os odebrecht, os camargo e os andrade: as grandes famílias...

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1 Os Odebrecht, os Camargo e os Andrade: as grandes famílias brasileiras da construção civil Pedro Henrique Pedreira Campos 1 A gente quando fala da Alemanha lembra da Siemens, da Volkswagen, quando fala dos Estados Unidos a gente lembra da IBM e por aí vai. E hoje a gente tem o orgulho de dizer que lá fora também nos conhecem por algumas das empresas, inclusive a Odebrecht, que construiu o aeroporto de Miami e faz obras no mundo inteiro. 2 A fala acima foi feita pelo ministro da Defesa, Jacques Wagner, em meio às denúncias e andamento da Operação Lava-Jato, no início do ano de 2015. Caracterizou então a posição do governo de sair em defesa as empreiteiras que, naquele momento, passavam por dificuldades por conta do desenrolar da operação. A fala é indicativa da relação estreita do capital monopolista com o Estado no capitalismo contemporâneo, o que se evidencia hoje também no Brasil com o caso emblemático das empreiteiras. Dentre os diversos setores da economia brasileira, um dos mais poderosos é o da engenharia e construção. Abrangendo empresas portadoras de um poder econômico e político invejável, o setor conta no Brasil com a construção pesada como o seu ramo mais avançado. Essas companhias tiveram uma ascensão extremamente acelerada ao longo do século XX, no compasso da própria velocidade do desenvolvimento capitalista brasileiro, em especial entre as décadas de 1930 e 1980. Com essa expansão, que teve como pontos altos o período Kubitschek (1956-1961) e a ditadura civil-militar (1964-1988), as empresas do setor se ramificaram para outras atividades, transformando-se em conglomerados dotados de tentáculos em diversos setores da economia. Essa tendência foi acentuada com as políticas neoliberais adotadas a partir da década de 1990, que propiciaram uma série de privatizações e concessões públicas que tiveram as empreiteiras como beneficiárias, já que várias delas adquiriram bens e contratos para a gestão de serviços públicos. Em paralelo a esse processo, desde fins dos anos 1960 as maiores companhias do setor estabeleceram um exitoso processo de internacionalização e passaram a atuar como empresas multinacionais. Apesar dos 1 Professor do Departamento de História e Relações Internacionais da UFRRJ e doutor em História pela UFF. 2 Frase do ministro da Defesa Jacques Wagner enunciada em fevereiro de 2015. In: Jornal O Globo. Edição de 24 de fevereiro de 2015. p. 3.

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    Os Odebrecht, os Camargo e os Andrade:

    as grandes famílias brasileiras da construção civil

    Pedro Henrique Pedreira Campos1

    A gente quando fala da Alemanha lembra da Siemens, da Volkswagen, quando fala

    dos Estados Unidos a gente lembra da IBM e por aí vai. E hoje a gente tem o

    orgulho de dizer que lá fora também nos conhecem por algumas das empresas,

    inclusive a Odebrecht, que construiu o aeroporto de Miami e faz obras no mundo

    inteiro.2

    A fala acima foi feita pelo ministro da Defesa, Jacques Wagner, em meio às denúncias

    e andamento da Operação Lava-Jato, no início do ano de 2015. Caracterizou então a posição

    do governo de sair em defesa as empreiteiras que, naquele momento, passavam por

    dificuldades por conta do desenrolar da operação. A fala é indicativa da relação estreita do

    capital monopolista com o Estado no capitalismo contemporâneo, o que se evidencia hoje

    também no Brasil com o caso emblemático das empreiteiras.

    Dentre os diversos setores da economia brasileira, um dos mais poderosos é o da

    engenharia e construção. Abrangendo empresas portadoras de um poder econômico e político

    invejável, o setor conta no Brasil com a construção pesada como o seu ramo mais avançado.

    Essas companhias tiveram uma ascensão extremamente acelerada ao longo do século XX, no

    compasso da própria velocidade do desenvolvimento capitalista brasileiro, em especial entre

    as décadas de 1930 e 1980. Com essa expansão, que teve como pontos altos o período

    Kubitschek (1956-1961) e a ditadura civil-militar (1964-1988), as empresas do setor se

    ramificaram para outras atividades, transformando-se em conglomerados dotados de

    tentáculos em diversos setores da economia. Essa tendência foi acentuada com as políticas

    neoliberais adotadas a partir da década de 1990, que propiciaram uma série de privatizações e

    concessões públicas que tiveram as empreiteiras como beneficiárias, já que várias delas

    adquiriram bens e contratos para a gestão de serviços públicos. Em paralelo a esse processo,

    desde fins dos anos 1960 as maiores companhias do setor estabeleceram um exitoso processo

    de internacionalização e passaram a atuar como empresas multinacionais. Apesar dos

    1 Professor do Departamento de História e Relações Internacionais da UFRRJ e doutor em História pela UFF. 2 Frase do ministro da Defesa Jacques Wagner enunciada em fevereiro de 2015. In: Jornal O Globo. Edição de

    24 de fevereiro de 2015. p. 3.

  • 2

    constantes envolvimentos em "escândalos de corrupção", o poder das principais empresas do

    setor parece resistir firmemente, fazendo com que elas se mantenham até os dias atuais como

    importantes agentes econômicos e políticos nacionais.

    Apesar da abertura de capital e presença de investidores nacionais e estrangeiros em

    suas holdings, as empreiteiras brasileiras mantêm até hoje uma estrutura de controle familiar,

    como denotam os seus próprios nomes. Dentre as principais empresas do setor, selecionamos

    as que constituem as maiores do país hoje e que possuem as trajetórias mais emblemáticas.

    Assim, analisaremos a história das famílias controladoras dos grupos Odebrecht, Camargo

    Corrêa e Andrade Gutierrez.

    “Todos querem ser Camargo Corrêa”3

    Após a ultrapassagem do Rio de Janeiro na década de 1920, São Paulo se tornou o

    epicentro da acumulação do capital industrial do país, com demandas de uma série de obras

    para a implementação do seu parque industrial e economia urbana. Além disso, seu

    dinamismo econômico fez multiplicar a arrecadação dos cofres públicos locais e regional, o

    que proveu suporte à realização de várias intervenções no setor de infra-estrutura. Dadas essas

    condições, conformou-se no estado o principal mercado de obras públicas do país, contando

    com um vasto número de empresas especializadas em rodovias, hidrelétricas, ferrovias e

    melhoramentos urbanos. O complexo mercado local possibilitou a emergência de um setor

    empresarial poderoso e diversificado, contexto no qual foi fundada a primeira composta

    exclusivamente por empreiteiros, enquanto o Rio e Minas contavam apenas com entidades de

    engenheiros e construtores de obras públicas do país em geral. A organização das firmas

    locais foi elemento importante para a atuação e pressão junto aos órgãos do aparelho de

    Estado e para a implementação de políticas que ajudaram a consolidar as empresas locais,

    incluindo um deliberado protecionismo para empresas locais. De princípio, poucas empresas

    não-paulistas tiveram a sorte de arrematar contratos de agências estatais do governo ou em

    prefeituras de São Paulo. Com essa reserva do mercado para as empreiteiras locais, foi

    3 Frase redigida por Haroldo Guanabara, dirigente do Sinicon (Sindicato Nacional da Construção Pesada) e da

    AEERJ (Associação de Empreiteiros do Estado do Rio de Janeiro), em artigo na revista Construir no 1, de junho

    de 1988, e repetida por outros empreiteiros em diversas ocasiões. Ver AEERJ. AEERJ 30 Anos: 30 anos de obras

    públicas no Rio de Janeiro (1975-2005). Rio de Janeiro: AEERJ, 2005. p. 128.

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    possível fixar um capital da indústria da construção pesada paulista, principalmente em

    momentos em que a antiga capital federal dispunha de empresas maiores e mais avançadas

    tecnologicamente. Assim, o estado foi celeiro de grandes e importantes empresas como CCBE

    (Companhia Construtora Brasileira de Estradas), Cetenco, CBPO (Companhia Brasileira de

    Projetos e Obras), Constran, Serveng-Civilsan, dentre outras. Apesar da multiplicidade de

    construtoras paulistas, a empreiteira líder do estado historicamente é a Camargo Corrêa (CC),

    pertencente a Sebastião Camargo, não à toa chamado de "mestre" por seus colegas

    empreiteiros4.

