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Expressivismo e autoconhecimento: alguns elementos a levar em consideração César Schirmer dos Santos [email protected] Departamento de Filosofia – UFSM 2016

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Expressivismo e autoconhecimento: alguns elementos a levar em consideração

César Schirmer dos Santos

[email protected]

Departamento de Filosofia – UFSM

2016

Seis elementos a levar em consideração1. Autoconhecimento é um troço complicado

2. É preciso descrever um contexto que motive o expressivismo

(o cartesianismo entra em cena)

3. O cartesianismo é uma doutrina muitíssimo resistente

4. Cartesianos dizem que o autoconhecimento é imediato.

Expressivistas concordam

5. Filósofos em negação. Espere pela ira, barganha, depressão e

aceitação

6. Neo-expressivismo

Elemento 1

Autoconhecimento é um troço complicado

Da p. 33, n. 2 de: Silva Filho, Waldomiro J. 2013. Sem ideias claras e distintas. Salvador: EDUFBA.

Descrever e avaliar teorias do autoconhecimentoAlguns traços psicológicos próprios são difíceis de se conhecer, e

requerem a execução de tarefas. Outros não.

Algumas teorias apresentam o conhecimento de si como uma

tarefa importante e difícil. Outras não.

Elemento 2

É preciso descrever um contexto que motive o expressivismo

(o cartesianismo entra em cena)

Contexto: filosofia modernaA filosofia moderna é inaugurada pelo cogito.

O conhecimento dos próprios estados mentais é imediato.

O conhecimento da natureza depende do conhecimento de si.

A natureza é o que está aí fora.

Subproduto: está tudo ok com o cogito. Bora investigar a

natureza!

Mas, e se… Mas, e se nem tudo estiver ok com o sujeito?

E se a epistemologia dos próprios estados mentais merecer uma

nova investigação?

PRIMT – as fontes do conhecimentoPercepção

Razão

Introspecção

Memória

Testemunho

Introspecção O que é isso?

Como funciona?

Será que não se achava inútil investigar a introspecção porque se

achava a introspecção óbvia e não se via que essa era apenas a

maneira de nos enredarmos numa teia de ignorância? (Essa era a

hipótese de Spinoza no escólio da proposição 2 da parte 3 da

Ética.)

Daí veio… Spinoza, e o eu se tornou memória de efeitos causados num

corpo dos quais se ignora as causas.

Hume, e o eu se tornou um feixe de impressões.

Freud, e o eu foi visitar seu porão feio, úmido e sujo.

Wittgenstein, e o eu se tornou tão profundo quanto a pele.

O corpo retrata a mente muito bem“O corpo humano é a melhor imagem da alma humana.”

(Wittgenstein 1989, II, iv, p. 177)

Este é nosso assunto. Será que dá pra tomar meu corpo como

representação da minha mente? Mais especificamente, será que

dá pra tomar meus gestos e ações como manifestações do

conhecimento que tenho da minha própria mente?

Wittgenstein, Ludwig. 1989. “Investigações filosóficas”. In Os pensadores: Wittgenstein,

Moore, traduzido por José Carlos Bruni, 3–222. São Paulo: Nova Cultural.

Elemento 3

O cartesianismo é uma doutrina muitíssimo resistente

Autoconhecimento interpretativoNa nossa década, alguns filósofos começaram a defender que só

temos acesso interpretativo, mediato ou inferencial às nossas

próprias crenças e desejos. Cabe notar que, apesar de Ryle, tal

hipótese era considerada absurda (ou ao menos implausível) ao

menos até meados da década de 90 do século passado.

O que mudou? A paisagem científica. A ciência cognitiva

revelando a arquitetura da mente, a psicologia do raciocínio

revelando vieses cognitivos.

Conflito com as neurociências“What we experience as ‘conscious processes’ are not processes

at all. They are merely memory representations of pre-memory

processes. They are information. Just like dream representations

of me-performing-processes seem real, so too do NSE/memory

representations of me-performing-processes.” (Faw & Faw 2016)

Faw, Matt, e Bill Faw. 2016. “Neurotypical subjective experience is caused by a

hippocampal simulation”. Wiley Interdisciplinary Reviews: Cognitive Science.

doi:10.1002/wcs.1412.

Autoconhecimento como fenômeno interpretativoTeoria do acesso-sensório interpretativo – Interpretive

Sensory-Access (ISA) theory

Programa de pesquisa do autoconhecimento substantivo para

humanos, os quais são bem diferentes do Homo philosophicus

(Cassam)

ISA é a conjunção de três teses1. Há uma única faculdade mental encarregada de atribuir

estados mentais a nós ou aos outros.

