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AO LONGO DA VIDA 1

Podemos sONhAr ao ler

REPORTAGEM

“Novas oportuNidades a Ler+” é um projecto do pLaNo NacioNaL de Leitura e da agêNcia NacioNaL para a QuaLificação destiNado a apoiar o deseNvoLvimeNto do gosto peLa Leitura juNto do púbLico aduLto dos ceNtros Novas oportuNidades. fomos a aLcáçovas ver como fuNcioNa No terreNo esta iNiciatiiva.

texto António Simões do Paço # fotografias Paulo Figueiredo

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2 APrENDEr

João Peralta, de 35 anos, é proprietário de uma papelaria e na sua família sem pre se leu. «A minha mãe adora livros, e tem uma autêntica biblioteca em casa. A últi-ma vez que os contámos já tinha mais de cinco mil livros.» João reside em Aguiar, uma freguesia de 700 habitantes no con-celho de Viana do Alentejo, e aí frequen-tou o programa de validação do 12.º ano em 2009, onde tomou con tac to com o programa “Novas Opor tu nidades a Ler+”. «O facto de estar ins crito nas Novas Opor-tunidades», diz ele, «levou a que utilizasse cada vez mais a Internet como meio de pesquisa, logo criou em mim um novo hábito de leitura. Actualmente, quando preciso de saber alguma coisa ou fazer algum trabalho recorro a este meio.» O

último livro que leu foi Margarida na Aus­trália, de Margarida Vila-Nova (Guerra e Paz): «Fascinou-me. Relatava uma viagem à Austrália, em forma de diário, escrito de uma forma simplesmente viciante, talvez por ser um dos meus grandes sonhos via-jar até lá.»

«Hoje não passo sem um livro para ler»

«Quando iniciei o processo de validação do 9.º ano, os meus hábitos de leitura resumiam-se a apenas algu-mas partes dos jornais desportivos. Con fesso que nunca me tinha ocorrido ler um livro», admite logo de entrada Paulo Manzoupo, de 42 anos, vereador

da Câmara Municipal de Viana do Alentejo desde 11 de Outubro de 2009. E prossegue: «Quando me informaram de que para validar o 9.º ano devia ler um livro, pensei que ia ser uma grande “seca” e fui adiando essa tarefa, até que, quando faltava pouco mais de uma sema na para entregar os trabalhos, deci-di iniciar a leitura.» Como não sabia por onde escolher, pediu à sobrinha que lhe indicasse um livro. Ela trouxe-lhe A Saga de um Pensador, de Augusto Cury (Pergaminho). «Nesse serão iniciei a leitura.» Decidiu ler uma hora por dia, «para não se tornar muito maçador», mas deixou-se «envolver completamente pela história» e nos «dias que se seguiram, em vez de ler apenas uma hora, lia três a quatro horas». O que pensava ser um passatempo maçador «tornou-se um hábito que me dava muito prazer, e passados cinco dias do início da leitura do livro já o estava a terminar».

«Assim que surgiu a oportunidade», prossegue Paulo, «inscrevi-me no pro-grama de validação do 12.º ano. Senti que não queria ficar por ali. Sentia muita confiança em mim para ler e escrever sobre qualquer coisa.» «O processo de validação do 12.º ano foi bem mais

REPORTAGEM

Podemos sonhar ao ler, imaginamos as situa ções contadas, os dra mas vividos, os acon te cimentos, as mudan ças», diz Marisa Ber rucho, de 27 anos, recepcionista no Cen tro Paro quial de Torre de Coelheiros, no concelho de Évora. Acrescenta Marisa que «faço parte do grupo que está a fazer a fazer o processo de RVCC, em São Barto lomeu do Outeiro», uma aldeia com pouco mais de meio milhar de habitantes no concelho

alentejano de Portel. «Com o processo de RVCC pesquisei imenso, li muitas páginas na Internet», diz Marisa, que quer «ler bastante, para melhorar a minha escrita, a minha pronúncia, a minha cultura, as minhas ideias…» O último livro que leu foi O Crepúsculo, de Stephenie Meyer (Gailivro). Estou a pensar comprar Lua Nova», do mesmo autor.

«Francisca Valério, Alexandra Correia e Elsa Branco.

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AO LONGO DA VIDA 3

difícil, muito exigente a nível de escrita e leitura. Isso levou-me a começar a ler outro tipo de livros, nomeadamente biografias. Das que li, a que mais gostei foi a de Eric Clapton. Já o conhecia bem como cantor, mas foi muito interessante ficar a conhecer a história da sua vida.»

Hoje, remata, «não passo sem ter um livro para ler».

O que há de comum entre Marisa Ber rucho, João Peralta e Paulo Man-zou po, além de viveram os três em pequenas localidades do Alentejo, é terem frequentado o processo de reco-nhe cimento, validação e certificação de competências (RVCC) num centro do programa Novas Oportunidades, e nesse quadro terem entrado em contacto com a iniciativa “Novas Oportunidades a Ler+”, um projecto do Plano Nacional de Leitura (PNL) e da Agência Nacional para a Qualificação (ANQ) destinado, como se diz numa brochura explicativa, «a apoiar o desenvolvimento do gosto pela leitura junto do público adulto dos Centros Novas Oportunidades e, através destes, junto dos seus círculos de familiares e de amigos».

Para sabermos melhor como fun-cio nam no terreno as “Novas Opor tu-nidades a Ler+”, a Aprender ao Longo da Vida deslocou-se à vila alentejana de Alcáçovas para encontrar-se com ele-men tos da associação Terras Dentro, aqui sedeada, cujos formadores pro-cu ram criar hábitos de leitura nos fre-quentadores dos cursos das Novas Oportunidades e de Educação e For-ma ção de Adultos (EFA) em diversas loca lidades do Alentejo e com for man-dos dos cursos do CNO. Eis algo do que ficámos a saber à conversa com Alexandra Correia e Elsa Branco, da direcção da associação, Francisca Valé-rio, profissional de RVC, e Fernando Moital, animador cultural.

Ler em comum, debater

«Os formandos dos cursos das Novas Oportunidades», afirma Francisca Valé -rio, profissional de RVC, «devem esco-lher um livro e lê-lo. Temos umas 200 pessoas em processos de RVCC – no concelho de Viana do Alentejo (Alcá-ço vas), mas também nos concelhos de Alvito, Évora (algumas freguesias), Mon temor-o-Novo, Portel e Vidigueira».

Além do livro, diz esta socióloga de 42 anos, mestre em Ciências da Educação, natural de Portel e a viver em Beja, «lêem em comum artigos, notícias, lendas … e debatem-nos em grupos que oscilam entre as seis e as 14 pessoas. Procuramos que os grupos não ultrapassem as 15 pes soas. Ao intervirmos nos debates temos de ser não só professores, como psicólogos, confidentes…»

«Também estamos a promover o gosto pela leitura entre os formandos dos cursos EFA. Temos actualmente 78 formandos nos concelhos de Viana, Portel, Beja, Vidi gueira, Montemor e Évora.»

«Numa zona de grande dispersão geo gráfica, como é o Alentejo», afirma Alexandra Correia, da direcção da Terras Dentro, «temos por estratégia estabelecer parcerias com instituições locais em toda a nossa zona de intervenção. Assim, para podermos chegar aos adultos que pretendam certificar o 4.º, 6.º ou 9.º ano de escolaridade, e também o secundário, partimos para um serviço itinerante onde a relação com os parceiros é fun-da mental para os objectivos a que nos propomos: contribuir para a valorização pessoal e social de uma camada popu la-cional pouco escolarizada e para o desen-volvimento do capital humano de uma região deprimida e fortemente marcada pelo envelhecimento». Os parceiros são autarquias, escolas, bibliotecas, asso cia-ções de pais e outras. «Como nós, das Terras Dentro, nos deslocamos muito», diz esta socióloga, «levamos livros con-nosco. E emprestamo-los.»

Alexandra Correia nota que biblio-tecas como a de Beja «têm grupos de leitura e estão muito activos», e a de Évora procura seguir pelo mesmo caminho, mas lamenta que as bibliotecas fechem às 17h30 e não abram aos fins-de-sema na. «Estamos a tentar que abram noutras alturas para que as pessoas que trabalham as possam frequentar», diz. «Embora seja necessário criar formas de as utilizar, para que uma vez abertas não fiquem às moscas.»

A Terras Dentro – Associação para o Desenvolvimento Integrado, nasceu em 1991 em Alcáçovas, concelho de Viana do Alentejo, onde tem a sua sede. O objectivo inicial era apoiar e estimular localmente o desenvolvimento integra do do mundo rural, mas depressa se esten-deu a outros, como a criação do Centro

Uma biblioteca nUma cabine telefónica

uma aldeia de 800 habitantes no somerset (sudoeste de inglaterra), Westbury-sub-men dip, decidiu salvar a sua cabine tele fó nica vermelha, modelo de 1935, e ao mesmo tempo criar uma biblioteca que substituísse a falta da biblioteca itinerante que deixou de visitar a aldeia.

a cabine telefónica foi comprada pelo parish council (equivalente a uma junta de freguesia) de Westbury-sub-mendip à british telecom por 1 libra, e os mora-do res trataram de instalar prateleiras e guarnecê-las com livros usados, que assim vão tro can do com os vizinhos. a biblioteca tornou-se um grande sucesso, noticiado pela impren sa nacional, e ofe re ce mais de 100 opções que vão desde livros de receitas aos clássicos, e incluindo também dvd e cd.

apesar de o modelo K6 da tradicional cabine telefónica vermelha datar já de 1935, esta pequena biblioteca é bastante moderna: está aberta 365 dias por ano, 24 horas por dia, e mantém-se iluminada durante a noite para os leitores mais noc-tívagos. a fim de manter a selecção de títulos fresca, há uma verificação perió-dica para determinar que títulos são real-mente procurados. os indesejados pelos habitantes locais são envia dos para uma loja de uma instituição caritativa. (asp)

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4 APrENDEr

REPORTAGEM

Novas Oportunidades Terras Den tro e a sua participação no projecto “Novas Oportunidades a Ler+”, o tema que aqui nos ocupa. Eis algumas das iniciativas que se propõem realizar neste âmbito: – organizar uma biblioteca itinerante

(ligada ao Centro de Documentação da Terras Dentro, que funciona na sede da associação, em Alcáçovas) que permita o acesso aos livros e revistas em todos os locais onde o CNO realiza itinerâncias;

– fazer um boletim de sugestões de leitura por área de competência chave;

– fazer uma recolha e publicar um livro de poemas dos adultos do CNO (a Terras Dentro, entre outras iniciativas editoriais, já publicou, em 1996, uma antologia de poesia tradicional do Alentejo, intitulada Em cada casa uma porta, em cada porta um postigo);

– dinamizar o blogue do Centro, com maior envolvimento dos adultos do CNO.

– editar um boletim mensal do CNO com notícias, artigos e trabalhos de adultos, sugestões de leituras, etc.

– sessão «Os Pais gostam de ler histó-rias», a dinamizar na feira do livro da Quinzena Cultural de Alcáçovas;

– convidar o Teatro Azul a apresentar a sua peça de teatro sobre a imple-men tação da República, integrada nas comemorações do Centenário da Repú blica, no Cineteatro Vianense, no dia 7 de Outubro de 2010.

O Plano Nacional de Leitura «é desesperadamente necessário»

Num documento intitulado A Dimen­são Económica da Literacia em Portugal: Uma Análise, editado pelo Gabinete de Estatística e Planeamento da Educação, do Ministério da Educação, afirma-se que «os resultados documentam clara-mente o baixo nível médio de com pe-tências de literacia da população por-tuguesa» (terceiro a contar do fim, numa lista de 22 países membros da OCDE).

«O Plano Nacional de Leitura», pros-se gue esse documento, «lançado em Junho de 2006 pelo Governo por tu -guês para promover a leitura nas esco-las, nas bibliotecas públicas e nou tras organizações sociais, é um elemento cru-cial do esforço nacional para melhorar

«Quando era jovem», diz Fortunata, hoje com 46 anos, «li bas tante: Eça de Queirós, Júlio Dinis… Li também Os Miseráveis, de Victor Hugo». Leu também um livro sobre Os Segredos da Atlântida.

Hélder Silva e Fortunata Monteiro.

a oferta de competências de literacia no País e, por esse motivo, deve beneficiar de apoio político e financeiro sustentado. O Plano Nacio nal de Leitura poderá vir ter, opor tu namente, um impacto benéfico, mas precisa de ser complementado por um esforço concertado que também melhore a qualidade do ensino inicial e desenvolva um sistema eficaz de edu -ca ção e de formação de adultos com incen tivos adequados para atrair os mui tos portugueses adultos que per de -ram oportunidades educativas em fases anteriores da sua vida. Melhorar a oferta de competências de literacia é apenas uma parte, embora importante, desta equa ção. A outra é a melhoria da pro cura de competências de literacia na eco no-mia e na sociedade portuguesas. O reco-nhecimento, a validação e a remu neração das competências de literacia no mercado de trabalho constituem, por isso, um enorme desafio para o País.» (p. 10)

Sem algo como o Plano Nacional de Leitura, conclui o documento citado, que «é desesperadamente necessário» (p. 121), «Portugal terá grandes problemas em manter a sua competitividade nos mercados europeu e mundial e terá

cada vez mais dificuldades em atrair investimento directo estrangeiro». E reforça: «se Portugal não obtiver um aumento rápido e substantivo no nível de literacia funcional de toda a sua população, o País terá dificuldades em realizar os seus objectivos económicos e sociais, e só transferências maciças da União Europeia evitarão um declínio relativo do seu nível de vida».

Levar a leitura a todos os recantos do País não é fácil. Hélder Silva e Fortunata Monteiro, um casal de agricultores com quem falámos em Alcáçovas, fre quen-tam o CNO local, mas afirmam que lhes «falta o tempo» para ler. Hélder confessa que lê pouco. No curso, leu «um artigo da Dica da Semana sobre carros eléctricos» e escreveu sobre o que leu. De resto, as suas leituras ficam-se pelos manuais de instruções das máqui-nas agrícolas e pelos rótulos dos fito-fár macos. «Quando era jovem», diz For tunata, hoje com 46 anos, «li bas-tante: Eça de Queirós, Júlio Dinis… Li também Os Miseráveis, de Victor Hugo». Leu também um livro sobre Os Segredos da Atlântida. «Mas agora tenho menos vagar», admite com alguma pena. E fala com orgulho da filha de 12 anos «que gosta de ler e que eu lhe leia».

Paulo Manzoupo, o vereador de Via na do Alentejo, considera que «foi muito importante o incentivo que os formadores me deram para ganhar hábitos de leitura. Hoje não lhe restam dúvidas de que «a mudança dos meus hábitos de leitura permitiu-me validar o 12.º ano com relativa facilidade».

«Se hoje consigo desempenhar melhor as minhas funções e encarar os novos desafios com maior segurança, posso agradecê-lo aos formadores que me acompanharam e me incentivaram a ler com regularidade», finaliza. n

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DOSSIER

«Que filme, lançado em 1978 e adaptado de um romance de agatha christie, viu peter ustinov pela primeira vez no papel de Hercule poirot?

morte no Niloa) morte no senab) morte no tamisa.»c)

esta é a primeira pergunta de um questio nário – um exemplo, colhido no site inglês bookbite, de uma actividade associada à leitura e bastante popular entre nós: um concurso, no caso sobre filmes e livros. (a resposta certa é, como os fãs de agatha christie saberão, Morte no Nilo.)a «velha» inglaterra é a pátria dos book reading clubs, os clubes de leitura, que envolvem milhares de pessoas por todo o país e tanto são organizados pelos vizi nhos de uma rua como pelas maiores cadeias nacionais de livrarias. por isso, visitámos alguns sites ingleses ligados à leitura onde se podem colher ideias – como a do concurso acima referido –, boas e em quantidade.

http://www.literacytrust.org.uk/Nos menus do site do National Literacy trust encontra informação sobre

campanhas, notícias, projectos e redes, pesquisa e outros recursos, eventos e links para outros sítios como o do reading for Life.

http://www.readingforlife.org.uk/home/Neste site pode encontrar:WikiReadia uma enciclopédia editável onde se pode fazer pesquisa sobre boas práticas de literacia (ler, escrever, falar e ouvir).

Resources and downloads uma área de recursos e downloads. Projects (projectos) dá-lhe hiperligações (links) e descrições de todas as áreas especializadas do National Literacy trust, abrangendo todas as áreas da leitura, desde «converse com o seu bebé» a uma secção que procura captar a atenção dos que só se interessam por futebol.

Reading Ideas (ideias de leitura) são listas de ideias com instruções passo-a-passo, especificamente concebidas para famílias, adultos, crianças, empresas, autores, escolas e editoras.

Reading Gardens (jardins de leitura) é um projecto que o ajuda a encontrar luga res de inspiração para ler. os jardins públicos são excelentes lugares para ler, mas aqui também pode encontrar ideias sobre como arranjar um canto dedicado à leitura no seu próprio jardim.Teachers TV é um grande recurso on-line com programas na tv e on-line. pode ver os episódios da reading for Life sobre os programas de leitura das escolas e romances em banda desenhada.

http://www.bookbite.org.uk/o site bookbite, como se diz na sua apresentação, pretende «ajudá-lo a obter mais da leitura e da escrita».«Quer tenha sempre o nariz metido num livro ou se limite a folhear o jornal local, quer escrever para si signifique escrever histórias, manter um diário ou uma simples nota num cartão de cumprimentos», o site convida as pessoas a participarem no seu clube de leitura ou de escrita, em competições, a fazerem buscas nas suas listas de livros, dá conselhos sobre como escrever histórias curtas, oferece ajuda para investigar a história familiar e social, sugere listas de livros, incluindo «o Livro do mês». e muito mais. (asp) n

na pátria dos clUbes de leitUra

AO LONGO DA VIDA 5

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6 APrENDEr

Luís maria fernandes areal rothes é doutor em ciências pela faculdade de psicologia

e ciências da educação da universidade do porto. Na

mesma instituição tinha já concluído, em 1995, o mestrado em ciências de

educação, desenvolvimento e mudança social). em 1991,

obteve na escola superior de educação do porto um

diploma de estudos superiores especializados em animação

comunitária e educação de adultos sendo, desde 1981,

Licenciado em ensino da História e ciências sociais pela

universidade do minho.é professor adjunto na escola

superior de educação do porto. Nesta escola é coordenador da

área cientifica de sociologia e animação comunitária e do departamento de ciências de

educação.tem vários trabalhos

publicados, designadamente na área de educação e

formação de adultos tendo participado, com apresentação

de comunicações, em diversos colóquios, seminários

e conferências. esteve igualmente implicado em

diferentes projectos de intervenção educativa, tendo

colaborado em projectos nacionais e europeus de

investigação, nos domínios de educação e da formação.

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AO LONGO DA VIDA 7

ENTREVISTA

Luís rOthEs

Luís rothes gosta de se definir como um optimista moderado. Nesta entrevista à aprender ao Longo da vida, ele considera que a massificação da educação de adultos promovida pela iniciativa Novas oportunidades é um património conquistado que deve ser valorizado. mas não esquece o desafio de articular o que foi feito com outras áreas de intervenção. e adverte para o risco sério de ficarmos dependentes, quase em exclusivo, dos programas comunitários.

VAmOs VALOrIzAr As cOmPEtêNcIAs DOs ADuLtOs, mAs sEmPrE AssumINDO quE sãO INsufIcIENtEs

entrevista de Rui Seguro # fotografias de Miguel Baltazar

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8 APrENDEr

Nunca houve um investimento tão grande do Estado na Educação de Adultos. Quase poderíamos dizer que estamos numa das primeiras fases de massificação da educação de adultos. Que pensa desta realidade?

acho que a quantidade é uma das dimensões da qualidade de qualquer intervenção política na área da educação, mas não esgota os critérios que a afirmam. acolho essa massificação que agora se verifica, com a iniciativa Novas oportunidades, com mui -to bom grado. significa que estamos a conseguir den si ficar a inter-venção neste campo e a conseguir chegar à peque na fre gue sia.

é um património conquistado que deve ser valorizado. os desafios mais interessantes são pensar como vamos conseguir, valorizando aquilo que foi feito, articulá-lo com outras áreas de intervenção da educação de adultos para que se perca essa sensação de que há muitas coisas que estão a ser negli gen-ciadas, subestimadas. penso que esse é um desafio futu ro, mas parece-me estar perfeitamente ao nosso alcance. vive-mos muito um certo pensamento utópico, que é inerente ao traba lho na edu ca ção de adultos, e às vezes criamos a ideia de que estamos sempre muito aquém do que seria desejado. penso que é positivo pensarmos essa utopia, termo-la sempre presente, olharmos criticamente aquilo que fazemos; mas também devemos ver o que aí há de positivo e é suporte para o tra balho que é necessário ver realizado. desse ponto de vista, tenho uma leitura positiva, estamos melhor agora para vencer os desafios que temos pela frente do que estávamos antes dessa massificação.

Como vê a evolução da articulação entre o Reconhecimento de Competências e os Cursos EFA?

se partimos daquilo que se desencadeou a partir de 2005, das Novas oportunidades, temos alguns problemas e desafios a vencer, e um deles tem exactamente a ver com essa articu-lação entre os processos de reconhecimento e validação, e os percursos formativos em que os adultos estão envolvidos.

creio que temos de evoluir no sentido de pensar que todos os adultos têm competências, vamos valorizar essas compe-tências, reconhecê-las, validá-las mas, simultaneamente, te-mos sempre de assumir que são competências insuficientes, sempre! Nesse sentido, acho que os percursos em que adultos estão envolvidos, a partir do contacto que têm com as Novas oportunidades, têm de ser encarados como processos em que

há reconhecimento de competências, validação parcial dessas competências, mas também articuladas com a construção de projectos de vida que sejam também projectos de formação.

isso é um desafio importante. até porque se não o fizermos nem sequer vamos conseguir avançar na validação, sobretudo ao nível do secundário. a dificuldade que estamos a verificar nos processos de reconhecimento e validação no secundário só são ultrapassáveis com o reforço desta lógica de validação parcial, e que é complementar com processos de formação.

Quando os Cursos EFA começaram, eram essencialmente realizados por organizações locais. Neste momento, temos uma situação completamente diferente.

a questão interessante é pensarmos que essas lógicas de apropriação são, quer no início do processo quer hoje, plurais. tanto no início do processo como agora, encontramos essas vá-rias lógicas de acção presentes no campo de educação e forma-ção e na forma como os cursos efa são desenvolvidos. admi to que o peso destas diferentes lógicas de acção se vá alterando, creio que nós, muito provavelmente com esta massificação, esta-remos a reforçar lógicas que são muito de prevenção social, com tudo o que isso significa.

também admito que, em alguns casos, se esteja a alargar uma certa lógica meritocrática de ver os cursos efa. creio que essas duas lógicas se estarão neste momento a reforçar e ad-mito também que, com esta massificação, outras lógicas que ti-nham algum peso se possam estar a diluir, como sejam as mais associadas ao desenvolvimento local. mas não quero também afirmar que se tenham diluído de todo, por exemplo esta lógica de desenvolvimento local. parece-me expectável que se este-jam a reforçar essas lógicas da prevenção social e essas lógicas meritocráticas, nalgum caso, isso admito que sim.

Como vê a entrada do mundo escolar nos Cursos EFA?parece-me incorrecto pensar que todas as escolas entram da

mesma forma nestas iniciativas. Não entram – em cada escola, em muitos casos, está presente mais do que uma lógica de acção que se combina de uma forma às vezes mais tensa, outras mais fácil. mas parece-me que não haverá grandes dúvidas de que, com a entrada da escola, há um certo reforço dessa lógica meritocráti-ca. esta forma de encarar os cursos efa valoriza muito o mérito, o esforço individual, valoriza muito os conteúdos que devem ser

OS PERCuRSOS EM QuE AdulTOS ESTãO ENVOlVIdOS TêM dE SER ENCARAdOS COMO PROCESSOS EM QuE Há RECONHECIMENTO dE COMPETêNCIAS, VAlIdAçãO PARCIAl dESSAS COMPETêNCIAS, MAS TAMBéM ARTICulAdAS COM A CONSTRuçãO dE PROjECTOS dE VIdA QuE SEjAM TAMBéM PROjECTOS dE FORMAçãO.

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AO LONGO DA VIDA 9

ENTREVISTA

transmitidos, persegue a avaliação de uma forma ainda muito se-lectiva, encara o formador numa lógica de transmitir saberes que estão associados à escola; e portanto admito que estas lógicas se reforcem com o peso crescente das escolas neste campo.

é um processo engraçado porque, apesar de os professores que estão agora envolvidos nos cursos efa serem professores no-vos, que não viveram os cursos nocturnos de antigamente, nota-se uma saudade do tempo em que os alunos do ensino nocturno eram alunos que se esforçavam, que se empenhavam, que estuda-vam muito, que é um tempo que hoje já não faz nenhum sentido, porque o tipo de adultos que nessa altura se envolvia nesses pro-cessos não tem nada a ver os adultos que hoje se envolvem.

com tudo isto, com a entrada da escola haverá o refor ço des-sa lógica mais meritocrática mas quero também deixar claro que conheço muitas escolas em que isso não acontece, em que se combina com outras lógicas. o facto de a escola entrar não con-dena que as coisas sejam assim, mas reforça a probabilidade de isso acontecer.

Mas não corremos o risco de a escola reproduzir com os adultos um modelo dirigido aos jovens, que já por si, vem sendo largamente contestado?

creio que é um problema central neste campo. Não podemos subestimar o facto de esta expansão do campo da educação e formação de adultos ter sido muito recente, e o facto de ser muito recente significa que tivemos de ir buscar entidades, profissionais, responsáveis cuja formação não foi feita neste campo.

este campo constrói-se com o recurso a áreas adjacentes, nuns casos muito viradas para a área social. estão envolvidas no campo da educação de adultos entidades, pessoas, pro fis-sionais que vieram de uma área de intervenção numa lógi ca de prevenção social, e que trazem para este campo lógi cas e perspectivas que foram construídas nesse campo como trou-xe ram, sobretudo nesta ultima fase, com as Novas opor tu ni-dades, as lógicas que estão presentes nas escolas.

isso é uma realidade que nem sei se seria fácil evitar, porque a expansão rapidíssima que se fez deste campo teve de recorrer a áreas adjacentes com as lógicas que aí estavam presentes. o problema que temos é uma falta de tradição consolidada na educação de adultos, de reflexão construída neste campo, com lógicas de trabalho consolidadas e isso é indesmentível, não tenho a menor dúvida que esse risco existe.

Vamos sempre bater nesse ponto fraco. Na sua tese faz uma análise da evolução da educação de adultos em vários países e quando chegamos à realidade portuguesa os resultados são sempre débeis.

sou um optimista moderado e creio que há, apesar de tudo, um aspecto interessante no que tem acontecido nos últimos anos e sobretudo no que aconteceu a partir de 1998, com o grupo de missão e depois com a aNefa, que é o facto de se estar a construir um campo profissional com jovens que fizeram a sua socialização profissional neste campo.

isto hoje já é uma realidade com muito significado, são pes-soas que fizeram essa socialização profissional de uma forma rápida, acelerada, com os riscos que isso também comporta mas que, apesar de tudo, não vieram de outras áreas, constru-íram-se nesta área. Neste momento estão a fazer pós-gradua-ções, e portanto também admito que estejam a fazer processos de reflexão sobre as próprias práticas que estão a desenvolver. isso é que nos pode dar alguma esperança em termos futuros. vejo aqui um problema, que é o facto de estarmos a focalizar muito a intervenção da educação de adultos em áreas que con duzem à certificação escolar, seja através de processos de reconhecimento e validação, seja através de processos de for-

TENHO uMA lEITuRA POSITIVA, ESTAMOS MElHOR AGORA PARA VENCER OS dESAFIOS QuE TEMOS PElA FRENTE dO QuE ESTáVAMOS ANTES dESSA MASSIFICAçãO.

