras atrações. “Nós tivemos o prazer deles nos considerarem uma das três melhores bandas que lá se apresentaram nas edições em que participamos”, conta Jô.

Gravações

Come and Get It – o primeiro CD independente – saiu em 1998, resultado de cuidadosa pesquisa para recriar um pacote de músicas que os Beatles não

gravaram. Segundo o conhecimento da banda, ou porque foram compostas para outros artistas ou por terem achado que não estavam boas o suficiente. É só ouvir o CD para convir que os arranjos do cover mineiro triunfaram no resgate de um tesouro beatleniano escondido. “Tentamos dar às músicas a forma que poderiam ter tido com a gravação dos Beatles, usando o máximo de citação, do clima, da vocalização deles”, explica Marcos Gauguin, produtor e guitarrista solo da SPB. “O maior elogio foi receber um e-mail do próprio Paul MacCartney, que escutou o disco, achou legal e deu todo apoio.” No ano seguinte, continuaram o projeto no disco Abbey Road com Afonso Pena - suposta intersecção da célebre rua em que fica o estúdio homônimo com uma das principais avenidas de Belo Horizonte.

Pode-se dizer que esse cruzamento existiu - ou aconteceu - em 1998. Foi quando o cover de BH gravou duas músicas no Abbey Road Studios, local responsável por eternizar quase toda a obra do The Beatles. Além de interpretarem o clássico “Hey Jude”, criaram uma música própria, intitulada “Two Wars”, para o álbum Why Don’t We Do It in Abbey Road. O projeto reuniu faixas de 16 covers de oito países (inclusive da também brasileira Túnel do Tempo, do Rio de Janeiro).

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Bateria e percussãoBelo Horizontino, 37 anos

Empresário artístico e técnico em transações imobiliárias. Toca na

SPB desde o início .

“Me identifico com cada um: Ringo, a simpatia; Paul, a

energia; John, o carisma; e George, a competência.” (sobre os

integrantes do The Beatles)

Marcelo Carrato

Guitarra base e vocalMineiro de Pedra Azul, 41 anos

Concilia a atividade de administrador com a de músico,

na banda desde 2004.

“A intenção é executar as suas (dos Beatles) canções da melhor forma possível e levar ao público

a mesma emoção que ele tem quando escuta os Beatles

realmente.”

Victor Mendes

BaixoCarioca, 52 anos, mora em BH

desde 1975

Engenheiro formado, hoje se dedica somente à banda que

ajudou a fundar.

“Nunca tivemos a intenção de fazer um ‘teatro’ em nossas

apresentações. A essência é fazer soar no palco aquilo que se ouve

nos discos.”

Jo Rocha (Alan Rocha)

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Shows

A banda inglesa que marcou a década de 1960 coleciona gerações de fãs desde então. Essa renovação é vivenciada

de perto pelo quinteto mineiro, que reunia admiradores em apresentações semanais na casa de shows Mr. Beef na década de 1990 e hoje toca no Pau & Pedra, quase todos os sábados. “Atualmente, o público presente em nossos eventos são, na grande maioria, jovens que aprenderam a gostar da música dos Beatles através das gerações anteriores”, atesta Jô. E prevê: “Beatles já é a música clássica do ano 2060. É eterna.”

Num show da SPB, estão – é claro - aquelas composições na ponta da língua do público, como “Help” e “Don’t Let Me Down” e ainda músicas menos comerciais como “Devil in Her Heart”, “I Me Mine” e “Every Little Thing”.

Pau & Pedra, às 23h. Avenida Getúlio Vargas, 489,

bairro Funcionários, Belo Horizonte.

(031) 3284-2397

Teclado e vocalCarioca, 24 anos, mora em Minas

desde 2002

Trancou a faculdade de jornalismo quando se juntou à banda, em

2004.

“Em 1992, descobri o (CD) Sgt. Pepper’s. Eu já era louco por música, mas a sensação de

escutar aquele disco foi incrível. Percebi que os Beatles eram

demais! Hoje sou um membro da banda que tem o mesmo nome

do primeiro disco que ouvi. Acho uma coincidência muito legal.”

André Katz(André Kaczmarkiewicz)

;

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[ l i t e r a t u r a ]

por Marina Veshagem

Em se tratando de Nelson Rodrigues, já se espera alguma história de certa forma angustiante. An-gustia de tão verdadeiro e espanta pela tragicidade

tão real. Entre os temas recorrentes em suas obras estão: adultério, sexo, incesto, solidão, obsessões e taras. A lin-guagem do autor é simples e direta, com diálogos rápidos.

Anjo Negro, escrita em 1946, esteve dois anos sob censura (só estreou em abril de 1948) e foi recebida com duras críticas, acusada de “obscenidade” e “desrespei-to à moral”. Nelson faz um retrato do preconceito ra-cial e destaca a violência como base dos fundamentos estruturais do modelo étnico-social brasileiro. Talvez a aversão à peça tenha sido provocada pelo choque entre o que o público comum poderia esperar de uma peça teatral e o que era apresentado no palco: textos com estruturas clássicas, como as das peças em três atos, mas com profundidade dramática e temas polêmicos.

“(...) A partir de Álbum de família – drama que se seguiu a Vestido de noiva – enveredei por um caminho que pode me levar a qualquer destino, menos ao êxito. Que caminho será este? Respondo: de um teatro que se poderia chamar assim – ‘desagradável’. (...) E por que ‘peças desagradáveis’? Segundo já disse, porque são obras pestilentas, fétidas, capazes, por si sós, de produzir o tifo e a malária na platéia.” (Nelson Rodrigues)Um homem negro que cega a filha e

renega a própria cor; sua mulher branca que afoga os filhos mestiços. Esses são os personagens principais da peça Anjo Negro, de Nelson Rodrigues

Anjo Negro, do nosso grande anjo pornográfico

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Por conseqüência de uma maldição, Ismael e Virgínia se casam. O homem, negro, vestido de branco, aprisiona a mulher na casa de muros altos. A mulher, branca e precon-ceituosa, afoga no tanque os três filhos mestiços do casal. A atmosfera de assassinato alimenta uma relação doentia de amor e ódio. “Os crimes nos uniam ainda mais; e por que meu desejo é maior depois que te sei assassina”, diz Ismael. O irmão cego e branco do homem chega para com-pletar sua maldição e consumar a tragédia.

Ismael repudiava tudo o que remetesse a sua cor: nunca se aproximou de mulheres negras, não toma-va cachaça - que considerava bebida de negro -, ti-rou da parede o quadro de São Jorge e se casou com uma branca para provar sua “superioridade”. Virgínia era o arquétipo do preconceito racial. Sua relação com o marido sugere dependência, ódio, repulsa e atração.

A peça explicita a vivência de amor e ódio num casal inter-racial e a ambigüidade diante de sua linhagem mes-tiça. Trata-se de uma peça mítica, que seria um “mergulho no inconsciente primitivo do homem”, sendo, portanto, his-tórias atemporais e repletas de significados místicos. Uma marca dessa característica é encontrada no início da obra através da seguinte citação: “a ação se passa em qualquer tempo, em qualquer lugar”. Outras marcas são os elemen-tos poéticos e metafóricos, como a presença de dois cegos em cena, os infanticídios cometidos pela mãe preconcei-tuosa, a linguagem poética e delirante, a mistura confusa entre atração e repulsão.

O objetivo não é esclarecer sobre o racismo nem levar a platéia pensar sobre ele, mas sim envolver o espectador e fazê-lo reparar nessa característica do brasileiro. A carac-terização dos personagens mostra a preocupação do autor de não tratar o negro como uma figura folclórica ou deco-rativa. Fica claro também que es-ses personagens possuem dramas universais, como o ciúme patoló-gico, o combate entre mãe e filha o incesto e as relações de depen-dência entre casais. É nesse ponto que a realidade da obra pode es-tar muito próxima de todos nós.

Anjo NegroEditora Nova Fronteira, 2005

112 páginas15 reais

“Se eu quis viver aqui, se fiz esses muros; se ninguém en-tra na minha casa - é porque estou fugindo. Fugindo do desejo dos outros homens. Se mandei abrir janelas muito altas, foi para isso, para que você esquecesse, para que a memória morresse em você para sempre. Virgínia, olha para mim, assim! Eu fiz tudo isso para que só existisse eu. Compreende agora? Não existe rosto nenhum - ne-nhum rosto branco! - só o meu, que é preto...” (Ismael)

;

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A lguém é capaz de decorar a seqüência das cartas de um baralho em apenas três minutos? O homem-memória brasileiro

é. Aos 27 anos, o mineiro Alberto Dell’Isola se prepara para participar do Campeonato Mundial de Memória, que acontece entre os dias 31 de agosto a 2 de setembro deste ano, no Bahrain. É a primeira vez que um competidor sul-americano participa da competição.

Para quem tem uma memória fraca e acha que não se pode mudá-la, Alberto avisa que tudo é uma questão de hábito: “Antes de me tornar o homem-memória brasileiro, eu já tinha conquistado um título de memorização: o da pior memória do mundo. Sempre me esquecia onde havia estacionado o carro, onde estava a chave ou até mesmo o nome das pessoas que conviviam comigo. Até que, em 2004, comecei a me sentir incomodado e resolvi treinar a minha memória”.