    A Camargo Corrêa foi e é a maior empreiteira paulista e, em diversos momentos

    históricos, constou como a maior empresa de engenharia do país, em particular ao longo da

    ditadura. Durante todo o regime, a Camargo Corrêa esteve em primeiro lugar na lista feita

    pela revista O Empreiteiro sobre as maiores construtoras do país, havendo inclusive anos em

    que o seu faturamento superava o dobro da receita da segunda colocada. As únicas exceções

    foram o ano de 1979 e os de 1984 em diante, sendo que no primeiro caso, a empresa caiu para

    terceiro lugar, atrás da Andrade Gutierrez e Odebrecht, por conta do atraso em pagamentos

    por suas obras em hidrelétricas e, no segundo caso, a Mendes Júnior a ultrapassou pelo

    faturamento em dólares no exterior, como se pode ver no gráfico abaixo. Mesmo assim, seu

    patrimônio sempre foi maior e, segundo pesquisa da Caterpillar (principal fabricante mundial

    de equipamentos de construção) com empreiteiras do mundo inteiro, a Camargo Corrêa (CC)

    não era apenas a maior empresa de engenharia do Brasil. Contabilizando a quantidade e valor

    dos equipamentos das empresas, a CC figurava como maior companhia de construção do

    planeta no início dos anos 19805, superando empreiteiras norte-americanas e européias, já

    que, naquele momento, construía as três maiores hidrelétricas do mundo: Itaipu (14.000 MW),

    Guri (na Venezuela, 10.000 MW) e Tucuruí (8.000 MW).

    Gráfico 1 – Posição da Camargo Corrêa dentre as construtoras brasileiras desde 1971:

    4 GUEDES, Henrique. Histórias de Empreiteiros. São Paulo: Clube dos Empreiteiros, s/d [1996]. p. 389. 5 QUINTELLA, Wilson. Memórias do Brasil Grande: a história das maiores obras do país dos homens que as

    fizeram. São Paulo: Saraiva / Vigília, 2008. p. 15-24. Usamos a memória do ex-dirigente da empresa como

    principal fonte para a reconstrução da trajetória da companhia.

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    Fonte: Revista O Empreiteiro, edições no 57, 68, 91, 103, 115, 127, 138, 150, 163, 176, 188, 200, 212, 224, 236,

    248, 260, 272, 280, 291, 302, 315, 324, 335, 346, 357, 368, 379, 389, 400, 411, 422, 432, 444, 455, 466, 477,

    488, 499, 510, 521 e 533.

    O gráfico acima traz a posição da Camargo Corrêa entre as maiores empresas

    brasileiras de engenharia feito pela revista O Empreiteiro, que criou a listagem em 1971 com

    base no faturamento anual das empresas. Há algumas curiosidades a se notar na trajetória da

    empreiteira. Em primeiro lugar, pode-se verificar que em 43 anos de trajetória, a CC nunca

    deixou de estar entre as cinco maiores empresas de construção do país - feito inigualável no

    setor -, liderando o ranking em doze anos, sendo oito seguidos. É curioso verificar também

    que, apesar de manter um bom desempenho no período pós-ditadura, todos os anos em que a

    empresa liderou a lista foram durante o período 1964-1988, o que sinaliza a sua intensa

    relação com o regime. Como se vê no gráfico, os anos de menor desempenho da empresa

    correspondem justamente ao período da transição entre a ditadura e o regime constitucional

    legal. É importante ressaltar também que a Camargo Corrêa, justamente nesse período de

    transição, optou por não partir com vigor para o mercado externo, como fizeram as novas

    líderes da construção pesada no Brasil.

    A Camargo Corrêa foi fundada em 1938 em São Paulo e leva o nome dos seus dois

    fundadores e primeiros principais sócios. Sebastião Ferraz Camargo, filho dos proprietários

    rurais Francisco Ferraz de Camargo e Anna Claudina Camargo Ferraz, não completou o

    terceiro ano do ensino primário e depois ganhou o sobrenome Penteado ao se casar com dona

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    Dirce Penteado – da tradicional família Penteado, da burguesia industrial paulista6 –,

    tornando-se logo o maior acionista da empresa ao comprar as ações de Silvio Corrêa e dos

    minoritários Antonio Giuzio e Wilson Camargo Barros. A empresa foi criada como

    companhia limitada e, em 1946, foi transformada em sociedade anônima, apesar de o seu

    controle ter permanecido com Sebastião Camargo e sua família, como ocorre até os dias

    atuais7.

    Outras relações foram importantes nos primeiros anos da empresa. Em sua memória,

    Wilson Quintella indica as ligações de Sebastião Camargo com Ademar de Almeida Prado,

    Joaquim Paes de Barros e José Renato Lyra Tavares, o que indica a ampla inserção que

    Camargo possuía no seio da burguesia paulista e do aparelho de Estado local. Segundo

    Wilson Quintella, quinto funcionário contratado pela empresa em 1947 e futuro presidente da

    companhia, “Sebastião, o diretor superintendente, era o homem dos relacionamentos: fazia as

    amizades e criava as oportunidades de negócio.”8 Já Silvio Brand Corrêa entrava teoricamente

    com o dinheiro, mas – segundo o relato de Wilson Quintella – não só: “Como o dr. Silvio se

    relacionava bem com Adhemar [de Barros], o Sebastião se associou a ele para ter acesso às

    obras feitas para o governo.”9 No caso, Brand Corrêa, advogado formado no Largo do São

    Francisco, era casado com Odete, irmã de Adhemar de Barros. O fato de ser cunhado do

    governador interventor de São Paulo quando a empresa foi fundada parece ter sido decisivo

    para a arrancada da Camargo Corrêa desde seus primeiros anos. O governo do médico

    Adhemar de Barros contratou várias obras à companhia nascente e, apesar das denúncias de

    ilegalidades em seus cargos no Executivo, Quintella considera em sua memória o ex-

    governador de São Paulo um injustiçado: “de modo algum merece ser lembrado pela história

    pelo bordão ao qual foi associado, o de político que ‘rouba, mas faz’ ”10. Apesar da defesa de

    Quintella, o político paulista foi cassado pela ditadura em 1966 sob a alegação de corrupção e,

    três anos mais tarde, os guerrilheiros da ALN (Ação Libertadora Nacional) conseguiram obter

    na casa de Adhemar um pequeno cofre com US$ 2,6 milhões em pacotinhos de banco suíço, o

    6 Ver GORENDER, Jacob. A Burguesia Brasileira. 3ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1991 [1981]. p. 37-8. 7 Revista O Empreiteiro. Edição de dezembro de 1969, no 23. 8 QUINTELLA, Wilson. Memórias do Brasil Grande. op. cit. p. 41. 9 QUINTELLA, Wilson. Memórias do Brasil Grande. op. cit. p. 41. 10 QUINTELLA, Wilson. Memórias do Brasil Grande. op. cit. p. 257.

  • 6

    que, segundo Elio Gaspari, “era dinheiro roubado, tomado a empreiteiros e bancas do

    bicho”11.

    A Camargo Corrêa começou atuando em serviços para empresas ferroviárias e

    ocupação do espaço urbano, diversificando depois suas atividades na área de engenharia.

    Teve participação em obras rodoviárias no estado de São Paulo desde o final dos anos 30 e,

    em nível nacional, após a criação do FRN (Fundo Rodoviário Nacional), em 1945. Participou

    das obras de Brasília e dos empreendimentos rodoviários do período Juscelino Kubitschek.

    No entanto, seu maior trunfo acabou sendo a construção de hidrelétricas. Depois de ter obtido

    tecnologia com a norueguesa Noreno na construção de três usinas da Cherp (Companhia

    Hidrelétrica do Rio Pardo), a empresa passou a atuar na maior parte das hidrelétricas

    paulistas, sendo um marco a usina de Jupiá, maior do Brasil então12.

    O que deu força para que a empresa de Sebastião Camargo chegasse ao golpe de 1964

    como maior empresa de engenharia nacional e permanecesse nesse posto durante todo o

    regime foi em boa medida seu poder e inserção no governo estadual paulista. Sobre essa

    relação da Camargo Corrêa com o poder estadual paulista, há anedota relatada no livro de

    Henrique Guedes, na qual por ocasião da posse de um governador no Palácio dos

    Bandeirantes, um antigo administrador teria encontrado Sebastião Camargo na solenidade e

    teria dito: “Olá, Sr. Sebastião, o senhor também por aqui? – Eu... eu estou sempre aqui... os

    senhores é que mudam.”13

    O conjunto de acessos e contatos de Sebastião Camargo, Wilson Quintella e outros

    dirigentes da CC junto ao aparelho de Estado paulista era extremamente poderoso. Nos

    financiamentos, por exemplo, Camargo fazia questão que a empresa atuasse basicamente com

    o Banespa, conseguindo ali financiamentos facilitados14. Na área de energia, a Camargo

    Corrêa foi responsável por boa parte da capacidade instalada do estado, além de ter sido

    acionista, na década de 1960, de 8% da Celusa (Companhia Hidrelétrica de Urubupungá),

    uma das empresas estaduais paulistas que deu origem à Cesp15.

    11 GASPARI, Elio. A Ditadura Escancarada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 56. 12 ALMEIDA, Márcio Wahlers de. Estado e Energia Elétrica em São Paulo: CESP, um estudo de caso.

    Dissertação de Mestrado em Economia e Planejamento Econômico. Campinas: Unicamp, 1980. p. 28-150. 13 GUEDES, Henrique. Histórias de Empreiteiros. op. cit. p. 128. 14 QUINTELLA, Wilson. Memórias do Brasil Grande. op. cit. p. 199-224. 15 ALMEIDA, Márcio Wahlers de. Estado e Energia Elétrica em São Paulo. op. cit. p. 28-150.