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cação de adultos, entidades de cariz social, empresas de for ma-ção, que recorreram, em muitos casos, a professores, em que todas as outras lógicas foram estando presentes.

e aí está o grande problema, a educação de adultos em por tu-gal, mesmo depois do 25 de abril, foi sempre muito dicotómica. tivemos meia dúzia de entidades, grupos muito limitados que faziam intervenções na área da educação de adultos mas já com grande suporte de reflexão teórica, programática; e depois a iniciativa social no campo da educação de adultos, sendo meri-tória, é uma iniciativa de pequenas associações, muitas vezes muito periféricas que, desenvolvendo um trabalho interessante, é muito pouco reflectido.

Quando os cursos efa surgem só pudemos contar, mesmo no grupo de missão e depois na aNefa, com um pequeno núcleo de entidades. sempre que procurámos estender a intervenção, inevitavelmente tivemos de ir buscar entidades e pessoas cujas lógicas de intervenção são diversas. isso era inevitável, acho que não tínhamos grandes alternativas e a única forma de escapar a isto é assegurar um leque amplo de programas e de intervenções, aí sim, podemos ir consolidando em todo este campo estas lógicas diversas e estes contributos que

ma ção. significa que esta socialização profissional tem sido, continua a ser, afunilada nesta área da certificação.

só ganharíamos em termos estes profissionais, estas enti-da des envolvidas noutro tipo, noutras áreas tradicionais de inter venção da educação de adultos. mas, para isso, nin-guém se iluda, terá de significar uma aposta política clara, a exis tência de programas destinados a promover esse tipo de práticas não-formais de educação de adultos. se isso for feito, se construirmos esta articulação entre este campo, com muitos jovens, que têm estado mais vocacionados para a certificação, com outras áreas de intervenção, isso pode alterar muito do que acontece neste momento, isso é que me dá esse optimismo moderado, mas esse optimismo.

Não podemos esquecer que os contributos que a educação de adultos trouxe para o próprio pensamento educativo foram contributos que resultaram muito do facto de ter sido um campo com um lastro imenso de experiência no campo dessa educação não-formal. e trouxe muitos contributos para todas as outras áreas da educação. só podemos continuar a enriquecer este campo se reforçarmos esse lastro, se considerarmos este lastro e enriquecermos a nossa reflexão em torno dessas práticas não formais, com tudo o que isso significa e que conhecemos, que é a valorização das experiências dos adultos, que é o carácter dialógico das práticas que desenvolvemos, que é o considerar a vida quotidiana das pessoas como os contextos mais interes san-tes para que os processos de formação se realizem. todo esse património que construímos e consolidamos, é um património que tem agora de se estender a estes novos profissionais que estão envolvidos neste campo.

Nos últimos anos houve uma grande preocupação em certificar os Cursos EFA. Não considera que essa preocupação foi excessivamente valorizada em detrimento de uma educação mais preocupada com uma dimensão social?

concordo consigo. uma coisa de que consegui aperceber-me no estudo, é que houve várias fases de adesão aos cursos efa. inicialmente, o grupo de missão e depois a aNefa chamaram aquelas entidades que tinham esse tal lastro de intervenção no campo da educação de adultos e que trouxeram para os cursos efa essa visão que tínhamos consolidado. mas é bom não nos iludirmos, muito rapidamente esses cursos efa foram promovidos por entidades que não tinham experiência na edu-

VEjO uM PROBlEMA – O FACTO dE ESTARMOS A FOCAlIzAR MuITO A INTERVENçãO dA EduCAçãO dE AdulTOS EM áREAS QuE CONduzEM à CERTIFICAçãO ESCOlAR, SEjA ATRAVéS dE PROCESSOS dE RECONHECIMENTO E VAlIdAçãO, SEjA ATRAVéS dE PROCESSOS dE FORMAçãO. SIGNIFICA QuE ESTA SOCIAlIzAçãO PROFISSIONAl TEM SIdO, CONTINuA A SER, AFuNIlAdA NESTA áREA dA CERTIFICAçãO.

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AO LONGO DA VIDA 11

ENTREVISTA

fomos concretizando. o desafio passa por aqui e tem de haver um esforço muito sistemático para promover essas dimensões não formais. creio muito francamente que se não o fizermos estamos a condenar o esforço que estamos agora a realizar para certificar adultos.

Quando digo que é preciso articular cada vez mais processos de reconhecimento e validação com processos de formação, não quero com isto dizer processos de formação certificada – o que é preciso é articular o envolvimento de adultos em experiências educativas mais diversas, que depois serão possivelmente vali-dadas no contexto dos processos de rvc. conhecendo o que se passa noutros países, caminharemos inevitavelmente para isso.

também não podemos esquecer que o nosso país tinha um desafio distinto do dos outros países desenvolvidos. temos uma circunstância de uma população adulta com níveis de qualifica-ção escolar absolutamente catastróficos. Nesse sentido, perce-bo que haja esta ênfase na certificação, é um desafio que era im-prescindível, e quero ver, com esse meu optimismo moderado, o lado positivo dos resultados destes esforços, mesmo quando os processos se realizam de forma que não é a que mais me agrada. verifica-se, e os dados mostram isso sem a menor dis-

cussão, que as pessoas que passam por esses processos ficam com uma vontade de continuar percursos educativos – uma coi-sa absolutamente fascinante. muitas vezes significa passar para etapas seguintes dos percursos de certificação escolar, mas em muitos casos não. as situações de pessoas que passaram por esses processos e desde aí começaram a ler regularmente, ou que foram aprender línguas estrangeiras... este tipo de situa-ções pare ce-me certa, o problema é como potenciamos isto, o que significa, em articulação com a rede existente, criar essas novas vias, essas novas soluções. aí estaremos a conseguir fa-zer uma revolução na aprendizagem em portugal.

Há dias um formador dizia-me que era muito importante manter as pessoas estimuladas intelectualmente, porque assim liam jornais, livros e tinham outro tipo de preocupações.

exactamente porque tínhamos essa realidade impensável em termos de certificação escolar da população adulta, conseguimos conquistar imensos adultos para um contacto com entidades que promovem educação. por isso é um erro imperdoável se não utilizarmos esta conquista fantástica para

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alargar os âmbitos da intervenção. o que também obrigará a um empenhamento muito mais forte neste esforço para o concretizar, por parte das autarquias.

Que novas prioridades acha que precisamos de estabelecer?estas novas prioridades podem ser encaradas de várias

formas. podemos pensar em novas prioridades em termos de âmbitos de intervenção, e aí o alargamento é óbvio, mas mesmo quem tem estado tradicionalmente envolvido na educação de adultos também precisa de alargar um pouco a forma como isto tem sido encarado.

uma das coisas com que me tenho confrontado na minha experiência como educador de adultos, é aperceber-me como é cada vez mais importante ajudar as pessoas a fazer uma outra leitura, não apenas do mundo social, que tem sido uma das nossas preocupações interessantes, mas do próprio mundo físico – por exemplo ao nível das ciências físicas e naturais.

Na educação de adultos sempre fizemos percursos muito pró-ximos das humanidades, mas hoje, no contacto que tenho com pessoas de todo o tipo, uma das ambições que encontro nelas é encontrar a resposta. por exemplo, porque estou, neste momen-to, a ver na televisão um jogo de futebol que decorre na áfrica do sul? o que torna possível que esse jogo seja transmitido em directo? o que é isto da televisão? o que permite que a electrici-dade funcione na minha casa? isto tem dimensões sociais que devem ser vistas, mas há estas outras dimensões de compreen-são do mundo físico que me parecem imprescindíveis.

estas novas prioridades têm a ver com uma marca fortíssima da educação de adultos e que se tem perdido, que é renovar e reforçar esta lógica mais comunitária do trabalho da educação de adultos e que faz todo o sentido para as pessoas. Não quero que um educador de adultos que faça trabalho comunitário faça apenas um trabalho de proximidade, que ouça as pessoas; não quero só isso. conheço muitos animadores sem nenhuma forma-ção que fazem esse trabalho de uma forma fantástica, mas o que preciso é tornar esse trabalho comunitário uma oportunidade que permita às pessoas, por exemplo, reforçar a aprendizagem em termos de matemática para a vida, ou de com preensão do mundo físico, ou de compreensão do mundo social, e isso é que é difícil. este trabalho comunitário é muito interessante, mas é um trabalho também de assegurar uma intencionalidade educativa nestes processos, e é esse contributo que o educador de adultos pode dar relativamente a outros traba lhadores da área social – assegurar que estes processos se tornem o mais enriquecedores possível para as pessoas. e isso também é algo fascinante.

Com encara a ligação dos Cursos EFA à componente de formação profissional?

Quando se pergunta aos adultos o que ganharam, no fim desse percurso, mesmo nos percursos de dupla certificação, é muito curioso verificar que os ganhos fundamentais são os que têm impacto na vida profissional mas que se adquirem não apenas na formação profissional, mas na educação em geral – esse gosto por aprender, a curiosidade sobre as coisas, a capacidade de construir projectos. e esses são os desafios fundamentais e que têm um impacto na vida profissional, mas também nas outras dimensões da vida dos adultos enquanto cidadãos. sem menosprezar a importância da formação pro fis sional, mas se perdemos de vista que é sobretudo isto que se ganha e que é sobretudo isto que é importante também na vida profissional, acho que se perde o essencial na educação de adultos.

Quero encarar este campo da educação de adultos como um campo em que há experiências muito diversas, umas que me agradam, outras que me agradam menos, não quero um campo talhado à medida dos meus gostos, quero um campo suficientemente multiforme para assegurar que não se esgota na formação profissional, não se esgota na certificação escolar e assegura aquilo que são as experiências da educação de adultos que estes reconhecem como mais enriquecedoras. mas não tenho nada contra que se continue a fazer formação profissional, porque admito que haja circunstâncias em que ela é válida.

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AO LONGO DA VIDA 13

A educação de adultos acaba por estar muito dependente economicamente do Estado e dos programas comunitários. Como encara estas mudanças e que consequências trouxeram?

condiciona muito. Neste momento, os programas, designa-da mente os programas comunitários, condicionam muito aqui lo que se realizou no campo da educação e formação de adul tos. No caso português é mais sério do que noutros países, porque o estado não tinha uma intervenção tradicional neste campo. portanto o que acontece é que um campo que hoje vive muito desses programas comunitários está muito dependente das orientações desses programas. e essas orientações não são apenas em termos das áreas de intervenção, mas são mes-mo dos próprios protagonistas. sabe-se, claramente, que as transições dos quadros comunitários é que implicaram que se considerasse que era necessário reforçar os grandes temas públicos numa intervenção que se queria muito estendida.

parece-me um risco sério, estarmos a ficar dependentes, quase em exclusivo, desses programas, desses mecanismos de financiamento. só poderemos ultrapassar isso quando, ao nível do estado, se reforçar o peso quer das autarquias quer das entidades regionais, quando elas se vierem a constituir. Não me parece possível alargar a intervenção da educação de adultos sem isso acontecer. Nos concelhos em que as autarquias apostam nesta área começa a verificar-se uma clara diferença relativamente aos restantes concelhos.

Vai acontecer o mesmo que se está a passar com as escolas? A haver cada vez mais uma participação das autarquias?

aqui vamos ter um problema. acho que não devem ser as autarquias a promover, acho que devem ser as autarquias a criar mecanismos de apoio às iniciativas de educação de adultos. e aqui temos uma dificuldade, que não vale a pena minimizar, que é a realidade autárquica, uma realidade muito diversa, a começar pela dimensão das autarquias. creio que, em alguns casos, os concelhos já têm uma dimensão que permite que a autarquia crie programas interessantes nesta área, mas admito que noutras autarquias isso seja muito mais difícil. mas parece-me absolutamente fundamental um reforço das autarquias, sem terem a tentação de querer controlar tudo. Não nos iludamos: na área da acção cultural isso já se verificou – o papel das autarquias revela-se decisivo, e nesta área de educação de adultos vai ser decisivo também. em portugal há um patamar regional que poderia ter muito significado, mas que tem sido

sistematicamente adiado e que torna difícil essa intervenção.

Neste número abordamos numa reportagem o trabalho que a Associação Terras de dentro começou a desenvolver no âmbito de incentivo dos adultos à leitura, e deu para perceber que apesar do trabalho meritório desenvolvido ainda há um largo caminho a percorrer.

em relação a esse plano nacional de leitura, agora vocacionado para os adultos, começam a surgir em alguns cNo’s as pessoas a tomar contacto com a possibilidade de constituir comunidades de leitores. é algo de que não temos tradição nenhuma, mas começa a perceber-se essa possibilidade, começam a pensar noutras soluções. o que por vezes falta é o contacto, claro que a revista já é interessante, mas mais interessante ainda é quando começar a haver um intercâmbio de técnicos para conhecerem estas experiências. muitas vezes é isso que falta também, mas acho que vai acontecer – cá está outra vez o meu optimismo moderado – porque neste momento há já vários cNo’s que começam a encarar a sério esta questão, – o que vamos fazer com os adultos que fizeram percursos aqui, fizeram o b3 e agora vamos envolvê-los no secundário, mas muitos deles já fizeram também o secundário e qual será o passo seguinte? a vontade de manter o contacto com estes adultos também vai ajudar a que as pessoas pensem outros contextos, outros âmbitos, outros projectos sem os quais também não há educação de adultos.

a educação de adultos é assumir que é bom mexer com as pessoas. se não, não se é educador de adultos, e para isso necessariamente tenho de ser um optimista.

Para terminar. Há algum tema que gostasse de abordar, de que ainda não tenhamos falado?

por a educação de adultos ser um campo a que afluíram, há muito pouco tempo, muitas pessoas, muitas entidades, um dos problemas que temos é que muitas dessas pessoas têm uma visão limitada das possibilidades que este campo tem. Nesse sentido, uma das coisas interessantes é a existência de associações como esta e de revistas como a Aprender ao Longo da Vida. um das coisas que se percebe nos centros de Novas oportunidades e nas entidades que promovem cursos efa, uma das curiosidades na leitura desta revista, não é tanto ver o que conhecem já, mas exactamente perceber outras possibilidades que, para muitas pessoas, não são visíveis. e este alargamento de campo precisa muito de contributos como o da associação e o da revista. plataformas como estas são decisivas. n

ENTREVISTA

TEM dE HAVER uM ESFORçO MuITO SISTEMáTICO PARA PROMOVER ESSAS dIMENSõES NãO FORMAIS. CREIO MuITO FRANCAMENTE QuE SE NãO O FIzERMOS ESTAMOS A CONdENAR MESMO O ESFORçO QuE ESTAMOS AGORA A REAlIzAR PARA CERTIFICAR AdulTOS.

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14 APrENDEr

Em mais de 600 páginas muito bem escritas, permeadas pelos contributos teóricos de autores consagrados e pelos discursos de

diversos actores, Luís Rothes desenha, de modo dinâmico e abrangente, o per-curso da educação de adultos (EA) em Portugal, nas suas relações e con tras tes com o contexto internacional, deten do- -se no período de duração da ANEFA, em que os cursos EFA surgem como analisa-dores do processo de recomposição de um campo que se tor nou heterogéneo e complexo e que raramente conseguiu superar a sua fra gi lidade histórica e a desvalorização social e política do direi-to dos adultos à educação.

Nesta tese, tecida numa trama con-cep tual eminentemente sociológica, mas conhecendo outros contributos dis ci plinares, é possível perscrutar o campo da EA em múltiplos ângulos de acção e organização, permitindo a diferentes leitores ir em busca de es-clarecimento para as suas preocupações, questões e inter rogações. Nada parece ter ficado de fora.

Não me querendo pren-der com a densidade dos conceitos, sublinharia a textura desta narrativa que nos per mi te compreender como é que, nos con tínuos movimentos de abertura e retrai mento, de crises e resistências, o campo da educação de adultos se foi reconfigu-rando, com marcas evidentes da visão e do posicionamento do Estado face às políticas educativas, mas também à luz das grandes transformações sociais, económicas e tecnológicas da moder-nidade que não foi capaz de cumprir todas as suas promessas de “afirmação dos direitos sociais e edu ca tivos para todos”.

Assumindo-se transversalmente com o papel de Estado Avaliador, durante um longo período, o tempo mais lon go do seu processo histórico, na sua rela ção com a educação de adultos, pre dominou um Estado Constrangente que fechou a educação de adultos na forma escolar, reservando-lhe um lugar marginal no sis-tema educativo, estreitou e entravou os movimentos e as iniciativas sociais nes-te domínio. Num segundo momento, o

tempo da ANEFA inspirador da mudan-ça, em que se reconhecia a importância da qualificação no desenvolvimento social e económico e se preconizava um novo modelo de educação de adultos, assistimos à sua deslocação para um Es­tado Paradoxal marcado por hesitações, ambiguidades e veladas resistências ao abandono das lógicas escolarizantes até aí dominantes. Mantém-se o ensino re-corrente ligeiramente ajustado na rede das escolas públicas, malgrado os frus-trantes resultados anunciados pela ava-liação encomendada pelo governo de então, o IEFP apropria os cursos EFA de acordo com a sua matriz racional, uni-formizadora e centralizada, e as novas ofertas são toleradas na iniciativa social, suportada por e dependente dos fundos comunitários, num campo que o autor descreve como um “quase-mercado”.

Percebe-se que a proposta da ANE-FA – orientada pelas lógicas de “servi-ço público” e de “programa”, alinhada

pelas políticas europeias e desvinculada do modelo es-colar – só haveria de encon-trar eco no seio de ope-radores pri vados atraídos pelos fundos comu ni tários onde, para responder com a indispensável “lógica de candidatura” num proces-so que se apresenta muito concorrencial, jogam o seu “capital de candidatura”, enquanto incorporação do

capital social e do capital cultural de-tido pelos dirigentes e técnicos das dis-tintas organizações.

Estes operadores, com diferentes esta tutos institucionais e sociais e com inten sidade variável nas suas ligações à educação de adultos, vão construindo, estratégica e intencionalmente, a sua acção entre privilegiadas relações “hori-zontais” locais e num jogo hábil de arti-culações “verticais” com os ser vi ços pú-blicos. Foram ingressando no cam po da EA por “vagas” que, sem obe decer a uma sequência deliberada, aconteceram na convergência das diver sas, por vezes coe-xistentes, lógicas de acção que monitori-zam os modos de agir das organizações envolvidas, entre as quais se destacam a lógica do serviço meritocrático, a lógica de mercado, a lógica da transformação social e do cres ci mento pessoal e a lógica

rEcOmPOsIÇãO INDuzIDA DO cAmPO DA EDucAÇãO BÁsIcA DE ADuLtOs Lógicas de apropriação local num contexto político-institucional redefinido.Luís rOthEs, 2009fundação calouste Gulbenkian,fundação para a ciência e tecnologia. 556 pp

Por Olívia SantOS Silva Coordenadora da Equipa Novas Oportunidades da DREN (Direcção Regional de Educação do Norte)

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AO LONGO DA VIDA 15

RECENSãO

do desen vol vimento local. Deste modo, se foi ampliando e complexificando o leque de promotores de cursos EFA.

Os primeiros promotores foram de-safiados pelo seu “mérito” ou pelo seu envolvimento no “desenvolvimento local”, porque se lhes reconheceu pro-pó sitos inovadores, se observou uma intervenção abrangente mas com prá-ticas consistentes na formação de adul-tos e porque, com experiência noutros programas europeus, detinham, simul-ta neamente, o imprescindível capital de candidatura para acederem aos finan cia-mentos e executarem com suces so e efi-ciência os projectos. Estas enti da des são designadas pelo autor como “consolida-dos expectáveis”.

O reconhecimento do potencial ape-la tivo das pessoas e das instituições do modelo, que assegurava a existência de interessados, e a credibilização social dos cursos EFA que, pela valorização dos saberes prévios dos sujeitos, pelo seu en-raizamento na vida quotidiana e pela in-corporação dos tempos e espaços da vida comunitária, testemunhavam a sua capa-cidade para manter os adul tos ao longo de todo o processo for ma tivo, conduziriam à forte adesão de um segundo ciclo de enti-dades que viriam a organizar um universo plural e heterogéneo, surgindo denomina-das como “adjacentes aproximáveis”. São “entidades locais institucionais”, “gran des entidades supra-locais” e empresas de for-mação, já existentes ou entretanto criadas, com inequívocos fins lucrativos, agindo portanto numa “lógica de mer ca do”, que viriam a constituir um grupo de dimensão apreciável no desen vol vimento desta ofer-ta formativa. A neces sidade de financia-mentos para sub sis tên cia destas organiza-ções fez com que o campo da educação e formação de adul tos se configurasse como um espaço de mercado assistido.

No terceiro movimento de adesão, carac terizado por um carácter de incuba­ção da formação, emergem promotores sem capital de candidatura, colectivida-des ins ti tucionais e periféricas, movidas por preo cupações de “transformação social e cres cimento pessoal”, que depen-dem de enti dades acreditadas para ela-borarem e executarem os projectos. São, nesse sen tido, intituladas como “depen-dentes pre cá rios”.

A interpretação das práticas das ins -ti tuições promotoras dos cursos EFA, na

diversidade das suas concepções, da sua natureza ideológica e da sua missão, é realizada à luz de ambiguidades, limi-tes, tensões e contradições que o autor se propõe analisar através da cons trução teórica de dilemas, enquanto problemas que se oferecem a soluções contrárias ou encruzilhadas que desafiam à cria ção de regras nas quais os actores ins ti tucionais se sustentam para tomar decisões orga-ni zacionais e pedagógicas. É, pois, entre duas opções contraditórias que os dis-tintos promotores apropriam e con cre-tizam um mesmo modelo forma tivo.

São colocados três dilemas em obser -vação. O primeiro remete para uma

“perspectiva programática”, que faz os-cilar o cursor de análise entre a pre ven-ção social e a transformação social, op-ções respectivamente asso ciadas ao papel preponderante do estado, de um lado, e do mercado, do outro, ou dito de outro modo, entre a justiça e coesão social e os interesses económicos.

O segundo dilema coloca-se na inter-dependência externa das orga ni zações, ora fechadas na formação que, entendi-da como unidade de exe cu ção, visa aci-ma de tudo superar as carências cogni-tivas e sociais dos formandos, indepen-dentemente dos seus contextos sociais e profissionais, ora colocando o ênfase na participação e na transformação social e cívica, em que a comunidade e o terri-tório surgem como recursos educativos fundamentais e em que a formação ga-nha conteúdo, significado e sentido no olhar crítico sobre a realidade comuni-tária e na pro ble matização das condi-ções de exis tên cia dos sujeitos. Estamos, assim, peran te duas concepções limite, uma que, suportada pelo princípio da

auto no mia relativa, se firma “em lógi-cas de modernização tecnocrática da edu cação”, e outra que preconiza, para a educação, uma abordagem con tex -tualizada, comprometida com prá ti cas de trabalho comunitário, que bus que um “sentido transformador e demo-cratizante” da vida individual e social.

O terceiro dilema evocado prende-se com as opções sobre a abordagem ao currículo, apresentando duas visões di-vergentes. De um lado, o currículo pres-crito, centralmente definido, des ligado dos contextos de acção e inter acção dos formandos, concebido como trans missão e acumulação passiva de conteúdos situ-ados no interior das próprias dis ci plinas, percebidas como de fronteiras fechadas, e numa sequên cia linear pré-estabelecida, onde há pouco espaço para a construção do conhecimento pelos pró prios apren-den tes; o enfoque coloca-se nos resul-tados, enquanto produto da formação. Do outro lado, perspectiva-se o currículo como projecto aberto, flexível e inte gra-do, trabalhado no diálogo entre saberes disciplinares, planificado pelos formado-res e pelos formandos de modo colabora-tivo, em contextos demo cráticos e infor-mados pelo conhe cimento proveniente de diversas fontes dentro e para além das áreas disci pli nares, em que a aprendiza-gem se organiza em unidades temáticas cen tra das em problemas, questões e situ-ações emanados das percepções, crenças, valores, preocupações e interesses dos sujeitos, numa abordagem que recons-trói, aprofunda e amplia a com preensão de si próprios e do seu mundo, apresen-tando-se como um desa fio à imagina-ção e à descoberta, con cretizando-se em expe riências cur ri culares construtivas e refle xivas, defendendo que, quanto mais signi fi cativa for a aprendizagem, mais situa da em contexto e mais enraizada no conhecimento cultural, pessoal e meta-cognitivo, mais rapidamente o conhe-cimento é compreendido, apren dido e recordado; sem perder de vista os resulta-dos, privilegiam-se os processos.

Por limitações textuais, nesta modes-ta síntese de um trabalho que nos conce-de um estudo amplo e denso da educa-ção de adultos em Portugal, muito ficou retido nas páginas de uma obra que é de referência. Para aqueles se preocupam com esta temática, fica o convite à sua leitura integral. n

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CONFIDOSSIER

SEXTA CONFERÊNCIA INTERNACIONAL

EDUCAÇÃO DE ADULTOS

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FINTEAEste dossier é dedicado à CONFINTEA VI, que decorreu em Belém do Pará,

no Brasil, em Dezembro. Esta conferência, que é da responsabilidade da

UNESCO e só se realiza de dez em dez anos, é sempre um momento

importante para quem se interessa pela educação de adultos, trazendo

a lume discussões teóricas, promovendo o entendimento das pessoas

que trabalham para os governos e da sociedade civil. A Aprender ao Longo

da Vida reuniu opiniões de personalidades portuguesas e estrangeiras

que podem ajudar os nossos leitores a reflectirem sobre os caminhos

que se colocam à Educação de Adultos no mundo e particularmente em

Portugal.

AO LONGO DA VIDA 17

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AO LONGO DA VIDA 19

DOSSIER CONFINTEA VI

A CONFINTEA vISTA DA COzINhA: vIvA O CARImbó*

nacio nais e conferências regionais, nem contar as anedotas dos seus bastido-res (as vís ce ras de um complexo corpo multi lin guístico, multicultural e de lógi-cas bizan tinas). Pretende, muito modes -ta mente, tentar externar a lógica de uma parte da organização do evento, que pro-vavelmente os participantes não enxer-garam de fora. É o relato de quem traba-lhou na ‘cozinha’ de uma CON FINTEA marcada, de um lado, pelo fato de ser a primeira realizada no hemisfério sul, num país emergente e numa região tro-pical e, de outro, gestada numa conjun-tura referenciada por múl ti plas crises, a ameaça cada vez mais pre sente de aquecimento global e do co-lapso do sistema financei-ro mundial acompanha-do por uma profunda reces são econômica. E isso, sem men cio-nar a pandemia de gri pe H1N1, temida à época internacional-mente!