2. Essa faculdade só tem acesso a dados de natureza sensorial.

3. O acesso dessa faculdade mental às crenças do sujeito é

interpretativo em vez de direto ou imediato (cf. Carruthers

2011, 1–2).

Carruthers, Peter. 2011. The opacity of mind: an integrative theory of self-knowledge.

Oxford: Oxford University Press.

ISA e arquitetura mentalInformações de natureza sensorial são globalmente transmitidas

(global broadcasting) de uns a outros sistemas cognitivos. A

memória de trabalho é a mídia (cf. Carruthers 2011).

Em debate: não seria a memória episódica? (Cf. Faw & Faw

2016.)

Carruthers, Peter. 2011. The opacity of mind: an integrative theory of self-knowledge.

Oxford: Oxford University Press.

Faw, Matt, e Bill Faw. 2016. “Neurotypical subjective experience is caused by a

hippocampal simulation”. Wiley Interdisciplinary Reviews: Cognitive Science.

doi:10.1002/wcs.1412.

Origens da capacidade de atribuir estados mentaisA capacidade de atribuir estados mentais (the mindreading

faculty) emerge para permitir e facilitar a interação e cognição

social (cf. Carruthers 2011, 2). Primeiro – na filogênese e

ontogênese – veio a atribuição a outros, depois a autoatribuição

(cf. Tomasello 2003).

Carruthers, Peter. 2011. The opacity of mind: an integrative theory of self-knowledge.

Oxford: Oxford University Press.

Tomasello, Michael. 2003. Origens culturais da aquisição do conhecimento humano.

Traduzido por Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes.

Previsões da ISA 1/3Só temos acesso imediato a estados corporais/mentais de

natureza sensorial.

Não há faculdade diferente para atribuir estados mentais a si ou

aos outros. Logo, a teoria do sentido interno erra (cf. Carruthers

2011, 4–5).

Carruthers, Peter. 2011. The opacity of mind: an integrative theory of self-knowledge.

Oxford: Oxford University Press.

Previsões da ISA 2/3Capacidades metacognitivas desenvolvidas requerem esforço,

treino e aprendizado. Não é fácil ou natural introspectar.

Ou seja, talvez os grandes literatos da introspecção – Proust? –

não descrevam uma característica formidável da natureza

humana. Talvez eles inventem uma prática cultural que é valiosa

para certos extratos demográficos.

Previsões da ISA 3/3Confabulação rampante. Más interpretações levam a más

atribuições de crenças a si e aos outros. Previsão muitíssimo bem

confirmada (cf. Carruthers 2011, 5–6; Abath 2014).

Abath, André J. 2014. “Nem tão racional assim: externismo, psicologia e razões para

agir”. Sképsis 7 (10): 214–24.

Carruthers, Peter. 2011. The opacity of mind: an integrative theory of self-knowledge.

Oxford: Oxford University Press.

ISA: em resumoTemos acesso direto apenas a nossas próprias sensações e

sentimentos. Não temos acesso direto às nossas próprias crenças

e opiniões.

Através do ato de interpretar nossas sensações e sentimentos, nos

autoatribuímos opiniões e desejos (cf. Carruthers 2011).

Carruthers, Peter. 2011. The opacity of mind: an integrative theory of self-knowledge.

Oxford: Oxford University Press.

Teoria do autoconhecimento para humanosUma história sobre uma espécie natural e uma espécie

imaginária

O Graal do autoconhecimento substantivo

Uma espécie natural e uma espécie imagináriaHomo sapiens: acredita e quer as coisas mais bizarras, se atribui

as crenças e desejos mais louváveis, não nota a distância entre

uma e outra coisa, só se conhece inferencialmente, se

interpretando, através de muitos vieses cognitivos.

Homo philosophicus: acredita no que deve acreditar, constitui

reflexivamente crenças e desejos apropriados, e os conhece, pois

os constitui segundo os padrões da razão (cf. Cassam 2014).

Cassam, Quassim. 2014. Self-knowledge for humans. Oxford: Oxford University Press.

O autoconhecimento substantivo como GraalA filosofia deve dar explicações substantivas sobre o

conhecimento do próprio caráter, dos próprios valores, das

próprias emoções, das próprias habilidades.

Por exemplo, como venho a descobrir, mesmo, se sou um racista?

É um programa de pesquisa, não uma teoria (cf. Cassam 2014).