Assim como o corpo, a memória precisa de cuidados diários para funcionar bem

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ilustração: Felipe Parucci

Sempre me esquecia onde havia estacionado o carro, onde estava a chave ou até mesmo o nome

“”

Memória:

um exercício diário

por Marin

a Ferraz

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No artigo Memória: o que é e como melhorá-la, a neurocientista Silvia Helena Cardoso explica que existem três tipos de memória: a ultra-rápida, que não dura mais que alguns segundos; a de curto prazo, com duração de minutos ou horas (é o que permite guardar um número de telefone até que seja possível anotá-lo) e a de longo prazo, que permanece por dias, semanas ou anos. Essa última é a mais difícil, as informações precisam ser consolidadas, para que sejam retidas por mais tempo.

Foi justamente a memória de longo-prazo que Alberto teve que treinar. Ele estudou a fun-do o assunto e começou a fazer as demonstra-ções exigidas nos Campeonatos de Memória. A mais difícil, na opinião de Alberto, é memo-rizar uma revista na íntegra. “O apresentador pode escolher qualquer página da revista e eu digo a posição das fotos e disposição de todo o texto da mesma. Ela é a mais difícil pela quantidade de informação que deve ser me-morizada no menor tempo possível, geralmen-te memorizo em menos de três horas”, diz.

O apresentador pode escolher qualquer página da revista, e eu digo a posição das fotos e disposição de texto

“”

Existem inúmeros fatores responsáveis por prejuízos à memória. As doenças mais comuns que acarretam perda da capacidade de reter informações são a amnésia e o mal de Alzheimer.

A amnésia - perda parcial ou total da memória - pode ser causada por distúrbios no funcionamento das células nervosas ou por fatores psicológicos. O primeiro caso é chamado de amnésia orgânica e o segundo, de amnésia psicogênica.

O mal de Alzheimer é caracterizado pela perda progressiva de memória, principalmente devido à re-dução de neurônios na região do hipocampo. O doente esquece o que perguntou, nomes de pessoas e, em muitos casos, se aliena do convívio social.

Entretanto, não é só através de doenças que a memória é prejudicada. A falta de vitamina B1 - en-contrada em alimentos integrais, na ervilha, no feijão, entre outros - também altera seu funcionamento. A tiamina (nome químico da vitamina B1) melhora a ati-tude mental e o raciocínio. O álcool, café e cigarro são considerados seus inimigos.

O álcool, mesmo ingerido em baixa quantidade, afeta a memória de curto prazo. Um estudo da Univer-sidade da Califórnia, coordenado pela psiquiatra Susan Tapert, revela que o consumo regular de álcool afeta o hipocampo, principalmente quando começa na ado-lescência.

Perda de memória

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Alberto é autor do livro Super-Memória: você também pode ter uma, onde dá dicas e propõe exercícios para treinar a memória (ver box). Ele acredita que qualquer pessoa pode ter uma super-memória e, inclusive integrar a equipe brasileira de memória (hoje formada por Eduardo Costa e Ricardo Kossatz, além de Alberto): “basta memorizar a ordem das cartas de um baralho recém embaralhado em menos de dois minutos e memorizar 100 dígitos em menos de três minutos”. ;

(fonte: http://memorizacao.blogspot.com/)

Fique aqui agoraToda vez que você se distrair, diga: “Fique aqui agora”. Se possível, diga em voz alta. Caso contrário, apenas repita a frase diversas vezes em sua mente. Em seguida, volte suas atenção para a atividade que estava fa-zendo. No início, talvez diga essa frase diversas vezes. No entanto, com o passar do tempo, a concentração deve melhorar.

Marcando os parágrafosCaso esteja lendo um livro ou revista, marque com um lápis cada pará-grafo enquanto faz a leitura. Após a automatização, possivelmente ele será um bom exercício para a concentração.

Relatório de distraçõesToda vez que se distrair, faça um traço ou marque a hora exata daquele momento. Esse será seu relatório de distrações. O simples fato de estar marcando suas distrações já vai ajudar no aumento de sua atenção.

Trocando tópicosProcure não estudar exaustivamente apenas um tópi-co. Se alternar entre assuntos diferentes, certamente aumentará a atenção e se desgastará muito menos. O cérebro adora diversidade e recompensa com uma maior concentração.

Dicas para concentração

Flash cardsFlash card é um pedaço de papel (geralmente cartolina), utilizado como ferramenta para o aprendizado. O tamanho de cada flash card é variável. Recomendo que seja compatível com o tamanho de sua carteira ou bolso da calça.Em cada cartão você escreve alguma pequena informação que deseja aprender: leis, fórmulas ou até mesmo tabuada. Você deve guardar to-dos esses pequenos cartões em um local de fácil acesso (geralmente a carteira), para que possa verificá-los durante todo o dia.Os flash cards funcionam por dois grandes mo-tivos:a) respeitam o fenômeno da reminiscência;b) causam um melhor aproveitamento do tem-po livre, visto que você pode dar uma pequena olhada em cada um deles no ponto de ônibus, na sala de espera do dentista ou até mesmo no tra-balho (se você não for piloto de avião, é claro).

Algumas dicas do homem-memória brasileiro para quem quer melhorar a memória:

Fenômeno da reminiscênciaA primeira regra da reminiscência para o aprendizado (não apenas de números) é: um momento de des-canso vale mais do que dois mo-mentos seguidos de repetição.Depois de haver repetido a infor-mação a ser memorizada, faça uma pequena pausa e repita-a outra vez. Depois, faça outra pausa e repita-a novamente. Cada pausa permite a atuação do fenômeno da reminis-cência, aumentando a probabilidade de que você se lembre mais tarde.Assim, nada de ficar repetindo fór-mulas matemáticas ou leis como um papagaio! A memória precisa de tem-po para processar cada repetição.

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Início de uma tarde de domingo. O cheiro do churrasco vizinho invade a casa de dois pisos localizada numa rua tranqüila entre os bairros do Córrego Grande e Santa Mônica, em Florianópolis.

No quintal dos fundos, Sexta-Feira aproveita para tomar um solzinho. Da janela, fechada por causa da fumaça, escuta-se a voz abafada de Galvão Bueno. Parece que o Rubinho não vai conseguir completar a prova. Sexta-Feira não se importa com isso, ainda mais quando percebe que não está sozinho. Do alto da ameixeira, quatro pares de olhos o observam. Antes que pudesse esboçar qualquer reação, o pobre papagaio é atacado à covardia. Enquanto dois sagüis seguram as suas asas, o resto da gangue aproveita para lhe roubar a comida. O tormento do louro só teve fim com a providencial ajuda de Steban, o cão amigo, que afugentou os malfeitores.

O papagaio teve azar. Pelo menos é o que se conclui conversando com a engenheira agrônoma Cláudia de Miranda Queiroz Lopes, responsável pelo setor de educação ambiental do Parque Ecológico do Córrego Grande, onde vivem cerca de 30 sagüis. De acordo com ela, são raras as reclamações de vizinhos envolvendo esses animais. A única que se tem registro, aliás, foi feita por um criador de curiós que, ao chegar em casa, encontrou dois sagüis dentro de uma gaiola onde antes havia 12 ovinhos. O criador ainda afirmou que a tela da gaiola estava arrebentada e os sagüis “de barriga cheia”. Dada a chacina de uma dúzia de futuros curiós, diriam alguns que o papagaio teve sorte. Segundo o professor Rogério Guerra, do Laboratório de Psicologia Experimental da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o pequeno grupo de sagüis poderia até ter “dado cabo” do assustado Sexta-Feira e “dividido a presa” entre si. Matias Garcez, testemunha ocular do ocorrido, não acredita na hipótese e qualifica a ação como um simples roubo, descartando qualquer possibilidade de tentativa de latrocínio, estupro ou coisa que o valha. “Eles só encheram um pouco o saco do louro, roubaram a comida e foram embora”, contemporiza.

DesA polêmica dos sagüis na

ilha de Santa Catarina

por Daniel Ludwich

equilíbrios

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Culpados ou inocentes, a verdade é que as histórias de sagüis em Florianópo-lis têm se reproduzido mais rapidamente do que os próprios. Não há como dar dez passos sem esbarrar em um primatólogo em potencial.

- Sagüis? Meu filho, isso é uma pes-te! Eles se reproduzem mais rápido que coelhos e, como não são daqui, não pos-suem predadores. Os desgraçados estão acabando com todas as nossas aves na-tivas!

- Todas? – pergunta o interlocutor assustado.

- Sim, todas! E ainda transmitem doenças. São piores do que ratos!

Cabreiro, o sujeito segue a cami nhada temendo que um bando de sagüis lhe roube a carteira. E as histórias anti-sagüis são apenas algumas das faces deste caleidoscópio ideológico em que se transformou a discussão. A situação é tão confusa que, muitas vezes, lados com-pletamente antagônicos compartilham da mesma visão sobre determinado as-pecto – como dos possíveis prejuízos que uma espécie introduzida pode causar no ecossistema local – enquanto se engalfi nham mortalmente em dezenas de outros. Indiferentes e sempre fofinhos, os sagüis seguem a sua vida. Ora, bolas... Quem poderia imaginar que estes pequenos pri-matas da família Callithrichidae seriam capazes de despertar ira e paixão na pac-ata ilha de Santa Catarina?

