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MINISTÉRIO DA SAÚDE
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ
ESCOLA NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA
COORDENAÇÃO DO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO
Programa Bolsa Família: dilemas e avanços no combate à fome e à miséria.
Um estudo de caso do Município de São Francisco de Itabapoana - RJ
Vanessa Schottz
Rio de Janeiro Maio/2005
i
II
Vanessa Schottz
Programa Bolsa Família: dilemas e avanços no combate à fome e à miséria.
Um estudo de caso do Município de São Francisco de Itabapoana – RJ.
Dissertação apresentada à Escola Nacional de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Saúde Pública.
Orientadora: Profa. Dra. Rosana Magalhães.
Rio de Janeiro Maio / 2005
III
Aos meus pais e aos meus irmãos, Por terem sonhado com este momento junto comigo.
Especialmente à minha Mãe (in memorium),
Que continua viva dentro do meu coração.
IV
AGRADECIMENTOS
A Deus, por ter me guiado nas horas mais difíceis. À Rosana Magalhães, orientadora deste trabalho, pelo apoio e pela oportunidade. Às minhas amigas muito queridas, Giselle Lavinas e Mônica Senna, pelo apoio, motivação e pelos infindáveis debates sobre o tema que orientou esta dissertação. À Luciene Burlandy, a quem tenho profunda admiração e carinho, pela generosidade e pelo apoio nos momentos mais difíceis. À Cláudia March, minha sempre mestra e companheira. Ao Núcleo de Pesquisa, pelos debates enriquecedores e por fazerem parte dessa dissertação. Especialmente, à Luciana Silva, pela dedicação na coleta de dados sobre o município de São Francisco de Itabapoana. À Esther Zaborowisk, pela grande colaboração dada ao trabalho de campo. Às minhas amigas, Andréa Sippli, Daniela Calegari, Emanuela Belgone, Kíssila de Caeres, Natérsia Câmara, Priscila Cordeiro, Renata Frauches e Simone Barreto, por estarem sempre ao meu lado em todas as fases de construção dessa dissertação. À minha querida amiga, Felícia Biato, pelo apoio e pela dedicação nos momentos mais difíceis. À minha grande companheira de Mestrado e amiga, Renata Bessa, pelas incansáveis conversas, debates e trocas de experiências. A Ricardo Hallais, pela paciência em ouvir as minhas angústias e pelo incentivo e torcida. Aos funcionários da Prefeitura Municipal de São Francisco de Itabapoana, Alexandro Silva, Kátia Regina dos Santos, Maria Beatriz Godoy e Silvana Salles, por terem me recebido com carinho e contribuído com o trabalho de campo.
V
SUMÁRIO
Lista de Gráficos......................................................................................................... VII Lista de Quadros......................................................................................................... VIII Lista de Tabelas........................................................................................................... IX Lista de Siglas............................................................................................................. XI Resumo........................................................................................................................ Abstract........................................................................................................................
XIII XIV
INTRODUÇÃO............................................................................................................
15
CAPÍTULO 1: POLÍTICA SOCIAL: A EMERGÊNCIA DOS PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA................................................................................ 1.1 – A Nova Institucionalidade das Políticas Sociais................................................ 1.1.1 – Descentralização.................................................................................... 1.1.2 – Participação e Controle Social............................................................... 1.1.3 – Direito Social enquanto fundamento da política.................................... 1.1.4 – Busca por maior equidade, efetividade e eficiência dos gastos sociais 1.2 – Política de Transferência de Renda – o debate internacional............................ 1.3 – Brasil: Velhas e Novas Questões Sociais..........................................................
19
20 21 22 24 25 29 35
CAPÍTULO 2: POLÍTICA DE COMBATE Á FOME E À POBREZA NA DÉCADA DE 90 NO BRASIL.................................................................................. 2.1 – Pobreza e Fome: conceitos e dimensões........................................................... 2.1.1 – Algumas abordagens sobre a Pobreza..................................................... 2.1.2 - A Fome numa perspectiva do direito humano à alimentação................... 2.2 – Estratégias de enfrentamento da fome e da pobreza.......................................... 2.3– Os Programas de Transferência de Renda no Brasil...........................................
38
38 38 44 47 52
CAPÍTULO 3: PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA – OBJETIVOS E DESENHO OPERACIONAL........................................................................................................ 3.1 - A Institucionalidade do Programa Bolsa Família............................................... 3.2 – Metas e trajetórias de implementação................................................................ 3.2.1 – A implementação................................................................................... 3.3 – Possibilidades e desafios....................................................................................
59
63 70 76 80
CAPÍTULO 4: A ABORDAGEM METODOLÓGICA.............................................
83
CAPÍTULO 5: CONTEXTO SÓCIO-MUNICIPAL.................................................. 5.1 – Aspectos demográficos...................................................................................... 5.2 – Aspectos sócio-econômicos............................................................................... 5.3 - Oferta e acesso a serviços públicos de saneamento básico, educação e saúde...
91
91 93
106
VI
5.4 – Aspectos políticos..............................................................................................
115
CAPÍTULO 6: O PROCESSO DE IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA EM SÃO FRANCISCO DE ITABAPOANA............................. 6.1 - Experiência Prévia com Programas de Transferência de Renda........................ 6.1.1 - Programa Municipal de Garantia de Renda Mínima............................... 6.2 – O Programa Bolsa Família em São Francisco de Itabapoana............................ 6.2.1 - Captação, Cadastramento e Seleção de Beneficiários............................ 6.2.1.1 – Uso eleitoral do cadastramento?............................................. 6.2.2 – Oferta e monitoramento das condicionalidades..................................... 6.2.3 – Descentralização e intersetorialidade..................................................... 6.2.4 – Participação e controle social.................................................................
120
120 127 131 137 146 149 157 162
CONCLUSÕES.............................................................................................................
165
BIBLIOGRAFIA.........................................................................................................
179
ANEXO....................................................................................................................... 188
VII
LISTA DE GRÁFICOS
Pág
Gráfico 1 Percentual de Famílias pobres atendidas e não atendidas pelo PBF Brasil, 2004
73
Gráfico 2 Distribuição percentual de Famílias Atendidas pelo PBF segundo Regiões, Brasil, 2004
73
Gráfico 3 Distribuição Percentual de Famílias Pobres segundo Regiões, Brasil, 2004
74
Gráfico 4 Percentual de Cobertura do PBF segundo Regiões, Brasil, 2004 74 Gráfico 5 Percentual de Cobertura do Programa Bolsa Família segundo
Unidades da Federação, Brasil, 2004 75
Gráfico 6 Evolução da Relação Despesas de Custeio/Receitas Correntes em São Francisco de Itabapoana, (RJ), de 1997 a 2002
99
Gráfico 7 Evolução Percentual da Cobertura do PBF, São Francisco de Itabapoana, Brasil 2004 em Outubro/2003 a Dez/2004
134
VIII
LISTA DE QUADROS
Pág
Quadro 1 Programas de Transferência de Renda Unificados no Programa Bolsa Família
59
Quadro 2 Valor do Benefício do PBF Segundo Renda Per Capita Familiar 61 Quadro 3 Celebração de Termos de Cooperação entre Estados e União –
Janeiro – Novembro 2004 66
Quadro 4 Características demográficas de São Francisco de Itabapoana (RJ), 2000
92
Quadro 5 Distribuição da população por faixa etária em São Francisco de Itabapoana (RJ), 2000
96
Quadro 6 Evolução percentual das receitas correntes em São Francisco de Itabapoana (RJ), de 1997 a 2002
102
Quadro 7 Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) em São Francisco de Itabapoana, Estado do Rio de Janeiro e Brasil, 1991 e 2000
121
Quadro 8 Principais Características do Programa Municipal de Renda Mínima (PMRM) de São Francisco de Itabapoana
128
IX
LISTA DE TABELAS
Pág
Tabela 1 Evolução da Inclusão de Famílias no PBF nas Capitais – Jan/Dez 2004
71
Tabela 2 Cobertura (%) do PBF nas Capitais – Dez/04 72 Tabela 3 Distribuição da população por sexo e por área nos distritos de
Barra Seca, Maniva e São Francisco de Itabapoana, 2000 92
Tabela 4 Distribuição da população por faixa etária em São Francisco de Itabapoana (RJ), 2000
93
Tabela 5 Principais produtos selecionados em lavouras permanente e temporária em São Francisco de Itabapoana (RJ), 2000
94
Tabela 6 Evolução de receita e despesa realizadas (em mil reais) no município de São Francisco de Itabapoana (RJ), de 1997 a 2002
95
Tabela 7 Transferência de royalties e participações especiais no 1º semestre de 2000 e o total arrecadado pelos municípios selecionados de Macaé, Cabo Frio, Quissamã e Rio das Ostras, em 1998, em milhões de reais
98
Tabela 8 Transferências governamentais dos royalties do petróleo no Estado do Rio de Janeiro e nos municípios selecionados do Rio de Janeiro, de São João da Barra e São Francisco de Itabapoana, nos meses de dezembro de 2003 e fevereiro de 2004, em mil reais
99
Tabela 9 Renda per capita e percentual da população abaixo da linha de miséria no Estado do Rio de Janeiro e nos municípios selecionados do Rio de Janeiro, de São João da Barra e de São Francisco de Itabapoana, 2000
100
Tabela 10 Indicadores de desigualdade de renda no Brasil, Estado do Rio de Janeiro e nos municípios selecionados do Rio de Janeiro, de São João da Barra e de São Francisco de Itabapoana, 2000
101
Tabela 11 Dimensões do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal em São Francisco de Itabapoana, Estado do Rio de Janeiro e Brasil, 1991 e 2000
102
Tabela 12 Taxa de analfabetismo da população de 15 anos ou mais nos municípios selecionados de São Francisco de Itabapoana, Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro e Brasil, 1991,2000
103
Tabela 13 Percentual da população jovem entre 15 e 17 anos por anos de estudo e freqüência escolar nos municípios selecionados de São Francisco de Itabapoana, Rio de Janeiro e Estado do Rio de Janeiro, 1991, 2000
103
Tabela 14 População economicamente ativa ocupada e desocupada; trabalhadores formais e informais em São Francisco de Itabapoana (RJ), 2000
104
Tabela 15 Empregos formais nas principais atividades econômicas selecionadas em São Francisco de Itabapoana (RJ), dezembro, 2002
105
Tabela 16
Renda do Trabalho e taxa de desemprego no município do Rio de Janeiro e nos distritos de Barra Seca e de São Francisco de Itabapoana, 2003
106
X
Tabela 17 Número de domicílios por rendimentos do chefe de família nos municípios selecionados do Rio de Janeiro, de São João da Barra e de São Francisco de Itabapoana, 2000
106
Tabela 18 Número de domicílios particulares permanentes segundo tipos selecionados de abastecimento de água no Brasil e nos municípios selecionados do Rio de Janeiro e de São Francisco de Itabapoana, 2000
107
Tabela 19 Percentual de domicílios particulares permanentes segundo o tipo de esgotamento sanitário no Brasil e nos municípios selecionados do Rio de Janeiro e de São Francisco de Itabapoana, 2000
108
Tabela 20 Percentual de domicílios particulares permanentes segundo o destino selecionado do lixo no Brasil e nos municípios selecionados do Rio de Janeiro e de São Francisco de Itabapoana, 2000
108
Tabela 21 Número de Matrículas segundo a Natureza e a Rede de Ensino - 2003
109
Tabela 22 Estabelecimentos de ensino por nível e natureza. São Francisco de Itabapoana (RJ), 2003
110
Tabela 23 Percentual de Crianças entre 7 e 14 anos que não freqüentam a escolas nos municípios selecionados , Estado do Rio de Janeiro e Brasil, 2000
110
Tabela 24 Percentual de alunos repetentes, na matrícula inicial do ensino fundamental e médio nos municípios selecionados e no Estado do Rio de Janeiro, 2002.
111
Tabela 25 Consultas médicas do SUS por habitante/ano, São Francisco de Itabapoana (RJ), 1998 a 2001
112
Tabela 26 Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) Dez/1998,Dez/1999,Jun/2000
113
Tabela 27 Leitos vinculados ao SUS por especialidade, São Francisco de Itabapoana (RJ), 2002
114
Tabela 28 Internações hospitalares do SUS por especialidade, São Francisco de Itabapoana (RJ), 2002
115
Tabela 29 Cobertura do Programa Bolsa Família nos Municípios do Norte Fluminense, Brasil 2004.
133
Tabela 30 Programas de Transferência de Renda (PBF e Programas Remanescentes) no Município de São Francisco de Itabapoana – Dezembro, 2004.
135
XI
LISTA DE SIGLAS
ACS Agentes comunitários de saúde. BID Banco Interamericano de Desenvolvimento. BIEN Rede Européia de Renda Básica CIDE Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro. CMAS Conselho Municipal de Assistência Social. CMS Conselho Municipal de Saúde. CNS Conselho Nacional de Saúde COMSEA Conselho Municipal de Segurança Alimentar CONSEA Conselho Nacional de Segurança Alimentar CS Comunidade Solidária ENDEF Estudo Nacional de Despesas Familiares FAO Food and Drug Administration FGV Fundação Getúlio Vargas. FIOCRUZ Fundação Oswaldo Cruz. FPM Fundo de Participação dos Municípios. FUNDEF Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental. IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. ICCN Incentivo ao combate às carências nutricionais. IDF Índice de Desenvolvimento Familiar IDH Índice de Desenvolvimento Humano. IDH-M Índice de Desenvolvimento Humano Municipal IPEA Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas. IPTU Imposto Predial e Territorial Urbano. LBA Legião Brasileira de Assistência. MAS Ministério da Assistência Social MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome MEC Ministério da Educação e Cultura MESA Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar MS Ministério da Saúde PAB Piso de Atenção Básica. PACS Programa de Agentes Comunitários de Saúde. PBA Programa Bolsa Alimentação PBE Programa Bolsa Escola PBF Programa Bolsa Família PCA Programa Cartão Alimentação PCFM Política de Combate à Fome e à Miséria e Pela Vida PDT Partido Democrático Trabalhista. PFL Partido da Frente Liberal. PFZ Programa Fome Zero PIB Produto Interno Bruto. PMSFI Prefeitura Municipal de São Francisco de Itabapoana PNSN Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. PP Partido Progressista. PPB Partido Progressista Brasileiro. PPV Pesquisa de Padrão de Vida PSDB Partido da Social Democracia Brasileira. PSF Programa Saúde da Família. PTB Partido Trabalhista Brasileiro.
XII
RAIS Relação Anual de Informações Sociais. RBI Renda Básica Incondicional RSM Renda Social Mínima SISVAN Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional. SUS Sistema Único de Saúde. TCERJ Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. TCU Tribunal de Contas da União
XIII
RESUMO
Os programas de transferência de renda começaram a ser desenvolvidos no Brasil na década de 90. Esses programas têm focalizado as famílias pobres (com filhos até 14 anos) e, também, buscado associar ao benefício monetário o estímulo à freqüência escolar e ao acesso aos serviços básicos de saúde. Em 2003, na perspectiva de superar a fragmentação, a sobrefocalização, o paralelismo e a pouca efetividade das ações, o governo federal, unificou quatro programas de transferência de renda (Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio Gás e Cartão Alimentação) no Programa Bolsa Família (PBF). A proposição de um programa de transferência de renda com gestão unificada, com foco nas famílias (com ou sem filhos), a maximização das ações básicas de saúde e de educação trazem novas possibilidades e desafios. Nesse sentido, o presente trabalho teve como objetivo acompanhar através de um estudo de caso do município de São Francisco de Itabapoana no Estado do Rio de Janeiro, o Programa Bolsa Família e seus desdobramentos nas diferentes fases de implementação, buscando identificar seus principais pressupostos, concepção, mecanismos operacionais, possíveis limites e alcances, além de atores chaves no desenho e execução das ações locais. O estudo, desenvolvido durante o ano de 2004, contou com análise documental, observação de campo e entrevistas semi-estruturadas com os gestores dos diversos setores municipais (saúde, educação e assistência social) e representantes dos respectivos conselhos de controle social. As principais questões analisadas foram: experiência prévia, estratégia de captação, cadastramento e seleção de famílias, mecanismo de oferta e acompanhamento das contrapartidas, relação entre os níveis de governo, relação entre os setores de governo e o controle e a participação social. O PBF começou a ser implementado no município em outubro de 2003 enquanto uma das localidades prioritárias definidas pelo governo federal. È possível afirmar que o processo de implementação do Programa Bolsa Família em São Francisco de Itabapoana vem esbarrando na fragilidade institucional, na capacidade técnica reduzida do município, na baixa capacidade de oferta e monitoramento dos serviços de saúde e educação e na ausência de controle social. Aliada a essas limitações, a demora do governo federal em definir de forma clara os papéis dos entes federativos, os mecanismos de oferta e controle das condicionalidades e a estratégia de controle social também se constituíram em importantes obstáculos ao programa. Embora a introdução do PBF não tenha sido capaz de alterar a situação anterior de fragilidade institucional e clientelismo, ela tem produzido alguns avanços no campo das políticas sociais, principalmente no que diz respeito à maior proximidade, até então, praticamente inexistente, entre as secretarias municipais de saúde, educação e assistência social. Vale ressaltar que o município tem desenvolvido alguns esforços de superação de tais fragilidades.
XIV
ABSTRACT
During the 1990s in Brazil, policies designed to guarantee minimum wage have been targeting families vulnerable to hunger and stablishing the health and school attendance as conditions for the beneficiaries to remain in the programs. Several challenges of social policy in the country must be faced to improve the implementation process of those programs, such as: institutional fragmentation, lack of interaction among the governamental sectors involved, inequity, lack of effectiveness of the programs and weackness in social control. Since 2003 the Federal Government unifed and integrated the income transfer programs (School Stipend; Cooking Gas Coupon, Food Coupon and Food Stamp Program) into the Family Income Transfer Program (FIT). Considering the challenges to articulate income transfer with providing health and education services, this study aims to analyse the institutional framework and the implementation process of the FIT program, based on the case of São Francisco de Itabapoana´s city , in Rio de Janeiro, trying to identify its main presuppositions, conceptions, operational mechanisms, possible limits and competences, as well as key actors in the drawing and execution of local actions. This study was developed during the year of 2004, and the procedures for data collection counted on documental analysis, field observation and semi-structured interviews with the managers of many city sectors (health, education and social assistance) and representatives of the respective councils of social control.The main points considered in the data analysis were: previous experience, captation strategy, register and selection of families, offer mechanism, accompaniment of the counterparts, relation between the government levels, relation between the government sectors and the control and social participation. FIT was first implemented in the city in October of 2003 defined by the Federal Government as one of the main locations. It´s possible to say that the Family Income Transfer Program implementation process in São Francisco de Itabapuana has been facing some obstacles like: institutional fragilities, reduced technical capacity of the city, low offer capacity and monitoring of health services and the absence of social control. Allied to these limitations, the Federal Government´s delay on clearly defining the federative beings´ roles, the offer mechanisms and control of the conditions to remain in the program and the strategy of social control also constitued main obstacles to the program.Although FIT´s introduction has not been able to change the previous institutional fragility situation, it has been producing some advances in the social politics field, specially what concerns higher proximity, which so far had been practically inexistent between the health, education and social assistance secretariats.
15
INTRODUÇÃO
As propostas de renda mínima ganham destaque nos países centrais da Europa,
no final da década de 70, como alternativa à incapacidade dos Sistemas de Proteção
Social tradicionais (Welfare State), baseados no pleno emprego, em responder às
intensas transformações ocorridas nas relações de trabalho1. O desemprego de longa
data, a flexibilização, a precarização e a redução das horas de trabalho têm criado, na
Europa, um enorme contingente de novos pobres que nunca havia experimentado
situações de destituição social (Silva e Silva, 1996).
É interessante notar que os programas de renda mínima podem estar inseridos
tanto na perspectiva de substituição (proposta neoliberal) quanto de ampliação e
complementação (distributivismo) dos sistemas de proteção social.
No Brasil, essas questões relacionadas às mudanças no mundo do trabalho e ao
recrudescimento da pobreza se tornam ainda mais complexas, diante da especificidade e
da complexidade do seu Sistema de Proteção Social, extremamente fragmentado e
excludente, e da não resolução das velhas formas de exclusão social. Aqui, a
combinação de novas e velhas questões sociais requer soluções que compatibilizem
programas estruturais e emergenciais.
Essas questões são agravadas, sobretudo, pelas características que tem balizado a
política social brasileira, quais sejam: incapacidade em atender os grupos mais
vulneráveis; sobreposição de ações e de clientela e; ineficiência e ineficácia dos gastos
sociais.
Nesse contexto, a década de 90 é marcada pelo retorno da fome e da pobreza na
agenda política e social e pela promoção de mudanças na institucionalidade das políticas
sociais em direção à descentralização, participação e controle social, maior equidade e
eficiência dos gastos e no reforço da noção de direitos de cidadania.
É no bojo da existência de novas e velhas formas de pobreza e das
transformações no padrão de política social nos anos 90, que os programas de renda
mínima surgem no Brasil como uma possível inovação do sistema de proteção social.
Embora a proposta inicial fosse a provisão de uma renda mínima individual sob
a forma de imposto negativo, a modalidade que se consolidou no Brasil foi a
1 Na verdade, as primeiras experiências de renda mínima foram desenvolvidas ainda no início do século XX. Contudo, é a partir da década de 70, no bojo da crise do Welfare State e da emergência da nova pobreza, que essas propostas ganham um maior destaque na agenda internacional.
16
transferência de renda voltada para as famílias com filhos em idade escolar
condicionada ao acesso dessas crianças a uma educação pública.
Inicialmente, em meados da década de 90, os programas de transferência de
renda foram desenvolvidos por alguns municípios da federação, como Ribeirão Preto,
Campinas e por alguns estados, como São Paulo e o Distrito Federal. Somente a partir
do ano de 2001, o governo federal adotou a modalidade de transferência monetária de
renda a famílias pobres, através da criação de programas como o Bolsa-Escola,
vinculado ao Ministério da Educação e o Bolsa-Alimentação, do Ministério da Saúde.
Todavia, à medida que estes programas eram desenvolvidos de forma
desarticulada por diferentes Ministérios setoriais, perpetuavam-se algumas das
características intrínsecas a política social brasileira, como a sobrefocalização de
clientela, a debilidade dos mecanismos de monitoramento e avaliação, a baixa cobertura
e a pulverização dos recursos.
Na tentativa de superar tais problemas, no final de 2003, o governo federal
iniciou um processo de unificação de quatro programas de transferência de renda
(Programa Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio Gás e Cartão Alimentação) no
Programa Bolsa Família (PBF).
O PBF é um programa de transferência de renda destinado às famílias pobres,
com ou sem filhos, cuja renda per capita seja inferior à R$100,00. O Programa tem
como objetivo principal combater a fome e a pobreza e gerar autonomia das famílias
mediante a combinação da concessão de benefício monetário com o acesso aos serviços
públicos de saúde e educação.
As principais inovações presentes no desenho operacional do PBF são:
i. Gestão unificada e descentralização pactuada
(possibilidade de adequação do desenho do programas à
realidade dos estados e municípios através da assinatura
de um termo de cooperação com a União)
ii. Foco nas famílias com ou sem filhos e;
iii. Ampliação da agenda de compromissos, conciliando,
sobretudo, ações de saúde e educação;
A implementação de um programa descentralizado, intersetorial e com exigência
de diversas contrapartidas se configura num importante desafio aos municípios
17
brasileiros, diante da histórica fragilidade institucional e gerencial, da pouca tradição de
diálogo entre os diversos setores de governo, da baixa capacidade de oferta dos serviços
e da debilidade dos mecanismos de monitoramento e controle dos programas sociais.
Alguns estudos sobre os programas de transferência de renda no Brasil vêm
indicando que variações na capacidade técnico político-institucional e nas relações de
poder e interesse entre os atores envolvidos no programa levam a experiências muito
distintas de implementação.
Nesse sentido, o presente estudo teve como objetivo acompanhar através de um
estudo de caso do município de São Francisco de Itabapoana no Estado do Rio de
Janeiro, o Programa Bolsa Família (PBF) e seus desdobramentos nas diferentes fases de
implementação, buscando identificar em que medida o PBF e os elementos presentes no
seu desenho operacional favorecem ou dificultam os princípios de descentralização,
intersetorialidade, equidade e controle social.
São Francisco de Itabapoana (SFI), considerado o município mais pobre do
Estado do Rio de Janeiro, possui pouco mais de 40 mil habitantes com predomínio da
população rural e de indicadores sociais extremamente dramáticos. Outro aspecto a
destacar é que SFI foi emancipado recentemente (1995) e assim como grande parte dos
municípios brasileiros apresenta uma baixa memória e qualificação técnico-gerencial,
escassez de oferta de serviços públicos e grande dependência das transferências
intergovernamentais. O PBF começou a ser implementado no município em outubro de
2003 enquanto uma das localidades prioritárias.
A presente dissertação encontra-se subdividida em sete capítulos. No primeiro
foram abordadas questões relativas à nova institucionalidade da política social brasileira
e ao contexto internacional e nacional de surgimento dos programas de transferência de
renda.
A conceituação e o dimensionamento da pobreza e da fome e as principais
estratégias de enfrentamento dessas questões no Brasil a partir da década de 90 são
apresentadas no capítulo II. O Capítulo III buscou analisar a concepção e as estratégias
de implementação do Programa Bolsa Família. O quarto capítulo apresenta a abordagem
metodológica que norteou o presente trabalho.
O Capítulo V buscou apresentar os principais aspectos demográficos, sócio-
econômicos e políticos do município de São Francisco de Itabapoana. Entende-se que o
18
contexto social se configura numa variável de extrema importância nos estudo de
avaliação de processo de implementação.
O sexto Capítulo reconstitui a trajetória de implementação do Programa Bolsa
Família no município de São Francisco de Itabapoana. Buscou-se analisar à luz dos
princípios de descentralização, equidade, intersetorialidade e participação social, os
elementos presentes no desenho operacional do PBF e a forma como são
implementados localmente (critérios de seleção dos beneficiários, estratégia de captação
e cadastramento das famílias, mecanismos de oferta e acompanhamento das
contrapartidas, relação entre os níveis e setores de governo, relação entre o governo e a
sociedade civil).
Por fim, o capítulo 7 apresenta as considerações finais sobre os avanços e os
limites do Programa Bolsa Família no Brasil e, especificamente, no município de São
Francisco de Itabapoana.
19
Capítulo I
POLÍTICA SOCIAL BRASILEIRA: A EMERGÊNCIA DOS PROGRAMAS DE
TRANSFERÊNCIA DE RENDA
A política social no Brasil caracterizou-se pela extrema centralização decisória e
financeira no governo federal, por uma acentuada fragilidade institucional e gerencial,
pela desarticulação entre os diversos setores de governo, descontinuidade dos
programas e ações, pela fraca participação e controle social. Somam-se a essas questões
a baixa capacidade de oferta dos serviços e a debilidade dos mecanismos de
monitoramento e controle dos programas sociais. (Draibe, 1998; Arretche, 1997).
“Particularmente, o binômio forte descentralização, fragmentação institucional
e corporativismo versus fracas capacidades administrativas e participativas
tendeu a conferir pouca transparência ao sistema de política social, inibindo a
ação de eventuais mecanismos de correção, modernização ou inovação
institucional”. (Draibe, 1998:4)
Tais fragilidades contribuíram para a sobreposição de programas e clientelas,
baixa efetividade das ações e ineficácia dos gastos sociais. Diversos estudos
evidenciaram, ainda, que as políticas e os programas desenvolvidos na área não foram
capazes de atingir aqueles segmentos mais vulneráveis (Peliano, 1996; Lopes,1996).
No campo do combate à fome e à pobreza, além das características citadas
acima, as ações foram marcadas por um alto grau de clientelismo2 numa perspectiva de
benemerência do Estado com os pobres em detrimento da noção de direitos de
cidadania.
Na década de 80, iniciou-se uma agenda de reformas no país, causada tanto por
fatores externos quanto internos3, que ao longo do tempo, vem produzindo mudanças
2 O clientelismo, de acordo com Bezerra (1999), se caracteriza como uma relação pessoal e assimértica (entre pessoas que não possuem o mesmo poder, prestígio ou status) de troca de favores, serviços e outros. É dotada por uma racionalidade própria e de um forte conteúdo moral. 3 Não se pode descolar a execução das reformas no Brasil, de uma conjuntura internacional mais ampla de crise do modelo de welfare state, iniciado na década de 70. As reformas tinham como pano de fundo a
20
significativas na institucionalidade das políticas sociais, inclusive na política de
combate à fome e à pobreza.
1.1 A Nova Institucionalidade das Políticas Sociais Brasileiras
No plano legal, a Constituição Federal de 1988 (CF/88) representou um marco
em direção a construção de uma nova concepção da política social enquanto “um
conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade
destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência
social” (CF, 1988 artº 14) conformando, assim, uma perspectiva de seguridade social
pautada nos direitos de cidadania.
Ao longo da década de 90, a regulamentação das áreas de saúde, previdência e
assistência social através de Leis Orgânicas4 propiciou uma definição mais clara do
conjunto de diretrizes e princípios que regem essas áreas.
È dentro desse arcabouço legal, que se verificam alguns dos principais eixos de
transformação na política social, inclusive daquelas voltadas para o combate à pobreza e
à fome. Para Draibe (1998), esses eixos apresentados abaixo configuram uma nova
institucionalidade das políticas:
i. descentralização financeira e administrativa
ii. ampliação da participação e do controle social
iii. direito social enquanto fundamento da política
iv. busca por maior equidade, efetividade e eficácia do gasto social
redefinição do papel dos Estados. Por outro lado, a conjuntura interna era de um grande desgaste da matriz política-institucional, agravamento do processo inflacionário, crise do setor público, rejeição ao sistema concentrado, o que gerou um grande luta pela redemocratização do Brasil. 4 A lei orgânica da saúde foi publicada em 1990, a LOPS, Lei Orgânica Previdência Social em 1991. A assistência social foi a última área da seguridade social a ser regulamentada. A LOAS, só foi aprovada em 1993. Segundo Couto (2004), a demora no processo de regulação pode ser atribuída a duas questões: falta de densidade política e de debate conceitual que alimentassem as decisões sobre a LOAS e; rearticulação das forças conservadoras no país, no pós 1989.
21
1.1.1 Descentralização
A Constituição Federal de 1988 produziu grandes avanços em direção a
descentralização, uma vez que definiu um arranjo federativo pautado na transferência de
recursos e atribuições do governo federal para os estados e principalmente para os
municípios. Contudo, no campo específico da política social, não houve uma clareza na
definição das atribuições, optando-se por estipular uma gama de competências
concorrentes entre as três esferas de governo.
Dado que os estados e municípios se constituem em entes federativos
autônomos, a assunção de funções de gestão de políticas públicas, salvo em casos de
expressa imposição institucional, se dá pela via da adesão a programas propostos por
níveis supranacionais de governo, que precisam, dessa forma, desenhar estratégias
sólidas e pertinentes de indução ao processo de descentralização.
Para Arretche (2004), a opção pelo formato de divisão de competências em que
ao mesmo tempo em que qualquer ente federativo está constitucionalmente autorizado a
implementar programas sociais e que nenhum deles está constitucionalmente obrigado a
implementar tais programas, pode produzir alguns efeitos inesperados como a
superposição de ações ou o não comprometimento de nenhuma dessas esferas.
Dessa forma, “no início dos anos 90, a distribuição federativa dos encargos na
área social derivava menos de obrigações constitucionais e mais da forma como
historicamente estes serviços estiveram organizados em cada política particular.”
(Arretche, 2004:9). De fato, diversos estudos (Almeida, 1995; Arretche, 2000)
evidenciaram que o processo de descentralização não se dá de forma homogênea entre
os estados e municípios do país, tampouco, entre as diversas áreas da política social.
As disparidades intra e entre as regiões do Brasil, pode ser explicada em parte
pelas intensas desigualdades nas capacidades administrativas, financeiras e
institucionais dos entes federativos (Souza, 2002). Já no que refere as diferenças entre
as áreas das políticas sociais, Almeida (1995), identificou a partir de um estudo sobre
quatro áreas (saúde, educação, habitação e saneamento), em meados da década de 90,
um conjunto de fatores que podem influenciar sobremaneira a forma e o grau de
descentralização de uma determinada política. São eles:
22
(i) a presença ou ausência de políticas deliberadas de indução da
descentralização no âmbito federal
(ii) a natureza e o poder das coalizões reformadoras
(iii) as características prévias de cada área, do ponto de vista de suas estruturas e
das relações intergovernamentais.
A literatura aponta que a descentralização, ao propiciar uma atuação em nível
mais local, e, portanto, mais próxima da população, apresenta um grande potencial de
aumento do controle social, da universalização do acesso e da geração de espaços de
pactuação e de interação entre os diversos atores, gerando maior accoutability, maior
transparência na alocação de recursos públicos, redução do clientelismo e maior
eficiência e eficácia dos gastos.
No entanto, conforme sinaliza Arretche (2000), somente o processo de
descentralização não é capaz de garantir tais alterações no padrão de políticas públicas.
É preciso considerar que esse processo não se dá num vazio institucional, uma vez que
os estados e municípios possuem características próprias e um legado prévio que
influenciam, sobremaneira, a gestão da política no nível local. Dessa forma, a
descentralização pode não implicar em maior participação da sociedade civil nas arenas
decisórias, na realização de um efetivo controle social tampouco na redução das ações
clientelistas. Vale ressaltar também, que num sistema eleitoral partidário e competitivo,
como o brasileiro, as relações entre os entes federados podem ser dar mais no sentido da
competição do que da cooperação, configurando o chamado federalismo predatório.
Neste sentido, faz-se de extrema importância a definição das responsabilidades e
papéis dos entes federados, uma ação de coordenação do nível central, no sentido de
promover uma redistribuição dos recursos entre as regiões e os estados e a garantia de
espaços para a realização de um efetivo controle social.
1.1.2 Participação e Controle Social
A participação e o controle social se configuram numa das principais inflexões
da política social nos anos 90 (Draibe, 1998) e vem se dando, principalmente, através da
institucionalização da participação de conselhos de representação social na estrutura
decisória dos três níveis de governo.
23
A incorporação de novos atores, principalmente da sociedade civil, no processo
decisório, possibilita a inserção de segmentos historicamente excluídos desses níveis de
decisão, contribuindo, sobretudo, para o exercício da cidadania. Além disso, tem o
potencial de promover uma alocação mais efetiva e eqüitativa dos recursos e um maior
grau de accountability e de responsabilização dos governos (Burlandy, 2003).
No entanto é preciso considerar algumas questões que limitam as
potencialidades dessas instâncias de participação e controle social. Como aponta Draibe
(1998:17), em muitos casos “no processo de implementação dos conselhos, tende a se
repetir o conhecido padrão no qual o Estado, através das políticas públicas, alavanca a
emergência, conferindo-lhes fisionomia tal que, muitas vezes, aparecem como sua
criatura”.
Uma primeira questão que se coloca, é que em muitos conselhos, a participação
da sociedade civil ainda sofre grande interferência do gestor local, principalmente
através da nomeação de pessoas ligadas a administração pública. Nesse caso, a
possibilidade de representação dos interesses da população e de um efetivo controle
social pode ser comprometida. É preciso ainda, considerar a fragilidade das instâncias
de participação e controle social, principalmente em locais aonde o capital social ainda é
muito limitado (Labra, 2002).
Além disso, o Estado apresenta um ritmo de “hiperatividade decisória” que não
se constitui na implementação de fato de políticas e programas, o que pode gerar
impotência e desmobilização da sociedade civil (Burlandy, 2003)
A multiplicação de conselhos de políticas sociais também se configura numa
questão relevante. De acordo com levantamento feito por Draibe (1998), no final dos
anos 90, já haviam sido criados 25 conselhos nacionais de política social, como por
exemplo, educação, saúde e direito da criança e do adolescente. Alguns conselhos
existentes atualmente (2004) têm relação direta com ações de combate à fome e à
pobreza, como o Conselho Nacional de Assistência Social (CONAS), o Conselho
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) e Conselho Consultivo e de
Acompanhamento do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza.
No nível local, esse quadro é ainda mais dramático uma vez que, principalmente
nos municípios de pequeno e médio porte, há grandes dificuldades de conseguir a
participação da sociedade civil, sobretudo aquela sem vínculo com a administração
24
municipal, o que pode levar a uma fragmentação ainda maior do processo decisório e a
participação dos mesmos grupos de interesses nas arenas decisórias.
Estudos desenvolvidos sobre a atuação dos conselhos (Labra, 2002; Draibe,
1998b) concluíram que, em geral, os conselheiros não estão capacitados para
desempenharem o controle social e que se limitam a endossar o que é proposto pelo
executivo.
Superar tais limitações se constitui num dos principais desafios das políticas
públicas, que deve promover um trabalho verdadeiramente árduo de capacitação dos
conselheiros e de apoio logístico ao funcionamento dos conselhos.
1.1.3 Direito Social enquanto fundamento da política
No Brasil, os direitos de cidadania ocorreram de forma invertida à seqüência
lógica descrita por Marshall na Inglaterra, em que os direitos civis foram a base,
seguidos pelos direitos políticos e por último os direitos sociais. Aqui, a pirâmide foi
colocada de cabeça pra baixo, na medida em que os direitos sociais precederam os
demais, sendo implantados em um contexto de ditadura (Carvalho, 2003) e dentro de
uma perspectiva de cidadania regulada5, ou seja, intrinsecamente atrelados ao trabalho
formal. Neste contexto, só eram portadores de direitos àquelas pessoas que tinham
carteira de trabalho assinada (Santos, 1994).
Para Carvalho (2003), a inversão da seqüência de direitos e a forma como os
mesmos foram implantados afetou, sobremaneira, a natureza da cidadania no país,
gerando graves conseqüências como: a extrema centralidade do executivo; o
corporativismo; o clientelismo e; a visão do direito social enquanto privilégio de alguns
grupos.
“A antecipação dos direitos sociais fazia com que os direitos não fossem vistos
como tais, como independentes da ação do governo, mas como um favor em
troca do qual se deviam gratidão e lealdade” (Carvalho, 2003:126).
5 Este conceito de cidadania regulada foi desenvolvido pelo pesquisador Wanderley Guilherme dos Santos. Para melhor aprofundamento consultar: SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Razões da desordem. Rio de Janeiro, Rocco, 1994.
25
Apesar do avanço promovido pela CF/88 no reconhecimento do direito social
enquanto fundamento da política, na prática ainda persistem muitos obstáculos no que
se refere principalmente, aos constrangimentos orçamentários impostos aos programas
da área, fazendo com que os mesmos tenham baixa cobertura. Uma implicação
importante é que ao não atender a toda a clientela, tais programas tendem a reforçar a
noção de privilégio e do direito enquanto barganha.
1.1.4 Busca por maior equidade, efetividade e eficácia dos gastos sociais.
Conforme exposto no início deste capítulo, os programas sociais, especialmente
os de combate à fome e à pobreza, se caracterizaram pela superposição, pela
desarticulação entre as diversas instituições, pela dificuldade em atingir os mais pobres
entre os pobres e pela incapacidade de atender às regiões mais vulneráveis. (Peliano,
1996; Draibe, 1998)
Nesse sentido, a década de 90 no Brasil foi marcada pela tentativa em responder
aos problemas já diagnosticados na condução das políticas sociais no país e pela
realização de reformas, no sentido de promover maior equidade, efetividade e eficácia
dos gastos sociais. As principais estratégias que vêm sendo empregadas são: a maior
seletividade e focalização das políticas sociais, a potencialização dos programas já
existentes e a substituição da distribuição de alimentos por programas de transferência
de renda.
Para além dessa conjuntura interna, nas décadas de 80 e 90, ganha força na
América Latina, inclusive no Brasil, a realização de ajustes macroeconômicos e de
reformas dos aparelhos estatais, fortemente baseadas no neoliberalismo. A perspectiva
principal era de que num contexto de recursos escassos e de vultosas dívidas externas,
os países buscassem garantir maior eficácia e eficiência dos gastos sociais (Kligsberg,
2002).
Dessa forma, esse debate sobre maior equidade, efetividade e eficácia dos gastos
sociais é permeado por profundas tensões, uma vez que pode estar inserido tanto na
proposta progressista quanto no ideário neoliberal. A diferença principal é que enquanto
26
para a primeira, tais ações se inserem numa perspectiva de justiça e responsabilidade
social, através do uso e da priorização adequada dos recursos e também de uma maior
transparência, para a segunda elas estão ligadas principalmente, à noção de diminuição e
racionalização dos gastos sociais.
a) Focalização
Dentro da lógica de promoção de maior equidade, efetividade e eficiência dos
gastos sociais ganha destaque na política social brasileira6 o direcionamento dos
programas sociais para os segmentos mais vulneráveis da população.
No entanto, a focalização é alvo de profundas tensões entre políticos, técnicos e
estudiosos do tema. Para alguns, como Soares (2003), a focalização nada mais é do que
a priorização do pagamento das dívidas externas em detrimento dos investimentos na
política social, conformando uma política de Estado Mínimo. Para outros (Draibe, 1998;
Barros, 2003), a focalização pode ser positiva, na medida em que promove o acesso a
bens e recursos de parcelas excluídas da população, gerando uma igualdade de
oportunidades.
Em que pesem tais considerações, Abranches (1994) chama a atenção para o fato
de que, embora as políticas sociais devam ser universais, o campo específico das ações
de combate à fome e à pobreza é eminentemente seletivo. No entanto, cabe ressaltar que
apesar da política de combate à pobreza estar intrinsecamente ligada à seletividade,
muitas ações, sobretudo as de cunho estrutural, são necessariamente universais, como o
acesso aos serviços públicos de saneamento, educação entre outros.
No Brasil, pode ser observada uma dualidade no sistema de proteção social, pois
apesar da realização de reformas estruturais, restrição e priorização de gastos sociais nos
mais pobres, algumas políticas como a saúde e a educação caminharam no sentido da
universalidade.
Um grave problema que as políticas focalizadas têm enfrentado, sobretudo no
Brasil, é a incapacidade de atendimento da totalidade da clientela potencialmente
6 É importante salientar que essa não é uma conjuntura observada apenas no Brasil. É um tendência mundial e, sobretudo latino americana.
27
beneficiária. Dessa forma, a não provisão de políticas e programas a todos aqueles que
precisariam resulta numa segmentação ainda maior da clientela.
A focalização nos grupos mais pobres implica, portanto, na utilização de
metodologias e indicadores para distinguir os pobres dos não pobres. Neste sentido,
para que sejam realmente efetivos estes requerem gastos adicionais para a construção
dos mecanismos de seleção e monitoramento da população potencialmente beneficiária.
Alguns críticos da focalização (Lavinas, 2000a; Suplicy, 2004) argumentam que os
gastos com a definição dos beneficiários muitas vezes supera o custo de
operacionalização do próprio programa.
No Brasil, o principal meio de identificação da população potencialmente
beneficiária, sobretudo nos programas federais de transferência de renda, é o cadastro
das famílias pobres. Em princípio cada programa tinha um cadastro e questionários
próprios. No entanto, diversos problemas foram identificados no processo de captação
e cadastramento desses programas, principalmente no que concerne a duplicação de
cadastros e benefícios (TCU, 2002). Na tentativa de superar tais problemas o governo
federal criou através do decreto nº. 3.877 o Cadastro-Único do Programas Sociais do
Governo.
O Cad-único visa uniformizar em um mesmo banco de dados informações sobre
as famílias beneficiárias dos programas sociais (exceto aqueles administrados pelo
INSS e pelo DATAPREV e as famílias pobres - renda per capita inferior a ½ salário
mínimo - e servir como um instrumento de planejamento das políticas públicas de
combate à pobreza). Os dados e as informações são coletados pelos municípios que os
enviam para serem processados pela Caixa Econômica Federal (CEF), que procederá à
identificação dos beneficiários e atribuirá o respectivo número de identificação social
(NIS). Para a coleta de dados é utilizado um formulário, igual para todo o país, aonde
constam informações de toda a família sobre escolaridade, rendimentos, gastos,
condições de habitação, entre outros.