A organização desse

tipo de confe rências merece uma rápida explicação. A responsabilidade pela pro-mo ção das CONFINTEAs é da UNESCO. A Con ferência Geral da Organização delegou ao Instituto para Aprendizagem ao Longo da Vida (UIL), em Hamburgo, como centro espe cializado em apren-di zagem e educação de adultos, a res-pon sabilidade pela organização do evento. Por meio de um acordo (Host Country Agreement) o governo do país anfitrião responde pela infra-estru tura da conferência. Por sua parte, o gover no brasileiro, por intermediação do Minis-tério da Edu ca ção, estabeleceu par cerias

com a Repre sentação da UNESCO no Brasil (conhecido cari-

nho samente como UBO – U N E S C O

A organização de uma con fe rência inter-nacional nun ca é tarefa fá cil, uma CON FINTEA menos ainda: esta, por ser conferência intergo-

vernamental (categoria II na classifica-ção da UNESCO), já nasce complexa, regida por um conjunto de regras e pro-cedimentos formais (sem falar em ques-tões cerimoniais e de segurança) que lhe confere importância e, ao mesmo tem-po, impõe certa rigidez e limita as possi-bilidades de inovação.

O relato apresentado aqui não pre-tende avaliar o impacto da VI CON-FINTEA, realizada em Belém do Pará, Brasil, nem comparar os seus resultados e processos com os da CONFINTEA anterior, realizada em Hamburgo (será que, no futuro, Belém terá o mesmo status que Paris quando comparada com Tóquio?).

Não pretende tampouco narrar o lon go processo formal de sua prepara-ção, com as antecedentes mobilizações

Relato de quem trabalhou na ‘cozinha’ de uma CONFINTEA marcada, de um lado, pelo fato de ser a primeira realizada no hemisfério sul e, de outro, gestada numa conjuntura de múltiplas crises, a ameaça cada vez mais presente de aquecimento global e do colapso do sistema financeiro mundial acompanhado por uma profunda recessão econômica.

Timothy IrelandDoutor em Educação na Universidade de Manchester, foi

Director Nacional de Educação de Jovens e Adultos no Ministério da Educação, em Brasília. Actualmente, trabalha na Representação da Unesco no Brasil onde coordenou a

organização da CONFINTEA VI pelo lado brasileiro.

* Nota:Carimbó: género

musical de origem indígena. O seu nome, em

tupi, refere­se ao tambor com o qual se marca o ritmo, o carimbó. Surgido em torno de Belém na zona do Salgado e na Ilha de Marajó, passou de uma dança tradicional para um ritmo moderno, influenciando a

lambada e o zouk.

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Brasilia Office) e o Governo do Estado do Pará, representado princi pal mente pela Secretária Estadual de Educação (SEDUC/PA), que for ma ram a coordenação nacional e criaram o comi-tê organizativo local. É desse pro cesso organizativo que vamos falar aqui.

Contudo, antes disso, as questões mais prementes eram: em qual cidade bra sileira realizar a CONFINTEA e como escolher o anfitrião? De início foi decidido que seria numa cidade das regiões norte ou nordeste. Após convidar todos os Estados das duas regiões a enviarem propostas, a cidade de Belém foi selecionada. Apresentava um exce-len te centro de convenções, um forte compromisso com a educação de jovens e adultos, uma rede hoteleira adequada, e, acima de tudo, Belém, no coração da região amazônica, exemplifica um dos maiores desafios mundiais: a promoção do desenvolvimento humano a partir de paradigmas de sus ten tabilidade, um dos prin cipais temas da confe rência.

As críticas não tar da ram em chegar, resu midas na per gun ta: por que esco lher uma cida de tão distante da ‘civi li za ção’ (de São Paulo, do Rio, de Brasília, etc.) e de difícil acesso? A resposta foi a de que segurança, con forto e bem-estar dos participantes seriam cri térios sempre pre-sen tes, porém, seria incon cebível realizar uma CON FINTEA ‘pasteurizada’ no Bra-sil – pelo contrário, a Ama zônia pos sui uma diversidade cultural, linguística, étni ca e ecológica como poucos lugares no mundo e são esses os desafios que a apren dizagem e educação de adultos têm de abraçar.

Escolhida a sede, partimos para for-mar o comitê organizador. O comitê nas ceu com uma missão incômoda: como conciliar o tema (“aprendizagem e educação de adultos”), o lema (“Vivendo

e aprendendo para um futuro viável – o poder da aprendizagem de adultos”), o local, a conjuntura geral de crise e a organização interna da Conferência?

Três princípios básicos terminaram se impondo para orientar as decisões: respeito pela cultura de sustentabilidade, pela participação democrática e solidária e pela indissociabilidade entre educação e cultura. Assim, a receita básica para a Conferência emergiu do forno coletivo.

Em âmbito nacional, o UBO, o Minis -tério da Educação e alguns outros Minis-térios, com destaque para o Minis tério de Relações Exteriores, já esta vam bem articulados. Em Belém, repre sentantes do Governo do Estado, da Prefeitura, das duas uni ver sidades públicas (esta dual e federal) e de outros órgãos públicos for-maram sete gru pos de trabalho – ceri-monial, cultura, segurança, logís tica, uni versidades, comu ni cação e ambien-ta li zação. Os desafios: como preparar a infra-estrutura da con fe rência de tal maneira que seria possível mini mizar a agressão ao meio ambiente da cidade; como fazer da organização da con fe -rên cia um processo demo crático e par-ti ci pativo e, ao mesmo tempo, sem ferir o seu status de conferência inter go ver-na mental, como permitir uma parti-cipação mais ampla aproveitando as novas tecnologias de comunicação e, por último, como fazer da cultura uma parte integral do programa da CONFINTEA? Perpassando tudo, havia o desejo de fazer do processo organizativo um pro fundo processo de aprendizagem coletiva – a procura da coerência entre forma e conteúdo!

Na busca pela cultura de susten ta-bilidade da conferência, adotamos algu-mas medidas mais corretivas que inova-doras. Um eficiente sistema de inscrição on­line para as delegações nacionais,

articulado com uma boa base de dados, minimizou o uso de correio e papel. Durante a conferência os delegados rece beram um pen­drive no kit para dimi nuir a costumeira montanha de papel e fotocópias. O local do evento – Cen tro de Convenções da Amazônia – HANGAR - oferecia acesso à internet gratuitamente por meio de wi­fi e computadores espalhados pelo prédio. Cada participante também recebeu um squeeze para água, no afã de reduzir aquele constante fluxo de copos de plás tico. Até os ministros presentes na Conferência fizeram a sua parte – em lugar de carros individuais colocamos vans executivas à disposição.

Simbologia sempre desempenha um papel necessário numa conferencia inter nacional. No dia de abertura, os participantes VIPS plantaram espécies de árvores nativas da região amazônica no complexo administrativo do HAN-GAR. Mais 156 árvores – uma para cada delegação nacional – completaram o que será conhecido como O Bosque das Nações. Um inventário da emissão de gases de efeito estufa (GEE) em toneladas de CO2 gerados pela Conferência foi con vertido em um número estimado de árvores nativas regionais a serem plantadas para minimizar o impacto de aquecimento global. Os organizadores locais da VI CONFINTEA estão prepa-rando o plantio adicional de 144 espécies nativas, para compensar a emissão de GEE durante os quatro dias do evento. Cada delegação foi convidada a plantar o número de árvores nativas regionais em seus próprios países, proporcional ao tamanho da delegação e à distância percorrida.

Argumentos de que a Confintea é eli tista não são estritamente verdade. O pro cesso Confintea, em contraponto

os participantes VIPS plantaram espécies de árvores nativas da região amazônica no complexo administrativo do HANGAR. Mais 156 árvores – uma para cada delegação nacional – completaram o que será conhecido como O Bosque das Nações.

NO DIA DE ABERTURA,

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AO LONGO DA VIDA 21

‘pasteurizada’ no Brasil é inconcebível – pelo contrário, a Amazônia possui uma diversidade cultural, linguística, étnica e ecológica como poucos lugares no mundo e são esses os desafios que a aprendizagem e educação de adultos têm de abraçar.

REALIZAR UMA CONFINTEA

ao evento Con fintea, demanda estra-té gias amplas de mobilização e discus-são. No Brasil, a mobilização abarcou encon tros estaduais, regionais e nacio-nal. Ao levantarmos a bandeira da par-ti cipação democrática e solidária, não foi com a intenção de criticar, mas a de buscar meios para viabilizar que o maior número de pessoas pudesse acom-panhar (sem intervir) as discussões e deli berações da conferência. Assim, orga nizamos a transmissão on­line para pon tos de recepção no Estado do Pará e para qualquer pessoa, em qualquer parte do Brasil ou do mundo, acompanhar o evento pelo seu computador. Como com ponente local da transmissão, as universidades programaram o que ficou conhecido como a Confintea Ampliada. Além de poder acompanhar as mesas redondas e palestras, foram organizadas duas mesas redondas sobre EJA nos países africanos de língua portuguesa e nos países latino-americanos, aproveitando a

presença dos delegados na cidade.A Influenza (gripe) A acrescentou

uma variável inesperada. A partir da decisão prudente, em maio de 2009, de o governo brasileiro adiar a conferência como medida cautelar frente à pande-mia (como os nossos dedos nos traem – escrevi ‘pandemônio’ antes de me corrigir!), tivemos, com efeito, que des-fa zer a organização para maio, re-fazer para dezembro e, assim, na prática, foi como organizar duas conferências segui-das. Porém, ao retomar as atividades da coordenação nacional e do grupo orga nizador local, a capacidade e deter-mi nação coletivas de superar o revés transpareceram-se.

Os grupos de trabalho e as plenárias

formaram o espaço para a tomada de decisões e para diversos níveis de arti cu-lação com os governos (estadual e muni-cipal) e a sociedade civil local. Ques -tões como segurança exigiam com ple xa coordenação de diferentes níveis de agen-tes e atores – polícia federal, polícia militar, polícia civil, polí cia rodoviária, guarda civil, etc. – cada um com suas respectivas atri bui ções e hierarquias. Transporte e rotas precisavam ser planejados com os mínimos detalhes junto à Secretaria de Trânsito da Prefeitura, sempre arti-cu lada com a Polícia Rodoviária que faria a escolta dos VIPS. Discussões sobre cerimonial tendem a ocupar um tem po desproporcional enquanto se decide quem terá direito a discursar e por quantos minutos (no fundo uma discussão fútil porque VIPS, por serem VIPS, tendem a se sentir no direito de falar sem restrições temporais), em que ordem as VIPS falariam e quem iria sentar em qual lugar. Alimentação, saú de,

transporte, hotéis, interpretação simul-tâ nea, sinalização adequada, vistos de entrada, são todos motivos para noites mal dormidas. Sem mencionar, por mais boa vontade que exista, a complexidade de articular vários níveis de governo, dife rentes ministérios e secretarias, ten-dên cias e partidos políticos, governo e sociedade civil.

No espírito da participação demo crá-tica, ficou projetado que o enorme salão de exposições, com quase 70 stands, constituiria um espaço para a troca de informações e experiências educacionais sem o direito a comercialização. Era obri ga tório formalizar a solicitação de stand por meio de um sistema web espe-cialmente desenvolvido para essa fina-

cONfINtEA I Dinamarca, 1949

a primeira conferência internacional de educação e adultos ocorreu em 1949, em elsinore, na dinamarca, num contexto de pós-guerra e de tomadas de decisões em busca pela paz.reuniram-se 106 delegados, 21 organizações internacionais e 27 países, sendo eles: austrália, áustria, bélgica, canadá, china, dinamarca, egipto, finlândia, fran ça, alemanha, grã-bretanha, irão, irlanda, itália, Líbano, Holanda, Nica rágua, Noruega, paquistão, suécia, suíça, síria, tailândia, turquia, estados unidos. Quatro comissões de delegados recomendaram:• que os conteúdos da educação

de adultos estivesse de acordo com as suas especificidades e funcionalidades,

• que fosse uma educação aberta, sem pré-requisitos;

• que os problemas das instituições e organizações com relação à oferta precisariam ser debatidos;

• que se averiguassem os métodos e técnicas e o auxílio permanente

• que a educação de adultos seria desenvolvida com base no espírito de tolerância, devendo ser trabalhada de modo a aproximar os povos, não só os governos e,

• que se levasse em conta as condições de vidas das populações de modo a criar situações de paz e entendimento.

os delegados acordaram sobre a continuidade da conferência em razão das premências da educação de adultos em termos mundiais.

DOSSIER CONFINTEA VI

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22 APrENDEr

lidade e todos os pedidos foram sub me-tidos à coordenação nacional para apro-vação. Pesavam na análise um vín culo estreito com a aprendizagem e educação de adultos e um equilíbrio entre regiões, entre pedidos nacionais e internacionais, entre governos e o terceiro setor. A orga ni-zação oferecia aos expo sitores um estande padronizado sem cobrança de taxas.

Em mais uma expressão da Confintea Ampliada, duas oficinas de leitura foram organizadas em uma escola pública. A ofi cina serviu ao mesmo tempo para lan-çar um livro de leitura: O pequeno livro das grandes emoções, preparado espe cialmente para neoleitores, cujos pri meiros usuários foram 60 jovens e adultos de Belém matriculados em clas ses de EJA da rede estadual. As oficinas foram conduzidas por uma das duas organizadoras do livro, ela mesma uma autora de livros para esse público, e ganhadora do Prêmio Jabuti em 2009. Na primeira noite, a oficina recebeu uma visita da Princesa Laurentien dos Países Baixos, que, como Enviada Especial da UNESCO, tem defendido a bandeira da alfabetização como direito humano fun da mental.

Uma conferência internacional, em que mais de 150 paises participam, exi-ge um pequeno exército de pessoas for -madas para oferecer serviços de infor -mação e apoio aos delegados. Coube a nós descobrir como fazer des sa necessidade uma oportunidade de for-mação e inclusão para jovens uni ver si-tários das duas universidades públi cas, sem correr o risco de explorar o tra ba-lho estudantil. No inicio de 2009, 204 estudantes com domínio de uma língua estrangeira foram selecionados para um curso, inicialmente previsto para durar quatro meses, de formação para o even-to, com encontros semanais a cada sábado. O curso visava aperfeiçoar a capacidade lingüística dos jovens, bem como oferecer-lhes acesso a outra língua estrangeira, além de tratar de temas amplos como relações internacionais, polí ticas educacionais para jovens e adul tos, a história das CONFINTEAS, o papel da UNESCO e outras agências inter nacionais, diversidade cultural, cida dania crítica, história da cidade e da região e temas práticos voltados para a hos pedagem, alimentação, geografia da cidade, como receber, segurança, saúde, etc. Palestras foram proferidas em inglês,

espanhol e francês. Os estudantes – moni -tores bilíngües – receberam uma bolsa. Com o adiamento da Con fe rên cia, o curso foi estendido por mais dois meses.

Durante o período da conferência, esses monitores bilíngües atuaram na recep ção de delegados no aeroporto, nos hotéis, nos museus e no próprio Han gar, informando, direcionando, apoian do, sob a coordenação dos gru-pos de trabalho a quem foram alocados. Ajudaram a lembrar que em muitos paí-ses em desenvolvimento são os jovens que povoam os programas e projetos de educação de ‘adultos’, ao tempo em que alegraram o ambiente com a sua energia, sorrisos, bom humor, irreverência e curio sidade frente ao desconhecido.

A programação cultural interna e exter na foi planejada para expressar a rica diversidade cultural da região, para interagir com a cidade e criar outro meca nismo de participação demo-crá tica, para criar um diálogo entre a

cultura popular e erudita e entre as dife-ren tes linguagens culturais – música, dança, folclore, poesia, teatro – e, acima de tudo, para dialogar com os debates sobre a aprendizagem e educação ao longo da vida como um componente indis sociável e inegável do processo de desenvolvimento humano e social e da busca da liberdade.

Internamente, as apresentações ocu pa -vam espaços temporais e espaciais inte-gradas à geografia comum da conferência – a escada, o restaurante, o auditório prin-cipal, os espaços de circulação, a entrada e saída e até o ‘fumódromo’. Criavam um ambiente em que as pessoas se sentiam acolhidas e confortáveis, questionadas e acalmadas, surpreendidas e ‘estranhadas’. Um ambiente propício para o diálogo e debate.

Externamente, a cidade abria as portas dos seus acervos e patrimônios históricos, religiosos e culturais para os visitantes. Os horários dos principais museus foram estendidos para facilitar a visita dos delegados depois do término diário da Conferência. Os participantes receberam um ‘passaporte’ para visitar gratuitamente o parque ecológico Mangal das Garças. A vida noturna cotidiana da cidade oferecia um leque de opções gastronômicas, etíli-cas e boêmias. O carimbó esquentava as noites que a brisa da Baia do Guajará tentava esfriar.

Na última noite, ao encerrar a Con-fe rência, o Cortejo da Diversidade Cul tural cimentou esta integração da cida de com a diversidade linguística e mul ticulturalidade dos participantes da CONFINTEA. Quase mil artistas da cidade de Belém e da região desfilaram informalmente, embalando os presentes nos sons, cores, cheiros, ritmos e sabores de uma noite encantada, mila-gro samente sem chuva, levando-os pela Cidade Velha para o píer e os shows finais da Banda do Arraial do Pavulagem e do Cordel do Fogo Encantado. O evento CONFINTEA terminava e o pro-ces so ganhou novas inspirações.

Ao refletir sobre esse processo interno da CONFINTEA, tenho uma enorme vontade de sair da cozinha e sentar-me de novo junto aos comensais. Descobri que, apesar de todos os seus encantos, a cozinha é o lugar onde menos se alimenta e onde mais se trabalha. Agora, só me resta esperar a CONFINTEA VII. n

internacional, em que mais de 150 paises participam, exige um pequeno exército de pessoas formadas para oferecer serviços de informação e apoio aos delegados. Coube a nós descobrir como fazer dessa necessidade uma oportunidade de formação e inclusão para jovens universitários.

UMA CONFERêNCIA

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AO LONGO DA VIDA 23

DOSSIER CONFINTEA VI

RECRIANDO O CONCEITO DE ApRENDIzAgEm AO LONgO DA vIDA

O encontro tentou le var os go ver nos a pôr em prá tica as visões teó-ricas pro postas pela CON FINTEA V, em Hamburgo. A decla-

ração de Hamburgo avançou, há 12 anos, os princípios mais progressivos para a educação e aprendizagem de adultos. O quadro seguinte sintetiza esses princípios:MAIS dO QuE uM dIREITO, a educação de adultos é a chave para o século XXI. É uma consequência e uma condição para uma cidadania activa.A EduCAçãO dE AdulTOS ENGlOBA todo o corpo dos processos activos de aprendizagem. A educação de adultos engloba a educação formal e contínua, a aprendizagem não formal e o espectro da aprendizagem acidental, disponível numa sociedade multicultural de apren-dizagem.A EduCAçãO dE AdulTOS dEVERá con-tribuir para a criação de uma cidadania informada e tolerante, para o desenvol-vimento económico e social, para a pro-moção da literacia, o alívio da pobreza e a preservação do ambiente.A CONFERêNCIA RECONHECE que a cir-cunstância particular dos Estados Mem-bros irá determinar as medidas que os

A CONFINTEA VI foi uma tentativa de dar novo vigor à educação e aprendizagem de adultos em todo o mundo, forçando os governos a aceitar que não fizeram o suficiente, e sugerindo novos caminhos na educação e aprendizagem de adultos, especialmente ao nível da implementação de políticas.

governos poderão introduzir para pro-mover o espírito dos nossos objectivos.A EduCAçãO dE AdulTOS é CONCEBI-dA dentro da estrutura da aprendizagem ao longo da vida.O PAPEl dO ESTAdO AlTEROu-SE: den-tro das novas parcerias entre o público, o privado e os sectores da comunida-de, o papel do Estado é não só ser um fornecedor de serviços de educação de adultos, mas também um conselheiro, um financiador e uma agência de moni-torização e de avaliação.A EduCAçãO BáSICA para todos não é apenas um direito, mas um dever; é

o centro da aprendizagem de jovens e adultos.O OBjECTIVO PRINCIPAl da educação de jovens e adultos é a criação de uma sociedade de aprendizagem, dedicada à justiça social e ao bem-estar geral.A lITERACIA, amplamente considerada como o conhecimento e capacidade bási cos de que todos necessitam, num mundo em constantes e rápidas mudan-ças, é um direito humano fundamental.O RECONHECIMENTO dA EduCAçãO e do direito de aprendizagem ao longo da vida é, mais do que nunca, uma neces-sidade.

Carlos Alberto TorresÉ Director fundador do Instituto Paulo Freire da Argentina (2003),

Director fundador do Instituto Paulo Freire da Universidade de Los Angeles desde (2002) e Director fundador do Instituto Paulo Freire de São Paulo (1991). É professor de Ciências Sociais e Educação Comparada, Director do Centro

Latino-americano e sociólogo político da educação.

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A APRENdIzAGEM dE jOVENS E Adul-TOS deve dar prioridade à expansão de oportunidades para mulheres.A EduCAçãO dE AdulTOS dEVE CON-TRI BuIR para a construção de uma cul-tura de paz e de educação para a cidada-nia e para a democracia.A EduCAçãO dE AdulTOS dEVE RE-FlEC TIR e respeitar a riqueza da diver-sidade cultural e procurar alcançar a igualdade.A EduCAçãO dE AdulTOS dEVE PRO VI-dENCIAR um acesso equitativo e sus ten-tável aos conhecimentos de saúde.A EduCAçãO AMBIENTAl de adul tos deve ajudar a promover a susten ta bi li-dade ambiental.A EduCAçãO dE AdulTOS dEVE PRO-VI dENCIAR OPORTuNIdAdES para a apren dizagem ao longo da vida a povos indígenas e nómadas.A EduCAçãO dE AdulTOS dEVE TRA-BAlHAR na promoção do desen vol vi-mento de competências, no contexto das novas políticas laborais para o emprego, inseridas nas economias globais.A RESPONSABIlIdAdE dA EduCAçãO dE AdulTOS é lIMITAR O RISCO dE Ex-CluSãO numa crescente sociedade de informação, e impedir que as sociedades percam de vista a dimensão humana.A EduCAçãO dE AdulTOS dEVE RECO-NHECER OS CONTRIBuTOS dAS PO-PulAçõES IdOSAS e criar mais opor-tunidades de aprendizagem, em termos de igualdade.A EduCAçãO dE AdulTOS dEVE PRO-MO VER A INTEGRAçãO e acesso às pes-soas portadoras de deficiência.A EduCAçãO dE AdulTOS dEVE SER uMA PARTE VITAl de um plano de subsí dios e de investimentos para o fu-turo.A CONFERêNCIA pede à UNESCO, como a maior agência da ONU, que pro mova e facilite a educação de adultos como parte de um sistema integral de aprendizagem.PEdE-SE à uNESCO que encoraje os Esta dos Membros a adoptar legislação que facilite às pessoas portadoras de defi ciência programas educativos e que seja sensível à diversidade cultural, lin-guística, económica e de género.A CONFERêNCIA AdOPTA A PRO POS TA de um movimento “uma hora de apren-dizagem por dia”, e o desen vol vimento de uma Semana da ONU para a Educação de Adultos.

No entanto, aconteceram mudanças dramáticas entre as duas Conferências, bem sintetizadas por Richard Desjardins:· “Há pelo menos duas grandes ten-

dên cias, que rodeiam a educação de adul tos, que se intensificaram nos últi-mos anos. A primeira envolve o fenó-meno da globalização e a sub se quente trans nacionalização das polí ticas de edu cação, a qual tem uma série de impli cações para os estudos políticos. A segunda envolve uma pressão reno-vada para uma inves tigação rele vante em ter mos estratégicos e políticos. As duas estão relacionadas, mas susci-tam dife rentes tipos de questões, que per tencem ao campo da educação de adultos e tam bém à necessidade de di-ferentes res postas.”1

· A conceptualização da aprendizagem ao longo da vida faz parte de discur-sos hegemónicos, que são classifica-dos em termos de raça e de género.2 A ênfase num conjunto de capacidades, resultados e competências instru-men t ais, técnicas e mecânicas tende a seguir “construções neo-liberais da aprendizagem ao longo da vida, inse ridas num individualismo hierár-quico.”3

· Há uma tensão conceptual e prática entre a aprendizagem ao longo da vida e a educação ao longo da vida. No en-tanto, qualquer reorganização de con-ceitos sobre a aprendizagem ao longo da vida deve reconhecer uma alteração impor tante no dis curso educacional das duas últi mas décadas, uma pas-sagem de “edu cação” para “aprendi-zagem”. Assim, o foco passou do pro-fessor para o aluno, e das expe riências for mais de aprendizagem para as não formais, dentro e fora de instituições educativas, no ambien te de trabalho e por via de uma nova cultura ciberné-tica, em prati ca mente todo o lado. A parte de “aprendizagem” da história é tam bém um novo desenvolvimento, não neces sariamente completamente incor po rado ou praticado em todo o lado.4

· Finalmente, a questão do “ao longo” é importante. Quando a aprendizagem passa a ser ao longo da vida, afasta-mo-nos de um período de tempo na vida de um indivíduo, e afastamo-nos de um conjunto de instituições muito cla ra mente definidas, que pro-vi den ciam tal educação e facilitam tal aprendizagem.

· A aprendizagem ao longo da vida também aborda algumas das neces s-idades mais básicas dos seres huma-nos, incluindo o crescimento e desen vol vi mento pessoal, a melho-ria da saúde e do bem-estar, ligando expli cita men te a aprendizagem e a edu cação a capacidades laborais e a emprego, à com petição numa eco no-mia global, à inovação e à socie dade do conhecimento como um novo fac-tor produtivo.

· No entanto, o conceito é tão abran-gente que inclui também contribui-ções para o desenvolvimento tecno-lógico e digital, as relações intercul-turais e linguísticas, as populações mais ido sas e as suas escolhas de vida (tanto públicas como pri vadas) para a denominada “Terceira Idade”. Por último, o conceito aborda o âmago da socialização, participação e inte-gração política de sociedades civis e governação democrática, incluin do os desafios da emigração e do multi-cul turalismo.

· Se considerarmos o conjunto de res-pon sabilidades de aprendizagem e

conceptual e prática entre a aprendizagem ao longo da vida e a educação ao longo da vida. No entanto, qualquer reorganização de conceitos sobre a aprendizagem ao longo da vida deve reconhecer uma alteração importante no discurso educacional das duas últimas décadas, uma passagem de “educação” para “aprendizagem”.

Há UMA TENSãO

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AO LONGO DA VIDA 25

DOSSIER CONFINTEA VI

de resultados de aprendizagem que estão incluídos no conceito, ou seja, o conhecimento, as capacidades e as competências mais alargadas, pode mos perguntar-nos exactamen-te o que fica de fora do conceito de apren diza gem ao longo da vida, para além das experiências educativas e de apren dizagem da infância.

· A ‘evanescência’, a complexidade e a heterogeneidade do objecto de estu-do exigem uma reflexão e análise sé-rias de questões conceptuais e de ter-minologia. Este enigma conceptual é alimentado pelas tensões entre expe-riências nacionais e supra-nacio nais em educação de adultos, e tensões global-local e local-local no sistema mundial.