Tudo começou há algumas déca-das. Um caminhoneiro, cujos parentes possivelmente estavam cansados de ga nhar sempre as mesmas fitinhas do Se nhor do Bonfim, teve a brilhante idéia de capturar um sagüi para presentear a pa-troa. Estava aberta a porteira. De repente, virou moda trazer os bichinhos para o sul do país. Traficantes de animais desco-briram o filão e passaram a vender sagüis bêbados nas beiras das estradas. Refeitos do porre, muitos fugiam ao chegar em terra estranha – outros eram abandonados por pessoas que prefeririam ter ganhado um pônei. Assim, os sagüis começaram a povoar as matas da ilha. O Poder Públi-co – sempre alerta! - resolveu acabar com a festa. Através do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), ante-cessor do atual IBAMA, o governo passou a fazer grandes apreensões desses animais. E o que o IBDF fazia com eles? Soltava nas áreas de mata atlântica preservada.

Obedecendo ao instinto criador, os sagüis cresceram e se multiplicaram. O quanto eles cresceram é um mistério. De acordo com a bióloga Cristina Valéria Santos, é impossível determinar ao certo o número de sagüis existentes em Flori-anópolis. Doutora em Comportamento Animal pela USP, ela realizou uma pes-quisa na qual procurou, entre outras coi-sas, mapear os locais da ilha habitados por sagüis e verificar se eles estavam real-mente afetando a ave-fauna da região.

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O resultado confirmou que são três as es-pécies de sagüis existentes na ilha: o Callithrix geoffroyi ou sagüi-de-cara-branca – presente no sul da Bahia, Minas Gerais e Espírito San-to; Callithrix jacchus ou sagüi-de-tufos-bran-cos – vindo do Nordeste; e o Callithrix penici llata ou sagüi-de-tufos-pretos – originário das regiões de cerrado do país e o melhor adaptado ao ecossistema da ilha. A área ocupada por eles é a do Maciço da Costeira, que abrange bair-ros como Rio Tavares, Saco dos Limões, Pan-tanal, Córrego Grande e Lagoa da Conceição. A pesquisadora concluiu que os sagüis não são responsáveis pela diminuição das aves da ilha – e que essa redução pode mesmo nem estar ocorrendo. A poucos metros dali, no Laboratório de Psicologia Experimental, o professor Guerra tem opiniões bem diferentes.

Para se chegar à sala do professor Rogério Guerra é necessário passar pelo que deve ter sido parte do sistema de segurança do laboratório – uma lembrança de tempos mais agitados. Próx-ima ao planetário da UFSC, a pequena casa de madeira se destaca pela tela que circunda toda a construção. Junto à porta, uma pesada grade de ferro ainda oferece a última resistência ao vis-itante. Em tempos áureos, o laboratório chegou a abrigar mais de 150 sagüis, usados pelos pes-quisadores em estudos comportamentais. Desde 2002, entretanto, não há mais nenhum deles por lá. De acordo com Guerra, o alto custo de ma-nutenção dos viveiros impediu que as pesquisas continuassem. Nas paredes da sala do professor, alguns recortes de jornal dos tempos em que o laboratório era notícia. Vez ou outra, ele conta, os repórteres ainda o procuram. Quer-

em saber sobre a situação dos sagüis na ilha e a vocação polêmica do professor, amparada por dez anos de experiência com esses animais, é sempre garantia de uma boa matéria.

Guerra acredita que os sagüis são re-sponsáveis pelo desaparecimento de algumas espécies de aves, répteis e anfíbios da ilha de Santa Catarina. Ele afirma ainda que, por não possuírem predadores naturais, encontrarem abrigo com facilidade e comida em abundân-cia, a população desses animais está em con-stante e vertiginoso crescimento. Afirmações com as quais Cristina Santos não concorda. Ao menos, em parte. A bióloga afirma que, mesmo fazendo parte do cardápio dos sagüis, os ovos não são a principal fonte de alimentos desses animais. Cristina também desacredita a tese de que os sagüis levam uma vida mansa, afir-mando que eles podem ser predados tanto por pequenas aves de rapina quanto por gatos do-mésticos, além de serem vítimas fáceis de um frio mais intenso. O frio e a diminuição da oferta de alimentos durante o inverno seriam as for-mas pelas quais esses animais seriam natural-mente controlados. O problema – e nisto os dois professores concordam – é que a maioria das pessoas não resiste à tentação de alimentar os bichinhos, garantindo a eles alimentação farta durante todo o ano.

“As pessoas gostam desses animais, acham bonitos, mas eles são um problema seríssimo de saúde pública”, diz Guerra. Atrás de uma mesa sobre a qual repousam alguns animais ental-hados em madeira e cercado de livros por todos os lados, o professor reclama da pouca atenção dada ao assunto.

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“Eu tenho impressão que a sociedade ainda não se escandalizou porque não houve nenhuma transmissão de doença, algum caso de epidemia que tenha sur-gido.” E, lembrando que “a AIDS veio do babuíno”, faz o vaticínio final: “Logo, logo, Florianópolis terá que estudar uma forma de diminuir a população desses animais”. Cristina faz pouco caso do catastrofismo de Guerra e diz que os sagüis “não são a praia” do professor. “O trabalho dele é com roedores, ele não é primatólogo”, provoca. Mas, ainda que não fale em epidemias e no perigo de algum vírus desconhecido, a bióloga reconhece que a proximidade filogenética entre humanos e primatas faz com que ambos tenham doenças em co-mum e, existindo a doença, pode haver o contágio. Como exemplo, ela afirma que os sagüis podem transmitir raiva, mas não a transmitem em Florianópolis porque a doença já foi erradicada do estado.

Alheios ao quiprocó acadêmico, os moradores da Costa da Lagoa têm opiniões e impressões próprias a respeito do fenômeno dos sagüis. Ronaldo San-tos, 34 anos, afirma que quando criança, mesmo com o costume de se embrenhar na mata, nunca havia visto um sagüi. “Há dez anos ainda era raro de vê-los por aqui”, completa. Ronaldo é um dos poucos na Costa que liga o aparecimento dos sagüis ao desaparecimento de algumas espécies de pássaros. “Tinha passarinho de penca quando eu tinha 10 anos. Aracuã, gralha azul, sabiá, coleira, saíra, tié. Hoje, dá pra dizer que diminuiu em 50%”, analisa. A

diminuição do número de pássaros, aliás, é um fenômeno percebido por todos os moradores. “Só tem aumentado o núme-ro de andorinhas e gaivotas. E se a gente reparar, são os pássaros que fazem os ninhos nos beirais das casas – aonde os sagüis não chegam”, observa Nelson Ma-noel Pereira, presidente da associação de moradores do bairro.

Na Costa, as aves não tem sido as únicas vítimas dos sagüis. Ildo Sebastião dos Santos, 45 anos, conta que um grupo deles destruiu a plantação de milho do sogro. “Cada vez mais vai ser uma in-vasão”, afirma o morador que – fique bem claro! – não conhece o professor Guerra. Acordado todos os dias pelo “berreiro” dos animais, Ildo diz que não pode mais deixar a porta da cozinha aberta. “É só sen-tir cheiro de comida que eles vêm”, reclama.

Há, entretanto, quem não se importe com os pequenos furtos. Celi Domingues Kruel Fonseca, 87 anos, sente falta dos seus bichinhos. Conhecida como Voz-inha, a gaúcha radicada há 16 anos na Costa teve uma relação bastante intensa com os sagüis. Na casa onde mora sozin-ha, localizada no alto de um morro próx-imo ao ponto oito do ancoradouro, havia uma grande goiabeira cujos galhos se misturavam com a casa. Foi através dela que os animais se aproximaram. “Eles en-travam dentro de casa e comiam as fru-tas que eu deixava em cima da geladeira. Coisa mais linda!”, lembra Vozinha. “Eles passeavam pelo cordão do varal, subiam no meu colo... Mas agora eles não vêm

mais. Eu sinto muita falta deles”, lamen-ta. O filho temporão, Paulo Kruel Herre-ra, apressa-se em corrigir: “Não sumiram nada, vó. A senhora que está acordando muito tarde”. Com uma risada, Vozinha concorda. “É, enquanto não são 10h eu não levanto.”

Os sagüis sem coração que aban-donaram Vozinha não estavam realmente muito longe dali. Alguns metros abaixo, um grupo brinca nas árvores que mar-geiam um pequeno córrego. Ao percebe- rem a presença humana, aproximam-se. “Querem comida”, diz a moradora Elite Vieira Comicholi. Segundo ela, a senhora que mora na casa ao lado alimenta os ani-mais com freqüência. “Ela compra cachos e cachos de bananas só para alimentar os sagüis.” Concorrência desleal para a hu-milde cesta de frutas da Vozinha.

