propriedade imaterial

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TEXTO BASE UNIRG - NUCLEO DE EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA Coordenação – Profª Ms. Rosalva Ieda V.G. de Castro A PROPRIEDADE IMATERIAL Prof. Antonio José Roveroni ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 1 I - Introdução 1. Noção – Sobre o que estamos falando? Por propriedade, podemos entender o direito que tem uma pessoa sobre alguma coisa, que lhe dá as possibilidades de usar, gozar, fruir e dispor dela; como também, de recuperá-la, caso seja privada de forma violenta de sua posse; além de ser indenizada pelo responsável por algum dano parcial ou total que lhe reduza ou destrua o valor. Adverte-se que coisa é tudo o que existe, com exceção do ser humano. Ordinariamente, a propriedade recai sobre coisas materiais, tangíveis, corpóreas, ou seja, que ocupam lugar no espaço – e essa concepção é de fácil absorção – a roupa que vc está usando, no momento que lê esse texto, presumivelmente é sua, vc a vê, pode tocá-la, guardá-la onde ninguém mais poderá dela se apoderar. No entanto, com o passar do tempo – com o homem se libertando dos dogmas que lhe obrigavam a acreditar que “somente Deus criava, a nós somente cabia copiar” – a criatividade, a genialidade e, sobretudo a capacidade de abstração do ser humano, acabaram por gerar uma série de coisas que, mesmo não possuindo corpo, não estando sujeitas ao tato, inegavelmente existem e, também a elas, é dado inegável valor patrimonial. Hoje, vivendo no alvorecer da “sociedade da informação”, onde as coisas de maior valor são imateriais, como o conhecimento e a sabedoria – esta concebida como a arte de saber usar com engenho o conhecimento – inegável que preocupa ao homem os limites que podem atingir o uso e o gozo desses “bens”. Sob vários aspectos, seja através de garantias quanto à “paternidade” (autoria), ou limitação do uso (alcance), bem como a transferência, cessão, autorização, apropriação etc, desde há muito, vem o homem tentando disciplinar esses limites, garantindo a paz e a felicidade do próprio homem. E, como um bom instrumento de disciplina, ao Direito é dado lançar mão da norma jurídica para atingir esse objetivo. Tais normas, por sua vez, dado à diversidade de “propriedades imateriais” que hoje se encontram à nossa disposição, não são ajustadas de maneira sistemática e harmônica. Pelo contrário, tratam, até, de forma isolada determinados “bens” de maneira a se chocarem interesses e, paradoxalmente, geram conflitos entre os homens. Clarear um pouco as espécies de “propriedades imateriais” e seus tratamentos jurídicos, é o objetivo desse nosso encontro. Adverte-se, por derradeiro, que não se pretende exaurir todas as questões existentes sobre o assunto. A finalidade propedêutica, introdutória, é nosso norte. Espero crescer junto com vcs, prezados amigos.

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TEXTO BASE

UNIRG - NUCLEO DE EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA Coordenação – Profª Ms. Rosalva Ieda V.G. de Castro

A PROPRIEDADE IMATERIAL Prof. Antonio José Roveroni

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I - Introdução 1. Noção – Sobre o que estamos falando? Por propriedade, podemos entender o direito que tem uma pessoa sobre alguma coisa, que lhe dá as possibilidades de usar, gozar, fruir e dispor dela; como também, de recuperá-la, caso seja privada de forma violenta de sua posse; além de ser indenizada pelo responsável por algum dano parcial ou total que lhe reduza ou destrua o valor. Adverte-se que coisa é tudo o que existe, com exceção do ser humano. Ordinariamente, a propriedade recai sobre coisas materiais, tangíveis, corpóreas, ou seja, que ocupam lugar no espaço – e essa concepção é de fácil absorção – a roupa que vc está usando, no momento que lê esse texto, presumivelmente é sua, vc a vê, pode tocá-la, guardá-la onde ninguém mais poderá dela se apoderar. No entanto, com o passar do tempo – com o homem se libertando dos dogmas que lhe obrigavam a acreditar que “somente Deus criava, a nós somente cabia copiar” – a criatividade, a genialidade e, sobretudo a capacidade de abstração do ser humano, acabaram por gerar uma série de coisas que, mesmo não possuindo corpo, não estando sujeitas ao tato, inegavelmente existem e, também a elas, é dado inegável valor patrimonial. Hoje, vivendo no alvorecer da “sociedade da informação”, onde as coisas de maior valor são imateriais, como o conhecimento e a sabedoria – esta concebida como a arte de saber usar com engenho o conhecimento – inegável que preocupa ao homem os limites que podem atingir o uso e o gozo desses “bens”. Sob vários aspectos, seja através de garantias quanto à “paternidade” (autoria), ou limitação do uso (alcance), bem como a transferência, cessão, autorização, apropriação etc, desde há muito, vem o homem tentando disciplinar esses limites, garantindo a paz e a felicidade do próprio homem. E, como um bom instrumento de disciplina, ao Direito é dado lançar mão da norma jurídica para atingir esse objetivo. Tais normas, por sua vez, dado à diversidade de “propriedades imateriais” que hoje se encontram à nossa disposição, não são ajustadas de maneira sistemática e harmônica. Pelo contrário, tratam, até, de forma isolada determinados “bens” de maneira a se chocarem interesses e, paradoxalmente, geram conflitos entre os homens. Clarear um pouco as espécies de “propriedades imateriais” e seus tratamentos jurídicos, é o objetivo desse nosso encontro. Adverte-se, por derradeiro, que não se pretende exaurir todas as questões existentes sobre o assunto. A finalidade propedêutica, introdutória, é nosso norte. Espero crescer junto com vcs, prezados amigos.