O Cadastro Único começou a ser implantado em 2001 de forma bastante
desigual entre os estados e municípios. De acordo com a avaliação realizada pelo
Tribunal de Contas da União (TCU) em 2002, o Cad-único propiciou algum
aperfeiçoamento na gestão municipal dos programas sociais em diversos municípios e
estados.
28
Em 2003, já no governo do Presidente Lula, o Cad-único se manteve como
estratégia de focalização e de mapeamento das populações de baixa renda no Brasil.
Algumas modificações no sistema de informática e a realização de treinamentos têm
conseguido a pequenos passos corrigir os problemas apontados pelo TCU. No entanto o
governo federal ainda não foi capaz de evitar o mau uso do cadastro pelas prefeituras
municipais, como cadastramento de pessoas acima da linha estipulada, uso eleitoral e a
duplicidade de cadastros. (TCU, 2004)
b) Potencialização dos Programas
Nos governos Itamar Franco (1992-1993) e Fernando Henrique Cardoso (1994-
2002), respectivamente foram criados o Plano de Combate à Fome e à Miséria pela
Vida (PCFM) e o Programa Comunidade Solidária (CS). Tais estratégias tinham como
característica comum a não criação de novos programas de combate à fome e à pobreza,
mas a potencialização dos já existentes, dentro de uma perspectiva de melhor
gerenciamento, articulação e coordenação. (Draibe, 1998; Burlandy, 2003)
No caso específico da Comunidade Solidária, foi composta uma agenda básica
constituída de 16 programas federais setoriais desenvolvidos por seis Ministérios
(Saúde, educação, Agricultura e Abastecimento, Planejamento e Orçamento, Desporto e
Trabalho). O objetivo era fazer convergir tais programas para os municípios mais
necessitados, cuja definição era feita através da utilização de critérios técnicos, como
por exemplo, o Modelo Preditivo de Desnutrição da USP (Benício et al, 1995) para o
Programa Leite é Saúde.
c) Transferência de Renda X Distribuição de Alimentos
Com relação à natureza dos programas, um dilema que tem se colocado em
relação à ineficácia dos gastos sociais, é a discussão sobre a distribuição de alimentos
ou a transferência de renda. Alguns estudos, como Lavinas (2000) evidenciaram que
embora a provisão de benefícios via alimentos in natura possa evitar um possível
desvirtuamento e aquecer o setor agroalimentar, o mesmo, além de limitar a autonomia
29
de escolha das famílias, requer gastos administrativos altíssimos para o seu
armazenamento e distribuição. Por outro lado, a transferência de renda apresentou
potencialidades no que concerne à possibilidade de maximização do consumo de
alimentos por parte das famílias, propiciando uma maior autonomia no uso da renda,
fomento da economia local e redução de gastos com logística.
Apesar da tendência marcante de distribuição de alimentos in natura,
recentemente, algumas iniciativas passaram a preconizar a transferência de renda
monetária para as populações em situação de vulnerabilidade. No final de 2001, o
programa de distribuição de leite e óleo de soja para as famílias com crianças em risco
nutricional (ICCN) foi substituído por um programa de transferência de renda, o
Programa Bolsa Alimentação.
Embora, tenha se iniciado no Brasil na década de 90, o debate sobre os
programas de transferência de renda ganhou destaque na década de 70 nos países
centrais da Europa, como alternativa às transformações ocorridas nas relações de
trabalho e à crise do Sistema de Proteção Social.
1.2 Política de Transferência de Renda: o debate internacional
Nas últimas décadas a pobreza vem sofrendo importantes alterações no que
concerne à sua origem e aos grupos populacionais que ela atinge. A chamada “Nova
Pobreza” é um fenômeno relacionado especialmente com as transformações ocorridas
no mundo do trabalho, como a precarização e a flexibilização das relações de trabalho, o
aumento do desemprego de longo prazo e também o descolamento entre o trabalho e o
rendimento. (Paugam,2003)
Dessa forma, a pobreza, que nos países centrais da Europa, ficava
circunscrita aos cortiços e favelas e estava ligada fortemente a noção de que esta era
uma população fracassada, incapaz de conseguir emprego e de se sustentar, passa a
atingir também, às famílias que nunca viveram em condições miseráveis e tampouco
habitaram cortiços ou favelas (Castel, 1999; Paugam, 2003). Ao perderem seus
empregos e permanecerem nesta situação por logo período, essas famílias perdem o
vínculo com o mundo do trabalho e experimentam uma série de outros acontecimentos,
como o afastamento da vida social, crise de identidade, problemas de saúde e ruptura
30
familiar gerando, segundo Paugam (2003), uma desafiliação social. Para o autor, essa
desafiliação agrava ainda mais a situação de pobreza experimentada por essas famílias,
porque além da privação material há uma degradação moral.
“Nas sociedades modernas, a pobreza não é somente o estado de uma
pessoa que carece de bens materiais, ela corresponde, igualmente, a um
status específico, inferior e desvalorizado, que marca profundamente a
identidade de todos os que vivem essa experiência”. (Paugam, 2003:31)
Para Rosanvallon (1996) essas questões relacionadas às profundas
transformações no mundo do trabalho e a desafiliação social remetem ao que o autor
denomina de “nova questão social”, que coloca em cheque os princípios organizadores
de solidariedade e a concepção tradicional de direitos sociais.
“Los fenômenos actuales de exclusión no remite a las categorías antiguas de
la explotación. Así, ha hecho su aparición una nueva cuestión social”
(Rosanvallon, 1996:7).
Neste contexto, o sistema de proteção social existente nos países centrais, o
Welfare State, da forma como estava estruturado, baseado no pleno emprego e no
desemprego temporário, passa a não ser capaz de atender a demanda cada vez mais
crescente de novos pobres (Silva e Silva, 1996). Como aponta Castel (1999) a nova
questão social impõe grandes desafios aos países, principalmente aos que já haviam
consolidado o Welfare State, no sentido de redesenharem suas políticas públicas.
Para Rosanvallon (1996), o Estado Providência Passivo7, que se limita a
distribuir benefícios aos cidadãos ou indenizar os casos de disfunções passageiras, como
doença ou desemprego de curto prazo, é incapaz de resolver ou mesmo de amenizar a
nova questão social. O autor propõe uma reformulação no sentido de criar um Estado
Providência Ativo pautado sob uma nova concepção de direito social e em novos
princípios de justiça e equidade e também de solidariedade.
7 Esse termo foi criado pelo próprio autor para designar o sistema de proteção social, classificado pelo autor como indenizador.
31
É dentro dessa conjuntura de precarização e flexibilização das relações de
trabalho, recrudescimento da pobreza nos países europeus e de total incapacidade dos
sistemas de proteção social tradicionais em responderem satisfatoriamente a essas
questões que os programas de renda mínima surgem como uma estratégia de
enfrentamento a essa realidade da nova pobreza.
Os programas de renda mínima podem ser entendidos como “transferências
monetárias a indivíduos ou a famílias, prestada condicional ou incondicionalmente;
complementando ou substituindo outros programas sociais, objetivando garantir um
patamar mínimo de satisfação das necessidades básicas” (Silva e Silva, 1996:3). Como
pode ser observado em sua própria definição, o termo renda mínima pode representar
uma gama diversa de propostas que podem ser inspiradas por matrizes ideológicas
opostas, como o neoliberalismo e o distributivismo.
Ao analisar as experiências de renda mínima, Silva e Silva (1996)
identificou três matrizes principais:
a) Neoliberal: programas residuais desenhados a partir de mecanismos
compensatórios e de substituição das políticas de proteção social.
b) Progressista/distributivista: programas de ordem mais universalistas,
baseadas nos direitos de cidadania e complementares ao sistema de
proteção.
c) Inserção social – renda mínima como um mecanismo voltado para a
inserção social e capacitação profissional dos cidadãos.
Em que pesem os esforços em classificar os programas de renda mínima a
partir das matrizes apresentadas acima, muitos deles assumem formas mistas e,
portanto, difíceis de serem classificadas de uma forma fidedigna.
Uma das experiências pioneiras8 desta modalidade de programas é o Imposto
Negativo proposto por Milton Friedman, no final dos anos 60. Na perspectiva deste
programa, considerado de inspiração neoliberal, está a reorientação do Estado
Providência no sentido de garantia do mínimo necessário à sobrevivência e a
substituição do Sistema de Proteção Social.
8 Embora já existissem iniciativas de renda mínima desde o início do século, estamos considerando a proposta de Friedman como pioneira dentro deste cenário de crise do Welfare State e emegência da nova pobreza.
32
Uma das preocupações centrais do Imposto Negativo é a promoção de uma
estratégia de transferência de renda que não seja capaz de criar um estímulo ao ócio.
Para tanto, é fixada uma linha de pobreza, acima da qual a pessoa pagaria o imposto e
abaixo receberia um determinado valor complementar à renda auferida através do
trabalho (suficientemente baixo para não desestimular o trabalho) (Silva e Silva, 1996).
Dessa forma, o Imposto Negativo apresenta componentes fortemente
baseados no individualismo, no mercado auto-regulador e na concepção de que o pobre
precisa ser constantemente estimulado ao trabalho.
A Renda Básica Incondicional (RBI) desenhada por Philipe Van Parijs
(2000), embora de natureza distinta do Imposto Negativo, também é inserida por alguns
autores, como (Silva e Silva, 1996) na proposta neoliberal, uma vez que se orienta pela
lógica da substituição do sistema de proteção social. No entanto, a própria autora
destaca a necessidade de se relativizar tal classificação devido à característica híbrida
dessa proposta, que em alguns aspectos assemelha-se mais ao distribuitivismo.
A RBI é uma renda monetária paga a todo e qualquer cidadão (é individual)
sem qualquer restrição quanto à natureza ou ao ritmo de consumo, independente da
renda auferida e sem distinção de valor a ser pago aos ricos e aos pobres. Segundo Van
Parijs (2000) esta proposta está associada a uma concepção de cidadania plena, na
medida em que é universal e incondicional.
Para o autor, a combinação da ausência de teste de trabalho e da não
exigência de comprovação da situação financeira se configura numa resposta ao desafio
conjunto de enfrentar a pobreza e o desemprego, a partir de um novo paradigma no qual
a renda é desvinculada do trabalho.
Alguns autores classificam a proposta de RBI como um terceiro modelo de
Proteção Social, o Painiano, aonde “todos os titulares de rendimentos renunciam,
obrigatoriamente, a uma parte deles para construir um fundo que sirva para pagar
incondicionalmente uma renda uniforme a todos os membros da Sociedade”. (Van
Parijs, 2004:83)
Com relação às propostas distributivistas, a Renda Social Mínima (RSM)
formulada por André Gorz é considerada uma das mais importantes (Silva e Silva,
1996; Suplicy, 2004). Diferente de Van Parijs, o autor propõe que o programa seja
complementar e não substitutivo ao sistema de proteção social. Partindo da concepção
33
de que a desvinculação da renda de um trabalho produtivo é humilhante e
estigmatizante, a RSM baseia-se na proposição de um sistema de renda mínima
associado à redução progressiva do tempo de trabalho para todos (a perda de renda
decorrente dessa redução seria compensada pela RSM) aliada a uma política de
qualificação efetiva e consistente. A redução do tempo de trabalho teria o potencial de
geração de novas oportunidades para todos e de distribuição da riqueza socialmente
produzida (Gorz, 1991 apud Silva e Silva, 1996). Na perspectiva desse autor, está a
articulação de uma sociedade alternativa (diminuição progressiva do tempo de trabalho)
cujas fontes de direito social não devem se restringir ao trabalho, passando a incluir
outros aspectos importantes como, a cidadania e a solidariedade social.
Na outra ponta, a inserção social é assinalada por Rosanvallon (1996), como
uma nova concepção de direito social. Tal perspectiva, pode ser entendida de forma
mais clara a partir das argumentações de Amartya Sen (2001) de que a pobreza não é só
uma questão de desigualdade no acesso à renda, mas também, desigualdade de
oportunidades e de condições. Tais fatores poderiam ser superados ou minimizados
através de ações de capacitação profissional, educação entre outros, de acordo com a
necessidade social de cada indivíduo.
A principal expressão dessa vertente é o programa Renda Mínima de
Inserção (RMI) instituído na França em 1988. A RMI é um programa voltado a todas as
pessoas maiores de 25 anos que não aufiram renda suficiente para a garantia da
sobrevivência. Mensalmente, são repassados 500 Francos para indivíduos solteiros e
750 Francos para os casados. Está previsto ainda um adicional em caso de filhos ou
dependentes. (Rosanvallon, 1996)
No desenho da RMI não há previsão de limite de permanência no programa,
o objetivo principal é preparar o indivíduo para retornar ou se inserir no mercado de
trabalho. Dessa forma, a renda tem a função de manter condições mínimas de
sobrevivência, enquanto os beneficiários são capacitados para o trabalho. É preciso
ressaltar dois pontos importantes, o primeiro é que ao aderir ao programa, a pessoa
assina um contrato com o Estado aceitando a sua participação nas diversas ações
voltadas para a sua inserção social, o segundo é que as ações, em princípio, seriam
definidas a partir da necessidade e da capacidade de cada um (Paugam, 2003;
Rosanvallon, 1996; Silva e Silva 1996).
34
Rosanvallon (1996) considera a RMI uma conjugação entre direito social, à
medida que é acessível a todos aqueles que estão excluídos, e um contrato, visto que
exige contrapartidas.
“El RMI se apoya sobre el principio de compromiso recíproco del
individuo y la colectividad, teniendo en cuenta las necesidad,
aspiraciones y posibilidades de los beneficiarios”. (Rosanvallon,
1996:161)
A exigência de contrapartidas é uma das principais críticas ao RMI, pois
para muitos autores, as principais características do direito é a universalidade e a
incondicionalidade. Apesar disso, de acordo com Rosanvallon (1996), as
condicionalidades representam uma nova forma de relação com o direito.
“Introduce um tipo de norma que integra el hecho de que algunos
indivíduos se encuentram em situaciones singulares y, por lo tanto,
deben ser tratados particularmente para lograr uma verdadera
equidade” (Rosanvallon, 1996:163)
No entanto, alguns autores como Castel (1999), Silva e Silva (1996) e o
próprio Rosanvallon (1996) apontam algumas limitações do RMI na França,
evidenciados em alguns estudos sobre o programa. O principal desafio que ainda não foi
enfrentado é justamente a inserção social dos beneficiários, sobretudo no mercado de
trabalho. Em 1992, apenas 15% dos beneficiários do RMI conseguiram um emprego
estável ou mesmo precário. Nesse caso, Castel (1999) questiona qual seria o efeito de
uma inserção social sem a concomitante inserção profissional.
“As políticas de inserção parecem, assim, ter fracassado na preparação,
para uma parte importante de sua clientela, dessa transição para a
integração que era a sua primeira vocação” (Castel, 1999:558)
35
Ainda assim, diversos autores consideram a Renda Mínima de Inserção uma
das principais inovações no enfrentamento da desafiliação social, mediante a
transferência de recursos monetários e a exigência de contrapartidas.
Embora, nos EUA a provisão de renda também esteja ligada à exigência de
condicionalidades, Rosanvallon (1996) argumenta que são de naturezas distintas.
Enquanto no RMI o objetivo é capacitar o indivíduo, gerando igualdade de
oportunidade que poderá traduzir-se em futura autonomia, na América, ele é baseado na
noção de workfare, isto é, numa perspectiva de controle permanente e estigmatização
dos pobres. Em discursos oficiais sobre o programa é recorrente a menção de que é
preciso vencer a cultura da dependência, estando implícita a noção de que o Welfare
State é permissivo.
Na Europa, quase todos os países9 já instituíram programas de renda mínima
baseados principalmente na concepção distributivista de complementação dos sistemas
de proteção sociais já existentes. Como aponta Silva e Silva (1996:65) “a intenção, é,
portanto, reforçar os mecanismos de solidariedade e de assistência no âmbito do
sistema atual de proteção social, adotando um sistema “multicategorial”, com vistas à
superação das lógicas securitárias e assistenciais”.
Na verdade, a renda mínima, sobretudo a modalidade de renda básica, está
caminhando cada vez mais para a consolidação de uma nova face da proteção social na
Europa. Já em 1986, foi fundada a Rede Européia de Renda Básica (BIEN), constituída
por importantes atores sociais como Philippe Van Parijs, Guy Standing, entre outros. A
BIEN tem como finalidade defender a instituição e trocar experiências sobre a renda
básica universal. Nos últimos anos, essa rede vem se fortalecendo e ganhando adeptos
do mundo inteiro, inclusive do Brasil (Suplicy, 2004).
1.3 Brasil: Velhas e Novas Questões Sociais
9 De acordo com Silva e Silva (1997), apenas os países do Sul da Europa ainda não haviam instituído programas nacionais de renda mínima, embora já existam iniciativas isoladas nesses países.
36
No Brasil, à medida que o sistema de proteção social configurou-se de forma
fragmentada e meritocrática, as velhas questões sociais ainda persistem e passam a
conviver com as novas. É preciso contextualizar que, diferente dos países
desenvolvidos, no Brasil, a pobreza pode existir mesmo entre as famílias e os indivíduos
que estão inseridos no mercado formal de trabalho. Além disso, ela se manifesta de
forma tão dramática que uma boa parcela dos pobres não possui recursos nem para a
garantia de condições mínimas de sobrevivência, como o acesso à alimentação. Dessa
forma, o enfrentamento dessa realidade exige respostas muito mais complexas que
combinem políticas de cunho estrutural com ações mais emergenciais.
Existe ainda o desafio de superar as características marcantes das políticas
sociais brasileiras, especialmente as de combate à fome e à pobreza, evidenciadas por
diversos estudos de avaliação realizados nas décadas de 80 e 90 e apresentadas no início
desse capítulo (Draibe, 1998, Peliano, 1996).
É dentro desse contexto de existência de novas e velhas formas de pobreza,
precariedade do sistema de proteção social e de reformas institucionais no arcabouço
das políticas sociais (discutidas no item 1.1) que os programas de renda mínima surgem
no Brasil como estratégia de enfrentamento da pobreza e da fome.
Um dos principais responsáveis pela introdução deste debate no Brasil foi o
Senador Eduardo Suplicy. No início da década de 90, ele elaborou um projeto de Lei
80/91 propondo que todo cidadão acima de 25 anos com renda per capita inferior a uma
determinada linha de pobreza teria direito a uma renda mínima incondicional. Assim
como no Imposto Negativo de Milton Friedman, a perspectiva era de que o montante
transferido aos beneficiários não fosse suficientemente alto para gerar desestímulo ao
trabalho. (Suplicy, 2004, Silva e Silva, 2001).
Esse projeto de renda mínima, embora aprovado no Senado, sofreu diversas
críticas relacionadas à viabilidade de financiamento e as reais condições para a sua
implantação. Foi a partir desse debate, que a proposta de Renda Mínima foi sendo
flexibilizada e substituída, ao longo do tempo, pela modalidade de transferência de
renda.
Essa modalidade se difundiu no Brasil com as seguintes características: foco
nas famílias com filhos em idade escolar e não nos indivíduos e atrelamento do
37
recebimento do benefício ao cumprimento de contrapartidas (acesso à escola e
freqüência escolar acima de um determinado percentual). (Lavinas,2000 a)
Na perspectiva dessa proposta, apoiada por diversos estudiosos sobre o tema
das políticas de combate à pobreza, como Lavinas (2000) e Silva e Silva (1996), a
melhoria das condições de vida das crianças e adolescentes seria possível através da
combinação de ações compensatórias - complementação da renda monetária das
famílias - e estruturais, através da garantia do acesso e da freqüência das crianças e
jovens à escola. Ou seja, ao inserir as crianças na escola e, conseqüentemente, ao elevar
o seu nível educacional, seriam criadas maiores chances de autonomia e de geração de
renda.
Inicialmente, esses programas foram desenvolvidos no âmbito local por
alguns municípios e estados da Federação e foi evoluindo para uma co-participação do
governo federal, até que em 2001 passou a integrar as estratégias federais de combate à
pobreza e à fome (Lavinas, 2000b). Além das condicionalidades relacionadas à
educação foram instituídos programas que associavam a transferência de renda ao
acesso às ações básicas de saúde.
Nesse contexto de emergência dos programas de transferência de renda no
Brasil, algumas questões são colocadas no debate sobre o enfrentamento da pobreza e
da fome e sobre o sistema de proteção social. Em qual matriz os programas de
transferência de renda se inserem: progressista e universalista ou neoliberal e residual?
Qual o lugar desses programas no sistema de proteção social brasileiro, substituição ou
complementação? Como a exigência de contrapartidas é enfrentada pelas famílias e pelo
nível local? Quais as estratégias adotadas para que os programas atinjam os mais pobres
entre os pobres? Quais as inovações e as dificuldades de implementação no nível local?
38
Capítulo II
POLÍTICAS DE COMBATE À FOME E À POBREZA NA DÉCADA DE 90 NO
BRASIL
O presente capítulo tem como objetivo discutir as principais estratégias de
combate à fome e à pobreza no Brasil, sobretudo na década de 90. No entanto, se faz
imprescindível apresentar a definição e a dimensão desses fenômenos.
2.1 Pobreza e Fome: conceitos e dimensões
Embora, a pobreza e a fome estejam intrinsecamente ligadas e se constituam em
profundos dilemas da política social, os mesmos possuem naturezas distintas. É fato que
a pobreza dificulta o acesso à alimentação, contudo cada família elege, dentre os
recursos que lhes cabem, qual a prioridade a ser dada. Dessa forma, é possível quem em
uma família cuja renda seja insuficiente, não exista fome, pois a mesma pode estar
priorizando a alimentação em detrimento de outras necessidades como educação e
moradia (Monteiro, 2003).
A correta compreensão e distinção desses fenômenos permite a elaboração e a
implementação de políticas públicas mais efetivas, uma vez que se fazem necessárias a
definição de estratégias, população beneficiária e a construção de indicadores
(Burlandy, 2003).
2.1.1 Algumas abordagens sobre a Pobreza
A definição do que vem a ser pobreza não é simples e ainda suscita amplos
debates, indo desde aquela relacionada à subsistência e à sobrevivência física até
concepções mais amplas como a sugerida por Rocha (1990 p.67) “pobreza é uma
síndrome multidimensional de carências diversas – saúde, educação, habitação,
saneamento, lazer, nutrição, etc – inclusive condições inadequadas de cidadania e de
inserção no mercado de trabalho”.
39
Para Towsend (1993) a questão da pobreza não pode ser concebida somente sob
a perspectiva da baixa disponibilidade de recursos, mas deve ser situada dentro de um
contexto amplo de estrutura social e institucional.
Entretanto, alguns desafios se colocam na operacionalização do conceito de
pobreza, ou seja, no processo de mensuração e definição de projetos e programas de
intervenção. No que se referem à mensuração do fenômeno, as principais abordagens
que tem orientado os estudos na área são: a pobreza enquanto insuficiência de renda e a
pobreza enquanto condições adversas de vida (Rocha, 1990).
a) Pobreza enquanto insuficiência de renda
Dentro dessa abordagem, a renda é considerada como um proxy das diversas
carências associadas à pobreza, uma vez que em uma economia de mercado, o acesso
aos meios para a satisfação das necessidades se dá principalmente pela renda. Os
parâmetros mais utilizados para medir a pobreza são as linhas de indigência e de
pobreza (Abranches, 1994; Rocha, 1990)
A linha de indigência corresponde à renda mínima necessária para obter uma
cesta alimentar que garanta as necessidades nutricionais mais elementares. A família ou
indivíduo que se encontra abaixo dessa linha é considerado indigente ou miserável, isto
é, não aufere renda suficiente para adquirir alimentos que garantam a sua sobrevivência.
A determinação do valor monetário da linha de indigência segue os seguintes
passos: definição da necessidade energética mínima, de acordo com a idade, sexo e
atividade; após procede-se a conversão desse valor calórico em uma determinada cesta
de alimentos, que por sua vez é convertida em valor monetário. Contudo, a conversão
das necessidades nutricionais em uma cesta de alimentos é bastante problemática e deve
ser definida de acordo com a cultura alimentar de cada sociedade. Mesmo a necessidade
nutricional mais elementar é construída socialmente e, portanto, não é qualquer
alimento que irá satisfazê-la. Afinal, ninguém come nutriente, mas, sim alimentos.
Uma vez calculado o valor da cesta de alimentos, pode-se definir a linha de
pobreza, que incorpora, além da dimensão nutricional, outras necessidades básicas
como vestuário, habitação, educação e saúde. Diferente do consumo alimentar, não se
dispõe com facilidade de parâmetros de consumo essencial das demais necessidades.
Para chegar ao valor, a despesa com a cesta básica é multiplicada pelo Coeficiente de
40
Engel10. Parte-se do pressuposto de que as despesas alimentares representam um
determinado percentual constante da despesa total das famílias ao longo do tempo. Em
geral, utiliza-se o valor de 0,5 para as áreas urbanas e 0,75 para as áreas rurais (Rocha,
2003)
Ambas as linhas são construídas a partir da concepção de pobreza absoluta ou da
pobreza relativa, que se baseiam no pressuposto da conversão das necessidades básicas
em renda monetária. A pobreza absoluta está relacionada à definição de um padrão
mínimo de necessidades, um grau de destituição tão acentuado que inviabilizaria o
atendimento das necessidades mais triviais do indivíduo, ou seja, a sua sobrevivência
física.
Já o conceito de pobreza relativa situa o indivíduo na sociedade em que ele vive,
uma vez que se baseia na definição das necessidades a serem satisfeitas em função do
modo de vida predominante na sociedade em questão. Por exemplo, um indivíduo
considerado pobre na França, não necessariamente seria pobre se morasse em Portugal,
pois o custo de vida e mesmo, as necessidades, podem ser diferentes. Em geral para
efeitos de análise, é comum a definição de parâmetros cujo ponto de corte se situe na
metade da renda mediana da sociedade em estudo. (Sen, 2001)
Os estudos sobre pobreza relativa são mais comuns aos países desenvolvidos,
enquanto a abordagem mais usual nos países emergentes e em desenvolvimento é a da
pobreza absoluta. Porém, não se pode dissociar nesses estudos em países em
desenvolvimento a pobreza absoluta da relativa, pois esses países têm como
característica marcante a desigualdade social (Rocha, 2003).
O valor monetário, tanto da linha de pobreza quanto da linha de indigência, pode
ser arbitrado – é o caso do valor de US$ 1 adotado pelo Banco Mundial para comparar a
pobreza entre países - ou estipulado a partir do consumo observado em pesquisas de
despesa familiar. No Brasil, é comum a adoção de linhas de pobreza definidas a partir
de múltiplos do salário mínimo. A construção dessas linhas pressupõe escolhas durante
todo o processo, que irão refletir diretamente no resultado do estudo. Dessa forma, é
comum observarmos pesquisas com a mesma base de dados apresentarem resultados
bastante diferenciados.
10 Coeficiente de Engel é a relação entre a despesa alimentar e a despesa total.
41
Entretanto, a pobreza é um fenômeno bastante heterogêneo, mesmo entre
aqueles considerados pobres ou indigentes existe uma diversidade muito grande de
situações e de vulnerabilidade. O quão pobre são os pobres é uma questão de extrema
relevância para a definição de políticas e programas. Nesse caso, foi preciso lançar mão
de um outro instrumento – o hiato de renda -, uma vez que tanto a linha de indigência
quanto a linha de pobreza não são capazes de fazer essa distinção. O hiato de renda
mede o gap, isto é, fornece a medida da intensidade da pobreza.
Apesar das limitações, para Rocha (2003:43), “a adoção de linhas de pobreza é
uma abordagem adequada no contexto brasileiro. Por um lado, a economia brasileira é
largamente monetizada, de modo que a renda se revela uma boa proxy do bem-estar
das famílias, pelo menos no que concerne ao consumo no âmbito privado”.
b) Pobreza enquanto necessidades básicas não satisfeitas
Somente a renda monetária não é suficiente para qualificar a pobreza, pois esse
fenômeno, multifacetado, está relacionado com diversas carências e vulnerabilidades
que englobam também um status social específico, um sentimento de inferioridade e de
não pertencimento (Paugam, 2003). As medidas de renda domiciliar e mesmo de gastos
familiares per capta não são capazes de identificar outras vulnerabilidades como saúde,
esperança de vida, educação saneamento e acesso a bens e serviços públicos, que vão
além da privação de bens materiais.
Amartya Sen (2001) propõe um entendimento da pobreza sob a perspectiva da
“capacidade individual”, ou seja, das prerrogativas (entitlements) de cada pessoa.
Dentro desse contexto, a pobreza estaria intimamente relacionada à capacidade do
indivíduo em reverter a renda em meios de satisfação das necessidades e geração de
bem-estar. Essa capacidade é influenciada por diversos fatores como idade, local de
moradia, condições de saúde, ciclo de vida, entre outros. È o caso, por exemplo, de duas
famílias que auferem a mesma renda monetária, contudo, em uma delas há um membro
com uma doença crônica, que demanda custos com atendimento médico e
medicamentos. Nesse caso, embora a renda monetária seja semelhante, as duas famílias
provavelmente não apresentam a mesma capacidade em converter essa renda em bem-
estar.
42
Dentro desse contexto, uma forma de se pensar a pobreza seria através do uso de
indicadores sociais combinados. Um dos mais utilizados é o IDH (Índice de
Desenvolvimento Humano), calculado pelo PNUD (Programa para o Desenvolvimento
das Nações Unidas) desde 1990. O IDH é formado por três indicadores combinados:
renda (PIB nacional); medidas de Saúde (esperança de vida ao nascer) e; educação (taxa
de analfabetismo). Esse indicador é utilizado para a comparação das condições de vida
entre os países. No nível municipal é utilizada uma variação do IDH, o IDH-M (Índice
de Desenvolvimento Humano Municipal).
Além do IDH, existem outros indicadores para trabalhar a questão da
pobreza e das condições de vida, como o IPH (Índice de Pobreza Humana) e o ICV
(Índice de Condições de Vida).
Recentemente, em 2003, foi desenvolvido pelo IPEA um indicador sintético,
chamado de Índice de Desenvolvimento Familiar (IDF), que diferente do IDH, é
calculado no nível das famílias, sendo posteriormente, agregado para outros grupos
demográficos. O IDF é composto, ao todo, por 6 dimensões, 26 componentes e 48
indicadores. As seis dimensões das condições de vida são: ausência de vulnerabilidades
(gravidez na adolescência, chefe de família do sexo feminino entre outros); acesso ao
conhecimento; acesso ao trabalho; disponibilidade de recursos; desenvolvimento
infantil e; condições habitacionais (Barros & Carvalho, 2003).
Todos esses indicadores, apesar de apresentarem diversas limitações,
propiciam um maior conhecimento sobre as condições de vida da população e possuem
ampla aplicabilidade no planejamento de intervenções (Rocha, 2003).
c) A Dimensão da Pobreza no Brasil
Os estudos sobre pobreza e indigência no Brasil, em sua maioria, utilizam a
renda monetária como proxy. Dependendo da metodologia da pesquisa, principalmente
a linha de pobreza/indigência estipulada, pode ocorrer grandes variações na proporção
de pobres. Por exemplo, o estudo realizado pelo IPEA em 1992, o Mapa da Fome
(Peliano, 1993), apontava a existência de 32 milhões de indigentes, enquanto no estudo
de Sônia Rocha (2003) esse contingente era de 16,6 milhões.
Para Rocha (2003) os dados sobre a pobreza no Brasil indicam a existência de
quatro patamares distintos ao longo das últimas três décadas. Entre 1970 e 1980 a
43
proporção de pobres reduziu-se a metade, passando de 68% para 35%. No entanto,
nesse mesmo período houve aumento da desigualdade de rendimentos, o Índice de Gini
subiu de 0,56 para 0,59. Além disso, foi observado um agravamento das diferenças
interregionais.
Já o período que compreende os anos 80, apresentou oscilação ano a ano,
atribuído pela autora (open cit.) aos ciclos econômicos de curto prazo ocorridos nessa
década. Ao final verificou-se que entre 1981 e 1990, a proporção de pobres se alterou de
forma tênue (passou de 34% para 30%). Houve uma melhora sensível desse indicador,
principalmente na região Nordeste.
A década de 90, sobretudo o período entre 1994 e 1996, foi marcada por uma
acentuada queda da pobreza (houve redução de 30 para 20%), atribuída principalmente
ao Plano Real de estabilização econômica. Como aponta Rocha (2003), a redução se
deu em todos os estratos de renda e em todas as regiões do país. Contudo, no período
subseqüente (1996-1999), a proporção de pobreza manteve-se num patamar em torno de
34%.
Apesar das constantes alterações no patamar de pobreza, a desigualdade de
renda no Brasil (uma das maiores do mundo) manteve-se praticamente inalterada nesse
período. Ao analisar a evolução desse indicador entre 1970 e 1999, Barros (2001)
constatou que o grau de desigualdade praticamente não se alterou nas últimas décadas.
Para o autor essa estabilidade na desigualdade social sem qualquer tendência de
declínio, em qualquer que seja o indicador utilizado, é inaceitável.
A pobreza no Brasil apresenta algumas características marcantes que são
consensuais entre os diversos estudiosos do tema (Barros, 2001; Rocha, 2003,
Halsenbalg, 2003), quais sejam:
i. Apresenta um forte viés regional, atingindo proporcionalmente mais
as regiões Norte e Nordeste do que as regiões Sul, Sudeste e Centro-
oeste;
ii. A proporção de pobres é maior nas áreas rurais (chegam a ser
superiores a 50%) e também nas pequenas cidades urbanas, contudo
as áreas urbanas, sobretudo as regiões metropolitanas, embora não
apresentem elevados percentuais de pobreza, em termos absolutos
concentram quase 75% dos pobres no Brasil;
44
iii. A pobreza vem se acentuando de forma intensa, ao logo das últimas
décadas, nas regiões metropolitanas, fenômeno esse conhecido como
metropolização da pobreza;
iv. A incidência de pobreza não está distribuída de forma uniforme entre
os diferentes ciclos de vida, acomete principalmente as crianças e vai
diminuindo à medida que aumenta a idade dos indivíduos;
v. Os grupos mais vulneráveis à pobreza são as famílias monoparentais,
chefiadas por mulheres, trabalhadores rurais e/ou com baixa
escolaridade, não brancos e com maior número de dependentes com
idade inferior a 14 anos.
2.1.2 A Fome numa perspectiva do direito humano à alimentação
A definição do que vem a ser fome ainda é bastante controversa entre os
estudiosos do tema. Mais do que a falta total ou parcial de alimentos para a manutenção
adequada do funcionamento do corpo, a fome é uma expressão cruel da desigualdade e
da violação de um direito humano tão elementar.
A despeito do consenso existente de que a fome se constituía numa fatalidade,
o estudo de Josué de Castro, “Geografia da Fome” publicado na década de 40,
evidenciou que mais do que um fenômeno biológico, a fome possuía um caráter
eminentemente político e social (Castro, 1946).
Como aponta Valente (2003), a fome dever ser entendida dentro de uma
perspectiva mais ampla de garantia do Direito Humano à Alimentação (DHA). A
violação desse direito tão intrínseco à sobrevivência humana, representa segundo o
autor, a negação do direito à vida. Dentro dessa perspectiva, a fome não é entendida
apenas como a falta física de alimentos, passa pela violação do “direito de acesso aos
recursos e meios para produzir ou adquirir alimentos seguros e saudáveis que
possibilitem uma alimentação de acordo com os hábitos e práticas alimentares de sua
cultura, de sua região ou sua origem étnica” (Valente, 2003:38).
45
As diferentes concepções do que vem a ser fome estão presentes nas formas de
mensuração que vem sendo empregadas ao longo do tempo, a partir de dados
antropométricos, renda monetária ou aspectos relacionados à insegurança alimentar.
Na metodologia proposta pela FAO (Food and Drug Administration) e
bastante utilizada por alguns pesquisadores brasileiros, a fome é mensurada através dos
dados antropométricos da população adulta. Parte-se do pressuposto de que a fome
crônica, ou seja, aquela que ocorre diariamente por um longo período, leva a uma perda
de peso e, por conseguinte a um processo de desnutrição crônica. São considerados
desnutridos os adultos que possuem Índice de Massa Corporal (relação entre o peso e a
altura ao quadrado) inferior a 18,5 Kg/m². Nesse caso, proporções de adultos com baixo
peso acima do padrão de normalidade de 5% seriam indicativos de fome crônica (WHO,
1995).
Monteiro (2003) estimou a evolução da fome no Brasil através da análise e
comparação dos dados antropométricos (percentual de adultos com desnutrição crônica)
provenientes da Pesquisa sobre Padrões de Vida (PPV) realizada nos anos de 1996 e
1997, da Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição (PNSN/89) e do Estudo Nacional de
Despesas Familiares (ENDEF) ocorrido nos anos 1975/76.
De acordo com os resultados do estudo, a desnutrição crônica da população
adulta no Brasil vem apresentando uma forte tendência de declínio em todas as regiões
do país, chegando a um patamar de 4,9%, ou seja, bem próximo do padrão de
normalidade (3 a 5% de indivíduos baixo peso).
Os dados da PPV 96/97 apontaram ainda para a existência de diferenças entre as
regiões Sudeste e Nordeste e entre o urbano e o rural. No Sudeste urbano, a deficiência
energética crônica foi de 4% e no rural esse percentual subiu para 5,5%. Já o Nordeste
urbano e o rural apresentaram, respectivamente, taxas de 5,5% e 7,1% de adultos baixo
peso. Dentro desse contexto, Monteiro (2003) concluiu que a fome é um fenômeno
restrito a determinadas áreas geográficas do Brasil, sobretudo na área rural do Nordeste.
Os dados mais recentes são provenientes da Pesquisa de Orçamentos Familiares
(POF 2002/2003) realizada pelo IBGE e publicada em 2005. A análise dos resultados da
pesquisa revelou que a freqüência média de déficit de peso no Brasil é de 4% e que esse
padrão se reproduz com poucas variações na maioria dos grupos populacionais. Por
outro lado, a obesidade (40,6%) vem aumentando significativamente, principalmente
46
nos menores extratos de renda. O estudo evidenciou ainda que o padrão alimentar do
brasileiro vem sofrendo alterações importantes ao logo dos anos, como o aumento no
consumo de açúcares e gorduras.
A divulgação da POF (2002/2003) gerou grande polêmica em torno da
prioridade dada à fome no governo Lula. A principal argumentação era de que tal
prioridade não se justificaria, uma vez que a proporção de adultos com IMC inferior à
18,5Kg/m² está próxima dos 5%, considerados como dentro do padrão de normalidade
pela FAO.
Em que pesem as diversas argumentações que vem sendo feitas no sentido da
baixa qualidade dos alimentos consumidos pela população mais pobre e dos
mecanismos de adaptação biológica do organismo, estão implícitas nessas conclusões, a
visão reducionista da fome enquanto um fenômeno meramente biológico, evidenciado
pela deficiência crônica de calorias e proteínas. Mais do que privação física dos
alimentos, a fome engloba questões relacionadas à própria dignidade humana. Como
apontado por Valente (2003), um cidadão que se alimenta do lixo ou vive em
permanente situação de insegurança alimentar, pode não ter seu estado nutricional
comprometido, mas, com certeza o seu direito humano a alimentar-se com dignidade
não está sendo respeitado.
Além da abordagem nutricional, uma outra forma bastante comum de
mensuração da fome é através da aferição da renda monetária. Como descrito
anteriormente, através da linha de indigência (renda mínima suficiente para atender às
necessidades alimentares mais elementares) são estimados o número de pessoas que não
são capazes de adquirir, com a renda de que dispõem, uma cesta básica de alimentos.
Embora, seja insuficiente para contemplar todas as dimensões relacionadas à fome, a
aferição da renda permite ao menos a identificação daqueles que estão potencialmente
mais vulneráveis. Além disso, como aponta Sônia Rocha (2003) numa sociedade
monetizada como a brasileira, a renda se configura num dos principais meios de acesso
aos alimentos.
Partindo dessa concepção, alguns estudos, como o levantamento feito pelo
Projeto Fome Zero do Instituto de Cidadania (2001), estimou a existência de cerca de
cerca de 44 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar.
47
Nos últimos anos, alguns esforços vêm sendo feitos no sentido de construir um
indicador capaz de explorar as diferentes dimensões relacionadas com a fome, inclusive
as psicológicas. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Centro de Pesquisa Alimentar e
Ação desenvolveu uma metodologia para identificar a fome em crianças a partir de
questões relacionadas à insegurança alimentar e nutricional. Essa metodologia,
posteriormente foi agregada como suplemento na Pesquisa Anual da População
Americana (Burlandy, 2003).
A abordagem a partir da insegurança alimentar busca apreender não só as
situações concretas de fome mas também situações de vulnerabilidades, como a não
disponibilidade de alimentos, o acesso permanente ou temporário à uma alimentação
inadequada e insuficiente (Burlandy, 2003).
Ainda que esta metodologia represente uma estratégia mais eficaz para se
traçar o perfil da fome na população, ela ainda não está sendo utilizada para a definição
da clientela a ser beneficiada por programas de combate à fome.
2.2 Estratégias de enfrentamento da fome e da pobreza
Até o final dos anos 30, a pobreza e a fome no Brasil eram vistos como
fenômenos naturais e intrínsecos a raça mestiça do país (Sprandel, 2004). O marco
inicial em direção ao enfrentamento destas questões como problemas sociais e políticos
foi a publicação, na década de 40, do livro Geografia da Fome por Josué de Castro
(Magalhães, 1997), que introduziu o tema na agenda pública. No entanto, como aponta
Natal (1982), nas décadas subseqüentes, há um vai e vem permanente da pobreza e da
fome na agenda governamental.
Na década de 90, a fome e a pobreza voltaram a fazer parte da agenda pública,
sobretudo da sociedade civil, passando a serem vistos como problemas políticos e de
cidadania. O início da década foi marcado pela sensibilização da sociedade civil às
questões ligadas à política e à cidadania. Do Movimento pela Ética na Política nasceu,
em 1993, a Ação da Cidadania Contra a Fome e a Miséria e Pela Vida, coordenado pelo
Sociólogo Herbert de Souza (Betinho), tendo como objetivo o enfrentamento nacional
da fome e da pobreza através de redes de solidariedade. Além da solidariedade e do
trabalho voluntário, através dos Comitês da Fome, o movimento de Ação da Cidadania
48
suscitou amplos debates sobre o papel do Estado frente à miséria da população
brasileira, corroborado pela publicação do Mapa da Fome do IPEA que apontava a
existência de 32 milhões de indigentes no país. (Magalhães, 2002)
É dentro desse contexto, que após o impeachment do Presidente Fernando
Collor, a questão da fome e da pobreza se torna um dos eixos estratégicos do governo
sucessor, dentro de uma perspectiva de segurança alimentar e nutricional (SAN)11. Em
parceria com a Ação da Cidadania, o governo federal criou um órgão de
aconselhamento da Presidência da República na formulação e na implementação de
políticas públicas de SAN, o Consea (Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional),
que era formado por 1/3 de representantes do governo federal e 2/3 da sociedade civil,
indicados pelo Movimento de Ética na Política e pela Ação da Cidadania. (Draibe,
1998; Consea, 1994)
O Consea e a Ação da Cidadania elaboraram, então, o Plano de Combate à Fome
e à Miséria pela Vida (PCFM), cujos princípios eram a parceria entre Estado e
Sociedade Civil, a descentralização das ações, a solidariedade, a coordenação de ações
de diferentes setores governamentais e o melhor gerenciamento dos programas
existentes (Burlandy, 2003; Magalhães, 2002).