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    Até a década de 1980, a empresa competia com a Mendes Júnior como a maior

    barrageira nacional, com vantagem para a empreiteira paulista. Juntando-se a sua ligação

    histórica com o aparelho estatal paulista e sua especialidade em obras hidrelétricas e de

    barragens, vê-se como a empresa teve uma atuação especial com a Cesp (Companhia Elétrica

    - depois Energética - do Estado de São Paulo). A Cesp, criada em 1966 com a reunião de seis

    companhias estaduais de energia, foi dirigida por engenheiros da USP durante a ditadura,

    como o ex-governador Lucas Nogueira Garcez e Francisco de Souza Dias16. Eles eram

    próximos de Sebastião Camargo, Oscar Americano, Eduardo Celestino Rodrigues e outros

    grandes empreiteiros do estado, reunidos no Instituto de Engenharia e em outros aparelhos

    privados. No quadro 1, pode-se verificar como a ampla maioria das obras civis das usinas da

    Cesp ficou a cargo de empreiteiras paulistas e como, dentre essas, a CC detém uma posição

    privilegiada. Além de ser a empresa que mais fez hidrelétricas (10 das 20), a CC foi

    dominante também na construção da potência instalada da estatal paulista. Dos 11.288

    megawatts das usinas contratadas pela Cesp, a CC foi responsável por 8.381 MW, mais de

    74% do total, sendo ela responsável pelas quatro maiores usinas do estado: Ilha Solteira,

    Jupiá, Água Vermelha e Porto Primavera. Esse dado denota a posição de liderança que a

    Camargo Corrêa possuía entre as empreiteiras paulistas, mas não significa que ela tenha

    realizado as obras sozinha, havendo em geral uma divisão desses serviços através de sub-

    empreitada, o que era feito comumente com outras construtoras do estado e cujos termos eram

    muitas vezes objeto de acertos anteriores à concorrência. A mesma sorte não servia para a

    empresa com contratantes como a Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais), a Chesf

    (Companhia Hidrelétrica do Vale do São Francisco), Furnas ou a Eletrobrás.

    Quadro 1 – Principais usinas hidrelétricas e outras grandes obras da Cesp:

    Usina ou obra: Potência: Ano de entrega: Construtora:

    Salto Grande (Lucas Nogueira Garcez) 71 MW 1958 Servix

    Limoeiro (Armando Salles de Oliveira) 32 MW 1958 Noreno / CC

    Euclides da Cunha 109 MW 1960 Camargo Corrêa

    Jurumirim (Armando A. Laydner) 98 MW 1962 Servix

    Barra Bonita 141 MW 1963 Tenco

    Bariri (Álvaro de Souza Lima) 143 MW 1966 CC / Tenco

    Caconde (Graminha) 80 MW 1966 Camargo Corrêa

    16 Revista O Empreiteiro. Edição no 77; INSTITUTO de Engenharia. Engenharia no Brasil: 90 anos do Instituto

    de Engenharia, 1916-2006. São Paulo: Instituto de Engenharia, 2007. p. 88-125.

  • 8

    Jupiá (Engo Souza Dias) 1551 MW 1969 Camargo Corrêa

    Ibitinga 131 MW 1969 Tenco

    Xavantes 414 MW 1970 CBPO

    Jaguari 28 MW 1972 CBPO

    Ilha Solteira 3444 MW 1973 Camargo Corrêa

    Promissão (Mário Lopes Leão) 264 MW 1975 Cetenco

    Capivara (Escola de Enga Mackensie) 640 MW 1977 CBPO

    Paraibuna 86 MW 1978 Camargo Corrêa

    Água Vermelha (J. Ermírio de Morais) 1396 MW 1978 Camargo Corrêa

    Represa de Paraitininga 1978 Camargo Corrêa

    Nova Avanhandava 300 MW 1982 CBPO

    Barragem Três Irmãos 1984 A. Gutierrez

    Taquaruçu (Escola Politécnica da USP) 500 MW 1984 Mendes Júnior

    Rosana 320 MW 1984 Servix

    Canal Pereira Barreto 1985 C. R. Almeida

    Porto Primavera (Engo Sérgio Motta) 1540 MW 2003 Camargo Corrêa Fonte: O Empreiteiro. Edições no 33, 39, 51, 62, 66 e 158; ALMEIDA, M. W. de. Estado e... op. cit. p. 327.

    Não só de hidrelétricas era a relação da Camargo Corrêa com o aparelho de Estado

    paulista. A empreiteira foi responsável também pelo aeroporto de Guarulhos, trechos da

    rodovia dos Imigrantes, da Anchieta, da Via Norte (depois, estrada dos Bandeirantes), do

    metrô de São Paulo e obras da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São

    Paulo), como o sistema Cantareira e a Estação de Tratamento de Barueri etc.

    A inserção da empresa no Executivo paulista transcendia as diferentes gestões no

    Estado. Mesmo com as conexões com Adhemar, a chegada de Jânio Quadros ao governo do

    estado não trouxe problemas para a construtora. Segundo o relato de Wilson Quintella, como

    ele era próximo do governador de Mato Grosso, Fernando Corrêa da Costa, e esse, segundo

    seu relato, quando ia a São Paulo, ficava em sua casa, Quadros – mato-grossense de

    nascimento e próximo de Costa – foi jantar na casa de Quintella por uma ocasião de uma

    visita do governador matogrossense a São Paulo. Segundo memória do dirigente, Sebastião

    Camargo compareceu ao jantar e conseguiu naquela ocasião um acordo para a obra do

    prolongamento da ferrovia Sorocabana, a cargo da empreiteira17.

    Além das relações que uniam membros da empresa a órgãos e agentes do aparelho de

    Estado, a CC era profícua em contatos empresariais, em especial junto ao grande

    empresariado paulista. O advogado Wilson Quintella, que entrou na empresa pelas mãos de

    17 QUINTELLA, Wilson. Memórias do Brasil Grande. op. cit. p. 131-49.

  • 9

    Silvio Brand Corrêa, e que logo se tornou ali uma pessoa muito importante, estudou no

    mesmo colégio que José e Antonio Ermírio de Morais e era próximo dos dois18. A empresa

    desenvolveu parcerias com a Votorantim e também com o Bradesco e a ligação Camargo

    Corrêa-Bradesco-Votorantim foi intensa na ditadura. Ilustrativo disso é o relato de 1973 do

    general João Figueiredo a Golbery do Couto e Silva, documentada por Elio Gaspari:

    Eu tive uma documentação que eu levei para o presidente há uns meses atrás, do

    Delfim, de que antes da concorrência, aquela da Água Vermelha, ele afirmava a um

    grupo francês que queria entrar no financiamento, de que a firma construtora seria a

    Camargo Corrêa. Antes da concorrência. Então está aí, na cara. É Camargo Corrêa, é

    Bradesco, é tudo a mesma panela.19

    Trata-se de uma denúncia feita a partir de informações obtidas pelo aparato de espionagem do

    regime e que não veio a púbico no período. O relato se refere a algo corriqueiro em

    concorrências como essas, ou melhor, o acerto prévio da empresa vencedora do pleito. Além

    disso, indica outra prática corrente no meio, a de intermediários que facilitam financiamentos

    e outras questões no aparelho de Estado e recebem uma comissão por isso. No caso, o então

    ministro Delfim Netto receberia uma propina de 6% sobre o financiamento da obra. Por fim, a

    citação indica a ligação entre Camargo Corrêa e Bradesco. Essa ligação não se restringiu à

    ditadura e, na década de 1990, Votorantim, Bradesco e Camargo Corrêa se uniram no

    consórcio VBC, que comprou a companhia de energia CPFL (Companhia Paulista de Força e

    Luz)20.

    A trajetória institucional de Sebastião Camargo e de sua empresa é peculiar. Camargo

    fazia questão que a empresa participasse de todas associações de classe, setoriais ou não.