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2. Importância. Dizer sobre a importância de nos debruçarmos um pouco sobre a propriedade imaterial antes de discorrermos sobre suas espécies, não é tarefa das mais cômodas. Contudo, acredito ser possível deixar acesa a idéia de que realmente vale a pena continuar lendo esse trabalho. Posso começar dizendo que as coisas materiais, outrora de imenso valor, já não são mais tão importantes para nossa sobrevivência. Isso por que a tecnologia – essa palavra mágica, que muitas vezes é usada como verdadeira “chave” para abrir caminhos pelas escadas do sucesso profissional, mesmo que servindo para esconder a ignorância que quem a usa – tem dado ao homem diminuir paulatinamente seu esforço na busca da satisfação material. São máquinas que fazem o trabalho de mil homens, que não se cansam, que não se queimam, que não sofrem crises de depressão, de amor ou de alcoolismo; aumentam a oferta de bens de consumo, reduzindo-lhes os preços e os tornando acessíveis – veja, p.e., como aumenta o número de telefones celulares à sua volta, certamente não foram as pessoas que passaram a ganhar mais (se bem que essa hipótese é muito interessante), mas, na verdade, foram as “tecnologias” de produção que evoluíram, tornando-os mais baratos. Nesse diapasão, dado ao aumento da oferta – e à sua capacidade exponencial de aumentar cada vez mais – certo é que “ter” nas mãos “coisas”, já não é elemento distintivo – ou de destaque – nessa sociedade competitiva em que vivemos. Ainda usando o exemplo da popularização da telefonia celular, mais importante que ter um aparelho desses nas mãos, certamente é saber como, operando-o, tirar a maior vantagem disso, seja econômica, seja, sobretudo, de tempo. E, quando trocamos os átomos pelos “bits”, para carregar a informação, tudo adquire imensa facilidade de ser copiado, transferido e compartilhado. Veja o que diz Augusto Tavares Rosa Marcacini, ao discorrer sobre o software livre (um dos assuntos desse nosso encontro):

“Bens formados por átomos talvez não fossem tão facilmente “socializados” por quem os detém; mas os bens formados por bits têm propriedades bastante peculiares: podem ser compartilhados ao mesmo tempo por todos. É como se eu oferecesse um único pão, você, apenas uma salsicha, e cada um de nós pudesse comer um cachorro quente por inteiro e ainda distribuíssemos mais outros sanduíches a quem tivesse fome. Este, aliás, é o segredo do lucro das maiores empresas de software: projetado o produto, o custo de reprodução em série é irrelevante. Automóveis, depois de projetados, têm que ser montados, um a um, com aço, plástico, tecido, borracha, etc.”1

Como vc pôde ver, estamos vivendo um momento da história humana sem precedentes e, arrisco dizer, nunca estivemos tão livres.

1 DIREITO EM BITS, Fiúza Editores, 2004, p. 188.

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Se traçarmos a trajetória do homem sobre a terra, enfocando o conhecimento, ou melhor a “necessidade” de ter informações para produzir o conhecimento e, dele, obter as condições necessárias à sobrevivência e ao bem estar, constataremos o seguinte:

��Por cerca de 60 mil anos (e nem a ciência natural é unânime em definir uma data absoluta) o homem dependeu, para sua sobrevivência dos conhecimentos que detinha, ou seja, para construir, abrigar-se, achar alimento etc, dependia exclusivamente do volume de informações que trazia dentro de sua cabeça, como aprendizado empírico, determinando seu proceder;

��porém, em um dado momento, inventamos a escrita e essa nova tecnologia nos libertou, já não dependíamos exclusivamente dos nossas informações, podíamos “guardar o saber” para ser consultado posteriormente e, assim, “estendemos” nosso cérebro para além dos limites de nosso corpo – bastava ter acesso à informação certa para produzir o conhecimento – e esse período tem aproximadamente 6 mil anos;

��durante muito tempo, o acesso a esse “recurso” foi um privilégio de poucos, pois os “meios” de armazenamento da informação – desde as placas de barro até o papiro – não eram acessíveis a qualquer pessoa, guardavam, portanto, informações preciosíssimas, como segredos de Estado, fórmulas de remédios, segredos das religiões etc – em outras palavras, essa “propriedade” não era socializada;

��até que um dia, nosso bom amigo Gutenberg inventou uma máquina que veio revolucionar a humanidade: a prensa tipográfica;

��pronto, a informação passou a ser “clonada” de forma veloz e confiável, os homens de poder não mais eram obrigados a confiar na lisura de seus “copistas”, os idealistas podiam disseminar suas idéias ao vento, reproduzindo informações e pensamentos;

��isso “mudou o mundo” e, em menos de 500 anos, testemunhamos um desenvolvimento inédito;

��no entanto, isso não é tudo – e quem pode prever os limites desse bicho “homem” – a pouco mais 50 anos, inventamos o “código binário” e a informação ganhou asas; hoje, com a internet estamos livres de nós mesmos pois, a informação – esse bem inestimável – se encontra disponível, gratuito, para quem quiser, no ciberespaço; de tudo podemos saber.