· “Porque as políticas e práticas da edu-cação de adultos são essen cialmente nacionais, um grande leque de fac tores contribui para a condição da educação de adultos em qualquer país, incluin-do: a cultura sociopolítica vigente, que engloba crenças e valores sobre o pa-pel do Estado em geral, e em relação à educação e formação em particular; os pontos de vista vigen tes sobre a fun-ção da educação e a for ma ção – nes-te caso, a educação de adul tos – em relação aos objectivos e prioridades sociais, culturais, polí t i cos e económi-cos de um país; os pontos de vista pre-dominantes sobre a optimização de equilíbrio de poder, papéis e activida-des, entre as três maiores instituições sociais: Esta do, mercado e sociedade civil; os sistemas da governação da educação de adultos em operação, in-cluindo o papel dos parceiros sociais; o nível de desenvolvimento social e o nível de investimento na educação e na for–mação.”5

· A Conferência CONFINTEA VI não conseguiu abordar todos os impasses teóricos. O relatório especial, escri to por um grupo de distintos espe cia-listas, o Relatório Geral sobre a Edu-ca ção e Aprendizagem de Adul tos, apenas foi distribuído no final do encontro.

Os discursos de representantes gover-namentais foram, quando muito, super ficiais, e apresentaram apenas formas de referir no programa qual-quer pessoa que conseguisse chamar a atenção dos organizadores.

Para um encontro sobre educação de adultos a ter lugar na América Latina, o Continente onde o neoliberalismo encontrou mais resistência e con-tes tação, e um local onde ocorreu a maioria das experiências inovadoras em educação de adultos, pouca ou nenhuma representação foi feita acer-ca da forma como os movimentos so-ciais e governos progressistas agi ram neste campo de decisões polí ticas.

· Apesar destas falhas, deixei a Con-ferência com uma boa sensação. Es-tas Conferências do Sistema Mundial têm uma importância simbólica.

Para quem se interessa pela educação de adultos, a CONFINTEA VI foi um sucesso porque teve lugar, agitou os ambientes da educação de adultos, refrescou o entendimento das pessoas que trabalham para os governos, trou-xe a lume algumas discussões teó ri cas e compromissos políticos da Conferên-cia de Hamburgo, e pode, finalmente, ter dado novo vigor ao compromisso de algumas pessoas, embora o núme-ro de participantes tenha sido baixo, de procurar uma educação de adultos que ajude a criar, na feliz frase de Pau-lo Freire, um mundo no qual será mais fácil amar. O apelo à acção ainda está por se ouvir. n

1 Richard Desjardins, Proposal for an ESREA network on Policy Issues in Adult Education. Copenhaga, Dinamarca, rascunho, 2008, página 1.2 Como afirma claramente Rosa María Torres no seu relatório: “Qualidade e igualdade continuam a ser temas chave por resolver, relacionados, por ordem de importância, com (a) condição socioeconómica, (b) zona de residência (urbana-rural), (c) identidade étnica, e (d) género, tal como confirmado por inúmeros estudos e avaliações da região.” Rosa María Torres, “Youth and Adult Education and Learning in Latin American and the Caribbean: Trends, Issues and Challenges, “ Rascunho de Documento, 2008, página. 3.3 Burke e Jackson, op. cit. página 2.4 O relatório de Rosa María Torres sobre as sociedades latino-americanas e caribenhas exprime claramernte este ponto.5 Helen Keogh, “Adult Learning and Education in the Unesco region of Europe, North America and Israel. Rascunho de relatório, 30 de Setembro de 2008, página 45.

cONfINtEA IIcanadá, 1960

a segunda confintea aconteceu em 1960 em montreal, canadá. sob a premissa de um mundo em mudança, de acelerado crescimento económico e de intensa discussão sobre o papel dos estados frente à educação de adultos reuniram-se 47 estados-membros da uNesco, dois estados como observadores, dois estados associados e 46 oNgs.cada país-membro elaborou o seu relatório nacional com base nos seguintes tópicos: 1. Natureza, objectivo e conteúdos da

educação de adultos; 2. educação cidadã (in civics); 3. Lazer e actividades culturais; 4. museus e bibliotecas; 5. universidades; 6. responsabilidade para com a

educação de adultos; 7. urbanização; 8. educação das mulheres. o principal resultado desta segunda con ferência foi a consolidação da decla ração da conferência mundial de educação de adultos que contemplava um debate sobre o contexto do aumento populacional, de novas tecnologias, da industrialização, dos desafios das novas gerações e a aprendizagem como tarefa mundial, onde os países mais abastados devessem cooperar com os menos desen volvidos.

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colorido na sala fa-zia ante ver uma das ca rac terís ti cas prin -ci pais dos três dias da CON FINTEA VI. Cores vivas dos trajes tradicionais

africanos chamavam a atenção, diversas cores de pele tocavam-se em apertos de mão, fortes cores das flores decoravam as salas… cores, cores, cores! Estava dado o mote para que um dos princí-pios da educação e formação de adultos estivesse permanentemente presente – a diversidade! E foi com esse espírito de respeito pela diferença, de tolerância e de solidariedade que se iniciaram e de-senvolveram os trabalhos desta grande e importante conferência internacional.

Concretizar as políticas públicas

A mensagem principal está na assina­tura da CONFINTEA VI – passar da re­tórica à acção. É essa a urgência, é esse o caminho, e é essa a esperança para mui-tos adultos e jovens que devem ter uma oportunidade de ini ciar, prosseguir ou desenvolver os seus estudos, indepen-dentemente da idade, sexo, religião ou estatuto social. Os objectivos neste cam-

po são sempre definidos de modo muito ambicioso. E estes não eram diferentes. Reunidos os especialistas, académicos, peritos, governantes, políticos, diploma-tas era necessário discutir o modo como se podem tirar esses ‘objectivos’ do papel.

Alguns documentos oficiais têm enun-ciado essa ambição para as políticas de educação e formação de jovens e adultos, como forma de combate à pobreza, à exclusão social, às desigualdades, pro-movendo uma sociedade mais justa, igualitária, informada e desenvolvida. Esses objectivos, porém, não passam na maioria das vezes de um conjunto de enunciados teóricos ou de princípios retóricos. A bondade dessas intenções e princípios faz acreditar que a mudança é possível, mas na prática os exemplos demonstram que se mantém a urgência de transformar a realidade.

Os Objectivos do Milénio foram tidos como pano de fundo para essa mudança e para os atingir será necessário que cada país, cada governo, cada Estado, se empenhe intensamente na concepção e execução de medidas de política pública que podem fazer a diferença. Passar da retórica à acção é pois um imperativo à escala global na área da educação e formação de adultos e jovens.

Uma conferência, várias regiões, um documento

Olhar para o campo da educação e for mação de jovens e adultos a partir da CONFINTEA VI permite uma perspecti-va global das configurações institucio-nais, práticas pedagógicas, currículos e meto do logias, políticas públicas, entre outros aspectos. Essa perspectiva mun-dial con duz em primeiro lugar a uma cons tatação que traduz (e pode também ser traduzida por) outras dinâmicas de desenvolvimento social e económico das diferentes regiões do nosso planeta.

Três regiões muito distintas surgem neste contexto – a partir das regiões habitualmente utilizadas pela UNESCO neste domínio: áfrica; América Latina e Caribe; ásia e Pacífico; Europa, América do Norte e Israel; Estados árabes – tra-duzindo contextos diferentes de desen-volvimento económico e de organização social e política e enun ciando problemas diversos face às dinâmicas de educação e formação de adultos e jovens.

Para as regiões mais desenvolvidas – as chamadas sociedades modernas e avançadas, segundo algumas con cep-tua lizações sociológicas – a discussão sobre as políticas na área da educação

DA RETóRICA à ACÇÃOAs cores vivas dos trajes tradicionais africanos, as diversas cores de pele, as fortes cores das flores que decoravam as salas davam o mote para que um dos princípios da educação e formação de adultos estivesse permanentemente presente – a diversidade!

O

Maria do Carmo GomesSocióloga, doutoranda do Programa de Doutoramento

em Sociologia do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa. Investigadora do CIES -ISCTE desde 1998.

Vice-Presidente da Agência Nacional para a Qualificação, I.P. e chefe da delegação portuguesa à Confintea VI, em representação da Sra. Ministra da Educação.

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e formação de adultos e jovens centra-se na construção de Sistemas Nacionais de Qualificações e suas ligações e arti-culações dentro dos espaços de decisão e coordenação de diferentes Estados, como é exemplo a União Europeia. Neste conjunto de países (e de modo muito vanguardista, poder-se-ia dizer) definem-se políticas inovadoras e solu-ções arrojadas que tentam res pon der aos diferentes contextos e processos de ensino-aprendizagem que pautam a vida humana, tendo em conta que a ‘escola’ é hoje um conceito de grande amplitude e de múltiplas formas coexis-tentes e, em primeiro plano, entendido como espaço gerador de igualdade de oportunidades. Reconhecer compe-tên cias adquiridas em contextos for-mais, não formais e informais (quer esco lares quer profissionais); conceber currículos flexíveis, modulares, baseados em resultados de aprendizagem e capi-talizáveis entre diferentes moda li dades de educação-formação; e diversificar as possibilidades e opções para atingir os mesmos objectivos de escolaridade e/ou qualificação são os três pilares em que assenta o estado da arte da educação e formação de adultos e jovens nestas regiões do mundo.

Num segundo conjunto podemos encon trar as regiões emergentes – Amé-rica Latina, Oriente e ásia1 – nas quais as polí ticas de educação e formação de adul tos assumem uma configuração quase paradoxal. Ao mesmo tempo que neces sitam de resolver as situações de analfabetismo de grande parte das suas populações, estas tentam avançar com um conjunto de intervenções que pre-tendem acompanhar o que se faz nos países mais desenvolvidos, partilhando e transferindo conhecimento em redes de cooperação transnacional e obten do resultados mui to interessantes com sig-nificativos efei tos de catching­up relativa-mente aos seus parceiros num estádio de desen vol vimento mais avançado.

Em terceiro lugar, encontramos as que poderiam designar-se como regiões de esperança – a áfrica e o Médio Oriente. Esperança por diferentes motivos. áfrica tem de assumir-se como o continente da esperança por excelência, trazendo para os seus diferentes países e populações um horizonte de políticas que vão des-de o combate à pobreza extrema até à implantação de modelos democráticos de governação e representação dos seus povos, passando pela necessidade de de-finição e concretização de políticas que

académicos, peritos, governantes, políticos, diplomatas era necessário discutir o modo como se podem tirar esses ‘objectivos’ do papel.

REUNIDOS OS ESPECIALISTAS,cONfINtEA IIIJapão, 1972

em 1972, na cidade de tóquio (japão) a terceira edição da coNfiNtea reuniu 82 estados-membros, três estados na ca te goria de observador (incluindo cuba), três organizações pertencentes às Nações unidas, 37 organizações inter nacionais. trabalhando as temáticas de educação de adultos e alfabetização, média e cultura, apostou nas premissas de que a educação de adultos teria como elemento essencial a aprendizagem ao longo da vida e que seria importante rea lizar esforços para fortalecer a demo cra cia e preparar o enfrentamento mun dial da não diminuição das taxas de anal-fabetismo. diante da constatação de que a instituição escolar não dá conta de garantir a educação integral, adopta-se a ampliação do conceito sobre sis temas de educação que passam a abarcar as categorias de ensino escolar e extra-escolar, envolvendo estudantes de todas as idades. o relatório final concluiu que a educação de adultos é um factor crucial no processo de demo cratização e desenvolvimentos da educação, económico, social e cultural das nações, sendo parte integral do sistema educacional na perspectiva da aprendizagem ao longo da vida.

DOSSIER CONFINTEA VI

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possibilitem a disponibilização de direi-tos e infraestruturas básicas (huma nas, sociais e económicas). Destas últimas fazem claramente parte as políticas de educação e formação dos milhões de ci-dadãos africanos que ainda hoje a elas não têm acesso. No caso dos Estados árabes, para além de partilharem nal-guns casos os mesmos problemas que al-guns países africanos, a questão religiosa é determinante, nomea damente no que se refere às dis cri minações no acesso à educação pelas mulheres. São por isso regiões com forte ambição e esperança no futuro e na concretização de políticas que possam efectivamente reduzir a po-breza extrema e as desigualdades sociais de género e de classe.

É esta a imagem mundial do campo das políticas de educação e formação. É um mundo desigual, com ritmos de desenvolvimento e prosperidade mui-to diferenciados, mas também com um enorme potencial de evolução. Con-gregar num único documento o espíri-to das diferentes políticas, a definir e a concretizar, por todos os países pre sen-tes é, por isso, uma tarefa de enorme exi-gência. Mas a CONFINTEA VI con se guiu também ser bem sucedida nesse aspec-to, tendo sido produzido e aprovado o Quadro de Acção de Belém, documento que enforma as inter venções a realizar no domínio da educação e formação de adultos e jovens nos próximos anos.

Um olhar a partir de Portugal

E Portugal? Onde estamos neste pa-no rama das políticas públicas no domí-nio da educação e formação de jovens e adultos?

Foi um privilégio ter participado na CONFINTEA VI e ter chefiado a dele gação oficial portuguesa, como já afirmei. Mas este atributo sobre a minha participação é mais do que apenas uma formalidade, é uma posição analítica baseada nos fac-tos que caracterizam hoje as políticas de qualificação de jovens e adultos no nos-so país. As transformações ocorridas nos últimos anos, em Portugal, são muito relevantes, quer no que se refere à diver-sificação das vias de conclusão da esco-

laridade pelos jovens em idade escolar, quer no que diz respeito à concepção e desenvolvimento de um sistema de edu-cação e formação de adultos que, desde 1999, com a introdução dos Cursos de Educação e Formação de Adultos e do Sistema Nacional de reconhecimento, validação e certificação de competências, nos coloca a par dos países com práticas mais avançadas e inovadoras.

A recém-criada Iniciativa Novas Opor-tunidades trouxe uma consolidação e uma integração destas medidas de polí-tica, que tornou possível responder em larga escala ao também imenso proble-ma de baixas qualificações da população portuguesa. Assente num esforço de con-cretização de objectivos muito ambicio-

iniciativa Novas Opor tunidades tornou possível responder em larga escala ao também imenso problema de baixas qualificações da população portuguesa.

A RECÉM-CRIADA

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sos, de simultaneidade na concepção e na intervenção, de legi bilidade e “trans-feribilidade” no con texto europeu e de forte integração das políticas de educação e formação profissional, esta Iniciativa é hoje entendida como um movimento so­cial a favor das qualificações, que está a provocar uma revolução no modo como os portugueses valorizam a educação e a formação em qualquer idade e acessível a todos.

É este o verdadeiro espírito que deve nortear as políticas de aprendizagem ao longo da vida, fazendo com que todos os espaços de construção do saber, for-mais, não formais e informais, e todos os dispositivos de educação-formação, sejam pensados para que um cada vez maior número de pessoas possa ter oportunidades semelhantes de acesso, frequência e conclusão.

Portugal colocou no centro da sua agenda política as políticas de qua li-ficação dos jovens e adultos, e esse esforço é hoje reconhecido quer pela Comissão Europeia, quer pela OCDE, quer também pela Unesco, identificando o nosso país e a nossa estratégia como um caso de ‘boas práticas’ a seguir com atenção.

Algumas notas pessoais

Num outro registo gostaria de deixar uma nota mais pessoal sobre a CONFIN­TEA VI. Em primeiro lugar, foi um prazer

reencontrar colegas de outros países, como o Florêncio Varela, de Cabo Verde, o Timo­thy Ireland, da Unesco, a Carmen Gatto, do Brasil, a Francisca, da Guiné, o Filipe, de São Tomé e Príncipe, e ter conhecido outros como o Filomeno, de Timor­Leste. Em se­gundo lugar, evocar alguns dos momentos de descontracção vividos na cidade de Belém, com o rio Amazonas e as suas águas turvas e fortes a banhar uma cidade que tem muitas influências portuguesas, e uma zona históri­ca e portuária que em tudo se assemelha ao que podemos encontrar em Portugal.

E por último, associado aos dois aspec­tos anteriores, não podia deixar de referir a língua e a cultura portuguesas como patri­mónio comum entre todos os amigos citados, espaços e contextos de interacção partilha­dos – o privilégio de falar a mesma língua e o fazer questão em falá­la foi, sem dúvida, para mim, um outro marco da CONFIN­TEA VI, que em muito poucas conferências internacionais pode acontecer. Muito obri­gada, Brasil. n

1 Alguns dos países pertencentes a estas regiões estão numa situação que os coloca mais perto das regiões avançadas como é exemplo, a Coreia do Sul ou o Japão na região asiática.

no centro da sua agenda política as políticas de qualificação dos jovens e adultos e esse esforço é hoje reconhecido quer pela Comissão Europeia, quer pela OCDE, quer também pela Unesco.

PORTUGAL COLOCOU

cONfINtEA IVParis, 1985

sob a temática “aprender é a chave do mundo”, reuniram-se em paris, frança, no ano de 1985, 841 participantes de 112 estados-membros, agências das Nações unidas e oNgs. este encontro salientou a importância do reconhecimento do direito de aprender como o maior desafio da humanidade. entendendo por direito o aprender a ler e escrever, o questionar e analisar, imaginar e criar, ler o próprio mundo e escrever a história, ter acesso aos recursos educacionais e desenvolver habilidades individuais e colectivas, a conferência incidiu sobre as lacunas das acções governamentais quanto ao cumprimento do direito de milhares de cidadãos terem as suas passagens pelos bancos escolares com propostas adequadas e com qualidade. ao mesmo tempo, o icae - conselho internacional de educação de adultos cria, em para-lelo à conferência, um caucus de oNg’s e governos progressivos que se reúnem afim de concretizar a adesão à declaração sobre o direito a aprender. apoiaram este movimento os governos da china, canadá, países Nórdicos, Índia e Liga árabe.

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onvidado pelo Con -selho Inter na cional de Educação de Adultos (ICAE) a participar no FISC – Fórum In ter-nacional da Sociedade Civil, que se realizou

em Belém do Pará, entre 28 e 30 de No-vembro de 2009, integrei um painel te-mático sobre “O significado da educação de jovens e adultos”, moderado por Alan Tuckett (NIACE) e com intervenções de Lola Cendales (Amé rica Latina) e Cecilia Soriano (ásia). Aí apresentei uma comu-nicação intitulada “De Hamburgo, 1997 a Belém do Pará, 2009: a hegemonia da aprendizagem para a produção de com-petências eco no micamente valorizáveis”, desen vol vendo alguns dos principais argu men tos que tinha exposto num de-bate promovido antes pelo ICAE, na Internet (A Educação num Contexto de Múltiplas Crises – http://www.icae2.org), através de um pequeno texto intitulado “Apren dizagem? Que Aprendizagem?”.

Em ambos os casos, chamava a aten-ção para o exagero do elogio da aprendi-zagem ao longo da vida, espe ci almente quando conduzido a partir de lógicas funcionalistas e adaptativas que, na maioria das vezes, se colocam à margem

de uma concepção democrática, huma-nista e crítica de educação de adultos e ao longo da vida. Ao procurar adaptar-se perfeitamente às estruturas sociais, à competitividade económica e à busca da empregabilidade, as políticas públicas de fomento da aprendizagem ao longo da vida operaram uma transição radical do conceito de educação para o conceito de aprendizagem, atribuindo a este uma conotação marcadamente individualista e pragmatista.

A própria UNESCO tem admitido esta espécie de efeito não desejado, par-ticularmente presente em certas políticas públicas após a CONFINTEA V (Ham-burgo, 1997), seja contribuindo para desresponsabilizar o Estado pela defi-nição de políticas globais e integradas, pelo financiamento e provisão de uma rede pública suficientemente acessível e diversificada em termos de ofertas, seja também pelo crescente protagonismo do mercado, para aí se remetendo as respostas educativas a muitos cidadãos, não obstante a sua falta de recursos en-quanto clientes.

Frequentemente, as dimensões edu-cativas de certos processos de formação, aprendizagem, qualificação ou aquisi-ção de competências, de acordo com a

lin guagem dominante, encontram-se ausen tes, ou diluídas, nos respectivos pro gramas. Consequentemente, a edu-cação, considerada na sua globalidade e inte gralidade, compreendendo não apenas saberes técnicos e instrumentais, com petências profissionais ou vocacio-nais, mas também dimensões culturais, sociais e políticas orientadas para a in-terpretação crítica do mundo com plexo em que vivemos, e para a par ti cipação cí-vica??? cidadã no pro cesso da sua trans-formação, surge sim ples mente secunda-rizada, quando não mesmo conotada com escolarização e burocratização.

A súbita descoberta, por responsáveis políticos e económicos, do potencial das aprendizagens não formais e infor-mais parece que originou uma alterna-tiva à educação de adultos e à educação popu lar, ou educação liberal de adultos, con soante as tradições. Como se, quer a educação, quer a aprendizagem, pudes-sem fazer tudo e resolver todos os nos-sos problemas.

Estamos, com efeito, a subordinar a aprendizagem e a educação ao lon go da vida a um pedagogismo de raiz eco-nómica e gerencial, baseados na crença ingénua de que, pela apren di zagem ao longo da vida de cada indivíduo mu-

NOTAS bREvES DE Um pARTICIpANTE

Estamos a subordinar a aprendizagem e a educação ao longo da vida a um pedagogismo de raiz económica e gerencial, baseados na crença ingénua de que, pela aprendizagem ao longo da vida de cada indivíduo mudaremos a sociedade e a economia, em sentidos pretensamente claros e estabelecidos de forma consensual.

C

Licínio LimaProfessor catedrático do Departamento de Sociologia da Educação e Administração Educacional, do Instituto de Educação e Psicologia da

Universidade do Minho, departamento que dirigiu durante vários anos. Actualmente é director do Curso de Mestrado em Educação e coordenador

da área de Especialização em Organizações Educativas e Administração Educacional. Director da Revista “Aprender ao Longo da Vida”

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e discursos extre mamente diversos, al-guns dos quais muito bem informados do ponto de vista teórico e respaldados por ricas experiências de terreno, em-bora tenha sido dominante a tendência para os discursos épicos, reproduzindo muitas vezes, e de modo superficial, os lugares-comuns conceptuais e termino-lógicos que hoje fazem fortuna à escala global, da União Europeia à OCDE, e de há muito afectando também, ainda que tal vez menos radicalmente, a própria UNESCO.

O ambiente revelou-se demasiado for mal e as sessões plenárias chegaram a inibir a participação dos próprios dele-ga dos governamentais. Estes, em mui-tos casos, intervieram para apresentar as suas políticas e para elogiar as suas medidas, não sendo raro um certo ufa-nismo, a contrastar com as críticas e a impaciência dos participantes inconfor-mistas. Trata-se, na verdade, de uma reu-nião mun dial de escala impressionante e os impac tos da divulgação e circulação das suas recomendações não podem ser desprezados. E, no entanto, fico com o sentimento de que a Conferência con-tém alguns elementos estruturais contra-ditórios relativamente a uma concepção dialógica, de debate e de argumentação

em, e sobre, aprendizagem e educação ao longo da vida.

Não se trata de um problema de organização, pois aí os colegas brasi-leiros foram inexcedíveis no sentido de criar boas condições de trabalho e de, especialmente, mobilizar o mundo da educação e a sociedade civil através de vários fóruns, bem como de tentar, de múltiplas formas, evidenciar que a educação é uma política cultural. Cria-tivamente, realizaram ainda várias ses-sões no âmbito do que designaram por “CONFINTEA Ampliada”, alargando a reflexão às universidades de Belém do Pará, por exemplo, através de um pai-nel, que despertou muito interesse, so-bre a situação da educação de adultos nos países de língua oficial portuguesa, em que intervim relativamente ao caso português.

As contradições a que me refiro prendem-se com o formato gigantesco, o protocolo e respectivas formalida-des, a ainda limitada possibilidade de inter venção dos representantes da so-ciedade civil face às autoridades gover-namentais, não obstante a retórica das parcerias, do papel das organizações da sociedade civil e do chamado “terceiro sector”. Mesmo a vertente mais acadé-

daremos a sociedade e a economia, em sentidos pretensamente claros e esta-belecidos de forma consensual. A cada problema social e económico a sua te-rapia, ou remédio, de aprendizagem, requalificação, ressocialização, como se fosse possível afrontar problemas estru-turais apenas, ou sobretudo, através de soluções biográficas, através da acção in-sular de sujeitos úteis, eficazes, altamen-te competitivos e sós.

No contexto do FISC, não obstante a sua diversidade, aquelas críticas foram partilhadas por muitos sectores que, na teoria e na prática, conhecem os impasses das lógicas de modernização tecnocrática e os insucessos das políticas e dos progra-mas realizados à margem da promoção do espírito crítico, da eman cipação e da transformação social. Ou seja, orienta-ções que recu sam, ou ignoram, o capital de teorias edu cativas e de metodologias de tra ba lho, de par ticipação e mobiliza-ção socio edu cativas, socialmente constru-ído ao longo do século XX, em diferentes geografias e per meado por uma grande diversidade cultural.

Na CONFINTEA VI (1-4 de Dezem-bro), onde participei a con vite da UNES-CO, na qualidade de repre sentante da sociedade civil, pude observar posições

e económico a sua terapia, ou remédio, de aprendizagem, requalificação, ressocialização, como se fosse possível afrontar problemas estruturais apenas, ou sobretudo, através de soluções biográficas, através da acção insular de sujeitos úteis, eficazes, altamente competitivos e sós.

A CADA PROBLEMA SOCIAL

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mica, com maior tradição e, de resto, indispensável numa realização deste ní-vel, encontra-se relativamente invisível e desvalorizada. Note-se que, não obstan-te a produção de um importante Relató-rio Global de Aprendizagem e Educação ao Longo da Vida (GRALE), preparado por conhe cidos académicos com base nos relatórios nacionais e regionais, onde se formulam críticas e recomenda-ções relevantes, tal documento não teve o acolhimento necessário em termos de divulgação e de debate, tal como con-cluiu Carlos Alberto Torres, um dos seus autores.

Para além do texto da Conferência, que ainda não está disponível no mo-mento em que escrevo estas linhas, e do documento intitulado “Belém Frame-work for Action”, talvez um dos resul-tados mais importantes seja o processo de reflexão, o ponto de situação, a mo-bilização crítica que são conseguidos antes e depois da Conferência, seja por governos, seja por associações e outros sectores da sociedade civil.

No que concerne ao documento refe-rido, a UNESCO continua, mui to positi-vamente, a insistir, embora pou co escuta-da por muitos gover nos, na necessidade

de: basear a apren di zagem e educação de adultos em valo res inclusivos, emancipa-tórios, huma nis tas e democráticos; desen-volver esfor ços sistemáticos no domínio da alfa betização; conceber e executar polí-ticas compreensivas e integradoras, não li-mitadas à agora designada educação e for-mação vocacional; garantir a par ti cipação da sociedade civil, não apenas em termos de parcerias e de prestações em nome do Estado, mas desde logo na definição das

políticas públicas, o que está muito longe de acontecer; aumentar substancialmente o financiamento para a educação, tenden-cialmente para cerca de 6% do Produto Nacional Bruto; expandir a oferta e a rede públicas e definir gru pos prioritários; au-mentar o acesso, a qualidade, as taxas de participação e as estruturas disponíveis a nível comunitário.

Quanto à mobilização propiciada pela Conferência, a situação vivida em

a que me refiro prendem-se com o formato gigantesco, o protocolo e respectivas formalidades, a ainda limitada possibilidade de intervenção dos representantes da sociedade civil face às autoridades governamentais.