Dentro desse contexto, conforme sinaliza Burlandy (2003, p. 138) "a segurança
alimentar é assumida como componente estratégico do governo federal, conjugando
ações voltadas para grupos vulneráveis com ações direcionadas a toda população,
numa perspectiva do direito a alimentação saudável e de qualidade”.
Todavia, o PCFM foi de curta duração, e apesar do impacto mobilizatório,
apresentou resultados pouco significativos, visto que esbarrou em diversos obstáculos,
como a restrição orçamentária, a precariedade de funcionamento das instituições
públicas, a dificuldade em articular os diversos órgãos governamentais e a incapacidade
em por fim ao clientelismo. (Draibe,1998)
Em 1995, na gestão Fernando Henrique Cardoso, a segurança alimentar perde
destaque enquanto política universalizante. Nesse período, o eixo estratégico volta a ser
o combate à fome e à pobreza e a focalização nos grupos vulneráveis.
11 Segurança Alimentar e Nutricional é a garantia de uma alimentação adequada em quantidade e qualidade, sustentável do ponto de vista econômico, social e ambiental.
49
É criada a Estratégia Comunidade Solidária (CS), que tinha como objetivo a
convergência dos programas de combate à pobreza e à fome para os municípios mais
necessitados, numa perspectiva de articulação, coordenação e potencialização de
programas federais já existentes. (Burlandy, 2003). Era gerida por uma Secretaria-
Executiva vinculada à Casa Civil da Presidência da República e não dispunha de
recursos próprios, tampouco executava programas ou projetos. Dessa forma, sem
dotação orçamentária, buscavam-se evitar o surgimento de estruturas paralelas de ação
governamental, disputas por orçamentos e sobreposição de ações. Portanto, assim como
no governo anterior, a principal perspectiva era aumentar a efetividade e a eficácia dos
programas federais já existentes.
Em relação à participação social, o Consea foi extinto e substituído pelo
Conselho Comunidade Solidária, que além de se constituir num espaço de concertação
entre governo e sociedade civil, promovia a capacitação de ONG`s e os programas
Universidade Solidária, Alfabetização Solidária e o Programa de Capacitação de Jovens.
(Draibe, 1998)
A Comunidade Solidária compôs uma agenda básica constituída de 16
programas federais setoriais considerados prioritários. Os programas eram
desenvolvidos por seis Ministérios (Saúde, educação, Agricultura e Abastecimento,
Planejamento e Orçamento, Desporto e Trabalho).
A CS vigorou até 2002, contudo, a partir do 2° mandato do Presidente Fernando
Henrique Cardoso, ganhou maior visibilidade dentro do CS o Programa Comunidade
Ativa, cujo objetivo principal era o de potencializar os recursos das próprias
comunidades no combate à pobreza, buscando tornar os municípios auto-sustentáveis.
Ao final do governo, em 2002, o programa transformou-se em uma ONG, a
COMUNITAS. (Fleury, 2003)
Assim como o PCFM, a CS enfrentou algumas dificuldades, principalmente no
que concerne à garantia da alocação, no tempo adequado, dos recursos necessários à
implementação dos diversos programas nos municípios. Além disso, são apontados
como pontos fracos da CS: a) estrutura paralela à proteção social; b) decisão centrada no
executivo federal; c) privilegiamento de programas clientelísticos; d) transferência do
dever do Estado de garantir a proteção social para a Sociedade Civil; e) baixa cobertura
da população potencialmente beneficiária; f) descontinuidade das ações dos programas
(Burlandy, 2003; Draibe, 1998; Resende, 2001).
50
No entanto, apesar dos problemas destacados acima, Draibe (1998) considera
que a CS representou uma importante inovação na política social brasileira,
contribuindo significativamente para o aprimoramento das ações de combate à fome e à
pobreza, pois “além de concentrar-se em formas inovadoras de ação e controle,
privilegia ações sociais integradas – de caráter universal e emergencial -, mas também
contínuas, flexíveis e descentralizadas. Inovou também ao introduzir a delimitação
territorial – municípios com maior incidência de pobreza – como um dos critérios que,
aliado ao de renda, focalizam os beneficiários.” (Draibe, 1998:.8)
Uma inovação importante no campo do combate à fome e à pobreza e do sistema
de proteção social, desenvolvida de forma paralela ao Comunidade Solidária, foi a
criação de programas federais12 de transferência de renda, voltados para às famílias com
filhos em idade escolar e com exigência de condicionalidades.
Ao término do governo, em 2002, existiam cerca de seis programas de
transferência de renda alocados em diversos Ministérios setoriais: Benefício de
Prestação Continuada (BPC), Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) e
Programa Agente Jovem (Ministério da Assistência Social), Programa Bolsa Escola
(Ministério da Educação e Cultura), Programa Bolsa Alimentação (Ministério da Saúde)
e Programa Vale-Gás (Ministério de Minas e Energia).
Na verdade, o governo Fernando Henrique foi marcado por profundas
contradições no campo das políticas sociais. Ao mesmo tempo em que foram efetuadas
importantes inovações no campo do combate à fome e à pobreza, o ajuste econômico e a
provisão de reformas na área social foram marcas importantes desse governo (Fleury,
2003; Soares, 2003).
Em 2003, no discurso de posse do Presidente Lula, o mesmo afirmou ser o
combate à fome e à pobreza o principal objetivo de seu governo. Nesta perspectiva, é
lançado como principal política de governo o Programa Fome Zero (PFZ), recuperando
a proposta original elaborada, em 2001, pelo Instituto Cidadania13. O PFZ pode ser
caracterizado como um conjunto de ações estruturais e compensatórias a serem
implementadas gradativamente ao longo dos quatro anos de governo (MESA, 2003). O
12 Na verdade, os programas federais basearam-se nas experiências exitosas de alguns municípios, que vinham desenvolvendo programas de transferência de renda desde 1995. 13 Fonte: Instituto Cidadania. 2001. Projeto Fome Zero: Uma Proposta de Segurança Alimentar.
51
principal objetivo do PFZ é a garantia da segurança alimentar e nutricional a todos os
cidadãos brasileiros, principalmente através do rompimento do círculo vicioso da fome
e da pobreza.
O programa parte do pressuposto de que a principal causa da insegurança
alimentar é o modelo econômico vigente - que incentiva a concentração de renda e as
desigualdades sociais - sendo, portanto, necessário reorientar as estratégias de
desenvolvimento econômico visando o alcance da equidade social (Instituto Cidadania,
2001). Ao mesmo tempo a proposta reitera a necessidade de intervenções públicas
voltadas à melhoria das condições de vida e nutrição de populações vivendo que vivem
na miséria.
Em relação à dinâmica de ação, o PFZ possui três eixos estratégicos: construção
participativa de uma política de SAN; mutirão contra a fome e; implantação de políticas
públicas (estruturais, específicas, e locais).
Dentre os programas que compõem o PFZ, a modalidade de transferência de
renda com exigência de contrapartidas permanece como uma das principais estratégias
de combate à pobreza e à fome e de garantia da segurança alimentar. Inicialmente é
criado o Programa Cartão Alimentação (PCA), que assim como as demais ações do PFZ
eram geridas pelo Ministério Extraordinário da Segurança Alimentar (MESA), criado
no governo Lula. Posteriormente, iniciou-se um processo de unificação dos programas
federais de transferência de renda.
No início de 2004, por ocasião da Reforma Ministerial, a área social, sobretudo
a de assistência, sofreu importantes alterações institucionais. O Ministério da
Assistência Social e o MESA foram extintos e suas funções foram transferidas para o
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), criado nesta
oportunidade.
Em resumo, o período pós 1990 trouxe avanços importantes para o campo da
Política Social, sobretudo das ações de combate à fome e à pobreza, principalmente em
relação a descentralização, a ampliação da participação e do controle social e da busca
por maior efetividade e eficácia dos gastos sociais. No entanto, alguns autores, como
Couto (2004), Macedo (2004), Fleury (2003), consideram que a partir de meados da
década de 90, o projeto de reforma neoliberal ganhou consistência no país, havendo
52
certo desmonte do sistema de proteção social que caminha em direção à seletividade e à
focalização.
Em que pesem tais considerações, a emergência de programas de transferência
de renda voltados para a família e articulados ao acesso à educação e às ações básicas de
saúde representa uma importante inflexão nas políticas sociais e possivelmente, uma
nova face da proteção social no Brasil.
2.4 Os Programas de Transferência de Renda no Brasil
Como apontado no Capítulo I, o debate sobre transferência de renda no Brasil
teve seu marco inicial em 1991, quando o Senador Eduardo Suplicy elaborou o projeto
de lei nº 80/91 que foi aprovado pelo Senado Federal. O projeto propunha que a todo
indivíduo adulto (maior de 25 anos) cuja renda familiar per capta mensal fosse inferior a
uma determinada linha de pobreza, seria transferido o equivalente a 30% da diferença
entre a renda do indivíduo e a linha de pobreza estipulada. (Suplicy, 2004, Silva e Silva,
2004). No projeto de lei consta que “O indivíduo é cidadão e como tal tem direito a
uma renda mínima e a usá-la como melhor lhe aprouver, aumentando, à sua maneira,
seu nível de bem-estar” (Silva e Silva, 1996 p. 24).
O Projeto, embora aprovado no Senado Federal, nunca foi submetido à votação
na Câmara de Deputados. As principais críticas a proposta de renda mínima do Senador
se deram principalmente no sentido da viabilidade de financiamento e condições para a
sua implantação. (Macedo, 2004)
A partir de 1993, o debate ganha novos contornos, quando o pesquisador José
Márcio Camargo publica na Folha de São Paulo em 18 de Março de 1993 o artigo “Os
Miseráveis” e propõe a transferência monetária de renda atrelada ao acesso à educação.
Em sua proposta, o direito ao benefício não estaria voltado aos indivíduos, mas às
famílias com filhos em idade escolar (5 a 16 anos). Neste caso, o ponto de corte para a
definição das famílias beneficiárias não seria a renda, mas a matricula na rede pública
de ensino.
Na verdade, o primeiro programa federal de transferência de renda foi o Renda
Mensal Vitalícia (criado nos anos 70), que na década de 90 foi substituído pelo
53
Benefício de Prestação Continuada (BPC). O BPC, criado através do Decreto nº 1.744
de 11/12/95, é um programa de abrangência nacional que transfere um salário mínimo
para as pessoas idosas (acima de 65 anos) ou portadoras de deficiências, cuja renda per
capita seja inferior a ¼ do salário mínimo e que não estejam vinculados a nenhum
regime de previdência social. A coordenação do BPC era feita pelo Ministério da
Assistência Social, sendo implementado no nível local pelas agências do INSS. O
benefício é pago através de um cartão bancário. Em 2003, o BPC já beneficiava cerca
de 1.756 milhões de brasileiros. (Silva e Silva, 2004)
Em 1996, a partir da constatação da existência de trabalho infantil e da pressão
de organismos internacionais, principalmente a Organização Internacional do Trabalho
(OIT), o Ministério da Assistência Social criou o Programa Criança Cidadã, que tinha
como objetivo fomentar a erradicação do trabalho infantil por meio da concessão de
auxílio financeiro às famílias, atrelando-o à permanência das crianças e adolescentes na
escola. O Programa, inicialmente, era voltado para as crianças que exerciam tarefas
laborativas na área rural nas regiões de Mato Grosso, Pernambuco, Bahia, Rondônia e
norte do Estado do Rio de Janeiro. Posteriormente, o Programa Criança Cidadã foi
substituído pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) (Macedo, 2004).
O principal objetivo do Peti era erradicar o trabalho infantil através da concessão
de auxílio financeiro (R$ 25,00 nas áreas rurais/R$40,00 em áreas urbanas) às famílias
com crianças entre 7 e 14 anos que trabalhavam ou encontravam em risco de trabalhar,
buscava-se também, através do programa, promover a inclusão e a permanência dessas
crianças na escola.
Entretanto, vale dizer que os programas de transferência de renda ganharam
verdadeiro impulso, a partir de 1995, quando passaram a ser desenvolvidos por alguns
municípios e estados da Federação14. No entanto, de acordo com o levantamento
realizado pelo NEPP em 199615, os programas de renda mínima em execução assumiam
características distintas no que tangia aos critérios de seleção, cálculo da renda familiar
e valor do benefício, modos de operacionalização, vinculação institucional,
14 As primeiras experiências foram desenvolvidas nos municípios de Campinas (Programa Municipal de Garantia de Renda Mínima) e Ribeirão Preto (Programa de Garantia de Renda Mínima), no estado de São Paulo e em Brasília (Programa Bolsa Escola), no Distrito Federal. 15 O NEPP fez um levantamento em 1996 dos diversos programas municipais de transferência de renda que estavam sendo desenvolvidos no Brasil.
54
contrapartidas, e nas formas de avaliação e monitoramento. Em relação ao foco dos
programas, apenas o programa desenvolvido pelo município de Jundiaí – SP tinha como
população alvo tanto as famílias com crianças quanto os indivíduos, uma vez que os
demais programas só contemplavam famílias que possuíam filhos (Draibe et al, 1996).
Alguns estudos voltados à avaliação dos programas de renda mínima
implementados no Brasil, apontaram para alguns importantes limites e impasses. Para
Silva e Silva (1996), os programas se restringiam, em geral, aos municípios com mais
recursos financeiros e que, mesmo assim, não eram capazes de atender a toda a
demanda municipal. Existia uma relação inversa entre a necessidade de intervenção
através de programas e a capacidade financeira dos municípios em garantir sua
operacionalização.
Dados os constrangimentos orçamentários a que estava submetida a maior parte
dos municípios, o atendimento universal da clientela alvo tornava-se problemático.
Como apontou Lavinas (1999:79), para atender a totalidade da população
potencialmente beneficiária, “dificilmente se poderá escapar de um co-financiamento
dos programas municipais por parte das demais esferas de governo, federal, e estadual,
sob pena de haver delimitação estreitamente focalizada do público-alvo em muitos
municípios ou mesmo de se desencorajar a implementação de PGRMs.”
Assim em 1997, no primeiro mandato do Presidente Fernando Henrique, foi
aprovada a Lei nº 9533/97, que estabelecia uma co-participação (cerca de 50%) do
governo federal, via Ministério da Educação, nos programas municipais de renda
mínima. Os recursos eram transferidos para as prefeituras que, por sua vez, repassavam
para as famílias beneficiárias. Cada município deveria elaborar a sua proposta de renda
mínima voltada para as famílias com crianças (7 a 14) e associadas a exigência de
mantê-las na escola. De acordo com a lei só poderiam receber auxílio da União, os
municípios cuja receita tributária e renda familiar per capita fossem inferiores às
respectivas médias do estado.
A partir de 2001, o programa é redimensionado, passando a se chamar Programa
Bolsa Escola (Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à Educação)16, dirigido
às famílias pobres (renda per capita inferior a meio salário mínimo) com filhos em idade
16 O Programa Bolsa Escola Federal foi fortemente baseado na experiência do Distrito Federal no governo de Cristovam Buarque.
55
escolar (7 a 14 anos). São transferidos para as famílias R$15,00 mensais por cada filho
em idade escolar, num teto máximo de três crianças, perfazendo um total de R$45,00.
Para receber o benefício, a família precisava garantir que as crianças freqüentassem
regularmente a escola (freqüência superior a 85%).
De acordo com o Ministério da Educação e Cultura (MEC), ao atrelar o
benefício monetário à manutenção das crianças na escola, o PBE buscava garantir não
só uma renda mínima para as famílias carentes, mas o acesso à educação das crianças.
Dessa forma, o principal objetivo do PBE, definido na lei de criação, era “quebrar o
círculo vicioso da pobreza significa oferecer oportunidades para as camadas de renda
mais baixa da população, sobretudo por meio da educação de qualidade” (MEC,
2001).
Segundo a Portaria nº 12 de 26 de Abril de 2002 cabiam a prefeitura Municipal
acompanhar a freqüência das crianças beneficiárias do PBE e informar trimestralmente
ao MEC, mediante um Relatório de Freqüência Escolar disponibilizado pela Caixa
Econômica Federal (agente operador do programa) para os municípios. O Relatório só
poderia ser enviado ao MEC após ter sido submetido ao Conselho de Controle Social do
Bolsa Escola.
O PBE apresentou algumas inovações em relação ao programa que o antecedeu,
como o repasse do benefício diretamente, via cartão bancário, às famílias beneficiárias
ao invés da prefeitura - diminuindo os riscos de fraudes- e a extensão do programa a
todo que qualquer município que quisesse aderir.
Na prática, a implantação de um programa federal de transferência de renda, o
Programa Bolsa Escola, de acordo com o levantamento feito por Silva e Silva (2004),
afetou diretamente os programas desenvolvidos pelos estados e municípios,
principalmente nos locais aonde o orçamento era mais reduzido. Na maior parte desses
locais, os programas foram substituídos pelo PBE, havendo inclusive, uma
desaceleração no processo de criação de novos programas. Por outro lado, foi possível
observar que nos municípios de maior recurso orçamentário, os programas foram
mantidos em paralelo ao Bolsa Escola.
Ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, foram criados os Programas
Vale-Gás (Ministério de Minas e Energia) e o Agente Jovem (Ministério da Assistência
Social). Além disso, o Renda Mensal Vitalícia e o Programa Criança Cidadã tornaram-
56
se mais abrangentes e foram substituídos, respectivamente, pelo Benefício de Prestação
Continuada (BPC) e pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI)
(Ministério da Assistência Social), consolidando assim a modalidade de transferência de
renda como uma das principais estratégias de combate à pobreza no país.
No campo específico da alimentação e nutrição, foi criado no final de 2001 o
Programa Bolsa Alimentação (MP Nº 2.206/2001) que substituiu o ICCN (Incentivo Ao
Combate às Carências Nutricionais), programa que distribuía leite e óleo de soja para as
famílias com crianças em risco nutricional. O PBA consistia na complementação da
renda familiar visando uma melhoria no padrão alimentar e das condições de saúde e
nutrição das gestantes, nutrizes e crianças. O pagamento, assim como no Programa
Bolsa Escola, era feito diretamente à família por meio de um cartão bancário. O valor
transferido por beneficiário era de R$15,00, podendo chegar ao valor máximo de
R$45,00. (MS,2001)
Uma vez cadastrada no programa, a família se comprometia a realizar uma
agenda de compromissos em saúde – assistência ao pré-natal, vacinação,
acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil, além da participação em
atividades educativas em saúde e nutrição. O controle social do PBA em âmbito
municipal era função do Conselho Municipal de Saúde (CMS).
Ainda em 2001, foi instituído o Programa Agente Jovem que se destinava às
pessoas com idade entre 15 e 17 anos e com renda per capita familiar inferior a meio
salário mínimo. Para receber a bolsa no valor de R$65, 00, os jovens deveriam estar
matriculados na rede de ensino e ter freqüência superior a 75%, além de participar de
atividades comunitárias. Em 2002, o programa beneficiou cerca de 105.000
adolescentes (Silva e Silva, 2004).
O último programa de transferência de renda instituído no governo Fernando
Henrique, foi o Programa Auxílio-Gás, criado através da Lei 10.453/2002 para atender
as famílias pobres (renda per capita inferior a meio salário mínimo ou integrante de
algum programa social do governo). O repasse bimestral de R$14,00 tinha como
objetivo compensar os efeitos da liberação do comércio de derivados de petróleo e a
retirada de subsídio ao gás de cozinha.
Em consonância com o processo de descentralização e de municipalização das
políticas públicas, a gestão desses programas de transferência de renda era municipal,
57
cabendo à Secretaria gestora do programa a indicação de um profissional como
responsável técnico, a seleção, a inscrição e o acompanhamento das famílias e a oferta
das condicionalidades de forma a garantir os meios necessários ao cumprimento da
agenda de compromissos por parte das famílias vinculadas ao programa. Cabia ainda ao
município a execução do cadastramento dessas famílias para que fossem beneficiadas
pelos programas sociais do governo.
As principais críticas aos programas de transferência de renda apontam para o
baixo valor do benefício, com efeitos quase nulos na geração de maior autonomia para
as famílias e diminuição da pobreza. A baixa cobertura da população potencialmente
beneficiária também é ressaltada como um importante limite da intervenção.
Igualmente, o cadastramento e a seleção de beneficiários vem sendo alvo de críticas,
uma vez que o processo não era conduzido com transparência, havendo problemas de
má focalização, duplicação de cadastros, uso eleitoral, entre outros (Silva e Silva, 2004;
Lavinas, 1997; 2000a; 2004).
Como discutido no item anterior, em 2003, já no governo do Presidente Lula, a
modalidade de transferência de renda com exigência de contrapartidas permanece como
uma das principais estratégias de combate à pobreza e à fome, porém dentro de uma
perspectiva mais ampla de garantia da segurança alimentar e nutricional (SAN) da
população, principal eixo da política social do governo.
Inicialmente, foram mantidos os programas de transferência de renda do governo
anterior e também foi criado um programa próprio, o Programa Cartão Alimentação
(PCA), que integrava o Fome Zero. O PCA tinha como objetivo principal a
complementação da renda das famílias consideradas muito pobres, mediante a exigência
de algumas contrapartidas, como os cursos de alfabetização para adultos e de
requalificação profissional. O mecanismo de transferência monetária era similar aos
programas anteriores, via cartão bancário em nome da mulher responsável pela família,
sendo o valor repassado de R$50,00 (Instituto Cidadania, 2001).
Para que o PCA fosse implantado no município se fazia necessário a criação de
um Comitê Gestor, formado pela sociedade civil e que tinha como papel a captação, o
cadastramento e a seleção das famílias beneficiárias, além do controle social. O PCA
priorizou os municípios de pequeno porte e com alto percentual de pobreza,
principalmente na região nordeste e em algumas áreas do sudeste.
58
Em outubro de 2003, o PCA e outros três programas federais de transferência de
renda, foram unificados no Programa Bolsa Família (PBF), que tem como meta
beneficiar 11,2 milhões de famílias pobres (renda per capita inferior a R$100,00) até o
final de 2006.
59
Capítulo III
PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA – OBJETIVOS E DESENHO OPERACIONAL
Apesar dos avanços obtidos na trajetória dos programas de complementação de
renda, enquanto uma estratégia de combate à fome e à pobreza, na década de 90, as
ações ainda foram marcadas pela fragmentação e paralelismo. Com efeito, perpetuaram-
se mecanismos de sobrefocalização dos beneficiários – ou seja, enquanto algumas
famílias recebiam o Bolsa Escola e o Bolsa Alimentação, outras famílias em igual
condição de miséria, não recebiam nenhum benefício – além da baixa cobertura e do
fraco controle social. A pulverização dos programas criou uma duplicação na
administração dos escassos recursos, reduzindo significativamente o seu impacto.
Na tentativa de romper com essa realidade, consolidar a estratégia de
transferência de renda condicional, o governo federal instituiu através da Medida
Provisória nº 132 em outubro de 2003, convertida na Lei 10.386 de 09/01/04, o
Programa Bolsa Família (PBF), que reúne quatro programas de complementação de
renda (Bolsa Escola, Auxílio-Gás, Bolsa Alimentação e Cartão Alimentação) sob uma
gestão unificada (quadro 1).
Quadro 1: Programas de Transferência de Renda Unificados no Programa Bolsa Família
Programa Bolsa Escola
Programa Bolsa Alimentação
Vale-Gás Programa Cartão Alimentação
Gestor MEC MS MME MESA
Valor Mensal do benefício
R$ 15,00
Teto de R$45,00 por família
R$15,00
Teto de R$45,00 por família
R$ 7,50 pagos bimestralmente
R$50,00
Público Alvo/
critério inclusão
Famílias com crianças entre 6 e 15 anos com renda per capita inferior a ½ SM
Famílias com crianças (6meses a 6 anos), gestantes e nutrizes com renda per capita inferior a ½ SM
Famílias com renda mensal per capita inferior a ½ SM integrantes do Cad-único
Famílias com renda mensal per capita inferior a meio salário mínimo
Critério Renda, Faixa Etária Renda, Faixa Etária
Estado nutricional
Renda Renda
Condicionalidades
Freqüência escolar igual ou superior a 85%
Acompanhamento estado nutricional
Vacinação,Assistência pré-natal
Participação em atividades sociais, comunitárias e educativas.
Elaboração própria a partir das Leis de criação dos PBE, PBA, PCA e Auxílio Gás.
60
A criação do Programa Bolsa Família, representa ainda um esforço de
fortalecimento do Programa Fome Zero (PFZ), principal política social do governo. O
PBF é considerado um braço importante do PFZ, primeiro porque se espera que através
do auxílio financeiro, as famílias possam adquirir alimentos e sair da situação de
insegurança alimentar, e segundo porque está previsto que em parceria com os estados e
municípios, o PBF trará para o local, outros programas de combate à fome, à pobreza e
à exclusão social (Brasil, 2003).
O principal objetivo do Programa Bolsa Família é promover a emancipação das
famílias pobres através da conjugação de ações emergenciais e estruturais, à medida que
busca incorporar à concessão do benefício financeiro o aumento do capital humano e o
acesso aos serviços públicos de saúde e educação. Dentre os objetivos oficiais do PBF,
definidos na Lei 10.836, estão ainda o combate à fome, à pobreza e a garantia da
segurança alimentar e nutricional, além da promoção da intersetorialidade e da sinergia
entre as ações desenvolvidas pelo poder público.
Uma das principais inovações do PBF é que o foco prioritário passa a ser a
família em situação de pobreza ou de extrema pobreza, independente da composição
familiar. Até então, os programas que o antecederam só contemplavam as famílias com
indivíduos em situação de vulnerabilidade social e biológica, como crianças, gestantes e
nutrizes, sendo consideradas inelegíveis as famílias constituídas apenas por adultos.
Verifica-se ainda um rompimento com a noção tradicional de família nuclear abrindo-se
espaço para um conceito mais ampliado e flexível17.
O critério para a seleção das famílias beneficiárias é a renda mensal per capita
até R$100,00. Na verdade, são definidas duas linhas de corte para concessão dos
benefícios, a partir da qual a família é classificada em extremamente pobre (renda
mensal per capita inferior a R$50,00) e pobre (renda mensal per capita entre R$50, 00 e
R$100,00) (MDS, 2003). A partir dessa classificação e da composição familiar, as
famílias têm direito a um determinado valor monetário conforme mostra o quadro
abaixo:
17 Apesar de mais flexível, de acordo com um relatório do Consea e uma Nota da Relatoria do Direito Humano à Alimentação, a definição de família adotada no programa ainda não foi suficiente para se adaptar às famílias indígenas e quilombolas.
61
Quadro 2 – Valor do Benefício do PBF Segundo Renda Per Capita Familiar
Renda Per Capita Familiar Valor do Benefício
Até R$ 50,00 Benefício Básico – R$ 50,00
Benefício Variável – R$ 15 por cada criança (0 a 15 anos), gestante ou nutriz com filho até 6 meses de idade, até no máximo, R$ 45,00.
Até R$100,00 Benefício Variável – R$ 15 por cada criança (0 a 15 anos), gestante ou nutriz com filho até 6 meses de idade, até, no máximo, R$45,00.
Fonte: Elaboração própria a partir da Lei 10836 de 09 de janeiro de 2004.
Embora haja a previsão de que gradativamente passarão a ser utilizados
indicadores sociais enquanto critérios de elegibilidade, atualmente a renda é utilizada
como único critério de seleção de beneficiários.
A concessão de um benefício fixo no valor de R$50,00 às famílias extremamente
pobres (renda per capita inferior R$50,00) possibilitou que a unificação dos programas
sociais aumentasse, segundo informações do governo federal, o valor médio transferido
às famílias de R$23,00 para R$73,00. Existe ainda a possibilidade de esse valor ser
ampliado mediante a celebração de um termo de cooperação entre estados, municípios e
União.
No que concerne aos mecanismos de seleção, o ingresso das famílias ao PBF
ocorre por meio da inscrição no Cadastro Único dos Programas Sociais do Governo
Federal. Em princípio, tem sido dada prioridade à migração das famílias beneficiárias
dos programas remanescentes que integram o Bolsa Família, cujos cadastros já fazem
parte do Cad-único. Além disso, podem ser incorporadas, também, famílias que
atendam aos critérios de elegibilidade e que não são contempladas por nenhum
programa de transferência de renda do governo federal. As famílias que ainda não
migraram para o PBF continuam recebendo a bolsa referente ao programa remanescente
a que estão vinculados, contudo é vedada a concessão de novos benefícios.
Após a seleção dos beneficiários, a Caixa Econômica Federal (CEF) emite um
cartão magnético em nome do titular da família, preferencialmente a mulher. Para a
entrega do cartão, estão previstas duas possibilidades: a CEF marca uma data para a
entrega, ou em caso da não existência de uma agência da CEF, a prefeitura pode
62
agendar algum evento para que as famílias recebam o cartão. Ao receber o cartão, o
titular cadastra uma senha com seis dígitos e passa a receber mensalmente o benefício.
É interessante notar que o PBF mantém a estratégia dos programas anteriores ao
colocar a mulher como titular do benefício e ao transferir o valor da bolsa diretamente
às famílias por meio do cartão eletrônico. A adoção dessa estratégia teria o potencial de
racionalizar os custos administrativos com o programa e de dificultar o desvio de verbas
por parte de algumas prefeituras municipais.
Com relação ao tempo de permanência no programa, tanto a lei quanto o decreto
de regulamentação do PBF não definem um período específico, apenas que o benefício
tem caráter temporário e não gera direito adquirido. Constam nesses documentos
oficiais apenas os critérios de desligamento nos seguintes casos: trabalho infantil, fraude
ou informação incorreta, aumento da renda per capita acima da linha estipulada e o não
cumprimento das condicionalidades exigidas pelo Programa.
O PBF ao unificar os programas de transferência de renda, maximiza a agenda
de compromissos, incorporando as diversas condicionalidades exigidas nos programas
remanescentes. Cabem às famílias beneficiárias do PBF as seguintes
responsabilidades18:
i. Gestantes – a) inscrever-se no pré-natal e comparecer às consultas de acordo
com o calendário mínimo preconizado pelo Ministério da Saúde;b) participar
de atividades educativas ofertadas pelas equipes de saúde sobre aleitamento
materno e promoção da alimentação saudável.
ii. Responsáveis pelas crianças menores de 7 (sete) anos - a) manter em dia o
calendário de vacinação; b) levar a criança às unidades de saúde para a
realização do acompanhamento do estado nutricional e do desenvolvimento
e de outras ações; c) efetivar a matrícula escolar em estabelecimento regular
de ensino; d) garantir a freqüência escolar de no mínimo 85%; e) informar
imediatamente à escola, quando da impossibilidade de comparecimento do
aluno à aula, apresentando, se existente, a devida justificativa da falta.
18 As referidas responsabilidades foram definidas através das Portarias Interministeriais nº 3.789, de 17 de novembro de 2004 e nº 2.509, de 18 de novembro de 2004, que regulamentam, respectivamente, as condicionalidades referentes à educação e à saúde.
63
iii. Informar ao órgão municipal responsável pelo Cadastramento Único
qualquer alteração no seu cadastro original objetivando a atualização do
cadastro da sua família
O monitoramento do cumprimento dessa agenda de compromissos deve ser
realizado no âmbito local, através das secretarias de educação e saúde e de seus
respectivos conselhos de controle social.
3.1 A Institucionalidade do Programa Bolsa Família
A gestão e a execução do Programa Bolsa Família, seguindo a trajetória atual
das políticas sociais no Brasil, é descentralizada e baseada na conjugação de esforços
entre os entes federados, com atribuições articuladas e complementares.
No nível federal, na ocasião de sua criação, o PBF esteve do ponto de vista
institucional, ligado diretamente ao gabinete da Presidência da República e era gerido
por um Conselho Gestor Interministerial do Programa Bolsa Família (Secretaria
Executiva do PBF). Com a reforma ministerial, o PBF passou a ser gerido pela
Secretaria Nacional de Renda de Cidadania, vinculada ao recém criado Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)19 e as funções do Conselho Gestor
Interministerial foram transferidas para o Conselho Gestor do PBF20 (CGPBF), órgão
colegiado de caráter deliberativo e também vinculado ao MDS. As principais funções
do CGPBF, definidos em regulamento, são: “formular e integrar políticas, definir
diretrizes, normas e procedimentos sobre o desenvolvimento e implementação do
Programa Bolsa Família, bem como apoiar iniciativas para a instituição de políticas
sociais visando promover a emancipação das famílias pelo Programa nas esferas
19 Embora inicialmente concebido como um braço importante do Programa Fome Zero, o PBF apresentava, assim, autonomia tanto em relação ao Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar (MESA), responsável pelo Programa Fome Zero, quanto ao Ministério de Assistência Social. Entretanto, por ocasião da reforma ministerial através da Medida Provisória nº163 de 23 de janeiro de 2004, as funções do MESA, do Ministério de Assistência Social e do Conselho Gestor Interministerial do Programa Bolsa Família (Secretaria Executiva do Bolsa Família) foram transferidas para o recém criado Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). 20 O Conselho Gestor do Programa Bolsa Família é composto pelos titulares dos seguintes órgão e entidades: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Ministério da Educação; Ministério da Saúde; Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Ministério da Fazenda; Casa Civil da Presidência da República e Caixa Econômica Federal.
64
federal, estadual, do Distrito Federal e municipal”. O regulamento prevê ainda a
constituição de um Comitê Executivo, coordenado pelo MDS, para implementar e
acompanhar as decisões do CGPBF.
No âmbito estadual, o acompanhamento do PBF deve ser realizado através de
uma coordenação intersetorial (representantes das áreas de saúde, educação, assistência
social e segurança alimentar). Cabe aos estados, a promoção de ações que viabilizem a
gestão intersetorial, a articulação com os gestores municipais, o fornecimento de apoio
técnico, institucional e estrutural aos municípios e o acompanhamento e apoio ao
cadastramento municipal.
No nível municipal, é recomendado que a gestão seja feita através de uma
coordenação, envolvendo a participação de técnicos da Educação, Saúde e Assistência
Social (além de outras Secretarias), preferencialmente daqueles profissionais que
haviam sido responsáveis pelos programas remanescentes e pelo Cadastro Único. O
cadastramento das famílias pobres e o estabelecimento de parcerias com órgãos e
instituições municipais, estaduais e federais, governamentais e não governamentais para
a oferta de programas complementares ao PBF (crédito, alfabetização, capacitação entre
outros) também são atribuições dos municípios.
Com relação à oferta e ao acompanhamento das contrapartidas do PBF, o
Decreto de Regulamentação se limitou a estabelecer que tais papéis seriam de
responsabilidade dos três níveis de governo e que deveria ser feita de forma articulada e
intersetorial. Esse fato teve grande repercussão na mídia nacional, uma vez que foram
feitas diversas denúncias21 sobre a falta de acompanhamento das contrapartidas exigidas
pelo programa, o que gerou grande desgaste ao Bolsa Família. Em resposta às
denúncias, o governo federal publicou, em novembro de 2004, duas Portarias
Interministeriais22 que definiram as responsabilidades no âmbito das três esferas e dos
diversos setores de governo.
De acordo com as referidas Portarias, cabe aos Ministérios da Saúde e da
Educação a indicação de técnicos para gerir o Sistema Federal de Acompanhamento das
21 Artigo do jornalista Ali Kamel publicado no Jornal O Globo de 07 de setembro de 2004. 22 A definição dos Papéis e Responsabilidades das condicionalidades referentes à educação foram definidas pela Portaria Interministerial de nº 3.789, de 17 de novembro de 2004 e a da saúde pela Portaria Interministerial nº 2.509 de 18 de novembro de 2004
65
Contrapartidas (SFAC), a capacitação dos gestores estaduais e municipais, o envio de
dados para o MDS e o estabelecimento das diretrizes técnicas. Quanto ao MDS, suas
principais funções são: a articulação e a integração dos Ministérios; o apoio
institucional aos estados e municípios e; a disponibilização dos dados da base do Cad-
único.
Com relação ao governo estadual, cabe às secretarias de saúde e educação a
indicação de um técnico para coordenar o acompanhamento das contrapartidas, a
capacitação e a divulgação para os municípios das normas de monitoramento, o apoio
logístico e a consolidação dos dados.
No nível local, as principais ações que devem ser desenvolvidas pelas secretarias
municipais são: a indicação de um técnico para coordenar os respectivos sistemas de
controle das condicionalidades da saúde e da educação; a atualização das informações, a
oferta dos serviços previstos no Programa, a promoção de ações de apoio e de
capacitação dos profissionais e; atualização dos dados do Cad-único.
Para além dessas responsabilidades definidas pelo Decreto e pelas duas
Portarias, os municípios e estados da federação podem aderir ao PBF mediante a
assinatura de um termo de cooperação com a União. Sob esta condição, os entes
federados podem ampliar o valor do benefício, unificar programas próprios de
transferência de renda ao programa federal, aumentar o número de beneficiários, definir
outras ações de proteção social - como mini-crédito, programas de moradia e/ou
qualificação profissional – e ampliar suas responsabilidades na execução do programa
em seu território. Através da unificação dos programas sociais, as famílias beneficiadas
passam a receber um único cartão bancário, aonde constam as logomarcas do governo
federal e dos governos e prefeituras que firmaram a parceria.
Até Novembro de 2004, o MDS já havia estabelecido parcerias com 14 estados e
14 municípios da federação. O Quadro 5 apresenta os principais itens presentes nos
termos de cooperação entre União e as Unidades Federativas.
66
Quadro 3: Celebração de Termos de Cooperação entre Estados e União – Janeiro – Novembro 2004
Elaboração Própria a partir dos Termos de Cooperação entre os Estados e a União na página
www.mds.gov.br/bolsafamilia
Dentre os acordos firmados entre estados e União, 43% previam um aumento do
valor do benefício a ser transferido para as famílias. No Estado do Rio de Janeiro, por
exemplo, foi estabelecido que nas cidades da região metropolitana, haverá um
acréscimo de R$10,00 no valor da bolsa repassado às famílias.
UF Data de assinatura do Termo
Aumento do valor do benefício
Integração de algum programa estadual de transferência de renda
Implementação conjunta de algum Programa Social do Estado
AC Junho 2004 Sim Sim.
Programa Estadual Adjunto da Solidadiredade
Sim
BA Setembro 2004 Não Não Sim
CE Junho 2004 Sim Sim.
Programa Bolsa Cidadão
Sim
DF Março 2004 Sim Sim.
Programas Renda Solidariedade/ Renda Mínima
Sim
MA Março 2004 Não Não Sim
MG Maio 2004 Não Sim.
Programa Bolsa Familiar
Sim
MS Março 2004 Sim Não Sim
PE Setembro Não Não Sim
PI Outubro Não Não Sim
PR Julho 2004 Não Não Sim
RJ Maio 2004 Sim Não Sim
RN Novembro 2004 Não Não Sim
SC Outubro 2004 Não Não Sim
SP Maio Sim Sim.
Programa Renda Cidadã
Sim
67
Quanto à unificação de programas estaduais de transferência de renda ao
Programa Bolsa Família, apenas cinco estados (35,7%) estabeleceram tal parceria. Vale
ressaltar que alguns estados que assinaram o termo não possuíam nenhum programa de
transferência de renda. Em todos os termos de celebração foram previstos que as
famílias inseridas no PBF seriam prioritárias para os programas sociais dos estados.
Constam ainda na maior parte dos termos a assunção de responsabilidade dos estados
com o processo de cadastramento único nos municípios.
É possível ainda a celebração de termos de cooperação entre os Ministérios da
Educação e da Saúde com as suas respectivas secretarias estaduais e municipais para
efetuarem a oferta e o acompanhamento das condicionalidades previstas no Programa
Bolsa Família. Contudo, até dezembro de 2004, nenhum termo desta natureza havia sido
assinado.
Além da União, Estados e Municípios, a Caixa Econômica Federal também se
configura num ator importante na operacionalização do PBF, uma vez que é o agente
operador e pagador do beneficio financeiro dado às famílias inscritas no programa. São
atribuições da CEF: fornecimento da infra-estrutura necessária à organização e à
manutenção do Cadastramento Único; desenvolvimento dos sistemas de processamento
de dados; organização e operação da logística de pagamento dos benefícios; elaboração
de relatórios e fornecimento de bases de dados necessários ao acompanhamento, ao
controle, à avaliação e à fiscalização da execução do Programa.
Quanto ao controle e a participação social, a Lei 10.836 estabelecia que os
mesmos deveriam ser realizados no âmbito local, através de um conselho ou comitê
instalado pelo Poder Público Municipal, mas não definia qual seria esse conselho,
tampouco qual seria o seu papel com relação ao PBF. Essas questões só foram definidas
de forma mais clara, por ocasião da publicação do Decreto de regulamentação do PBF,
um ano após o início da implementação do programa. Este decreto pontua que o
controle social deve ser realizado por um conselho formalmente instituído pelo
município ou mesmo por uma instancia já existente anteriormente, desde que seja
respeitada a paridade entre sociedade civil e governo e que tenha dentre seus
conselheiros, representantes das áreas de educação, saúde, segurança alimentar e direito
da criança e do adolescente. O controle social no nível local pode também ser feito em
âmbito regional por meio de um consórcio intermunicipal, celebrado através de um
termo de cooperação.
68
As normas do programa prevêem que o conselho responsável pelo PBF deve ser
de caráter deliberativo e fiscalizador, cabendo-lhe as seguintes funções:
a) Acompanhar, avaliar e subsidiar a fiscalização da execução do PBF
no âmbito municipal ou jurisdicional;
b) Acompanhar e estimular a integração e a oferta de outras políticas
públicas sociais para as famílias beneficiárias do PBF
c) Estimular a participação comunitária no controle da execução do PBF
d) Elaborar, aprovar e modificar seu regimento interno.
Contudo, dada a constatação da urgência em iniciar um efetivo controle social23
do PBF, o MDS publicou a Portaria nº 660, em 11 de novembro de 2004, onde são
estabelecidas as regras de fiscalização e acompanhamento, até que os conselhos ou
comitês sejam criados nos municípios.
Dessa forma, a referida Portaria definiu que, temporariamente24, caberão aos
Comitês Gestores do Fome Zero (caso existam) e aos Conselhos Municipais de
Assistência Social o controle social do PBF. Tais conselhos passarão a ter acesso aos
dados cadastrais das famílias inscritas no Programa e poderão receber e encaminhar ao
MDS e ao Ministério Público denúncias relacionadas à execução do PBF no nível local.
O acompanhamento do cumprimento das condicionalidades será efetuado pelos
Conselhos de Saúde e Educação.
No âmbito Federal, a Portaria nº 1 publicada em 3 de setembro de 2004,
estabeleceu um conjunto de medidas para que sejam realizadas atividades de
fiscalização, acompanhamento e controle da execução e gestão local do PBF. Tal
controle pode ser efetuado através de quatro tipos de ações, dependendo do grau de
prioridade:
23 Durante os meses de setembro, outubro e novembro, várias reportagens veiculadas nos diversos meios de comunicação denunciavam fraudes no processo de cadastramento, seleção, entrega de cartões e acompanhamento das condicionalidades estabelecidas pelo PBF. Tais denúncias tiveram repercussões importantes na sociedade civil e no governo federal. 24 De acordo com a Portaria nº 660, a efetiva constituição dos conselhos ou comitês fará cessar as competências do Conselho de Assistência Social e do Comitê Gestor do Fome Zero.