Agregam-se a isso os fenômenos da internet, disponibilizando todo e

qualquer tipo de informação – dados, onde se encontram idéias, fotos, fatos, filmes, músicas, códigos, etc – e o da cibercultura – conseqüência do primeiro – fazendo entrelaçarem-se as informações e criando um “conhecimento” nunca vimos antes, conforme esclarece Pierre Lévy:

“...quanto mais rápida é a alteração técnica, mais nos parece vir do exterior. Além disso, o sentimento de estranheza cresce com a separação das atividades e a opacidade dos processos sociais. É aqui que intervem o papel principal da inteligência coletiva, que é um dos principais motores da cibercultura. De fato, o estabelecimento de uma sinergia entre competências, recursos e projetos, a constituição e manutenção dinâmicas de memórias em comum, a ativação de modos de cooperação flexíveis e transversais, a distribuição coordenada dos centros de decisão opõem-se à separação estanque entre as atividades, às compartimentalizações, à opacidade da organização social.”2

2 CIBERCULTURA, Editora 34, 1999, p. 28.

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Por tais razões, tendo a informação como o bem mais valioso de que dispomos nesses tempos tão “modernos” e, estando ela guardada em meios intangíveis (bits) que podem ser clonados e democratizados facilmente, não será de todo inapropriado dizermos que vivemos um novo tempo da propriedade imaterial. II – Espécies.

De maneira sucinta, vamos passar uma vista d´olhos nas espécies de “propriedades imateriais” que podemos destacar, traçando seus sistemas legais e discorrendo sobre suas principais características, no sentido de podermos identifica-las, sem confundi-las. 1. Nome O “nome” pode ser considerado nossa primeira propriedade imaterial, na verdade, nossa primeira herança. Nem sabemos de nada, os meandros do mundo onde fomos nascer e já nos dão um nome – e nem sequer nos é dado escolher! Porém, o nome não é só um signo distintivo de pessoas frente a pessoas, está diretamente relacionado com a honra, o moral e o crédito. Vejamos:

a) Nome civil – diretamente ligado aos direitos da personalidade, o nome civil nos é dado definitivamente quando nascemos, porém pode ser alterado nos casos de casamento e por ordem judicial (ação de alteração de registro civil). No nome civil pode ocorrer homonímia (pessoas com o mesmo nome) e isso não causa maiores problemas para a sociedade. É regido pelo Código Civil.

b) Nome Empresarial – o nome empresarial (ou nome comercial), da mesma forma que o nome civil, serve para distinguir pessoas, no entanto, pessoas “especiais”, que são os empresários. Ao contrário do que o senso comum indica, “empresário” tem definição própria; não se trata somente da pessoa física que tem como atividade o exercício da empresa, mas tb serve para designar a pessoa jurídica que exerce “profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços” (conf. Art. 966 NCC3). Tem as seguintes características:

��sua disciplina jurídica é determinada pela Lei de Registro de Empresa (LRE)4;

��existe um órgão controlador nacional, que tem a finalidade de zelar pela uniformidade do registro (DNRC)5;

3 “NOVO CÓDIGO CIVIL” – Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. 4 Lei nº 8.934, de 18 de novembro de 1994. 5 www.dnrc.gov.br

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��em âmbito regional, são as Juntas Comerciais que efetuam o registro dos nomes comerciais;

��para o registro dos nomes comerciais são observados os critérios de novidade e autenticidade

��o critério da novidade impede que haja homonímia entre empresários (se, para o nome civil não há qualquer problema haver dois “José dos Santos”, p.e., quanto ao nome empresarial fica muito difícil para a “Santos e Silva Ltda.”, tb p.e., fazer contratações como compra a prazo, descontos bancários, empréstimo, locação, etc, se “outra” “Santos e Silva Ltda.”, tiver tido decretada a falência, ou tiver com o nome inscrito nos cadastros de restrição creditícia, como CADIN, SERASA, SPC);

��o critério da autenticidade obriga que, para certos tipos de empresários, conf. veremos adiante, seus nomes empresarias sejam formados por seus nomes civis (a preocupação do legislador foi dar a quem contrata com o empresário (outros empresários e consumidores), bem assim quem com ele tem relação tributária (Receita Federal, Fazenda Estadual, Finanças Municipais e Previdência Social) plenas condições de identificar a pessoa física que está respondendo pelos riscos da atividade empresarial;

��há dois tipos de nome empresarial, a firma e a denominação; �� firma é usada pelo empresários individuais (pessoa que administra e

responde, sozinha, pelo atividade empresarial [não tem sócios], sendo denominada firma individual) e por empresários coletivos (sociedades) – esta última denominada firma social6;

�� a denominação (expressão de fantasia) é o nome empresarial de dois tipos específicos de empresários, as sociedades anônimas (S/A) e tb, em alguns casos, as sociedades limitadas (Ltda.), p.e. “Brinquedos Gurupi S/A” e “Brinquedos Gurupi Ltda.”;

��além disso, também há o que chamados de título de estabelecimento, que não se confunde com o nome empresarial, pois não tem a finalidade de identificar o empresário, mas sim o ponto comercial, ou seja, o “local” onde aquele empresário oferece seus bens e serviços (um exemplo: “João da Silva” [nome civil], é sócio da “Silva e Santos & Cia. Ltda.” [nome empresarial], que tem seu ponto no “Sacolão Gurupi” [título de estabelecimento].