A noite chega. Enquanto a Costa da Lagoa vai ficando para trás, as pala-vras do professor Guerra voltam embala-das pelo barulho monótono do motor do barco: “Florianópolis vai precisar estu-dar uma forma de diminuir a população de sagüis”. De repente, um ruído. Muda a cadência do motor e o que se ouve é a voz da bióloga Cristina entrando na dis-cussão: “A população de sagüis não está aumentando, eles não estão acabando com a as aves e não podemos dizer que ele esteja competindo com alguma espécie nativa”. Um pequeno engasgo e aflora a indignação de Ildo: “Eu só queria pegar um deles e dar uma surra”. ;

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V iver no mundo mágico parece fácil. Se faltar roupa, é só agitar a varinha e o problema será resolvido. Se, de repente, surgir o desejo de viajar até o Peru, mais

uma vez a varinha dá conta. Mas o mundo idealizado pela britânica J.K. Rowling não seria o cenário para a história de Harry Potter se todos os problemas pudessem ser solu-cionados com uma varinha.

De acordo com a Lei de Gamp para Transfiguração Elemental, comida é uma das cinco coisas que não apa-recem do nada. Os bruxos podem transformar coisas em comida, aumentar a quantidade da que já têm ou trazê-la de algum lugar em que esteja armazenada. Mas do nada, não.

Apesar disso, foram poucos os momentos em que fal-tou comida no prato de Harry. A Escola de Magia e Bruxa-ria de Hogwarts é conhecida pelos maravilhosos banquetes fartos; a Sra. Weasley - mãe do melhor amigo Rony - co-zinha como ninguém; e as opções de doces encontradas na Dedosdemel, no povoado vizinho à escola, Hogsmeade, dão água na boca.

A culinária bruxa tem influências tanto da Inglater-ra, quanto dos povos da Antigüidade. O café da manhã de Hogwarts sempre tem salsichas e ovos mexidos, assim

Cena do filme Harry Potter e o Cálice de Fogo

A culinária do mundo de Harry Potter

por Fernanda Dutra

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como o das casas inglesas. A bebida preferida de Dumbledore - diretor da Escola - é o hidromel, fabricada antes mesmo do vinho e da cerveja.

A maior parte das comidas criadas por Ro-wling são doces: Feijõezinhos de todos os sa-bores, sapos de chocolate, varinhas de alcaçuz, bolos de caldeirão, chicletes de baba-bola, vo-mitilhas, febricolate, delícias gasosas, cremes de canário, entre outros. Já podemos comprar vários desses produtos em lojas de nosso mun-do trouxa – nome dado ao mundo não-bruxo na série - , como os dois primeiros da lista.

A abóbora, muito relacionada à bruxaria em outras histórias, é base de vários pratos e bebidas: suco de abóbora, abóbora assada, tor-tinhas de abóbora, doce de abóbora...

Em Hogwarts, as refeições são carregadas de calorias. Além de salsichas e ovos, as carnes de porco, carneiro e boi são base para várias refeições, como pudim de carne, bacon, bife e pudim de rim, costelas. Peixes, massas, saladas ou arroz dificilmente são servidos.

A cozinha não é lugar para os alunos de Hogwarts. Harry, Rony e Hermione, a melhor amiga do protagonista, a conheceram somente em seu quarto ano na escola, no livro Harry Pot-ter e o Cálice de Fogo. Quem prepara a comida para as centenas de estudantes são os elfos do-mésticos - seres mágicos escravos dos bruxos. Hogwarts tem mais de cem elfos trabalhando na cozinha, que é ampla, com teto alto e cheia de tachos e panelas de latão empilhados. Há qua-tro grandes mesas logo abaixo das que ficam no salão principal, onde os alunos se sentam. O que os elfos colocam à mesa aparece no salão.

Algumas das delícias doces do mundo mágico são fáceis de se encontrar no mercado após o sucesso do jovem bruxo. Outras podem ser cozinhadas em casa. Mas bom mesmo seria poder sentir-se flutuando ao beber uma delícia gasosa!

Cena do filme Harry Potter e a Ordem da Fênix

O último livro da série Harry Potter foi lançado em inglês no fim de julho. Har-ry Potter and The Deathly Hollows vendeu 8,3 milhões de cópias em apenas 24 horas, batendo o próprio recorde, atingido com o volume anterior. No Brasil, Harry Potter e as Relíquias da Morte, título provisório, tem o lançamento previsto para o dia 10 de no-vembro.

O enredo do livro acompanha a primei-ra vez que Harry perde o ano letivo em Hog-warts. Na companhia dos melhores amigos, o protagonista vai em busca dos horcruxes, objetos que precisam ser destruídos para que o vilão Lord Voldemort morra.

Em julho, também chegou aos cin-emas o quinto filme da série, baseado no livro Harry Potter e a Ordem da Fênix. O filme - dirigido por David Yates - mostra o ressurgimento de Voldemort e a preparação da comunidade bruxa para lutar contra ele, mas se foca no protagonista, angustiado pela adolescência.

Assim como o livro, o filme também bateu recordes. Só na sessão de estréia, à meia-noite de uma quarta-feira, arrecadou 12 milhões de dólares. A marca anterior era de O Senhor dos Anéis – O regresso do Rei, que conseguiu oito milhões de dólares em 2003.

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Cerveja Amanteigada

Uma das bebidas mais famosas no mundo bruxo. Tem baixo teor alcoólico, mas elfos domésticos são muito sensíveis a ela. Quando servida em garrafas, é ge-lada e, em canecas, quente. No mundo trouxa, existe uma bebida de nome se-melhante, mas com sabor diferente e não-alcóolica. A receita abaixo foi criada como uma mistura da bebida bruxa e da trouxa.

Receita:Ingredientes -25 g de cobertura de sorvete sabor cara-melo -570 ml de leite -275 ml de sorvete de creme derretido.

Modo de fazer Coloque tudo no liquidificador, bata e sirva.

Delícias Gasosas

Feitas somente com sorvete de frutas e ferrão de gira-gira - ingrediente comum em poções que fazem flutuar. O doce, vendido na Dedosdemel, faz com que o bruxo saia alguns centímetros do chão.

Feijõezinhos de todos os sabores

Morango, uva, cara-melo, cera de ouvido, vômito... Realmente todos os sabores podem ser encontra-dos em um pacote de Feijõezinhos de todos os sabores.

Sapos de Chocolate

Chocolates ao leite em forma de sapo são encantados para pularem assim que o pacote é aberto. Vêm com figurinhas colecionáveis dos bruxos mais famosos da História. No primeiro livro, Harry Potter e a Pedra Filosofal, uma des-sas figurinhas ajuda o protagonista a des-vendar um dos muitos mistérios que tem que resolver.

ReceitaIngredientes -1/4 de uma lata de leite condensado -1 colher de sobremesa de qualquer tipo de chocolate em pó - Pouca bolacha (salgada ou maizena) ralada - Pequenos pedaços de chocolate ao leite-2 colheres de sorvete de creme -Cobertura de caramelo

Modo de fazer 1. Esquente no microondas por 3 minutos o leite con-densado com o chocolate em pó e a cobertura de cara-melo. 2. No momento em que tirar do microondas, jogue a bolacha, o sorvete de creme e os pedaços de chocolate. 3. Misture bem.4. Coloque no microondas por mais 3 minutos. 5. Misture bem e faça a forma de 1 ou 2 sapos.

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Ontogênese de um Bar

A história. Do começo ao fim

O relógio na entrada da ponte da Lagoa marca 0:00, mas eram dez para as onze. Um pouco mais à

frente, na Avenida das Rendeiras, gran-des janelas revelam um ambiente ilumi-nado por lâmpadas fracas e velas sobre as mesas. “______ Café”, lê-se em uma placa na calçada. A porta abriu-se para mostrar um pequeno grupo de pessoas. John, sentado à mesa, rabisca em um caderno. Igor, com os braços estendidos, ocupa quase todo sofá de três lugares.

No local reside a grande diferença. Duas semanas antes, eu quase passara direto pelas colunas marrons e os len-çóis que escondiam um amontoado de latas de tinta e garrafas de refrigerante vazias. Conhecera Igor e John de pincel em punho, e o pequeno bar ainda em re-forma. “Vai abrir amanhã à noite”, pro-meteu Igor.

Igor é de Ribeirão Preto, São Paulo. Formado em Marketing, estudou em To-ronto, Canadá. Trabalhando lá, ganha-va 4 mil dólares por mês; fazia cruzeiro no lago, viajava de avião, ia para Nova Iorque. Mas, para ele, isso não era quali-dade de vida. Passava sete meses e meio debaixo de neve. “As pessoas lá dão valor a outras coisas”, observa. Dá o exemplo

das mulheres que corriam no verão para plantar um jardim – soterrado pela neve três meses depois. Como surfista, Igor encontrou na Lagoa da Conceição um lugar muito mais apropriado que o lago Ontário (um dos cinco Grandes Lagos da América do Norte, em cujas margens está localizada a cidade de Toronto).

Em abril deste ano, o irmão de John casou-se no Guarujá, e a família austra-liana toda o acompanhou na lua-de-mel no Brasil. John leu sobre Florianópolis no avião, em uma revista que prometia ser uma cidade “surpreendente”. O pri-meiro lugar que visitou ao chegar a praia da Joaquina: o céu azul, a areia branca, a água: “Surpreendente”. Foi o bastante para conquistar mais um surfista.