    Assim, a Camargo Corrêa foi fundadora do Sinicon (Sindicato Nacional da Construção

    Pesada)21, era associada à Sinicesp (Sindicato da Construção Pesada do Estado de São Paulo),

    à Apeop (Associação Paulista dos Empreiteiros de Obras Púbicas) e outras associações

    ligadas às empreiteiras, mas nunca exerceu cargos em suas diretorias, sendo, pelo contrário,

    muitas vezes alvo de críticas dessas entidades. Sua área de atuação não se limitava apenas a

    esse campo e o dono da empresa era envolvido com militares e empresas multinacionais,

    sendo representante da seção brasileira do Conselho Interamericano de Comércio e Produção

    18 QUINTELLA, Wilson. Memórias do Brasil Grande. op. cit. p. 27-39. 19 Citado por GASPARI, Elio. A Ditadura Derrotada. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p. 273. 20 http://www.camargocorrea.com.br/ acessado em 20 de agosto de 2007. 21 SINICON. Ata da reunião de fundação do Sinicon. 10 de março de 1959.

    http://www.camargocorrea.com.br/

  • 10

    (Cicyp)22, membro do Círculo Militar de São Paulo, participante do Conselho de Associação

    de Assistência à Criança Defeituosa (AACD), membro do conselho técnico-administrativo da

    Associação Nacional de Programação Econômica e Social (Anpes) e representante no Brasil

    do Comité de Acción para la Integración de América Latina23. Além de ter recebido o título

    de sócio honorário do Instituto de Engenharia de São Paulo, Sebastião Camargo foi

    diplomado honoris causa pela Escola Superior de Guerra (ESG) em 1967 e, em 1991, honoris

    causa na universidade Mackensie24. Roberto Campos foi assessor da empresa25 e Camargo

    era ligado ao ditador paraguaio, Alfredo Stroessner26. Sebastião Camargo contribuiu ainda

    com a Operação Bandeirantes27, financiando o aparato de repressão à resistência armada à

    ditadura no estado de São Paulo. Por conta desta atividade, Camargo se tornou um dos

    principais alvos de "justiçamento" da ALN, antes que a entidade resolvesse assassinar Henry

    Boilesen28. Consta que Sebastião Camargo, ao saber que era um alvo da guerrilha armada,

    mandou sua esposa e três filhas para a Europa e cercou-se de um forte esquema de

    segurança29.

    O entrelaçamento da empresa com a ditadura e seu apoio às práticas de terrorismo de

    Estado, incluindo tortura e assassinato de guerrilheiros que lutavam contra o regime são

    sintomáticos da truculência de Sebastião Camargo. Esse caráter da empresa também ficou

    evidente no tratamento dado aos operários das obras. Não à toa a Camargo Corrêa foi alvo das

    principais revoltas ocorridas de trabalhadores em grandes empreendimentos públicos no país,

    seja na ditadura, seja no período democrático. Assim, foram emblemáticas as revoltas nos

    canteiros de obras das usinas de Tucuruí, em 1980, e de Jirau, em 2011. Em ambos os casos,

    os canteiros estavam localizadas em plena selva amazônica e reuniam dezenas de milhares de

    22 Analisado por Dreifuss em A Internacional Capitalista: estratégias e táticas do empresariado transnacional,

    1918-1986. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1986. p. 148-69. 23 Revista O Empreiteiro. Edição de novembro de 1970, no 34. 24 http://www.camargocorrea.com.br/ acessado em 20 de agosto de 2007. 25 PAULA, Dilma Andrade de. Fim de Linha: a extinção de ramais da estrada de ferro Leopoldina, 1955-1974.

    Tese de doutoramento em História. Niterói: UFF, 2000. p. 350. 26 http://cimento.org/ acessado em 30 de julho de 2011. 27 GASPARI, Elio. A Ditadura Escancarada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 59-67. 28 Filme Cidadão Boilesen (2009). Direção de Chaim Litewski. 29 MELO, Jorge José. "O apoio do empresariado paulista à Oban - Operação Bandeirantes. In: Relatório da

    Comissão Estadual da Verdade de São Paulo. São Paulo: Alesp, 2014.

    http://www.camargocorrea.com.br/http://cimento.org/

  • 11

    trabalhadores, que se revoltaram contra as condições de trabalho e fizeram quebra-quebra nos

    alojamentos30.

    A empresa também ganhou exposição pública por estar frequentemente vinculada a

    denúncias de corrupção. Já no final da ditadura, foi envolvida em esquema de propinas para

    Delfim Netto no relatório Saraiva. Era alvo constante de pequenos e médios empresários do

    setor, que a acusavam de forçar a realização de grandes projetos de obras, como o aeroporto

    de Guarulhos e as eclusas de Tucuruí, o que permitiria a empresa tocá-las e obter grandes

    lucros com as mesmas. No período recente, a empresa esteve duramente envolvidas nas

    operações Castelo de Areia e Lava-Jato da Polícia Federal, quando seus mais altos dirigentes

    foram presos31.

    O convívio e parcerias com empresas estrangeiras também são comuns na trajetória da

    Camargo Corrêa. Em 1979, a construtora fez associação com o grupo suíço de bens de capital

    Brown Boveri, criando a CC-Brown Boveri, para aquisição de equipamentos para uso em

    hidrelétricas32. Em um meio dominado por empresas nacionais, no entanto, a associação

    mereceu resposta irônica das principais rivais da empreiteira paulista. A partir de então,

    Andrade Gutierrez, Mendes Júnior e Norberto Odebrecht passaram a estampar em suas

    propagandas na revista O Empreiteiro e em outros meios o bordão ‘Uma empresa de capital

    100% nacional’33. Em 2001, o grupo CC se associou também à francesa Suez34.

    No período ditatorial, a Camargo Corrêa participou dos projetos mais ambiciosos do

    regime, tomando parte nas obras de Itaipu, Carajás, Transamazônica, Rio-Santos, ponte Rio-

    Niterói (como líder do consórcio que fez a obra), metrô de São Paulo, Tucuruí, ferrovia do

    Aço, aeroporto supersônico de Manaus, Guarulhos, dentre outras. Apesar de buscar

    oportunidades no exterior desde 1967, durante o regime, a Camargo Corrêa realizou fora do

    Brasil apenas a hidrelétrica de Guri, na Venezuela, e encontrou problemas nessa obra35.

    Depois da ditadura, o mercado de obras públicas no país sofreu intenso refluxo.

    Mesmo assim, a CC continuou a possuir uma participação significativa no declinante e exíguo

    mercado interno e passou a tentar mais obras no exterior. Dentre as obras realizadas nesse

    30 Ver CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. "Os empreiteiros de obras públicas e as políticas da ditadura para os

    trabalhadores da construção civil". In: Revista Em Pauta. Vol. 33, 2014. p. 1-20. 31 http://www.folha.uol.com.br/ acessado em 20 de fevereiro de 2015. 32 http://www.camargocorrea.com.br/ acessado em 20 de agosto de 2007. 33 Revista O Empreiteiro. Edição no 127, 150. 34 http://www.camargocorrea.com.br/ acessado em 20 de agosto de 2007. 35 QUINTELLA, Wilson. Memórias do Brasil Grande. op. cit. p. 339-59.

    http://www.camargocorrea.com.br/http://www.camargocorrea.com.br/

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    período, destacam-se a expansão da usina de Tucuruí (com as eclusas para navegação dos

    rios), a linha quatro do metrô de São Paulo, obras e serviços para a Petrobrás, o rodoanel em

    São Paulo, o gasoduto Brasil-Bolívia, as hidrelétricas de Machadinho e Barra Grande, a ponte

    sobre o Rio Negro, o mineroduto Minas-Rio, a expansão da estrada de ferro Carajás, a via

    expressa Transolímpica (no Rio), trechos da Ferrovia Norte-Sul, obras nos metrôs de Salvador

    e as hidrelétricas como as de Jirau (3.450 MW) e Belo Monte (11.233 MW). No exterior, a

    Camargo Corrêa passou atuar em obras na Venezuela, Peru, Bolívia, Colômbia, Angola e

    Moçambique36.

    O grupo Camargo Corrêa não redundou apenas na formação da maior empreiteira do

    Brasil até a década de 1980. Através de robusto processo de ramificação, o complexo

    empresarial inaugurado por Sebastião Camargo se tornou um dos principais grupos

    econômicos nacionais, comparáveis apenas às multinacionais e aos maiores conglomerados

    brasileiros. Em 1983, a CC constava como a 5ª maior empresa privada nacional, caindo para a

    7ª posição em 1984. A atuação do grupo CC na época da ditadura se dava nos setores de

    projetos de engenharia, agropecuária (de onde o próprio Sebastião Camargo saiu), vestuário e

    têxtil, petroquímica, shopping, cimento, pedreira, bancário, calçadista, siderúrgico, alumínio,

    dentre outros. Empresas controladas pelo grupo eram a Companhia Jauense Industrial, o

    Banco de Investimento Industrial (InvestBanco), Banco Geral do Comércio (vendido em 1997

    para o Santander), a São Paulo Alpargatas, Santista Têxtil, a Companhia Petroquímica de

    Camaçari (33,3% do capital, vendido em 1978 para a Odebrecht) e fábricas de cimentos.

    Esse processo de diversificação das atividades do grupo se incrementou a partir da

    década de 1990, quando houve, por um lado, o refluxo no mercado de obras de infraestrutura

    no país e, por outro, o início das políticas privatizantes, que abriram interessantes

    oportunidades para a empresa. Assim, os investimentos em agropecuária, com o haras e o

    moinho do grupo, perderam espaço para uma especialização maior em investimentos

    industriais e em administração de serviços públicos. O grupo está presente hoje nos seguintes

    setores:

    No setor de energia, a Camargo Corrêa atuou com o Votorantim e o Bradesco

    no consórcio VBC, que, juntos com fundos públicos de pensão, adquiriram em

    36 http://www.camargocorrea.com.br/ acessado em 20 de fevereiro de 2015.

    http://www.camargocorrea.com.br/

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    1997 a CPFL (Companhia Paulista de Força e Luz, fundada em 1912),

    distribuidora de energia privatizada em São Paulo. Depois, as fatias do

    Votorantim e Bradesco foram compradas pela Camargo Corrêa, que expandiu

    os negócios da empresa, atuando em geração de eletricidade. Com sede em

    Campinas, a empresa é o maior grupo privado nacional no setor de eletricidade

    e a Camargo Corrêa detém 24,4% das ações ordinárias.