Seja qual for a modalidade do “nome” (civil ou empresarial), se demonstra

importante frisar que são “propriedades imateriais” e, nesse sentido, são de uso exclusivo de seus proprietários. Qualquer uso indevido desse tipo de bem, acarreta a conseqüente indenização (danos morais e patrimoniais). 2. Nomes de Domínio Nomes de domínio, na verdade não são “nomes”, conf. vimos acima, no sentido de “identificar” alguém; nomes de domínio servem para se “localizar” um computador na internet e tb são propriedade imaterial. No início da internet, por volta da década de 60 do século passado, quando era usada exclusivamente por militares; depois, na década de 70, quando passou a ser utilizada por universidades; e início da década de 80, que servia às “redes

6 Tb chamada de “razão social”.

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corporativas” (intranet) das empresas (bancos, lojas de departamentos, corretoras de valores [ações]) e governos; não havia grande problema em localizar um computador onde estivessem armazenados dados. Primeiro, pq seu número era bastante pequeno se comparado à enorme rede mundial de nossos dias (word wide web); segundo, pq as informações e troca de dados eram de interesse direto dessas corporações. Naqueles tempos, para se localizar um computador na “rede”, bastava digitar um número, como fazemos quando vamos telefonar para alguém.

Contudo, à partir de meados da década de 80, surgiram, além de várias outras, o que chamamos de “Internet ponto com”, ou seja, as empresas descobriram que podiam oferecer produtos e serviços pela web; a “ponto gov”, os governos passaram a utilizar a rede para prestarem serviços e tb controlar procedimentos e rotinas administrativas; a “ponto org”, o terceiro setor (sociedade civil organizada – entidades não governamentais) viu na internet um “instrumento” ideal para divulgação de suas idéias, protestos e denúncias.

A partir desse momento, certamente, um empresário, como p.e., “Gurupi S/A”, não tem mais o menor interesse que, para um consumidor acessar a “página web” onde estão armazenados suas “ofertas”, tenha que digitar um “número”; muito melhor, se esse mesmo consumidor digitar www.gurupi.com.br ou www.gurupisa.com.br, não é verdade?

No entanto, surgiu tb um grande problema. Havia, em alguns casos, mais de um empresário interessado no mesmo nome de domínio.

Cumpre lembrar que, apesar de, para os nomes empresariais, não haver homonímia, este controle é exercido no âmbito interno das nações que adotam esse sistema, ou seja, não haverá dois empresários com o mesmo nome empresarial “no Brasil”, podendo haver outro idêntico em outro país.

No entanto, os nomes de domínio têm alcance mundial – de seu computador, vc pode acessar endereços em qualquer parte do mundo.

Para solucionar esse problema, foram criados, basicamente, três níveis de nomes de domínio:

�domínio de “primeiro nível” – que identifica o país onde se encontra o computador

que armazena os dados procurados – p.e. “.br” (Brasil), “.it” (Itália), “.pt” (Portugal); �domínio de “segundo nível” – que identifica a atividade relacionada ao computador

procurado – p.e. “.com”, “.org”, “.gov”, etc; ��domínio de “terceiro nível” – que identifica a pessoa ou, mais propriamente, o

computador – p.e. “unirg”, “senado”, “gurupi”.7 Contudo, como o registro é mundial a medida não foi suficiente para

solucionar todos os conflitos existentes – principalmente com a ação dos chamados “cibergrileiros” que, correndo na frente dos proprietários de nomes e

7 Para maiores informações, consulte http://www.aranovich-branco.adv.br/link_do_artigo.asp?art_codigo=30 ou http://www.internetlegal.com.br/artigos/ - se quiser algumas notícias, consulte http://www.cg.org.br/clipping/2000/clip-abr-mai-2000.htm - todos “no ar”, em acesso de 19/11/2004.

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marcas, conseguiram obter o registro de nomes de domínio que, teoricamente, deveriam pertencer a outras pessoas8.

Tudo isso, porque o “sistema” de registro tinha - e ainda tem – como fundamento que “é proprietário aquele que registra primeiro”.

No entanto, os Tribunais vêm se manifestando favoravelmente aos “donos de marcas e nomes” como detentores de “direito de preferência” quando há a disputa por um desses nomes, no Judiciário.

No Brasil, o Comitê Gestor da Internet9, deixou a incumbência de efetivar o registro dos nomes de domínio à FAPESP – Fundação de amparo a pesquisa do Estado de São Paulo – ligada à USP, que mantém o serviço através do endereço www.registro.br. Esse sistema é diferente do de registro de nomes (civil e empresarial), uma vez que não é “definitivo”, vale apenas por 1 (um) ano – pagando-se uma taxa de aproximadamente R$50,00 (cinqüenta reais) – devendo ser renovado sempre, pelo titular, sob pena de ser deferido o registro a outro interessado.

Para finalizar – lembrando que nossa intenção é mantermo-nos em “linhas gerais” – cumpre ressaltar que, com a popularização da internet, sendo ela meio indispensável à comunicação entre as pessoas, certamente “ter direito” a um determinado nome de domínio pode representar o sucesso ou o fracasso de um empreendimento comercial; estar diretamente ligado à eficiência na prestação de serviços públicos, pelo Estado; ou mesmo ser elemento indispensável à divulgação de uma idéia. Por isso sua premente importância dentro do universo dos “direitos imateriais”. 3. Marcas Imagine que vc está com muita sede e resolve ir a uma lanchonete para aplacar o incômodo tomando um refrigerante; lá chegando, encontra inúmeras garrafas, umas contendo líquidos negros, outras alaranjados, outras incolores... Pois bem! Como saber a procedência de cada um daqueles produtos? Como saber qual é aquele que mais agrada seu paladar? Em outra oportunidade, vc quer fazer uma ligação para um amigo, mas não tem como escolher qual operadora de telefonia usar; não porque haja só uma disponível, mas por quê vc não tem como distingui-las umas das outras. Como escolher a que seja mais eficiente, a mais econômica, a que preste os serviços com maior cobertura espacial? Depois, vc se encontra, em viagem, em pleno centro da cidade; quer fazer compras, mas, no entanto, olha em seu redor e vê vários “armarinhos”, “lojas de brinquedos”, “lojas de informática”, “bares”, “restaurantes”; todos com os mesmos títulos de estabelecimento (placas) indicando genericamente sua atividade, sem

8 Ficaram famosos os casos envolvendo os domínios www.aol.com.br, www.xuxa.com, www.bb.com, www.embratel.com. 9 http://www.cg.org.br.