69
i. Acompanhamento à distância – é realizado de forma sistemática,
padronizada, preventiva e prospectiva quando for considerado baixo
nível de prioridade.
ii. Vistoria – é aplicada de forma sistemática, padronizada e preventiva
quando for considerado de média prioridade ou quando forem
detectadas falhas durante o acompanhamento à distância.
iii. Fiscalização – de natureza reativa ou prospectiva, é aplicado em
casos onde seja necessário verificar denúncias, apurar fatos,
circunstâncias ou responsabilidades por ocasião de denúncias ou ao
cumprimento de recomendação dos órgãos de Controle Interno e
Externo da União.
iv. Monitoria – efetuada por ocasião de algum deslocamento de
técnicos do MDS próximo a alguma região a ser monitorada.
A Portaria prevê ainda que denúncias formais ou mesmo matérias jornalísticas e
de mídia impressa ou eletrônica relacionadas com a gestão local do PBF, implicarão em
abertura de processo investigativo.
Além destes mecanismos, uma outra ação que visa dar maior transparência à
execução do Programa, evitando fraudes, é a disponibilização e divulgação da relação
de beneficiários do PBF nos sites da CEF e do MDS.
No que se refere aos mecanismos de financiamento, o artigo 6o. da lei que cria o
Bolsa Família prevê a unificação no MDS dos recursos dos antigos programas de
transferência de renda que agora integram o PBF. Também está prevista a incorporação
de recursos provenientes do Cadastramento Único e de outras dotações do orçamento da
seguridade social da União. Um aspecto a ressaltar é a ausência de especificação de
novas fontes de recursos e sua limitação ao montante já disponível, conforme mostra o
Parágrafo Único deste artigo: “O Poder Executivo deverá compatibilizar a quantidade
de beneficiários do Programa Bolsa Família com as dotações orçamentárias
existentes”
70
3.2 Metas e Trajetórias de Implementação
De acordo com o MDS, o PBF tem como meta beneficiar, até o final de 2006,
11,2 milhões de famílias, ou seja, todas as famílias em situação de extrema pobreza no
país, segundo os dados do IBGE. Vale ressaltar que o número de famílias pobres e
extremamente pobres no Brasil não é consensual, e varia sobremaneira, dependendo da
linha de pobreza ou da metodologia adotada.
Inicialmente (em 2003), o PBF priorizou os municípios mais pobres e de
pequeno porte, principalmente nas regiões norte e nordeste e algumas áreas do
Sudeste25. Em 2004, com a criação do MDS, o foco se desloca destes municípios para
as grandes metrópoles, que embora não apresentem um percentual tão alto de pobreza,
possuem um número absoluto de pobres bastante significativo.
Na verdade, a trajetória de implantação de programas focalizados revela um
campo amplo de debates e tensões, principalmente em relação à questão dos critérios
para a priorização dos municípios. Devem-se priorizar aqueles com maior proporção ou
com maior número absoluto de pobres? De acordo com estudo realizado por Sônia
Rocha (2003), em geral, os 100 municípios que apresentam uma proporção
elevadíssima de pobres (maior que 50%) são municípios pequenos, que juntos não
representam mais que 2,6% do contingente de pobres no Brasil. Por outro lado, as
grandes metrópoles, apesar de apresentarem uma proporção relativamente menor de
pobres, devido a sua grande expressão demográfica, concentram elevados contingentes
de pobreza extrema (71% do total).
Ainda de acordo com Rocha (2003), políticas focalizadas nos municípios menos
populosos, mas com proporções elevadas de pessoas vivendo em pobreza extrema,
podem ter impactos menos expressivos. È preciso considerar um conjunto de
indicadores de pobreza extrema como: a proporção e o número de pessoas em pobreza
extrema, os níveis de renda e de vida das pessoas e o número de municípios a serem
contemplados.
25 Inicialmente, o PBF priorizou os municípios do Nordeste, Norte e região Sudeste que já haviam implantado o Programa Cartão Alimentação.
71
De fato, em 2004, conforme mostra a tabela abaixo, o PBF cresceu mais de
100% na maior parte das capitais brasileiras. As capitais que apresentaram maior
crescimento foram Belém, Rio de Janeiro, Brasília e Porto Velho. É interessante notar
que seis26 das dez capitais que apresentaram maior crescimento do número de famílias
incluídas no programa assinaram o termo de cooperação com a União.
Tabela 1: Evolução da Inclusão de Famílias no PBF nas Capitais – Jan/Dez 2004
UF Capitais Jan/04 Dez/04 Evolução (%)
PA Belém 298 30.574 10.159
RJ Rio de Janeiro 1.839 47.412 2.478
DF Brasília 2.060 39.889 1.936
RO Porto Velho 666 13.050 1.859
RR Boa Vista 2.070 10.936 428
ES Vitória 1.472 6.792 361
MT Cuiabá 4.272 14.962 250
SE Aracaju 4.741 15.485 226
AL Maceió 12.073 37.576 211
GO Goiânia 5.767 17.773 208
SP São Paulo 54.039 166.370 207
PR Curitiba 8.886 24.480 175
AM Manaus 13.824 36.709 165
PE Recife 16.852 42.187 150
BA Salvador 34.324 84.920 147
TO Palmas 1.605 3.845 139
PB João Pessoa 10.203 23.871 134
RN Natal 10.429 24.176 131
AP Macapá 1.918 3.885 102
CE Fortaleza 38.568 75.598 96
AC Rio Branco 6.331 12.218 93
MA São Luis 20.194 37.895 87
SC Florianópolis 2.875 4.826 67
MS Campo Grande 7.905 13.136 66
PI Teresina 21.182 34.213 61
MG Belo Horizonte 50.466 71.299 41
RS Porto Alegre 20.473 27.485 34
Total 335.352 923.622 160
Fonte: MDS, 2004
26 Aracaju, Belém, Boa Vista, Brasília, Goiânia e Rio de Janeiro.
72
Porto Alegre (34%), Belo Horizonte (41%) e Teresina (61%) foram as capitais
que apresentaram menor crescimento de beneficiários entre os meses de janeiro e
novembro de 2004. Tal fato pode ser justificado pela ampliação ocorrida nestas capitais
ainda em 2003. Como mostra a tabela 2, esses municípios estão entre as capitais que
atingiram o maior percentual de cobertura do programa. Belo Horizonte é a capital com
maior inclusão de famílias (87,9%), seguida por Teresina (67,9%) e Porto Alegre
(66,75) que ocupam respectivamente a 4ª e a 8ª posição.
Tabela 2: Cobertura (%) do PBF nas Capitais – Dez/04
UF Capital Cobertura UF Capital Cobertura (%)
MG B. Horizonte 87,9 SE Aracaju 56,3
RR Boa Vista 86,3 AL Maceió 56,2
SC Florianópolis 80,8 CE Fortaleza 52,3
PI Teresina 67,9 BA Salvador 50,8
AC Rio Branco 67,3 MS Campo 50,0
PB João Pessoa 67,1 DF Brasília 48,7
MT Cuiabá 67,0 RN Natal 48,4
RS Porto Alegre 66,7 GO Goiânia 45,5
PR Curitiba 63,8 PE Recife 42,1
SP São Paulo 62,3 AP Macapá 40,3
MA São Luis 61,6 PA Belém 39,0
RO Porto Velho 60,2 AM Manaus 36,8
TO Palmas 60,0 RJ R. de Janeiro 25,7
ES Vitória 57,8
Fonte: MDS, 2004
Ao comparar as tabelas 1 e 2, é possível observar que mesmo com um
crescimento bastante expressivo no número de famílias incluídas no PBF, algumas
capitais, como o Rio de Janeiro (25,7%), Belém (39%), Brasília (48,7%), ainda
apresentam uma cobertura bastante inferior às demais capitais.
O PBF, em 2004, passou a se expandir com grande rapidez, chegando a atender,
em novembro deste ano, 5 milhões 948 mil famílias residentes em 5.521 municípios, ou
seja, 53,1% da meta final do programa (Gráfico 1).
73
Gráfico 1: Percentual de Famílias pobres* atendidas e não atendidas pelo
PBF – Brasil, 2004**
53%
47%Famílias Pobresatendidas pelo PBF
Famílias Pobres nãoatendidas pelo PBF
.
O Gráfico abaixo apresenta a distribuição percentual de famílias atendidas pelo
PBF nas cinco grandes regiões do País. Observa-se que, até novembro de 2004, a região
Nordeste concentrava mais de 50% das famílias beneficiadas pelo PBF, enquanto a
região Centro-Oeste apenas 4%.
Gráfico 2: Distribuição percentual de Famílias Atendidas pelo PBF segundo
Regiões, Brasil, 2004
4%
53%
8%
10%
25% Centro-Oeste
Nordeste
Norte
Sul
Sudeste
Fonte: MDS, 2004
* Segundo estimativa do IBGE. ** Dados referentes à Novembro de 2004.
Fonte: MDS, 2004. Dados referentes à novembro de 2004.
74
A comparação entre os gráficos 2 e 3 permite observar uma tendência do Bolsa
Família em acompanhar a distribuição percentual de famílias pobres nas regiões. No
caso, a maior destinação de bolsas para o Nordeste (53%) e menor para o Centro-Oeste
(4%) se justificaria, uma vez que representam respectivamente a região com maior e
menor proporção de pobres do país.
Gráfico 3: Distribuição Percentual de Famílias Pobres * segundo Regiões, Brasil, 2004
6%
47%
10%
10%
27% Centro-Oeste
Nordeste
Norte
Sul
Sudeste
Fonte: MDS, 2004. Dados referentes à novembro de 2004
* Segundo estimativas do IBGE.
No que concerne à cobertura do PBF nas grandes regiões, enquanto o Norte
(42,6%) e o Centro-Oeste (37,8%) apresentaram o menor percentual de famílias pobres
incluídas no Programa, as regiões Nordeste (59,4%) e Sul (54,2%) já ultrapassaram
50% da meta.
Gráfico 4: Percentual de Cobertura do PBF segundo Regiões, Brasil, 2004
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
Centro-Oeste
Nordeste Norte Sul Sudeste
% famílias a seremincluídas no PBF
% famílias incluídas noPBF
Fonte: MDS, 2004
75
De fato, quando analisamos os dados segundo Unidades da Federação (gráfico
5), observamos que dentre os cinco estados com menor percentual de cobertura, dois
(Pará e Rondônia) são da região Norte e dois da região Centro-Oeste (Mato Grosso do
Sul e Goiás).
Gráfico 5: Percentual de Cobertura do Programa Bolsa Família segundo
Unidades da Federação, Brasil, 2004
0
10
20
30
40
50
60
70
AC
AL
AM AP
BA CE
DF ES
GO
MA
MG
MT
MS
PA PB PE PI PR RJ
RN RS
RR
RO SC SP SE TO
Fonte: MDS, 2004.
O gráfico revela ainda que a expansão do Programa Bolsa Família vem se dando
de forma bastante heterogênea entre os estados. Por exemplo, enquanto o Ceará atingiu
uma cobertura de 68% das famílias pobres, no Mato Grosso do Sul só 28,4% das
famílias foram contempladas. Vale ressaltar que dentre as 27 Unidades da Federação, 15
atingiram cobertura superior a 50%.
Ainda de acordo com os dados do MDS, a maior expansão do programa em
termos percentuais ocorreu no Distrito Federal (1946%) e nos estados do Rio de Janeiro
(217,4%) e Roraima (193,2%). Segundo o Ministério, o crescimento de famílias
beneficiadas pelo programa vem sendo mais expressivo nos municípios e estados que
assinaram o termo de cooperação com a União (MDS, 2004). De fato, tanto São Paulo,
quanto, Rio de Janeiro e Roraima firmaram convênios com o governo federal.
76
Os dados apresentados nos gráficos acima, demonstram que, embora, a
destinação de bolsas esteja próximo da distribuição de famílias pobres nas regiões do
país, o Norte e o Centro-Oeste ainda apresentam coberturas muito inferiores às demais
regiões, principalmente quando comparados ao Nordeste.
Com relação aos programas remanescentes, como o período ainda é de transição,
o MDS continua atendendo as famílias beneficiadas27 pelos Programas Bolsa Escola
(3,3 milhões de famílias), Bolsa Alimentação (63 mil famílias), Cartão Alimentação
(112 mil famílias) e Auxílio Gás (5,9 milhões de famílias). O pagamento desses
benefícios ocorrerá até que todos os beneficiários sejam migrados para o Bolsa Família.
O repasse mensal dos programas remanescentes totalizava, em outubro de 2004,
R$172,9 milhões (MDS, 2004).
3.2.1 A Implementação
É importante ressaltar que os processos de formulação e implementação do
Programa Bolsa Família vêm ocorrendo de forma concomitante. Diversas questões
relacionadas ao desenho operacional do programa ainda estão sendo formuladas e
regulamentadas pelo MDS. Por exemplo, o Decreto de Regulamentação do programa só
foi publicado 11 meses após a Lei de criação do PBF, nesta ocasião o programa já
abrangia quase 6 milhões de famílias com uma cobertura de aproximadamente 80% dos
municípios brasileiros.
Na verdade, conforme sinalizam Arretche (2003) e Labra (2003), é comum a
implementação de um determinado programa ter início sem que o processo de
formulação já tenha se esgotado, uma vez que dificilmente estas etapas do policy
making ocorrem de forma seqüencial, linear e racional, tampouco, possuem um ponto
de partida claramente definido.
Contudo, vale ressaltar, que no caso do Programa Bolsa Família a demora entre
o início da implementação e a definição das regras no decreto de regulamentação criou
27 Dados referentes à outubro de 2004.
77
grandes dificuldades de operacionalização28 do programa em nível local, principalmente
se levarmos em consideração a heterogeneidade e o legado institucional dos municípios
do país.
As principais questões que careceram de uma maior definição são aquelas
referentes aos papéis dos entes federados, da oferta e do monitoramento das
condicionalidades e os mecanismos de controle social do programa. Estas duas últimas,
ainda permaneceram indefinidas mesmo após a publicação do Decreto 5.209, sendo,
inclusive, alvo de divergências no interior do MDS e do Governo Federal.
A falta de controle das condicionalidades do Programa Bolsa Família se
configurou num dos maiores pontos de críticas ao programa, figurando este debate,
como comentado anteriormente, na mídia nacional. De fato, o não monitoramento das
condicionalidades faz com que o PBF funcione apenas como um programa de
transferência de renda, o que pode implicar no não atendimento dos objetivos definidos
em seu desenho.
No relatório de avaliação do PBF29, o TCU (2004) apontou, inclusive, que a
implantação do Programa Bolsa Família, sem uma definição clara dos mecanismos de
monitoramento, desestruturou o sistema de acompanhamento das condicionalidades na
área de saúde (Programa Bolsa Alimentação) e sobretudo na área de educação
(Programa Bolsa Escola).
O MDS30 reconhece que o monitoramento das condicionalidades enfrenta hoje
um grande desafio operacional, dado que tanto o sistema de monitoramento
desenvolvido pelo Programa Bolsa Alimentação, quanto pelo Programa Bolsa Escola
tinham uma demanda muito inferior às quase 5 milhões de famílias incluídas atualmente
no Programa Bolsa Família.
Na tentativa de solucionar tais questões, o MDS em parceria com os Ministérios
da Saúde e da Educação, publicou duas Portarias Interministeriais, nas quais define as
28 O Tribunal de Contas da União em recente avaliação do Programa Bolsa Família, apurou que em diversos municípios as contrapartidas exigidas pelo Programa não vinham sendo monitoradas e nem o controle social estava sendo realizado. 29 O referido relatório foi realizado pelo Tribunal de Contas da União em diversos municípios brasileiros e teve com objetivo avaliar os rumos do processo de implementação do Programa Bolsa Família no nível local. 30 Essa afirmação feita por um técnico do MDS está presente na Ata da 5ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional em 31 de agosto de 2004 .
78
competências dos níveis e setores de governo e os meios para a realização do
acompanhamento e monitoramento das condicionalidades. A perspectiva principal é de
que a mesma seja feita de forma descentralizada e articulada entre os diversos setores.
O controle e a participação social também se configuram num dos pontos mais
polêmicos do Programa Bolsa Família, cuja fragilidade ficou mais evidente após as
diversas denúncias, veiculada na mídia, sobre casos de corrupção no Cad-único, entrega
de cartões e até de cadastramento de senhas em diversos municípios brasileiros.
De fato, tanto a Lei de criação quanto o Decreto que regulamenta o Bolsa
Família são bastante vagos na definição de qual instância fará o controle social e como
o fará. No Decreto 5.209 de 17 de Setembro de 200431 está previsto que o controle
social em âmbito local deverá ser feito por um conselho formalmente constituído pelo
município ou mesmo por uma instância a já existente, desde que seja respeitada a
paridade entre governo e sociedade civil e que tenha dentre seus conselheiros,
representantes das áreas de educação, Saúde, Assistência Social, Segurança Alimentar,
Criança e Adolescente.
A definição dos mecanismos e de qual instância deverá realizar o controle social
do Programa Bolsa Família não é consensual no interior do governo federal. Em
outubro de 2004, o então Assessor Especial do Governo Federal, Frei Beto, manifestou
publicamente sua discordância do que foi definido no decreto de regulamentação do
PBF. Para ele o controle social do programa deveria ser função do Comitê Gestor do
Programa Fome Zero32.
Os comitês gestores foram criados por ocasião da implantação do Programa
Cartão Alimentação, que hoje integra o Programa Bolsa Família, e tinham como função
viabilizar a implantação do PCA, principalmente através da seleção das famílias
beneficiárias (desde que cumprissem os critérios estabelecidos pelo programa). Com a
unificação dos programas de transferência de renda, incluindo o PCA, o processo de
cadastramento das famílias pobres deixou de ser função dos Comitês Gestores sendo
repassado para as prefeituras municipais. Mesmo a função de controle social do PBF foi
31 O referido Decreto só foi publicado um ano após o início da implementação do programa nos municípios, quando na ocasião já eram contempladas quase 5 milhões de famílias brasileiras. 32 Reportagem do Jornal O Globo em 20 de Novembro de 2004.
79
delegada aos Conselhos Municipais de Políticas Públicas, o que gerou um esvaziamento
e desestruturação dos Comitês Gestores formados nos municípios.
No âmbito do governo federal, várias providências foram tomadas no sentido de
intensificar o controle social do Programa Bolsa Família e de evitar possíveis fraudes
nos municípios33, a saber:
i) Assinatura de um convênio com o Ministério Público para que este
contribua na fiscalização do Bolsa Família.
ii) Publicação da Portaria nº 660 que delega temporariamente aos
Conselhos de Assistência Social e aos Comitês Gestores criados pelo
Fome Zero a fiscalização do Bolsa Família até que sejam formados
Comitês de Controle definitivos do Bolsa Família.
iii) Publicação da Portaria nº 1 que estabeleceu um conjunto de medidas
para que sejam realizadas atividades de fiscalização, acompanhamento
e controle da execução e gestão local do PBF.
iv) Criação de um Grupo de Trabalho para definir a metodologia, prazos,
cronograma de implantação definitiva deste Comitê de Controle do
Bolsa Família.
v) Criação de uma Rede Pública de Fiscalização do Programa Bolsa
Família formado pelos Ministérios Públicos Federal e Estaduais,
Controladoria Geral da União e o Tribunal de Contas da União.
As denúncias de falta de acompanhamento das condicionalidades e de fraudes na
implementação do Programa Bolsa Família geraram importantes discordâncias no
interior do MDS quanto à forma de enfrentamento dessas questões. Isso culminou com
a saída em novembro de 2004, um ano após o início do Programa Bolsa Família, da
Secretária Executiva e uma das formuladoras do Programa, Ana Fonseca e alguns dos
mais importantes técnicos do segundo escalão.
33 Para maior aprofundamento sobre as referidas providências consultar: http://www.desenvolvimento social.gov.br/bolsafamilia
80
3.3 Possibilidades e Desafios
A proposição de um programa de transferência de renda cuja meta é atender a
mais de 11 milhões de famílias, com gestão unificada, com foco nas famílias (com ou
sem filhos), a maximização das ações básicas de saúde e de educação trazem novas
possibilidades e desafios.
Uma questão que se coloca é que em Repúblicas Federativas, como o Brasil, em
que os estados e municípios possuem autonomia fiscal, política e administrativa, a
adesão a qualquer programa, inclusive ao PBF, depende da decisão dos níveis
subnacionais de governo. Neste sentido, é imprescindível entender quais são as
estratégias de indução que vem sendo desenvolvidas pelo governo federal? O desenho
operacional do Programa Bolsa Família estimula ou não a adesão dos níveis sub-
nacionais de governo? Qual o cálculo que vem sendo feito pelos estados e municípios
para aderirem ao PBF?
O PBF apresenta uma inovação em relação aos programas anteriores de
transferência de renda, uma vez que abre a possibilidade dos estados e dos municípios
celebrarem um termo de cooperação com a União, adequando o PBF à sua realidade,
através da ampliação do benefício, indicação de um outro banco para agente operador
do programa, integração de seus programas de transferência de renda ao PBF. Em que
medida esse processo de descentralização pactuada tem o potencial de induzir uma
maior adesão dos entes federativos ao programa? A assinatura do Termo de cooperação
significará um comprometimento por parte dos entes federados e a unificação de
programas municipais e estaduais de transferência de renda ao Bolsa Família?
Ainda no âmbito federal, a articulação entre os Ministérios do Desenvolvimento
Social, Saúde e Educação no planejamento, gestão e acompanhamento das
contrapartidas se configura num dos principais desafios do PBF, uma vez que
tradicionalmente as relações entre os setores sociais caracterizam-se mais pela
competição por recursos públicos do que pela cooperação (Burlandy, 2003). Esse
desafio também se coloca para os níveis subnacionais de governo. Neste sentido, é
importante analisar se a gestão do PBF por uma equipe intersetorial, conforme sugestão
do MDS, pode vir a reduzir a fragmentação institucional e contribuir para a participação
81
conjunta das diversas áreas sociais nos processos de decisão e implementação do
programa.
Com relação ao processo de captação, seleção e cadastramento, uma vez que a
gestão do Programa Bolsa Família é descentralizada, é provável que esses processos
ocorram de forma bastante distinta dependendo da capacidade técnico político-
institucional dos municípios. Neste sentido, a questão principal é se o município será
capaz de selecionar adequadamente as famílias mais pobres dentre os pobres. Em que
medida as estratégias adotadas pelo gestor facilitam ou dificultam o acesso das famílias
mais pobres e excluídas ao Cadastro-Único? É feita alguma divulgação desse processo
de cadastramento e seleção das famílias? Como é feita? Os técnicos responsáveis pelo
cadastramento foram treinados? Existe alguma preocupação com a qualidade do
cadastro?
A oferta e o acompanhamento das contrapartidas também são de
responsabilidade dos municípios. Neste sentido, cabe analisar até que ponto o nível
local está preparado para atender a essas demandas. Vale lembrar que os mecanismos de
oferta e controle das condicionalidades só foram definidos pelo governo federal um ano
após o início da implementação do PBF. Em que medida a demora em traçar tais
mecanismos comprometeu os sistemas de monitoramento dos programas
remanescentes? Os mecanismos propostos serão capazes de garantir um controle efetivo
da oferta e do cumprimento das contrapartidas?
No que concerne ao controle e a participação social, os mecanismos previstos no
desenho do Programa são capazes de garantir uma maior participação dessas instâncias
nos processos decisórios relacionados ao Programa Bolsa Família? Como discutido
anteriormente, a definição dos mecanismos e das instâncias responsáveis pelo controle
social do PBF só ocorreu um ano após o início de sua implementação, quais as
implicações dessa demora para o nível local? A implementação do Programa e a
necessidade do acompanhamento por parte de um conselho de política social será capaz
de superar ou minimizar os efeitos da cultura local e do legado institucional?
Nesse contexto, faz-se de extrema importância investigar como os municípios
desempenharão tais papéis diante da histórica fragilidade institucional e gerencial, da
pouca tradição de diálogo entre os diversos setores de governo, da baixa capacidade de
oferta dos serviços e da debilidade dos mecanismos de monitoramento e controle dos
programas sociais.
82
Algumas dessas questões apontam para a necessidade de um mergulho mais
profundo no processo de implementação do Programa Bolsa Família no nível local,
buscando articular a história prévia das políticas de combate à fome e à pobreza à
dinâmica local de implementação do PBF.ma? A universalidade ou a substituição da
seguridade social?
83
Capítulo IV
A ABORDAGEM METODOLÓGICA
A avaliação de uma dada política pode ser realizada a partir de dois
diferentes focos de análise: nos resultados e; nos processos. A avaliação de processo,
que norteia o presente estudo, “busca identificar os fatores facilitadores e os obstáculos
que operam ao longo da implementação e que condicionam positiva ou negativamente,
o cumprimento das metas e objetivos” (Draibe, 2001:30).
A implementação de uma dada política constitui uma das etapas do processo
de policy making, a saber: construção da agenda; formulação da política;
implementação e; avaliação. Embora essas etapas possam ser distinguidas umas das
outras, as mesmas geralmente não ocorrem de forma seqüencial, linear e racional,
tampouco, possuem um ponto de partida claramente definido. È possível que um
programa seja implementado, sem que, contudo, o processo de formulação já tenha se
esgotado. (Labra, 2003)
Durante o processo de formulação, são definidos o desenho da política e os
meios previstos para a sua implementação. Esse processo é permeado por um ambiente
carregado de incertezas e se configura em uma arena de intensos conflitos e jogos de
poder. O ciclo se encerra com a promulgação da lei referente à política ou programa em
questão (Arretche, 2001; Labra, 2001). Os principais atores nessa fase do policy-making
são os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Em síntese, a formulação de uma política ou programa “expressa as escolhas
– expressas sob a forma de determinados objetivos (explícitos ou não explícitos) e de
uma dada metodologia de operação – de uma autoridade central (qualquer nível em
que esta autoridade esteja inserida)” (Nepp, 1999 p.107).
O campo da implementação de políticas, assim como a formulação, é
influenciado pelas vontades, interesses e concepções ideológicas dos diversos atores
envolvidos. A implementação é um conjunto complexo de relações entre formuladores,
implementadores, grupos de interesses (stakeholders) e público-alvo.
84
Raramente, um programa é implementado exatamente como fora concebido
por seus formuladores. Quanto mais profunda e abrangente é a mudança proposta maior
é o grau de incongruência entre a formulação e a implementação, que, em geral, altera
as políticas públicas (Arretche, 2001; Viana, 1996)
Se os programas ou os meios não se adequam às concepções e valores dos
agentes implementadores, dos grupos de interesses e dos grupos-alvo, maiores são os
conflitos e as incongruências entre o que foi formulado e o que efetivamente será
implementado.
A priori, espera-se que o princípio que deveria nortear a ação dos agentes
implementadores seria a da regulação específica da política, todavia, esses atores têm
ampla margem de autonomia para determinar a natureza, a quantidade e a qualidade dos
bens e serviços a serem oferecidos. A efetiva implementação é realizada de acordo com
as referências e interesses que eles adotam para desempenhar as suas funções. (Nepp,
1999)
É possível ocorrer as seguintes situações:
a) Os agentes implementadores não conhecem com clareza os objetivos e a
metodologia proposta pelo programa, agindo, então, de acordo com a sua
própria referência.
b) Os agentes conhecem com clareza os objetivos e métodos, mas
discordam dos mesmos, e agem, então, de acordo com os seus valores e
princípios.
c) Os agentes conhecem e concordam com o proposto, mas não dispõem de
meios para realizar os objetivos previstos. Nesse caso, é feita uma
adaptação.
De acordo com Viana(1996), a participação dos implementadores no processo de
formulação pode atenuar o conflito e aumentar o consenso em torno dos objetivos e
metas previstas.Dessa forma, faz-se extremamente necessário a adoção de estratégias de
incentivo à adesão desses atores por parte da agência formuladora. Além desses atores,
os grupos-alvo do programa também podem interferir no processo de implementação,
sendo, também necessárias a elaboração de estratégias de incentivo à adesão.
Em Estados Federativos, como o Brasil, o grau de incongruência entre a
formulação e a implementação tende a ser potencializado, uma vez que, os estados e
85
municípios possuem autonomia fiscal, política e administrativa. Nesse caso, é preciso
que essas unidades sejam incentivadas a aderirem à proposta. Os elementos centrais na
decisão de adesão dos governos locais são: formas e montantes de transferência de
recursos; b) o conjunto de regulação de cada programa; c) o provável efeito eleitoral dos
créditos políticos do programa. (Nepp, 1999)
O programa pode ainda produzir resultados inesperados no nível local, como por
exemplo, no caso do município possuir uma baixa capacidade técnica para operar os
critérios de elegibilidade do programa. Burlandy (2003), no estudo sobre a
implementação dos programas da cesta da Comunidade Solidária no Noroeste
fluminense analisa os efeitos dessa fragilidade institucional.
Em resumo, a implementação é um processo extremamente dinâmico, cuja
arena é formada por diversos grupos de interesses e de pressão, e que, portanto, podem
alterar o curso da política inicial. Para Arretche (2001), as questões colocadas acima não
podem ser encaradas pelo pesquisador como problemas, mas como dados da realidade.
Neste contexto, o bom desempenho dos programas depende, entre outros, de
fatores institucionais que operam como condicionantes tanto do sucesso quanto do seu
fracasso. Dentre esses, destacam-se: (Draibe, 1996).
• As pré-condições institucionais, e a experiência anterior em
programas semelhantes, a forma como é processada, acumulada e
utilizada a aprendizagem institucional e a relação com grupos e
famílias pobres;
• A qualidade da implementação;
• Os graus de constrangimentos burocráticos e legais na definição das
rotinas e procedimentos dos programas;
• As características e qualidades do pessoal envolvido na sua direção e
gestão e na sua operação rotineira
Embora as pré-condições institucionais exerçam um papel importante no
processo de implementação, vale considerar que as instituições e os atores e
principalmente, os interesses, podem mudar. Dessa forma, é possível que um município
que tradicionalmente apresente uma baixa capacidade administrativa para gerir as
políticas públicas, em um curto período consiga modificar essa realidade. (Immergut,
1992)
86
Neste sentido, este estudo buscou acompanhar através de um estudo de caso
do município de São Francisco de Itabapoana no Estado do Rio de Janeiro, o Programa
Bolsa Família e seus desdobramentos no nível local, partindo da premissa de que a
implementação de políticas é um campo que envolve processos de pactuação de
conflitos e intermediação de interesses.
A relevância deste estudo reside no fato do PBF se configurar num dos
principais programas da atualidade da política social brasileira, com grande
investimento financeiro por parte governo federal. Além disso, a avaliação de processo
só tem sido incorporada aos diversos programas de renda mínima recentemente.
A realização deste estudo de caso em São Francisco de Itabapoana é
particularmente importante por que o município foi o primeiro no Estado do Rio de
Janeiro a ser contemplado com o PBF, na medida em que é considerada uma localidade
prioritária no combate à fome e à pobreza. Para além dessa prioridade do governo
federal, entender as singularidades e as especificidades que o programa assume num
município de pequeno porte, rural, recém emancipado e com indicadores sociais
extremamente dramáticos se configura num importante desafio.
O estudo de caso, definido por Bruyne (1991) como sendo um estudo minucioso
de casos particulares, de forma que os dados e informações gerados sejam capazes de
traduzir a realidade de uma dada situação, é indicado para situações em que não há
possibilidade de separar o objeto de estudo do seu contexto (Yin, 2001).
Devido à sua capacidade de reunir grande número de informações e a sua busca
de apreensão da totalidade de uma situação, o estudo de caso utiliza técnicas de coletas
variadas, como a observação participante, entrevistas e consulta a documentos. (Bruyne,
1991)
Nesse estudo, a estratégia metodológica adotada foi a pesquisa qualitativa, uma
vez que, segundo Minayo (1994), ela permite um aprofundamento maior da realidade, à
medida que trabalha com o universo de significados, crenças, valores e atitudes não
mensuráveis (sensíveis) a uma fórmula numérica. Os principais instrumentos utilizados
para esta investigação foram as consultas documentais, observação de campo e
entrevistas semi-estruturadas com os atores chaves.
Para a construção do contexto sócio municipal foram consultadas diversas fontes
de dados secundários, como IBGE, Tribunal de Contas do Estado, DATASUS,
87
Ministério do Trabalho, Ministério da Educação, atas dos Conselhos Municipais de
política social, Plano Municipal de Saúde, entre outros. Vale ressaltar que o
levantamento de dados sobre São Francisco de Itabapoana exigiu um grande esforço,
uma vez o município não possui uma tradição de coleta e análise de dados.
A observação pode ser considerada uma estratégia fundamental no trabalho de
campo da pesquisa qualitativa (Minayo,1994). Através dela é possível complementar os
dados coletados nas entrevistas ou nos documentos quantitativos, à medida que capta
dados importantes da rotina de trabalho.
A entrevista semi-estruturada pode ser entendida como um diálogo que mescla
perguntas fechadas e abertas cujo objetivo principal é fornecer informações relevantes
para um objeto de pesquisa. Dessa forma, o entrevistado pode falar sobre o tema
proposto sem, no entanto, haver respostas ou condições pré-estabelecidas pelo
pesquisador. A fala individual é um instrumento privilegiado de coleta de informações
no campo das Ciências Sociais, à medida que se torna reveladora dos diversos códigos
de sistemas e valores contraditórios (Minayo, 1994).
O estudo de caso contemplou o período inicial de implementação do Programa
Bolsa Família em São Francisco de Itabapoana, em outubro de 2003, até novembro de
2004. Em alguns momentos, foi feito um recorte temporal mais amplo para que o
contexto político e a experiência prévia do município com programas de transferência
de renda fossem abordados.
As entrevistas foram realizadas durante as três visitas de campo, em maio, junho
e setembro de 2004. Ao todo foram entrevistados cinco representantes da administração
municipal (Secretarias de Saúde, Educação e Assistência Social), sendo três deles
gestores e dois coordenadores de programas de transferência de renda e seis integrantes
dos Conselhos Municipais de Assistência Social (CMAS), Saúde (CMS), Bolsa Escola
(CMPBE), e Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA). Vale ressaltar que no caso
da CMAS e do CMPBE foram entrevistados um representante da sociedade civil e um
do governo municipal, nos demais, apenas conselheiros da sociedade civil. Com relação
à coordenação do PBF no estado do Rio de Janeiro, apesar das inúmeras tentativas, não
foi possível agendar uma entrevista.
Atendendo à solicitação do Comitê de Ética, ao qual este trabalho foi submetido,
para preservar a identidades dos atores, as entrevistas foram enumeradas (entrevista 1,
entrevista 2 e assim por diante).
88
Na segunda visita de campo, em junho de 2004, participamos do “Seminário do
Programa Bolsa Família” promovido pelo município e na terceira, em setembro de
2004, foi possível acompanhar o processo de cadastramento das famílias potencialmente
beneficiárias do PBF.
A definição das categorias de análise foi desenvolvida no sentido de privilegiar a
identificação e a apreciação de elementos que podem facilitar ou dificultar o processo
de implementação do Programa Bolsa Família no município de São Francisco de
Itabapoana. As variáveis analisadas são de natureza Política e Institucional (Burlandy,
2003).
Na análise de natureza política buscou-se identificar os atores sociais
envolvidos com a implementação do programa, quais os seus interesses, valores,
principais motivações e posição frente aos objetivos do PBF; quais as arenas e as
relações de poder estabelecidas entre estes atores e; qual a dinâmica política local.
A análise institucional contemplou os seguintes aspectos:
a) contexto sócio municipal: principais características demográficas,
econômicas, políticas e sociais que marcam o município em estudo;
experiência prévia em outros programas, memória técnica e o
aprendizado institucional.
b) equidade: mecanismos de captação, cadastramento e seleção das
famílias que favoreçam ou dificultam o acesso das famílias mais
pobres e mais excluídas; existência de estratégias de divulgação de
informações para a população; existência de mecanismos de
capacitação dos técnicos para o cadastramento.
c) descentralização: relações entre os níveis de governo; existência de
iniciativas de concertação e diálogo; participação do governo do
estado na implementação do programa; capacitação dos gestores e
técnicos do nível local; existência de mecanismos institucionais de
controle e canais de diálogo e de informação; estratégias de incentivo
à adesão ao programa;
d) Intersetorialidade: existência de espaços e mecanismos institucionais
para planejamento e execução conjunta do programa;
89
e) Participação Social: existência de espaços institucionais e
mecanismos de participação na implementação do programa;
conhecimento dos conselheiros sobre o PBF; discussões sobre o
programa nas atas dos conselhos (Saúde, Bolsa Escola, Consea e
Assistência Social); existência de mecanismos de divulgação das
informações sobre o programa (folders, programas de rádio, cartazes)
Além das variáveis apresentadas acima, este estudo envolveu uma análise das
variáveis conjunturais, ou seja, fatores externos ao Programa, que podem afetar de
alguma forma a sua implementação, como por exemplo, situação econômica atual,
fenômenos da natureza ou momento eleitoral.
A análise qualitativa se deu através do método de análise dos conteúdos,
definida como um conjunto de técnicas de análise que se propõem à verificação de
hipóteses ou questões e à descoberta de questões que se encontram implícitas nos
discursos.
“Do ponto de vista operacional, a análise de conteúdo parte de uma literatura
de primeiro plano para tingir um nível mais aprofundado: aquele que
ultrapassa os significados manifestos. Para isso a análise de conteúdo em
termos gerais relaciona estruturas semânticas (significantes) com estruturas
sociológicas (significados) dos enunciados. Articula a superfície dos textos
descrita e analisada com os fatores que determinam suas características:
variáveis psicossociais, contexto cultural, contexto e processo de produção da
mensagem”. (Minayo 1994:203)
Para a presente pesquisa foi utilizada a análise temática. “A análise temática
consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação cuja
presença ou freqüência signifiquem alguma coisa para o objetivo analítico visado”
(Minayo, 1994:209).
Segundo essa mesma autora, para se efetuar a Análise Temática faz-se
necessário o cumprimento de três etapas: a pré análise, a exploração do material e a
análise da fala.
90
Na pré-análise são retomados os principais objetivos e as hipóteses formuladas
inicialmente. É nessa fase que são determinadas as palavras chaves ou frases,
conhecidas como unidade de registro, a unidade de contexto, os recortes e os principais
conceitos de origem teórico que irão conduzir a análise propriamente dita.
Na segunda fase, as falas são transformadas, mediante a codificação. Primeiro é
efetuado o recorte da entrevista em unidades de registro, e por último é feita a
classificação e a agregação dos dados em categorias (Minayo, 1994). Essa análise foi
feita de forma que as falas dos entrevistados fossem situadas em seu contexto social.
91
Capítulo V
CONTEXTO SÓCIO MUNICIPAL
Este capítulo busca apresentar os aspectos demográficos, sócio-econômicos e
políticos do município de São Francisco de Itabapoana. Do ponto de vista analítico, o
conhecimento desses aspectos é imprescindível para a compreensão do processo de
implementação do PBF no nível local, uma vez que os programas tendem a sofrer
retraduções nos municípios.
A implementação de uma política não é a simples execução do que fora
previamente formulado. Ela se configura num processo extremamente dinâmico, capaz
de alterar o curso das políticas previamente desenhadas (Arretche, 2001). Esse processo
é influenciado pelo contexto sócio municipal e pela relação entre os diversos atores
sociais envolvidos no programa.
5.1 Aspectos Demográficos
São Francisco de Itabapoana localiza-se na Região Norte do Estado do Rio de
Janeiro, que abrange outros oito municípios, Campos dos Goytacazes, Carapebus,
Cardoso Moreira, Conceição de Macabu, Macaé, Quissamã, São Fidélis e São João da
Barra.
O município ocupa o segundo maior território do estado, 1122, 3 Km², e está
dividido entre os distritos de São Francisco de Itabapoana, Barra Seca e Maniva. Apesar
dessa grande extensão, segundo os dados do Censo Demográfico de 2000 (IBGE), a
população total é de apenas 41.145 habitantes, sendo a taxa média anual de crescimento
populacional no período de 1991 a 200034 do município (0,68%) inferior às médias da
região (1,49%) e do Estado (1,30%). A densidade demográfica (36,80) também é
inferior às taxas da Região (74) e do Estado (328).
34 Dados referentes a publicação do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro sobre São Francisco de Itabapoana.
92
Ainda de acordo com o Censo 2000, a maior parte da população de São
Francisco vivia na área rural (53,27%). Com relação à distribuição segundo sexo, havia
um predomínio da população masculina (51,53%) sobre a feminina (48,47%). A
população de cor branca totalizava 62,7% e de cor negra, 36,9%. (IBGE, 2000)
Quadro 4 – Características demográficas de São Francisco de Itabapoana (RJ), 2000
Características Demográficas N %
População Total 41.145
População Urbana 19.228 46,73
População Rural 21.917 53,27
População Masculina 21.201 51,53
População Feminina 19.944 48,47
Área (km²) 1.118
Densidade demográfica (hab/km²) 36,80
Densidade demográfica do Norte Fluminense (hab/km²) 74
Densidade demográfica do Estado do Rio de Janeiro 328
Fonte: IBGE. Censo Demográfico, 2000.
Analisando a distribuição da população por área nos distritos do município,
observamos que o Distrito de São Francisco de Itabapoana concentrava o maior
percentual de pessoas residentes (45,2%) e Maniva apresentava o maior predomínio da
população rural (73,45) sobre a urbana. Em relação à distribuição por sexo, os distritos
apresentaram percentuais muito próximos (Tabela 3).
Tabela 3 – Distribuição da população por sexo e por área nos distritos de Barra Seca, Maniva e São Francisco de Itabapoana, 2000.
Região Total % (N)
Homens (%) Mulheres (%) Urbana (%) Rural (%)
Barra Seca 32,4
(13.334)
51,28
(6.735)
48,72
(6.399)
61,00
(8.012)
39,00
(5.122)
Maniva 22,4
(9.374)
51,59
(4.836)
48,41
(4.538)
26,66
(2.499)
73,34
(6.875)
S. F. Itabapoana 45,2
(18.637)
51,67
(9.630)
48,33
(9.007)
46,77
(8.717)
53,23
(9.920)
Fonte: IBGE. Censo Demográfico, 2000.
93
No que se refere à distribuição da população por faixa etária, nota-se no quadro
abaixo, o predomínio da população jovem até 29 anos de idade (57,29%). A população
em idade economicamente ativa, compreendida ente 20 e 65 anos de idade,
correspondia a 52% do total, enquanto os idosos com mais de 65 anos e os menores de 5
anos representavam 6,95 % e 9,19% da população do município, respectivamente.
Tabela 4 – Distribuição da população por faixa etária em São Francisco de Itabapoana (RJ), 2000
População por Faixa Etária
% (N) População por Faixa Etária
%(N)
0 a 4 anos 9,19 (3.781) 35 a 39 anos 7,30 (3.002)
5 a 9 anos 10,52 (4.329) 40 a 44 anos 6,05 (2.490)
10 a 14 anos 10,82 (4.451) 45 a 49 anos 4,95 (2.037)
15 a 19 anos 10,48 (4.310) 50 a 54 anos 4,00 (1.647)
20 a 24 anos 8,92 (3.672) 55 a 59 anos 3,26 (1.343)
25 a 29 anos 7,36 (3.029) 60 a 64 anos 2,84 (1.170)
30 a 34 anos 7,35 (3.023) 65 anos ou mais 6,95 (2.861)
Fonte: IBGE. Censo Demográfico, 2000.
5.2 Aspectos sócio-econômicos
As principais atividades econômicas de São Francisco de Itabapoana
encontram-se no setor primário, mais precisamente na agropecuária e na pesca.