    No setor de cimento, a atuação da CC teve início em 1968 e, a partir da década

    de 1990, foram feitas diversas aquisições, fazendo com que, hoje, o grupo

    Camargo Corrêa seja o segundo em produção no Brasil. Além disso, foram

    feitas compras no exterior, em países como Argentina (com a Loma Negra),

    Portugal (com a Cimpor), além da abertura de unidades produtivas em Angola,

    Moçambique, Cabo Verde e Egito, em um total de 40 fábricas em todo o

    mundo, o que faz do grupo CC como um dos dez maiores de produtores de

    cimento do planeta. A empresa foi renomeada recentemente para Intercement e

    atua com marcas como cimento Cauê e Cimpor, sendo líder em mercados

    como o argentino e o português.

    A Camargo Corrêa está presente em concessões no setor de transportes através

    do controle de 17% das ações ordinárias da Companhia de Concessões

    Rodoviárias (CCR), junto com os grupos Andrade Gutierrez e Soares Penido

    (da empreiteira Serveng-Civilsan), cada um com 17% das ações, formando o

    grupo controlador. A empresa detém as concessões de vias como a ponte Rio-

    Niterói, a rodovia presidente Dutra (Rio-São Paulo), a Via Lagos (no Rio de

    Janeiro), trechos da Raposo Tavares, Bandeirantes, Anhanguera, além de

    outras estradas em São Paulo, Paraná, Minas e Mato Grosso do Sul.

    Recentemente, passou a atuar em concessões de metrôs, com a linha quatro em

    São Paulo e o metropolitano de Salvador, e no de aeroportos, assumindo a

    gestão dos aeroportos de Quito (Equador), San José (Costa Rica), Curaçao e

    Confins, em Minas Gerais.

    No setor têxtil, a Santista, controlada pelo grupo CC, fundiu-se em 2006 com a

    espanhola Tavex. A Camargo Corrêa é a maior acionista do grupo, com 36,7%

    das ações e a também brasileira (e associada à CC) Alpargatas detém 22,2%

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    das ações, formando o grupo controlador. A nova Tavex é o maior produtora

    de denim (insumo para produção de jeans) do mundo, com 10 a 15% do

    mercado mundial e atua também no setor de roupa para trabalho (workwear).

    O grupo Camargo Corrêa também é acionista estratégico, com 44,2% das ações

    com voto, da Alpargatas, maior empresa de calçados da América Latina, que

    produz calçados das marcas Havaianas, Topper, Rainha, Dupé e tem licença

    para produção de calçados das marcas Muzino e Timberland. São 13 fábricas

    no Brasil e oito na Argentina, que produzem calçados vendidos para 80 países

    do mundo.

    No setor de construção naval, a Camargo Corrêa é proprietária, junto com a

    construtora Queiroz Galvão, do estaleiro Atlântico Sul, que produz navios de

    grande porte para a Petrobrás e outras empresas em Pernambuco. O objetivo da

    empresa é se tornar o maior estaleiro do Brasil37.

    O grupo tem participação ainda na Alcoa, a maior produtora de alumínio do mundo, e

    já teve e vendeu suas participações na Usiminas e Itaúsa, a holding que controla o banco Itaú

    e empresas como Itautec-Philco, Duratex, Deca e outros. Além disso, o grupo atua no setor de

    incorporação imobiliária e construção de edificações urbanas, com empreendimentos de alto

    padrão da Camargo Corrêa Desenvolvimento Imobiliário, e de conjuntos do Minha Casa

    Minha Vida através da HM Engenharia. Em 2003, apenas 18,9% das atividades do grupo

    diziam respeito à construtora Camargo Corrêa, que deu origem ao conglomerado38. Isso é

    indicativo de como uma empreiteira formou um império empresarial a partir de seu processo

    de ramificação, o que foi o percurso comum para as grandes empresas do setor.

    Dado o porte adquirido pelo grupo ainda nos anos 80 e o receio de que ele se

    desfizesse com a morte de Sebastião Camargo, Wilson Quintella sugeriu a realização de uma

    consultoria para tornar o processo de gestão do grupo mais profissional, com diretoria

    executiva autônoma em relação aos acionistas. Foi contratada a empresa norte-americana de

    37 Informações retiradas de http://www.camargocorrea.com.br/ acessado em 20 de fevereiro de 2015. 38 O Empreiteiro. Edição de novembro de 1970, no 34; Informe Sinicon. Edição no 11 e 21, ano I; ODEBRECHT,

    Emílio. A Odebrecht e a Privatização: pronunciamento de Emílio Odebrecht no Congresso Nacional. S/l: s/ed,

    s/d. p. 140; CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. “Origens da internacionalização das empresas de engenharia

    brasileiras”. In: História & Luta de Classes. No 6. Novembro de 2008. p. 61-66;

    http://www.camargocorrea.com.br/ acessado em 20 de agosto de 2007.

    http://www.camargocorrea.com.br/http://www.camargocorrea.com.br/

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    consultoria McKinsey, especializada em estruturação e reestruturação de empresas. Apesar de

    ter algumas sugestões acatadas, nem todas foram admitidas por Camargo, o que fez com que

    Wilson Quintella, alegando insatisfação com tal decisão, saísse da empresa em 1984, antes

    que tomasse posse o novo governo e que novas relações tivessem que ser estabelecidas, como

    ele afirma. Posteriormente, Quintella trabalhou na Cesp e foi assessor do governo Fernando

    Henrique Cardoso39. Sebastião Camargo morreu em 1994 e a empresa sofreu um processo de

    ‘profissionalização da gestão’, mantendo o controle acionário com a família Camargo. O seu

    novo presidente, Alcides Tápias, deixou o cargo em 1999 para assumir o Ministério de

    Indústria e Comércio do governo Fernando Henrique e, na década seguinte, os executivos da

    empresa adotaram agressiva política de internacionalização40. O controle do grupo passou a

    ser exercido por sua esposa, Dirce Navarro de Camargo Penteado. O antigo dono da empresa

    foi homenageado no túnel Sebastião Camargo, feito sob o rio Pinheiros em São Paulo, em

    obra a cargo da Camargo Corrêa. Além disso, a nova casa de máquinas da usina de Tucuruí

    também tem o nome de Camargo, em obra também sob incumbência da CC. Dirce Camargo

    morreu em 2013 como a segunda pessoa mais rica do Brasil e 62a do mundo, com fortuna

    avaliada em US$ 13,8 bilhões. O controle do grupo passou para as suas três filhas, Regina,

    Renata e Rosana Camargo41.

    A trajetória de Sebastião Camargo e de sua empresa são emblemáticos de como eles

    conseguiram atravessar diferentes conjunturas políticas e diversas gestões estaduais e

    nacionais mantendo uma inserção em aparelhos privados da sociedade civil e na sociedade

    política eficientes, no sentido de não fechar portas para a empresa. O empresário de maior

    sucesso na engenharia nacional durante a ditadura era também alvo de muitas críticas. Assim,

    Bruno Nardini, membro do Pensamento Nacional de Bases Empresariais (PNBE), protestou,

    na segunda metade da década de 1980:

    Que capitalismo é esse, em que uma empresa em vias de completar 80 anos, como a

    nossa, consegue acumular um patrimônio de, no máximo, US$ 100 milhões,

    enquanto uma única pessoa, no espaço de 20 anos, acumula uma fortuna pessoal de

    US$ 1 bilhão, como o empreiteiro Sebastião Camargo? [...] É que é um sistema que

    nasceu atrelado ao Estado e que beneficiou alguns poucos, devido à concentração do

    39 QUINTELLA, Wilson. Memórias do Brasil Grande. op. cit. p. 399-426. 40 http://www.camargocorrea.com.br/ acessado em 20 de agosto de 2007. 41 http://www.folha.uol.com.br/ acessado em 19 de fevereiro de 2015.

    http://www.camargocorrea.com.br/

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    poder político e econômico. O Estado que está aí nunca serviu à classe empresarial,

    mas aos monopólios e às estatais.42 [grifo nosso]

    "As mineiras estão em todas"43 - as famílias Andrade e Gutierrez:

    Minas Gerais é o segundo mais importante celeiro de construtoras do país. Isso se

    deve em boa medida às políticas públicas estaduais pioneiras de construção de estradas e

    eletrificação, em especial a partir da gestão de Juscelino Kubitschek como governador.