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nenhum elemento que possa distingui-los... No final do dia, querendo descansar, como saber qual o melhor Hotel para se hospedar, se todos têm a mesma e única indicação: “Hotel”? Desesperado com tantas dúvidas, vc senta à mesa de uma “bar” e pergunta ao garçom quais cervejas ele tem; sua resposta é estarrecedora: Temos cerveja “Pilsen” e “Escura”, mas se for de sua preferência, tb temos “Chope”. Vc já deve ter percebido a função primordial das marcas: identificar produtos, serviços e empresários. Deve ter verificado que, sem elas, viveríamos rodeados por todo tipo de objeto de consumo sem poder escolher qual mais se adapta a nossos gostos, qual é mais famoso, ou qual tem a maior reputação e, pelo menos em tese, seria o mais indicado para comprar. Por outro lado, de que adiantaria a um empresário fazer altos investimentos em tecnologia para desenvolver um produto ou um serviço, se não pudesse destacá-lo, claramente, para seus consumidores? É justamente para proporcionar essa “diferença”, que existe a disciplina jurídica10 das marcas. A proteção às marcas se dá através do registro em um órgão chamado INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial – e devem ser observados os seguintes critérios:

��novidade relativa – não se exige que a marca traga uma novidade absoluta – considerando a multiplicidade de produtos e serviços existentes, seria praticamente impossível exigir que, para cada item disponível no mercado, fosse criada uma marca totalmente inédita;

��para solucionar esse “problema”, foram criadas o que chamamos de “classes de produtos” – como exemplo, pode ser citada a existência da marca GOL (classe de produtos – veículos) e a marca GOL (classe de prestadoras de serviços – aeroviários);

��originalidade – esse critério impede que haja apropriação de marca pela via oblíqua, uma vez que o simples critério novidade não é suficiente para impedir o registro que expressões que venham enganar consumidores ou se beneficiar de marcas famosas já existentes – veja exemplo abaixo:

��a marca CALOI é conhecida mundialmente e, por ser registrada, impede que outro empresário registre – nem produza uma bicicleta – usando a expressão CALOI como marca – falta do critério novidade;

��no entanto, tb não podem ser registras – na classe de produtos respectiva (bicicletas) – as seguintes expressões: CALOY, KALOI, CAL OI – faltar-lhes-ia vencer o critério originalidade;

��esclarecedor, é o dito popular: “Nem tudo que é novo, é original”;

��não impedimento – a LPI impede o registro, como marca de determinados signos, p.e., as armas oficiais do Estado, os nomes civis, expressões que afrontem sentimentos religiosos ou os “bons costumes”;

10 LPI - Lei da Propriedade Industrial – Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996.

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��não colidência com marca notória – as “marcas notórias” são títulos concedidos a determinadas marcas que alcançam tão alto grau de popularidade entre os consumidores que se tornam verdadeiros “ícones” do mercado, sendo, inclusive confundidas com os próprios produtos, veja alguns exemplos:

�normalmente não compramos “amido de milho”, mas “Maizena®”; �nem compramos “palha de aço”, mas “Bom Bril®”; �nem “lâmina de barbear”, mas “Gillete®;

��por tal razão, mesmo não fazendo parte da mesma “classe” de produtos, havendo colidência com alguma “marca notória”, não será concedido o registro – imagine se vc encontrar um automóvel que tenha a marca “Coca-Cola®”? Será que poderia claramente distinguir os fabricantes?

Uma vez concedido o registro da marca a um empresário, terá ele direito de uso exclusivo da mesma por um período de 10 (dez) anos, podendo renová-lo indefinidamente enquanto tiver interesse. Tb são registrados logotipos e expressões de propaganda. Hoje, vivendo em plena “sociedade de consumo”, as marcas assumem especial importância no universo da “propriedade imaterial”. Veja esse exemplo e tire suas próprias conclusões:

��imagine que vc compre todas as fábricas, veículos, estoque, máquinas, equipamentos, imóveis, créditos, obrigações, segredos industriais, etc, da “The Coca-Cola Company” (Empresário – nome empresarial) e deixasse de comprar, justamente a marca Coca-Cola®. O que vc estaria comprando?

4. Patentes. As patentes são títulos de concessão de exclusividade que se aplicam às invenções, modelos de utilidade e desenho industrial. Vejamos cada uma dessas modalidades.

��Invenção é ato original do gênio humano. “Toda vez que alguém projeta algo que desconhecia, estará produzindo uma invenção” (COELHO, 2003) – p.e. televisor, telefone, condicionador de ar.

�Aos “inventores”, é concedida patente no sentido de garantir-lhes, por

improrrogáveis 20 (vinte) anos o direito exclusivo de fabricar seu invento; �esse “direito” pode ser cedido – mediante contrato – pelo inventor, para que

um fabricante possa produzir o invento, em série; �passados os 20 anos da concessão, cai o invento em domínio público,

podendo ser produzido, independente de autorização, por qualquer fabricante.