Quando os dois se conheceram, Igor precisava de dinheiro e John esta-va hospedado em uma pousada, pagan-do diária. “Vamos alugar um bar e ficar morando lá”, sugeriu John. Ele entrou com o aluguel, Igor pagava o que podia. Os dois começaram a reformar o lugar, cheios de idéias. “Você conhece algum artista plástico daqui?”, perguntou-me John, no dia em que nos conhecemos. O objetivo era expor quadros de artis-tas locais e fazer leilões. Um espaço para arte, música e língua inglesa, já que o sócio australiano só fala “o livro está so-bre a mesa” em português – e com difi-culdade.

florianópolis

por Carolina Moura

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foto: globalrestaurant.co.uk arte: Maurício Tussi

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O bar é pequeno. Um balcão baixo não chega a esconder a cozinha, onde ficam expostas as garrafas de bebida. As velas descansam sobre quatro ou cinco mesas redondas, rodeadas por algumas cadeiras fora de lugar. As paredes os-tentam alguns quadros, as luminárias são coloridas. Uma cortina improvisada esconde uma das “camas” – a outra é o sofá, antes ocupado pelos braços de Igor. Não me aventurei no banheiro, cuja lo-calização demorei a descobrir. “Até que não é tão ruim, porque nós estamos bê-bados o tempo todo”, diz John, conser-tando em seguida: “Na verdade somos bem controlados”.

As pessoas presentes intervêm na conversa, tanto em inglês quanto por-tuguês. Daniela, estudante de admi-nistração, convidou-os para ir à Praia Mole na manhã seguinte. “Vamos surfar numa praia que não tenha peixe voador” (uma espécie de peixe que pula para fora d’água, podendo alcançar uma altura de seis metros e planar por até 90 metros). Cristiano, outro brasileiro, pergunta a John se ele conhece o fly fish, como ele traduz o nome do animal que, segundo ele, aparece na época de lua cheia. “Não posso negar um convite dela”, flerta Igor dirigindo-se a Daniela. “Aí você pára o seu carro aqui e nós vamos correndo até lá”, brinca.

Todos são amigos. O motivo da reunião é o aniversário de John, no dia seguinte – ou já é o dia? Ninguém parece

saber quando, afinal, é meia-noite.- Que tipo de bolo você quer? – per-

guntou Ciara, americana de Los Angeles.- De Manga.- Então você não vai ganhar bolo.Quando se chega à conclusão de

que já é meia noite, elevam-se os ânimos: “Happy Birthday to you!”, “Pode entrar, Marylin Monroe!”. Mas John confessa que não gosta de aniversários. Há um ano, ele estava com os aborígenes, na Austrália. Teve que ir trabalhar, mas foi “absoluta-mente o melhor”: ninguém sabia sobre a data. Ele passou o dia todo rindo. Todos lhe perguntavam, “de que você está rin-do?”. John respondia, por trás do sorriso: “Vocês são tão engraçados!”

Mas não foi só a festa de aniversário do John que aconteceu no ______ Café. “Nós tivemos algumas noites boas”, con-formam-se os donos. O bar esteve aberto todos os dias, desde que foi inaugurado. “Demos algumas festas, tivemos que pa-gar pelos clientes”, brinca. “A economia daqui é fraca.” Mas, mesmo assim, ga-nharam uns freqüentadores. Quando o sistema de som do bar quebrou, os do-nos tiveram a sorte de ter vários músicos no local. A maioria deles foi pago com cerveja. “Tínhamos dez, vinte pessoas cantando junto”. Os vizinhos – pai, mãe e filha (todos médicos) – ficam aliviados quando a festa acaba.

– Irish guys! – exclama John, depois de recusar, ceder, experimentar e apro-var o quentão de vinho. Cinco irlan-

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foto: globalrestaurant.co.uk arte: Maurício Tussi

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deses, que foram ao bar na noite ante-rior, passavam pela rua. Sem pressa, John foi até o meio da avenida e gritou: “Garotos irlandeses! Nós temos cerve-ja!” Logo cinco rapazes com um sotaque bem mais leve que o australiano esta-vam sentados no sofá, onde dormem os donos da casa, contando histórias.

Estudantes de Arquitetura, viajam pela América do Sul. Dois dias antes, es-tavam em Montevidéu, no Uruguai. Para fugir do frio, enfrentaram vinte horas de ônibus – três DVDs, apenas duas refei-ções. Mas dizem que valeu a pena. Mes-mo assim, continuam falando o pouco espanhol que aprenderam. Breve silên-cio; Alex, o mais falador, foi ao banhei-ro. Aos poucos os outros quatro entra-ram na conversa, especialmente quando falamos de Oscar Niemeyer ou sobre o gosto musical que compartilhamos.

– Daqui, para onde vocês vão? – Para Lima. Estamos no barco cer-

to? – risos.Dois dias depois, os garotos irlan-

deses seguiriam viagem. Os donos do bar já têm planos de fazer o mesmo. John pretende viajar para a Austrália em se-tembro e voltar definitivamente em abril

próximo – quem sabe fazer uma viagem “ao redor do mundo”. Igor quer passar o verão no Canadá – enquanto é inver-no no sul. “A vida aqui é muito dura”, diz ele, referindo-se ao lado financeiro. Quando decidiu abrir o bar, pensava nas belezas da ilha e no surfe, achava ser o suficiente. Agora se pergunta: “Dinheiro ou qualidade de vida?”. Por enquanto, pensa em dosar os dois: passar o verão do hemisfério norte lá; e o do sul, aqui.

A economia flutuante de Florianó-polis poderia ter beneficiado os sócios do _____ Café, se eles tivessem aberto o bar no verão. Com o frio de agora, a clientela tem se limitado a pessoas como Ciara, que lia um livro quando foi convidada a en-trar; ou os irlandeses chamados aos gri-tos, com promessa de cerveja grátis. Eis outro motivo pelo qual a sociedade não gera lucros: quem não tem dinheiro, não precisa pagar. Seja no bar, seja nos gru-pos de conversação em inglês com John – que também se limitam a um pequeno círculo de amigos. Depois de ouvir toda a história, esqueci de pagar pelo copo de vinho tinto e pelo drink que meu colega bebeu – cujo nome não entendi. ;

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foto: globalrestaurant.co.uk arte: Maurício Tussi

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Crítico de Cinema. Essa é a profissão pela qual Pablo Villaça quer ser devidamente iden-tificado e reconhecido. Quando o apresentam em eventos cinematográficos como jor-nalista, ele faz questão de corrigir: “Eu não sou jornalista. O que eu faço é crítica de

Cinema. Eu emito opinião.” Além de opinar, Pablo, de 32 anos, considera que o crítico deve ter embasamento para tecer comentários, ler muito sobre Cinema e, acima de tudo, justificar as opiniões coerentemente. Único membro latino-americano da Online Film Critics Society (OFSC) - organização de críticos de cinema on-line, com sede em Los Angeles – e autor da biografia do cineasta brasileiro Helvécio Ratton (Helvécio Ratton – o cinema além das montanhas), o crítico mineiro é editor de um dos principais sites sobre cinema em língua portuguesa, o Cinema em Cena. Pablo recebeu a ponto-e-vírgula em São Paulo, no auditório da União Cultural Brasil - Estados Unidos, onde ministrou um curso de crítica cinematográfica. Ali, ele bateu um papo com a gente sobre a função do crítico, a relação com os estúdios e distribuidoras e cinema na-cional, saudando os cinéfilos com sua frase característica:

UM GRANDE ABRAÇO E BONS FILMES

por Pedro Santos

E boa leitura!

28[ e n t r e v i s t a ]

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ponto-e-vírgula - Você se lembra do primeiro contato que teve com o cinema?

Pablo Villaça - Minha avó sempre gostou de cinema. Desde pequeno ela sempre estimulou muito: “Ah, vamos ao cine-ma, assistir ao filme dos Trapalhões ou ao novo desenho da Disney”. Sempre no dia da sessão, a gente já acordava de forma diferente. Ela morava com a gente e naquele dia ela fazia um café-da-manhã e um almoço especial. Se a gente gostasse do filme, podíamos ficar duas sessões seguidas. E como a gente gostava... Saindo de lá íamos para as Lo-jas Americanas tomar sorvete e comer misto quente. Então desde muito cedo pra mim, graças a minha avó, eu sempre associei cinema a situações boas e gostosas. Acho que isso contribuiu para que eu gostasse de cinema. O dia do cine-ma era um dia muito bacana.Aí, comecei a assistir a ou-tros filmes, tipo Sessão da Tarde, os filmes de Jerry Lewis. Era criança ainda, seis, sete anos. Depois, quando eu tinha uns 10, lançaram o videocassete. Pra você ver como eu sou velho. Aí eu fiquei sócio de um lugar em Belo Horizonte, o Videoclube do Brasil. Na época era filme pirata, não tinha fiscalização. O Videoclube tinha um acervo colossal, filmes que até hoje não foram lançados no Brasil. Você pagava uma mensalidade e pegava até dois filmes por vez. Podia fi-car com eles até três dias ou ir trocando os dois filmes. Não tinha limite, você podia pegar quantos quisesse por mês. Então eu comecei a ver filme de uma forma absurda. Tinha muita coisa bacana e rara de encontrar.

; - E a partir de quando você passou a se interessar por críticas de cinema?