Cassam, Quassim. 2014. Self-knowledge for humans. Oxford: Oxford University Press.

Teorias interpretativas/inferenciais: resumoO que hoje se sabe sobre a arquitetura da mente torna

implausível a tese de que temos acesso imediato às nossas

próprias crenças e desejos.

Ainda assim, filósofos se sentem livres para simplesmente

discordar, apelando para a fenomenologia da própria mente. O

cartesianismo é um hábito muito arraigado.

Elemento 4

Cartesianos dizem que o autoconhecimento é imediato.

Expressivistas concordam.

Autoconhecimento imediato: introdução“Raramente necessito de indícios ou recorro à observação para

saber aquilo em que acredito; normalmente sei aquilo que penso

antes de falar ou agir. … de um modo geral, a crença de que temos

um pensamento é o bastante para justificar essa crença.”

(Davidson 2016)

Davidson, Donald. 2016. “Conhecer a própria mente”. Traduzido por Luís M. S.

Augusto. Crítica. julho 1. http://criticanarede.com/men_propriamente.html.

Autoconhecimento como algo imediatoTeoria do sentido interno

Teoria do olhar para fora (a transparência do mental)

Expressivismo

Teorias do autoconhecimento imediato: desafioDesajuste com as neurociências. Carecem de revisão.

O desafio é compreender bem essas teorias para recriar, no novo

contexto, seus elementos positivos, e para empregar, no novo

contexto, suas ferramentas críticas.

Isso cabe como programa de pesquisa. Algo análogo está

ocorrendo na pesquisa em fenomenologia, onde hoje o

naturalismo é ok, antes era abominável.

Teoria do sentido interno: introduçãoEmpirismo: assim como temos sentidos exteriores, temos um

sentido interior.

Tal como os sentidos exteriores podem falhar, o sentido interno

pode falhar.

Um scanner interno“The Inner Sense theory has it that conscious awareness is the

successful operation of an internal scanner that outputs

second-order representations of first-order psychological states.”

(Lycan 1995, 4)

Lycan, William G. 1995. “Consciousness as internal monitoring, I: The Third

Philosophical Perspectives Lecture”. Philosophical Perspectives 9: 1–14.

doi:10.2307/2214210.

A operação do sentido internot1: coceira no dedão do pé. (Representação, estado mental de

primeira ordem; evento mental anterior ao autoconhecimento.)

t2: introspecção da coceira no dedão do pé. (Metarrepresentação,

estado mental de segunda ordem; evento mental de

autoconhecimento.)

Problema da teoria do sentido internoNão temos órgão de introspecção. Talvez muitas operações feitas

por muitos sistemas cognitivos diferentes contem como

introspecção (cf. Schwitzgebel 2012).

Talvez cada uma dessas operações que não temos como

distinguir umas das outras conte como frutos do sentido interno.

Schwitzgebel, Eric. 2012. “Introspection, what?” In Introspection and consciousness,

organizado por Declan Smithies e Daniel Stoljar, p. 29–48. Oxford: Oxford University

Press.

Teoria do sentido interno: em resumoModelo empirista, explica falhas da introspecção.

Analogia precária, pois temos órgãos sensoriais externos, mas

não temos, anatomicamente, órgão sensorial interno.

ISA concorda parcialmente com teoria do sentido interno:

sensações e sentimentos.

Teoria do olhar para fora: introduçãoNo caso de crenças objetivas, justificação suficiente para a crença

sobre o mundo exterior é justificação suficiente para crença

subjetiva sobre si mesmo.

A teoria não é adequada ou suficiente para explicar o

conhecimento das próprias sensações, sentimentos, caráter,

valores, emoções e habilidades.

A transparência do domínio do mental“… in making a self-ascription of belief, one's eyes are, so to

speak, or occasionally literally, directed outward – upon the

world. If someone asks me ‘Do you think there is going to be a

third world war?’, I must attend, in answering him, to precisely

the same outward phenomena as I would attend to if I were

answering the question ‘Will there be a third world war?’” (Evans

1982, 225)

Evans, Gareth. 1982. The varieties of reference. Organizado por John McDowell.

Oxford: Oxford University Press.

Da p. 89 de: Silva Filho, Waldomiro J. 2013. Sem ideias claras e distintas. Salvador: EDUFBA.