��Modelo de Utilidade é um “objeto de uso prático, suscetível de aplicação

industrial, com um novo formato de que resulta melhores condições de uso ou

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de fabricação” (COELHO, 2003). É chamado de “pequena invenção”, porque, na verdade, não trás novidade, mas melhora o que já existe – p.e. TV com controle remoto, telefone sem fio, condicionador de ar móvel.

�Aos “desenvolvedores”, é concedida patente no sentido de garantir-lhes, por

improrrogáveis 15 (quinze) anos o direito exclusivo de fabricar seu invento; �esse “direito” tb pode ser cedido, para que um fabricante possa produzir o

invento, em série; �passados os 15 anos da concessão, cai o modelo de utilidade em domínio

público, podendo ser produzido, independente de autorização, por qualquer fabricante.

��Desenho Industrial ou Design diz respeito à forma dos objetos. Serve tanto para dar-lhes uma melhor imagem (ornamento), como tb para destacá-los de outros produtos do mesmo gênero.

�Aos “criadores”, é concedida patente no sentido de garantir-lhes, por 10

(dez) anos, prorrogáveis por três períodos sucessíveis de 5 (cinco) anos, o direito exclusivo de fabricar seu produto;

�esse “direito”, como os outros do gênero, tb pode ser cedido – mediante contrato – pelo criador, para que um fabricante possa produzir o produto, em série;

�passado o período de exclusividade, tb cai a “criação” em domínio público;

Podemos destacar, portanto, algumas características que deixam nítida a diferença as patentes das marcas:

��As patentes – sobretudo invenção e modelo de utilidade - estão diretamente ligadas ao mundo da técnica, pois trazem em seu bojo, inegavelmente, um avanço tecnológico para a humanidade;

��devem necessariamente, serem suscetíveis de exploração industrial, pois, inventar algo que não se possa “produzir em série”, que possa ser levado ao mundo do consumo, não encontra finalidade prática;

��devem tb, serem suscetíveis de exploração econômica, uma vez que, caso o invento não seja acessível às pessoas, ou tenha “preço incalculável”, estará isento de apropriação por um concorrente.

Interessante notar que, estudando as patentes, perquirimos a natureza do

que seja domínio público, um conceito muito apropriado às idéias que ganham força à medida que avançamos no “terceiro milênio” e começamos a questionar dogmas individualistas do século passado.

Normalmente, quando entramos nessa seara, verificamos um verdadeiro “choque” entre o hoje e o ontem.

Se levarmos em consideração os conceitos que mais influenciaram o Século XX – esse fantástico momento na história humana em que começamos andando de carroças e terminamos explorando o espaço sideral – verificaremos que idéias individualistas fruto da revolução industrial predominaram, norteando o procedimento das pessoas.

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Geralmente, quando falamos que a legislação dá direito à exploração de um invento por apenas 20 (vinte) anos, a primeiro questionamento que nos chega é o seguinte: Então não vale a pena inventar nada! Nem dá tempo de ganhar dinheiro direito e todos poderão se beneficiar!

Como estava dizendo, esse tipo de questionamento só é possível quando deixamos crenças individualistas predominarem, fazendo-nos esquecer alguns detalhes:

��que 20 anos é tempo suficiente para garantir uma “justa” remuneração

pela inventividade – a árvore genealógica sucessora do inventor não tem nada a ver com o invento, nem com a genialidade do inventor;

��que ninguém cria nada exatamente inédito – certamente outros inventos anteriores possibilitaram a criação – veja, p.e. como seria possível “inventar” o aparelho de TV, se não tivessem inventado anteriormente a condução da eletricidade, as válvulas, os parafusos, o vidro, a roda;

��e, tenho certeza que isso explica tudo, ou seja, a humanidade cria coletivamente desde que aprendeu, em remotas eras, a usar a primeira ferramenta.

Alguns argumentos, certamente, têm a propriedade de colocar uma “pá de

cal” sobre qualquer argumento egoísta que ainda sobreviva ao Século XXI: caso os inventores do garfo, da roda, do alicate, do avião, tivessem o privilégio de explorar exclusivamente seus “inventos”, viveríamos na pior das ditaduras – a ditadura da inteligência – e, sem medo de errar: não estaríamos aqui, no ciberespaço, fazendo esse curso.

Nesse sentido, a idéia de domínio público nada mais é do que devolver ao seu verdadeiro inventor – a humanidade – aquilo que criou a duras penas. 5. Direitos Autorais. Não raro, confundidos com as patentes, os direitos autorais são fenômenos que podem ser claramente separados daquelas. Mesmo tb provindos exclusivamente da inteligência, têm traços distintivos que os colocam como “propriedade imaterial” diferente das que vimos até agora.

Inicialmente, por que não pertencem ao mundo da identificação, como os nomes e as marcas, nem pertencem aos mundos da técnica e da exploração industrial, como as patentes. Os direitos autorais, penso, pertencem aos mundos da estética (inatos) e da produção científica (equiparados). E por quê entendo ser natural que pertençam, os direitos autorais, ao mundo da estética e somente, por equiparação, sirvam para garantir direitos sobre a produção científica? Inicialmente, se torna imprescindível lembrar que, ao produzir – ou, mais propriamente, “criar” – algo que tenha “proteção autoral”, o “autor” estará produzindo obra única que não se confunde com uma máquina, ou produto. Um grande erro que podemos cometer é pensarmos que obras não são únicas, por que, simplesmente, podem ser copiadas, pois, o ato de copiar – ou