    Auxiliadas por uma política protecionista das agências contratantes de obras do estado, as

    empreiteiras mineiras conseguiram se consolidar como empresas capitalizadas e com

    experiência nesses serviços. Com a chegada de JK à presidência, elas foram carreadas para

    junto das principais contratantes da esfera federal e que, até então, eram nichos de atuação

    privilegiada das firmas cariocas. Assim, as empreiteiras mineiras foram promovidas à

    condição de empresas nacionais, ao atuar na construção da nova capital, na implantação do

    sistema rodoviário nacional e na participação, então com parceria com empresas estrangeiras,

    da construção de usinas hidrelétricas. Isso permitiu que no início dos anos 1960 as empresas

    de Minas constassem entre as principais do país, ao lado das paulistas e cariocas, tendo

    alcance nacional mais evidente que as de São Paulo. No final dessa década, elas foram

    pioneiras no processo de transnacionalização, estabelecendo os primeiros contratos em outros

    países44.

    A história da indústria da construção pesada em Minas tem como marco fundamental

    o governo estadual Juscelino Kubitschek e a formação do consórcio Ajax para a viabilização

    do programa de três mil quilômetros de rodovias construídas em cinco anos. Como as

    empreiteiras mineiras não tinham o equipamento necessário e como eram muitas obras, o

    governo estadual criou consórcio que usava equipamentos da paulista CCBE e as empreiteiras

    mineiras não precisavam disputar concorrências, recebendo cada uma contratos para trechos

    42 Bruno Nardini, depoimento. Sandra Balbi. In: Senhor. Edição de 13 de outubro de 1987 apud DREIFUSS,

    René Armand. O Jogo da Direita na Nova República. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1989. p. 132. 43 Título da revista O Empreiteiro, edição de maio de 1972, no 52, p. 1. 44 As primeiras obras realizadas por empresas brasileiras fora do Brasil foram realizadas pelas empreiteiras

    mineiras Mendes Júnior e Rabello. Ver CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. "O processo de transnacionalização

    das empreiteiras brasileiras, 1969-2010: uma abordagem quantitativa". In: Tensões Mundiais. Vol. 10, 2014. p.

    103-123.

  • 17

    de rodovias45. O consórcio era liderado pela empresa do diamantense Ajax Rabello, dado

    como amigo pessoal do também diamantense Kubitschek e tio de Marco Paulo Rabello46.

    A partir de então, o setor de construção pesada se desenvolveu intensamente no

    estado, que acabou sendo o segundo principal pólo de obras públicas do país, o que constituiu

    campo fértil para a formação de grandes construtoras como Rabello, Alcindo Vieira-Convap,

    Mendes Júnior e, principalmente, Andrade Gutierrez (AG).

    A Andrade Gutierrez foi fundada em 1948 pelos irmãos Gabriel e Roberto Andrade,

    além de Flávio Gutierrez, em Belo Horizonte. O controle permanece até os dias atuais sob o

    controle das famílias Andrade e Gutierrez, sendo que a família Andrade detém dois terços do

    controle do grupo e a família Gutierrez, um terço. Assim, a holding AGSA, sediada ainda em

    Belo Horizonte, é controlada por três patrimoniais, cada um herdeiro de um dos fundadores da

    empreiteira, dois da família Andrade e um da família Gutierrez. O atual presidente do

    Conselho de Administração da AGSA é Sérgio Andrade, filho de Roberto Andrade, que mora

    no Rio de Janeiro e parece dar o norte para a empresa47. A sede da construtora Andrade

    Gutierrez também foi transferida para o Rio de Janeiro no início da segunda década do século

    XXI, em prédio vizinho à sede da construtora Norberto Odebrecht48.

    A trajetória inicial da empresa remete diretamente às administrações públicas de

    Kubitschek, sendo que sua ascensão se deu no compasso da própria emergência de Juscelino

    nos cargos em que ocupou: a prefeitura de Belo Horizonte, a gestão no estado de Minas e o

    governo federal. Assim, a empresa teve sua primeira atuação com pequenos serviços de

    urbanização na capital mineira ainda no final da década de 1940. Em seguida, a AG passou a

    fazer suas primeiras obras rodoviárias justamente na gestão de Kubitschek no governo

    estadual, quando a administração do futuro presidente da República tinha como um dos

    principais programas a construção de estradas. Por fim, a empreiteira mineira teve seu

    primeiro contrato fora do estado justamente no período em que JK era presidente da

    República, com as obras da BR-3 (depois, BR-40), que liga o Rio de Janeiro a Belo

    45 FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização da Grande Engenharia Brasileira. Dissertação de

    mestrado em Economia. Campinas: Unicamp, 1981. p. 31-109. 46 CARVALHO, Luiz Maklouf. Cobras Criadas: David Nasser e O Cruzeiro. 2ª ed. São Paulo: EdSENAC-SP,

    2001. p. 383-454. 47 Projetos de marketing "Andrade Gutierrez: Há 60 anos evoluindo com o Brasil e o mundo". In: Jornal O

    Globo. Edição de 9 de dezembro de 2008. Caderno especial. 48 ‘Bem-vindo ao Rio: Andrade Gutierrez procura ponto para transferir a matriz de São Paulo’. Coluna Negócios

    & cia. In: Jornal O Globo. Edição de 26 de abril de 2011, p. 26.

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    Horizonte, e com trecho da São Paulo-Curitiba49. Nesse período, Roberto Andrade

    representou a empresa na reunião de fundação do Sinicon, em 195950.

    Ao contrário da também mineira Rabello, a empresa conseguiu se adaptar à nova

    configuração política nacional pós-1964 e realizou na ditadura obras como as rodovias

    Manaus-Porto Velho, dos Bandeirantes, Pedro I, dos Trabalhadores (futura Ayrton Senna), o

    complexo de Carajás, a hidrelétrica de Salto Osório e a de Itaipu - sendo uma das cinco

    empreiteiras brasileiras responsável pela obra -, trechos dos metropolitanos urbanos do Rio e

    de São Paulo, trecho da Ferrovia do Aço, o porto de Trombetas, o aeroporto de Confins – com

    a Mendes Júnior. Não à toa, em 1977, a construtora foi escolhida como a empresa do ano pela

    revista Exame51. A AG foi uma das primeiras ‘estrangeiras’ a fazer obra no estado de São

    Paulo, conseguindo trecho da rodovia do Oeste (depois, Castello Branco) e chamando atenção

    por novidades criativas introduzidas na obra. Isso fez com que a empresa constasse sempre

    entre as seis maiores do país desde 1972, como se vê no gráfico 2.

    Gráfico 2 – Posição da Andrade Gutierrez dentre as construtoras brasileiras desde 1971:

    Fonte: Revista O Empreiteiro, edições no 57, 68, 91, 103, 115, 127, 138, 150, 163, 176, 188, 200, 212, 224, 236,

    248, 260, 272, 280, 291, 302, 315, 324, 335, 346, 357, 368, 379, 389, 400, 411, 422, 432, 444, 455, 466, 477,

    488, 499, 510, 521 e 533.

    49 http://www.andradegutierrez.com.br/ acessado em 20 de agosto de 2007; FERRAZ Filho, Galeno T. A

    Transnacionalização... op. cit. p. 31-109; O Empreiteiro. Edição de junho de 1971, no 41. 50 SINICON. Ata da reunião de fundação do Sinicon. 10 de março de 1959. 51 http://www.andradegutierrez.com.br/ acessado em 22 de fevereiro de 2015.

    http://www.andradegutierrez.com.br/http://www.andradegutierrez.com.br/

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    A Andrade Gutierrez era, no início da ditadura, uma empresa menor e não tinha uma

    projeção nacional tão intensa, o que foi adquirido durante o "milagre econômico". Foi nesse

    período que ela ascendeu para o grupo das quatro maiores empreiteiras nacionais. Após anos

    em que constou como vice-líder da lista depois da Camargo Corrêa, a AG foi indicada como a

    maior construtora do país em faturamento por oito anos seguidos, entre 1987 e 1994. Essa

    posição se deveu principalmente ao grande número de contratos no exterior que empresa

    acumulou nesse período. Aliás, a partir da década de 1980, o desempenho das empreiteiras no

    exterior passou a ser decisivo para a sua posição no ranking organizado pela revista O

    Empreiteiro, visto que inclui a receita obtida fora do país, que passa a ser em geral superior

    aos ganhos domésticos obtidos pelas construtoras. A partir de meados da década de 1990, a

    empresa perdeu o posto de maior construtora do país, em boa medida em razão da ascensão da

    Odebrecht como a maior construtora no país e também como maior multinacional brasileira

    da engenharia. No entanto, a AG manteve uma posição bastante satisfatória nos anos

    seguintes, mantendo-se em geral entre a quatro primeiras posições.