“ … quando enunciamos uma manifestação, … nossa atenção está

dirigida ao mundo, não a nós mesmos. Nós levamos outros a

conhecer o estado da nossa mente ao exibir nossa capacidade de

considerar como o mundo está. Quando dizemos que

acreditamos que vai chover, não justificamos nossa afirmação

realizando uma introspecção, mas destacando aspectos do

mundo acerca do qual acreditamos.” (Machado 2010)

Machado, Alexandre N. 2010. “Expressivismo, verdade e conhecimento”. In Mente,

linguagem e mundo, organizado por Waldomiro J. Silva Filho, 163–80. São Paulo:

Alameda.

Voltados ao mundo

Na 1ª pessoa, crenças diferentes, mesmas evidênciasHaverá uma 3ª guerra mundial?

A pergunta é sobre o mundo, e respondo considerando o mundo.

(Fenômeno de 1ª pessoa da transparência do mental.)

Você acha que haverá uma 3ª guerra mundial?

A pergunta é sobre mim, e respondo considerando o mundo.

(Fenômeno de 1ª pessoa da transparência do mental.)

Na 3ª pessoa, mesmas crenças, evidências diferentesVocê acha que haverá uma 3ª guerra mundial?

A pergunta é sobre mim, e respondo considerando o mundo.

(Fenômeno de 1ª pessoa da transparência do mental.)

O C. acha que haverá uma 3ª guerra mundial?

A pergunta é sobre mim, e você responde considerando a mim.

(Você precisa de evidências sobre mim para responder.)

O quadro todoHaverá uma 3ª guerra mundial?

A pergunta é sobre o mundo, e respondo considerando o mundo.

Você acha que haverá uma 3ª guerra mundial?

A pergunta é sobre mim, e respondo considerando o mundo.

O C. acha que haverá uma 3ª guerra mundial?

A pergunta é sobre mim, e você responde considerando a mim.

A proposta de Evans, em resumoO assunto é epistemológico. Em primeiro lugar, a 1ª pessoa

emprega evidências sobre o mundo para justificar crenças

objetivas. Em segundo lugar, a 1ª e a 3ª pessoa empregam

evidências diferentes para conhecer a mente da 1ª pessoa.

Até aqui, nada há em conflito com as neurociências. O desafio é

de alcance: o quanto do conhecimento da própria mente pode ser

explicado por essa proposta?

Ao sul das crenças: a proposta de Bar-OnPara Bar-On, o modelo do conhecimento de si pelo olhar para

fora pode ser estendido do caso das crenças para os casos das

esperanças, desejos, preferências, raivas, medos, e assim por

diante.

Dorit Bar-On“If asked whether I am hoping or wishing that p, whether I prefer

x to y, whether I am angry at or afraid of z, and so on, my

attention would be directed at p, x and y, z, etc. For example, to

say how I feel about an upcoming holiday, I would consider

whether the holiday is likely to be fun. Asked whether I find my

neighbour annoying, I would ponder her actions and render a

verdict.” (Bar-On 2004, 106) Bar-On, Dorit. 2004. Speaking my mind: expression and self-knowledge. Oxford:

Clarendon Press.

Tipos de estados mentais abrangidosEspero que p.

Desejo que p.

Prefiro x a y.

Tô puto com x.

Tenho medo de x.

Classificação tradicional dos estados mentaisAfetivos

Conativos

Cognitivos

Estados mentais cognitivosCrenças, opiniões, conhecimentos proposicionais.

Já explicados pela proposta de Evans.

Direção de ajuste: o estado do sujeito tem que se regular pelo

estado do mundo. Crenças são objetivas, não projetivas.

Estados mentais conativosConatus. Tendências, impulsos e pulsões naturais. Esforço

dirigido a um fim (autopreservação, florescimento etc.).

Esperanças, desejos.

Direção de ajuste: o sujeito se esforça para que o estado do

mundo esteja de acordo com a finalidade do seu desejo.

Desejos são projetivos, mas não deixam de ser objetivos

Conação, objetividade e autoconhecimentoÉ algo objetivo, diferente de mim, que individua, em parte, meu

desejo.

Se desejo que não haja uma 3ª guerra mundial, o objeto

intencional do meu desejo é algo objetivo, ainda que futuro e

(ainda bem!) não existente.

Mas o mundo lá fora não explica tudo. Também é preciso levar

em conta a finalidade do desejo. E isso a proposta de se conhecer

olhando para fora não explica.

Variedades de estados mentais afetivosEstados mentais afetivos objetivos.

Estados mentais afetivos puramente fenomênicos?

Estados mentais afetivos objetivosPrefiro x a y. Tô puto com x. Tenho medo de x.