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multiplicar – uma obra, não pode fazer com que essa mesma obra acabe se transformando e algo que não seja ela mesma, não é verdade? Vamos tomar uma música como exemplo?11 “Aquarela do Brasil” – talvez um dos melhores Sambas de todos os tempos, composto por Ary Barroso, no Carnaval de 1939 (...que dispensaria apresentações, caso os corruptos representantes da “mídia” não tivessem feito tantos esforços para lançar a cultura brasileira na lama da mediocridade nos últimos 15 anos) já foi “gravada” por inúmeros intérpretes, de inúmeras formas, com inúmeros arranjos, sob os mais diversos “estilos” e nem por isso deixou de ser “Aquarela do Brasil, de Ary Barroso”. Por outro lado, todas as gravações que já foram feitas estavam encerradas em suportes físicos (cera de carnaúba, nos “discos de vinil”; fitas magnéticas [de ferro ou cromo], suportes de acrílico para “compact disc” [CD´s]) e esses suportes é que podem ser “copiados”, levando, por sua vez, cópias de uma obra única. Acrescente-se a isso, que as “obras”, além de serem únicas, carregam o que podemos chamar de “personalidade do autor” – mostram seu sentimento em relação ao mundo, sua visão das coisas, da vida, o momento histórico em que viveu. Por muito tempo, não tinham nenhuma proteção jurídica. Não raro havia apropriação direta de obras por parte de usurpadores, ou exploradores que, diante de uma situação economicamente adversa do Autor, adquiriam a preço irrisório a produção alheia. Contudo, passando ao largo de suas origens12, certo é que a disciplina dos “direitos autorais”, hoje se encontra, conforme explicamos alhures, em franco desenvolvimento, por ser inegável “propriedade imaterial”. Já a “produção científica”, a meu ver, é direito autoral por equiparação, uma vez que, sendo inegável produção do espírito e apesar de trazer a personalidade de seu Autor – vc está lendo uma dessas agora – perde em liberdade de criação se comparada com as possibilidades que o “mundo da estética” propicia ao ser humano13. Sua disciplina legal é encontrada na Lei dos Direitos Autorais14 que, além da definição do que é considerado como direito autoral (art. 7º), traz uma importante repartição desses mesmos direitos em duas vertentes que dão toda a sistemática atual e sua configuração jurídica.

11 ...e as músicas são excelentes exemplos de direitos autorais; a um, porque é senso comum o tratamento da produção musical nas “disciplina autoral” – os compositores, não raro, são chamados de “autores” pelas pessoas; a dois, porque a prática da “pirataria” de CD´s é prática comum nas ruas brasileiras. 12 Para maiores informações - http://www.unimep.br/fd/ppgd/cadernosdedireitov11/16_Artigo.html. 13 Entendo que, inegavelmente, ao produzir para a ciência, não deixamos de ser nós mesmos e, nesse sentido, deixamos, na “obra” um pouco de nossa personalidade. No entanto, tb não será inoportuno ressaltar que, por mais que se “crie” cientificamente, estamos irremediavelmente atrelados a conceitos, idéias e postulados dados pela produção científica anterior, que não podem, sob pena de fugir a “criação” ao próprio conceito de “produção científica”, deixarem de ser considerados, sob pena de se transformarem em “obra de poeta”. Veja o que diz o § 3º, do art. 7º, da Lei Autoral. 14 Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.

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��Direitos Morais – ligados diretamente à personalidade, garantem ao Autor a autoria, isto é, a paternidade da obra. São inalienáveis (não podem ser cedidos, vendidos, transferidos) e imprescritíveis (não caem em domínio público – “Romeu e Julieta”, por mais que passe o tempo, será de Willian Shakespeare).

��Direitos Patrimoniais – decorrem desses direitos outros “sub-direitos” e vedações que permitem possa o Autor ter “vantagem patrimonial” (lucros) sobre a exploração econômica da obra.

��São alienáveis, à medida que podem ser objeto de “cessão” a terceiros (poetas, escritores e doutrinadores cedem seus direitos patrimoniais a Editoras; músicos, compositores e cantores, a Gravadoras; atores e dramaturgos, a Companhias Teatrais e de Cinema, etc.).

��Sofrem os efeitos da prescrição, ou seja, com o passar do tempo, caem em domínio público, podendo ser reproduzidos (gravados, editados, encenados, etc) por quem quer que seja, desde que respeitados os direitos morais.

��O período imposto pela lei (art. 96) para que os direitos autorais caiam em domínio público é de 70 (setenta) anos, contados à partir de 1º de janeiro do ano subseqüente à morte do Autor. Em outras palavras, enquanto vivo, tem o Autor garantidos seus direitos e, depois de sua morte, seus herdeiros, terão titularidade sobre os mesmos, por período consideravelmente longo (70 anos).

À cópia não autorizada – em qualquer tipo de suporte – de obras consideradas direitos autorais dá-se o nome de contrafação – é a “pirataria” (crime), que corre leve e solta nas bancas dos camelôs e nas copiadoras das “Casas de Ensino” e estabelecimentos comerciais, os mais diversos – entretanto, há regras que, uma vez observadas, permitem sejam tais obras utilizadas sem ferir os direitos autorais, como a citação da fonte, para efeitos de se atingir com maior amplitude, o ensino-aprendizado. Acrescente-se a isso o fato de, hoje, grande parte da “produção autoral” se encontrar abrigada em “meio digital”, ou seja, de utilizarmos bits ao invés de átomos para carregá-las que, conforme disse no início desse trabalho, facilitam enormemente sua “reprodução”. De qualquer maneira, importante salientar que os direitos autorais independem de registro (art. 18), sendo, apenas, facultado ao Autor (art. 19), fazê-lo diante de determinados órgãos, previstos na lei anterior15. Destarte, a prova da autoria passa a ter relevante papel para o reconhecimento da paternidade de qualquer obra, devendo, aos Autores, sob pena de se verem em situações muito incômodas, tomarem todas as precauções que a situação requer, seja municiando-se de elementos que comprovem sua “criação”, seja mantendo em boa guarda todas as “publicações” que assinarem. 15 Lei n º 5988/73 (revogada) - Art 17. Para segurança de seus direitos, o autor da obra intelectual poderá registrá-Ia, conforme sua natureza, na Biblioteca Nacional, na Escola de Música, na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no Instituto Nacional do Cinema, ou no Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia.