AS CONTRADIçõES

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Portugal só pode ser considerada como francamente negativa, até mesmo num contexto em que o Programa Novas Oportunidades apresenta gran de visibili-dade pública e os discursos governativos atribuem grande centra li dade à lógica das qualificações dos portugueses. O go-verno nada fez de subs tancial, até mes-mo durante o pro cesso de produção do respectivo rela tório nacional que apre-sentou, sem divul gação e sem debate, de resto inci dindo sobre vectores de actua-ção relevantes, mas muito limi tados face a um conceito amplo, e a práticas que apesar de tudo continuam a ocorrer, de educação de adultos. Para encontrar uma visão global e integrada de educação de adultos e suas relações privilegiadas com a educação popular, liberal, comunitária, e a promoção da cidadania democrática, o leitor terá de ir ler relatórios de outros países, e não apenas do chamado “tercei-ro mundo”, mas por exemplo de França, de Espanha, ou da Suécia.

Quanto ao ensino superior, a situa-ção é a clássica, uma vez que não temos tradição, nem estruturas, nem políticas institucionais, mas apenas alguns do-centes e investigadores interessados e, quase sempre, isolados.

Finalmente, quanto à sociedade civil, houve o esboçar de algum interesse pon-tual, porém sem dinâmica e sem escala, confirmando que o papel de organiza-ções da sociedade civil, ou de movimen-tos sociais, intervindo em educação de adultos, nunca chegou a emergir de for-ma minimamente continuada e organi-zada em Portugal.

Pode ser que a recepção da Declara-ção de Belém encontre mais eco entre nós, a todos os níveis, no futuro pró-ximo, contribuindo para mobilizar os dife rentes actores em torno de políticas e práticas de aprendizagem e educação ao longo da vida, expressão que sai refor çada da CONFINTEA VI e que, pelo menos, tem a vantagem de retornar aos conceitos de educação e de formação de adultos, conceitos esses francamente desvalorizados ao longo da última dé-cada no âmbito de discursos e de orien-tações políticas nacionais e transnacio-nais, a favor das qualificações, compe-tências e habilidades economicamente valori zá veis. Mas, como se sabe, estas podem, no limite, não representar ne-cessariamente experiências educativas, bem pelo con trário. n

um dos resultados mais importantes seja o processo de reflexão, o ponto de situação, a mobilização crítica que são conseguidos antes e depois da Conferência, seja por governos, seja por associações e outros sectores da sociedade civil.

TALVEZ cONfINtEA VAlemanha, 1997

realizada em 1997, em Hamburgo (alemanha) num contexto de con-ti nuidade de outras conferências internacionais que vinham a acontecer na mesma década, realizou-se a v coNfiNtea. esta con fe rência consta na história da eja de maneira singular, por ter posto em marcha um intenso movimento de preparação mundial com certa antecedência. ela acontece a partir de um amplo processo de consultas preparatórias realizadas nas cinco grandes regiões mundiais consideradas pela uNesco, acrescidas da consulta colectiva às oNgs, de onde foram consolidados relatórios para a conferência internacional.sob o tema da aprendizagem de adultos como ferramenta, direito, prazer e responsabilidade, o evento contou com a participação de mais de 170 estados membros, 500 oNgs e cerca de 1.300 participantes. foi uma conferência onde a mobilização atravessou fronteiras temáticas e de acção: através da liderança do icae e alianças com governos progressivos, houve uma intensa mobilização de oNgs e do movimento de mulheres (repem e geo),mesmo que sem direito a voto.

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Preâmbulo

1Nós, os 156 Esta dos Membros da UNESCO, representantes das orga ni zações da socie da de ci-vil, dos parceiros sociais, das

agências das Nações Unidas, das agên-cias intergovernamentais e do sector privado, reunimo-nos em Belém do Pará, no Brasil, em Dezembro de 2009, como participantes da Sexta Con fe-rência Internacional de Educação de Adultos (CONFINTEA VI), para ava liar o progresso feito na educação e apren-dizagem de adultos desde a CON FINTEA V. A educação de adultos é reconhecida como um elemento essencial do direito à educação, e temos de traçar um novo e urgente plano de acção para permitir aos jovens e adultos o exercício deste direito.

2Reiteramos o papel fun da men-tal da educação e apren dizagem de adultos, con forme estabe-lecido durante as cinco Confe-

rências Internacionais de Educação de Adultos (CONFINTEA I-V), desde 1949, e comprometemo-nos unanimemente a fazer progredir, com um sentido de ur-gência e em passo acelerado, a agenda da educação e apren dizagem de adultos.

3Confirmamos a definição de educação de adultos que foi descrita pela primeira vez na Recomendação de Nairobi para o

Desenvolvimento da Educação de Adultos, de 1976, e posteriormente desenvolvida na Declaração de Hamburgo, de 1997, nomeadamente, a educação de adul-

tos denota “todo o corpo de pro ces sos decorrentes de processos de apren di za-gem, formais ou não, através dos quais as pessoas consideradas adultas pela sociedade à qual pertencem desen-volvem as suas capacidades, enriquecem o seu conhecimento e melhoram as suas qualificações técnicas ou profissionais, ou as voltam para uma nova direcção, para dar resposta às suas próprias necessidades ou às da sua sociedade”.

4 Afirmamos que a literacia é a mais significativa fundação sobre a qual se deve construir uma aprendizagem integral,

inclu siva e integrada, para todos os jovens e adultos. Dada a magnitude do desa fio global de literacia, consideramos vital que redobremos os esforços para assegurar que os objectivos e prioridades existentes para a literacia para adultos, como foram definidos pela Educação para Todos (EFA), a Década de Literacia das Nações Unidas (UNLD) e a Iniciativa de Literacia para Fortalecimento (LIFE), são atingidos, através de todos os meios disponíveis.

5A educação de jovens e adultos per mite aos indivíduos, espe -cial mente às mulheres, lidar com diferentes crises sociais,

económicas e políticas, e com as alterações climatéricas. Assim, reconhecemos o papel chave da educação e aprendizagem de adul tos no sucesso dos Objectivos para o Desenvolvimento do Milénio (MDGs), Educação para Todos (EFA) e da agenda das Nações Unidas para o desenvolvimento sustentável em termos

humanos, sociais, económicos, culturais e ambientais, incluindo a igualdade entre os sexos (CEDAW e a Plataforma para Acção de Pequim).

6Assim, adoptamos este Quadro de Acção de Belém para nos guiar no controlo do poder e potencial da educação e apren-

dizagem de adultos, para um futuro viável para todos.

Em direcção à Aprendizagem ao Longo da Vida

7O papel da Aprendizagem ao Longo da Vida é crítico na abordagem às questões e desa -fios educativos globais. A Apren -

dizagem ao Longo da Vida “do berço até à cova” é uma filosofia, um enquadramento conceptual e um prin cípio organizativo de todas as formas de educação, baseadas em valo res de inclusão, emancipação, huma ni dade e democracia; é abrangente e parte integrante da visão de uma socie dade baseada no conhecimento. Reafirmamos os quatro pilares da apren-dizagem, recomendados pela Comissão Internacional de Educação do Século XXI, nomeadamente aprender a saber, aprender a fazer, aprender a ser e apren-der a viver em comunidade.

8Reconhecemos que a educação e aprendizagem de adultos repre -senta uma componente signi-ficativa do processo de Apren-

diza gem ao Longo da Vida, que abraça

QUADRO DE ACÇÃO DE bELém

CONTROLANDO O pODER E O pOTENCIAL DA EDUCAÇÃO E ApRENDIzAgEm DE ADULTOS pARA Um FUTURO vIávEL

tradução: Daniela Silveira

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A N E X O

Declaração de ProvaAbordando questões e desafios globais e educativos

1. A educação e formação de adultos desempenham um papel crítico na resposta aos desafios culturais, económicos, políticos e sociais contem-

porâneos. O nosso mundo globalizado abriu caminho a muitas oportuni-dades, entre as quais a possibilidade de aprender com culturas ricas e diver-sas, que transcendem as fronteiras geográficas. No entanto, as desigualdades passaram a ser características dominantes da nossa era. Muita da população mundial vive na pobreza, com 43,5% a subsistir com menos de US $2 por dia. A maioria dos pobres do mundo vive em zonas rurais. Os desequilíbrios demográficos, com populações jovens florescentes no Sul e populações enve-lhecidas no Norte, são exacerbados por uma migração em grande escala, das zonas pobres para as zonas ricas – dentro e entre países – e fluxos de números significativos de pessoas deslocadas. Somos confrontados com o acesso de-sigual a alimentos, água e energia, e a degradação ecológica ameaça a nossa existência a longo prazo. Juntamente com a privação de materiais está a mui-to vista pobreza de capacidades, que impede um funcionamento eficaz da sociedade. Um número inaceitável de crianças encara a perspectiva de desem-prego na juventude, enquanto um número crescente de jovens “desligados” social, económica e politicamente sente que não tem papel na sociedade.

2. Enfrentamos mudanças estruturais na produção e nos mercados de trabalho, inseguranças e ansiedades crescentes na vida quotidiana, di-

ficuldades em conseguir uma compreensão mútua e, agora, uma profunda crise económica e financeira no mundo. Ao mesmo tempo, a globalização e a economia de conhecimento forçam-nos a actualizar e a adaptar as nossas capacidades e competências a novos ambientes de trabalho, formas de orga-nização social e canais de comunicação. Estas questões, e as nossas exigências urgentes de aprendizagem, colectivas e individuais, questionam os nossos dogmas e princípios nesta área e em alguns aspectos das fundações dos nos-sos sistemas e filosofias educativas estabelecidas.

3. Em muitos países, a literacia de adultos continua a ser um grande de-safio: 774 milhões de adultos (dois terços dos quais são mulheres) não

possuem capacidades básicas de literacia, e não existe uma provisão suficiente de programas de literacia efectiva e de conhecimentos para a vida. Na Europa, quase um terço da força de trabalho tem apenas o equivalente ao ensino bási-co, sendo que dois terços dos novos empregos exigem qualificações ao nível do ensino secundário ou superior. Em muitos países do Sul, a maioria da popu-lação nem sequer tem o nível de instrução do primeiro ciclo do ensino básico. Em 2006, cerca de 75 milhões de crianças (a maioria das quais eram meninas) tinham abandonado a escola muito cedo, ou nunca a tinham frequentado. Quase metade destas crianças era da áfrica subsaariana e mais de 80% era do meio rural. A falta de relevância social do currículo educativo, os números inadequados e, em alguns casos, a insuficiente formação dos educadores, a pobreza de materiais e métodos inovadores, e barreiras de todo o tipo minam a capacidade dos sistemas educativos existentes para fornecer uma aprendiza-gem de qualidade, que possa lidar com as disparidades nas nossas sociedades.

4. Houve esforços internacionais concertados para encarar estes desafios. O progresso tem sido feito no sentido de atingir os seis objectivos da

Educação para Todos (EFA) (2000) através de uma cooperação liderada pe-los governos com as agências das Nações Unidas, organizações da sociedade civil, fornecedores privados e mecenas. Foram disponibilizados recursos cres-centes para a Educação Primária Universal, através da Fast Track Initiative da

DOSSIER CONFINTEA VI

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uma continuidade de aprendizagem, que vai desde a educação formal à edu cação não formal e à educação informal.

A educação e aprendizagem de adul -tos servem as necessidades de apren-dizagem de jovens, adultos e idosos. A educação e aprendizagem de adultos cobre um largo espectro de conteúdos – temas gerais, questões vocacionais, literacia familiar e educação familiar, cidadania e muitas outras áreas – com prioridades que dependem de neces si-da des específicas de cada país.

9Estamos convictos e ins pi ra dos pelo papel crítico da apren-dizagem ao longo da vida, na resposta a questões e desafios

globais e educativos. É também nossa convicção que a educação e apren di-zagem de adultos deve equipar as pes-soas com o necessário conhecimento, capacidades, competências e valores para exercer e fazer progredir os seus direitos e controlar os seus destinos. A educação e aprendizagem de adultos é também um imperativo para o sucesso da equidade e da inclusão, para o alívio da pobreza e para a construção de socie-dades equi tativas, tolerantes, sustentá-veis e baseadas no conhecimento.

Recomendações

10Embora reconheçamos os nossos sucessos e progresso desde a CON-FIN TEA V, estamos cien-

tes dos desafios com os quais ainda nos confrontamos. Reconhecendo que o cumprimento do direito à educação

para adultos e jovens é condicionado por considerações políticas, de governa-ção, patrocínios, participação, inclusão, equidade e qualidade, como definidas no anexo Declaração de Evidência, esta mos determinados em perseguir as seguintes recomendações. Os desa fios particulares enfrentados pela lite ra cia levam-nos a trazer à discussão reco-mendações sobre literacia de adultos.

Literacia de adultos

11A literacia é um alicerce indispensável, que per-mi te aos jovens e adultos envolverem-se em opor-

tu nidades de aprendizagem em todas as fases da aprendizagem contínua. O di-reito à literacia é uma parte inerente do direito à educação. É um pré-requi sito para o desenvolvimento do potencial pessoal, social, económico e político. A literacia é um meio essencial para a construção das capacidades das pessoas para lidar com os desafios e complexida-des da vida, da cultura, da economia e da sociedade.

Dada a persistência e escala do desa-fio da literacia, e o desperdício con co-mitante de recursos e de potencial hu-manos, é imperativo que redobremos os esforços para reduzir, até 2015, a iliteracia em 50% em relação aos níveis de 2000 (Objectivo EFA 4 e outros com-promissos internacionais), com o objec-tivo final de prevenir e quebrar o ciclo de baixa literacia e de criação de um mun-do completamente alfabetizado.Para estes fins, comprometemo-nos a:a) Assegurar que todas as pesquisas e

recolha de dados reconhecem a lite-racia como um continuum.

b) Desenvolver um mapa com objectivos e prazos claros, para dar resposta a este desafio, baseado nas avaliações críticas dos progressos realizados, obs táculos encontrados e fraquezas identificadas;

c) Mobilizar e aumentar recursos e espe-cialidades internos e externos, para le-var a cabo programas de literacia com maior escala, alcance, cobertura e qualidade, para patrocinar pro cessos integrais e de meio-termo, para asse-gurar que os indivíduos obtêm uma literacia sustentável;

d) O desenvolvimento da provisão da literacia, que é relevante e adaptada às necessidades dos alunos, e que leva ao conhecimento funcional e sus tentável, às capacidades e com pe-tências dos participantes, dan do-lhes ânimo para continuar a apren der ao longo da vida, cujos sucessos são re-conhecidos através de métodos e ins-trumentos de avaliação apropriados;

e) Concentrar as acções de literacia nas mulheres e em populações com gran-des desvantagens, incluindo povos indí genas e prisioneiros, com um enfo que especial nas populações ru-rais;

f) Estabelecer indicadores e objectivos internacionais para a literacia;

g) Rever e reportar o progresso, de for ma sistemática, entre outros, no inves-timento e na adequação de recur sos na literacia em cada país e a nível global, incluindo uma secção espe-cial no Relatório Global de Moni-torização da EFA;

h) Planear e implementar a edu ca-

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AO LONGO DA VIDA 37

EFA. A Década de Literacia das Nações Unidas (UNLD) (2003-2012) fornece apoio para atingir o objectivo de literacia da EFA, através do apoio e toma-da de consciência internacional. A Iniciativa de Literacia para Fortalecimento (LIFE) fornece um enquadramento global dentro da UNLD para apoiar países com maiores necessidades em termos de literacia. Dois dos Objectivos para o Desenvolvimento do Milénio (2000) abordam explicitamente a educação: conseguindo a educação primária universal e paridade de sexos. No entanto, em nenhum destes esforços houve um papel específico para a educação e aprendizagem de adultos para além das capacidades básicas de literacia e de vida. De forma encorajadora, a Década de Educação para o Desenvolvimento Sustentável (2005-2014) estabelece um largo mandato no qual a educação e aprendizagem de adultos podem desempenhar um papel altamente visível.

5. A educação e aprendizagem de adultos é uma resposta crítica e necessária aos desafios com que nos confrontamos. É um componente chave de um

sistema de educação e aprendizagem ao longo da vida holístico e abrangente, que integra a educação formal, não-formal e informal, e que aborda, explícita ou implicitamente, os alunos jovens e adultos. Afinal, a educação e aprendiza-gem de adultos tratam de providenciar contextos e processos de aprendizagem que sejam interessantes e que respondam às necessidades dos adultos como cidadãos activos. Tratam de desenvolver indivíduos auto-confiantes e autó-nomos, que constroem e reconstroem as suas vidas em culturas, sociedades e economias complexas e em rápida mudança – no emprego, na família e na co-munidade e vida social. A necessidade de avançar para diferentes tipos de em-prego no decurso da vida, a adaptação a novos contextos em situações de des-locação ou migração, a importância de iniciativas empresariais e a capacidade de sustentar melhorias na qualidade de vida – estas e outras circunstâncias socioeconómicas pedem uma educação continuada ao longo da vida. A edu-cação e aprendizagem de adultos não só oferecem competências específicas, mas são também um factor chave no sentido de melhorar a auto-confiança, a auto-estima e uma sensação de identidade e apoio mútuo.

6. Estima-se hoje que, por cada ano que o nível médio de educação da população adulta sobe, há um aumento correspondente de 3,7% no

crescimento económico a longo prazo e um aumento de 6% no rendimento per capita. Ainda assim, a educação e aprendizagem de adultos é muito mais do que um item para gastos sociais ou despesas financeiras. É um investimen-to na esperança do futuro.

Progresso na educação e aprendizagem de adultos desde a CONFINTEA V

7. Os relatórios nacionais submetidos por 154 Estados Membros, em pre-paração para a CONFINTEA VI e em discussão sobre práticas eficazes

durante as conferências preparatórias regionais, mostraram algum progresso e inovação na educação e aprendizagem de adultos, dentro de uma perspecti-va de aprendizagem ao longo da vida. Exceptuando o exemplo da Estratégia de Aprendizagem ao Longo da Vida da União Europeia, introduzido no ano 2000, e políticas nacionais relacionadas nos Estados Membros, alguns Esta-dos Membros do Sul introduziram políticas e legislação abrangente sobre educação e aprendizagem de adultos, e alguns até contemplaram a educação e aprendizagem de adultos nas suas constituições. Abordagens sistemáticas à educação e aprendizagem de adultos, orientadas por enquadramentos po-líticos, estão a ser desenvolvidas, e houve casos de reformas políticas sem precedentes.

8. Os planos, programas e campanhas de literacia foram reactivados e ace-lerados em alguns Estados Membros. O período 2000-2006 assistiu a

um aumento das taxas globais de literacia, de 76% para 84%. O progresso foi especialmente marcado nos países em desenvolvimento. Alguns gover-nos procuraram activamente trabalhar com a sociedade civil para fornecer

ção contínua, formação e desen vol-vimento de capacidades, para além das capacidades básicas de literacia, apoiadas por um ambiente literário enriquecido.

Política

12As políticas e medidas legislativas para a edu-ca ção de adultos têm de ser abrangentes,

inclu sivas e integradas numa perspectiva de aprendizagem ao longo e ao largo da vida, baseadas em abordagens inter- e trans-sectorais, que cobrem e ligam to-dos os componentes da aprendizagem e da educação.Com este fim, comprometemo-nos a:a) Desenvolver e implementar políticas

sub sidiadas, planos objectivos e legis-lação para abordar a literacia de adul-tos, a educação para jovens e adultos e a aprendizagem ao longo da vida;

b) Desenhar planos de acção específi-cos e concretos para a aprendizagem e educação de adultos, que são inte-gra dos nos MDG, EFA e UNLD, assim como outros planos de desen vol vi-men to, nacionais e regionais, e com acti vidades da LIFE, onde estas exis-tam;

c) Assegurar que a educação e apren di-zagem de adultos são incluídas na iniciativa “ONE United Nations”;

d) Estabelecer mecanismos de coorde-nação apropriados, tais como comités de monitorização, envolvendo todos os participantes activos na educação e aprendizagem de adultos.

e) Desenvolver ou melhorar estruturas

DOSSIER CONFINTEA VI

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e mecanismos para reconhecimento, validação e certificação de todas as formas de aprendizagem, estabe le-cendo molduras de equivalências.

Governação

13Uma boa gover na-ção facilita a imple-mentação da política de educação e apren-

di zagem de adul tos de forma eficaz, transparente, res ponsável e justa. A repre sentação e par ticipação de todos os intervenientes é indispensável para garantir a resposta às necessidades de todos os alunos, em especial os mais desfavorecidos.Com este fim, comprometemo-nos a:a) Criar e manter mecanismos para o

envolvimento de autoridades públi-cas em todos os níveis administrati-vos, nas organizações da sociedade civil, parceiros sociais, sector privado, orga nizações comunitárias e de alu -nos e edu cadores adultos, em desen -volvimento, implementação e ava-lia ção das políticas e programas da educação e formação de adultos.

b) Adoptar medidas de construção de capa cidades que apoiem o envol vi -mento construtivo e infor mado das orga nizações da sociedade civil, das orga nizações comunitárias e de alu-nos adultos, como apropriadas, no desen volvimento, implementação e ava liação das políticas e dos pro gra-mas.

c) Promover e apoiar a cooperação in-ter-sectorial e inter-ministérios.

d) Apoiar a cooperação transnacional

através de projectos e redes para parti lha de saberes e de práticas ino-vadoras.

Patrocínios

14A educação e apren di -zagem de adultos repre-s enta um inves ti mento valioso, que traz be-

nefícios sociais, ao criar sociedades mais democráticas, pacíficas, inclusivas, produ-tivas, saudáveis e sustentáveis. Um investi-mento financeiro significativo é essen cial para assegurar a provisão de qua lidade da educação e aprendizagem de adultos.Com este fim, comprometemo-nos a:a) Acelerar o progresso em direcção ao

sucesso da recomendação da CON-FINTEA V, para procurar um investi-mento de pelo menos 6% do PIB na educação, e trabalhar para o aumento do investimento na edu ca ção e apren-dizagem de adultos;

b) Expandir os recursos e orçamentos educativos existentes através de todos os departamentos governamentais, para ir ao encontro dos objectivos de uma estratégia integrada de educação e aprendizagem de adultos;

c) Considerar novos, e aumentar os já existentes, programas transnacionais de fundos para a literacia e a educação de adultos, nas linhas das acções do Programa de Aprendizagem ao Longo da Vida da UE.

d) Criar incentivos para a promoção de novas fontes de fundos, por exem-plo, do sector privado, ONGs, comu-nidades e indivíduos, sem pre ju dicar os princípios da equidade e da inclusão;

e) Dar prioridade ao investimento na aprendizagem ao longo da vida a mulheres, populações rurais e pes-soas com deficiência.

Para apoiar estas estratégias, pedimos aos parceiros internacionais de desen-volvimento que:f) Cumpram o seu compromisso de

preencher os vazios orçamentais que impedem o sucesso dos objectivos da EFA, especialmente os objectivos 3 e 4 (aprendizagem de jovens e adultos, literacia de adultos);

g) Aumentem os fundos e o apoio técnico para a literacia, aprendizagem e educação de adultos e explorem a praticabilidade de usar mecanismos alternativos de financiamento, tais como alteração ou perdão de dívidas;

h) Exijam que os planos do sector educativo, submetidos à Fast Track Initiative (FTI) incluam acções credíveis e investimento na literacia de adultos.

Participação, inclusão e equidade

15A educação inclusiva é fundamental para o sucesso do desen vol-vimento humano, so-

cial e económico. Equipar todos os indi-víduos para desenvolver o seu potencial contribui de forma signi fi cativa para os encorajar a viver em comunidade, em harmonia e com dignidade. Não pode haver exclusão baseada na idade, sexo, etnia, estatuto de imigrante, língua, reli-gião, deficiência, ruralidade, identidade

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ou orientação sexual, pobreza, desloca-ção ou privação de liberdade. Combater os efeitos cumu lativos de desvantagens múltiplas é de especial importância. De-vem ser tomadas medidas para aumen-tar a motivação e o acesso para todos.Com estes fins, comprometemo-nos a:a) Promover e facilitar um acesso e par-

ticipação mais equitativos na apren-dizagem e educação de adul tos, pro movendo uma cultura de apren-di za gem e eliminando as barreiras à participação;

b) Promover e apoiar um acesso e par-ticipação mais equitativos na edu-cação e aprendizagem de adul tos, através de uma orientação objectiva e bem definida, bem como de activida-des e programas como a Semana do Aluno Adulto e festivais de aprendi-zagem;

c) Antecipar e responder a grupos iden-tificáveis que entram na trajectória de múltiplas desvantagens, em especial no início da idade adulta;

d) Criar espaços e centros comunitários de aprendizagem e melhorar o aces so e a participação no leque com pleto de programas de educação e aprendiza-gem de adultos para mulhe res, regis-tando as exigências parti culares de um percurso de vida no feminino;

e) Apoiar o desenvolvimento da escrita e da literacia nas várias línguas indí-genas, desenvolvendo programas, métodos e materiais relevantes, que reconheçam e valorizem as culturas, conhecimentos e metodologias indí -genas, ao mesmo tempo que desen -volvem de forma adequada o ensi no da segunda língua, de maior comu-nicação;

oportunidades de aprendizagem não-formal em abordagens como faire­faire, com um amplo leque de conteúdos, objectivos e grupos alvo. A abrangência da educação não-formal diversificou-se, cobrindo tópicos como os direitos humanos, cidadania, democracia, fortalecimento das mulheres, prevenção da SIDA, saúde, protecção ambiental e desenvolvimento sustentável. Eventos informativos tais como as Semanas dos Alunos Adultos e festivais de aprendi-zagem, bem como movimentos abrangentes, tais como as Cidades de Apren-dizagem e as Regiões de Aprendizagem, contribuem substancialmente para a educação e aprendizagem de adultos.

9. Houve sinais convincentes e um aumento do reconhecimento, entre os Estados Membros, dos benefícios de uma provisão consciente de género

na educação e aprendizagem de adultos, especialmente no que diz respeito às mulheres. As tecnologias de informação e comunicação e a aprendizagem aberta e à distância estão a ser adoptadas e estão a responder lentamente às necessidades específicas dos alunos que, até há pouco tempo, tinham sido excluídos. A aprendizagem da língua materna está a ser abordada, de forma crescente, nas políticas nacionais em contextos multilingues e multiculturais, embora poucos tenham implementado políticas abrangentes.

10. Foram introduzidos sistemas de informação, documentação, moni-torização e avaliação da educação e aprendizagem de adultos. Estão a

ser criados, gradualmente, instrumentos e sistemas eficazes de reconhecimen-to, validação e acreditação da aprendizagem, incluindo corpos de controlo de qualidade e de procedimentos. Está provado que criar sinergias entre a educação e a aprendizagem formal, não-formal e informal obtém melhores resultados, para os alunos individuais e sistemas de educação, conforme os recursos e competências existentes são usados de forma mais eficaz.

11. A educação de adultos floresce quando os estados implementam iniciativas decisivas em aliança com instituições chave da sociedade

civil, o sector empresarial e associações de trabalhadores. As parcerias públi-co-privado estão a ganhar força, e a cooperação Sul-Sul e triangular está a dar resultados tangíveis na criação de uma nova forma de aprendizagem de adultos para um desenvolvimento, paz e democracia sustentáveis. Os corpos e agências regionais e supranacionais têm papéis cruciais e transformadores, influenciando e complementando os estados.

Desafios para a educação e aprendizagem de adultos

12. Apesar deste progresso, os relatórios nacionais e o Relatório Global de Educação e Aprendizagem de Adultos (GRALE) produzido para a

CONFINTEA VI mostram novos desafios sociais e educativos que emergiram juntamente com problemas existentes, alguns dos quais se agravaram no in-terregno, a nível regional, nacional e global. De forma crucial, a expectativa de que reconstruíssemos e reforçássemos a educação e aprendizagem de adul-tos, na sequência da CONFINTEA V, não se concretizou.