Destacam-se ainda as atividades relacionadas ao turismo, visto que o município
apresenta uma orla marítima de aproximadamente 68Km. (TCE, 2001)
O solo fértil e plano, bem como, a proximidade com grandes centros
consumidores são algumas das características que fazem da agricultura uma atividade
forte no município. A fruticultura é a principal alternativa agrícola em São Francisco,
sendo as culturais mais desenvolvidas, a da cana-de-açúcar, o abacaxi, o maracujá e o
Côco-da-Bahia. Vale dizer que o município é o maior produtor de abacaxi e maracujá
no estado do Rio de Janeiro. (TCE, 2001)
94
Apesar da diversificação da fruticultura no município e também na região
norte35, o plantio de cana-de-açúcar, em São Francisco de Itabapoana, assim como na
região, ainda é predominante (Tabela 5).
Tabela 5 - Principais produtos selecionados em lavouras permanente e temporária em São Francisco de Itabapoana (RJ), 2000
Lavoura Permanente Lavoura Temporária Produtos
(mil frutos) Quant.
Produzida
Produção
(mil reais)
Área (hc)
Produtos
(mil frutos)
(toneladas) Quant.
Produzida
Produção (mil reais)
Área (hc)
Côco (BA) 2.000 700 300 Abacaxi (mil fr.) 57.000 22.230 2.000
Maracujá 25.000 11.750 1.000 Cana-de-açúcar
(t.)
902.250 18.947 20.050
Mandioca (t.) 50.400 2.520 2.800
Fonte: IBGE. Produção Agrícola Municipal, 2000.
A cultura de mandioca, também é tradicional no município, contudo, vem
apresentando declínio acentuado, restando atualmente apenas uma fábrica de
beneficiamento deste alimento. Registra-se que o cultivo deste produto está fortemente
ligado à história de formação desta localidade36.
Apesar da agricultura e da pesca se configurar na principal atividade
econômica do município, a política municipal de apoio e fomento a essas atividades é
bastante incipiente. Na verdade, a secretaria municipal de agricultura e pesca,
apresentou uma grande fragilidade institucional e administrativa37.
Aliada a esta situação, em São Francisco de Itabapoana não existem
cooperativas de produtores, que possam articular os interesses dos pequenos produtores
35 Existe, inclusive, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, o Programa Frutificar que concede crédito aos agricultores que fazem plantio de frutas. 36 De acordo com alguns depoimentos, a história do ainda distrito de São Francisco de Itabapoana, foi marcada pela vinda e estadia de um Barão de origem Alemã, que montou uma grande fábrica de beneficiamento da Farinha de Tipity, o que promoveu um grande avanço econômico na região. 37 Durante a pesquisa sobre Sistemas Locais de Segurança Alimentar e Nutricional realizada no município de São Francisco de Itabapoana no mesmo período deste estudo, foram realizadas entrevistas com membros das Secretarias Municipais de Agricultura e Meio Ambiente e também com um técnico da Emater.
95
locais, viabilizando o escoamento da produção de forma autônoma, independente dos
atravessadores e com preços mais competitivos. Assim, a falta de apoio governamental
e de uma cooperativa de produtores no município facilita a atuação dos atravessadores,
reduz o lucro dos pequenos e médios produtores, deixando de potencializar tão
importante atividade na cidade.
No que tange ao perfil econômico, no ano 2000, o Produto Interno Bruto (PIB)
de São Francisco de Itabapoana, segundo dados da Fundação CIDE (2000), foi
equivalente a R$101.846.000, 00, o que representava apenas 2,7% do PIB da Região
Norte Fluminense e 0,07 % do PIB do Estado do Rio de Janeiro (a preços básicos) no
mesmo período. Contudo, apesar da baixa participação no PIB da Região, o valor
auferido por São Francisco ainda foi superior ao município de São João da Barra38.
Entre os anos de 1997 e 2002, o município apresentou crescimento percentual
tanto na realização de receitas quanto de despesas. Enquanto a primeira aumentou
389%, a última cresceu 339% (Tabela 6). (TCE, 2001)
Tabela 6 - Evolução de receita e despesa realizadas (em mil reais) no município de São Francisco de Itabapoana (RJ), de 1997 a 2002
Ano Receitas Despesas
De capital Correntes Total De capital Correntes Total
1997 2.319 5.958 8.277 1.453 7.205 8.659
1998 3.587 8.355 11.942 4.173 11.055 15.227
1999 4.835 10.260 15.095 2.626 12.743 15.369
2000 4.160 14.199 18.359 3.309 13.663 16.972
2001 4.166 20.431 24.597 1.916 21.364 23.280
2002 10.977 29.457 40.435 11.017 26.971 37.988
Fonte: Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, 2003.
Especificamente com relação às receitas, embora tenha havido um aumento de
187% na arrecadação tributária, fortemente beneficiada pelo aumento na arrecadação de
38 O Produto Interno Bruto do município foi equivalente à R$101.846.000, 00, enquanto que a renda municipal (o que é auferido pelos residentes) do mesmo ano foi de R$ 74.220.000,00. São João da Barra, no mesmo ano, obteve PIB e renda de R$91.416.000,00 e R$30.739.000,00 respectivamente. Em 2001, segundo a Fundação CIDE, o PIB per capita no município foi R$2.632,41 e o PIB estadual foi de R$ 160 bilhões, dos quais a capital participou com 50%.
96
taxas e impostos39, o crescimento das transferências da União e do Estado foi muito
superior40, chegando a 339%, como pode ser observado no quadro 5.
Quadro 5 - Evolução percentual das receitas correntes em São Francisco de
Itabapoana (RJ), de 1997 a 2002
Receitas Correntes 1997 1998 1999 2000 2001 2002
Rec. Tributária 6 7 5 3 3 4
Rec. Patrimonial 0,0 0,0 0,0 0,0 0,6 0,0
Outras rec. Corr. 2 2 1 1 2 9
Rec. De Contribuição - - - 13,7 13 10
Transf. Correntes da União 11 8 7 8 16 19
Transf. Corr. do Estado 81 83 87 74 65 58
Fonte: Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, 2003.
Vale destacar que os recursos advindos dos royalties de Petróleo, até 1999, eram
alocados no item “outras receitas correntes” e a partir do ano 2000 passou a ser
considerado como recita de contribuição.
Dessa forma, fica bastante claro como São Francisco de Itabapoana apresentava
uma forte dependência dos recursos transferidos pela União e pelos Estados e pela
arrecadação com os royalties de Petróleo. De acordo com o indicador de esforço
tributário próprio41 - compara a arrecadação tributária própria do município e as outras
receitas arrecadam - em 2002, apenas 8% da receita total de São Francisco advinham de
arrecadação tributária própria. Com relação à transferência de recursos, o município
apresentou uma taxa de dependência de níveis supranacionais de governo de
aproximadamente 84%, que subia para 91% quando somada às receitas com royalties de
petróleo.
39 De acordo com o Tribunal de Contas do Estado, houve aumento de 239% na arrecadação de taxas, seguido de 220% no ISS, 166% no IPTU e 100% ITBI. 40 As transferências correntes da União cresceram 798% no período, com aumento de 781% no repasse do Fundo de Participação dos Municípios. As transferências estaduais cresceram 254%, com aumento de 184% no repasse do ICMS e o ingresso do Fundef a partir de 1998. 41 Este indicador é utilizado pelo Tribunal de Contas do Estado para avaliar a dependência do município das transferências Estadual e Federal.
97
De acordo com uma reportagem do Jornal do Brasil42, a partir dos dados da
pesquisa do IBGE sobre o perfil dos municípios, São Francisco de Itabapoana é o
município que apresentou maior dependência das transferências federais e estaduais.
Ainda de acordo com o artigo, dos 92 municípios do Estado do Rio de Janeiro, 25 têm
pelo menos 80% de suas receitas provenientes de transferências.
Os recursos derivados dos royalties43. do petróleo se configuram numa variável
conjuntural de extrema importância para compreender a dinâmica financeira do Estado
e principalmente da região Norte do Rio de Janeiro. O Estado possui respectivamente,
88% e 49% das reservas de petróleo e gás natural do Brasil, o que lhe confere uma
arrecadação vultosa com os royalties advindos da exploração dessas reservas naturais.
Na verdade, a recente descoberta de novas bacias e petrolíferas na região Norte
Fluminense e o aperfeiçoamento constante das tecnologias de prospecção em águas
profundas têm cada vez mais alavancado44 a economia dos municípios da região,
principalmente, Campos dos Goytacazes, Macaé, Quissamã, Cabo Frio, Rio das Ostras.
De acordo com a tabela 7, a arrecadação em Reais com os royalties superou as
demais transferências governamentais estaduais destinadas a estas cidades. (TCE-RJ,
2003).
42 Jornal do Brasil, reportagem de Daniela Dariano em 27 de Outubro de 2004. 43 Royalties são uma de espécie de compensação financeira devida ao Estado pela exploração e produção de petróleo e gás natural por parte das empresas concessionárias destas atividades. Para calcular seu valor leva-se em conta os preços do mercado de petróleo, gás natural ou condensado, a localização do campo, as especificações do produto. Participação especial, regulamentada pelo Decreto nº2.705/98, também é participação governamental, paga quando o poço apresenta grande volume de produção ou grande rentabilidade. 44 A Lei 7.990/89, que instituiu para estados, Distrito Federal e municípios a compensação financeira pela exploração do petróleo, somente no primeiro semestre de 2000 promoveu um crescimento significativo nas receitas de participações governamentais, em especial nos municípios fluminenses de Campos, Macaé, Quissamã e Rio das Ostras.
98
Tabela 7 – Transferência de royalties e participações especiais no 1º semestre de 2000 e o total arrecadado pelos municípios selecionados de Macaé, Cabo Frio,
Quissamã e Rio das Ostras, em 1998, em milhões de reais
Municípios
Royal. e Part. Esp.
Royalties
1998
Relação (%)
Receita Total
Relação (%)
Macaé 55 11 400 68 81
Cabo Frio 15 4 275 30 50
Quissamã 20 4 400 14 143
Rio das Ostras 39 4 875 21 186
Fonte: Agência Nacional do Petróleo, 2000.
Entretanto, o aporte de recursos advindos do petróleo não se dá de forma
homogênea entre os municípios da região, o que vem gerando grandes iniqüidades, uma
vez que alguns municípios recebem quantias extremamente altas, como Campos dos
Goytacazes, enquanto outros, como São Francisco de Itabapoana, auferem valores
muito inferiores. São Francisco é considerado como um município-limítrofe45 ao
Campo de Roncador (Bacia Petrolífera de Campos), tendo, portanto direito a um
percentual menor de recursos, até mesmo do que São João da Barra.
Esse valor se tornou ainda menor com a redivisão dos royalties46 feita pela
Agência Nacional do Petróleo, em janeiro de 2004, onde outros municípios do Estado,
fora da região Norte, passaram a ser considerados limítrofes e outros foram enquadrados
como zona de produção principal (tabela 8).
45 Município-limítrofe é aquele contíguo àqueles que integram a zona de produção principal, ou que possa ser social ou economicamente atingido pela produção ou exploração de petróleo e gás natural. 46 Os municípios de Niterói e Rio de Janeiro foram enquadrados na Zona de Produção Principal, por disporem de instalações de apoio às atividades de exploração e produção de petróleo e gás (portos, oficinas, armazéns). Assim, ambas as cidades aumentaram sua arrecadação de royalties. Belford Roxo, Itaguaí, Maricá, Mesquita, Nilópolis, Nova Iguaçu, Paracambi, Queimados, São João de Meriti, Seropédica e Tanguá passaram a receber a compensação. Itaboraí e Japeri tiveram aumento de arrecadação por inclusão na zona limítrofe. Ainda segundo a Lei 9478/97, São Francisco de Itabapoana não tem direito ao recebimento dos royalties excedentes a 5% da produção.
99
Tabela 8 - Transferências governamentais dos royalties do petróleo no Estado do Rio de Janeiro e nos municípios selecionados do Rio de Janeiro, de São João da
Barra e São Francisco de Itabapoana, nos meses de dezembro de 2003 e fevereiro de 2004, em mil reais
Estado do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro São João da Barra S.F. de Itabapoana Royalties
Dez 03 Fev 04 Dez 03 Fev 04 Dez 03 Fev 04 Dez 03 Fev 04
Até 5% 42.448 39.511 734 2.776 2.011 1.385 404 241
Exc. a 5% 31.335 29.206 70 11 636 449 - -
Total 73.783 68.716 804 2.787 2.646 1.834 404 241
Fonte: Agência Nacional do Petróleo,2004.
No que se refere aos gastos da administração municipal, a relação despesas de
custeio47 e receita corrente é utilizada como indicador com o funcionamento da máquina
administrativa. De acordo com o dados apresentados no gráfico abaixo, embora viesse
decrescendo, os gastos com as despesas de custeio eram da ordem de 0,92, ou seja, 92%
da receita.
Gráfico 6- Evolução da Relação Despesas de Custeio/Receitas Correntes em
São Francisco de Itabapoana, (RJ), de 1997 a 2002
0
0,4
0,8
1,2
1,6
1997 1998 1999 2000 2001 2002
Fonte: Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, 2003
47 A despesa de custeio representa o gasto com manutenção dos serviços prestados à população, inclusive despesas de pessoal, mais as destinadas a obras de conservação e adaptação de bens móveis, para operacionalização dos órgãos públicos.
100
Dessa forma, a maior parte da receita do município encontra-se comprometida
com a manutenção da máquina administrativa em detrimento de possíveis gastos com
infra-estrutura e investimento em ações sociais.
São Francisco de Itabapoana apresenta indicadores sociais bastante dramáticos,
em qualquer que seja a área, desde o alto percentual de pobreza até o acesso precário
aos serviços públicos, como rede de esgoto e água encanada, alto índice de desemprego
e de pessoas no setor informal.
De acordo com os dados do Mapa do Fim da Fome II48, publicado pela
Fundação Getúlio Vargas em 2003 e apresentados na Tabela 9, a proporção de
indigentes em São Francisco de Itabapoana é de 43,80%, a maior do Estado do Rio de
Janeiro. Os distritos de São Francisco de Itabapoana e Barra Seca apresentavam maior
proporção de indigentes, sendo que Barra Seca chegava a ter 44,71% de sua população
vivendo em pobreza extrema.
Tabela 9 - Renda per capita e percentual da população abaixo da linha de miséria no Estado do Rio de Janeiro e nos municípios selecionados do Rio de Janeiro, de
São João da Barra e de São Francisco de Itabapoana, 2000.
Região Renda per capita (R$) Proporção de miseráveis
Estado do Rio de Janeiro 413,94 19,45
Rio de Janeiro 596,65 14,57
São João da Barra 177,33 29,22
São Francisco de Itabapoana 156,00 43,80
Fonte: PNUD/IPEA/Fund. João Pinheiro. Atlas do Desenvolvimento Humano, 2000. FGV/CPS. Mapa do Fim da Fome II, 2003.
Conforme mostra a tabela 9, a proporção de pobres no município de São
Francisco de Itabapoana (43,80%) é bastante superior à cidade e ao Estado do Rio de
janeiro. De fato, um estudo realizado por Sônia Rocha (2003) mostrou, que em geral, os
100 municípios que apresentam uma proporção elevadíssima de pobres são municípios
pequenos, que juntos não representam mais que 2,6% do contingente de pobres no
48 Fonte: Néri, M. (org)., 2003. O mapa do fim da fome II. RJ:FGV/SESC/Ação da Cidadania.
A linha de indigência utilizada foi de R$75,00.
101
Brasil. Por outro lado, as grandes metrópoles, apesar de apresentarem uma proporção
relativamente menor de pobres, devido a sua grande expressão demográfica, concentram
elevados contingentes de pobreza extrema (71% do total). A tabela 5 revela ainda que a
renda per capita do município também é bastante inferior à média do Estado, e próxima,
embora menor que a do município de São João da Barra.
Vale ressaltar que os dados sobre a proporção de indigentes e pobres apresentam
grandes disparidades de um estudo para o outro, dependendo, principalmente do valor
monetário da linha de indigência adotada em cada estudo49.
Com relação às desigualdades de distribuição de renda, os indicadores
apresentados na tabela 10, demonstram o quanto a situação é dramática em São
Francisco de Itabapoana. Contudo, os valores encontrados no município são bem
próximos das realidades estadual e nacional.
Tabela 10 – Indicadores de desigualdade de renda no Brasil, Estado do Rio de Janeiro e nos municípios selecionados do Rio de Janeiro, de São João da Barra e
de São Francisco de Itabapoana, 2000
% da renda apropriada Região Índice de Gini50
20% mais pobres 20% mais ricos
Brasil 0,65 1,50 68,06
Est. Rio de Janeiro 0,61 2,12 65,58
Rio de Janeiro 0,62 1,96 65,48
São João da Barra 0,52 3,32 56,55
S.F. de Itabapoana 0,62 2,52 65,54
Fonte: PNUD/IPEA/Fund. João Pinheiro. Atlas do Desenvolvimento Humano, 2003.
Além da renda monetária, um indicador utilizado para qualificar a pobreza é o
IDH (Índice de Desenvolvimento Humano)51. No nível municipal é utilizada uma
variação do IDH, o IDH-M (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal).
49 Por exemplo, o estudo realizado por Rocha, em 2003, apresentou percentuais diferentes dos apresentados na tabela acima. 50 O Índice de Gini afere a desigualdade de renda a partir de uma razão que vai de 0 (divisão igualitária) a 1 (desigualdade extrema). Assim, “a evolução do indicador mede a evolução da distribuição da renda no sentido de maior ou menor igualdade, quando aplicado à população total". Salama & Destremau (1999:30)
102
Quadro 6 – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) em São Francisco de Itabapoana, Estado do Rio de Janeiro e Brasil, 1991 e 2000
IDH-M
Total Classificação na UF
Região
1991 2000 1991 2000
São F.de Itabapoana
0,584 0,688 90º 90º
Est. Rio de Janeiro 0,753 0,807 - -
Brasil 0,696 0,766 - -
Fonte: PNUD/IPEA/Fund.João Pinheiro. Atlas do Desenvolvimento Humano, 2003.
De acordo com o quadro 6, observa-se que entre 1991 e 2001 houve uma
evolução razoável do IDH-M em São Francisco de Itabapoana, que deixou de ser de ser
classificado no nível médio-baixo de desenvolvimento (de 0,501 a 0,650) atingindo o
nível de médio-alto (de 0,651 a 0,800). No entanto, tal progresso não foi suficiente para
alterar sua posição no ranking estadual (90º), segundo pior IDH-M. No âmbito nacional,
o município de São Francisco de Itabapoana ocupava, em 2000, o 3.178º lugar em um
total de 5.507 municípios (Censo Demográfico, IBGE 2000).
A tabela 11 apresenta as dimensões de longevidade, educação e renda, que
compõem o IDH-M, em São Francisco e também nos níveis estadual e federal. De
acordo com o Atlas do Desenvolvimento Humano (2003), houve melhora nos três
índices. É possível observar que a evolução menos significativa se deu no indicador de
renda, enquanto o setor de educação foi aquele que apresentou melhor desempenho.
Tabela 11 – Dimensões do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal em São Francisco de Itabapoana, Estado do Rio de Janeiro e Brasil, 1991 e 2000
IDH-M Longevidade IDH-M Educação IDH-M Renda Região
1991 2000 1991 2000 1991 2000
São F. de Itabapoana 0,682 0,734 0,572 0,715 0,497 0,616
Est. do Rio de Janeiro 0,690 0,740 0,837 0,902 0,731 0,779
Brasil 0,662 0,727 0,745 0,849 0,681 0,723
Fonte: PNUD/IPEA/Fund. João Pinheiro. Atlas do Desenvolvimento Humano, 2003.
51 O IDH, calculado pelo PNUD (Programa para o Desenvolvimento das Nações Unidas) desde de 1990, que combina indicadores de renda, saúde e educação.
103
Apesar da sensível melhora na dimensão educação do IDH-M, os indicadores de
escolaridade de São Francisco de Itabapoana, como a taxa de analfabetismo da
população acima de 15 anos, ainda se revelam dramáticos. Conforme demonstra a tabela
12, apesar do município ter seguido a tendência estadual e nacional de redução do
analfabetismo (de 38,31% para 25,01%), a taxa apresentada no ano 2000 ainda é muito
superior às médias do estado do Rio (6,22%), do Brasil (12,94) e de cidades, como o
Rio de Janeiro (4,41%).
Tabela 12 – Taxa de analfabetismo da população de 15 anos ou mais nos municípios selecionados de São Francisco de Itabapoana, Rio de Janeiro, Estado
do Rio de Janeiro e Brasil, 1991,2000
Analfabetismo da população de 15 anos ou mais (%) Região
1991 2000
São Francisco de Itabapoana 38,31 25,01
Rio de Janeiro 6,10 4,41
Est. Do Rio de Janeiro 9,72 6,22
Brasil 20,07 12,94
Fonte: PNUD/IPEA/Fund. João Pinheiro. Atlas do Desenvolvimento Humano, 2003.
O município apresentou ainda, de acordo com o Mapa do Fim da Fome II, a pior
taxa de anos médios de estudo no Estado do Rio de Janeiro, destacando-se os distritos
de Barra Seca e São Francisco de Itabapoana.
Tabela 13 – Percentual da população jovem entre 15 e 17 anos por anos de estudo e freqüência escolar nos municípios selecionados de São Francisco de Itabapoana,
Rio de Janeiro e Estado do Rio de Janeiro, 1991, 2000
Percentual da população jovem entre 15 e 17 anos
com menos de 4 anos de estudo
com menos de 8 anos de estudo
Freqüentando2º grau
Freqüentando ensino médio
Região
1991 2000 1991 2000 1991 2000
S. F. de Itabapoana 47,69 22,52 92,95 79,96 3,50 17,22
Rio de Janeiro 13,14 6,94 61,66 46,63 31,02 47,43
Est. Rio de Janeiro 19,04 9,42 70,85 55,58 22,80 38,93
Fonte: PNUD/IPEA/Fund. João Pinheiro. Atlas do Desenvolvimento Humano, 2003.
104
No que tange à escolaridade dos jovens entre 15-17 anos, a maior parte deles
possuem menos de oito anos de estudo (79,96%), e um percentual expressivo (22,52%),
ainda que tenha se reduzido a metade durante a última década, possui menos de quatro
anos de estudo, principalmente quando comparada com as demais regiões selecionadas.
A Tabela 13 apresenta ainda uma evolução positiva, na década de 90, com relação à
freqüência de jovens no ensino médio, que passou de 3,50% para 17,22%. Apesar disso,
de acordo com o Atlas do Desenvolvimento Humano (PNUD, 2003) o percentual de
jovens entre 15 e 17 anos que não freqüentavam a escola chegava a 45,87%.
No que concerne ao mercado de trabalho, apesar de no ano 2000, a população
economicamente ativa de São Francisco de Itabapoana, de acordo com o Ministério do
Trabalho e Emprego, ser da ordem de 17.201 pessoas (41% da população total), apenas
12% dessa população encontrava-se no mercado formal de trabalho (Tabela 14).
Tabela 14 – População economicamente ativa ocupada e desocupada; trabalhadores formais e informais em São Francisco de Itabapoana (RJ), 2000
Homens Mulheres Total
População Residente 21.201 20.274 41.145
Pop. Econ. Ativa (PEA) 11.592 5.609 17.201
PEA Ocupada 10.719 4.452 15.171
PEA Desocupada 873 1.157 2.030
Trabalhadores Formais 1.122 949 2.071
Trabalhadores Informais 9.097 2.168 11.265
Fonte: RAIS/Ministério do Trabalho e Emprego, a partir de microdados do Censo Demográfico de 2000 (IBGE).
Dentre os empregos formais, os setores que mais empregam são: a administração
pública, o comércio, a agropecuária, a indústria de transformação e os serviços. Não é
surpresa a administração pública (46% dos empregos formais) ser a principal atividade
econômica do município, uma vez que como demonstrado anteriormente, grande parte
da receita do município é gasto dom o pagamento de funcionários públicos.
A tabela 15 demonstra ainda que enquanto as mulheres encontram-se
predominantemente empregada na administração pública e os homens nas atividades de
comércio e agropecuária.
105
Tabela 15 – Empregos formais nas principais atividades econômicas selecionadas em São Francisco de Itabapoana (RJ), dezembro, 2002
Atividades Homens Mulheres Total
Adm.Pública 114 498 612
Comércio 208 90 298
Agropecuária 242 16 258
Indústria de Transformação 91 22 113
Serviços 42 40 82
Fonte: RAIS/Ministério do Trabalho e Emprego,2004.
A renda proveniente do trabalho é comumente utilizada como um importante
indicador de pobreza nos municípios. De acordo com os dados apresentados pelo Mapa
do Fim da Fome II (FGV,2003), a renda do trabalho em dois distritos do município,
São Francisco de Itabapoana e Barra Seca, era bastante inferior ao município do Rio de
Janeiro. Barra Seca, inclusive, apresentava o mais baixo valor da renda advinda do
trabalho (R$278,32) do Estado do Rio de Janeiro. Apesar da jornada de trabalho ter sido
maior no município de São Francisco de Itabapoana, o salário-hora era inferior ao pago
no município do Rio de Janeiro, revelando ser a mão de obra no município de baixa
capacitação e incorporação tecnológica (Tabela 16).
Tabela 16 – Renda do Trabalho e taxa de desemprego no município do Rio de Janeiro e nos distritos de Barra Seca e de São Francisco de Itabapoana, 2003
Região Renda (R$) Jorn. de Trabalho
Salário-Hora Taxa de desemprego
Rio de Janeiro 985,24 42,83 5,19 15,88
Barra Seca 278,32 43,93 1,43 12,30
São Francisco de Itabapoana 434,31 43,93 2,27 12,30
Fonte: CPS/FGV/Mapa do Fim da Fome II,2003, a partir dos microdados do Censo 2000.
Outro indicador de pobreza é a renda auferida pelos chefes de família. Como
pode ser observado na Tabela 17, a maior parte dos chefes de São Francisco recebiam
entre 1 e 5 salários mínimos, sendo que o número daqueles que não possuem
rendimentos se mostrou bastante expressivo (1531 chefes) e duas vezes maior que no
106
município vizinho de São João da Barra. O percentual de domicílios chefiados por
mulheres era semelhante em ambos os municípios e menor do que o encontrado no Rio
de Janeiro.
Tabela 17 – Número de domicílios por rendimentos do chefe de família nos municípios selecionados do Rio de Janeiro, de São João da Barra e de São
Francisco de Itabapoana, 2000
Região Superior a 15 salários-mínimos
Entre 01 e 05 salários-mínimos
Inferior a 01 salário-mínimo
Chefe sem rendimentos
% Dom. chefiados por
mulheres
Rio de Janeiro 256.907 885.178 16.037 143.521 35,3
São J. da Barra 125 6.349 372 566 20,8
S.F de Itabapoana 128 8.228 1.187 1.531 19,9
Fonte: Sistema Nacional de Indicadores Urbanos, 2002, a partir dos dados do Censo 2000
Uma outra característica importante da situação de trabalho do município é que
os principais cultivos são provenientes de lavouras temporárias que, portanto,
empregam os fruticultores também de forma temporária, fazendo com que haja uma
grande instabilidade na aferição de renda por parte das famílias.
5.3 Oferta e Acesso a Serviços Públicos de Saneamento Básico, Educação e Saúde
O saneamento básico em São Francisco de Itabapoana, de acordo com os dados
do Censo 2000, se revelou uma questão extremamente dramática, dada a precariedade
da oferta e do acesso aos serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário e
coleta de lixo.
Na tabela 18, é possível constatar que a maior parte dos domicílios (76,39%) não
estava ligada a uma rede geral de abastecimento de água, percentual esse, muito
superior à média nacional (22,18%) e a cidade do Rio de Janeiro (2,19%). No município
o acesso à água se dava principalmente, através de poço ou nascente (74,37%).
107
Tabela 18 – Número de domicílios particulares permanentes segundo tipos selecionados de abastecimento de água no Brasil e nos municípios selecionados do
Rio de Janeiro e de São Francisco de Itabapoana, 2000
Brasil Rio de Janeiro S. F.de Itabapoana
Abastecimento de água
% % %
Rede geral 77,82 97,81 23,63
Poço ou nasc. (na propriedade) 15,58 1,01 74,37
Outra forma canaliz./pelo menos um 1,10 0,74 0,32
Outra forma canaliz. só na propr. Ou 0,32 0,10 0,04
Outra forma não canalizada 5,18 0,35 1,64
Total 100 100 100
Fonte: IBGE. Censo Demográfico, 2000.
A metade dos domicílios em São Francisco de Itabapoana possuía água
canalizada em pelo menos um cômodo, ainda que a fonte desta água estivesse na
propriedade. Mas 23,51% das unidades, mesmo com a captação de água caseira, não
possuíam canalização interna.
A situação do esgotamento sanitário em São Francisco se revelou ainda pior que
a do abastecimento de água, uma vez que apenas 0,4% das residências estavam ligadas a
uma rede geral de esgotamento sanitário ou pluvial. No Brasil e no município do Rio de
Janeiros, respectivamente, esse percentual é de 47,24% e 77,99%.
A fossa séptica, que se constitui numa alternativa de acesso ao esgotamento
sanitário, era utilizada por apenas 1,37% dos domicílios em São Francisco. O percentual
de residências sem nenhum tipo de instalação sanitária era superior a 10%. (Tabela 19).
108
Tabela 19 – Percentual de domicílios particulares permanentes segundo o tipo de esgotamento sanitário no Brasil e nos municípios selecionados do Rio de Janeiro e
de São Francisco de Itabapoana, 2000
Brasil Rio de Janeiro S. F.de Itabapoana Instalação Sanitária
% % %
Rede geral de esgoto ou pluvial
47,24
77,99
0,40
Fossa séptica 14,96 15,58 1,37
Fossa rudimentar 23,65 1,26 81,50
Vala 2,58 2,68 1,65
Rio, lago ou mar 2,48 1,65 3,70
Outro escoadouro 0,83 0,32 0,74
Sem instalação sanitária 8,27 0,52 10,63
Total 100 100 100
Fonte: IBGE. Censo Demográfico, 2000.
Com relação ao destino do lixo, enquanto no Brasil e no município do Rio de
Janeiro, respectivamente, 79% e 98,87% dos domicílios tinham coletas, em São
Francisco esse percentual não chega a 40%. A forma de destinação do lixo que
predominava no município era a incineração realizada na propriedade. Vale destacar
que a maior parte do lixo sem tratamento, seja ele público ou caseiro, tinha como
destino terrenos baldios ou logradouros (8,33%) (Tabela 20).
Tabela 20 – Percentual de domicílios particulares permanentes segundo o destino selecionado do lixo no Brasil e nos municípios selecionados do Rio de Janeiro e de
São Francisco de Itabapoana, 2000.
Brasil Rio de Janeiro S.F. de Itabapoana Destino do Lixo
% % %
Coletado por serviço de limpeza 74,26 88,83 33,25
Coletado em caçamba de serviço de limpeza 4,76 10,04 1,90
Total Coletado 79,01 98,87 35,15
Queimado (na propriedade) 11,23 0,46 52,65
Enterrado (na propriedade) 1,16 0,02 1,94
Jogado em Terreno baldio ou logradouro 6,93 0,43 8,33
Jogado em rio, lago ou mar 0,43 0,13 0,67
Outro destino 1,24 0,09 1,26
Total Não Coletado 20,99 1,13 64,85
Total 100 100 100
Fonte: IBGE. Censo Demográfico, 2000.
109
No que concerne à oferta e ao acesso aos serviços de educação e saúde, os dados
apresentados são especialmente importantes, uma vez que o Programa Bolsa Família,
objeto deste estudo, exige algumas contrapartidas relacionadas com essas duas áreas, o
que implica na capacidade do município em ofertar tais serviços, como, escola às
crianças entre 7 e 14 anos, acompanhamento do crescimento e desenvolvimento e
vacinação das crianças, atenção pré-natal e ao puerpério.
Com relação ao setor educacional, observa-se a predominância no município, de
forma quase absoluta, de estabelecimentos públicos, principalmente da rede estadual,
uma vez que, de acordo com os dados do Censo Escolar 2003, neste ano, das 9.356
matrículas no ensino fundamental, 98% eram do setor público (54,4% da rede estadual e
43,2% da rede municipal). No ensino médio, 98% do total de matrículas (1.776) eram
da rede estadual e apenas 2% do setor privado. Também no ensino pré-escolar, a
predominância é do setor público (95%), mas neste caso, a rede municipal é o maior
provedor (82%). (Tabela 21)
Tabela 21 : Número de Matrículas segundo a Natureza e a Rede de Ensino - 2003
Rede Pré-Escola Ensino Fundamental
Ensino Médio Educação de Jovens e Adultos (EJA)
Municipal 1.616 (82,1%) 4.042 (43,2%) - 822 (62%)
Estadual 259 (13,1%) 5.094 (54,4%) 1.736 (98%) 505 (38%)
Privado 94 (4,8%) 220 (2,4%) 40 (2,%) -
Total 1969 (100%) 9.356 (100%) 1.776 (100%) 1.327 (100%)
Fonte: INEP/MEC. Censo Escolar, 2003
Como pode ser observado na Tabela 21, o município de São Francisco conta
também com a Educação de Jovens e Adultos52 (EJA), sendo que 62% das matrículas
no ano de 2003, foram efetuadas no setor público municipal. A importância do EJA no
52 O EJA, Educação de Jovens e Adultos, é um programa do Ministério da Educação e Cultura
que visa assegurar a todos os brasileiros de 15 anos e mais que não tiveram acesso à escola ou dela foram
excluídos precocemente, o ingresso, a permanência e a conclusão do ensino fundamental com qualidade.
110
município pode ser constatada pelo número de matrículas (1327) efetuadas no ano de
2003, que é bem próxima do número de matrículas do ensino médio (1.776)
Com relação aos estabelecimentos de ensino, de acordo com o Censo Escolar
2003, São Francisco possuía naquele ano, 178 estabelecimentos, sendo 88 de ensino
fundamental, 6 de ensino médio e 84 de ensino pré-escolar. (Tabela 22)
Tabela 22 – Estabelecimentos de ensino por nível e natureza. São Francisco de Itabapoana (RJ), 2003
Público Nível de Ensino
Municipal Estadual
Privado Total
Pré-escolar 73 9 2 84
Fundamental 63 23 2 88
Médio 0 5 1 6
Fonte: INEP/MEC. Censo Escolar, 2003.
Cabe destacar duas importantes questões com relação ao número de
estabelecimentos de ensino, o primeiro diz respeito ao fato de que o mesmo
estabelecimento pode oferecer mais de um nível de ensino, sendo contabilizado em cada
um dos níveis. O segundo ponto está relacionado com as características demográficas de
São Francisco, a baixa densidade demográfica, as grandes distâncias entre as
localidades e o acesso precário que aliada às precárias condições de transporte público,
fazem com que seja necessária a construção de pequenas escolas em diversas
localidades.
Tabela 23 – Percentual de Crianças entre 7 e 14 anos que não freqüentam a escolas nos municípios selecionados , Estado do Rio de Janeiro e Brasil, 2000
Região Crianças (7-14 anos) fora da escola
Parati 8,3%
São Francisco de Itabapoana 6,6%
Est. Do Rio de Janeiro 3,7%
Brasil 5,5%
Fonte: Mapa da Exclusão Educacional, INEP, 2000.
111
De acordo com o Mapa da Exclusão Educacional (INEP, 2000), São Francisco
de Itabapoana possuía, neste ano, 7133 crianças com idade entre 7 e 14 anos, das quais
6,6% encontravam-se fora da escola. Este percentual, como demonstra a tabela 19 é
superior à média do estado (3,7%) e do Brasil (5,5%). Vale destacar que São Francisco
(6,6%) apresenta, juntamente com Parati (8,3%), São João da Barra (7,8%) e Varre-Sai
(6,6%) os maiores percentuais de crianças desta faixa etária que não freqüentam a
escola.
Com relação à repetência escolar, segundo os dados do Anuário Estatístico do
Rio de Janeiro, em 2002, 11,56 % dos alunos matriculados no ensino fundamental de
São Francisco repetiram de série. Esse percentual é bem próximo do valor apresentado
por seu município de origem, São João da Barra (11,83), no entanto, muito superior ao
município do Rio de Janeiro (5,96%) e à média do Estado (9,99%). Por outro lado,
quando analisamos a repetência no nível médio, o percentual em municípios pequenos e
rurais como São Francisco (3,57%) e São João da Barra (2,50%) era muito inferior à
média do Estado (9,97%) e das grandes cidades, como o Rio de Janeiro (11,71%)
Tabela 24: Percentual de alunos repetentes, na matrícula inicial do ensino
fundamental e médio nos municípios selecionados e no Estado do Rio de Janeiro,
2002.
Município Ensino Fundamental Ensino Médio
São Francisco de Itabapoana 11,56 3,57
São João da Barra 11,83 2,50
Rio de Janeiro 5,96 11,71
Estado do Rio de Janeiro 9,99 9,97
Fontes: Secretaria de Estado de Educação - SEE e Fundação Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro –
CIDE, 2003
Quanto à rede de saúde, São Francisco de Itabapoana, que se encontra habilitado
na Gestão Plena da Atenção Básica, possuía em 2002, segundo DATASUS/ Ministério
da Saúde, 23 estabelecimentos de saúde, sendo 20 públicos e 3 privados. Dos
estabelecimentos privados, dois referem-se a serviços de apoio à diagnose e terapia
(SADT) e um estabelecimento sem internação.
112
A rede ambulatorial do SUS em São Francisco de Itabapoana era composta neste
mesmo ano de 17 unidades básicas de saúde, um centro de saúde oral, um ambulatório
de hospital geral municipalizado53, 2 pronto-socorros especializados e 1 laboratório de
análises clínicas e 1 serviço de ultra-sonografia.
A Tabela abaixo mostra a série histórica (1998/2001) do número médio de
consultas médicas realizadas pelo SUS, por habitante/ano. È possível observar que há
uma enorme queda do número de consultas em São Francisco de Itabapoana a partir de
2000 e que os dados referentes aos anos 1998 e 1999 são bastante díspares da média de
consultas do Estado do Rio no mesmo período. Essa diferença acentuada merece ser
investigada. Uma possível justificativa para esse fato é que o município pode ter
trabalhado a partir de estimativas e não de dado concretos54. Outra explicação poderia
ser o fato de que a partir do final de 1999 houve uma modificação (alteração de
categorias) na tabela de procedimentos SIA-SUS.
Tabela 25 - Consultas médicas do SUS por habitante/ano, São Francisco de
Itabapoana (RJ), 1998 a 2001
Região 1998 1999 2000 2001
São F. de Itabapoana
5,91 9,96 3,26 3,55
Estado do Rio de Janeiro
2,86 3,14 3,11 3,05
Fonte: DATASUS – IDB/SUS, 2004.
Dessa forma, para efeito de comparação só será possível utilizar o dados
consolidados nos anos 2000 e 2001. Observa-se que o número médio de consultas do
município foi um pouco superior à média do estado nos dois anos analisados e superou
53 Até a emancipação do município, ocorrida em 1995, a rede de saúde de São Francisco de Itabopoana era composta de um hospital geral filantrópico (posteriormente municipalizado) e quatro unidades básicas de saúde, onde eram realizadas as vacinas e campanhas de rotina e as consultas médicas das especialidades básicas (PMSFI/SMS, 2002. Plano Municipal de Saúde 2002-2005. 54 Vale ressaltar que o município não apresenta uma tradição de coleta de dados e uso das mesmas para planejamento.
113
também o parâmetro definido pelo Ministério da Saúde, a partir da Portaria nº 1101/
GM de Agosto de 2001, de 2 a 3 consultas por habitante/ano.
De acordo com o Plano Municipal de Saúde (2002-2005), o município tem
implantados os seguintes programas: Humanização do parto e do nascimento;
assistência à mulher e à criança; saúde materno-infantil; hipertensão arterial; diabetes
mellitus; saúde oral; agentes comunitários de saúde; combate às carências nutricionais;
hanseníase; tuberculose; controle do aedes aegypti; imunização; idoso; saúde mental;
educação e comunicação em saúde; farmácia básica.
Com relação ao acompanhamento nutricional, a análise da série histórica dos
dados enviados para a Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, sugere que o
Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan) não está implantado de forma
efetiva no município, uma vez que o envio de dados e a participação nas oficinas de
capacitação têm sido bastante esporádicos. Em que pese a importância do
acompanhamento do estado nutricional, principalmente em um município com
acentuado grau de pobreza e de condições precárias de saneamento, o não
funcionamento do Sisvan pode contribuir para o agravamento da situação nutricional no
município e comprometer o sistema de monitoramento das condicionalidades do
Programa Bolsa Família.
O município conta também com o Programa de Agentes Comunitários da Saúde
(PACS), que atendia em 2000, 4.744 pessoas, ou seja, 12,5% da população. Conforme a
tabela 26, houve uma expansão em termos de cobertura do Programa em 1999,
passando de 9,2% para 13,8%, No entanto, no ano subseqüente, a cobertura passou para
12,5%. É possível observar ainda, que houve um aumento expressivo do percentual de
crianças com esquema de vacina em dia e um pequeno aumento da média de visitas por
família.
Tabela 26: Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) –
Dez/1998,Dez/1999,Jun/2000 1998 1999 2000 População atendida 3.393 5.171 4.744 % população coberta pelo programa 9,2 13,8 12,5 Média mensal de visitas por família 0,9 1,0 1,0 % de crianças c/esq.vacinal básico em dia 73,4 79,5 93,1 % de crianças c/aleit. materno exclusivo 62,5 83,3 62,5
Fonte: SIAB, 2003.
114
No que concerne ao Programa Saúde da Família (PSF), em setembro de 2004 foi
implantado o primeiro módulo no município. A previsão, segundo o Secretário
Municipal de Saúde, é de que o PSF atinja uma cobertura de 1500 famílias.
Conforme apontado no capítulo III, o estudo efetuado pelo TCU sobre o
Programa Bolsa Família, em diversos municípios evidenciou que o PACS e o PSF tem
sido de grande importância para a garantia da oferta e do monitoramento das
contrapartidas relacionadas à saúde dos programas de transferência de renda. Neste
sentido, a implantação de módulos do PSF no município pode vir a contribuir para que
São Francisco cumpra com as contrapartidas definidas pelo PBF.
A rede hospitalar do município é constituída de apenas um hospital público
municipal com 43 leitos. A distribuição do número de leitos vinculados ao SUS no
município por especialidade pode ser vista na tabela abaixo.
Tabela 27 - Leitos vinculados ao SUS por especialidade, São Francisco de
Itabapoana (RJ), 2002
Especialidades N
%
Cirurgia 9 20,9
Obstetrícia 12 27,9
Clínica Médica 13 30,2
Crônico/FPT 1 2,4
Pediatria 8 18,6
Total 43 100,0
Fonte: DATASUS,2004.
De acordo com o SIH/SUS, a relação de leitos hospitalares por 1.000 habitantes
no município de São Francisco de Itabapoana em 2002 era de 1,0 enquanto que a média
estadual era de 2,93 leitos por cada mil habitantes. Neste ano, foram realizadas 1.516
internações hospitalares no município, sendo 40% na especialidade de clínica médica,
quase 30% na cirurgia e 27 em obstetrícia.
115
Tabela 28 – Internações hospitalares do SUS por especialidade, São Francisco de
Itabapoana (RJ), 2002
Especialidades N %
Cirurgia 443 29,2
Obstetrícia 409 27,0
Clínica Médica 615 40,6
Crônico/FPT 0 0,0
Pediatria 49 3,2
Total 1.516 100,0
Fonte: DATASUS, 2004.
Em 2002, trabalhavam no município um total de 415 profissionais de saúde. A
relação de médicos por 1.000 habitantes era praticamente nula (0,002). De acordo com o
Secretário Municipal de Saúde, o setor público encontra dificuldades em contratar e
manter recursos humanos na área da saúde, sendo que a maioria vem do município
vizinho de Campos dos Goytacazes.