Pablo - Pois é... Ainda adolescente, como eu via muito filme, comecei a ter interesse mais formal sobre a teoria cinema-tográfica, sobre história do cinema. Eu via filme de forma bastante desorganizada porque não tinha nenhum conhe-cimento. Então hoje eu via um filme novíssimo, amanhã eu assistia um expressionista alemão, no outro dia, Griffith, Chaplin, Novelle Vague. Não tinha nenhuma organização, mas eu comecei a perceber que havia uma diferença muito grande entre esses filmes, em termos de estética, lingua-gem, proposta. Eu fiquei curioso pra saber mais sobre isso e comecei a ir a bibliotecas, como não existia internet na épo-

ca. Pegava livros sobre Teoria e História Cinematográfica e comecei a estudar desde os 13, 14 anos. Por ver muito filme eu queria entender melhor o que eu tava vendo.

; - Como você mesmo disse em um artigo, “muitas pesso-as amam, estudam e conhecem o Cinema, mas parecem ser incapazes de formular parágrafos coerentes sobre algo que acabaram de assistir (talvez estas pessoas se-jam aquelas que amam a 7ª Arte de maneira mais pura, já que seu amor não passa pelo filtro da análise)”. Não foi isso que aconteceu contigo...

Pablo - É, eu quis... Tem pessoas que são perfeitamente felizes entendendo o Cinema de uma forma puramente ins-tintiva, empírica. Eu sou mais feliz tentando compreender o Cinema de uma forma racional. Eu vou gostar de muito me-nos filmes do que o espectador médio. É obvio isso. Mas os filmes de que eu gosto, eu gosto com uma intensidade muito maior do a que eles vão gostar de qualquer filme. Então uma coisa compensa a outra. Eu posso gostar de menos filmes, mas quando eu amo, eu amo de paixão, de loucu-ra, de ficar fas-cinado. Porque amo o filme não só do ponto de vista da sensação que ele provocou, mas do ponto de vista racional, de compreender a linguagem dele. Acho que ganho uma leitura adi-cional. A intensi-dade de gostar do filme é diferente.

; - Sua formação profissional ébastante curiosa pelo fato de ter

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largado o curso de Medicina para se dedicar exclusiva-mente ao Cinema. Inclusive o diretor Martin Scorsese fez um comentário a respeito quando você se encontrou com ele em Nova Iorque, não foi? O que ele falou?

Pablo - Falou... [Risos] falou... Engraçado. Ele falou “kids these days” [as crianças de hoje, em português]. Ele disse também que a minha mãe provavelmente quis me matar. Mas não, minha mãe aceitou. Eu disse: “vou largar Medicina, mãe, quero fazer crítica de Cinema”.

; - Mas antes de desistir de ser médico o site “Cinema em Cena” já tinha sido cria-do. O que te incentivou a criar um site sobre cinema no ano de 1997? Foi só a paixão pelo Cinema ou já pensava em mu-dar de profissão?

Pablo - A internet tava começando na época. Era um negócio muito novo ainda. Eu que-ria um espaço onde eu colocasse minhas cri-ticas. Era mais um hobby, mas logo o site começou a crescer, começou a ter público. E eu tinha muito mais prazer quando escre-via coisas pro site do que quando eu tava na faculdade. E, depois de um tempo, no séti-mo período da Medicina, eu pensei: “pô, eu prefiro escrever sobre Cinema. Não quero ser rico, quero ser pobre”. Larguei Medicina e fui ser crítico de Cinema. Não sei por que eu fiz isso, não, mas agora... agora fudeu [risos].

; - A democracia da web permitiu, também, o surgimento de diversos críticos, mesmo que não tenham tido forma-ção suficiente ou preparo. Isso desmerece a profissão de crítico de cinema?

Pablo - Não, não é isso. É uma faca de dois gumes. A de-mocratização no sentido de permitir uma liberdade maior, para qualquer pessoa expor sua opinião, é maravilhosa. O que eu acho que não pode acontecer é confundir o profissio-nal com o cara que curte e escreve. Dizer, por exemplo, que a opinião do cara que tem o “blog do Zé” é tão embasada,

teoricamente, quanto a opinião do Luiz Carlos Merten, do Kleber Mendonça ou mesmo a minha. Agora, o cara tem toda liberdade, deve pensar Cinema e escrever sobre isso. O que me preocupa, muitas vezes, é quando eu escrevo um texto e alguém quer questionar e para isso manda o link do “blog do Zé”. E quando você lê o blog, é o cara falando que achou o filme legal, emocionante e blábláblá, sem elaborar isso. A pessoa que lê esses críticos – na verdade são cinéfilos, não são críticos -, parece que aceita esse tipo de argumentação sem questionar. É uma coisa que eu sempre coloco: quando você vai ler uma análise do Oriente Médio você vai querer

ler a Miriam Leitão, que é economista, ou vai preferir um cientista político? Com a crítica é a mesma coisa. Cada um na sua praia. Então há uma subversão dessa de-mocratização, que poderia ser utilizada de forma melhor do que é.

; - Ainda nessa função do crítico, a maio-ria das pessoas quando acaba de ver um filme, geralmente se liga mais à história que acabou de ver, pouco interessado em outros aspectos. Daí chega um crí-tico e lhe mostra coisas novas, faz rela-ções que pareciam inexistentes e, mui-tas vezes, faz com que vejamos coisas em que não tínhamos reparado. Em sín-tese, o crítico pode ajudar o espectador

a desenvolver um novo olhar sobre o Cinema. Essa é a principal função do critico?

Pablo - Sem dúvida... Sem dúvida. São várias funções, mas existem duas que eu acho particularmente importantes. Pri-meiro, é ajudar a pensar o Cinema de uma forma diferente. É o cara não se limitar à sensação:“Ah, o filme me fez rir, me fez chorar, me fez ter medo.” Mas é também você entender por que o filme fez isso. E se essa forma é artificial ou orgâ-nica, maniqueísta – e se esse maniqueísmo, nesse caso, é vá-lido ou não. A outra função é iniciar o debate mesmo. “Olha, eu gostei, ou não gostei do filme tal por causa disso, disso, disso, em função dos meus argumentos”. Você discorda de mim? Então contra-argumente. Vamos discutir, vamos pen-sar o filme. Isso é bacana porque todo mundo aprende.

“Eu disse: “vou largar Medicina,

mãe, quero fazer crítica de

Cinema”

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; - E pra lidar com leitores que não entendem isso, como...

Pablo - Você não lida, você tenta ignorar, na medida do pos-sível. Desde o inicio eu sempre concebi o Cinema em Cena como sendo um espaço para se criar uma comunidade: pes-soas se reúnem pra discutir coisas, falar de cinema, se en-contrar fora da internet. Tem gente até que se conheceu e se casou através do site. Agora, por criar esse tipo de co-munidade eu sou obrigado, também, a abrir um espaço para aqueles imbecis que... Outro dia alguém me mandou uma charge, que achei interessante. Era assim: uma pessoa normal+anonimato+público se torna um idiota. Sem dúvida. O cara coloca o comentário assim: “você é um imbecil, um filho da puta, se eu te encontrar na rua...” Por quê? Porque eu falei mal de um filme que ele gostou, ou elogiei um fil-me que ele detestou... Tem gente que manda “ah, você tem inveja porque outros sites vão visitar o set de Superman e você não”. Se eu quisesse, teria visitado o set de Superman, mas para minha função de crítico, visitar o set só vai fazer mal. Porque na hora de escrever eu vou lembrar que tomei cafezinho com Brian Singer. Quando o jornalista está em um set de filmagem, o objetivo ali é o atrair para que ele escre-va bem sobre o filme. Todo mundo puxa o caso, o diretor te trata como se fosse seu melhor amigo, o diretor de fotografia bate no seu ombro e diz “oh, gosto muito dos seus textos...” Mentira, ele nem sabe quem você é. É uma questão de rela-ções públicas. Eles querem comprar sua opinião, comprar o espaço publicitário em seu site, no seu jornal.

; - No cinema ocidental, em que filmes de Hollywood do-minam as salas do mundo todo, as pessoas, de modo ge-ral, estão acostumadas com o esquema narrativo clássi-co, ou tradicional. Personagens provocando as ações na trama e o esquema começo-meio-fim são exemplos disso. Quando um filme subverte esse modelo, a tendência é ser mal recebido pelo público. Como fazer para que as pesso-as, digamos, se libertem da visão limitada e tradicional e passem a diversificar o olhar sobre diferentes filmes?

Pablo - Lendo sobre Cinema. A função do crítico não é di-zer “vá ver o filme tal”, “não vá ver o filme tal”. Ele tem que formar uma consciência crítica no espectador para que este

espectador possa enxergar o Cinema de uma forma mais ela-borada e, quem sabe, daqui a uns 230 anos, os estúdios te-nham que melhorar sua produção porque o espectador pas-sou a ser mais exigente. Mas isso o espectador médio não vai fazer sozinho. Por isso é importante não só críticas de filmes alternativos ou cult, mas do “cinemão”. O público médio vai ver é filme comercial. Se eu tiver que escolher sobre escrever sobre um filme comercial ou alternativo, eu vou escolher o comercial, mesmo que tenha detestado. Eu só vou educar o leitor falando com ele sobre um filme que ele viu.