13. O papel e o lugar da educação e aprendizagem de adultos na apren-dizagem ao longo da vida continuam a ser minimizados. Ao mesmo

tempo, os domínios da política, fora da educação, não conseguiram reconhe-cer e integrar as contribuições distintivas que a educação e aprendizagem de adultos podem oferecer para um maior desenvolvimento económico, social e humano. O campo da educação e aprendizagem de adultos continua frag-mentado. Os esforços de apoio dissipam-se num sem número de frentes, e a credibilidade política dilui-se precisamente porque a natureza díspare da educação e aprendizagem de adultos impede uma identificação próxima com uma arena de políticas sociais específica. A frequente ausência da educação de adultos das agendas das agências governamentais vai ao encontro da parca cooperação inter-ministerial, de fracas estruturas organizacionais e de liga-ções pobres entre a educação (formal e não-formal) e outros sectores. No

DOSSIER CONFINTEA VI

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f) Apoiar financeiramente um enfoque sistemático em grupos desfavoreci-dos (por exemplo, povos indígenas, imi grantes, pessoas com necessida-des especiais e pessoas que vivem em zonas rurais) em todas as políticas e abordagens educativas, que podem incluir programas livres de encargos ou subsidiados pelos governos, com incentivos para a aprendizagem tais como bolsas de estudo, perdão de propinas e licenças sabáticas pagas;

g) Fornecer educação de adultos nas pri-sões, em todos os níveis apro priados;

h) Adoptar uma abordagem holística e integrada, incluindo um mecanismo de identificação dos intervenientes e das responsabilidades do estado na parceria com as organizações da socie dade civil, os intervenientes do mercado de trabalho, alunos e edu -cadores;

i) Desenvolver respostas educativas efi-cazes para imigrantes e refugiados, como ponto-chave para um trabalho de desenvolvimento.

Qualidade

16A qualidade na edu-caç ão e apren diza gem é um conceito e uma prática holís ti ca e mul-

tidimensional que exige uma aten ção constante e um desenvolvimento contí-nuo. Patrocinar uma cultura de qualidade na educação de adultos requer um conte-údo e modos de transmissão relevantes, uma avaliação centrada nas necessidades do aluno, a aquisição de múltiplas com-petências e conhecimentos, o profissiona-

lismo dos educadores, o enriquecimento dos ambientes de apren dizagem e o forta-lecimento de indivíduos e comunidades.Com estes fins, comprometemo-nos a:a) Desenvolver critérios de qualida-

de para os currículos, materiais de apren dizagem e metodologias de en-sino nos programas de educação de adultos, registando os resultados e medidas de impacto;

b) Reconhecer a diversidade e plu ra-lidade de fornecedores;

c) Melhorar a formação, construção de capacidades, condições de empre go e a profissionalização dos educa dores de adultos, por exemplo através do estabelecimento de par ce rias com instituições de ensino supe rior, asso-ciações de professores e organizações da sociedade civil;

d) Elaborar critérios para avaliação dos resultados da aprendizagem de adul-tos em vários níveis;

e) Pôr em prática indicadores precisos de qualidade;

f) Prestar maior apoio à investigação interdisciplinar sistemática na edu ca-ção e aprendizagem de adultos, com-plementada com sistemas de gestão de conhecimentos para a recolha, aná lise e disseminação de dados e boas práticas.

Monitorizar a implementação do Quadro de acção de Belém

17Retirando forças da nos sa vontade colec-ti va para revigorar a edu cação e apren di za-

gem de adultos, nacional e inter na cio-nal mente, comprometemo-nos com as seguintes medidas de res pon sa bilização e monitorização. Reco nhe cemos a ne-ces sidade de dados qua li tativos e quan -titativos válidos e confiá veis para infor-mar os legisladores de educação e apren-dizagem de adultos. Trabalhar com os nossos parceiros para criar e imple-mentar mecanismos de registo regu lar a nível nacional e internacional é impres-cindível na rea li zação do Quadro de Ac-ção de Belém.

Para estes fins, comprometemo-nos a:a) Investir num processo de desen vol-

vimento de um conjunto de indi-cadores comparáveis de dados para a literacia, como um contínuo e para a educação de adultos;

b) Recolher e analisar regularmente os dados e informações sobre parti ci-pação e progressão de programas de educação de adultos, desagregados por sexo e outros factores, para ava-liar a mudança com os tempos e par-tilhar boas práticas;

c) Estabelecer um mecanismo regu-lar de monitorização para avaliar a imple mentação dos compromissos da CONFINTEA VI;

d) Recomendar a preparação de um rela tório de progresso, trienal, para ser submetido à UNESCO;

e) Iniciar mecanismos regionais de moni-torização com avaliações e indi cadores;

f) Produzir um relatório nacional de progresso para uma Revisão de Meio Termo da CONFINTEA VI, que coinci-da com a EFA e o MDG de 2015;

g) Apoiar a cooperação Sul-Sul para o acompanhamento do MDG e da EFA

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que diz respeito ao reconhecimento e acreditação da aprendizagem, os me-canismos nacionais e os esforços internacionais dão uma ênfase indevida a capacidades e competências formalmente acreditadas, raramente incluindo a aprendizagem não-formal, informal e experiencial. O fosso entre a política e a implementação aumenta quando o desenvolvimento de políticas é levado a cabo isoladamente, sem participação ou opiniões externas (do campo e de instituições de ensino superior) e de outras organizações de educadores de jovens e de adultos.

14. Não foi estabelecido um planeamento financeiro suficientemente alargado ou financeiramente adequado para permitir à educação e

aprendizagem de adultos fazer contribuições significativas para o nosso futuro. Além disso, a tendência corrente e crescente de descentralização na tomada de decisões nem sempre tem paralelo em distribuições financeiras adequadas a todos os níveis, ou por uma delegação apropriada com autoridade orçamental. A educação e aprendizagem de adultos não figura grandemente nas estraté-gias de ajuda de mecenas internacionais e não foi sujeita a esforços actuais de coordenação e harmonização de doadores. Até agora, o perdão da dívida não beneficiou de forma marcada a educação e aprendizagem de adultos.

15. Embora presenciemos uma variedade crescente de programas de educação e aprendizagem de adultos, o foco primário de tal pro-

visão está agora na educação e formação vocacional e profissional. Estão em falta abordagens mais integradas à educação e aprendizagem de adultos para lidar com o desenvolvimento, em todos os seus aspectos (económico, sus-tentável, comunitário e pessoal). Iniciativas mainstream nem sempre levaram a programas mais relevantes para uma maior participação das mulheres. De forma semelhante, os programas de educação e aprendizagem de adultos ra-ramente dão resposta a povos indígenas, populações rurais e migrantes. A diversidade de alunos, em termos de idade, sexo, background cultural, estatuto económico, necessidades específicas – incluindo deficiência – e língua, não se reflecte nos conteúdos e práticas programáticas. Poucos países têm políticas multilingues consistentes, que promovam a língua materna, mas isso é mui-tas vezes crucial para a criação de um ambiente de literacia, especialmente para as línguas indígenas e/ou de minorias.

16. A educação e aprendizagem de adultos, quando muito referida ape-nas em traços muito gerais, surge poucas vezes em muitas agendas e

recomendações internacionais de educação, e é muitas vezes vista como um sinónimo de aquisição básica de literacia. No entanto, a literacia tem, indis-cutivelmente, uma enorme importância, e o imenso e persistente espectro do desafio da literacia representa uma denúncia da adopção desadequada das medidas e iniciativas lançadas em anos recentes. As consistentemente eleva-das taxas de iliteracia, colocam a questão sobre se se terá feito o suficiente, em termos políticos e financeiros, pelos governos e agências internacionais.

17. A falta de profissionalização e de oportunidades de formação para educadores tem tido um impacto negativo na qualidade da provisão

da educação e aprendizagem de adultos, tal como a fraca qualidade do am-biente de aprendizagem, em termos de equipamento, materiais e currículos. Só raramente é que a avaliação e investigação de necessidades são conduzidas de forma sistemática no processo de planeamento, para determinar os conte-údos, pedagogia, modo de transmissão e infra-estrutura de apoio adequada. Os mecanismos de monitorização, avaliação e feedback não são uma caracte-rística consistente no horizonte de qualidade da educação e aprendizagem de adultos. Onde existem, os seus níveis de sofisticação estão sujeitos à tensão de equilibrar qualidade com quantidade de provisão.

18. Esta Declaração de Prova fornece o argumento de apoio para as recomendações e estratégias acima delineadas no Quadro de Acção

de Belém. n

nas áreas da literacia de adultos, edu-cação de adultos e aprendizagem ao longo da vida;

h) Monitorizar a colaboração na edu-cação de adultos através das dis ci-plinas e dos sectores, tais como agri-cultura, saúde e emprego.

Para apoiar o acompanhamento e moni-torização a nível internacional, pedimos à UNESCO e às suas estruturas:i) Que providencie apoio aos Estados

Membros, desenhando e criando um sistema de livre acesso de gestão de conhecimentos para compilar da-dos e estudos de caso de boas práti-cas, para o qual os próprios Estados Mem bros irão contribuir;

j) Que desenvolva linhas de orientação sobre todos os resultados de apren-di zagem, incluindo os adquiridos através da aprendizagem não-formal e informal, para que possam ser reco-nhecidos e validados;

k) Que coordene, através do Instituto da UNESCO para a Aprendizagem ao Longo da Vida, em parceria com o Instituto de Estatística da UNES-CO, um processo de monitorização a nível global, para avaliar e informar periodicamente o progresso na edu-cação e formação de adultos;

l) Que produza, nesta base, o Rela tório Global sobre Educação e Apren dizagem de Adultos (GRALE), a intervalos regu-lares;

m) Que reveja e actualize, até 2012, a Re­comendação de Nairobi sobre o Desen­vol vimento da Educação de Adultos (1976). n

DOSSIER CONFINTEA VI

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O FISC,UmA pLATAFORmA DE LANÇAmENTOO Fórum Internacional da Sociedade Civil (FISC) foi um encontro de carácter mundial, que se realizou em Belém do Pará, Brasil, nos dias 28, 29 e 30 de Novembro de 2009.

s seus objectivos eram: A) pre pa rar a par ti ci pação da socie dade civil na Conferência Inter-nacional de Edu-cação de Adultos

(CONFINTEA VI); B) articular os dife-rentes movimentos, redes e organiza-ções da sociedade civil de diversos paí-ses para aprofundar a refle xão, o debate democrático de ideias, a formulação de propostas, o inter câmbio livre de expe- riências e a arti cu lação para obter acções eficazes na inci dência de políticas públi-cas que for taleçam o exercício do direito à edu cação ao longo da vida.

A CONFINTEA é a mais importante conferência internacional no campo da edu cação de pessoas jovens e adultas (EPJA). É coordenada pelo Instituto da UNES CO para a Educação ao Longo da Vida e tem lugar a cada 12 anos. A sexta edi ção teve lugar em Belém, entre os dias 1 e 4 de Dezembro. Foi a primeira

vez que a Conferência se realizou num país do Sul.

As “CONFINTEAS” reúnem os Esta-dos-membros da UNESCO, que estão repre sentados pelos Ministérios da Edu -cação, e procura obter directivas inter-nacionais para as políticas educa tivas no campo da EPJA.

A sociedade civil organizada procura incidir sobre as diferentes etapas des te processo, com vista a influir no docu-mento final e nos compromissos assu-mi dos pelos governos.

É neste sentido que o FISC surge como espaço de encontro, plural, não con fessional, não governamental e não par tidário, aberto à diversidade de iden-tidades e temas presentes nas prá ticas da EPJA, que advoga o respeito pelos Direitos Humanos, a prática de uma demo cracia participativa e um mode lo de desenvolvimento que seja sus ten tá-vel em relação aos recursos naturais e à preservação da diversidade, por rela ções igualitárias, solidárias e pací fi cas entre

pessoas, etnias, géneros e povos, con de-nando todas as formas de domi nação, assim como a sujeição de um ser humano por outro.1

É necessário que as Organizações da Sociedade Civil gerem amplas alian ças. Se aprendemos com as redes, movi-mentos e outras organizações da socie-dade civil, desde a década social das conferências das Nações Unidas, nos anos 90, que um bom documento é muito importante para o trabalho de influência nas políticas públicas, tam-bém aprendemos que o processo pre-pa ratório destas conferências é uma boa motivação para fortalecer e intensificar as organizações da sociedade civil.

É nesse sentido que o processo preparatório da CONFINTEA VI foi um exce lente pretexto para promover uma movimentação das organizações que trabalham pelo direito a uma educação ao longo de toda a vida.

Podemos organizar este processo em três fases sucessivas e inter-relacionadas:

O

Celita EccherSecretária-Geral do Conselho Internacional de Educação de Adultos (ICAE), uma ONG

internacional que representa mais de 700 associações dedicadas à literacia, educação de adultos e

aprendizagem ao longo da vida.

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AO LONGO DA VIDA 43

1. A fase preparatória do FISC, na qual se realizou um Seminário Virtual com participação aberta de todas as regiões do mundo, que teve o seu ponto alto num seminário presencial em Leicester, em Maio de 2008.

Neste seminário participaram, para além do ICAE, a Campanha Lati no-ame-ricana pelo Direito à Edu ca ção, Action Aid, o Gabinete de Género e Educação do ICAE, peritos especialmente convi-dados, e a Pla ta forma Africana.

Ali deu-se prioridade às principais áreas de influência e elaborou-se um pri meiro documento de dis cus são, para ser subme-tido a debate com todas as redes e orga-nizações que assim o desejassem, funda-men talmente através da ordem de tra ba-lhos: (CONFINTEA) espe cial mente cria da para debater e pro mover a par ticipação a todos os níveis, assim como bole tins elec-tró nicos e websites das diversas organiza-ções promotoras, ao que se jun tou o we-bsite do FISC, o blog, Facebook e Twitter, no momento da sua realização.

A plataforma africana2 é, sem dúvi da, um dos sucessos visíveis deste pro cesso: depois de mais de uma década, áfrica pôde acordar um tra ba lho conjunto das suas redes com a criação desta Plata-for ma, utilizando os espaços gerados pelos seminários regionais africanos, organizados pelo ICAE no processo pre-pa ratório da CONFINTEA.

Também, e como outro exemplo, a partir desses seminários presenciais cria-

ram-se redes nacionais que per mi tiram avançar na sensibilização dos governos e da sociedade civil em diversos países, em várias regiões e, sobretudo, fortalecer a socie dade civil, na sua luta pelo direi to à educação. Em outras regiões, as asso-ciações realizaram diversas acti vi dades e apresentaram também as suas tomadas de posição.

Como resultados da organização da CON FINTEA, formaram-se três comis-sões:3

Uma de nível internacional, outra re-gional, formada por redes, movi mentos e ONGs da América Latina e do Brasil, e outra local, em Belém.

Isto permitiu a inter-relação dos di-ver sos níveis de participação.

A segunda fase foi composta por duas partes:

2.1 O FISC propriamente dito, que per mitiu a participação de uma ampla representação mundial de diversos actores da educação e de movimentos sociais.

Procurou-se que fossem abordados no FISC os temas mais importantes que são hoje uma preocupação do EPJA, num esforço de pôr em prá tica a inter-seccionalidade e res sal tar as múltiplas esferas onde a educação tem um papel importante, através de painéis com espe-cialistas convidados.4

O segundo dia foi dedicado a acti vi-dades de auto-gestão, nas quais assegu-rámos a inclusão de outras propostas e a

diversidade de visões sobre as temáticas, uma vez que foram os próprios partici-pantes a decidir qual a actividade a apre-sentar, nos diversos ateliers.

Este evento anterior à CONFINTEA permitiu não só conhecer, partilhar e reconhecermo-nos como actores que trabalham pelo direito à educação, mas também uma coordenação assegurada na conferência, com um documento emanado da sociedade civil, a partir dos contributos de vários grupos (de mulheres, regio nais, temáticos) que se consolidou no grupo da sociedade civil.5

2.2 Na conferência propriamente dita, esta preparação permitiu muitas coisas:

A principal foi o ganho político: a sociedade civil esteve presente, aliada e com força, pressionando a cada mo-mento que considerou necessário, por exemplo, fazendo advocacia com o do-cumento, que foi referendado por mui-tos países num todo, e por muitos ou-tros com algumas modificações, como emenda ao documento original, ou exi-gindo respeito pelos procedimentos do Comité de Redacção.

Foi uma aprendizagem de como é possível ter uma presença efectiva e uma acção coerente e consistente na socieda-de civil, na conferência.

Não menos importante, a mobi li za-ção e o entusiasmo do FISC transmitiu-se à CONFINTEA, e deu-lhe um impulso para ser um espaço onde ocorrem certos

destas conferências é uma boa motivação para fortalecer e intensificar as organizações da sociedade civil.

O PROCESSO PREPARATóRIO

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debates que não teriam acontecido sem a presença da sociedade civil, concreta-mente no debate do Quadro de Acção de Belém.

Este processo levou-nos a essa pla ta-forma imaginária de lan ça mento, para fortalecer um movimento de defesa do direito humano à educação em todas as idades e em todo o mundo.

Hoje, preparámos um caminho e te-mos uma oportunidade de cultivá-lo e alargá-lo. Temos a oportunidade de con-tinuar a estabelecer alianças com os mo-vimentos sociais, de ter uma presença mais importante em algumas temáticas, como as alterações climatéricas e outras, que têm a ver com a sobrevivência da humanidade no planeta.

Já está aberto o processo de con ti-nuidade através da comissão do Grupo da Sociedade Civil, que criou um grupo de trabalho com o objectivo de proces-sar a enorme e rica produção de material que se deu durante o processo, através dos seminários virtuais, da ordem de trabalhos da CONFINTEA e durante a própria conferência. n

e o entusiasmo do FISC transmitiu-se à CONFINTEA, e deu-lhe um impulso para ser um espaço onde ocorrem certos debates que não teriam acontecido sem a presença da sociedade civil.

A MOBILIZAçãO

1 Ver Carta de Princípios: http://www.fisc2009.org/index.php?option=com_content&view=article&id=29&Itemid=8 2 Mais informação: http://www.africacsplateforme.org / 3 Mais informação: http://www.fisc2009.org/esp/index.php?option=com_content&view=article&id=13&Itemid=124 Ver PROGRAMA: http://www.icae2.org/files/portugues.pdf5 Ver Documento da Sociedade Civil: http://www.fisc2009.org/images/CS_Advocacy_Paper_FINAL_DRAFT_16_Sept_POR.pdf

LINKS

Pagina web FISC: www.fisc2009.orgBLOG FISC: http://www.fisc2009.wordpress.com Pagina web ICAE: www.icae.org.uy DA RETÓRICA À AÇÃO COERENTE Documento com as contribuições da sociedade civil ao Quadro de Acção de Belém, apresentado no dia 1° de dezembro de 2009. http://fisc2009.wordpress.com/2009/12/02/sociedade-civil-apresenta-propostas-para-a-declaracao-de-belem/

Reacções finais do caucus da sociedade civil. Documento apresentado no dia 4 de Dezembro de 2009.http://fisc2009.wordpress.com/2009/12/07/sociedade-civil-apresenta-suas-consideracoes-finais-sobre-a-confintea-vi/

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ARTIGO

ao reatar os laços teórico-analíticos com a tradição crítica da educação de adultos encontramos as bases para reinventar uma praxis que possibilite esgravatar um pouco mais fundo os contextos educacionais.

INVEstIGAr E AGIr PArA DEsAfIAr O cArÁctEr INstrumENtAL DA

NOVA EfAPistas Para reanimar a educação de adultos como Pedagogia de oPosiçãotexto de Rosanna Barros, universidade do algarve # ilustração Luis Miguel Castro

Aconsideração de um modo alternativo de re-flexão global na investigação sobre educação de adultos, que valorize o seu legado crítico e radical e a sua divulgação na academia e fora dela implica já, por si só, um desafio, na medida em que estamos num momento em

que há uma inflação de novos discursos tecnicistas, maioritari-amente elaborados em torno de um entendimento instrumental dos conceitos de aprendizagem e de competências, que pos-suem um grande potencial para encobrir e ocultar do debate público as estratégias contidas nas agendas políticas sobre educação (barros, 2009). ao reatar os laços teórico-analíticos com a tradição crítica da educação de adultos encontramos as bases para reinventar uma praxis que possibilite esgravatar um pouco mais fundo os contextos educacionais e pensar um pouco mais criticamente a realidade social, partindo do legado dos pedagogos críticos e radicais, de onde sobressai a filosofia político-pedagógica de paulo freire. trata-se sobretudo de pro-curar construir para a época actual uma ontologia e uma episte-mologia educacional que retome a politização dos conceitos e a dignidade universal e ética da condição humana.

uma ontologia radical que significa indagar acerca do signi-ficado de ser-se um ser humano e humanizado no âmbito dos limites actuais criados pelo capitalismo neoliberal, uma refle-xão crítica de base, fundamental para compreender que, sendo a história uma construção social, há sempre alternativas para as ‘situações limite’ de opressão, e tal como enfatizam allman e Wallis mesmo com as mais fortes limitações “um potencial

para nos tornarmos mais humanos pode ser alcançado – um potencial que podia ser entendido e desenvolvido por toda a humanidade se quiséssemos transformar as actuais relações sociais, criando outras novas” (allman e Wallis, 1997: 20). colo-cada desta forma, uma ontologia radical de inspiração freiriana é tanto crítica como esperançosa porque exige que se analise o ‘estar sendo menos’, presentemente, com os critérios e pres-supostos derivados de uma visão humanista, democrática e socialmente justa do que pode vir a significar ‘ser-se mais’, no futuro.

uma epistemologia educacional de cariz radical pressupõe, por seu turno, que se aprofunde a crítica ao modo ainda do-minante de pensar a realidade, que a fracciona e dicotomiza, bem como à forma instrumental segundo a qual educadores e educandos se relacionam actualmente com o conhecimento, nos contextos hegemónicos, para poder criar as condições teó-ricas possibilitadoras da concepção de caminhos alternativos. isto porque se desejarmos, verdadeiramente, que a pesquisa científica e a educação possam contribuir para a apreensão do real, de modo a propiciar um ganho de consciência crítica que facilite a transformação social, então é necessário um enga-jamento, por parte dos intelectuais e dos educadores, com o outro, numa procura partilhada de relações sociais, económi-cas e políticas alternativas, que visando um entendimento mais radicalmente democrático da democracia, represente as bases e os fundamentos para a organização de um movimento global de resistência à opressão. um movimento global e contra-he-gemónico que, como acentuam allman e Wallis, “ergue-se pela

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união entre saber e ser, de maneiras completamente diferen-tes e humanizadas” (allman e Wallis, 1997: 21). isto significa ter a responsabilidade de aprender e ensinar a compreender a nossa realidade de forma dialéctica, o que implica desde logo que uma epistemologia radical é impossível de ser elaborada na ausência de uma também radical ontologia. ora, uma das consequências que se podem destacar do exercício dialéctico entre uma ontologia e uma epistemologia radicais é o resgate da dimensão colectiva da educação de adultos atribuindo-se-lhe um valor simbólico de bem colectivo, que faz com que, para muitos, o conceito de educação não possa ser entendido sem a sua base humanista e democrática que lhe serve de essência.

posto isto, na reflexão acerca das relações de poder envol-vidas na relação entre educação e sociedade, há que começar por restituir à esfera pública o debate de ideias para poder pensar criticamente a trilogia que relaciona a questão dos va-lores e bens comuns, a questão da cidadania democrática e a questão da ideologia, questões que nos parecem fundamentais

para estruturar uma agenda radical para a educação de adultos que vá assumidamente em contra-mão da actual perspectiva hegemónica da aprendizagem ao longo da vida. insistir em res-tituir o debate crítico de ideias associado à educação, ou seja, o debate de princípios e ideologias que enformam e justificam as finalidades passíveis de ser atribuídas à educação, é já uma atitude radical face ao actual contexto que tende a uniformizar os discursos e o pensamento educativo em torno de uma pers-pectiva geral assente numa pretensa neutralidade da educação e na importância da aquisição funcional de competências.

admitir que muita da oferta educativa para adultos se trans-formou hoje numa mera mercadoria transaccionada nos termos do mercado (numa lógica vocacional) implica também reconhe-cer que há uma crescente comunidade de práticas que tem vin-do a aderir à abordagem baseada na lógica das competências. resta investigar se essa adesão é feita com a real consciência crítica de que este tipo de abordagem é limitativa de uma visão que procure encarar a educação enquanto projecto libertador, ou se se trata de uma adesão assente numa ‘consciência ingé-nua’ e conseguida através dos mecanismos de sedução e ma-nipulação próprios da sociedade de consumo em que actual-mente vivemos. o sintoma deste cenário, que se alastra hoje no campo da educação de adultos, é visível quando cada vez mais, como notam shaw e crowther, “os debates intelectuais, sociais e morais próprios da prática educacional são banidos para dar lugar a uma ‘educação’ vista como um exercício técnico” (shaw e crowther, 1997: 210). Nesta mesma linha de argumentação crítica melo, Lima e almeida referem que quando indagamos

Pistas Para reanimar a educação de adultos como Pedagogia de oPosição

Uma epistemologia educacional de cariz radical pressupõe que se aprofunde a crítica ao modo ainda dominante de pensar a realidade, que a fracciona e dicotomiza.

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acerca do papel atribuído à educação e formação de adultos no âmbito das transformações ocorridas no contexto mundial “transparece por vezes uma perspectiva mais do tipo ‘reactivo’, ou seja, visando facilitar a adaptação dos indivíduos e socieda-des às novas exigências, do que ‘pró-activo’, isto é, de capacita-ção para interagir criativamente e influenciar as circunstâncias condicionantes, individuais e colectivas” (melo, Lima e almeida, 2002: 21). canário, por seu turno, critica também este estado da arte afirmando que actualmente “à educação é reservado o papel de promover seres adaptáveis e não interventores (…) o consenso em torno da aprendizagem ao longo da vida corre sé-rios riscos de a transformar numa espécie de cartilha repetida à exaustão por funcionários zelosos” (canário, 2003: 205).

este contexto educacional (desenvolvido desde o último quartel do século XX) basicamente representa, no nosso enten-der, um episódio nebuloso na história da educação de adultos. trata-se de um cenário de instrumentalização do campo causado por dois factores principais que são: por um lado, a erosão dos pilares modernos do pensamento ocidental, em que a educação de adultos foi no essencial erigida; e por outro lado, o delibera-do esvaziamento da dimensão política da educação, operado na esfera pública internacional pelas instâncias políticas e econó-micas supranacionais. estes são dois factores que, em conjunto, parecem indicar que mais do que uma recomposição do campo estamos talvez a testemunhar presentemente a sua mutação.

ora, neste contexto há, pois, certamente uma responsa bi-lidade acrescida para os investigadores e educadores, movidos por uma consciência crítica, que consiste em reflectir, debater e posicionar-se acerca das diversas possibilidades que as princi-pais ideias e problemáticas-chave existentes no âmbito da edu-cação de adultos sugerem. se optarmos por resistir e com bater esta rápida instrumentalização da educação de adultos, tornar-se-á crucial pensar na maneira de desenvolver, sempre que pos-sível em rede, um novo sentido, de carácter mais humanista, para a educação, que possibilite construir uma nova missão e agenda para a educação de adultos, baseada no compromisso com valores opostos à competição e ao lucro, como suportes da nossa vida colectiva. para tal parece-nos ser imprescindível res-

tituir, ao campo da educação de adultos, o debate de princípios que tem vindo a ficar refém da presente perspectiva dominante. para este debate, a investigação crítica pode dar um significa-tivo contributo, resgatando a história dos conceitos e perspec-tivas da educação de adultos ao mesmo tempo que se revisita neste exercício abordagens e correntes de pensamento social de autores que exploraram a dimensão política da educação, de modo a instituir um debate de ideias esclarecido e inspirador de novos caminhos que podem pers pec tivar um novo futuro. Não se trata de essencializar e imo bi lizar o passado, mas de o conhecer e convocar para melhor interpretar o quadro actual existente neste sector, e assim definir linhas analíticas relevan-tes para uma construção crítica de conhecimento que se afirme e oponha a um estado da arte que hoje tende a celebrar como pertinente apenas aquele conhecimento que se revela pragmá-tico, segundo os critérios económico-financeiros que dominam o panorama das políticas sócio-educativas.