O município enfrenta uma grande carência de serviços de saúde, sobretudo os de
média e alta complexidade. De acordo com o Plano Municipal de Saúde (2002-2005),
São Francisco de Itabapoana integra o Consórcio Intermunicipal de Saúde da Região
Norte Fluminense, encaminhando os casos de média e alta complexidade para o vizinho,
Campos dos Goytacazes.
5.4 Aspectos Políticos
A implementação de políticas e programas não se dá num vazio institucional,
sendo, portanto, extremamente permeável à dinâmica da política local. Nesse sentido,
compreender os interesses, os conflitos, as arenas de disputas de interesses e as
características que marcam São Francisco de Itabapoana se fazem de grande
importância para o estudo do Programa Bolsa Família.
São Francisco de Itabapoana era um grande distrito do município de São João da
Barra na região Norte do Estado do Rio de Janeiro. Uma das grandes dificuldades que a
localidade enfrentava era que o acesso à São João era muito precário, via barca ou
116
passando pelo município de Campos dos Goytacazes. De acordo com alguns moradores
antigos, quase não havia investimento em infra-estrutura, saúde, educação e
saneamento.
São Francisco de Itabapoana emancipou-se de São João da Barra em 18 de
Janeiro de 1995 (Lei 2.37). Dessa forma, o município só contou com apenas duas
gestões administrativas (1997-2000/2001-2004).
Na primeira eleição ocorrida em 1996, a disputa pela Prefeitura Municipal ficou
entre Pedro Cherene pelo Partido Frente Liberal (PFL) e José Antonio Barbosa Lemos
representando o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). A disputa foi acirrada
e Barbosa Lemos tornou-se o primeiro prefeito de São Francisco de Itabapoana por uma
diferença de apenas 141 votos para Cherene.
Em 2000, novamente a disputa pela prefeitura foi entre o então prefeito Barbosa
Lemos (PMDB) e o segundo colocado na última eleição, Pedro Cherene (PDT). Dessa
vez, a vitória foi de Cherene por uma diferença de 4 mil votos.
Se num primeiro momento o governo municipal contou com maioria na Câmara
de Vereadores, a partir do terceiro ano de mandato com a situação passa a ser a minoria.
Uma das conseqüências apontadas pelos gestores foi a dificuldade de aprovação do
orçamento municipal em 2003 e 2004. Além disso, houve impasses para a
implementação de projetos e liberação de verbas, vindos principalmente do governo do
Estado55, como por exemplo, a viabilização de investimentos no valor de R$ 1 milhão
para o reasfaltamento da área urbana e igual quantia para a Saúde para a expansão de
programas, dentre eles o Programa Saúde da Família. Vale ressaltar que as destinações
desses recursos ocorreram durante o período eleitoral.
A última eleição, ocorrida outubro de 2004, foi particularmente importante para
este estudo porque coincidiu com o início da implementação do Programa Bolsa
Família no município e também com as visitas de campo.
O cenário foi de intensa disputa eleitoral, com o atual prefeito concorrendo à
reeleição pela coligação PSB-PMDB com o então presidente da Câmara Leonardo Terra
(PTB) e com Barbosa Lemos (PDT).
55 Vale ressaltar que tanto o governo municipal quanto o governo do estado do Rio integravam o mesmo Partido, o PMDB. E que próximo às eleições, o governo do estado liberou grande quantia de verbas para serem utilizadas nos municípios aliados.
117
O processo de eleição no município foi extremamente conturbado, devido às
denúncias de assassinato contra o candidato Leonardo Terra, que esteve foragido a
maior parte das eleições, e de uso eleitoral dos programas sociais pelo atual prefeito
Jorge Cherene. Ainda durante este período, Barbosa Lemos desistiu de sua candidatura
para apoiar Leonardo Terra.
Durante o período de visita ao município, a menos de um mês das eleições, foi
possível observar que os principais candidatos gastaram vultosas quantias em suas
campanhas, que contavam com grandes comícios e fretamento de diversos ônibus para
transportarem a população. Pedro Cherene foi reeleito prefeito de São Francisco de
Itabapoana.
É possível observar, que apesar de ser um município recente, a disputa pela
prefeitura fica sempre entre as mesmas elites que se alternam no poder. Essas figuras
políticas apresentam características semelhantes no sentido de serem lideranças com
fortes vínculos personalísticos e fraca ligação partidária. Tal fato dificulta a emergência
de novos atores no cenário político do município.
Com relação à Sociedade Civil, foi possível identificar a atuação de quatro
organizações não governamentais (ONG) no município, sendo duas voltadas para a
recuperação de dependentes químicos e as outras duas para a atenção às crianças
carentes.
De acordo com as entrevistas com os gestores das Secretarias Municipais de
Saúde, Educação e Promoção Social ainda não foram estabelecidas nenhuma parceria
com as ONGS que atuam no município.
No que concerne à formação de cooperativas e de associações civis, há uma
recorrência no depoimento dos diversos atores locais, inclusive antigos moradores, de
que o município, de um modo geral, não apresenta experiências positivas. De fato,
apesar de São Francisco de Itabapoana ser um dos maiores produtores de frutas do
Estado do Rio de Janeiro, os pequenos produtores precisam vender suas safras para os
atravessadores56 a preços muito abaixo do mercado, uma vez que não existe no
município sequer uma cooperativa de pequenos e médios agricultores.
56 Os atravessadores são pessoas que compram os produtos agrícolas dos pequenos e médios agricultores e revendem para os grandes centros e para as grandes distribuidoras e redes de supermercado.
118
Apesar das dificuldades na formação de cooperativas e associações civis, nos
últimos três anos, foram criadas duas associações, uma de pescadores e outra de
mulheres que têm filhos inscritos no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
(Peti).
No caso dos pescadores, em 2002, foi criada uma Colônia no município.
Segundo informações do fundador da Colônia, que em 2004 já contava com que cerca
de 900 filiados, ela tem propiciado avanços na avanços na situação de trabalho dos
pescadores, na medida em que regulariza sua situação trabalhista e que garante a sua
remuneração nos períodos em que a pesca não é possível. Um fato bastante interessante,
é que as mulheres que trabalham nos mangues “catando” caranguejos, também foram
incorporadas à colônia.
A Associação “Mães do Peti”, que será abordada no capítulo 6, foi criada em
2001, em parceria com a Secretaria Municipal de Promoção Social.O principal objetivo
dessa associação é gerar renda e autonomia, através da produção de artesanatos, às
mulheres cujos filhos são beneficiários do Peti.
Tanto a Colônia de Pescadores quanto a Associação “Mães do Peti”, apesar de
serem recentes, são apontadas como experiências que vêm apresentando alguns êxitos.
Neste sentido, a perspectiva principal é de que tais iniciativas possam gerar estímulos
para a criação de outras associações civis e cooperativas no município.
Uma questão interessante a destacar, é que apesar das denúncias constantes de
corrupção, compras de votos durante o período eleitoral e de envolvimento de políticos
locais com assassinatos, não foi possível observar alguma mobilização social em torno
destas questões, como se fossem características inerentes ao local.
Com relação aos conselhos de política social, a observação e a análise das
entrevistas e das atas dos Conselhos Municipais de Segurança Alimentar, Saúde,
Programa Bolsa Escola e Assistência Social demonstrou que alguns destes conselhos,
apontam para existência de algumas dificuldades e limitações no funcionamento dessas
instâncias no município: interferência dos gestores na indicação dos conselheiros da
sociedade civil; existência de vínculos diretos ou indiretos dos conselheiros da
sociedade civil com o governo municipal; desconhecimento (no caso dos conselheiros
entrevistados) sobre o papel do conselho do qual participam e;
119
A falta de parcerias entre as Ongs e o governo municipal, a dificuldade na
formação de cooperativas e de associações civis, além da passividade da população
frente à casos e a fragilidade dos conselhos de política pública apontam para uma
grande fragilidade da sociedade civil organizada no município de São Francisco de
Itabapoana.
Em resumo, o cenário em que o Programa Bolsa Família está sendo
implementado em São Francisco de Itabapoana é de precariedade de acesso às políticas
sociais, dramáticos indicadores sociais e de grande escassez de recursos e dependência
das transferências dos níveis supranacionais de governo e fragilidade da sociedade civil.
Aliada a essas características uma trajetória política, ainda que breve, marcada pelo
predomínio dos mesmos grupos de poder e por relações de favorecimento pessoal.
120
Capítulo VI
O PROCESSO DE IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA
EM SÃO FRANCISCO DE ITABAPOANA
O presente capítulo reconstitui o processo de implementação do Programa Bolsa
Família no município de São Francisco de Itabapoana. Em sua fase inicial (em 2003), o
PBF seguiu a trajetória do Programa Cartão Alimentação e das demais ações do Fome
Zero, contemplando os municípios mais pobres e de pequeno porte das regiões Norte,
Nordeste e Sudeste. Neste cenário, São Francisco emergiu como uma das localidades
prioritárias na fase inicial de implementação PBF.
As principais questões, experiência prévia de implementação de programas de
transferência de renda, estratégia de captação, cadastramento e seleção de famílias,
mecanismo de oferta e acompanhamento das contrapartidas, relação entre os níveis de
governo, relação entre os setores de governo e entre o governo e a sociedade civil foram
analisadas à luz dos seguintes eixos: equidade, descentralização, intersetorialidade e
controle social.
6.1 Experiência Prévia com Programas de Transferência de Renda
Para entender o processo de implementação do PBF em São Francisco de
Itabapoana faz-se de extrema importância recuperar a experiência local com os
programas anteriores de transferência de renda, uma vez que as pré-condições
institucionais e a experiência em programas semelhantes, ou seja, a memória técnica e o
aprendizado institucional exercem grande influência sobre esse processo (Draibe, 1996;
Arretche, 2000).
Quando começou a implementação do Programa Bolsa Família em São
Francisco, existiam no município cinco programas federais de transferência de renda,
são eles: Benefício de Prestação Continuada (BPC); Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil (PETI); Bolsa Escola (PBE); Bolsa Alimentação (PBA) e; Auxílio
Gás. No quadro abaixo, são apresentados o número de beneficiários de cada programa
121
federal e os respectivos repasses mensais à prefeitura. Vale ressaltar que tais programas
muitas vezes beneficiam as mesmas famílias.
Quadro 7: Programas Federais de Transferência de Renda Existentes em
São Francisco de Itabapoana- 2003
São Francisco de
Itabapoana
Bolsa Escola Bolsa
Alimentação
Auxílio - Gás Peti BPC
Nº de beneficiários 1455 686 1.485
1.374
215
Repasse mensal
(R$)
16.740,00
10.290,00 22.275,00
27.480,00
51.790,19
Fonte: MDS, MEC, MS, Ministério das Minas e Energia.
São Francisco de Itabapoana, apesar de ser um município recente (emancipou-se
em 1995), foi um dos primeiros locais a ter acesso a um programa federal de
transferência de renda. O PETI foi implementado em 1997 quando ainda se chamava
“Programa Brasil Criança Cidadã”. Nessa época, o programa era restrito às áreas rurais
e às atividades laborativas que apresentassem grandes riscos à saúde das crianças e dos
adolescentes e, portanto, contemplava um número reduzido de municípios.
A definição das áreas prioritárias foi feita com base em um levantamento
realizado pelo Fórum Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil57, onde o Norte do
Estado do Rio de Janeiro foi indicado por conta da freqüente utilização de mão de obra
infantil nos canaviais nessa região. (Macedo, 2004)
Através de um convênio firmado com a União, o governo do Estado do Rio
criou uma Comissão Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, que
juntamente com a Secretaria de Estado de Trabalho e Ação Social, fizeram o
levantamento inicial do número de crianças que trabalhavam nos canaviais e nas
lavouras de fruticultura. A partir desse levantamento, foi elaborado o Plano Estadual de
Implantação do PETI nos municípios do norte fluminense, do qual São Francisco de
Itabapoana fazia parte.
57 Para maiores detalhes ler: Macedo, M. A., 2004. Transferência de Renda: Nova Face da Proteção Social?
122
De acordo com os dados, depois de Campos dos Goytacazes (2.614), São
Francisco de Itabapoana (891) era o município com maior número de crianças a serem
atendidas pelo programa (Macedo, 2004).
Dessa forma, já no seu primeiro ano como ente federativo (1997), o município
também iniciou sua experiência com programas de transferência de renda, no caso, o
PETI. Esse fato justifica o destaque dado ao programa na análise da experiência prévia
do município.
O PETI transfere recursos monetários (R$25,00 na área rural e R$40,00 na área
urbana) às famílias cujas crianças trabalham e também repassa verba às prefeituras para
que possam viabilizar a realização de atividades extra-classe, uma vez que para receber
a bolsa, a criança tem que ter freqüência mínima de 75% na escola e participar de
atividades educativas que são ministradas depois das aulas. Em novembro de 2004, o
PETI contemplava 1.374 crianças em São Francisco de Itabapoana, totalizando um
repasse mensal de R$27.480,00. (MDS, 2004)
Para os gestores entrevistados, o PETI se configura numa das experiências de
gestão mais exitosas do município, visto que houve importante redução da utilização da
mão de obra e infantil e a realização de atividades de capacitação e conscientização das
famílias.
“Tem dado um resultado imenso. Antigamente a gente chamava a família para
um encontro, vinham duas, três, quatro. Hoje, nós temos um resultado,
participando, a maioria é de 70% de famílias. Inclusive um aumento enorme em
relação aos maridos”. (Entrevista 3)
Uma experiência inovadora no município foi a criação, em 2001, da Associação
“Mães do PETI” que produz artesanatos com a Taboa, uma planta encontrada,
principalmente, nos mangues. A Associação conta com uma sede, doada pela prefeitura
municipal, aonde são realizados cursos de capacitação das mulheres e a venda dos
artesanatos.
Em 2004, trinta e duas mulheres integravam a Associação, que de acordo com a
Presidente, ganhavam, em média, um salário mínimo por mês. Ela destacou a
123
importância dessa atividade no aumento da auto-estima dessas mulheres e na
emancipação das famílias.
Uma das principais dificuldades do PETI no município é a constante
descontinuidade de repasse dos benefícios, o que gera desconfiança e desestímulo às
famílias beneficiárias, fazendo com que muitas crianças abandonem o programa e
retornem ao trabalho.
“As famílias passam a desacreditar no programa. (...) você ganha um mês, mês
que vem não sabe se ganha”. (Entrevista 2)
Além do PETI, o Programa Bolsa Escola58, que começou a ser implantado em
2001, também é destacado enquanto uma experiência positiva no município. O PBE tem
como objetivo reduzir a pobreza através da concessão de benefício financeiro e do
acesso à escola às crianças entre 7 e 14 anos. A adesão dos municípios ao Programa
implicava no cumprimento de algumas contrapartidas, como a indicação de um técnico
para coordenar o programa, a captação, cadastramento e seleção das famílias
beneficiárias, a garantia de acesso à escola às crianças, o monitoramento da freqüência
escolar e a instituição de um Conselho de Controle Social.
No âmbito local, o PBE era gerido pela Secretaria Municipal de Educação e
Cultura. De acordo com o coordenador do programa, todas as crianças contempladas
pelo PBE que não freqüentavam a escola foram inseridas na rede escolar do município.
No que concerne às condicionalidades, a freqüência escolar era acompanhada através de
relatórios trimestrais, que após aprovação do Conselho Bolsa Escola, eram
encaminhados ao Ministério da Educação.
O Conselho de Controle Social do Bolsa Escola foi instituído formalmente em
maio de 2001 e era composto por sete conselheiros, sendo quatro da sociedade civil e
três do governo municipal. As reuniões do Conselho, em geral, ocorriam com uma
periodicidade trimestral. Após exame das atas das reuniões e entrevistas com
58 O Programa Bolsa Escola transfere às famílias pobres (renda per capita inferior a ½ salário) uma bolsa no valor de R$15,00 por criança na faixa etária entre 7 e 14 anos, chegando ao teto de R$45,00 por família. Para receber o benefícios, as crianças precisam ter freqüência escolar superior à 85%.
124
conselheiros, foi possível observar que as discussões giravam em torno da aprovação
dos relatórios de acompanhamento da freqüência escolar das crianças beneficiárias do
Programa enviados pela Secretaria de Educação. Nos casos de baixa freqüência escolar
sem justificativas, o Conselho determinava a suspensão temporária do benefício até que
a família se pronunciasse sobre o assunto. No entanto, em alguns desses casos, antes de
suspender o benefício os conselheiros realizavam visitas domiciliares para apurarem as
causas da ausência da criança.
No entanto, para além das atividades de acompanhamento da freqüência escolar,
não foram identificadas nas atas e nem nas entrevistas, a existência no interior do
Conselho de discussões sobre o desenho e as estratégias de implementação do programa
no município.
Com relação aos resultados, embora não tenha sido feita nenhuma avaliação59
institucional do programa, os gestores apontam que o principal avanço propiciado por
ele foi o aumento da freqüência escolar das crianças beneficiadas pelo PBE.
“A gente teve bastante sucesso. (...) Em todos os sentidos, na complementação
das famílias e também na gestão, na execução do programa e na questão da
evasão”. (Entrevista )
“Você compara, pega uma escola... vamos colocar no início de 2002, quando
começou a freqüência realmente. Pega a freqüência escolar de 2002, no
primeiro trimestre de 2002 com o terceiro trimestre de 2003. Você vê a
diferença da freqüência escolar, o rendimento que passou a ter aquela criança.
(...) Se não me engano, a gente estava com 24% de evasão escolar e freqüência
baixa. O que após a freqüência, acompanhamentos, visitas e treinamentos com
diretores, professores, chegou a 0,2%. O número reduziu bastante”. (Entrevista
1)
59 Na verdade, durante o trabalho de campo, foi possível observar que o município não apresenta uma tradição de avaliação dos programas.
125
Já o Programa Bolsa Alimentação, gerido pela secretaria municipal de Saúde de
São Francisco, teve início em 2002. Assim como no Programa Bolsa Escola, para aderir
ao PBA o município precisava indicar um responsável técnico para gerir o programa,
garantir a oferta e o monitoramento da agenda de compromissos e o controle social.
A agenda de compromissos que deveria ser cumprida pelas crianças (6 meses a 6
anos), gestantes e nutrizes, incluía a atenção ao pré-natal, acompanhamento do
crescimento e desenvolvimento das crianças e a manutenção do cartão de vacinação em
dia. No entanto, dentre estas condicionalidades, segundo informações dos gestores,
apenas o estado nutricional das crianças vinha sendo acompanhado de forma
sistemática, a cada dois meses, no município.
“O padrão que a gente tinha era o peso. (...) de dois em dois meses a mãe tem
que ir lá me dar o peso”. (Entrevista 2)
Apesar da afirmação acima, conforme discutido no capítulo 5, a análise da série
histórica da Secretaria de Estado de Saúde, demonstrou que o município de São
Francisco de Itabapoana não tem alimentado regularmente o Sisvan, tampouco,
participado das atividades de capacitação que vem sendo efetuadas pelo estado. Tal
situação merece um maior aprofundamento: os dados são coletados nas unidades
básicas de saúde e consolidados pelo município, mas não são enviados ao estado? Os
dados são coletados, mas não são registrados pelo município? Vale destacar que apesar
dos dados do Sisvan terem sido solicitados à coordenação do programa, os mesmos não
foram disponibilizados para a pesquisa.
Além das contrapartidas citadas acima, o regulamento do PBA, previa ainda a
realização de atividades de educação nutricional com as famílias beneficiárias, com a
finalidade de orientar a utilização dos recursos de forma a garantir uma alimentação
adequada. No município, tal ação não era desenvolvida com êxito, uma vez que,
segundo os gestores, as famílias relutavam em participar das atividades propostas pela
secretaria de saúde.
126
“Essa agenda de compromisso, você vai lá para conversar com a mãe. A mãe
nem vai, diz que vai gastar passagem para conversar. Conversar o quê? A gente
incentiva para vir conversar, usar a verba na alimentação, mas elas não querem
saber disso”. (Entrevista 2)
Realizar atividades educativas, principalmente àquelas relacionadas com o
hábito alimentar, não é tarefa fácil. Em geral, a metodologia utilizada não se baseia em
trocas de experiência e na valorização da cultura das famílias, mas na simples
transmissão de conteúdos, muitas vezes fora da realidade local. Nesse processo não há
trocas, parte-se da premissa de que as pessoas desconhecem por completo as práticas
alimentares, e que, portanto, não são capazes de compartilhar o seu conhecimento.
(Rotenberg & Marcolan, 2002)
No que concerne à relação entre os níveis de governo em torno dos programas
federais de transferência de renda, as falas dos gestores deixam claro que este diálogo se
dava diretamente com o governo federal, sem a participação da esfera estadual.
“Eu nunca tive contato como Estado, o meu sempre foi com o Ministério”.
(Entrevista 1)
Contudo, tal padrão não é observado no caso do PETI e nos demais programas
geridos pela Secretaria Municipal de Promoção Social, pois, de acordo com os gestores,
o estado promove ações de capacitação e fornecimento de informações.
“O Governo Estadual, ele é mais ligado à Secretaria de Promoção Social. O
nosso já é direto com o Federal”. (Entrevista 4)
A maior proximidade do Governo Estadual com a Secretaria Municipal de
Promoção Social e do Governo Federal com as Secretarias de Saúde e Educação pode
estar relacionada aos seguintes fatores:
127
i) Contexto nacional - a descentralização não se deu da mesma forma
nos diversos setores sociais. As áreas da saúde e da educação sofreram
um grau mais acentuado de municipalização, e, portanto,
estabeleceram uma relação mais direta com o nível federal, enquanto
na assistência social, ultima a efetuar o processo de descentralização, a
municipalização não se deu de forma tão acentuada.
ii) Contexto regional - esse fato estaria relacionado com uma
característica própria do atual governo estadual do Rio de Janeiro, no
qual a assistência social é o principal carro-chefe e a porta de entrada
nos municípios. No caso de São Francisco de Itabapoana, essa
proximidade poderia ser mais acentuada ainda pelo fato dos governos
serem filiados ao mesmo partido político, o PMDB.
Com relação às dificuldades na implementação dos programas, os principais
entraves apontados pelos gestores foram: a ausência de um apoio logístico, técnico
operacional e de diálogo com o estado; a falta de canais de diálogo com o governo
federal e também de estratégias de capacitação dos gestores e dos técnicos municipais;
reduzida infra-estrutura e recursos humanos; dificuldade em operar o cadastramento e; a
precariedade de transporte no município.
Além dos cinco programas federais de transferência de renda, a Prefeitura de
São Francisco de Itabapoana criou através da Lei nº. 125 de 15 de Maio de 2002 o
Programa Municipal de Renda Mínima (PMRM) no qual o recebimento do benefício
também está atrelado ao cumprimento de contrapartidas por parte das famílias.
6.1.1 Programa Municipal de Garantia de Renda Mínima
O Programa Municipal de Renda Mínima (PMRM), assim como a maior parte
dos programas de transferência de renda desenvolvidos no Brasil, contempla as famílias
pobres com filhos até 14 anos de idade e atrela o recebimento do benefício a matricula e à
freqüência escolar das crianças.
O PMRM é gerido pela Secretaria Municipal de Promoção Social e tem como
objetivo principal “elevar o bem-estar de famílias carentes com filhos e dependentes
128
menores de 14 anos e, simultaneamente, incentivar a escolarização de seus filhos e
dependentes entre 7 e 14 anos” (Lei 125/02 artigo 1º) .
O quadro abaixo apresenta um resumo das principais características do PMRM
Quadro 8: Principais Características do Programa Municipal de Renda
Mínima (PMRM) de São Francisco de Itabapoana
Critério de
elegibilidade
Benefícios
(mensal)
Condicionalidades Meta Cobertura
(Julho/04)
Idade > 18 anos;
Tempo de
residência maior
que 2 anos;
Renda per capita
inferior a ¼
salário mínimo;
Ter filhos menores
de 14 anos
Cesta Básica de
Alimentos
ou
Bolsa auxílio
(1salário mínimo)
Crianças entre 7 e 14 anos -
freqüência escolar mínima de
75%
Maiores de 18 anos –
atividades laborativas,
educativas e promocionais em
alguma Secretaria Municipal
500 famílias
200 – cesta
básica
300 – bolsa
auxílio
82 famílias
Fonte: Lei Municipal nº 125 de 15 de Maio de 2002
As famílias selecionadas pelo PMRM recebem mensalmente uma “bolsa
auxílio” no valor de um salário mínimo ou uma cesta básica de alimentos60
(aproximadamente R$20,00). Apesar dos benefícios serem de natureza e de valores
distintos, não existe um critério específico para definir se a família receberá a cesta ou o
recurso em espécie.
No que concerne aos mecanismos de seleção, o ingresso das famílias ao PMRM
se dá através da inscrição num cadastro, cujas informações são coletadas através de um
formulário próprio para o programa. Após o cadastro, respeitando o limite de bolsas e
cestas a serem concedidas, são selecionadas as famílias que serão contempladas pelo
programa, desde que cumpram os critérios de elegibilidade apresentados no quadro 8
(PMSFI, 2002).
60 A cesta básica é composta por: 5kg de arroz, 5 Kg de açúcar; 2Kg de feijão; 1 Kg de farinha; 1 kg de macarrão; 1 KG de fubá; 1 litro de óleo, 1Kg de sal e 250g de café.
129
É interessante notar, que apesar do Cadastro Único61 já ter sido implementado
no município, o PMRM não compartilha desse banco de dados, utilizando um cadastro
próprio. Ao criar uma base de dados paralela existe o risco de o programa vir a
beneficiar famílias já contempladas por programas federais de transferência de renda
(sobrefocalização), em detrimento de famílias sem nenhuma proteção social. Além
disso, os recursos empregados na operacionalização deste cadastro poderiam ser
utilizados na ampliação da cobertura do programa.
Com relação às condicionalidades, cabem às famílias as seguintes
responsabilidades:
i) Crianças entre 7 e 14 anos - freqüência escolar mínima de 75%
ii) Adultos – atividades laborativas, educativas e promocionais nas
Secretarias Municipais de Promoção Social, Meio Ambiente,
Agricultura, Educação e Cultura ou Saúde
Tais condicionalidades, de acordo com a lei de criação do programa, são
monitoradas pela Secretaria de Promoção Social através dos seguintes mecanismos:
controle da freqüência escolar; reuniões mensais sócio-educativas e; acompanhamento
das atividades laborativas nas secretarias.
A lei define ainda que o tempo máximo de permanência é de 1 ano, no caso do
bolsa auxílio e de quatro meses, no caso da cesta básica de alimentos. No entanto, as
famílias poderão ser desligadas do programa antes de completar o período máximo se
for comprovada fraude nas informações prestadas ou mudança na situação econômica.
Em caso de descumprimento da freqüência escolar mínima o benefício é suspenso por
um mês.
A meta inicial do PMRM era a distribuição mensal de 200 cestas básicas e de
300 bolsas auxílio, totalizando um gasto anual de R$ 768.000,0062. No entanto, no final
de 2004, dois anos após o início da implementação do programa no município, só
61 O Cadastro Único dos programas sociais do governo federal começou a ser implementado em São Francisco de Itabapoana no ano de 2001. 62 Dados referentes à 2002. Considerando o salário mínimo de R$ 240,00 e a cesta básica em R$20,00.
130
haviam sido contempladas 82 famílias, ou seja, apenas 16,4% do previsto. Os gestores
alegaram que o município vem passando por uma grande restrição orçamentária,
causada principalmente pela queda na arrecadação dos royalties63 do petróleo e pela não
aprovação do orçamento pela Câmara Municipal.
Embora os gestores apontem que o maior entrave para o não atendimento da
população alvo seja a restrição orçamentária, na verdade, o próprio desenho do PMRM
dificulta a inclusão de todas as famílias consideradas como potencialmente
beneficiárias. Primeiro pelo alto valor do benefício frente à realidade financeira do
município (um salário mínimo) e segundo pela exigência de que os adultos exerçam
funções laborativas em diversas secretarias municipais de governo. Como incluir na
administração publica de um município de pequeno porte cerca de 500 pessoas?
A criação de um programa próprio de transferência de renda pode indicar a
preocupação do município em enfrentar a pobreza e a fome, contudo, a baixíssima
cobertura do programa implica numa baixa eficácia e numa segmentação ainda maior da
pobreza em São Francisco de Itabapoana.
Tal situação em que apenas uma pequena parcela das famílias pobres é
contemplada pelos programas de transferência de renda é bastante comum nos
municípios brasileiros, uma vez que, segundo Lavinas (1997), dificilmente a capacidade
financeira dos municípios com baixo nível de renda e grande proporção de pobres
possibilitaria um atendimento universal da população potencialmente beneficiária, salvo
em casos de co-financiamento das esferas estadual e federal.
Foge aos objetivos desse estudo uma análise pormenorizada do Programa
Municipal de Renda Mínima, no entanto, algumas questões merecem um futuro
aprofundamento, principalmente no que concerne às contrapartidas exigidas pelo
PMRM.
A partir dessa breve análise dos programas de transferência de renda em São
Francisco de Itabapoana, foi possível conhecer a experiência anterior do município em
programas semelhantes e as pré-condições institucionais, fatores esses que podem
exercer grande influência no processo de implementação do Programa Bolsa Família
(Draibe et al, 1996). De acordo com o exposto até o presente momento, fica claro que o
63 Conforme comentado no capítulo 5, em 2003 houve uma redivisão dos recursos advindos do petróleo entre os municípios limítrofes, havendo redução do montante destinado a São Francisco de Itabapoana.
131
município ainda apresenta importantes fragilidades institucionais e uma baixa memória
técnica. A grande extensão de seu território (2º maior do estado), aliado às condições
precárias de transporte e à falta de recursos logísticos das secretarias municipais
dificultam ainda mais a operacionalização dos programas no nível local. Em geral, a
maior parte dos programas carece de uma avaliação institucional e de mecanismos
sólidos de monitoramento. Foi possível observar ainda, que o município não possui uma
tradição de planejamento e execução conjunta dos programas de transferência de renda
desenvolvidos pelas diversas secretarias.
Com relação às relações intergovernamentais, o município tem estabelecido uma
relação direta com o governo federal e, inclusive, alegam ressentirem-se de uma atuação
mais próxima do governo do estado. De acordo com os gestores, com exceção do Peti,
os demais programas de transferência de renda não vêm sendo acompanhados pelo nível
estadual, faltando apoio técnico, recursos financeiros e logísticos.
No que concerne ao controle social, a análise das atas dos Conselhos Municipais
de Saúde (CMS) e do Programa Bolsa Escola (CMPBE) permitiu observar que as
discussões destes conselhos não contemplavam questões mais amplas relacionadas ao
desenho e a estratégia de implementação do programa no município, uma vez que suas
atuações se limitavam a aprovação dos relatórios de acompanhamento das
contrapartidas.
Por outro lado, é imperioso reconhecer que alguns esforços de superação dessas
limitações vêm sendo empregados, principalmente na gestão do PETI e do Programa
Bolsa Escola, como a criação da Associação “Mães do Peti” que tem como objetivo a
geração de emprego e renda para as famílias inscritas no Peti e a iniciativa de aumentar
a cooperação entre os níveis de governo através da organização de um seminário para
discutir o Programa Bolsa Escola.
6.2 O Programa Bolsa Família em São Francisco de Itabapoana
O Programa Bolsa Família começou a ser implementado em São Francisco de
Itabapoana, tão logo foi instituído pelo Governo Federal, em outubro de 2003, sendo
gerido pela Secretaria Municipal de Educação e Cultura. Como mencionado
132
anteriormente, o município foi considerado como área prioritária para as ações do
Programa Fome Zero.
Num esforço de melhor compreensão do PBF no município, cabe apresentar
aqui o contexto de implementação do programa no Estado do Rio de Janeiro. O estado
fluminense foi uma das primeiras Unidades da Federação a celebrar um termo de
cooperação com a União, em maio de 2004.
No entanto, apesar da assinatura do termo ser considerada uma das principais
causas da aceleração do processo de implementação do PBF nos estados, no caso do Rio
de Janeiro (35,8%) a cobertura do programa está abaixo da média nacional (58,6%)64.
Tal fato também ocorre em relação ao Cadastro Único, sendo o Rio de Janeiro (55,7%)
o segundo estado com menor percentual de famílias pobres cadastradas.
Na verdade, existem grandes disparidades de cobertura entre os 92 municípios
pertencentes ao estado. Enquanto alguns como Itaocara e Aperibé já incluíram
respectivamente, 78,2% e 66,4% das famílias pobres, outros, como Cantagalo (0,0%),
Rio Claro (5,8%) e Barra do Piraí (9,2%) não atingiram nem 10% da população prevista
inicialmente.
Na região Norte Fluminense o panorama é similar ao encontrado no resto do
estado (Tabela 29). Ainda de acordo com a tabela abaixo, São Francisco de Itabapoana
está entre os municípios que apresentam o maior percentual de cobertura do PBF.
64 Dados referentes à Dezembro de 2004.
133
Tabela 29: Cobertura do Programa Bolsa Família nos Municípios do Norte Fluminense, Brasil 2004.
Município Estimativa de famílias pobres
% de Famílias Pobres incluídas no PBF
Cardoso Moreira 1.066 63,4
Conceição de Macabu 910 53,5
São Fidélis 2.741 51,1
São Francisco de Itabapoana 3773 50,00
São João da Barra 2033 36,8
Quissamã 843 36,7
Macaé 4.336 29,8
Carapebus 379 29,3
Campos do Goytacazes 21.868 10,9
Fonte: MDS, 2004. Dados referentes à Dezembro de 2004.
Vale ressaltar que a definição do teto de bolsas que cada município receberá do
governo federal foi baseada na estimativa de pobreza (famílias com renda per capita
inferior à R$100,00) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De
acordo com esse levantamento, em São Francisco de Itabaponana, 3773 famílias
encontravam-se em situação de pobreza ou extrema pobreza.
Em outubro de 2003, foram incluídas 1.308 famílias no PBF (35% da meta),
provenientes, principalmente, da migração dos Programas Bolsa Alimentação, em
menor escala, do Programa Auxílio Gás. No entanto, ao longo do ano de 2004 não
houve inclusão de novas famílias. Uma possível justificativa para essa estagnação é a
mudança de prioridades do MDS que passou a focalizar o PBF, principalmente, nas
grandes metrópoles.
Em Dezembro de 2004 com a inclusão de mais 571 famílias, algumas migradas
do Auxílio Gás e outras incluídas pelo Cad-Ùnico, o percentual de cobertura do PBF no
município passou de 35% para 50%, ou seja, um aumento de 46% (Gráfico 7). Essa
134
cobertura (50%) é próxima ao país (58,6%) e inferior a cobertura do Estado do Rio de
Janeiro (35,8%)65.
Gráfico 7: Evolução Percentual da Cobertura do PBF* – São Francisco de
Itabapoana, Brasil 2004 em Outubro/2003 a Dez/2004
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
Out 2003 Dez 2004
% famílias não
atendidas
% famílias
atendidas
De acordo com os agentes implementadores, o processo de transição dos
programas remanescentes para o Programa Bolsa Família vem ocorrendo de forma
bastante confusa, sem informações concretas do governo federal e sem capacitação dos
gestores. Por esse motivo, na ocasião da primeira visita ao município em maio de 2004,
alguns destes atores não viam a unificação dos programas de renda como um possível
avanço.
“Porque só gerou problemas e a gente está sem acompanhamento, sem
treinamento, está sem nada. As prefeituras ainda estão um pouco presas ao que
fazer com o Bolsa Família”. (Entrevista 1)
“A gente ficou totalmente perdido. Não sabia quem tinha migrado pro bolsa
família, quem permaneceu no bolsa alimentação, bolsa escola”. (Entrevista 2)
65 Valores referentes ao mês de Dezembro de 2004.
Fonte: MDS, 2004. * Segundo estimativa de nº de famílias pobres do IBGE.
135
De fato, no panorama atual do município, ainda existem famílias que não
migraram para o PBF e que continuam nos programas remanescentes, recebendo valores
diferentes e com condicionalidades e gestões também diferenciadas (Tabela 30).
Tabela 30: Programas de Transferência de Renda (PBF e Programas Renamenescentes) no Município de São Francisco de Itabapoana – Dezembro,
2004.
Programa Nº de Famílias beneficiadas
Valor mensal do benefício
Bolsa Alimentação
0
R$15,00 por criança, gestante ou nutriz, com teto máximo de R$45,00
Bolsa Escola 728 R$15,00 por criança, gestante ou nutriz, com teto máximo de R$45,00
Auxílio Gás 927 R$14 bimensais
Bolsa Família
1879
Fixo:R$50,00
Variável: R$15,00 por criança, gestante ou nutriz, com teto máximo de R$45,00
Fonte: MDS, 2004.
Outro fato que vem tumultuando esse processo de transição é a falta de
esclarecimento sobre a compatibilidade ou não entre o PBF e o PETI. Em princípio, os
gestores mencionaram que a impossibilidade de inclusão das famílias beneficiárias do
PETI no Bolsa Família, vem gerando grandes transtornos na medida em que muitas
famílias estão querendo se desligar do PETI para que possam ser contempladas pelo
PBF.
“Houve um avanço. Eu só fico preocupada com a situação do PETI. Isto que
não está claro na minha cabeça. (...) Porque elas não fazem parte. (...) quem
faz parte do PETI não pode ter Bolsa Família. Então, eles de qualquer jeito
estão sendo excluídos”. (Entrevista 4)
136
“Então, aquele trabalho que você já vinha desenvolvendo há um bom tempo é
interrompido, porque eles querem sair a qualquer preço. E estas crianças que
foram trabalhadas, este trabalho todo que a gente vem desenvolvendo com esta
criança, com esta família?” (Entrevista 4)
Uma vez que o processo de implementação é bastante dinâmico e tem a
capacidade de alterar o curso do que foi previamente formulado, as opiniões, os
conceitos e os valores dos agentes implementadores sobre o programa são considerados
aspectos chaves, principalmente porque estes atores possuem grande autonomia
decisória (Arretche, 2001; Viana, 1996, Mazmanian & Sabatier, 1989).
No caso de São Francisco de Itabapoana, existe uma grande desconfiança entre
os principais atores envolvidos com o PBF de que os programas que transferem renda
podem vir a desestimular o trabalho.
“As pessoas ficam em função, e nem querem trabalhar. “Cadê meu benefício,
cadê meu benefício”?”. Teve um caso que aconteceu comigo que uma família
que não pegou durante três meses e quando foi pegar tinha R$245,00. Um
salário mínimo sem fazer nada. O trabalho deles agora é correr atrás do
benefício”. (Entrevista 2)
“Então, já tivemos várias famílias em que a mãe trabalhava. (...) doméstica,
fazia faxina nas casa, limpeza disso, descascando camarão, limpava peixe, tudo
isso. Elas pararam de trabalhar porque achavam que os R$50,00 (benefício
fixo) a mais seria mais do que se elas trabalhassem. Então, se diminuíssem a
renda familiar elas teriam direito a estes R$50,00 básicos66.” (Entrevista 1)
Na verdade, a possibilidade de estímulo ao ócio se configura numa das
principais críticas aos programas de renda mínima (Silva e Silva, 1997) e tem sua
66 De acordo com o regulamento do Programa Bolsa Família, quando a renda per capita é inferior à R$50,00 mensais, as famílias tem direito a receber um benefício fixo no valor de R$50,00 além do benefício variável de R$15,00 por criança até 14 anos.
137
origem na concepção bastante difundida, no início do século, de que a pobreza está
fortemente vinculada à noção do indivíduo sem disposição para o trabalho. Inclusive,
algumas propostas internacionais, como o Imposto Negativo de Milton Friedman, e
nacionais, como o Projeto de Renda Mínima do Senador Suplicy, preocuparam-se em
construir modelos que mantivessem o estímulo ao trabalho.
Apesar de considerarem que o PBF pode gerar desestímulo ao trabalho, os
entrevistados destacaram a complementação da renda familiar e a possibilidade de
maior acesso a uma alimentação adequada como pontos positivos presentes no
programa.
“Tem seus lados positivos e negativos. Os positivos, a ajuda financeira à
família, pela complementação da renda e pelas despesas alimentícias e outras.
E por outro lado, também desenvolve um pouco do chamado não-trabalho.
Muitos ficam na espera dos benefícios e não vão em busca de trabalho”.
(Entrevista 1)
6.2.1 Captação, Cadastramento e Seleção de Beneficiários
Diversos estudos apontaram que, em geral, os programas de combate à fome e à
pobreza no Brasil realizavam uma focalização perversa, pois não conseguiam atingir os
grupos mais vulneráveis e não priorizava as regiões mais atingidas pela miséria
(Peliano, 1996; Lopes,1996). Neste sentido, o processo de captação, seleção e
cadastramento dos potenciais beneficiários se constitui numa operação fundamental no
sentido de garantir a um determinado programa o princípio da equidade.
Paradoxalmente, esta etapa crucial da implementação de programas sociais é a
que padece de maior estrutura logística e de planejamento prévio. Apesar do esforço do
governo federal em criar um Cadastro Ùnico, em recente avaliação (2002), o TCU
apontou diversos problemas nos cadastros como: má qualidade dos dados, falta de
mecanismos de verificação dos rendimentos declarados pelas famílias; falta de
sistemática para a atualização e a manutenção da base de dados pelos municípios;
insuficiência de recursos humanos para o cadastramento nos municípios; deficiências de
138
treinamento e capacitação dos cadastradores; dificuldades no envio de informações dos
municípios para a CEF e dificuldades de acesso às famílias, duplicidade de cadastro e o
cadastramento de famílias acima da linha de pobreza (TCU, 2002).
Algumas ações empregadas pelo governo federal, como a realização de um
Seminário Nacional em Brasília com gestores estaduais e municipais, a aplicação de
recursos advindos da parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)
e o desenvolvimento de uma nova versão do software do programa, vêm propiciando a
correção de parte dos problemas identificados pelo TCU. No entanto o governo federal
ainda não foi capaz de evitar o mau uso do cadastro pelas prefeituras municipais, como
cadastramento de pessoas acima da linha estipulada, uso eleitoral e clientelista e a
duplicidade de cadastros (TCU, 2004). Na verdade, tais situações vêm sendo
constantemente denunciadas pela mídia.
Como o processo de cadastramento é descentralizado, cada prefeitura pode
efetuá-lo da forma que lhe for conveniente, uma vez que o MDS não dispõe de
mecanismos de controle desse processo, tampouco os governos estaduais.
Dessa forma, a qualidade do cadastro e o grau de focalização das famílias
potencialmente beneficiárias variam de município para município, sendo, portanto,
imprescindível reconstituir esse processo no nível local, para saber se o mesmo
reproduz as iniqüidades dos programas sociais anteriores ou se caminha em direção a
uma focalização positiva.
De fato, estudos realizados em municípios do Estado do Rio de Janeiro vêm
indicando que variações na capacidade técnico político-institucional da rede de saúde e
educação locais levam a processos muito distintos de captação, cadastramento e seleção
de beneficiários para os programas de transferência de renda. (Burlandy, 2003)
O acesso das famílias ao PBF pode se dar através da migração das famílias
beneficiárias dos programas remanescentes (Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio-
Gás e Cartão Alimentação) ou da inclusão de novas famílias no cadastro único. Em São
Francisco de Itabapoana é possível dividir o processo de captação e cadastramento de
beneficiário do PBF em três etapas:
a) Migração dos programas remanescentes
b) Complementação dos dados do Cadastro do Programa Bolsa Escola (CadBes)
139
c) Cadastramento Único de novas famílias
a) Migração dos programas remanescentes:
O processo de cadastramento dos programas remanescentes ocorreu de forma
desarticulada, pois cada secretaria adotou uma estratégia própria, levando,
principalmente, em consideração a sua capacidade técnica e operacional.