“A função do crítico não é dizer “vá ver o filme tal”, “não vá ver o filme tal”. Ele tem que formar

uma consciência crítica no espectador para que este espectador possa enxergar o Cinema de uma

forma mais elaborada e, quem sabe, daqui a uns 230 anos, os estúdios tenham que melhorar

sua produção porque o espectador passou a ser mais exigente.

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; - Falando agora de cinema nacional. Você acha que a gente está vivendo um momento favorável no sentido de levar mais brasileiros ao cinema para ver filmes nacio-nais? Porque as pessoas têm um circuito de filmes para escolher e às vezes deixam de lado filmes brasileiros...

Pablo - A única forma de aumentar o público do cinema bra-sileiro é distribuir os filmes. Criar no público o hábito de ver filmes brasileiros. Tem toda uma geração – a geração dos 40 anos para baixo – que fala assim: “ah, é filme brasileiro? Então nem vou ver”, “filme brasileiro é tudo ruim”. Por quê? Porque eles cresceram conhecendo os filmes do final da déca-da de 70, década de 80. Foi o período mais pobre da cinema-tografia brasileira. O esquema de produção da Embrafilme (estatal brasileira, produtora e distribuidora de filmes, extin-ta no governo Collor) favorecia a picaretagem. Era dinheiro público dado por uma estatal, com dirigentes na sua maior parte corrompidos, e isso favorecia a produção de filmes ba-ratos e mal feitos, simplesmente para extravasar essa verba. Foi um período muito pobre do cinema brasileiro. E o públi-co que cresceu vendo isso acredita que o cinema brasileiro é isso. Nunca viram um filme da Vera Cruz, da Atlântida, não conhecem os documentários brasileiros, que é um gênero que o Brasil domina. Desde a retomada do cinema brasilei-ro, que aconteceu na década de 90, a gente tem produzido muito mais. É óbvio que quando você produz mais vão sair mais filmes ruins. Agora, o cinema brasileiro tem uma diver-sidade que você não encontra em cinema nenhum, de país nenhum. O Brasil é imenso. Um filme produzido no nordeste e outro no sul são diferentes em sua proposta narrativa, em sua linguagem, no tema, em tudo. Parecem filmes feitos em países diferentes. Quer algo mais diferente que O Homem que Copiava e Amarelo Manga? Foram produzidos no mesmo ano [2003] um no nordeste e outro no sul, respectivamente. Mesmo nos Estados Unidos, que também é um país imenso, a produção é concentrada na costa oeste. Quando se fala de costa leste é Nova Iorque e só. A produção é homogeneizada. No Brasil não. Aqui você produz filmes no país inteiro e isso reflete na diversidade.

; - A Globo Filmes, a partir de 1998, procura passar para a tela de cinema o chamado “padrão Globo de qualidade”, que fez sucesso na programação televisiva da Rede Glo-

bo, sobretudo no que diz respeito às novelas. Como você vê a entrada dessa grande empresa no mercado cinema-tográfico brasileiro?

Pablo - Não tenho nada contra. O que eu tenho contra é ten-tar levar a linguagem da televisão para o cinema. Por exemplo o Guel Arraes. Ele é diretor de televisão, não de cinema. Ele tem que entender isso, mas ele não vai entender porque a Globo dá dinheiro pra ele. Os filmes dele são plano e contra-plano em close. É televisão, onde tem que ter muito close por-que a imagem é pequena, e cortes rápidos que é pra ninguém mudar de canal. Aí o cara leva isso pro cinema. Tá errado! Em compensação, a Globo facilita a distribuição de muitos filmes. Por exemplo Batismo de Sangue, do Helvécio Ratton. Sou obrigado a dizer: escrevi a biografia do cara e estive bem próximo da produção do filme. Então eu não sou a pessoa mais isenta para falar, mas eu considero o filme sensacio-nal. Um filme que teria grandes problemas de distribuição, mas não teve porque fez uma parceria com a Globo Filmes, que tem todo o aparato: espaço no Fantástico, propaganda no horário nobre. A gente tem que aproveitar o que há de bom. O cinema francês, por exemplo, tem conseguido sobreviver proncipalmente graças a parcerias com televisões francesas. Eu detesto Olga e Carandiru. Se foram sucessos de público, maravilha. Maravilha! Vamos levar o público para assistir fil-me brasileiro. Pena, poderia ter sido com filmes melhores, mas pelo menos o pessoal foi assistir filmes brasileiros. O ci-nema brasileiro é fantástico. Quanto mais filmes brasileiros o povo vir, mais filmes brasileiros o povo vai querer assistir.

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Quem nunca sonhou ser um gran-de campeão? Eu já. E muito. Costumo ouvir e ler na imprensa

que o esporte muda a vida dos atletas, tornando-os “exemplos de superação”, mesmo não sendo vencedores. Tá cer-to. Mas e quantas pessoas, assim como eu, também são vitoriosas, sem nunca ter conquistado qualquer troféu ou nem ao menos competido? Afinal, quem dis-se que se superar no esporte é disputar algum prêmio? O que acontece com os tantos atletas de fim-de-semana, todo o povo das academias, quadras e campi-nhos de futebol? E os que fazem parte de algum time apenas com o coração?

Nunca fui um grande esportista em termos competitivos. Tampouco fui um des-portista assíduo, de treinar freqüen-temente algum esporte. No máximo pra-ticava por prazer. Mesmo que realizasse

apenas pequenas façanhas, sonhava - é óbvio - com uma vitória emocionante, uma jogada de mestre e em me exibir um pouco para os amigos. E, não tenho dúvidas, o esporte mudou minha vida; assim como tenho certeza de que ele também muda a vida das outras pesso-as, de forma direta ou indireta.

Na escola onde estudei, por exemplo, os garotos que se davam melhor nos es-portes, costumavam ser também os mais “populares”. Principalmente nas aulas de Educação Física. Meu professor - treina-dor de basquete - praticamente dividia a turma entre os bons esportistas e o resto. Para ele, podia parecer algo simples, sem maldade alguma. Porém, para mim - bai-xinho e atrapalhado -, cada aula era uma tensão. Chegava a rezar por uma ativi-dade fácil, que eu soubesse fazer sem riscos de errar feio e passar vexame.

O prazer pelo esporteQuando as medalhas são dispensáveis

por Lucas Sarmanho

foto: nbfc.comarte: Maurício Tussi

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Algumas vezes não funcionava, mas fui aprendendo a não me preocupar e ten-tar me divertir. Quando o professor não aparecia, aí sim a alegria tomava conta. Nem era preciso discutir o que iríamos jogar: futebol, é claro!

Ah, o futebol... Que esporte mági-co em minha vida! Podia ser de campo ou quadra. Não havia mais os limites da sala de aula, do fato de ser baixinho e ruim em outros esportes, nem o te-mor de desagradar ao professor. O fute-bol, todo mundo jogava, e quem ia bem nem podia se exibir muito. Afinal, neste país, existe esporte mais fácil de jogar? Era nessas horas que se podia mostrar toda a força de vontade, a habilidade, se divertir com os amigos e até dar um “chega pra lá” naqueles colegas desa-gradáveis.

Mesmo que a escola faça parte do passado, muitas lembranças fincam

marcas na memória. Como esquecer o nervosismo de ver aquela garota que se gosta assistindo a um jogo seu ou aque-le erro bobo que todo mundo vê? E como não lembrar também das vitórias sofri-das ou das derrotas quando se tinha tudo para ganhar? E daquele passe pro gol ou mesmo do chute torto que pode-ria ter entrado e mudado toda a histó-ria? Não dá. Impossível! E o que dizer, então, da sensação de liberdade durante uma corrida? Da adrenalina ao dar um xeque-mate? De pedalar pensando em alguém especial e imaginar que o ven-to soprando o rosto traz consigo beijos apaixonados? Indescritível!

O esporte é mesmo superação. È desafiar os próprios limites, alcançar, nas joga-das mais insignificantes, uma grande vitória pessoal. Pelo menos, foi assim para mim. E é até hoje. Até sem jogar nada, a emoção do esporte faz

parte de mim. É impossível não con-siderar uma vitória pessoal a primeira vez no estádio de seu time do coração ou a voz que se esgota nos gritos de in-centivo à equipe. Não há como esquecer do título tão aguardado, de assistir a um gol mágico que faz brotarem lágri-mas como quando se é criança. Quem consegue não se emocionar ao ouvir “É campeão!” em um jogo há muito tempo esperado?

É, o esporte definitivamente faz parte de mim. E daí se nunca apareci nos jor-nais nem ouvi o hino nacional sobre um pódio ou lucrei com alguma conquista? O es-porte mudou minha vida, alimentou meus sonhos e com ele consegui minhas próprias vitórias. E sim, eu também sou um “exemplo de superação” no esporte!

E você, qual a sua história? ;

fotos: nbfc.comarte: Maurício Tussi

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Setembro em Toledo, Espanha

É setembro: verão nas cidades espanholas. Sob o calor de 33°C, Toledo torna-se aconchegante às margens do Rio Tajo. A cidade, declarada Patrimônio Histórico da Humanidade, foi construída em um morro inclinado, com muralhas seguindo o fluxo do rio e ruelas apertadas dispostas arbitrariamente. Para

entrar, deve-se atravessar as pontes ou os grandes portões medievais, conservados desde o século XI. Andando pelas ruas de Toledo percebe-se a dificuldade de chegar aos pontos principais, como a Catedral ou o Álcazar. As ruas desconexas e íngremes formam um labirinto para os possíveis inimigos dos séculos passados.