Na «educação e formação de adultos», defendemos que ao actual consenso vocacionalizante imposto há, pois, que contra-por ideias e opiniões, de um cariz humanizante, como forma de alargar o leque de possibilidades críticas pers pec tivadas no pro-jecto de construção de uma cidadania radi cal mente democráti-ca e respeitadora dos direitos humanos. como, por exemplo, su-gere fieldhouse quando apela para o necessário engajamento “com os novos movimentos sociais pela paz, direitos femininos, justiça racial, direitos homossexuais e os assuntos ambientais (…) para [construir] um conceito menos restrito e mais crítico de cidadania (…) que confronte a redefinição de ‘cidadania’ ope-rada pela ‘Nova direita’ com a sua maior ênfase nos deveres sociais do que nos direitos” (fieldhouse, 1998: 400).

deste modo, o desafio essencial está, insistimos, em tra zer para a esfera pública um debate de ideias que revalorize a di-mensão político-filosófica da educação de adultos, incen ti vando a disseminação de práticas reflexivas no campo que problemati-zem as implicações do acto educativo. indagando sobre a ques-tão dos valores e do bem comum, numa óptica tribu tária da velha educação permanente, que pense a edu ca ção de adultos promovendo-a enquanto projecto educativo integral, para deli-beradamente contrariar esta nova ortodoxia educacional que pode reduzir o campo a um mero serviço privado ao dispor das necessidades económicas, sociais e culturais do novo capitalis-mo e dos interesses da elite domi nante. No fundo, trata-se de reinventar para a época actual as velhas preocupações de uma educação de adultos crítica e radical relacionadas com a defesa da igualdade, da democracia, da participação e da justiça so-cial, postas de novo na ordem do dia, mas de uma nova manei-ra, compatível com as características da sociedade actual.

Na chamada sociedade da informação, cabe também à educação de adultos contribuir para organizar um movimento global de renovação cultural, instaurador de uma cultura de pro-blemas, de debate e diálogo, de praxis crítica, capaz de “servir de bússola ao educando para navegar nesse mar de conheci-mento, superando a visão utilitarista de só oferecer informações ‘úteis’ para a competitividade” (gadotti, 2001: 35). No mundo contemporâneo vivemos na era do acesso fácil à informação, mas não na era do conhecimento e da comunicação, na medida em que as tecnologias da informação e comunicação (tic) não significam comunicação humana, pelo que temos necessidade,

Assumindo que a educação de adultos está hoje numa encruzilhada, parece-nos fundamental que se convoquem todos os agentes e actores da educação de adultos para a criação de um movimento político-filosófico, que sendo teoricamente robusto e empiricamente activo, possa conferir carácter e identidade endógeno à agenda da educação de adultos.

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por isso mesmo, de construir uma “esfera pública cidadã” (Ha-bermas, 1988).

assumindo que a educação de adultos está hoje numa encruzilhada que, ou significará a sua recomposição crítica e radical ou a sua mutação para algo substancialmente diverso, parece-nos fundamental que se convoquem todos os agentes e actores da educação de adultos para a criação de um mo-vimento político-filosófico, que sendo teoricamente robusto e empiricamente activo, possa conferir carácter e identidade en-dógeno à agenda da educação de adultos, que se encontra pre-sentemente repleta de contradições teórico-conceptuais e forte-mente dominada por factores político-económico-financeiros de cariz exógeno ao campo.

com efeito, a aceitação generalizada da agenda técnico-ins-trumental para a educação de adultos só pode ser compreen-dida tendo em consideração a actual fase do desenvolvimento histórico do capitalismo. trata-se de uma fase de reestruturação que, tal como noutros momentos do passado, visa assegurar a sobrevivência do sistema capitalista, actualmente em moldes que geram uma absoluta opressão social global (petrella, 1998; chomsky, 2000). para fazer face a este capitalismo selvagem, como vem sendo designado, é fundamental desocultar os me-canismos que o sustentam, o que implica, desde logo, que os educadores necessitam desenvolver, não tanto um variado leque de competências técnicas, mas sim uma compreensão crítica e dialéctica da realidade e do modo segundo o qual o capitalismo funciona no mundo contemporâneo.

o contributo da investigação crítica pode, pois, representar, nesta fase da nossa história, uma fonte de ligação para o de-senvolvimento de um movimento contemporâneo na edu ca ção de adultos capaz de fazer face à actual realidade de opressão, concentrando-se em intervir nas suas causas e não nos seus sintomas e em interrogar as assumpções e estratégias em que se fundamentam as actuais políticas (educativas?) para o sec-tor. trata-se de promover uma reflexão que apoiada numa re-trospectiva intenta identificar qual o estado da arte actual do campo para prospectivamente pensar e contribuir para cons-

truir, desconstruindo primeiro as falsas evidências, uma nova agenda para a educação de adultos, assumidamente contra-he-gemónica. esta agenda de reflexão-acção terá de ser construída desde um ponto de vista que recoloque o indi víduo no contexto colectivo, sem isolar as necessidades e particularidades indivi-duais dos objectivos e efeitos mais amplos partilhados no âmbi-to de um colectivo social.

uma forma de iniciar este processo pode muito bem ser demonstrando, pela investigação científica e crítica, que há já um legado radical no corpus teórico da educação de adultos que se orienta pelos princípios da justiça social e de uma ética universal do ser humano que interessa resgatar, sobretudo para ressuscitar a velha luta engajada de intelectuais e educadores pela dignidade humana, que se encontra hoje de novo ameaça-da de ruir pelo poder das forças da globalização neoliberal em curso. trata-se de reinventar a linguagem do social, o que é in-cumbência de actores sociais e pedagogos críticos capazes de perceber e assumir coerentemente uma tomada de consciência da politicidade da educação e da história como construção so-cial e fonte de possibilidades.

No resgate e reconstrução crítica da versão humanista do papel da educação de adultos há, pois, que enfrentar o desafio difícil de desenvolver ideias fecundas no âmbito do pensamento transformador, que permitam imaginar novas e múltiplas solu-ções político-educativas, essenciais para o nosso tempo. Novas propostas que recoloquem o ser humano no centro da relação entre o viver, o aprender e o trabalhar, e que rompendo com a doxa instituída da ideia da aprendizagem ao longo da vida como um item educativo contribua para a reintroduzir no debate como aquilo que realmente ela é, um item político. n

REFERêNCIAS BIBlIOGRáFICAS:

aLLmaN, p. & Wallis, j. (1997). challenging the postmodern condition. radical adult education for critical intelligence. in marjorie mayo & jane thompson (eds.). Adult Learning Critical Intelligence and Social Change (pp. 18-33). Leicester: Niace.barros, r. (2009). políticas para a educação de adultos em portugal – a governação pluriescalar da «Nova educação e formação de adultos» (1996-2006). braga: universidade do minho. [tese de doutoramento]. caNário, r. (2003). a “aprendizagem ao Longo da vida” – análise crítica de um conceito e de uma política. in rui canário (org.), Formação e Situações de Trabalho (pp. 189-205). porto. porto editora.cHomsKy, N. (2000). O Neoliberalismo e a Ordem Global – Crítica do Lucro. Lisboa: editorial Notícias.fieLdHouse, r. (1998). A History of Modern British Adult Education. Leicester: National institute of adult continuing education.gadotti, m. (2001). educar adultos hoje na perspectiva de paulo freire. Revista Portuguesa de Pedagogia, 35 (1), 31-40.Habermas, j. (1988). Teoria de la Acción Comunicativa. madrid: taurus ediciones.meLo, a., & Lima, L. c., & almeida, m. (2002). Novas políticas de educação e formação de adultos - O Contexto Internacional e a Situação Portuguesa. Lisboa: agência Nacional de educação e formação de adultos.petreLLa, r. (1998). vers une société de Welfare mondial. Les Limites du capitalisme de marché. in joão ferreira do amaral (coord.). Eupopa Social – Actas do Seminário Internacional (pp. 79-98). Lisboa : fundação calouste gulbenkian.sHaW, m. & crowther, j. (1997). beyond subversion. in marjorie mayo & jane thompson (eds.). Adult Learning Critical Intelligence and Social Change (pp. 204-218). Leicester: Niace.

Trata-se de reinventar a linguagem do social, o que é incumbência de actores sociais e pedagogos críticos capazes de perceber e assumir coerentemente uma tomada de consciência da politicidade da educação e da história como construção social e fonte de possibilidades.

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Introdução

A grande caminhada em direcção à democracia, em espanha, possui um elemento que não deve ser esquecido. essa longa, penosa e muitas vezes sangrenta marcha está indissoluvelmente ligada à recuperação da diversidade cultural

e social dos diferentes e variados territórios que a ditadura tentou eliminar, física, geográfica, idiomática ou culturalmente. assim, a construção do estado constitucional, a partir de 1978, culmina – ou talvez está ainda por culminar – na explosão imparável da diversidade dentro do estado.

falar de um modelo unificado de educação no conjunto do estado – e de outros elementos, como os serviços de saúde ou

de transporte, incluídos nos impostos – é um pouco complicado. por exemplo, falando de educação, e antes de se chegar à educação de adultos, existe uma Lei de educação (2006) a nível do conjunto do estado, mas a andaluzia tem uma lei de educação própria, desde 2007. se considerarmos a educação de adultos, a questão diversifica-se ainda mais: não existe uma Lei de educação de adultos no conjunto do estado, existem leis: galiza (1992); comunidade de valência (1995); canárias (2003); ou ilhas baleares (2006). curiosamente, a andaluzia, que foi o primeiro território a possuir uma Lei de educação de adultos (1990), aboliu-a em 2008.

isto não quer dizer que o estado perdeu a sua capacidade de legislar – não mais do que a perda de soberania legislativa que supõe, em muitos âmbitos, a entrada na união europeia. o

ARTIGO

a educação de adultos na andaluzia percorreu um longo caminho desde os jovens que aspiravam a “dar-se aos outros” até agora. um caminho que não fez a administração educativa, mas sim as pessoas e comunidades, e que continua vivo em experiências concretas.

EVOLuÇãO DA EDucAÇãO DE ADuLtOs NA ANDALuzIA (EsPANhA)texto: Emilio Lucio-Villegas, universidade de sevilha (espanha) # tradução: Daniela Silveira

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que sucede é que, partindo de um marco legislativo geral – a Lei de educação, por exemplo - os governos dos diversos territórios têm uma ampla capacidade para legislar.

apesar dessa afirmação – ou talvez em consonância com ela – num estado que apresenta uma grande diversidade nacional e territorial é muito difícil – ou talvez impossível – apresentar um território como exemplo dos restantes. assim, devemos clarificar que não é nossa intenção apresentar a andaluzia como exemplo do restante estado, mas tão simplesmente como mais uma singularidade no seio de um estado plural.

após esta breve introdução, vamos dividir a nossa revisão em três elementos: a) algumas características socioeconómicas, educativas e culturais da andaluzia; b) algumas experiências de educação de adultos, que se situam entre a ditadura e a democracia, e que têm influência nos diversos territórios – a andaluzia entre eles –; e c) a evolução da educação de adultos na andaluzia desde 1982 até à actualidade.

Alguns dados sobre a situação da Andaluziacom uma superfície de 87.268 km², a andaluzia é maior do

que a irlanda, a áustria ou a dinamarca, e três vezes maior do que a Holanda. a sua situação geográfica condicionou historica-mente o seu desenvolvimento. esta situação geográfica facilitou o surgimento de uma série de elementos gerais que a caracteri-zam, no nosso entendimento, de uma forma muito ampla:– uma importante posição geoeconómica, que a converte em

paragem obrigatória para as rotas de transporte, e como ponte natural entre a europa e o Norte de áfrica, no transporte de pessoas e mercadorias, mas nunca como ponte cultural.

– uma posição geoestratégica como fronteira meridional da Nato para o controlo do mediterrâneo ocidental e oriental. assim, existem na andaluzia duas das bases militares mais importantes do estado: morón de la frontera (sevilha) – de onde partiram os bombardeiros dos eua para bombardear bagdad, e outros alvos nas duas guerras – e rota, em cádis. exceptua-se a utilização do porto de gibraltar como base de abastecimento de submarinos nucleares da Nato.

podem considerar-se diversas andaluzias dentro da andalu-zia. geralmente, distinguem-se três grandes zonas. em primei-ro lugar, o que poderemos chamar – embora este termo possa referir-se a todo o conjunto – a andaluzia marginalizada, carac-terizada por uma deterioração crescente, do ponto de vista eco-lógico, demográfico e cultural. ocupa aproximadamente metade do território, mas concentra apenas 20% da população. seria uma periferia dentro da periferia (Wallerstein, 1984). No outro extremo, encontra-se a andaluzia próspera, caracterizada por uma grande densidade populacional e um rendimento aceitável. trata-se dos grandes núcleos urbanos e da cada vez mais devas-tada, ecológica, social e culturalmente, costa dedicada apenas ao turismo. concentra cerca de 60% da população e quase 75% do rendimento global.

No meio, num difícil equilíbrio entre uma e outra, querendo unir-se à segunda, mas cada vez mais perto da primeira, encon-tra-se uma andaluzia indefinida, cada vez mais marginal e unida ao mundo exterior apenas pelo cordão umbilical de uma televi-são devastadoramente embrutecedora, contra a qual se insurge a educação de adultos.

dentro do conjunto do estado espanhol, o rendimento per ca-pita é a penúltima de todas as comunidades autónomas. assim, tradicionalmente, a andaluzia tem sido uma zona fornecedora de força de trabalho a outras regiões do estado e a outros esta-dos do conjunto europeu.

a estrutura económica encontra-se configurada por um au-mento do desemprego. em épocas de crise, e fora delas, a taxa de desemprego da andaluzia – 24,63% de acordo com os dados do terceiro trimestre de 2009 – duplica em relação à média do conjunto do estado. paralelamente, a estrutura económica e de emprego fundamentam-se na agricultura e no turismo, que são o paradigma dos mercados de trabalho temporário e de eleva-da precariedade. a criação de focos turísticos ou de agricultura intensiva fez com que, por outro lado, os desequilíbrios entre as três andaluzias aumentem ainda mais, criando centros nas periferias (gualda et al, 2009).

para terminar, faremos algumas referências à população e

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importante nos primeiros 75 anos do século passado, para alterar esta tendência: trata-se dos anos da segunda republica, incluindo os da guerra civil. estabelecida a ditadura, a noite escura instaura-se em todos os recantos, e algo semelhante a educação e cultura populares apenas volta a florescer a partir de 1975/76. é importante assinalar que, entre 1970 – a última lei educativa da ditadura (Lei geral da educação) – e 1990 – Lei de ordenação geral do sistema educativo (Logse) – não existe um desenvolvimento legislativo amplo – com independência da utilização da educação como arma política e outras constantes alterações em função da cor política do governo do estado.

além disso, até 1981, o risco de regressão era certo e, até princípios dos anos 90 do século passado, outras preocupações estavam na mente das pessoas: desemprego, crise económica, etc. assim, não é demasiado rebuscado dizer que a educação de adultos – até um certo momento – se desenvolveu sozinha, sem demasiado controlo por parte do estado – a qualquer dos seus níveis – e partindo mais dos interesses das pessoas do que de um currículo definido. a educação de adultos explode com a democracia e converte-se num elemento de referência da própria democracia. esta hipotética falta de controlo permi-tiu o surgimento e desenvolvimento de experiências muito in-teressantes e sugestivas, no conjunto do estado. destacamos três:

As Escolas Campestres: fundamentalmente em castela e Leão, mas também em outros locais, são uma referência im-prescindível para entender a conexão entre o mundo rural, os sistemas produtivos rurais, a preocupação com a segurança e a qualidade alimentar, etc. as escolas campestres foram uma referência para as pessoas que trabalharam em educação de adultos no meio rural.

Serviço de Educação Permanente de Trabalhadores. trata-se de um importante movimento na catalunha. o seu objectivo era levar aos trabalhadores os níveis elementares de educação e potenciar uma alfabetização comunitária. é essencial para en-tender grande parte da tradição que une a educação popular e o trabalho comunitário.

Movimentos de Renovação Pedagógica. foram colectivos muito importantes na pressão para explorar, primeiro, e para integrar, depois, muitas inovações educativas. a partir dos anos 80 do século passado, com a chegada de governos do partido socialista operário espanhol (psoe) a diversas administrações do estado, muitos dos seus dirigentes foram preteridos e o mo-vimento ficou órfão.

A educação de Adultos na Andaluziavamos dividir a sua evolução em três momentos diferentes.

primeira fase. o iNÍcio.Não existe uma história – ou, melhor dizendo – diversas

histórias locais que nos ajudem a reconstruir os processos de início e de desenvolvimento da educação de adultos na andaluzia, em especial a partir de 1981. a versão oficial diz que o programa de educação de adultos começou com 36 professores e 1990 estudantes adultos, e apresenta-o como um êxito – o que é coerente com um certo elogio triunfalista que sempre perseguiu a educação de adultos na andaluzia. se se

ao nível de instrução. a população total da andaluzia, segundo o padrão municipal de Habitantes, a 1 de janeiro de 2009, é de 8.302.923 habitantes, dos quais 4.113.383 são homens e 4.189.540 são mulheres. a evolução demográfica caracteriza-se pelo envelhecimento da população: existem já mais pessoas com mais de 75 anos do que com menos de 5 anos.

o nível de instrução é um dos elementos que nos interessa particularmente. segundo o censo de população de 2001, os números são os seguintes: sobre uma população de 5.956.718 (com 16 ou mais anos) 260.125 pessoas indicam não saber ler ou escrever; 1.016.072 tem menos de 5 anos de escolaridade; e 1.319.889 não possui o Título de Graduado do Ensino Secun-dário. esse total compreende 2.596.086, 43,58% da população com mais de 16 anos. os dados mais actuais não estão orga-nizados desta forma, mas podemos considerar algumas ques-tões: i) o índice de analfabetismo absoluto – se tal coisa existe – é de 4,1% nas mulheres e de 2,4% nos homens – em 2006; ii) a percentagem de pessoas analfabetas e pessoas consideradas sem estudos é, também em 2006: 17,1% - 19,9% são mulheres e 14,2% são homens. assim, podemos ver que os números não variam muito. devemos somar a tudo isto as pessoas que aban-donaram os estudos ou que foram abandonadas pela escola.

podemos dizer, para terminar, que a sociedade andaluza está caracterizada por grandes desequilíbrios territoriais, uma situa-ção laboral marcada pelo desemprego, o trabalho temporário e o trabalho subsidiado – ou melhor, o trabalho não subsidiado – ; e por um manifesto abandono, por parte dos poderes públicos, da construção de um discurso e de práticas que assentem na reconstrução da cultura autóctone, mais além da venda estere-otipada para o turismo.

A Educação de Adultos em Espanhaa primeira consideração surpreendente é que espanha

entrou no século XX com 60% de pessoas analfabetas. é uma percentagem mais elevada do que a suécia, o reino unido ou outros países europeus no século Xviii (viñao, 1990). ainda mais surpreendente é que apenas existe um esforço

A Espanha entrou no século XX com 60% de pessoas analfabetas. É uma percentagem mais elevada do que a Suécia, o Reino Unido ou outros países europeus no século XVIII.

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quer fazer a divisão, estamos a falar de 52 estudantes adultos por professor, o que, a princípio, não parece ser um grande êxito, sobretudo se formos ao nível das histórias locais. No período compreendido entre 1980 e 1982/84, o nascimento dos centros de educação de adultos teve pouco a ver com as iniciativas propostas pelo governo – central ou autónomo – e mais com um encontro histórico e maravilhosamente criativo entre determinados movimentos sociais – sobretudo associações de moradores nos bairros das grandes cidades – e jovens que queriam trabalhar em educação, e para quem a educação de adultos pressupunha o grande desafio de desenvolver um trabalho social criativo e produtivo, com um certo espírito de missão ou, quem sabe, de revolução, mas que, em todo o caso, dava resposta a essa expressão mágica de orlando pineda: “dar-se aos demais”. No meio rural, o casamento aconteceu mais entre jovens professores e munícipes preocupados com a educação de adultos, no calor dos processos de transformação social que o conjunto do estado vivia na época e que viveu pelo menos até 1986. de facto, uma expressão percorria a andaluzia, não como um fantasma, mas sim como um relâmpago de esperança: “numa vila, há dois lugares abertos às 9 da noite: o bar e o centro de educação de adultos”. isto não acontecia só na andaluzia. em outros territórios, outros professores, ligados à comunidade, faziam semelhantes trabalhos libertadores.

este período culmina com o chamado “Novo desenho curricular” (1985), um currículo específico para a educação de adultos, que se definia por uma metodologia sustentada na investigação participativa e que aspirava a ser: i) activa, considerando cada pessoa como um sujeito activo do seu próprio processo de aprendizagem; ii) dialogante, não tanto num sentido “freireano”, mas sim seguindo as directivas de francisco gutiérrez; e iii) participativa. a pressão sustentada de educadores e educandos leva à aprovação da “Lei da educação de adultos da andaluzia”, em 1990 (lei agora abolida). a aprovação da lei é o canto de cisne deste processo.

seguNda fase. a partir da comuNidade, de voLta à escoLa.se houve algo que caracterizou o início e o desenvolvimento

da educação de adultos na andaluzia – e, possivelmente, de norte a sul do estado – foi a ligação permanente entre as esco-las de adultos e os territórios onde se encontravam. de facto, o modelo andaluz foi apelidado de modelo territorial, porque ligava intimamente o território às escolas. mas, mais importan-te do que isso, era que os temas de trabalho, os núcleos gera-dores, estavam ligados ao meio ambiente, eram derivados da vida quotidiana das pessoas. isso supunha uma grande potên-cia transformadora na educação de adultos, potência que, até meados dos anos 80, não tinha sido controlada pelo poder. por detrás do controlo, o passo seguinte era desmontar essa estru-tura educativa transformadora e libertadora. curiosamente, o primeiro passo foi a aprovação da Lei de ordenação geral do sistema educativo, que aumentava a escolaridade obrigatória em dois anos – até aos 16 -, instituía um ensino secundário obrigatório e criava um novo título mínimo: Graduado do Ensino Secundário Obrigatório. imediatamente, a preocupação funda-mental passou dos problemas ocasionados pela falta de alfabe-tização para a exigência de conceder esse novo título a toda a população. este desequilíbrio supõe, no mínimo: a) o abandono dos sectores educativamente mais desfavorecidos, processo que culmina num novo currículo (1997), e uma nova estrutu-ra educativa que supõe, entre outras coisas, que uma pessoa pode permanecer na Formação Inicial de Base (alfabetização) apenas dois anos, sendo depois necessário progredir ou aban-donar; b) o abandono do modelo territorial e socioeducativo. o fundamental são os conteúdos, que devem ser partilhados na escola, incluindo o desenvolvimento comunitário, aos quais de-vem ser dedicadas quatro horas semanais.

o culminar de todo este processo é o já citado currículo de 1997, que abandona o modelo socioeducativo, retira todo o poder de deliberação à educação de adultos e regula até ao mais pequeno pormenor do currículo, para que a realidade, a comunidade e as pessoas se mantenham fora da escola.

Se houve algo que caracterizou o início e o desenvolvimento da educação de adultos na Andaluzia – e, possivelmente, de norte a sul do Estado – foi a ligação permanente entre as escolas de adultos e os territórios onde se encontravam.

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ARTIGO

terceira fase. eXiste uma educação de aduLtos?Não obstante, a educação de adultos continuava a ser um

campo específico. o passo seguinte era fazê-la desaparecer, escondida sob uma miríade de regulamentações, normativas, decretos, etc., sempre ao serviço da emergente “aprendizagem ao longo da vida”, ou seja, do mercado.

existem três elementos essenciais para explicar o processo.primeiro, a estabilização, em muitos casos acesso à condição

de funcionário, dos docentes. o que era um passo em frente – recordemos que deixámos muitos educadores, umas linhas mais acima, a fazer trabalho voluntário, depois passaram a ser contratados por diversas administrações e municípios – e o que pressupunha alcançar estabilidade laboral, converteu-se – por parte da administração – na possibilidade de transferir muitos professores para outros âmbitos educativos, retirando da educação de adultos muitos professores com vinte anos de experiência, e não os substituindo, ou substituindo-os por pessoas sem formação e/ou sem experiência específica neste campo.

em segundo lugar, com a ruptura definitiva com o modelo territorial. uma ordem de julho de 2006 organizava os centros – já chamados de educação permanente – com base nas grandes estruturas burocráticas e não nos territórios – aldeias e bairros – nos quais assentavam. o poder de actuação dos centros ficava assim diminuído ou, simplesmente, desaparecia sob uma montanha de documentos burocráticos, reuniões, normas, etc.

em último lugar, aprovou-se em 2007 a Lei de educação da andaluzia, que supõe: a) a revogação da Lei de educação de adultos da andaluzia; e b) a não utilização do termo educação de adultos – ou da sua utilização numa mistura estranha, que fala de educação permanente de adultos. de facto, a educa-ção de adultos insere-se na Direcção Geral da Formação Pro-fissional e Educação Permanente. No final, o artigo 111.4 da Lei de educação da andaluzia afirma: “podem estabelecer-se casos de colaboração entre os centros que integram as redes de aprendizagem permanente e aqueles que incluem, na sua oferta formativa, acções de inserção e de reinserção laboral dos

trabalhadores, e outras orientadas para a formação contínua das empresas, que permitam a aquisição e actualização perma-nente das competências profissionais”.

Num artigo (chaves, 2008), o então presidente da junta da andaluzia, indica que a principal finalidade da educação de adultos na andaluzia é adaptar as pessoas à sociedade do conhecimento e às novas exigências que surgem, derivadas de uma economia global e de um mundo globalizado. Não há melhor epitáfio para enterrar um projecto educativo que se baseou, durante muito tempo, em enfrentar as tendências homogeneizadoras e despersonalizadas do mercado, para se centrar na vida quotidiana e nos problemas, necessidades, interesses e desejos das pessoas e comunidades.