Apesar do Cad-único ter sido implementado em 2001, o cadastro não era
aproveitado para outro programa, representando para o município maiores gastos com
operacionalização dos cadastros, além de gerar duplicidades.
“Cada secretaria acatou a sua. Não somente essa prefeitura, todas as
prefeituras fizeram isso (...) Porque os programas eram muito dependentes das
secretarias. O Bolsa Escola, por exemplo, tinha que ser da Educação, não
poderia ser vinculado a outra secretaria”. (Entrevista 1)
Na verdade, a superposição de ações e a desarticulação entre as secretarias
podem ser observadas em grande parte dos municípios. Não raro, quando há troca de
governos o cadastro anterior é descartado pela nova administração.
Os técnicos do município de São Francisco reconheceram que a desarticulação
entre as secretarias provocou alguns problemas como a duplicidade de cadastros e a má
focalização. Muitas famílias com maior grau de informação cadastravam-se nas várias
secretarias e muitas vezes, eram contempladas com mais de um programa de
transferência de renda.
“Aí o que aconteceu? Ela (Promoção Social) cadastrou, a saúde cadastrou e a
educação cadastrou. As famílias que tinham uma consciência melhor, um nível,
iam lá cadastravam na promoção, na saúde e na educação. Nós estamos tendo
muitos problemas com isso”. (Entrevista 2)
140
No caso do Bolsa Escola, a estratégia adotada em São Francisco foi a divulgação
do programa na rede municipal e estadual de ensino, a solicitação da indicação das
crianças pela escola e, por último, a realização de uma visita domiciliar para efetuar o
do cadastramento.
“A gente ia até a escola. Como era um número bem pequeno de vagas a ser
contempladas, a gente fazia estas visitas domiciliares mesmo. Através da
indicação da escola. (...) então ela nos indicava e a gente ia até a comunidade
fazer o cadastro”. (Entrevista 1)
As principais justificativas para a adoção desta estratégia foi a inviabilidade de o
município fazer uma visita a todos os domicílios da cidade, o pequeno número de bolsas
que inicialmente foram destinadas a São Francisco e a crença de que a escola, por ter
maior proximidade com as famílias, poderia indicar de forma mais fidedigna as crianças
em situação de miséria.
“A escola identifica aquela família, porque o aluno está ali na escola, então é
mais fácil fazer o cadastro. (....) Porque a escola sendo um agente dentro da
comunidade, ela tinha uma visualização bem maior do que nós aqui na
secretaria. Então ela nos indicava e agente ia até a comunidade fazer o
cadastro” (Entrevista 1)
A adoção deste mecanismo de captação via indicação das escolas apresenta
algumas vantagens, pois dada a impossibilidade de cadastramento de todas as famílias
pobres diretamente nos domicílios, as escolas, que segundo a secretaria de educação,
estão presentes em praticamente todo o território do município, poderia ser uma via de
acesso às famílias que se localizam fora do centro urbano. Além disso, as escolas
potencialmente apresentariam maior conhecimento acerca da situação social das
famílias. Por outro lado, tal estratégia pode representar uma exclusão das crianças que
não tem acesso à escola e que, portanto, se constituem nos grupos mais vulneráveis e
prioritários para o programa.
141
De acordo com os gestores, uma das soluções para este problema foi o Programa
Federal Brasil Escola de Todos, no qual uma equipe de entrevistadores ia até as
localidades e identificava as crianças que estavam fora da rede de ensino. Uma vez
identificadas, as crianças eram matriculadas na escola e inseridas na base do cadastro do
PBE.
“Temos o Programa Escola de Todos, que o governo federal deu início. Uma
equipe de dez entrevistadores vai até as localidades, de casa em casa e
identifica, faz a entrevista verificando se há alguma criança fora da escola. A
partir daí a gente toma as devidas providências como a questão do trabalho
infantil, como a questão nutricional, tudo isso”. (Entrevista 1)
Ainda assim, num estudo realizado pelo Instituto de Estudos Trabalho e
Sociedade (IETS)67, foi evidenciado que os programas do tipo “Bolsa Escola”
incluíram, principalmente, as crianças que já tinha acesso à rede de ensino, em
detrimento daquelas que ainda se encontravam fora da escola (Schwartzman, 2004).
Com relação ao Programa Bolsa Alimentação, foi feita a divulgação nas diversas
localidades do município através da rádio local e de um carro de som através dos quais a
população era convocada a comparecer à sede da secretaria de saúde para que fosse
cadastrada.
“A gente anunciou na rádio local que ia ter o cadastramento do Bolsa
Alimentação, aí a variação da idade da criança, marcamos um dia”.
(Entrevista 2)
A principal limitação desta estratégia de cadastramento é que, geralmente, as
famílias mais vulneráveis moram em localidades rurais e distantes do centro, em que o
acesso é dificultado, sobretudo pelo transporte precário do município. Dessa forma, a
possibilidade das famílias extremamente pobres e sem acesso a nenhuma rede social
serem incluídas no cadastro fica muito reduzida.
67 Este estudo foi realizado pelo pesquisador Simon Schwartzam a partir dos dados da PNAD 2003.
142
Quando indagados se esses programas foram capazes de atingir as famílias mais
pobres entre os pobres, os gestores reconheceram a dificuldade em realizar uma
focalização positiva.
“Não. Hoje em dia tem pessoas que precisam e que não estão cadastradas.
Aparecem muito. (...) Tem gente que vai pegar o Bolsa de carro.” (Entrevista 2)
O principal motivo alegado pelo município é que muitas famílias que não
precisariam do benefício se inscrevem, pois não há mecanismos para verificar a
veracidade dos dados informados pelas famílias.
“Todos se acham no direito de ter, por não ter uma renda fixa.” (Entrevista 1)
“A gente tentou através do per capita fazer a seleção. Mas, nunca fidedigna.
Como é que você vai comprovar que a renda que a pessoa está falando ali é
real”. (Entrevista 2)
Em que pesem as maiores dificuldades de auto-focalização dos programas de
transferência de renda em relação aos programas que distribuem alimentos, são as
estratégias de captação e cadastramento os principais instrumentos de garantia de uma
focalização positiva.
As principais dificuldades apontadas pelos gestores durante o cadastramento dos
programas de transferência de renda foram: falta de apoio e capacitação do governo
federal e estadual; recursos humanos e logísticos muito limitados; a falta de transporte e
a extensão do município e; a falta de preparo dos técnicos para o preenchimento da
ficha de cadastros e para o envio desses dados para a CEF e; a complexidade do
cadastro.
“Você já percebeu a extensão do nosso município? Não temos esta facilidade.
Transportes...Tudo isto complica, por mais que nós tentemos”. (Entrevista 4)
143
“Será que o cadastro não ficaria melhor se a pessoa pudesse estar verificando?
Verificando estas famílias?” (entrevista 3)
A rapidez com que os cadastros precisam ser elaborados também é apontada
como um grande entrave ao sucesso do cadastramento, já que não permite um
planejamento prévio da estratégia de captação e a adequada mobilização de recursos
financeiros e humanos.
“Agora, você já imaginou se eu tivesse um tempo? Se eu tivesse primeiro a
leitura de todo o município? Vou ter que fazer uma seleção minuciosa. Aí eu
realmente vou estar atingindo aquela camada mais carente.” (Entrevista, 3)
“Essa rapidez. É que tem que ser pra ontem. O planejamento. Nós precisamos
planejar. Chegou no município, a ânsia de perder este benefício, então você
começa... acho um pouquinho prematuro (...) que nós pudéssemos planejar,
entendeu? Há uns dois anos foi criado o cadastro único. Que a gente desse
continuidade. Para não acontecer o que aconteceu agora”. (Entrevista 3)
b) Complementação do Cadastro Bolsa Escola
A maior parte das famílias que migraram para o PBF integrava os Programas
Bolsa Alimentação, Cartão Alimentação e Auxílio Gás. No caso do Bolsa Escola essa
migração não tem sido feita concomitante com os demais programas, pois o PBE possui
uma base de dados própria, o CadBes. Dessa forma, para que o PBE possa integrar o
Cad-Único e, por conseguinte, migrar para o PBF, faz-se necessário que os municípios
complementem alguns dados das famílias inscritas no Bolsa Escola.
Em São Francisco de Itabapoana, 100% das famílias contempladas pelo
Programa Bolsa Alimentação e parte das que recebem o Auxílio-Gás já migraram para o
144
Bolsa Família. Com relação ao PBE, ainda não houve migração, visto que o município
só complementou os dados das famílias em agosto de 2004.
Os dados que faltavam ao Cad-Bes foram coletados nas escolas por uma equipe
de técnicos da Secretaria Municipal de Educação. No entanto, de acordo com o
coordenador do Programa, apesar dos dados terem sido enviados a Caixa Econômica
Federal, ainda não havia ocorrido a migração para o PBF em virtude da alegação da
CEF de inconsistência dos dados. Caso não haja entendimento com a CEF, o município
terá que refazer a coleta de dados.
c) Cadastramento Único para inclusão de novas famílias para o PBF
Em setembro de 2004, São Francisco de Itabapoana cadastrou as famílias de
baixa renda que ainda não faziam parte do Cad-Único. Para efetuar o cadastro, a
coordenação do PBF, encaminhou um ofício e fez uma reunião com as diretoras das
escolas municipais e estaduais solicitando que as mesmas identificassem, a partir dos
alunos matriculados nas escolas, famílias em situação de pobreza que ainda não foram
cadastradas. As famílias identificadas pela escola foram instruídas a comparecerem
munidas de documentação, inclusive do comprovante de matrícula escolar, ao local de
cadastramento, a Secretaria Municipal de Educação, no centro da cidade.
Dessa forma só poderiam ser cadastradas as famílias que tinham filhos
matriculados na escola, tal estratégia, conforme discutido anteriormente neste capítulo,
apresenta as seguintes desvantagens:
1) Exclusão das famílias com crianças fora da escola e também das
famílias sem filhos.
2) As famílias mais vulneráveis, que geralmente moram nas localidades
mais distantes do centro da cidade podem ter dificuldades de se
deslocarem ao centro da cidade, seja por falta de dinheiro para pagar a
passagem, as longas distâncias entre uma comunidade e outra, ou a
precariedade do sistema de transporte municipal.
145
Ao todo, nove técnicos foram cedidos pelas secretarias de Saúde, Educação e
Promoção Social para atuarem como cadastradores. Os técnicos participaram de um
treinamento de aproximadamente duas horas realizado pelo coordenador do Programa
Bolsa Família.
Ao chegarem à sede da secretaria de educação, as famílias recebiam uma senha
de atendimento, de acordo com a capacidade de cadastramento/dia. No entanto, como a
demanda, sobretudo no primeiro dia, foi muito acima da capacidade de cadastramento,
muitas famílias receberam senhas para que retornassem num outro dia previamente
agendado. Ainda por conta do comparecimento em massa das famílias, houve
necessidade de extensão do prazo inicial por mais uma semana e de transferência do
local de cadastramento para um CIEP, também localizado no centro da cidade. Ao todo
foram cadastradas na primeira semana quase mil famílias.
Antes de serem cadastradas, as famílias passavam por uma pré-entrevista, aonde
era verificado se ela já fazia parte do cadastro único e também era calculada a renda
familiar. Em caso de já serem cadastradas ou de auferirem um per capita acima de
R$100,00 a família era informada de que não poderia ser cadastrada.
A partir da observação de campo, ocorrida durante todo o processo de
cadastramento, foi possível notar algumas dificuldades encontradas pela Secretaria
Municipal de Educação: número de técnicos insuficiente para a demanda diária de
pessoas que compareceram ao local; falta de preparo dos técnicos para o preenchimento
dos cadastros e; falta de computadores para a digitação dos formulários.
Com relação às famílias, embora não estivesse previsto na metodologia deste
trabalho a execução de entrevistas, foi possível conversar, ainda que informalmente,
com algumas mulheres que estavam na fila de cadastramento.
Ainda que não se possa generalizar, o nível de informação dessas famílias sobre
o Cad-Único e o PBF era muito baixo. Muitas delas disseram que foram indicadas pela
escola para receberem o benefício do Programa Bolsa Família e desconheciam o fato de
que estar cadastrada não significava necessariamente vir a ser contemplada pelo
Programa68, tampouco estavam cientes dos critérios de seleção de beneficiários.
68 Os limites de renda per capita para a inclusão no Cad-ùnico e no Programa Bolsa Família são respectivamente, ½ salário mínimo (R$130,00) e R$100,00, portanto algumas famílias incluídas no cadastro e que possuem renda superior à R$100,00 não são elegíveis para o PBF.
146
Resultados semelhantes foram encontrados pelo TCU (2004), em recente
avaliação do Programa Bolsa Família em diversos municípios do País. Segundo o
relatório “famílias com renda per capita no intervalo entre os dois critérios reclamam
do não recebimento do Bolsa-Família, já que têm a expectativa de que a inserção no
Cadastro Único seja a porta de entrada para os programas sociais do governo federal”
(TCU, 2004:18).
De fato, ao serem cadastradas as famílias demonstravam ter grandes
expectativas em receber automaticamente o benefício. Algumas mulheres, inclusive,
reclamaram que já haviam sido cadastradas há algum tempo e que até o momento não
haviam recebido nenhum benefício.
Esse desconhecimento gerou grandes confusões, pois muitas famílias que
estavam na fila não puderam ser cadastradas por já integrarem o Cad-único. No entanto,
elas alegavam que embora tivessem sido cadastradas em algum momento, não recebiam
nenhum benefício. Outras famílias atribuíram a não possibilidade de recadastramento ao
posicionamento político oposto ao prefeito municipal.
A necessidade de enfrentar filas gigantescas durante horas e o fato de que muitas
famílias em igual situação de miséria recebem auxilio financeiro do governo e outras
não, provocaram um grande sentimento de humilhação. De fato, ao não se garantir o
mesmo direito a todas as famílias pobres, pode ocorrer um reforço da noção de
privilégio em detrimento dos direitos de cidadania, contribuindo para a perpetuação da
assistência aos pobres como uma benemerência do Estado e como um instrumento de
barganha e de favorecimentos pessoais.
6.2.1.1 Uso Eleitoral do Cadastramento?
Em junho de 2004, os gestores alegaram que não dariam continuidade ao
Cadastramento Único porque muitas famílias que estavam sendo cadastradas não eram
incluídas nos programas sociais do governo, o que vinha gerando frustração e desgaste
entre as famílias e os gestores.
“Hoje a gente até vai fazer dois anos de cadastro e tem gente que não foi
beneficiada ainda. Aí por que eu vou cadastrar mais gente? Mais gente
147
perguntando, e eu não consigo solucionar o que está pra trás. Então, parei de
cadastrar”. (Entrevista 2)
“Não tem como você cadastrar mais famílias, se está gerando problemas às
famílias de programas anteriores. A gente vai criar uma bola de neve maior”.
(Entrevista 1)
Do mesmo modo, na avaliação feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU)69
em alguns municípios, muitos gestores alegaram desconhecer quais eram os critérios
para definir a seqüência de ingresso das famílias ao PBF e qual o cronograma de acesso
aos benefícios. Houve diversos casos em que as famílias que já faziam parte do
cadastro há muito tempo ainda não tinham sido contempladas e outras que acabaram de
ser cadastradas foram incorporadas ao programa. Tal situação, em que os critérios de
acesso ao programa via cadastro único não são transparentes pode criar inclusive, um
descrédito entre os gestores com relação a funcionalidade do cadastro.
“Cadastro não adianta. A gente pode até cadastrar, mas vai ficar no papel. E
será que isto vai ter validade?” (entrevista 2)
Outrossim, além da não transparência dos critérios da seqüência de ingresso,
outro fato que gera grande situações constrangedoras para a população é que estar
cadastrado não significa a garantia de recebimento do benefício, uma vez que existe um
descompasso entre o critério de inclusão no Cadastro-único (renda mensal per capita de
até meio salário mínimo, equivalente atualmente à R$130,00) e o critério utilizado pelo
Bolsa-Família que exige renda per capita inferior a R$100,00. Na verdade, o Cad Único,
de acordo com o Decreto nº. 3.877 se configura num instrumento de planejamento do
governo federal. Contudo, conforme aponta o relatório do TCU, essa distinção não fica
clara para a população, tampouco para os gestores, gerando frustrações às famílias e
ônus para as prefeituras municipais.
69 A referida avaliação foi realizada no ano de 2004 pelo Tribunal de Contas da União, onde foi acompanhado o processo de implementação do programa bolsa família em alguns municípios do país.
148
“Isto acaba gerando uma certa polêmica dentro do município, entre as famílias,
por que? Porque tem aqueles que não são beneficiados, mas querem estar
incluídos no programa”. (entrevista 4)
“Ah, o governo está oferecendo o Programa, também quero ser beneficiado.
Claro que a gente tem que fazer o cadastro, mas isto acaba gerando um certa
polêmica, porque nem todos são atendidos” (Entrevista 4)
Todavia, se em um primeiro momento o município paralisou o processo de
cadastramento declarando que muitas famílias que já faziam parte do cadastro ainda não
haviam sido contempladas por nenhum programa social do governo federal, em
setembro de 2004, a duas semanas das eleições municipais, o cadastramento foi
retomado.
O principal motivo alegado pelos gestores para realizar uma nova etapa do Cad-
Único foi a necessidade de ampliação da base de dados, uma vez que, de acordo com
informações do MDS, haveria concessão de novas bolsas família para o município até o
final de 2004.
“Há uma previsão de aumento. E como a gente não tem muitos dados no banco,
a gente vai incluir mais para possível atendimento a um número maior de
famílias.” (Entrevista 1)
No dia 19 de setembro de 2004, quando o cadastramento já estava sendo
efetuado há uma semana, uma reportagem de primeira capa do Jornal O Globo70,
denunciou uma série de irregularidades no cadastro e o uso eleitoral do mesmo. Os
principais problemas apontados foram: associação direta do cadastro com a campanha
eleitoral de reeleição do prefeito e dos vereadores que faziam parte da sua coligação,
70 A referida reportagem de autoria do repórter Chico Otávio, foi publicada no dia 19 de setembro de 2004 no Jornal O Globo.
149
mediante a exigência de título de eleitor e a veiculação de propagandas na fila de
cadastramento; presença de irregularidades e inconsistências nos cadastros.
Diante disso, foram encaminhados ao município técnicos do MDS, Ministério
Público, Controladoria Geral da União e do Tribunal de Contas da União para averiguar
a procedência das denúncias.
O Ministério do Desenvolvimento Social solicitou a realização de uma auditoria
em São Francisco de Itabapoana pelo Tribunal de Contas da União e pela Controladoria
Geral da União (CGU). O relatório de auditoria especial do CGU concluiu que a
principal alegação do município de que havia um cronograma estabelecido pelo governo
federal não se sustentava, configurando dessa forma o uso eleitoral do programa.
Apesar da comprovação de uso eleitoral, o CGU não observou inconsistências
ou fraudes nas informações contidas nos cadastros das famílias, de forma que os
mesmos puderam ser enviados para a Caixa Econômica Federal.
6.2.2 Oferta e Monitoramento das Condicionalidades
A adesão dos municípios ao Programa Bolsa Família implica na necessidade de
provisão e monitoramento dos serviços de saúde e educação necessários ao
cumprimento das contrapartidas definidas no regulamento. A implantação do programa
pode representar, inclusive, um aumento da demanda desses serviços, visto que ao
unificar os programas de transferência de renda, o PBF, unificou também a agenda de
compromissos.
O cumprimento dessas contrapartidas se constitui numa tarefa complexa que
requer a superação de características marcantes da maior parte dos municípios
brasileiros: fragilidade e fragmentação institucional, a reduzida capacidade de oferta dos
serviços, a pouca tradição em monitoramento e controle dos programas sociais e a
dependência das transferências dos demais níveis de governo (Draibe, 1998, Arretche,
2000;2004).
Em São Francisco de Itabapoana, não houve nenhum planejamento prévio para a
oferta dos serviços de educação e saúde aos beneficiários do Programa Bolsa Família, o
que demonstra certa despreocupação com o cumprimento das contrapartidas. De acordo
150
com os gestores, até setembro de 2004, não teve aumento na demanda dos serviços por
conta da implementação do PBF no município.
No caso da educação, segundo os gestores, a rede tem uma boa capacidade
instalada, de forma que há vagas suficientes para incorporar as crianças incluídas no
PBF e que estão fora da escola.
“A gente tem oferta na nossa rede. Nós temos 72 escolas e trabalhamos com
turma multi-seriada. Tem escola em que a gente nem tem 15alunos, 30 alunos,
na zona rural. Certamente se aparecer, houver mais demanda, teremos como
absorver”.(Entrevista 4)
Não obstante, a capacidade física de atendimento da demanda não é
acompanhada por uma estrutura para o fornecimento de alimentação e material escolar,
entre outros, pois a Secretaria de Educação não dispõe de recursos financeiros para
complementar71 o repasse federal.
“Aí entra outra questão também. Vou ter como absorver a questão da demanda,
questão de espaço físico. (...) O que a gente recebe de recurso específico, por
exemplo, merenda escolar. O repasse é muito pequeno. (...) Nós temos que
complementar com recursos próprios”. (Entrevista 4)
“Eu não posso pensar só em ter a criança dentro da escola. Mas o que eu tenho
para oferecer para esta criança dentro da escola. Que aí, vai muito mais além.
Porque educação é um processo”. (Entrevista 4)
Na saúde, o gestor alega que com a implantação dos módulos do Programa
Saúde da Família, que iniciaram em agosto de 2004, haverá ampliação da capacidade e
que, portanto não ocorrerão problemas com possíveis aumentos de demanda.
71 A Constituição Federal de 1988 estabelece que o direito à educação é de competência das três esferas de governo. Aos municípios cabem atuar prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil.
151
“Nós estamos preparados para isso. Nós estamos querendo isso. Onde que eu
vou atuar. Aí é tranqüilo, tem o PSF (...) se eu organizar melhor, não precisa
aumentar a rede não”.(Entrevista 5)
Apesar das falas dos gestores da saúde e da educação, de que estas redes têm
capacidade instalada suficiente para atender a um provável aumento de demanda, vale
ressaltar que a análise do contexto sócio-municipal, apresentada no capítulo 5, apontou
para a precariedade da oferta e do acesso desses serviços no município.
Para além das condicionalidades definidas pelo regulamento do Bolsa Família,
estão previstas a oferta, no nível local, de diversas ações para ampliar a proteção social
e gerar autonomia das famílias beneficiárias, como por exemplo, geração de
microcrédito, alfabetização de adultos, capacitação profissional dentre outros. Em São
Francisco de Itabapoana, até setembro de 2004, estas ações ainda não estavam sendo
oferecidas aos beneficiários do PBF.
“Não, não existe ( outras ações de proteção social). A gente espera partir do
Governo Federal, o que ainda não foi possível até agora, não”. (Entrevista 1)
“O Município não tem... é bem escasso na questão financeira, então ele não tem
um retorno muito alto do Governo Federal quanto à verbas. Então, ele fica
muito dependente. O que torna difícil fazer alguma coisa”. (Entrevista 1)
Embora a descentralização das políticas sociais tenha propiciado a emergência
de diversas e excelentes iniciativas no âmbito dos governos municipais nessas áreas
(Camarotti & Spink, 2001; Tendler, 1998), muitos municípios, principalmente aqueles
de pequeno porte, ainda apresentam uma grande dependência das iniciativas dos níveis
supranacionais de governo. Num esforço de síntese, Senna (2004) apresentou os
principais fatores que podem interferir na capacidade empreendedora do nível local:
capital social; memória técnica e institucional; a estrutura sócio-econômica e a
capacidade administrativa e; o contexto político.
152
Especificamente no caso de São Francisco de Itabapoana, as falas acima, deixam
claras as dificuldades de iniciativa própria e a grande dependência do município em
relação aos recursos logísticos e à transferência dos recursos financeiros72 do Governo
Federal. De fato, como apontado anteriormente, o município possui capacidade
financeira e administrativa reduzida, baixa memória técnica e fraca participação da
sociedade civil nos processos decisórios.
Apesar das dificuldades mencionadas, foi possível identificar algumas
iniciativas positivas da administração municipal, sobretudo na Secretaria de Educação e
Cultura, como por exemplo, os dois seminários sobre os programas de transferência de
renda que contou com a participação de outros municípios e dos níveis estadual e
federal.
Ainda no que concernem às condicionalidades previstas pelo Programa Bolsa
Família, até outubro de 2004, ainda não estavam sendo monitoradas pelas secretarias de
saúde e educação.
“No momento está parado. A saúde irá controlar a questão do peso das
crianças e o acompanhamento do cartão de vacinas das crianças de 0 a 6
anos”. (Entrevista 1)
“E a educação, quanto à freqüência escolar das crianças de 6 a 15 anos,
também não está sendo feito porque até então, a gente está esperando que o
Ministério envie os relatórios”.(Entrevista 1)
O mecanismo de controle das condicionalidades foi uma das questões que mais
padeceram de regulamentação pelo Ministério de Desenvolvimento Social, uma vez que
a lei de criação do programa era muito genérica e a publicação do decreto
regulamentador e das Portarias Interministeriais (Saúde e Educação) só ocorreram um
ano após o início da implantação do programa. A demora na definição das regras de
monitoramento fez com que a maior parte dos municípios não executasse essa função e
72 No Capítulo 5 foi abordada a grande dependência financeira que o município apresenta em relação às transferências do governo federal e aos royalties do petróleo.
153
segundo o TCU (2004), resultou ainda na desestruturação dos sistemas já existentes de
acompanhamento das contrapartidas dos Programas Bolsa Alimentação e Bolsa Escola.
“A implantação do Bolsa-Família significou a desestruturação dos sistemas de
monitoramento de condicionalidades. (...) A criação do Bolsa-Família não foi
acompanhada da definição de mecanismos de controle das condicionalidades.
(...)Assim, à medida que são migrados para o novo programa, os beneficiários
das ações de transferência de renda anteriores deixam de ser monitorados”.
(TCU, 2004:9)
O referido relatório aponta ainda que o sistema de monitoramento da freqüência
escolar (Programa Bolsa Escola) foi mais afetado do que a agenda de compromissos de
saúde do Programa Bolsa Alimentação. As principais razões foram:
i) Programa Bolsa Escola - Caixa Econômica Federal deixou de
enviar os relatório trimestrais para que as escolas fizessem o
acompanhamento da freqüência.
ii) Programa Bolsa Alimentação – embora a agenda de compromissos
tenha deixado de ser enviada às famílias, não houve mudanças
significativas no sistema de monitoramento do programa porque as
ações básicas previstas (acompanhamento nutricional, atenção pré-
natal entre outros) já fazem parte da rotina do Programa Agentes
Comunitários (PACS) e Programa Saúde da Família (PSF) que,
em geral, atuam na mesma área da população beneficiária dos
programas sociais de transferência de renda.
São Francisco de Itabapoana apresenta um panorama similar ao dos municípios
avaliados pelo TCU. O último relatório de acompanhamento da freqüência escolar das
crianças beneficiárias do Programa Bolsa Escola foi preenchido em Dezembro de 2003,
depois desta data, mesmo as crianças que permaneceram no PBE não estavam sendo
154
monitoradas. Todavia, a coordenação do Programa Bolsa Família mencionou a intenção
de iniciar73 no ano de 2005 o acompanhamento da freqüência escolar por conta própria
através de um relatório similar ao utilizado no Bolsa Escola.
“O acompanhamento será através da freqüência. A gente vai enviar um
relatório que a gente mesmo fez, parecido com o do Bolsa Escola. A gente vai
enviar para as escolas e as escolas vão fazer o preenchimento das crianças que
estão acima de 85% da freqüência. Os que não estão, dependendo do número de
freqüências baixas, a gente vai até a família, com visitas, para poder ver o que
ta acontecendo e tentar resolver o problema”. (Entrevista 1)
No caso do Programa Bolsa Alimentação, em que todas as famílias já migraram
para o Programa Bolsa Família, segundo os gestores, o estado nutricional dessas
crianças (até 6 anos) continua sendo monitorado pelo serviço de saúde.
“A saúde continua ainda fazendo o controle do peso das famílias que já
migraram do Bolsa Alimentação. (...) Porque eles continuam com o mesmo
relatório do Bolsa Alimentação. Mas, existem crianças de 0 a 6 anos novas,
ainda não identificadas pela saúde que a gente está fazendo uma separação
para a gente envia-las à saúde”. (Entrevista 1).
É importante ressaltar que, o funcionamento do Sisvan no município ainda é
bastante incipiente, uma vez que não está implantado em todas as unidades básicas e os
dados não são coletados sistematicamente. Considerando que o Sisvan (Sistema de
Vigilância Alimentar e Nutricional) é o principal instrumento de acompanhamento do
crescimento e desenvolvimento infantil74, a debilidade desse sistema em São Francisco,
pode dificultar, sobremaneira, o monitoramento dessa condicionalidade.
73 Entrevista realizada em setembro de 2004. 74 Na verdade, o Sisvan deveria acompanhar o estado nutricional de todos os ciclos da vida. Porém, até o presente momento, o sistema se reduz ao monitoramento das crianças e das gestantes.
155
À medida que o Programa Saúde da Família tem sido apontado como um grande
aliado na oferta e no monitoramento das contrapartidas de saúde do PBF, a implantação
dos primeiros módulos do PSF no município, em agosto de 2004 e de novos módulos ao
longo de 2005, poderá ampliar o acesso às ações básicas de saúde, contribuindo, assim,
para o aprimoramento do sistema de acompanhamento e monitoramento das
contrapartidas.
Ainda com relação às contrapartidas previstas para o município, foi relatado que o
mesmo tem encontrado muitas dificuldades, principalmente pela falta de infra-estrutura
física e de recursos humanos. Essa fragilidade estrutural é acentuada pela conformação
territorial do município - pequena população (cerca de 40 mil habitantes) espalhada por
uma grande extensão de terras (3º maior município do estado do Rio de Janeiro) aliada à
precariedade do sistema de transporte local.
“ Realmente você acompanhar um município com esta extensão toda, com uma
estrutura pequena, é muito difícil. E também tem o seguinte, o programa vem, o
município não está preparado para receber aquele programa”. (Entrevista 3)
“Tem que ter um acompanhamento. Você já percebeu a extensão do nosso
município. Não temos esta facilidade. Transportes... Tudo isto implica, por mais
que nós tentemos”. (Entrevista 4)
Neste sentido, é possível observar que a oferta e o monitoramento das
condicionalidades do Programa Bolsa Família tem esbarrado na fragilidade institucional
e na capacidade reduzida dos sistemas de saúde e educação e também na demora da
definição de mecanismos claros por parte do governo federal e na falta de apoio técnico
e operacional do nível estadual75.
Apesar disso, nos primeiros meses de 2005, foram efetuadas algumas alterações
importantes no sistema de oferta e monitoramento das condicionalidades do PBF em
75 De acordo com o Termo de Cooperação celebrado entre o Rio de Janeiro e o Governo Federal, caberia ao estado prover apoio técnico e logístico aos municípios.
156
São Francisco de Itabapoana. As principais ações relatadas pelo coordenador do
programa são:
i. Oferta de cursos de capacitação para geração de emprego e renda
em oito localidades consideradas extremamente pobres. Os cursos
são abertos a toda a comunidade, mas são obrigatórios para os
adultos beneficiários do PBF que residem nesses locais.
ii. Acompanhamento da freqüência escolar das crianças em grande
parte das escolas do município, tendo sido o relatório
encaminhado ao Ministério da Educação.
iii. Previsão da extensão do acompanhamento nutricional pela rede
de saúde a todas as crianças entre 0 e 6 anos incluídas no
programa.
Tais alterações podem estar relacionadas com as recentes medidas de
regulamentação das contrapartidas instituídas pelo governo federal, como a publicação
das duas Portarias Interministeriais. Todavia, são nítidos os esforços que o município
vem empregando no sentido de superar os fatores limitantes e de aperfeiçoar o
programa.
Ainda assim, no que concernem as demais condicionalidades de saúde
(vacinação, acompanhamento do pré-natal e puerpério, atividades de educação
nutricional) não há previsão de que o município venha a acompanhá-las.
No caso específico do acompanhamento nutricional, dada a fragilidade
apresentada pelo Sisvan no município, a extensão dessa ação a todas as crianças (idade
entre 0 e 6 anos) inscritas no PBF, só será possível mediante um maior investimento na
estruturação do sistema de vigilância nutricional.
6.2.3 Descentralização e Intersetorialidade
A descentralização e a intersetorialidade se configuram em princípios
norteadores do Programa Bolsa Família. No entanto, diante da histórica fragmentação
157
institucional, desarticulação e competição entre os setores e os níveis de governo e da
fragilidade dos mecanismos de cooperação e de monitoramento e avaliação, a garantia
desses princípios é um desafio permanente às políticas sociais.
Para além da transferência de recursos, a efetiva descentralização do PBF para
os estados e municípios requer uma política de indução coordenada e explícita,
definição clara dos papéis e responsabilidades dos entes federados, política de
capacitação e apoio logístico aos gestores, além de mecanismos sólidos de avaliação e
monitoramento (Draibe, 1998).
Como apontado no capítulo III, o desenho operacional do PBF prevê a
possibilidade dos estados e municípios aderirem ao programa através da celebração de
um termo de cooperação com a União. Através desse termo, é possível adaptar o
programa à realidade local e a definição das responsabilidades dos municípios e,
sobretudo, dos estados da federação. Esse processo de descentralização pactuada pode
vir a minimizar a competição entre os níveis de governo.
O Estado do Rio de Janeiro foi um dos primeiros a celebrar um termo de
cooperação com a União (maio de 2004), no qual foram previstas as seguintes ações:
i. Complementação de R$10,00 no valor da bolsa repassada às
famílias beneficiárias do PBF residentes na área metropolitana.
ii. Inclusão das famílias do PBF como prioritárias nos programas de
proteção social do estado.
iii. Apoio logístico e institucional a implementação do PBF nos
municípios
Com relação à unificação dos programas de transferência de renda, um dos
principais objetivos da proposição dos termos de cooperação, o Estado do Rio de
Janeiro optou por manter o seu programa próprio, o Cheque Cidadão76. As possíveis
justificativas para a não unificação dos programas são:
76 O Cheque Cidadão transfere mensalmente, através das Igrejas, R$100,00 para as famílias pobres. É dado um cheque nominal às famílias que só podem gasta-lo com gênero alimentício. O programa vem
158
i. A existência de um grande embate político entre os governos
estadual e federal;
ii. O Programa Cheque Cidadão se configura num dos principais
carros-chefe do governo estadual com forte apelo político e
religioso.
Assim como o estado, São Francisco de Itabapoana optou pela não unificação do
seu programa municipal de renda mínima ao Programa Bolsa Família. Na verdade,
como a maior parte dos municípios pequenos, SFI não assinou o termo de cooperação
com o governo federal.
No que concerne à relação entre os níveis de governo, observa-se que o diálogo
vem sendo efetuado diretamente entre o município e o Ministério do Desenvolvimento
Social.
“Direto com o governo federal. A gente não teve ainda nenhum contato ainda,
nenhuma reunião, nenhum telefonema que deveria procurar primeiro o estado.
A gente ainda não teve nenhum contato com o Estado”. (Entrevista 1)
De fato, a descentralização dos setores da área social, sobretudo saúde e
educação, priorizou o estabelecimento de uma relação entre o nível local e o federal, em
detrimento de uma atuação mais articulada e conjunta com os estados. Nesse processo
de municipalização, a função dos estados federativos sofreu uma redução bastante
significativa (Arretche, 2001; Almeida, 1995).
Em São Francisco de Itabapoana, a gestão dos programas anteriores de
transferência de renda (Programa Bolsa Escola e Bolsa Alimentação) também se
caracterizou pela ausência do nível estadual e pela relação direta com os respectivos
gestores federais, Ministério da Educação e Ministério da Saúde.
sofrendo diversas críticas pela sua vinculação com a Igreja Evangélica e por critérios clientelistas e políticos de escolha das famílias.
159
No caso do Programa Bolsa Família, apesar do estado ter assumido a função,
através do termo de cooperação, de apoiar a implementação do programa nos
municípios da federação e de ter constituído, inclusive, uma coordenação intersetorial
para gerir o PBF, na prática, o Rio de Janeiro ainda não vem cumprindo esse papel.
Nesse processo de descentralização, a construção de canais de diálogo e
informação e de mecanismos de capacitação dos níveis subnacionais se faz de extrema
relevância. Em São Francisco, os gestores alegaram que até o momento da entrevista ( 8
meses após o início do programa) não haviam sido capacitados pelos nível federal,
tampouco pelo estadual e que estavam encontrando grandes dificuldades em obter
informações sobre o programa junto ao MDS.
“Com o governo estadual a gente não teve nenhuma parceria. Com o governo
federal também. Só enviaram material para o cadastramento e fazer o processo
de implementação”. (Entrevista 1)
“E outro problema é que as dúvidas que a gente tem, porque a gente também
não foi capacitado, a gente liga para lá e eles não sabem solucionar”.
(Entrevista 2)
A análise das entrevistas e a observação direta demonstraram que o técnico
responsável pelo PBF dispunha de informações básicas sobre o programa, como
objetivos, critérios de inclusão e de desligamento, público alvo, valor do benefício, as
condicionalidades e o controle social. Contudo, os demais gestores e técnicos
entrevistados, quando indagados sobre questões referentes ao desenho do programa,
demonstraram certo desconhecimento dessas informações.
Tais dificuldades também foram observadas em outros municípios avaliados
pelo TCU em 2004. De acordo com o relatório, os gestores municipais e demais
técnicos (diretores de escolas e de unidades de saúde entre outros) dispunham de
pouquíssimas informações acerca do funcionamento e da operacionalização do
Programa Bolsa Família. O TCU apontou ainda, que os baixos níveis de informação e a
160
falta de capacitação tiveram importantes implicações para o gerenciamento do programa
no nível local (TCU, 2004).
Vale ressaltar que, em junho de 2004, o município de São Francisco de
Itabapoana organizou um seminário sobre o Programa Bolsa Família, no qual foram
convidados representantes do MDS, Caixa Econômica Federal, Ministérios da Saúde e
da Educação, Governo do Estado e gestores e técnicos dos municípios vizinhos. Tal
iniciativa representa um empenho do município em ampliar a cooperação entre os níveis
de governo. É interessante notar que, no ano anterior (2003), a Secretaria Municipal de
Educação já havia organizado um seminário para discutir o Programa Bolsa Escola.
Ainda com relação à descentralização, não foi possível observar ações de
fiscalização e monitoramento da implementação do PBF em São Francisco de
Itabapoana, visto que a definição desses mecanismos por parte do governo federal só
ocorreu recentemente, em novembro de 2004.
No que concerne à intersetorialiade, o principal mecanismo de incentivo a
cooperação entre os setores de governo presente no desenho institucional do Programa
Bolsa Família é a constituição de comitês gestores nos três níveis de governo formados
por representantes das diversas áreas sociais, como saúde, educação e assistência social.
De fato, a criação de espaços de interação e a garantia de participação de
diversas instâncias nas arenas decisórias, apresenta um grande potencial de atenuar
conflitos, aumentar o consenso em torno do programa e contribuir para a construção de
um planejamento global e intersetorial, gerando maior participação dos diversos setores
na implementação do Programa. (Arretche, 2003; Burlandy, 2004; Kligsberg, 1992)
Na verdade, a própria exigência de contrapartidas que envolve, principalmente,
as áreas de saúde e educação, contribui para que haja uma maior aproximação e
cooperação intersetorial.
Em São Francisco de Itabapoana, a análise das experiências anteriores com
programas de transferência de renda evidenciou a pouca ou nenhuma tradição do
município na formulação e implementação conjunta de políticas e programas. Dessa
forma, o desafio de promoção da intersetorialidade se torna ainda mais complexo.
Com relação à gestão do programa, inicialmente, apesar da recomendação por
parte do governo federal para que fosse criado um conselho intergestor nos municípios,
o PBF ficou sob responsabilidade da Secretaria Municipal de Educação. De acordo com
161
as entrevistas, essa secretaria era a que apresentava maior infra-estrutura, boa
capacidade de articulação, além de acumular experiências exitosas, sobretudo na gestão
do Programa Bolsa Escola.
“Naquele momento a secretaria era a que tinha mais estrutura para estar
fazendo estes cadastros. Nós tínhamos mais computadores lá na educação.
Tinha uma pessoa que estava altamente qualificada para fazer isso. (...) Foi
uma coisa cordial entre a secretaria de saúde e de promoção social”.
(Entrevista 3)
Foi possível observar algumas iniciativas de diálogo e cooperação entre as
secretarias de educação, saúde e assistência, no que concerne, principalmente, aos
processos de cadastramento e, em menor escala, ao acompanhamento das
condicionalidades. Entretanto, essa articulação não chega a envolver um processo mais
amplo de planejamento conjunto das ações e de tomada de decisões, já que as principais
deliberações acerca do processo de implementação do programa em São Francisco de
Itabapoana eram tomadas no âmbito da Secretaria Municipal de Educação e Cultura
pelo técnico responsável pela coordenação do PBF.
Todavia, ainda que elementar a aproximação entre os setores de governo tem
contribuído para a superação de algumas dificuldades na gestão do PBF, como as
limitações de recursos financeiros, logísticos e humanos. Um exemplo disso foi a
disponibilização de técnicos das três secretarias e de computadores para a efetuação do
cadastramento das famílias.
“Houve, houve. Portanto, está havendo a participação lá (no cadastramento),
ele está sendo assessorado também. Junto em parceria com a Promoção Social e a
Saúde, que estão lá ajudando no cadastramento”. (Entrevista 4)
No início de 2005, o município instituiu formalmente uma “Comissão de Gestão
do Programa Bolsa Família”, constituído pelas secretarias municipais de educação,
saúde e assistência social. Neste sentido, a criação deste espaço de articulação
162
intersetorial, tem o potencial de aumentar a participação das demais secretarias nos
processos decisórios que envolvem o Programa Bolsa Família no município.
6.2.4 Participação e Controle Social
A descentralização das políticas implicou na necessidade de criação de
conselhos de representação e controle social. A perspectiva principal é de que a
incorporação de atores da sociedade civil ao processo decisório e o estabelecimento de
espaços de diálogo com a administração pública poderá contribuir para o
desenvolvimento de mecanismos de accountability.
Como aponta Labra (2002:537), a participação em conselhos “fomenta um
círculo virtuoso caracterizado pelo envolvimento dos cidadãos em questões de interesse
geral, pela acumulação de capital social e pelo despertar de uma cultura cívica,
contribuindo, em última instância, para o fortalecimento da democracia”.
A cultura cívica, definida por Putnan (1996:31) como “cidadãos atuantes e
imbuídos de espírito público, por relações políticas igualitárias, por uma estrutura
social firmada na confiança e na colaboração” exerce profunda influência no
desempenho das instituições governamentais.
Em São Francisco de Itabapona, é possível observar um alto grau de fragilidade
da sociedade civil. A título de ilustração, há uma recorrência nos depoimentos dos
diversos atores locais de que o município, de um modo geral, não apresenta
experiências positivas de formação de cooperativas e associações civis. Além disso, foi
possível observar uma grande passividade da população local diante das denúncias
crônicas de corrupção e clientelismo no município.
Esse perfil da sociedade civil parece refletir na forma de atuação dos conselhos
de política social do município. Foram analisados os seguintes conselhos: Conselho
Municipal de Saúde (CMS); Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS);
Conselho Municipal de Segurança Alimentar (COMSEA) e; Conselho de Controle
Social do Programa Bolsa Escola.
Vale ressaltar que a análise dos conselhos apresenta uma limitação referente ao
fato das entrevistas, exceto nos casos da CMAS e da CMPBE, terem contemplado
163
apenas um conselheiro. Por outro lado, o exame da lógica de funcionamento e da
participação dos conselhos na formulação e implementação do Programa Bolsa Família,
considerou, além das entrevistas, os regimentos internos e as atas dos conselhos. No
caso específico do Conselho Municipal de Assistência Social, foi possível ainda a
observação direta de uma reunião deste conselho77.