Os elementos objetivos fazem parte da individuação dos estados.

Mas vale o mesmo que se dá no caso dos desejos, pois há algo de

projetivo nesses afetos, e isso se explica pela finalidade desses

tipos de estados mentais.

Além disso, estados mentais conativos e afetivos abrem uma

dimensão de autodescoberta exatamente pelo aspecto objetivo.

Afeto, conação e autodescoberta Não basta declarar “desejo que p” para desejar que p, não basta

declarar “prefiro x a y” para preferir x a y. Quando me volto para

os estados de coisas ou as coisas intencionadas, encontro

resistência conativa ou afetiva em mim mesmo, e posso, para

minha própria surpresa, descobrir que não desejo que p, ou que

não prefiro x a y (cf. Wright 1998, 103–104).

Wright, Crispin. 1998. “Self-knowledge: the Wittgensteinian Legacy”. Royal Institute of

Philosophy Supplement 43: 101–22. doi:10.1017/S135824610000432X.

Estados mentais afetivos puramente fenomênicos“The first group — what I will call phenomenal avowals —

comprises examples like ‘I have a headache’, ‘My feet are sore’,

‘I’m tired’, ‘I’m tired’, ‘I feel elated’, ‘My vision is blurred’, ‘My

ears are ringing’, ‘I feel sick’ and so on.” (Wright 1998, 102)

Wright, Crispin. 1998. “Self-knowledge: the Wittgensteinian Legacy”. Royal Institute of

Philosophy Supplement 43: 101–22. doi:10.1017/S135824610000432X.

Estados mentais afetivos puramente fenomênicos?O problema: tais estados são marcas do bem-estar do organismo,

não são meros “fenômenos”, meras representações carentes de

denotação no mundo exterior. Não há carência de nada.

Essa é uma visão clássica, encontrável na Sexta Meditação e em

Spinoza (cf Damásio 2004, 43). Freud aparece no horizonte. E

não nos esqueçamos das emoções em Hobbes e Adam Smith.

Damásio, António R. 2004. Em busca de Espinosa: prazer e dor na ciência dos

sentimentos. Traduzido por Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras.

ExpressivismoA proposta

História do expressivismo

The Geach point

Objeções de Carruthers

Neo-expressivismo

A propostaCaráter não-epistêmico das expressões de estados mentais

Incorrigibilidade

Autoridade by default, por mera utilidade social de tomar cada

um como um expert nos próprios estados mentais, não por

razões epistêmicas ou semânticas

A ideia básica“The basic, underlying idea is that self-ascriptions of mental

properties are ways of expressing our own minds other than in

natural and instinctive ways, such as by means of cries and

laughter or other behavioral manifestations.” (Coliva 2016, 10)

Coliva, Annalisa. 2016. The varieties of self-knowledge. London: Palgrave Macmillan.

Expressar em vez de descrever“Precisamos, pois, negar o processo ainda não compreendido em

um meio ainda não pesquisado. E assim parecemos, pois, ter

negado os processos espirituais. E naturalmente não queremos

negá-los.” (Wittgenstein 1989, §308)

“‘Assim, pois, você diz que a palavra ‘dor’ significa, na verdade, o

gritar?’ – Ao contrário; a expressão verbal da dor substitui o

gritar e não o descreve.” (Wittgenstein 1989, §244)

Wittgenstein, Ludwig. 1989. “Investigações filosóficas”. In Os pensadores: Wittgenstein,

Moore, traduzido por José Carlos Bruni, 3–222. São Paulo: Nova Cultural.

Como chegamos a juízos de autoconhecimento?“… we first learn to voice their contents and, on that basis, we are

drilled to express ourselves by prefacing such contents with “I

see that” or “I hear that”, and so on. Therefore, our knowledge of

our perceptions does not usually require us to attend to our

experiences and to identify them as seeings (or hearings, etc.)

either directly or through the application of a little psychological

theory.” (Coliva 2016, 15)

Coliva, Annalisa. 2016. The varieties of self-knowledge. London: Palgrave Macmillan.

Caráter não-epistêmicoProferimentos sobre os próprios estados mentais não são

expressões de autoconhecimento, não são epistêmicos.

Esses proferimentos são expressões diretas de estados mentais,

não são relatos de estados mentais, não são asserções sobre

estados mentais.

“Eu acho que vai chover” não tem valor de verdade. “Vai chover”

tem valor de verdade.