A cidade, hoje habitada por turistas em trânsito, foi povoada por diversas culturas. Na área mais verde da cidade há ruínas de uma pequena vila, de um Circo romano e de um Anfiteatro. São resquícios dos cinco primeiros séculos d.C., quando Toledo pertenceu ao Império Romano. Na época, porém, não havia muralhas; Toledo foi invadida pelos Visigodos, o povo bárbaro mais desenvolvido da época, e transformada na capital do Reino Visigodo. Até o século X, a cidade continuou a sofrer invasões, desta vez muçulmanas. Foi então, a partir de 1085, com o rei Alfonso VI, que Toledo virou referência na Europa. Foi criada uma Escola de Tradutores que possibilitou o intercâmbio de culturas árabes, gregas e latinas. Nesta época, muçulmanos, católicos e judeus conviveram pacificamente no mesmo território.

A cidade que permitiu o convívio pacífico entre muçulmanos, católicos e judeus

por Juliana Sakae

[ v i a g e m ]

foto: Juliana Sakae arte: Thiago Bora

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Arquitetura curiosaHá características das três religiões por toda a

cidade. A maior construção é a Catedral Primada, com arquitetura gótica, traços árabes, imagens de san-tos e gárgulas. Na entrada principal há uma curiosa escultura da Última Ceia, tal qual pintou Leonardo DaVinci. Dois detalhes, porém, intrigam a velhinha britânica, ao meu lado, e a mim: a data provável da escultura não ultrapassa 1492, ano em que as obras da Catedral terminaram. DaVinci começou a pintar em 1495, três anos depois. Os mesmos doze apósto-los e Jesus se encontram na cena, mas, assim como no livro de Dan Brown, O CódigoDa Vinci, são retra-tados na escultura onze apóstolos, Jesus e uma figu-ra feminina à esquerda (e não à direita) de Jesus.

Propostas diferentes no turismoHoje, Toledo é voltada para o turismo, com

um fluxo de quase 1,5 milhões de visitantes por ano. A cidade adapta-se aos turistas oferecendo um McDonald’s na Plaza Zocodóver, o ponto central de Toledo desde a Idade Média. Para o visitante idoso, curioso ou preguiçoso, é possível entrar na cidade sem atravessar uma ponte ou portão: há escadas ro-lantes gratuitas na parte leste, com vista para a anti-ga vila romana. Dentro das muralhas, além de guias turísticos e passeios temáticos, por 30 euros a hora consegue-se alugar uma patinete. Todas as igrejas, sinagogas e mesquitas são também museus, com en-

tradas que custam de três a sete euros. Já a Casa de El Greco é gratuita e abriga o quadro mais famoso da cidade: Vista de Toledo.

Em clima medieval, há o albergue Castillo de San Servando, localizado do lado oposto ao Rio Tajo. O hostel é um antigo castelo, com algumas mobílias originais e armaduras dispostas no corredor. Do cas-telo é possível ver o nascer do sol atrás do Álcazar de Toledo, um dos principais pontos turísticos, que serviu de residência à corte real durante quase meio século. Hoje é uma biblioteca, a Castilla-La Mancha, e conserva mais de 100 mil impressos e 700 manus-critos anteriores ao século XX.

Toledo silenciosa: a sestaAbstraindo-se a movimentação turística, e com

um mapa na mão para não se perder nas ruelas com-plicadas, é possível imaginar a rotina de uma cidade medieval. Aproveitar o horário da sesta para cami-nhar sem companhia, remete-nos a outra época. As ruas estreitas de paralelepípedo possuem casas de portas abertas, com jardins coloridos e fontes de água no interior. As igrejas, sinagogas e mesquitas, neste horário, estão vazias. Consegue-se explorar uma tor-re muçulmana e observar a cidade com construções ocre, apertadas; casas pequenas entre prédios religio-sos. E lembrar, do alto da torre, com o enquadramen-to parecido com de El Greco, que um lugar pacífico para as três religiões é possível. ;

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Vista do Alcazar de Toledo - Do Albergue Castillo de San Servando é possível ver o Rio Tajo, a muralha medieval e o Álcazar de Toledo.

Turismo motorizado - Turistas podem conhecer Toledo com a “coisa”, uma patinete motorizada

alugada por 30 euros a hora.

Albergue Castillo San Servando - por nove euros é possível hospedar-se no castelo medieval e conhecer mochileiros do mundo inteiro

* fotos: Juliana Sakae

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[ f o t o g r a f i a ]

Juliana Sakae

Maurício Tussi

Lívia Almeida

Fim de tarde à beira do Guaíba

Exposição “O Brasil de Pierre Verger”Museu de Arte do RS - MARGS

Monumento a Júlio de Castilhos Praça da Matriz

Visita a Porto Alegre38

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A crônica de uma lembrança. Um garoto que entrava em campo, fazia misérias com

a bola e, de quebra, muitos gols

Nasceu o guri, e já nasceu na mesa da sala. Mal havia dinheiro para comida - e para as cachaças do homem -, agora imagine ficar mandando a patroa para o hospital.

Eram gente pobre mesmo. O nome da criança ficou Cauez-inho; e logo se vê que foi decisão da mulher. Sendo, assim, in-contestável. O perigo era pensar em qualquer coisa que fosse contra as idéias dela, e é exatamente por isso que o pobre coitado do homem sempre bebeu tanto. Todas essas coisas são como disse um velho amigo meu outro dia: se a vida não conseguiu fazer um bêbado parar de beber, não há patroa que o faça - aliás, o que a vida faz é exatamente o contrário, ensina a beber mais. E a patroa nem ousa se meter nesse tipo de assunto; mas só porque ainda não ficou sabendo.

O Cauezinho cresceu, tem catorze anos completos. E é triste que a história tenha passado assim tão rápido, mas, de-finitivamente, a vida do guri nunca foi marcada por nenhum acontecimento espetacular. O máximo que já lhe aconteceu foi comer frango recheado. Ainda isso porque a vizinha gan-hou o almoço numa rifa da igreja e repartiu com as crianças que estavam pela rua.

De repente, viram nele extremo talento com a bola. Era só botar o Cauezinho em um campo de futebol que ele dava conta do resto. O guri fazia miséria. Só vendo. Mas não se viu mais o Cauezinho. Fiquei sabendo – eu, testemunha ocular das habilidades do moleque - que ele tinha largado a escola pra tentar ser jogador profissional. Largar a escola? Mas isso lá é coisa que se faça, ô Cauezinho?

Enfim, seja lá o que tenha acontecido, o fato é que o guri era dos bons. E isso todo mundo sabia, como sabem que a bola é redonda. Ver o Cauezinho jogar, então, era o auge. Multidões apareciam em caravanas e ficavam vibrando atrás do alambrado – ou o que quer que fosse aquilo; porque alam-brado, alambrado não era.

Certo, passei da conta: o alambrado não era alambrado, e as multidões também não eram multidões. Seis ou sete vel-hos barrigudos que saíam do bar ali perto e ficavam assistin-do à partida. Assistindo ao Cauezinho, eu quis dizer.

Teve uma época, no auge da carreira do guri, que nos-sos jogos eram com narrador. Ficava o Almir – dono do bar de perto do campo – ali no fundo de uma das goleiras, narrando, com direito a microfone, cada detalhe. Era mais ou menos assim: ...atenção, ouvintes, os times entraram em campo, o

juiz apitou, vai começar, comeeeeeça a partida, a bola saiu, o Gilmar recebeu, olhou pra esse lado, olhou pro outro, cadê o guri?, olhou de novo, todo mundo procurando o Cauezinho... está ali!, atrás do marcador, mandou a bola pra ele, o Gomes vai tentar pegar, vai tentar, chegou o Cauezinho antes, e levou a bola e tudo, Gomes humilhado ali no chão, e vem o segundo marcador, e ooooooolha a bola por entre as pernas, e vem o terceiro, e ooooooolha o chapéu, mas que lindo, meu guri, e vem o quarto, o quinto, o goleiro, o juiz, e é gooooooooooooool, é dele, Cauezinho, marcando outro belo gol e comemorando com toda torcida, treze a dois pro time do Cauezinho, e só passaram vinte minutos de jogo...

O Cauezinho ninguém nunca mais viu, e o nosso futebol perdeu a estrela principal – e toda a torcida que vinha junto. Mas as pessoas ainda comentam pela rua. Era muito bom de bola aquele guri.

por Thiago Bora

Procura-se novo craque

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[ c r i a ç ã o ] 39

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A pequena Janaína mal imaginava que seus pés sujos estavam com os dias contadaços. Logo cedo, quando saía para a escola ao som de “Pega-pega no meu croquete”, foi abordada pela Empresa de Saneamento de Juripinga. O fiscal não titubeou e, tão logo Jana se distraiu, limpou todos os seus dois pés. A menina gritrou, mas acabou ceden-do; não havia o que fazer. Estava limpa.

Esta história é tão real quanto a banana.

Companhia de Saneamento limpa pés de Janaína

2007, o ano da ponto-e-vírgula.hmm, quer banana?

[ c a u s o s & c o i s a s ] 40

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