A relação dos conselhos com o governo municipal caracterizava-se pela
interferência dos gestores na indicação dos conselheiros da sociedade civil, que em sua
maioria, possui vínculos diretos ou indiretos com a administração pública municipal, e
também na definição da pauta de discussão. De fato, durante o processo de
mapeamento de atores, foi extremamente difícil identificar conselheiros que não
tivessem vínculos com a prefeitura. Essa situação, na avaliação dos próprios
conselheiros, gera constrangimentos e dificulta bastante o exercício do controle social.
“A maioria dos representantes dos conselhos tem algum vínculo com o
Executivo. (...) Isso compromete, sem dúvida. Você vai se indispor com o seu
empregador? Você não vai. Então, por mais que você fale assim: Eu estou aqui
representando, mas eu tenho, de repente, um cargo de confiança no Executivo.
Eu não quero me indispor com fulaninho, né?” (Entrevista 6)
Foi possível notar ainda que boa parte dos atores entrevistados ignorava o papel
do conselho do qual participava, tampouco, dispunha de conhecimentos mínimos sobre
as políticas e programas que são acompanhados pelo conselho.
No que diz respeito especificamente ao Programa Bolsa Família, a análise das
atas e das entrevistas demonstrou que nenhum conselho de política social estava
acompanhando o processo de implementação do programa no município. Na verdade,
os conselheiros demonstraram um acentuado grau de desconhecimento do programa.
“Olha só. Com relação ao Bolsa Família, a gente não.....pelo menos eu não
tenho lembrança de ter traçado nenhuma discussão no Conselho de Assistência,
77 A referida reunião ocorreu no dia 15 de setembro de 2004.
164
não. (...) Agora, uma acompanhamento de como está esta implementação do
Bolsa Família no município, isso ainda não”. (Entrevista 7)
“Eu acho que não (está acompanhando). Muito pouco. Eu acho que as
informações (sobre o programa) são poucas pra nós”. (Entrevista 8)
Vale ressaltar que apesar das entrevistas com os conselheiros terem sido
realizadas na mesma semana em que estava sendo efetuado o cadastramento e a seleção
de famílias para o PBF muitos deles desconheciam a ocorrência de tal processo no
município.
Em que pesem as especificidades locais, na maior parte dos municípios
brasileiros, os conselhos de controle social não estavam acompanhando o processo de
implementação do Programa Bolsa Família. De acordo com o TCU (2004), esse fato
está intimamente relacionado com a demora do governo federal em regulamentar os
mecanismos de controle social do PBF, especialmente, no nível local.
Tal situação, na qual o programa não esta sendo acompanhado por nenhum
conselho de controle social, pode ter repercussões importantes sobre o curso do
programa no município, facilitando inclusive a ocorrência de corrupção, fraudes e o uso
clientelista do programa.
165
CONCLUSÕES
A implementação de políticas não se dá num vazio institucional, ela é um
processo dinâmico e influenciado pelo contexto político e social e pelas relações de
conflito e de coalizão de interesses que se estabelecem entre os atores no nível local.
Como afirma Arretche (2001), raramente, um programa é implementado exatamente
como fora concebido na sua formulação.
Os processos de formulação e implementação, em geral, não ocorrem de forma
seqüencial e linear (Arretche, 2003; Labra,2003). No caso do Programa Bolsa Família,
diversas questões relacionadas ao seu desenho vêm sendo formuladas e regulamentadas
pelo Ministério do Desenvolvimento Social concomitantemente ao processo de
implementação do PBF nos municípios.
Neste sentido, a análise do objeto de estudo indicou duas ordens de questões
inter-relacionadas, a primeira se refere a elementos que permitem pensar os potenciais
limites e avanços presentes na concepção do Programa Bolsa Família no âmbito da
experiência brasileira de transferência de renda e a segunda relacionada ao processo de
implementação do programa em município de pequeno porte, rural e que apresenta
indicadores sociais bastante dramáticos.
O Programa Bolsa Família apresenta em seu desenho operacional alguns
princípios norteadores, como descentralização, intersetorialidade, e controle social.
Dessa forma, tanto as questões relacionadas à concepção do programa quanto da
implementação local foram pensadas a partir destes três eixos de análise e também a
partir do princípio da equidade.
• Limites e Avanços na Concepção do Programa Bolsa Família
A unificação dos programas de transferência de renda tem o potencial de superar
algumas características marcantes da nossa política social, tais como: sobreposição de
clientelas, baixa cobertura, fragmentação institucional, desarticulação entre os setores,
pulverização de recursos e paralelismo de ações. Dessa forma, a descentralização, a
166
intersetorialidade e o controle social se configuram nos principais núcleos ordenadores e
aspectos chaves para o sucesso do PBF.
Segundo Viana (2004), o PBF representa um aperfeiçoamento resultante de
aprendizados institucionais com os programas anteriores de transferência de renda. Na
visão da autora, o PBF caracteriza-se por tentar promover a articulação em três
diferentes eixos: intergovernamental (entre os governos federal, estaduais e municipais);
intersetorial (entre diferentes setores da política social, como assistência, saúde e
educação); e entre governo e a sociedade civil (entre os gestores e as instâncias de
controle social).
No que concerne às relações intergovernamentais, a definição clara de papéis e
responsabilidades dos diferentes atores se faz de extrema necessidade, além disso, o
MDS precisa ter uma grande capacidade de pactuação de interesses e mediação de
conflitos. Vale ressaltar, que a definição desses papéis só foi feita de forma mais clara
por ocasião da publicação do Decreto de Regulamentação do PBF, o que só ocorreu um
ano após o início da implementação do programa, quando mais de 5 milhões de famílias
em quase todos os municípios do país já estavam incluídas no PBF.
Em Estados Federativos, como o Brasil, em que os estados e municípios
possuem autonomia fiscal, política e administrativa, a adesão a qualquer programa,
inclusive ao PBF, depende da decisão dos níveis subnacionais de governo. Nesse caso, é
imprescindível que o governo federal adote mecanismos claros de indução ao programa
(Nepp, 1999). De acordo com Arretche (2001:39), “a adesão dos governos locais à
transferência de atribuições depende diretamente de um cálculo no qual são
considerados, de um lado, os custos e benefícios derivados da decisão de assumir a
gestão de uma dada política e, de outro, os próprios recursos fiscais e administrativos
com os quais cada administração conta para desempenhar tal tarefa”.
No caso do PBF, a adesão ao programa implica na criação e/ou na mobilização
do aparato técnico e administrativo local para a gestão e provisão de serviços
necessários ao cumprimento da agenda de compromissos do programa. Diferente de
outros programas de transferência de renda, como o PETI e o Programa Bolsa Escola,
não estão previstos o repasse de recursos federais para auxiliar na execução desse papel.
Apesar disso, o Programa Bolsa Família vem obtendo êxito no que se refere à
adesão dos municípios e estados, uma vez que já contempla mais de 5000 municípios
167
distribuídos por todos os estados da federação. Uma possível explicação pode estar no
fato do PBF ter adquirido uma grande relevância no cenário nacional e o custo político
de não adesão ao programa ser muito elevado.
Do mesmo modo, o PBF apresenta uma diferença em relação aos programas
anteriores de transferência de renda, uma vez que abre a possibilidade dos estados e dos
municípios celebrarem um termo de cooperação com a União, adequando o PBF à sua
realidade, através da ampliação do benefício, indicação de um outro banco para agente
operador do programa, integração de seus programas de transferência de renda ao PBF.
Dentro desse contexto brasileiro de descentralização das políticas sociais, a
implementação de um programa de transferência de renda com exigência de
contrapartidas, como no caso do PBF, implica no enfrentamento de importantes desafios
no sentido de superar características marcantes de grande parte dos municípios
brasileiros como: a histórica fragilidade institucional e técnico-gerencial, a baixa
capacidade de oferta de serviços, a pouca ou nenhuma tradição de diálogo entre os
diversos setores de governo e a debilidade dos mecanismos de monitoramento e
controle dos programas sociais.
Desse modo, uma vez exigidas contrapartidas das famílias é imprescindível que
o nível federal desenvolva mecanismos consistentes de acompanhamento e
monitoramento do cumprimento destas pelas famílias beneficiárias e a oferta desses
serviços por parte do poder público municipal. Contudo, a lei de criação do PBF não
definiu quais seriam os mecanismos de controle das condicionalidades, o que só foi
feito um ano após o início da implementação do Programa, por ocasião da publicação
do Decreto de Regulamentação e de duas Portarias Interministeriais.
Em relação à articulação intersetorial, uma primeira questão que se coloca é
que ao unificar os programas de transferência de renda, o MDS passa a concentrar,
através do PBF, os recursos antes espalhados pelos diversos Ministérios que os
implementavam, como por exemplo, o Ministério da Educação, Ministério da Saúde e
de Minas e Energia. Entretanto, apesar de não mais gerirem os seus respectivos
programas, por ocasião da unificação do PBF esses Ministérios (Saúde e Educação) têm
o papel de garantir a oferta e o monitoramento das condicionalidades exigidas pelo
Programa.
168
Conforme sinaliza Burlandy (2004) dentro do setor social, é grande a
competição pela alocação de recursos públicos entre os diversos setores
governamentais, o que pode gerar conflitos e o não comprometimento em torno de
objetivos comuns. Dessa forma, é preciso saber se as mudanças citadas acima, teriam o
potencial de criar um esvaziamento de recursos financeiros e políticos de tais
Ministérios e se esse novo estatuto conferido ao MDS trará algum tipo de dificuldade
para a tão necessária articulação intersetorial. Tal situação demanda grande capacidade
de negociação política.
Neste sentido, o desenho institucional proposto para gerir o PBF - um Comitê
Gestor formado pelo alto escalão dos ministérios da área social e da Casa Civil – ao
garantir a participação dessas instancias nas arenas decisórias, apresenta um grande
potencial de atenuar os conflitos, aumentar o consenso em torno do programa e
contribuir para a construção de um planejamento global e intersetorial, gerando maior
participação desses ministérios na implementação do Programa. (Arretche, 2003;
Burlandy, 2003)
No nível estadual e municipal, esses mecanismos de cooperação intersetorial
ainda não estão bem definidos. Embora seja sugerida a constituição de uma
coordenação intergestora do Programa Bolsa Família, ainda carece de diretrizes claras e
mecanismos de indução por parte do governo federal. Dessa forma, é possível que, na
prática, o PBF seja gerido por uma determinada secretaria sem o diálogo necessário com
as demais áreas de governo.
O princípio da equidade também se configura num importante desafio ao
Programa Bolsa Família, uma vez que, tradicionalmente, os programas sociais
desenvolvidos no Brasil não foram capazes de atingir os segmentos mais pobres e
vulneráveis da população (Peliano, 1996; Lopes, 1996).
Neste sentido, os processos de captação e cadastramento das famílias
potencialmente beneficiárias, que são efetuados no âmbito dos municípios, se
configuram em questões chaves para o Programa Bolsa Família. As principais
dificuldades encontradas pelos municípios na condução desses processos, evidenciados
em estudos de programas anteriores (TCU, 2002, Burlandy, 2003) e também na
avaliação do PBF feita pelo TCU, em 2004, referem-se à captação dos segmentos mais
vulneráveis e à operacionalização do Cadastro-Único.
169
Com relação à captação, a maior dificuldade é que, geralmente, as famílias que
apresentam as maiores vulnerabilidades moram em localidades distantes e de difícil
acesso, e não estão inseridas nos serviços públicos de saúde e educação. Dessa forma,
para atingir esses segmentos são necessários o aporte de maiores recursos financeiros,
humanos e logísticos e um planejamento prévio das ações. No entanto, é possível
observar que, na prática, esta etapa crucial do processo de implementação do programa
ainda padece de tais investimentos.
No que concerne ao Cadastro-único, porta de entrada do PBF, as principais
fragilidades que vêm sendo observadas na sua operacionalização são: falta de
capacitação dos técnicos para o preenchimento dos formulários, digitação dos dados e
envio para a Caixa Econômica Federal; falta de sistemática de atualização dos dados;
insuficiência de recursos humanos e de recursos logísticos; falta de apoio dos governos
estaduais.
É preciso ressaltar que o governo federal vem empregando esforços no sentido
de superar tais fragilidades, principalmente através do desenvolvimento de uma versão
menos complexa do software do Cad-único e do maior aporte de recursos financeiros
para a realização do cadastramento nos municípios.
Ainda com relação aos processos de captação e cadastramento, uma questão
importante a ser enfrentada pelos gestores do PBF refere-se ao uso clientelista e
eleitoral do cadastro por parte de algumas prefeituras municipais. Diversas denúncias
dessa natureza foram feitas, principalmente pela mídia78, durante o período eleitoral em
2004, muitas das quais estão sendo investigadas pela Controladoria Geral da União.
Um fator que pode aumentar a possibilidade de fraude na inclusão de famílias é
que o PBF utiliza a renda familiar auto-declarada como critério único de seleção das
famílias. Dessa forma, uma vez que tal dado é de fácil manipulação e de difícil
verificação, a possibilidade de fraudes é muito maior. Em Terezina, capital do estado do
Piauí, o governo federal verificou que boa parte das famílias que foram cadastradas e
posteriormente, incluídas no PBF, eram funcionários da administração municipal e que
auferiam renda muito superior ao limite estipulado pelo programa79.
78 Reportagens veiculadas pelo Programa Fantástico da Tv Globo no dia 17 de outubro de 2004 e pelo MDS Informe Especial de 18 de outubro de 2004. 79 Reportagem do Jornal O Globo de 21 de Janeiro de 2005.
170
Na verdade, a utilização da renda como critério único de seleção das famílias
pode ser considerado um aspecto desfavorável ao princípio da equidade. Embora, no
Brasil, a pobreza tenha uma relação estreita com a renda monetária, o uso dela como
critério único pode não ser capaz de identificar e selecionar famílias que apresentam
outras vulnerabilidades que vão além da renda, como acesso a bens e serviços públicos,
a saúde, a esperança de vida, a educação e o saneamento (Sen, 2001, Towsend, 1993;
Rocha, 2003). Sendo assim, ao utilizar somente o critério de renda, o programa restringe
o conceito de pobreza, havendo risco de não atingir famílias que experimentam outras
situações de vulnerabilidade como, por exemplo, a desnutrição infantil.
Uma outra questão relacionada à seleção, é que, no setor saúde, o Programa
Bolsa Alimentação conjugava critérios de renda e de estado nutricional. Com a
unificação no Programa Bolsa Família, existe grande possibilidade de não inclusão das
famílias com crianças que apresentem um comprometimento do estado nutricional.
Por outro lado, a possibilidade de inclusão de famílias com adultos sem filhos,
gestantes ou nutrizes se configura numa importante inovação trazida pelo programa,
uma vez que os programas que o antecederam consideravam inelegíveis as famílias
constituídas apenas por adultos. Como sinaliza (Fonseca, 2001), o vínculo familiar
passa a se configurar num dos principais determinantes de acesso aos programas de
transferência de renda. A perspectiva principal é de que os recursos passem a ser
utilizados em prol de toda a família e não de forma individual.
Todavia, é interessante notar que apesar do programa optar pelo foco na família,
a análise de seu desenho operacional demonstra que as exigências de condicionalidades
estão previstas apenas para aqueles grupos tradicionalmente priorizados na política
social.
Vale ressaltar que a vinculação do benefício monetário ao cumprimento de
contrapartidas tem suscitado um amplo debate entre perspectivas de garantia de direito
incondicional e a necessidade de co-responsabilização dos beneficiários e das
prefeituras. Alguns estudiosos, como Lavinas (2000a) consideram que à medida que o
direito social é condicionado ao cumprimento de obrigatoriedades, podem ser
ameaçados os princípios dos direitos de cidadania. Por outro lado, é forçoso reconhecer
que a exigência de condicionalidades tem o potencial de pressionar a demanda sobre os
serviços de educação e saúde, o que, de certa forma, representa uma oportunidade de
ampliar o acesso aos circuitos de oferta de serviços sociais. Além disso, partindo dos
171
trabalhos de Rosanvallon, (1996) e Amartya Sen (2001) é possível pensar as
contrapartidas enquanto obrigações positivas, capazes de ampliar as capacidades
individuais em converter o benefício monetário em bem-estar e de representar uma
porta de saída para essas famílias.
A ausência de mecanismos que garantam uma porta de saída para o programa
pode ser considerada uma das principais fragilidades do PBF, uma vez que, como
discutido anteriormente, as condicionalidades estabelecidas pelo PBF não englobam
ações voltadas para a inserção social dos adultos. Na verdade, na legislação está prevista
que a oferta de tais ações depende da iniciativa dos governos municipal e estadual.
Ainda com relação à autonomia das famílias, embora por ocasião da unificação
dos programas sociais, tenha aumentado o valor médio dos benefícios repassados às
famílias (passou de R$23,00 para R$73,00), ainda permanece a dúvida se este montante
é suficiente para tirar essas famílias da situação de miséria em que se encontram.
No que concerne ao controle social, até o presente momento, tal princípio se
configura numa das facetas mais frágeis do PBF. Essa fragilidade ficou mais exposta
após as diversas denúncias, veiculadas na mídia, sobre de casos de corrupção no
processo de cadastramento único, entrega de cartões e até de cadastramento de senhas
em diversos municípios brasileiros.
De fato, tanto a lei de criação quanto o Decreto que regulamenta o Bolsa Família
são bastante vagos na definição de qual instância fará o controle social e como o fará.
No Decreto 5.209 de 17 de Setembro de 2004, está previsto que o controle social em
âmbito local deverá ser feito por um conselho formalmente constituído pelo município
ou mesmo por uma instância a já existente, desde que seja respeitada a paridade entre
governo e sociedade civil e que tenha dentre seus conselheiros, representantes das áreas
de educação, Saúde, Assistência Social, Segurança Alimentar, Criança e Adolescente.
Na prática, o que vem ocorrendo é que, em muitos municípios, o PBF não é
acompanhado por nenhum conselho de controle social.
Em alguns estados e municípios, a sociedade civil, sensibilizada pelas denúncias
de fraude na execução do PBF, vem debatendo o assunto e se propondo a acompanhar
mais de perto a implementação do programa, como é o caso do Talher no estado do
Mato Grosso e da Força Tarefa Popular no Piauí. No Plano nacional, o Conselho
172
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) também vem discutindo essa
questão e repassando sua posição ao Governo Federal.
No âmbito do governo federal, o MDS assinou um convênio com o Ministério
Público para que este contribua na fiscalização do Bolsa Família. Além disso, entrou em
vigor duas Portarias que tratam dessa questão, uma delegou temporariamente aos
Conselhos de Assistência Social e aos Comitês Gestores criados pelo Fome Zero a
fiscalização do Bolsa Família até que fossem formados Comitês de Controle definitivos
do Bolsa Família. A segunda portaria criou um Grupo de Trabalho para propor um
plano de ação em 30 dias, com definição, metodologia, prazos, cronograma de
implantação definitiva deste Comitê de Controle do Bolsa Família. Mesmo após a
publicação das portarias, o cenário ainda encontra-se indefinido.
• O Cenário Local de Implementação do Programa Bolsa Família
O Programa Bolsa Família tem pela frente o desafio de superar as características
inerentes à maior parte dos municípios brasileiros, tais como: fragmentação e
fragilidade institucional e gerencial, pouca tradição de diálogo e cooperação entre os
níveis e setores de governo, reduzida capacidade de oferta dos serviços públicos, fraca
capacidade de controle social, debilidade dos mecanismos de monitoramento e controle
dos programas sociais, grande dependência da transferência de recursos dos demais
níveis de governo, além do clientelismo.
Em São Francisco de Itabapoana, o cenário no qual o PBF está sendo
implementado é bastante similar ao quadro apresentado acima. Esse município, recém
emancipado (1995), apresenta indicadores sociais dramáticos (alto percentual de
pobreza, um perfil de acesso extremamente precário aos serviços públicos de saúde,
educação e, sobretudo, saneamento básico), grande escassez de recursos e dependência
acentuada das transferências intergovernamentais e dos royalties advindos da
exploração de petróleo na região Norte Fluminense (apenas 8% dos recursos são
provenientes da arrecadação tributária própria). No que concerne à política local, vale
ressaltar que sua curta trajetória tem sido marcada pela alternância dos mesmos grupos
de poder e pelas relações de favorecimento pessoal e de barganha.
173
A análise da experiência do município com programas anteriores de
transferência de renda demonstrou que São Francisco apresentava importantes
fragilidades institucionais, como ausência de mecanismos de avaliação e monitoramento
dos programas, pouca tradição em planejamento conjunto entre as secretarias da área
social, limitada capacidade de oferta das condicionalidades, sobretudo, aquelas
relacionadas ao Programa Bolsa Alimentação, e insuficiência de recursos logísticos e
humanos para a operacionalização dos programas. Com relação ao controle social, os
Conselhos Municipais de Saúde (CMS) e do Programa Bolsa Escola (CMPBE) tinham
uma atuação restrita à aprovação dos relatórios de acompanhamento das
condicionalidades.
De outra forma, foi possível observar algumas iniciativas exitosas, sobretudo, na
gestão dos programas Bolsa Escola e Peti, como a organização de um Seminário, que
contou a participação do governo federal e de outros municípios vizinhos, para discutir
o PBE e, a criação de uma associação de mães de crianças inscritas no Peti, que produz
e comercializa artesanatos a partir de uma planta típica do mangue da região.
O Programa Bolsa Família começou a ser implementado no município no final
de 2003, sendo gerido pela Secretaria Municipal de Educação. Em janeiro de 2005,
1879 famílias, ou seja, 50% da meta prevista para São Francisco, haviam sido
contempladas pelo PBF.
No que concerne à relação entre os níveis de governo, verificou-se que ainda
permanece o padrão observado nos programas de transferência de renda que
antecederam o PBF no município. Essa tradição em dialogar diretamente com o nível
federal, certamente, foi acentuada pela ausência de apoio técnico e operacional do
Estado do Rio de Janeiro aos municípios. Na verdade, a celebração do termo de
cooperação com a União e a criação de uma coordenação do programa, ainda não se
traduziram numa participação mais ativa do governo estadual.
Num contexto de descentralização, a participação mais efetiva dos estados se faz
de extrema importância, dada a dificuldade do governo federal em acompanhar e
monitorar a implementação do programa nos mais de cinco mil municípios da
federação.
É interessante notar que apesar da fragilidade técnica, o município buscou,
através da realização de um Seminário, ampliar os canais de diálogo e a cooperação
174
entre as três esferas de governo. Contudo, vale ressaltar que ainda prevalece no
município uma grande dependência das iniciativas e das transferências do governo
federal, principalmente, no que concerne a oferta e ao monitoramento das
condicionalidades.
Com relação à intersetorialidade, dada a pouca tradição de diálogo entre as
secretarias municipais de saúde, educação e promoção social, tal princípio se configurou
num desafio ainda maior para o município.
Inicialmente, o programa foi alocado numa secretaria específica, a Secretaria
Municipal de Educação e Cultura (SMEC), não tendo sido criado, conforme sugerido
pelo MDS, o comitê intersetorial para gerir o programa. Tal conformação dificultou o
processo de formulação e implementação conjunta do PBF no município. De fato, a
maior parte das decisões acerca do programa ficava concentrada na SMEC.
Todavia, ainda que incipiente, foi possível observar algumas iniciativas de
diálogo e cooperação entre as secretarias, sobretudo, no processo de captação e
cadastramento das famílias. Vale ressaltar que tal cooperação não se deu no sentido
mais amplo de planejamento conjunto do cadastramento, mas através da
disponibilização de técnicos e de computadores das três secretarias.
No início de 2005, o município instituiu formalmente uma comissão formada
pelas secretarias de saúde, educação e promoção social para gerir o Programa Bolsa
Família. A questão é saber se tal comissão ampliará os canais de diálogo entre as
secretarias e englobará processos de planejamento e ação conjuntos.
Com relação ao princípio da equidade, considerando que as famílias mais
pobres dentre os pobres são aquelas que tradicionalmente apresentam as maiores
dificuldades de acesso aos serviços de saúde e educação e de inserção em outras redes
de proteção social, é possível que a estratégia de captação adotada por São Francisco,
via indicação da rede escolar, tenha resultado na exclusão das famílias cujos filhos estão
fora da escola e também daquelas que não tem filhos. Além disso, a realização do
cadastramento no centro da cidade dificultou o acesso das famílias que moram nas
localidades rurais e mais distantes, principalmente, porque no município, devido a sua
extensão, as distâncias são consideráveis e o sistema de transporte local é extremamente
precário.
175
As principais limitações observadas na operacionalização do cadastro no
município foram: insuficiência de recursos humanos para atender a demanda diária, de
forma que as filas que se formavam todos os dias eram enormes, dificuldades dos
técnicos no preenchimento dos cadastros, insuficiência de computadores para a
digitação dos formulários e envio dos dados para a Caixa Econômica Federal.
Por conta das denúncias de uso eleitoral e de irregularidades80, o governo federal
determinou que o processo de cadastramento das famílias em São Francisco de
Itabapoana fosse paralisado e que tais denúncias fossem apuradas pela Controladoria
Geral da União (CGU). A auditoria realizada pela CGU concluiu que houve uso
eleitoral do cadastro no município. No entanto, segundo a auditoria, não foram
encontradas inconsistências e irregularidades nos cadastros efetuados pelo município, de
forma que os dados puderam ser enviados à Caixa Econômica Federal.
A CGU, juntamente com a Polícia Federal, dando prosseguimento às
investigações iniciadas durante o processo de cadastramento das famílias, descobriu um
esquema de corrupção que envolvia o próprio coordenador do programa. De acordo
com a reportagem do Jornal o Globo81, para sacar o dinheiro do programa, o
coordenador, recolhia os cartões e as respectivas senhas dos beneficiários do PBF sob a
alegação de que os mesmos precisariam ser substituídos. Em alguns casos, as famílias
não eram notificadas de que haviam sido incluídas no PBF, não recebendo, portanto, os
cartões. Tal situação se constitui num fato chocante e que, mais do que tendências
individuais, expõe as fragilidades das malhas institucionais e do controle social já
apresentadas nesse estudo de caso.
De fato, com relação à participação e ao controle social, não foi constituído
nenhum conselho, tampouco foram designadas atribuições específicas para o
acompanhamento do PBF aos conselhos de políticas sociais já existentes no município.
Foi possível observar que os quatro Conselhos de Política Social (Saúde, Segurança
Alimentar, Assistência Social e Bolsa Escola) encontram-se alheios ao processo de
implementação do PBF no município e um acentuado grau de desconhecimento do
programa por parte dos conselheiros entrevistados.
80 Reportagem de autoria de Chico Otávio publicada pelo Jornal O GLOBO no dia 19 de setembro de 2004. 81 Reportagem de autoria de Chico Otávio publicada pelo Jornal O GLOBO no dia 25 de março de 2005.
176
No que concerne à oferta e ao monitoramento das condicionalidades definidas
no regulamento do Programa Bolsa Família, ficou evidente que a reduzida capacidade
da rede de educação e, sobretudo, da rede saúde do município vem dificultando a
viabilização do cumprimento dessa agenda de compromissos. No caso da educação, o
acompanhamento da freqüência escolar só começou a ser realizado nos primeiros meses
de 2005.
Com relação às contrapartidas ligadas à saúde, o acompanhamento do pré-natal e
puerpério e as atividades de educação em saúde e nutrição ainda não estão sendo
cumpridas pelo município. Segundo os gestores, em 2004, as crianças até 6 anos que
migraram do Programa Bolsa Alimentação para o Bolsa Família continuaram a ter o seu
crescimento e desenvolvimento acompanhados nas unidades de saúde. No entanto, a
análise da série histórica dos dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional
(SISVAN) da enviados pelo município para a Secretaria Estadual de Saúde, apontou
que o funcionamento desse sistema no município ainda é bastante incipiente.
É possível que a implantação de módulos do Programa Saúde da Família,
iniciada no final de 2004, possa vir a contribuir de forma efetiva para a
operacionalização do próprio PBF à medida que amplia o acesso às ações de saúde, nas
quais se inclui boa parte da agenda de compromissos do Bolsa Família.
Uma variável que se mostrou de extrema importância para o entendimento do
curso do programa no município foi a eleição municipal ocorrida em outubro de 2004.
Decisões importantes acerca do programa, principalmente no que concerne ao processo
de cadastramento, foram influenciadas pelo período eleitoral. Em São Francisco de
Itabapoana, embora, num primeiro momento a administração municipal tenha optado
pela paralisação do cadastramento até que a maior parte das famílias que já fazia parte
do banco de dados fosse inserida no Programa Bolsa Família, com a proximidade da
eleição para prefeito, esse processo foi retomado.
De maneira geral, o uso eleitoral e clientelista do Cad-único e principalmente do
PBF em alguns municípios é possível porque muitas famílias pensam ser o prefeito
quem distribui os recursos dos programas federais e associam, então, com o voto.
Conforme discutido anteriormente, esse processo de definição da clientela
potencialmente beneficiária é crucial para garantir que o programa consiga atingir
aqueles segmentos mais vulneráveis da população. No entanto, tal tarefa é
extremamente complexa, uma vez que envolve a necessidade de um maior aporte de
177
recursos financeiros e logísticos e a superação do padrão clientelista que tem marcado a
política social brasileira.
Dessa forma, fica evidente a necessidade da construção de mecanismos efetivos
de acompanhamento e monitoramento da execução do Cad-Único no nível local por
parte dos governos federal e, sobretudo, o estadual e também do fortalecimento e
capacitação dos Conselhos de controle social.
Em resumo, o presente estudo de caso demonstrou que o processo de
implementação do Programa Bolsa Família vem esbarrando na fragilidade institucional,
na capacidade técnica reduzida do município, na baixa capacidade de oferta e
monitoramento dos serviços de saúde e educação e na ausência de controle social.
Aliada a essas limitações, a demora do governo federal em definir de forma clara os
papéis dos entes federativos, os mecanismos de oferta e controle das condicionalidades
e a estratégia de controle social também se constituíram em importantes obstáculos ao
programa.
Dessa forma, a superação do clientelismo e da dependência financeira e de
iniciativas do governo federal e o fortalecimento das instâncias de controle e
participação social ainda se configuram em questões chaves a serem enfrentados pelo
município de São Francisco de Itabapoana.
• O Cenário Futuro da Transferência de Renda no Brasil
A política de transferência de renda parece estar se consolidando cada vez mais
como uma estratégia de enfrentamento da pobreza e da fome e como uma nova face da
proteção social brasileira. Para além dos programas focalizados nas populações
vulneráveis, a aprovação da lei 10.835, em 2003, que garante renda básica incondicional
a todos os indivíduos adultos pode representar a tomada de novos rumos dessa política
em direção à universalidade e à incondicionalidade dos direitos.
No entanto, apesar da referida Lei prever o início da implementação do Renda
de Cidadania para este ano de 2005, muitas dúvidas ainda persistem: Qual será o futuro
do Programa Bolsa Família? Como será o processo de transição? Dada a inviabilidade
178
de contemplar todos os cidadãos de uma só vez e a natureza incondicional e universal
do benefício, como se dará o processo inicial de implementação do Renda de
Cidadania?
Para o autor da Lei de Renda de Cidadania, Senador Eduardo Suplicy, uma
possibilidade seria a promoção de algumas alterações imediatas no Programa Bolsa
Família de forma a facilitar o processo de transição. Ele propõe a extensão imediata do
PBF aos 11,2 milhões de família (meta do programa a ser atingida em 2006) e a
transferência de uma bolsa no valor de R$40,00 para cada indivíduo adulto da família.
Todavia, Lavinas (2004) salienta que esta proposta representaria um aumento enorme de
custo do PBF, sem, contudo, um impacto de tal magnitude na redução da pobreza. Além
disso, os testes de comprovação de renda continuariam sendo necessários. Para ela, a
melhor forma de caminhar no sentido da universalidade seria através da priorização das
famílias com filhos até 16 anos, pois este é o grupo socialmente mais vulnerável.
Apesar das propostas colocadas acima, essas questões ainda permanecem sem respostas
concretas.
179
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INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas)., 2000. Mapa da Exclusão Educacional. Disponível no site: http://www.inep.gov.br
MS (Ministério da Saúde)., 1999. Política Nacional de Alimentação e Nutrição. Portaria nº 170 de 10 de Junho de 1999.
_____________________., 2001. Programa de Combate às Carências Nutricionais – PCCN. Brasília:MS/Secretaria Executiva.
_____________________., 2001. Manual de Orientação do Programa Bolsa Alimentação. Brasília:MS/Secretaria de Políticas de Saúde.
___________________ (Gabinete do Ministro). Portaria Interministerial nº 2.509, de 18 de Novembro de 2004. Dispõe sobre as atribuições e normas para a oferta e o monitoramento das ações de saúde relativas às condicionalidades das famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família.
187
PMSFI (Prefeitura Municipal de São Francisco de Itabapoana)., 2002. Programa Municipal de Renda Mínima. São Francisco de Itabapoana: Secretaria Municipal de Assistência e Promoção Social.
___________________., 2002. Plano Municipal de Saúde – 2002/2005. São Francisco de Itabapoana: Secretaria Municipal de Saúde.
Presidência da República (Casa Civil). Decreto nº. 4.142 de 24 de Janeiro de 2002. Regulamenta a Medida Provisória nº 18, de 28 de Dezembro de 2001, relativamente ao “Auxílio Gás”.
______________. Decreto nº. 3.877 de 24 de Julho de 2001. Institui o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal.
______________. Decreto nº. 5.209 de 17 de Setembro de 2004. Regulamenta a Lei no 10.836, de 9 de janeiro de 2004, que cria o Programa Bolsa Família, e dá outras providências.
______________. Lei nº 10.219 de 11 de abril de 2001. Cria o Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à educação - "Bolsa Escola", e dá outras providências.
______________. Lei nº 10.689, de 13 de Junho de 2003. Cria o Programa Nacional de Acesso à Alimentação – PNAA.
______________. Lei nº 10.836 de 19 de Janeiro de 2004. Cria o Programa Bolsa Família e dá outras providências.
______________. Medida provisória nº 2.206-1 de 6 de Setembro de 2001. Cria o Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à saúde: "Bolsa-Alimentação" e dá outras providências.
TCU (Tribunal de Contas da União)., 2002. Avaliação do TCU sobre o Cadastro Único dos Programas Sociais do Governo Federal. Brasília: TCU: Secretaria de Fiscalização e Avaliação dos Programas de Governo.
_____________., 2004. Relatório de Auditoria Especial do Programa Bolsa Família. Brasília: TCU: Secretaria de Fiscalização e Avaliação dos Programas de Governo.
TCERJ (Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro)., 2000. Os royalties de Petróleo e a Economia do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: TCERJ.
_____________., 2003. Estudo Sócio Econômico – São Francisco de Itabapoana. Rio de Janeiro:TCERJ.
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ANEXO I
ROTEIROS DE ENTREVISTAS
I) Entrevistas com os Conselhos de Políticas Sociais
Identificação:
1) Quando foi criado o Conselho no município? 2) Por que foi criado? Qual a função deste conselho? 3) Qual é a natureza do conselho? (deliberativo, consultivo) 4) Como se estrutura o conselho? (Presidência/Câmara Técnica/Secretaria
Executiva)? 5) Quem define as pautas? Qual a periodicidade das reuniões? 6) Como é a relação do conselho com a prefeitura? 7) Quais foram as principais decisões do conselho até o presente momento? 8) Você acha que as decisões do conselho influenciam na trajetória da
política municipal? De que forma? 9) Existem conflitos no interior do conselho? Quais? Envolvendo que
atores? 10) Existe alguma iniciativa de capacitação dos conselheiros? De que
tipo?Quem executa? 11) Existe alguma articulação entre este conselho e os demais conselhos
existentes no município? 12) Você conhece os programas de transferência de renda atualmente
implantados no município? Qual a sua opinião? 13) O conselho participou de alguma forma da discussão, implementação
e/ou acompanhamento de algum desses programas? 14) Especificamente em relação ao Bolsa Família, qual a participação do
conselho no processo de implementação? 15) Como você vê esse processo inicial de implantação do programa no
município? Vocês têm tido acesso a esse processo? 16) Há alguma posição contrária à implementação do PBF no município? 17) Em sua opinião, o PBF tem conseguido beneficiar as famílias mais
pobres do município? Por quê?
II) Roteiro aplicado simultaneamente às Secretarias de Saúde, Educação e
Assistência Social
1) Além do PBF, o município possui outros programas de transferência de renda implementados? (Programas federais e/ou criados pelo próprio município) Quais?
2) Existem avaliações e estudos sobre o impacto dos programas anteriores?
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3) Quais as foram as dificuldades encontradas na implementação desses
programas? 4) Quando de sua implantação, o(s) programa(s) foi submetido à apreciação de
algum Conselho ou fórum de controle social? 5) Quando o PBF começou a ser implementado no município? 6) Como a opinião pública reagiu quando da implantação do programa? 7) Com a implantação do Programa Bolsa Família houve alguma alteração nos
programas de transferência de renda anteriormente implantados? Quais? 8) Que órgão está gerindo o PBF? Este órgão já fazia parte da estrutura
organizacional da prefeitura municipal? Quais foram os critérios utilizados para definir o órgão gestor ?
9) Como se dá o financiamento do Programa? Como se dá a relação com outras esferas de governo no que diz respeito a esta questão?
10) Como se dá o diálogo entre as áreas de governo envolvidas em torno do programa? Como se dá o processo de tomada de decisão em relação a implementação do programa?
11) Quais são os critérios e como está sendo realizado o processo de captação, seleção e cadastramento do PBF? Há participação de outras instâncias de governo?
12) Quais são os critérios de desligamento? 13) Quantas famílias atualmente são atendidas no município? Como esse n. foi
definido? Há perspectiva de ampliação? Este n. é considerado adequado ? 14) Como o município está estruturado para ofertar os serviços de saúde e educação,
especificamente aqueles que se referem às condicionalidades do PBF? 15) Existe algum tipo de acompanhamento das famílias no que se refere,
especificamente, às contrapartidas exigidas pelo programa? 16) Quais são as dificuldades encontradas com relação à efetivação das
contrapartidas previstas no programa? 17) O município realiza outras ações que visem ampliar e potencializar a rede de
proteção social às famílias beneficiárias? Quais? 18) Existe alguma perspectiva de alteração do PBF no município? ( com relação a
proposta do governo federal) Quais são as vantagens e desvantagens para município aderir ao PBF?
19) Os Conselhos de política social participaram/paticipam do processo de implementação do PBF? ( Principalmente das fases de cadastramento e seleção de beneficiários). Quais são os conselhos que participaram/ participam?
20) Existe algum tipo de avaliação ou monitoramento do PBF no município? 21)Quais são os maiores entraves para o sucesso do programa? 22)Qual é o maior mérito do programa? 23)Qual é a sua opinião sobre o PBF?
III) - Secretaria de Educação/Saúde
1) O que você pensa sobre os programas de combate à fome e à pobreza que vem sendo desenvolvidos pelo governo federal?
2) Na sua opinião, os programas de transferência de renda teriam o potencial de alterar a situação de pobreza das famílias? Por quê?
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3) Como foi a experiência de implementação de programas de transferência de renda no município?
4) Como foi implementado o cadastro único no município? 5) Quais foram as principais dificuldades e facilidades encontradas durante esse
processo? 6) Foi feita alguma capacitação dos técnicos para realizarem o processo de
cadastramento? 7) Como os demais níveis de governo participaram do processo de cadastramento? 8) Quando foi implementado o PBF no município? 9) Você considera que houve avanço na unificação dos programas de transferência
de renda no Programa Bolsa Família? Por quê? 10) Quais foram os critérios utilizados para definir a secretaria de educação como
órgão gestor do PBF? 11) Como se dá o diálogo entre as áreas de governo envolvidas em torno do
programa? Como se dá o processo de tomada de decisão em relação a implementação do programa?
12) Quais são os critérios e como está sendo realizado o processo de captação, seleção e cadastramento do PBF? Há participação de outras instâncias de governo?
13) É feita alguma capacitação dos técnicos que atuam no programa? 14) Quantas famílias atualmente são atendidas no município? Como esse n. foi
definido? Há perspectiva de ampliação? Este n. é considerado adequado ? 15) Como o município está estruturado, na área de educação, para atender às
condicionalidades do PBF? 16) Existe algum tipo de acompanhamento das famílias no que se refere,
especificamente, às contrapartidas exigidas pelo programa? 17) Quais são as dificuldades encontradas com relação à efetivação das
contrapartidas previstas no programa? 18) Quais são os critérios de desligamento? 19) O município realiza outras ações que visem ampliar e potencializar a rede de
proteção social às famílias beneficiárias? Quais? 20) Existe alguma iniciativa no âmbito do município para ampliar a cooperação
entre os níveis de governo?
IV) Secretaria de Promoção Social
1) O que você pensa sobre os programas de combate à fome e à pobreza que vem sendo desenvolvidos pelo governo federal? 2) Na sua opinião, os programas de transferência de renda teriam o potencial de
alterar a situação de pobreza das famílias? Por quê? 3) Quais são os programas sociais desenvolvidos por esta secretaria? 4) Quais são os objetivos dos programas desenvolvidos? 5) Quantas famílias estão sendo beneficiadas nos diferentes programas? 6) Quais são os critérios de seleção, cadastramento e desligamento desses
programas? 7) Existem condicionalidades vinculadas aos programas desenvolvidos? Quais? 8) Fale sobre as principais dificuldades e facilidades encontradas na implementação
deste programas? 9) Quais são os objetivos do Programa de Renda mínima concebido no Município?
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10) Qual a meta do Programa? E qual o critério para a definição dessa meta? 11) Quantas famílias estão sendo atendidas no momento? 12) Quais são os critérios de seleção, captação e cadastramento dos beneficiários? 13) Quais as atividades que estão previstas para as famílias inseridas no programa? 14) Quais são os critérios de desligamento? 15) Quais as dificuldades e facilidades encontradas na implementação do programa? 16) A secretaria desenvolve programas em parceria com outras secretarias,
associações ou ongs? Quais? 17) Como foi implementado o cadastro único no município? 18) Quais foram as principais dificuldades e facilidades encontradas durante esse
processo? 19) Foi feita alguma capacitação dos técnicos para realizarem o processo de
cadastramento? 20) Como os demais níveis de governo participaram do processo de cadastramento? 21) Quando foi implementado o PBF no muncípio? 22) Você considera que houve avanço na unificação dos programas de transferência
de renda com a instituição do Programa Bolsa Família? Por quê? 23) Quais foram os critérios utilizados para definir a secretaria de educação como
órgão gestor do PBF? 24) Como se dá o diálogo entre as áreas de governo envolvidas em torno do
programa? Como se dá o processo de tomada de decisão em relação a implementação do programa?
25) Quais são os critérios e como está sendo realizado o processo de captação, seleção e cadastramento do PBF? Há participação dos governos federal e estadual? De que forma?
26) Quais são os critérios de desligamento? 27) Quantas famílias atualmente são atendidas no município? Como esse n. foi
definido? Há perspectiva de ampliação? Este n. é considerado adequado ? 28) Como o município está estruturado para ofertar os serviços de educação e saúde
especificamente aqueles que se referem às condicionalidades do PBF? 29) Existe algum tipo de acompanhamento das famílias no que se refere,
especificamente, às contrapartidas exigidas pelo programa? 30) Quais são as dificuldades encontradas com relação à efetivação das
contrapartidas previstas no programa? 31) O município realiza outras ações que visem ampliar e potencializar a rede de
proteção social às famílias beneficiárias? Quais?