Incorrigibilidade “A man cannot be in error as to whether he is in pain; he cannot

say, ‘My leg hurts,’ by mistake, any more than he can groan by

mistake. … True, he may be undecided as to whether it is best

described as an ‘ache’ or a ‘pain’ … His hesitant observation, ‘I’m

not sure whether it is a pain or an ache,’ is itself an expression of

sensation. What it expresses is an indefinite, an ambiguous

sensation.” (Malcolm 1954, 541–542)

Malcolm, Norman. 1954. “Wittgenstein’s Philosophical Investigations”. The

Philosophical Review 63 (4): 530–59. doi:10.2307/2182289.

Onde não há erro, não há acertoSe relatos de estados mentais são incorrigíveis, não há o que

conhecer, pois não há o que possa dar errado.

Só é interessante falar em conhecimento onde é mais fácil

permanecer num estado de ignorância. Se não há o que possa ser

ignorado, não há o que possa ser conhecido.

Teoria da autoridade by defaultCada um de nós tem uma autoridade não-epistêmica com

respeito a nossos próprios estados mentais.

A autoridade da primeira pessoa se traduz em presunção de

verdade. Quem entende minha expressão de crença defere a mim

a autoridade.

Deferir a autoridade é útil, pois nos torna mutuamente

inteligíveis.

História do expressivismo“The sometime popularity of this interpretation is traceable to its

being advanced by several of the first reviewers: P. F. Strawson,

for instance, in his critical study of the Investigations in Mind 63

(1954), 70–99; and Norman Malcolm in his ‘Wittgenstein’s

Philosophical Investigations’ in The Philosophical Review 63

(1954), 530–59.” (Wright 1998, 111, n. 11)

Wright, Crispin. 1998. “Self-knowledge: the Wittgensteinian Legacy”. Royal Institute of

Philosophy Supplement 43: 101–22. doi:10.1017/S135824610000432X.

Exclamações, não relatos“What we need (here I interpret a little) is to look at such

first-person utterances in a radically different way from the way

in which we look at the corresponding third-person utterances:

to see them not as reports about myself for giving which I have

to apply criteria, but rather as ‘exclamations’ (323) or ‘signals’

(180, p. 218), naturally and appropriately made or given in

certain circumstances.”

Sons primitivos…

“Such an exclamation could even be compared with ‘an

instinctive sound’ or ‘a glad start’ (323).” (Strawson 1954, 79)

Strawson, Peter Frederick. 1954. “Critical notice”. Mind LXIII (249): 70–99.

doi:10.1093/mind/LXIII.249.70.

Sinais, atitudes“Wittgenstein does not enlarge on the suggestion given by the

word ‘signal’. One might take as a typical case that in which a

teacher turns from the blackboard, proffers the chalk to the class

with the question ‘Who can go on ?’. Here the answer ‘I can’

would have the same function as a silent acceptance of the

chalk.” (Strawson 1954, 80)

Strawson, Peter Frederick. 1954. “Critical notice”. Mind LXIII (249): 70–99.

doi:10.1093/mind/LXIII.249.70.

Malcolm: vocabulário psicológico não refere“‘… the verbal expression of pain replaces crying and does not

describe it’ (244). My words for sensations are used in place of

the behavior that is the natural expression of the sensations; they

do not refer to it. Wittgenstein does not expand this terse

reminder.” (Malcolm 1954, 539)

Malcolm, Norman. 1954. “Wittgenstein’s Philosophical Investigations”. The

Philosophical Review 63 (4): 530–59. doi:10.2307/2182289.

O estatuto lógico de um urro“When Wittgenstein says that learning the words for sensations

is learning ‘new pain-behavior’ and that the words ‘replace’ the

natural expressions, he is bringing to light the arresting fact that

my sentences about my present sensations have the same logical

status as my outcries and facial expressions.” (Malcolm 1954,

542)

Malcolm, Norman. 1954. “Wittgenstein’s Philosophical Investigations”. The

Philosophical Review 63 (4): 530–59. doi:10.2307/2182289.

Asserir versus expressarAsserir: dizer que algo é de certa forma. Uma asserção é

verdadeira ou falsa – tem valor semântico.

Expressar: dar indícios ou manifestar sintomas de que as coisas

são assim ou assado. Uma expressão é uma performance

boa/ruim, bem-feita/lamentável, tem muitos tipos de valor, mas

não tem valor semântico (cf. Wright 1998, 111).

Wright, Crispin. 1998. “Self-knowledge: the Wittgensteinian Legacy”. Royal Institute of

Philosophy Supplement 43: 101–22. doi:10.1017/S135824610000432X.