    Durante a ditadura, a empreiteira foi a público em algumas ocasiões defender o

    governo e as grandes empresas, muitas vezes atacadas pelos pequenos e médios empresários

    do setor. Sérgio Andrade, jovem diretor da AG que depois se tornaria o principal líder do

    grupo, saiu em defesa das grandes construtoras e justificou a concentração das obras em

    poucas empresas. Afirmando, no ano de 1978, que não houve recessão, mas uma mudança de

    prioridade, Andrade negou protecionismo às grandes empreiteiras: “O que há são condições

    que o cliente exige em termos de experiência, de capacidade técnica para efetuar grandes

    obras, obras complexas. Não se pode chamar isso de protecionismo.”52

    Dois anos depois, ele concedeu nova entrevista à revista O Empreiteiro, afirmando

    acreditar no ministro Delfim Netto e preferir a inflação alta ao desemprego em massa. Com

    35 anos de idade, Andrade entendia então que a “situação vivida pelo país é conjuntural e

    pode ser superada num prazo de seis meses”53. Defendeu a extensão do pró-álcool e criticou a

    taxação de capital, afirmando que “taxar o capital leva à descapitalização”54 e que “sem uma

    diminuição nos níveis de natalidade, é impossível proporcionar melhores condições de saúde,

    52 Revista O Empreiteiro. Edição de junho de 1978, no 125. p. 23. 53 Revista O Empreiteiro. Edição de julho de 1980, no 150. p. 30. 54 Revista O Empreiteiro. Edição de julho de 1980, no 150. p. 30.

  • 20

    educação e habitação ao homem.”55 Por fim, negou a existência de concentração no mercado

    da construção pesada, afirmando havia surgido no país um mercado de grandes obras:

    A partir de 1970, se criou obras [sic] de grande porte para as quais se exigem

    grandes empresas. Uma grande obra hoje, custa em torno de 10 bilhões de cruzeiros.

    Para participar de uma obra dessas, uma empresa vai precisar de equipamentos num

    valor aproximado de 2 bilhões de cruzeiros, além de instalações e estoques que

    totalizam mais de 1 bilhão. Precisa de equipes técnicas altamente especializadas,

    métodos construtivos próprios, mais capital de giro, mais versatilidade e uma série

    de outros itens que só grandes empresas podem manter. O que se pode discutir é a

    filosofia de se criar grandes obras. Mas se ao invés de construir Itaipu, o Brasil

    construísse 10 usinas menores, não sairia mais caro para o contribuinte e para o

    consumidor de energia elétrica?56

    Sérgio Andrade usava uma justificativa técnica para legitimar a concentração no mercado de

    construção, argumentando pelo baixo preço proporcionado pela energia elétrica das grandes

    centrais. Acabou, assim, expondo outro setor do empresariado também interessado na política

    de construção de grandes unidades geradoras de energia, os consumidores eletro-intensivos.

    Na segunda metade dos anos 1970 e primeira dos 1980, a AG fez uma estratégia de

    adaptação à nova conjuntura, através de política de ramificação e atuação no exterior. Em

    paralelo a isso, a empresa manteve uma boa posição no mercado doméstico, mesmo que esse

    estivesse em uma conjuntura declinante. Com a retomada do mercado interno na primeira

    década do século XXI, e companhia esteve envolvida em importantes projetos, como a

    montagem da usina termonuclear de Angra II e as obras civis da usina de Angra III, a usina

    hidrelétrica de Santo Antônio (junto com a Odebrecht), as obras da hidrelétrica de Belo

    Monte - na posição de líder do consórcio construtor -, as reformas e expansão das refinarias

    de Gabriel Passos e Paulínia, obras de usinas termelétricas, a linha 4 do metrô de São Paulo,

    trechos da Ferrovia Norte-Sul, as obras do corredor Transcarioca e do parque olímpico no

    Rio, além da construção de quatro estádios para a Copa do Mundo de 2014 - Arena

    Amazônia, Maracanã, Beira-Rio e Mané Garrincha57.

    Sondando oportunidades no exterior, a AG procurou obras na Somália, Paraguai,

    Equador e outros países, obtendo seu primeiro contrato no Congo e, logo em seguida, na

    Bolívia, além de explorar ouro e prata no Zaire, após experiência nesse ramo no Brasil. Por

    55 Revista O Empreiteiro. Edição de julho de 1980, no 150. p. 30. 56 Revista O Empreiteiro. Edição de julho de 1980, no 150. p. 31. 57 http://www.andradegutierrez.com.br/ acessado em 22 de fevereiro de 2015.

    http://www.andradegutierrez.com.br/

  • 21

    essas atividades, a AG recebeu em 1984 o prêmio Minas Exporta, concedido pela Carteira de

    Comércio Exterior do Banco do Brasil (Cacex-BB), em parceria com o Centro de Estudos e

    Desenvolvimento de Exportação (Cedex), da Fundação Dom Cabral (FDC), sediada em Belo

    Horizonte. Após a ditadura, a empresa chegou a quase todos os países da América do Sul,

    além da República Dominicana e de Portugal, onde adquiriu a Zagope, uma das maiores

    construtoras e empresas exportadoras do país58. Nos dias atuais, a empresa é a segunda maior

    multinacional brasileira do setor de engenharia, atrás apenas da Odebrecht. Está presente em

    quase 40 países, apresentando números superlativos nessa área. Segundo informação

    disponibilizada pela própria empresa em seu portal eletrônico, trata-se de um total de 443

    projetos no exterior, sendo 384 concluídos e 59 em andamento no início de 2015, além de

    uma rede de 27 escritórios espalhados em todo o mundo. Dos 443 projetos, 297 estão situados

    em Portugal, onde está a Zagope, subsidiária da AG. É interessante notar que a empresa

    indica que no Brasil já foram 856 projetos concluídos, há 17 escritórios e 59 projetos em

    andamento, o mesmo número do que a empresa detém atualmente no exterior. Esses dados

    dão o grau de internacionalização e importância das atividades externas para a empresa, que

    se configura, nesse sentido, claramente como uma multinacional59. O quadro de países nos

    quais a Andrade Gutierrez atua segue abaixo:

    Quadro 2 - Países em que a AG possui obras e escritórios, por continente:

    Continente: Países em que a Andrade Gutierrez está presente: Total:

    América do Sul Venezuela (4), Colômbia (6), Equador (9), Peru (21), Bolívia

    (5), Paraguai (1) e Argentina (4)

    7 (49)

    América Central

    e do Norte

    Santa Lúcia (0), Antígua e Barbuda (2), República

    Dominicana (3), Bahamas (2), Panamá (1), México (3) e

    Estados Unidos (2)

    7 (13)

    África Moçambique (3), Angola (23), República Democrática do

    Congo (3), República do Congo (9), Guiné Equatorial (4),

    Camarões (7), Nigéria (2), Gana (1), República da Guiné (6),

    Mauritânia (4), Mali (1), Argélia (11) e Líbia (3)

    13 (77)

    58 Revista O Empreiteiro, edições no 164, 172, 174, 193, 199 e 213. Informe Sinicon. Edição no 24, ano I. 59 http://www.andradegutierrez.com.br/ acessado em 22 de fevereiro de 2015.

    http://www.andradegutierrez.com.br/

  • 22

    Europa Portugal - inclui Açores e Madeira (297), Espanha (3), Grécia

    (0), Alemanha (0), Ucrânia (1)

    5 (301)

    Ásia Líbano (1), Iraque (0), Irã (1), Arábia Saudita (0), Catar (0),

    China (1)

    6 (3)

    Total de países de atuação da Andrade Gutierrez no exterior: 38 (443)

    * Entre parêntesis as quantidades de projetos tocados em cada país e continente.

    Fonte: http://www.andradegutierrez.com.br/ acessado em 22 de fevereiro de 2015.

    É interessante verificar que a AG não possui obras em todos esses 38 países listados, sendo

    que em seis deles (Santa Lúcia, Catar, Arábia Saudita, Iraque, Grécia e Alemanha), a empresa

    só possui escritórios. Assim, a Andrade Gutierrez já foi ou é responsável por obras em um

    total de 32 países do mundo, sendo sete na América do Sul, seis na América Central e do

    Norte, 13 na África, três na Europa e três na Ásia.

    Em paralelo ao processo de internacionalização, a Andrade Gutierrez passou a atuar

    em outros setores além da construção, comprando terrenos próximos às suas obras na

    Amazônia, desenvolvendo atividade agropecuária e mineradora no Norte do país. Com as

    políticas neoliberais dos anos 90 e o processo de privatização das estatais, a AG chegou a

    diversos setores e, nos dias atuais, as principais áreas de atuação do grupo Andrade Gutierrez

    são os seguintes:

    telecomunicações, com parte do controle da Oi, a maior empresa brasileira do

    setor. A participação nesse setor inclui também o controle da Contax, empresa

    de call center;

    energia, com controle de parte da Cemig (Companhia Energética de Minas

    Gerais). Além disso, é sócia também da Santo Antônio Energia, que opera a

    usina hidrelétrica homônima, no rio Madeira e administra a empresa Torres

    Eólicas do Nordeste;

    transportes, com 17% das ações ordinárias da Companhia de Concessões

    Rodoviárias (CCR), ao lado das também empreiteiras Camargo Corrêa e

    Serveng-Civilsan (via grupo Soares Penido), que formam juntos o grupo

    controlador da empresa. A empresa tem concessões de importantes rodovias,

    http://www.andradegutierrez.com.br/

  • 23

    aeroportos, metrôs (linha 4 do metropolitano de São Paulo), transporte

    marítimo e vias urbanas (Transolímpica, no Rio de Janeiro).

    estádios, com a operação das novas "arenas" da Copa do Mundo Fifa 2014,

    como o estádio Beira-Rio, em Porto Alegre, do Internacional.

    segurança e defesa. A empresa, assim como a Odebrecht, fez uma ramificação

    para o setor, tendo em vista as políticas nacionais de defesa voltadas ao

    controle de tecnologia no setor.