E no entanto, move-se.mas não é fácil enterrar os desejos e aspirações de liberta-

ção das pessoas. a educação de adultos na andaluzia percorreu um longo caminho desde os jovens que aspiravam a “dar-se aos outros” até agora. um caminho que não fez a administração educativa, mas sim as pessoas e comunidades, e que continua vivo em experiências concretas que mantêm a relação, a estrei-ta e frutífera ligação, entre a educação e a vida quotidiana das pessoas, nas suas comunidades. isso é hoje visível quando os moradores de uma aldeia tentam resistir à passagem de um comboio que altera alguns dos seus modos de vida e de subsis-tência tradicionais; quando outros tentam recuperar a sua histó-ria perdida, cancelada e reprimida pelos horrores da guerra civil e pela feroz repressão; ou outros se comprometem em tarefas de participação cívica na educação de adultos. Nos resquícios do sistema do pensamento único depredador, a promessa que promovem e encerram as actividades libertadoras encontraram o seu abono e florescem – nunca deixaram de fazê-lo – como espaços de esperança.

a evolução que relatámos não é semelhante em todos os territórios do estado. se bem que as pressões homogeneizadoras do pós “aprendizagem ao Longo da vida” são semelhantes, os movimentos de resistência são diferentes nos diferentes territórios e inclusive dentro destes. n

Uma expressão percorria a Andaluzia, não como um fantasma, mas sim como um relâmpago de esperança: “numa vila, há dois lugares abertos às 9 da noite: o bar e o centro de educação de adultos”.

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REPORTAGEM

AtELIErs DE cErâmIcAtrABALhAr A PróPrIA tErrA

Nos ateliers do museu de cerâmica das caldas da rainha, adultos aprendem a moldar o barro e a transformá-lo em peças de cerâmica. um ofício ancestral, que é quase como trabalhar a própria terra.

são nove peças belíssimas, de grandes dimensões, de cerâmica vidrada, da autoria de rafael bordalo pinheiro, que compõem a exposição “uma flor e oito bichos” no espaço de exposições temporárias do museu de cerâmica das caldas da rainha. o gru-

po de visitantes observa com atenção o girassol, o caracol, o lagarto, o caranguejo, o cavalo marinho, o peixe, a andorinha, a cobra, a cabeça de burro, antes de passar ao atelier para sujar as mãos de barro e reproduzir algumas daquelas peças.

são oito idosos, utentes do centro de dia da associação de solidariedade social da foz do arelho, que vieram numa tarde do início da primavera aprender as técnicas básicas de modelar o barro e dar forma à flor e aos bichos apreciados antes.

“estas peças foram feitas recentemente na fábrica, a partir da recuperação do moldes iniciais do rafael bordalo pinheiro. são todas peças de grande dimensão”, explica-lhes teresa Leal, ceramista dos serviços educativos do museu.

já no atelier, vestem os aventais e sentam-se em torno de uma mesa, orientados pela ceramista. alguns já lá tinham esta-do antes, e mostram algum desembaraço a dar a primeira forma às bolas de barro distribuídas a todos. outros, mais tímidos, pre-cisam de incentivo para superar o bloqueio inicial. “eu não vou fazer nada!”, exclama, num tom rezingão, a d. piedade. mas em pouco tempo já está a conseguir dar forma a um dos bichos que nem sequer é dos mais fáceis de modelar: o caranguejo.

a distribuição dos “bicharocos” entre os aprendizes é combi-nada no início. de comum acordo, decidem não fazer a cobra, porque “é fácil demais”. os que vão fazer o caracol ou o caran-guejo começam com uma bola de barro, os que ficaram com o lagarto e o cavalo-marinho começam com uma forma mais esti-rada, em canudo. para ajudar, há fotografias das peças originais que servem de modelo.

Quarenta e cinco minutos depois, já todos têm diante de si uma peça modelada, e só falta incrustar a assinatura de cada um para mais tarde continuarem o trabalho, pintando a peça – que entretanto passará pelo forno –, o que lhe dará depois o aspecto vitrificado. durante esse tempo, teresa Leal explicou a técnica de dar mais robustez à ligação das patas do caranguejo, ajudou nos acabamentos, mostrou como se fazem as incisões para dar forma ao corpo do cavalo-marinho.

para sheila filipa dos santos, assistente social da associa-ção, o resultado destes ateliers é muito interessante: “mesmo as pessoas que se sentem mais oprimidas no princípio acabam por ficar muito satisfeitas e a auto-estima delas acaba por subir”, observa. passam assim a ver a vida com outros olhos: “Não que estão no fim, mas que estão no princípio e ainda podem aprender muito”.

a associação tem 48 utentes, em centro de dia e lar. o grupo que veio às caldas é composto pelas “pessoas mais autónomas que nós temos e que participam mais das actividades”, explica

texto Luis Leiria # fotografias Sara Matos

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sheila dos santos, que organiza com frequência visitas dos utentes a museus e igrejas.

manuela maria de melo, uma das participantes da visita, gostou muito da experiência. “fiz um girassol e um caracol. Quando cheguei, pensei que era mais difícil, mas consegui fazer as peças.” ela gostaria de voltar a trabalhar com o barro. “vamos ver a peça depois de cozida, depois de pintada.”

Henrique bernardino dos santos é o único do grupo que tem uma ligação à indústria de cerâmica. antes de se reformar, trabalhava na fábrica secla, onde “abastecia a passadeira, para as senhoras embalarem a loiça”. já tinha frequentado um atelier anterior, onde modelara um girassol. mesmo assim, “pensava que não ia conseguir fazer o lagarto, mas com a ajuda da senhora, fiz, e ficou bonito.” foi um tempo bem passado.

Vinte rãs todas diferentesHá 12 anos que teresa Leal está envolvida com o museu.

responsável pelos ateliers de cerâmica, tem de gerir muito bem o tempo disponível porque chega a ter dois ou três grupos numa tarde, e com mais do que as oito pessoas daquele dia. “chegam a estar 20 nesta sala”, diz, com um sorriso, “têm de se apertar todos um pouco”.

para a ceramista, o atelier do dia correu bem: “eu tinha tra-balhado há dois anos com alguns elementos deste grupo. mas dois anos, é muito tempo, quando eles regressam, é começar

Quarenta e cinco minutos depois, já todos têm diante de si uma peça modelada, e só falta incrustar a assinatura de cada um para mais tarde continuarem o trabalho.

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Os “aprendizes” do Centro de dia da Foz do Arelho exibem as suas obras.

As peças vão ser criadas aqui, para depois serem pintadas no centro de artes.

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REPORTAGEM

tudo de novo. de qualquer forma, eles hoje já utilizaram aqui al-gumas das técnicas, dessas pequenas regras. No fundo é este o meu trabalho: ajudá-los com as colagens, para que a peça depois tenha resistência, para tornar-se mesmo uma peça”, ex-plica.

Nem sempre o atelier decorre da mesma maneira. “Há ve-zes”, recorda teresa Leal, “que seleccionamos um elemento, eu mostro como é que faço a minha rã, e depois cada um deles faz a sua rã, e ficamos com 20 rãs todas diferentes, umas muito magras, outras mais cheiinhas, enfim... só para perceberem o processo do modelar.”

outras vezes o tempo não rende da melhor forma: “aconte-ce muitas vezes que estamos aqui 45 minutos, e eles andam ali à volta de qualquer coisa, e não sai nada. e depois quando chega a altura de terminar, é que estão muito interessados, e muito empenhados, às vezes precisam desse tempo, que nós não temos.”

o tempo limitado também condiciona voos mais altos, quando os ateliers se enchem de estudantes de escolas secun-dárias: “vêm cheios de ideias, querem modelar um carro, uma moto, mas eu tenho os tais 30 a 45 minutos.” além disso, a regra é sempre fazer os ateliers em torno de peças do acervo do museu. “vamos sempre ao encontro das nossas colecções... muitas vezes eles perguntam se, em vez do lagarto, não podem fazer uma águia, porque ‘eu gosto mais da águia’... mas a águia não faz parte das nossas colecções”, explica teresa Leal.

os adultos, em geral, reagem muito bem aos ateliers. “por exemplo, as senhoras, habitualmente, rejeitam fazer o lagarto. mas a rã, toda gente faz sem problema. também o caracol, ou uma flor, uma folha, um fruto”. com as escolas realizam-se por vezes projectos mais longos: “demoram três meses, e o grupo vem de 15 em 15 dias. começam o projecto na escola, e depois vão desenvolvendo todas as fases, até chegarmos ao produto final”, relata a ceramista, que recorda um trabalho com uma turma do 9º ano, em que os alunos fizeram peças todas com uma finalidade: “porta-cds, um cabide para colocar numa por-ta, queimadores de incenso, molduras...”

Museu da CerâMiCa das Caldas da rainha Foi criado oficialmente em 1983 e está instalado na Quinta Visconde de Sacavém, adquirida para o efeito pelo Estado em 1981 e situada na zona histórica da cidade, próximo da antiga fábrica de Bordalo Pinheiro. A Quinta foi mandada construir, na década de 90 do século XIX, pelo 2º Visconde de Sacavém, sendo constituída por um Palacete em estilo romântico revivalista, um edifício secundário e uma área ajardinada. Os jardins, de traçado romântico, constituem um conjunto evocativo do gosto do final do século XIX, com as suas alamedas, floreiras e lagos. Decorações cerâmicas ornamentam todo o conjunto.A cerâmica das Caldas da Rainha está representada por peças desde o século XVII até à 1ª metade do séc. XX, com especial destaque para o núcleo dedicado a Rafael Bordalo Pinheiro, um dos conjuntos mais representativos da produção do grande mestre caldense.Da produção nacional, o museu integra núcleos de faianças da Fábrica do Rato (1767- 1779), de olaria tradicional e de produção local de escultura e miniatura cerâmicas dos séculos XIX e XX, representativos dos principais centros cerâmicos portugueses (Fábricas Bandeira, Rocha Soares, Gaia, Darque, Barcelos, Ratinho, Juncal, Estremoz, Sacavém, Viúva Lamego, Vista Alegre, Aleluia, Santana) e estrangeiros (França, Espanha, Itália, Holanda, Bélgica, China).O núcleo de cerâmica contemporânea de autor inclui peças de Llorens Artigas, Júlio Pomar e de Manuel Cargaleiro, entre outros. Existe ainda uma colecção de azulejaria portuguesa, hispano-mourisca e holandesa, do séc. XVI ao séc. XX, constituída por cerca de 1200 azulejos e por 40 painéis. n

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tempo que eu não faço uma peça começada e terminada, e não sinto essa necessidade, conclui a ceramista.

“A cerâmica é quase trabalhar a própria terra, e transformá-la”o atelier de cerâmica do museu foi criado no final dos

anos 90. “Houve uma iniciativa muito interessante e de muita visibilidade que foi a criação de placas de ruas”, recorda a directora do museu de cerâmica das caldas da rainha, matilde tomaz do couto.

“temos duas formas de criar os grupos”, explica. “esta oficina já é bastante conhecida, e muitas vezes pedem-nos visitas escolares, das associações, do Lar de 3ª idade, visitas que tenham ateliers, e há um calendário em que se procura satisfazer esses desejos.” por outro lado, prossegue, há a oferta regular de ateliers temáticos. “agora estamos a organizar

Quando terminou o 12º ano, teresa Leal fez curso de cerâmi-ca, no ceNcaL - centro de formação profissional para a indús-tria cerâmica, uma instituição de formação e de apoio técnico-pedagógico, sediada nas caldas da rainha, vocacionada para o sector da indústria cerâmica portuguesa, criada em 1981. foi lá que fez a formação específica em cerâmica. depois, como parte do curso ainda fez um estágio, que, por acaso, já foi no museu. “o meu primeiro contacto com o museu foi esse, no estágio”. assim, há 12 anos que está envolvida com o museu.

“Logo durante o estágio”, recorda, “foi-me proposto que fizes-se algumas actividades com crianças. acho que tenho aprendi-do também muito com o facto de trabalhar com todos os tipos de público, isso tem sido muito estimulante e importante.” o trabalho com as pessoas no dia-a-dia ajudou-a muito: “dão-me muitas sugestões, que eu aproveito e uso no dia-a-dia.”

Quando fez o curso, teresa Leal chegou a pensar que ia abrir um pequeno atelier, decisão deixada de lado depois do convite de ir para o museu. “Neste momento dá-me mais gozo isto, fazer essa troca com as pessoas, e ajudá-los a construir as peças, do que eu fazer uma peça do início ao fim. Há muito

“Neste momento dá-me mais gozo isto, fazer essa troca com as pessoas, e ajudá-los a construir as peças, do que eu fazer uma peça do início ao fim.

Sheila Filipa dos Santos: “a auto-estima deles sobe”

Teresa leal orienta os trabalhos.

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REPORTAGEM

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REPORTAGEM

um atelier para a páscoa, chamado prendas de páscoa, em colaboração com o centro de artes. as peças vão ser criadas aqui, para depois serem pintadas no centro de artes. Há também um protocolo com o centro social paroquial local.

matilde tomaz do couto tem consciência da crise por que passa o sector da cerâmica das caldas da rainha: “a fábrica secla fechou, outras foram fechando ao longo dos anos, a fábrica bordalo pinheiro persistiu graças à intervenção do estado. a molde ainda está a funcionar. mas acho que há um esforço das caldas da rainha para que a cerâmica possa

persistir como um rosto desta cidade, e como história, como memória também.”

a directora tem confiança em que a cerâmica vai permanecer viva na cidade: “a cerâmica tem muito a ver com a terra, que é um dos três elementos – os outros são a água e o fogo. a cerâmica é quase trabalhar a própria terra, e transformá-la.”

para matilde tomaz do couto, “o ofício do oleiro é um ofício ancestral, que tem a ver também com o quotidiano, com objectos de uso comum, que depois vai recebendo decoração ou vai-se transformando em objecto ele próprio decorativo.” esse percurso da cerâmica continuará a ser popular nesse função e nos elementos decorativos, “mas depois vai envolvendo outros sectores não artesanais, mas artísticos, onde vamos encontrar cerâmica de autor, onde vamos encontrar o designer, os grandes nomes que trabalharam a cerâmica”, diz, recordando que na secla e nas caldas trabalharam artistas, como júlio pomar, antónio Quadros, ferreira da silva... “temos, portanto, um percurso da cerâmica que é popular, que é utilitário, e, por outro lado, há a cerâmica artística, a cerâmica de artista, que invade a escultura”, conclui. n

“Quando fazemos as nossas intervenções, o nosso trabalho questiona o trabalho dos outros. Por isso, quanto mais autónomos formos, mais poderemos fazer o nosso trabalho.

Matilde Tomaz do Couto, directora do Museu.

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DOSSIERLIVROS

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Mundos do Trabalho e Aprendizagemcanário, rui e rummert, sónia maria (org.) 2009Lisboa, Educa, 188 pp

Neste livro reúnem-se onze ar-tigos de investigadores portu-gueses e brasileiros que per-

spectivam as relações entre o Trabalho e a Educação identificando especificidades e convergências com o «objectivo ético-político de construir colectivamente um novo projecto societário» (Canário e Rummert, p. 16). São, portanto, autores comprometidos social e politicamente, que assumem uma não neutralidade na investigação que produzem. Os tex-tos reunidos representam o testemunho do intercâmbio entre universidades de Portugal e Brasil no quadro de projectos comuns de pesquisa, que se têm vindo a desenvolver desde os anos 90.

O título desta obra remete-nos para ‘mundos’ diferentes, com narrativas e tensões entre e ‘intra’ as respectivas áreas de produção de conhecimento, os cam-pos empíricos, as evoluções e tendências societárias; o seu conteúdo dá-nos pistas reflectidas de reais possibilidades, não só de interligação entre os dois ‘mundos’ tradicionalmente opostos, mas também (ou sobretudo) de superação dos actuais modelos de sociedade capitalista e par-ticularmente, dos conceitos já reforma-dos de educação de massas e de work-fare. Esta abordagem comum entre os investigadores dos dois paises acentua o carácter internacional das transforma-ções do mundo do trabalho e do discur-so neo-liberal que o suporta e que tem justificado os programas políticos de in-clusão e alargamento da escolaridade.

As perspectivas reunidas nesta obra são olhares que, apesar da sua transver-salidade temática, analisam inequivoca-mente a partir da Educação e questionam o carácter marginal atribuído à educação de jovens e adultos trabalhadores e a subordinação da Educação às necessi-dades de controlo social ou ortopedia social, pontuando a divergência entre o conceito de Educação como um direito universal (que todos os autores defen-dem) e Educação como um obrigação e responsabilização individual, numa lógica da gestão de si.

Numa primeira parte são questiona-

das as políticas de inclusão e de eleva-ção da escolaridade face ao aumento das desigualdades no quadro do capitalismo contemporâneo, enquanto numa segun-da parte, são associados os artigos que reflectem sobre os Movimentos Sociais Populares na óptica dos trabalhadores, evidenciando a importância decisiva de «processos educativos não formais, que se combinam e confundem com formas de acção e de luta pela transformação so-cial» (Canário, 2007, in: Tiriba, p. 158).

Os autores que construíram os artigos da primeira parte colocam-se se em per-spectivas de superar o capitalismo, ultra-passando os determinismos e as aborda-gens estruturalistas e fazendo a apologia de processos formativos e peda gógicos que transformam os trabalhadores em sujeitos com consciência de classe. Nes- tes processos de luta contra-hegemónica – Gramsci é, sem dúvida, um autor de referência para estes autores – é dada uma importância maior às questões da cultura e da linguagem. Gaudêncio Frigotto refere uma ‘novlangue’, apa- rentemente sem origem que, ao mesmo tempo que institui um vocabulário e ideário que naturaliza conceitos (glo-balização, flexibilidade, governabili-dade, exclusão, inclusão, competência,

empregabilidade, qualidade total, em-preendedorismo, capital humano) consti-tui um condicionamento de classe numa doutrina neoliberal.

Este vocabulário faz parte de um novo paradigma pós-classista e pós-industrial, de uma sociedade do conhecimento que rompe com o paradigma da moderni-dade e as suas meta-narrativas. Neste quadro, Natália Alves situa criticamente o novo mandato da educação – o de combater as exclusões e fomentar a em-pregabilidade. Partindo das expressões exclusão social e empregabilidade (di-fundidas como categorias universais e ideologicamente neutras) faz um percur-so fundamentado em Castel, Schnapper, Laville, Méda, Touraine e Paugam para desconstruir os discursos actuais sobre a sociedade e o indivíduo, deixando claro que os novos quadros cognitivos foram criados para que o desemprego estru-tural deixe de ser considerado como um problema económico e político e passe a ser concebido como um problema in-dividual cuja origem reside num défice de competências de empregabilidade. Nesta linha, Cármen Cavaco interroga os processos RVCC e evidencia os para-doxos que os atravessam: se por um lado a argumentação remete para uma visão utopista de valorização da pessoa, a sua operacionalização aponta explici-tamente para a empregabilidade como principal preocupação.

Os artigos que compõem a segunda parte deste livro partem de experiências de movimentos sociais, tão variados quanto: o trabalho associado e de autogestão, a partir da herança da Ergologia; os proces-sos educativos e de trabalho no tempo revolucionário do PREC, em Portugal no pós-74; o associativismo popular no caso particular de Almada enquanto processo de autonomia das classes trabalhado-ras e de superação da questão social por contraponto à análise crítica do actual terceiro sector; a educação do campo e o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) no Brasil; as escolas rurais em Portugal; e o Movimento Operário e do Movimento Camponês. Estes autores en-

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AO LONGO DA VIDA 63

DOSSIER

O Projecto PALADIN – Promover a Aprendi-zagem e Envelheci-mento Activos de Ci-

dadãos Seniores em Situação de Desvantagem – visa capacitar os maiores de 50 anos possuidores de baixas qualificações, através do desenvolvimento das suas ca-pacidades de auto-formação em 5 áreas: Actividades (Empre go e Voluntariado), Saúde, Finanças, Cidadania e Educação (Formal, Não-Formal e Informal).

Sobre o PALADINO Projecto PALADIN (Promo-

ver a Aprendizagem e o Envelhe-cimento Activo dos Seniores em Situações de Desvantagem) visa capacitar os seniores em situa-ções de desvantagem (maiores de 50 anos com baixas qualificações) através do desenvolvimento das suas capacida-des de auto aprendizagem em 5 áreas:Objectivos Gerais– Desenvolver e testar um conjunto

de instrumentos e metodologias de modo a facilitar o processo de auto aprendizagem dos seniores em situações de desvantagem (acima dos 50 anos com baixas qualificações);

– Estabelecer uma rede de actividades inovadoras, centradas na auto-aprendizagem a nível local.

Objectivos Operacionais– Produzir um índex de auto-

aprendizagem para seniores;– Produzir 20 ferramentas didácticas

de auto aprendizagem;– Desenvolver 5 escalas de prontidão

para a auto aprendizagem em 5 áreas específicas;

– Organizar 25 debates públicos em 5 países;

– Organizar 4 Eventos Científicos Internacionais

– Produzir um Memorandum de “Lições e recomendações para decisores políticos em matéria de aprendizagem ao longo da vida”.

A parceria do PALADIN, é constitu-ído por 8 Instituições de 6 países: Por-tugal, Espanha, Bulgária, Grécia, Malta e Hungria.

É uma parceria multidisciplinar que inclui centros/organizações de investi-gação, comunidade educativa e autori-dades locais/decisores políticos. Envol-ve países Mediterrânicos e da Europa Central que apresentam baixos índices de participação na aprendizagem ao longo da vida.

* INFORUM irá desempenhar o papel originalmente destinado ao Ins-tituto Nacional de Telecomunicações (Polónia)

Saiu recentemente a primeira news -letter deste Projecto, em língua portu-guesa, que pode ser consultada em http://www.projectpaladin.eu/ n

Projecto PAlAdIN

NOTÍCIAS

AO LONGO DA VIDA 63

tendem a educação como «auto-produção na qual o ser humano transformando-se a si mesmo, criando conhecimento, ciência e cultura, como auto-produção na qual o ser humano transforma o mundo e se transforma com este mundo» (Marlene Ribeiro, p. 120).

Nesta parte para além de ser eviden-ciada a possibilidade de correspondên-cia entre os movimentos sociais de base educativa constituídos em Portugal e no Brasil, ressaltam as possibilidades revo-lucionárias de entender os Mundos do Trabalho e Aprendizagem: um Trabalho que educa na medida em que pressupõe uma nova organização e uma nova cul-tura, o trabalho socialmente útil, o que tem vitalidade para articular a teoria e a prática, que possibilita a ressignificação e reconstrução dos elementos materiais e simbólicos para novos sentidos do tra-balho e da produção de saberes. E uma Escola que contenha em si um projecto de mudança, que possibilite o desenvol-vimento total, completo, das potenciali-dades humanas, com base na formação experiencial e com uma democratização do conhecimento.

A distinção de Stephen Stoer entre alfabetização e poder popular faz pre-sente que o controlo operário tinha como desafio lutar contra o monopólio do saber e reconstruir os saberes sobre o mundo através das experiências vividas e percebidas. Dizia Stoer (2008, p.107) que «atribuir à educação a necessidade de responder às exigências da economia permanece uma componente central da política de educação […]. Todavia, a questão de responder ao apelo de maior correspondência ensino-trabalho e de maior qualidade no ensino, tem privile-giado, de acordo com a formação políti-ca no poder, ora os mecanismos do mer-cado ora a intervenção do Estado». É esta a discussão que atravessa todo o livro. n

Por Isabel Passarinho, doutoranda em formação de adultos no Instituto de Educação, UL

Referência Bibliográfica:Stoer, Stephen (2008). Textos escolhidos. Porto: Edições Afrontamento, Lda./CIIE

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DOSSIERNOTÍCIAS

A luta contra a pobreza e a ex-clusão social figura entre os principais objectivos da União Europeia e dos seus Es-

tados Membros.Em Março de 2000, por ocasião do

lançamento da estratégia de Lisboa, os Chefes de Estado e de Governo compro-meteram-se a dar «um impulso decisi-vo à eliminação da pobreza» até 2010. Apesar dos esforços desenvolvidos, uma parte significativa da população euro-peia vive ainda em profunda carência e não tem acesso a serviços de base, como os cuidados de saúde. Esta situação está em contradição com os valores comuns da União Europeia de solidariedade e de justiça social.

Porquê este Ano Europeu 2010? A pobreza e a exclusão não só afectam

o bem-estar das pessoas e a possibilida-de de participarem na vida da sociedade como também prejudicam o desenvolvi-mento económico. A União quer reafir-mar a importância da responsabilidade colectiva na luta contra a pobreza, o que envolverá, não só os decisores, mas tam-bém os demais intervenientes dos secto-res público e privado. O Ano Europeu vai, nomeadamente, procurar dar a pala-vra a quem vive, no dia a dia, a pobreza e a exclusão social. Desde 1983, a Europa lança todos os anos uma campanha de sensibilização chamada «Ano Europeu», visando informar e promover o diálogo com os cidadãos europeus, a fim de fazer evoluir as mentalidades e os comporta-mentos. Esses anos são também ocasiões para atrair a atenção dos governos nacio-nais para as temáticas de natureza «socie-tal». Em 2008, a União celebrou o Ano Europeu do diálogo multicultural, em 2007 a igualdade de oportunidades, em 2006 a mobilidade dos trabalhadores. 2010, Ano Europeu de luta contra a po-breza e a exclusão social.

Alguns números.Os nossos sistemas de protecção social contam-se entre os mais desenvolvidos no mundo e, contudo, ainda hoje exis-tem demasiados europeus a viver na pobreza. Este fenómeno reveste formas complexas mas alguns números falam por si mesmos:– 78 milhões de pessoas vivem aquém

do limiar de pobreza (fixado em 60 % da mediana de rendimento do res-pectivo país); o que representa 16 % da população europeia.

– Um europeu em cada dez vive numa família onde ninguém trabalha. Aliás, o trabalho nem sempre previne contra o risco de pobreza.

– Para 8 % dos europeus, o emprego não é suficiente para sair da pobreza.

– Na maioria dos Estados Membros, as crianças estão mais expostas a este problema do que o resto da popu-lação. Com efeito, 19% delas estão ameaçadas de pobreza, ou seja, 19 milhões de crianças.

Os objectivosQuatro objectivos transversais vão es-

tar no cerne do próximo Ano Europeu:– Reconhecimento: reconhecer o direito

fundamental das pessoas em situa-ção de pobreza e de exclusão social a viverem na dignidade e a tomarem uma parte activa na sociedade;

– Responsabilidade partilhada e partici-pação: aumentar a adesão do público às políticas de inclusão social, subli-nhando a responsabilidade colectiva e individual na luta contra a pobre-za e a exclusão social, promovendo o envolvimento de todos os actores públicos e privados;

– Coesão: promover uma maior coesão na sociedade e assegurar que nin-guém duvide das vantagens que re-sulta, para todos, de uma sociedade sem pobreza;

– Envolvimento e acção concreta: reno-var o envolvimento da UE e dos Es-tados Membros de lutarem contra a pobreza e a exclusão social e de asso-ciaram, para isso, todos os níveis de poder. Ver www.2010combateapobreza.pt

64 APrENDEr

Pobreza: uma pessoa vive na pobreza se o seu rendimento e recursos são insuficientes e a impedem de ter um nível de vida considerado como aceitável na sociedade em que vive. devido à pobreza a pessoa pode enfrentar múltiplos problemas: desemprego, fraco rendimento, alojamento desconfortável, falta de benefícios de saúde e enfrenta obstáculos nos acessos à aprendizagem ao longo da vida, à cultura, ao desporto e aos lazeres. ela encontra-se portanto marginalizada e excluída da participação nas actividades (económicas, sociais e culturais) que são norma para as outras pessoas e o seu acesso aos direitos fundamentais pode ser restrito. (tradução do relatório conjunto sobre inclusão social, com 2003, 773 final). n

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