Apofântico versus expressivo“Mas por que o defensor do expressivismo simples acredita que o

caráter expressivo e o caráter apofântico das manifestações são

incompatíveis? Ele acredita nisso porque acredita que as

manifestações não são cognitivas e, mais importante, ele acredita

que o caráter apofântico de uma frase implica seu caráter

cognitivo.” (Machado 2010)

Machado, Alexandre N. 2010. “Expressivismo, verdade e conhecimento”. In Mente,

linguagem e mundo, organizado por Waldomiro J. Silva Filho, 163–80. São Paulo:

Alameda.

O ponto de GeachQuatro desafios semânticos a urros supostamente nem

verdadeiros nem falsos (cf. Geach 1965):

● Tempos verbais

● Orações subordinadas

● Generalização existencial

● Negação e condicionalização

Geach, Peter T. 1965. “Assertion”. The Philosophical Review 74 (4): 449–65.

doi:10.2307/2183123.

Continuidade semântica“O principal problema do expressivismo … é que ele não dá conta

da ‘continuidade semântica’ entre manifestações e frases

análogas em outras pessoas e tempos verbais, tais como ‘Ele

sente dor’, ‘Eu senti dor’, etc.” (Machado 2010)

Machado, Alexandre N. 2010. “Expressivismo, verdade e conhecimento”. In Mente,

linguagem e mundo, organizado por Waldomiro J. Silva Filho, 163–80. São Paulo:

Alameda.

O problema geral“O expressivista não poderia explicar a validade de …

[argumentos com confissões (avowals, Ausserungen) nas

premissas] dizendo que são válidas porque é impossível que suas

premissas sejam verdadeira e suas conclusões sejam falsas, pela

boa razão que, segundo ele, algumas de suas premissas não são

nem verdadeiras nem falsas, não são aptas à verdade.” (Machado

2010)

Machado, Alexandre N. 2010. “Expressivismo, verdade e conhecimento”. In Mente,

linguagem e mundo, organizado por Waldomiro J. Silva Filho, 163–80. São Paulo:

Alameda.

Tempos verbaisÉ curioso que a expressão “Estou em alfa” não tenha valor de

verdade, mas o relato “Ontem eu estava em alfa” tenha valor de

verdade, pois é verdadeira ou falso, dependendo do que

aconteceu ontem, não de como me expresso agora.

Como explicar as transformações de tempo? Melhor explicação:

semântica desde sempre (cf. Wright 1998, 112)

Wright, Crispin. 1998. “Self-knowledge: the Wittgensteinian Legacy”. Royal Institute of

Philosophy Supplement 43: 101–22. doi:10.1017/S135824610000432X.

Orações subordinadas“Estou com dor”, que supostamente não tem valor de verdade,

pode ser encaixado em “Ele sabe que estou com dor”, que tem

valor de verdade. Como?

A explicação mais simples (navalha de Ockham): confissões de

estados mentais têm valor de verdade (cf. Wright 1998, 112).

Wright, Crispin. 1998. “Self-knowledge: the Wittgensteinian Legacy”. Royal Institute of

Philosophy Supplement 43: 101–22. doi:10.1017/S135824610000432X.

Generalização existencialDá pra usar generalização. Se estou com dor, então alguém está

com dor. Como?

Novamente, a explicação mais simples é que confissões de

estados mentais têm estatuto semântico (cf. Wright 1998, 112).

Wright, Crispin. 1998. “Self-knowledge: the Wittgensteinian Legacy”. Royal Institute of

Philosophy Supplement 43: 101–22. doi:10.1017/S135824610000432X.

Negação e condicionalizaçãoDá pra negar e pra usar condicional.

Se confesso que estou me sentindo em alfa, poderia também

confessar que não me sinto em alfa. Se confesso que me sinto em

alfa, então me sinto muitíssimo bem.

Melhor explicação? Confissões de estados mentais são

verdadeiras ou falsas (cf. Wright 1998, 112).

Wright, Crispin. 1998. “Self-knowledge: the Wittgensteinian Legacy”. Royal Institute of

Philosophy Supplement 43: 101–22. doi:10.1017/S135824610000432X.

Elemento 5

Filósofos em negação.Espere pela ira, barganha, depressão e

aceitação

Objeções de CarruthersSobre imediatez

Sobre a fala

Objeções à imediatezSó temos acesso interpretativo a nossas crenças.