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E isso não é tudo. Encontram relevância, no que tange a possíveis conflitos com relação à disciplina dos direitos autorais, os seguintes temas: 5.1 – Software. Os “programas de computador”, a teor do que prescreve o inciso XII, do art. 7º, da LA são protegidos como direitos autorais, porém são disciplinados em legislação específica que, inclusive, lhes dá “definição legal”16. Entretanto, esse tratamento jurídico tem causado inúmeras discussões:

�� inegavelmente fruto da técnica, os “programas de computador” acabam aproximando-se muito mais das patentes, mas, no entanto, são considerados direitos autorais e, nesse diapasão, acabam obtendo proteção (desnecessidade de registro e garantia do tempo de vida do autor, além de 70 anos, para os herdeiros) muito superior ao que se espera para tornarem-se obsoletos – dado à enorme velocidade em que vão sofrendo as interferências da evolução tecnológica;

�� esse tratamento legislativo possibilita a sobrevivência de verdadeiros “feudos digitais”, como, p.e., ocorre com a Microsoft® e seu Windows© - pretendido “único” sistema operacional de nossos computadores;

�� isso sem falar que são softwares que geram o que chamamos de “assinaturas digitais” – um meio que, certamente, será de uso corrente, para a autenticidade e integridade de “documentos eletrônicos” (de uso universal) em breve espaço de tempo;

�� tb não podemos esquecer que os “programas de computador” são meios indispensáveis para o funcionamento de “inteligência artificiais”, ou “burrices artificiais”17, estas entendidas como fruto da “ciência do conhecimento que busca a melhor forma de representá-lo como também a ciência que estuda o raciocínio e os processos de aprendizagem em máquinas” (ROVER, 2004);

5.2 – Bancos de Dados. As “bases de dados”, (inciso XIII, do art. 7º, da LA) tb são protegidas como direitos autorais. Contudo, os “dados” propriamente ditos não são criação, do “engenho” humano, na verdade, a sua “organização”, pelo programador é que mereceria tratamento específico. 5.3 – Software Livre. E, contrariando todo o paradigma proprietário imposto pelo “localismo globalizado” (ALMEIDA, 2004) do Governo Norte-Americano, que pretende impor seus modos de pensar e agir, está crescendo, numa exponencial proporção, o

16 Art 1º. Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados. Lei nº 9.609, de 19 de fevereiro de 1988 (Lei do Software). 17 Conf. ROVER, in III CIBERCON – Salvador, Agosto de 2004 – maiores informações em http://www.professor.unirg.edu.br/roveroni/projetos/sacdigital/2004/13_cibercon3.htm.

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chamado “movimento software livre”, que condiciona a cópia, o desenvolvimento e a distribuição gratuita de determinados programas de computador à sua manutenção como de domínio público. 6. Conclusão. Como vimos – e gostaria de lembrar que tudo que foi dito passa ao largo de esgotar o tema (ficando importantes assuntos de fora e outros bastante incompletos) – há muito que se discutir ainda sobre o exercício da propriedade sobre bens imateriais e, isso, certamente, é tarefa de todos nós. 7. Exercícios. Apenas para que possamos continuar exercitando as formas de “educação sem distância” que os atuais meios de comunicação nos propiciam, sugiro que vc, amigo, à guisa de fixação dessa unidade, faça os seguintes exercícios: a) elabore um quadro-resumo, com todas as modalidades de propriedades imateriais que foram objeto desse trabalho; b) dê sua opinião sobre o futuro da propriedade imaterial diante das novas formas de democratização do conhecimento, bem como da cada vez menor dificuldade de acesso aos meios “tecnológicos” pelas pessoas. * Todos os prazos serão fixados pelo Tutor Rodrigo Lopes – ao qual rendo homenagens, pela ajuda. Aguardo vcs no “chat”, conforme programação.

Gurupi, 22 de novembro de 2004.

©Antonio José Roveroni

______________________________ LEITURA COMPLEMENTAR

http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3151 Da Propriedade Industrial e Intelectual – Marcos César Botelho

http://www.neofito.com.br/artigos/art01/jurid196.htm Direito de Propriedade Industrial – Leandro da Motta Oliveira

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CONSULTEI:

1. COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. São Paulo, Saraiva, 2003;

2. COSTA e MARCACINI, Marcos da e Augusto Tavares Rosa. Direito em Bits. São Paulo, Fiuza Editores, 2004;

3. Lévy, Pierre. Cibercultura. São Paulo, Editora 34, 1999;

4. ROVER, Aires José. Informática no Direito – Inteligência Artificial (Introdução aos Sistemas Especialistas Legais). Curitiba, Juruá Editora, (3ª

tiragem) 2004;

5. ALMEIDA, Guilherme Assis de. Direito Cosmopolita e Inteligência Coletiva. Site da Cidade do Conhecimento, USP, in

http://www.cidade.usp.br/arquivo/artigos/index0903.php - acesso de 22/11/04.