Assim sendo, igualar expressão a uma espécie de acesso imediato

à própria mente pode ser socialmente útil, mas não explica o

conhecimento dos próprios estados mentais.

Essa explicação tem que estar de acordo com aquilo que sabemos

sobre nossas capacidades cognitivas de autointerpretação.

Objeções ao expressivismo sobre a falaO expressivismo diz duas coisas.

Primeiro, que conhecemos nossas próprias atitudes através da

expressão delas, sem interpretação.

Segundo, que nossos proferimentos expressam nossas atitudes de

maneira direta e confiável.

Isto está de acordo com nosso conhecimento da arquitetura da

mente?

Arquitetura da mente, segundo o expressivismoUma pergunta sobre minha atitude inicia uma busca no sistema

da memória. Se uma resposta é encontrada, é expressa na fala

exterior ou interior. A expressão pode ser sobre o mundo

(“Haverá uma 3ª guerra mundial”) ou sobre mim (“Creio que

haverá uma 3ª guerra mundial”). Não é preciso nem mindreading

nem interpretação para que eu adquira conhecimento de mim

mesmo através deste tipo de processo (cf. Carruthers 2011, 85).

Carruthers, Peter. 2011. The opacity of mind: an integrative theory of self-knowledge.

Oxford: Oxford University Press.

O que falta?Autoatribuição em vez de mera expressão

Cognição em vez de mero ato

Metarrepresentação em vez de mera representação

Interpretação em vez de mera compreensão

Autoatribuição em vez de mera expressãoEm alguns casos, um ato de fala pode ser uma manifestação de

conhecimento. Dado isso, é preciso ainda o ato do sujeito atribuir

a si mesmo tal conhecimento (cf. Carruthers 2011, 86).

Carruthers, Peter. 2011. The opacity of mind: an integrative theory of self-knowledge.

Oxford: Oxford University Press.

Cognição em vez de mero atoUm ato não é suficiente para contar como autoconhecimento,

pois autoconhecimento tem natureza cognitiva (cf. Carruthers

2011, 86).

Carruthers, Peter. 2011. The opacity of mind: an integrative theory of self-knowledge.

Oxford: Oxford University Press.

Metarrepresentação em vez de mera representaçãoUma representação não é suficiente para contar como

autoconhecimento, pois autoconhecimento tem natureza

metarrepresentacional (cf. Carruthers 2011, 86).

Carruthers, Peter. 2011. The opacity of mind: an integrative theory of self-knowledge.

Oxford: Oxford University Press.

Interpretação em vez de mera compreensãoNão podemos pressupor que um ato de fala cause, por si só,

autoconhecimento. Não de maneira imediata, pois qualquer ato

de fala precisa ser interpretado para ser entendido. O sistema de

compreensão da linguagem tem que operar normalmente, no

caso das falas do próprio sujeito (cf. Carruthers 2011, 86–87).

Carruthers, Peter. 2011. The opacity of mind: an integrative theory of self-knowledge.

Oxford: Oxford University Press.

Elemento 6

Neo-expressivismo

Apofântico“Dorit Bar-On (2004) … apresenta e defende uma versão do

expressivismo, que ela denomina “neo-expressivismo”, que

alegadamente é compatível com o caráter cognitivo e, portanto,

apofântico das manifestações.” (Machado 2010)

Bar-On, Dorit. 2004. Speaking my mind: expression and self-knowledge. Oxford:

Clarendon Press.

Machado, Alexandre N. 2010. “Expressivismo, verdade e conhecimento”. In Mente,

linguagem e mundo, organizado por Waldomiro J. Silva Filho, 163–80. São Paulo:

Alameda.

Neo-expressivismo “… Bar-On’s idea is that ‘I intend to φ’ and ‘I believe that P’, as

avowals, express the relevant mental states but have a content

which is truth-evaluable. Consider an explicit performative like ‘I

promise to take you to the zoo’. It both expresses one’s promise

and makes explicit the fact that one has made such a promise.

Hence, the resulting self-ascription is truth-apt.” (Coliva 2016,

152)

Coliva, Annalisa. 2016. The varieties of self-knowledge. London: Palgrave Macmillan.

Conclusão

Autoconhecimento é um troço complicado(de volta ao elemento 1)

Sobre Fala apresentada no evento Expressão e Significado, organizado

por Rogério F. Saucedo Corrêa, promovido pelo Departamento

de Filosofia da Universidade Federal de Santa Maria e realizado

nos dias 8–9 de novembro de 2016.

Uma versão atualizada destes slides pode ser encontrada aqui.