    A Andrade Gutierrez constitui um caso emblemático de empresa formada no seio do

    chamado 'desenvolvimentismo mineiro', expresso prioritariamente na figura de Juscelino

    Kubitschek. O estado que originou iniciativas inovadoras no campo do desenvolvimento

    capitalista brasileiro no século XX, como os seus planos de eletrificação e de construção

    rodoviária, cujas expressões são a Cemig, Furnas e outros projetos, também gestou

    importantes empresas privadas, associadas a essas iniciativas. Com os diversos contextos

    econômicos e políticos e processos de ruptura ocorridos na história brasileira, importantes

    construtoras mineiras, como a Rabello e a Mendes Júnior, ficaram pelo meio do caminho,

    sofrendo processos de falência ou diminuindo em tamanho. Dessa forma, a Andrade Gutierrez

    constitui um resultado gerado pelo projeto do desenvolvimentismo capitalista mineiro e que

    se mantém, atuando hoje como um conglomerado e importante multinacional do setor da

    engenharia.

    Os Odebrecht - a trajetória da maior família brasileira da construção:

    Ao longo do século XX, a região Nordeste do país foi beneficiada pelas atividades de

    algumas instituições federais, a saber: o DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra a

    Seca), a Chesf (Companhia Hidrelétrica do Vale do São Francisco), BNB (Banco do

    Nordeste), a Petrobrás e a Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste). A

    atuação dessas autarquias e empresas públicas se deu através da implantação de uma infra-

    estrutura regional e realização de obras, havendo em geral preferência para empreiteiras

    locais, o que correspondia aos interesses organizados e alojados nessas instituições e às

  • 24

    próprias diretrizes das políticas que norteavam a ação desses organismos, dado que elas

    intentavam fortalecer as empresas da região.

    Como exemplo dessa orientação geral por parte dessas instituições, podemos citar o

    caso da Petrobrás e de suas primeiras atividades. O engenheiro Percy Louzada de Abreu

    assim se refere à escolha da Bahia como sede do primeiro pólo petroquímico da empresa:

    “Foi uma decisão estratégica apoiada em vários argumentos técnicos, mas principalmente

    políticos”60. Naquele momento, início dos anos 1960, o estado nordestino era responsável por

    90% da produção nacional de petróleo, porém por apenas 10% da demanda nacional por

    produtos da indústria petroquímica. O engenheiro, empenhado nas obras do pólo industrial,

    destaca que a decisão pelo seu local era justificada pelo objetivo de desconcentração

    industrial, “[n]o entanto, deve ter pesado o fato de boa parte dos técnicos de maior hierarquia

    da Petrobrás serem baianos natos ou com grande afinidade com aquele estado.”61 Ainda sobre

    a importância da Petrobrás para o impulso de empresas brasileiras, é interessante também o

    testemunho de um empreiteiro anônimo entrevistado pela pesquisadora Marilena Chaves para

    a sua dissertação de mestrado:

    Não houve, vamos dizer assim, uma pré-determinação por parte do Governo, mas

    naturalmente houve a 'benção'; alguns membros do Governo que acompanhavam

    essa idéia. Por exemplo, um homem que ajudou muito dentro do governo foi o

    Juracy Magalhães (...) O Juracy começou esse processo de ajudar as firmas

    nacionais; o processo aí ampliou e tornou-se ativo ao longo da vida da Petrobrás.

    (...) A Petrobrás sempre deu a oportunidade para as empresas se habilitassem a

    novos campos da técnica... se 'encostassem' numa firma estrangeira para absorver a

    tecnologia.62

    O relato do empresário dá indícios da importância da estatal para a consolidação de empresas

    privadas brasileiras de setores relacionados ao petróleo. Dessa forma, no que diz respeito ao

    pólo, a empreiteira baiana Norberto Odebrecht ficou incumbida de realizar as obras da

    refinaria Landulpho Alves (Relan) – que integra o complexo industrial – junto com a Mendes

    Júnior. Na própria memória da empreiteira baiana, o ano de 1953 é ressaltado em sua

    60 ABREU, Percy Louzada de. A Epopéia da Petroquímica no Sul: história do pólo de Triunfo. Florianópolis:

    Expressão, 2007. p. 46. 61 ABREU, Percy Louzada de. A Epopéia da Petroquímica no Sul. op. cit. p. 46. 62 CHAVES, Marilena. Indústria da Construção no Brasil: desenvolvimento, estrutura e dinâmica. Dissertação

    de Mestrado em Economia Industrial. Rio de Janeiro: UFRJ, 1985. p. 118.

  • 25

    trajetória pela fundação da Petrobrás, indicada ali como uma grande 'parceira' histórica da

    Odebrecht63.

    As empresas estatais Petrobrás e Chesf, junto com o DNOCS e a Sudene, realizaram

    várias encomendas às construtoras do Nordeste, fortalecendo um capital regional no setor da

    construção pesada. Com a experiência adquirida nessas obras e com a inserção estabelecida

    nesses órgãos, as empresas da região conseguiram posteriormente se nacionalizar e, depois,

    até desenvolver atividades no exterior.

    Impulsionado por essas agências de viés regional, a principal empreiteira gestada na

    região Nordeste do país foi a Construtora Norberto Odebrecht (NO). Descendente de família

    prussiana que chegou ao Brasil em meados do século XIX e que se estabeleceu em

    Blumenau64, Norberto Odebrecht era um engenheiro pernambucano formado na Escola

    Politécnica de Salvador que viu o pai falir no ramo da construção durante a Segunda Guerra

    Mundial. Ele fundou sua própria empresa, a construtora Norberto Odebrecht, na Bahia em

    1944, e teve, em princípio, o governo baiano e as empresas e instituições federais sediadas no

    Nordeste como principais clientes. Construindo edifícios urbanos e obras portuárias no rio

    São Francisco65, a Odebrecht passou a ter a Petrobrás como cliente especial após 1953. Sob a

    presidência do baiano Juracy Magalhães, a empreiteira foi contratada para implementação de

    várias obras da estatal na região. Assim, vieram o oleoduto Catu-Candeias (em 1953), a

    refinaria Landulpho Alves (em 1957), o edifício central da Petrobrás em Salvador (em 1960),

    o edifício da Companhia Pernambucana de Borracha Sintética (Coperbo, em 1965) e, depois,

    fora da região Nordeste, o edifício-sede da estatal no Rio de Janeiro, construído entre 1969 e

    1972, além de plataformas marítimas, nos anos 198066. A atuação junto à Petrobrás pela

    empreiteira baiana condicionou a sua ramificação desde fins dos anos 70. Com a retomada

    das encomendas no país e os novos projetos da estatal a partir da primeira década do século

    XXI, muitas obras foram feitas pela Odebrecht para a Petrobrás, como refinarias, dutos,

    plataformas, sondas etc.

    63 Informações obtidas nos sítios da http://www.odebrecht.com.br/ e da http://www.mendesjunior.com.br/

    acessados em 19 de agosto de 2007. 64 Ver mais no livro CASTRO, Moacir Werneck de. Missão na Selva: Emil Odebrecht (1835-1912), um

    prussiano no Brasil. Rio de Janeiro: AC&M, 1994. 65 DANTAS, Ricardo Marques de Almeida. Odebrecht: a caminho da longevidade sustentável? Dissertação de

    mestrado em Administração. Rio de Janeiro: UFRJ, 2007. p. 75-112. 66 O Empreiteiro. Edição de outubro de 1983, no 191; DANTAS, R. M. de A. Odebrecht. op. cit. p. 75-112.

    http://www.odebrecht.com.br/http://www.mendesjunior.com.br/

  • 26

    Apesar de a empresa não ter participado das obras do Plano de Metas, a gestão JK teve

    implicação importante para a trajetória da empresa ao lhe trazer um novo cliente, importante

    nos anos 60. Norberto Odebrecht se referiu da seguinte forma àquele momento: “Assim,

    restava procurar novos caminhos e os incentivos oferecidos pela Sudene na região tornou

    promissora a investida na área de construção industrial nos municípios próximos a Recife,

    deixando Salvador como mercado onde operariam principalmente as subsidiárias.”67 Foi com

    os incentivos da Superintendência que a empreiteira realizou as fábricas da Willys, da Rhodia

    e das Tintas Coral, além de ter feito o próprio edifício-sede da Sudene, em Recife. Com o

    golpe de 1964, a decadência da Sudene fez diminuir essa importante fonte de contratos da

    empreiteira68.

    A Odebrecht iniciou o período ditatorial como uma pouco expressiva empreiteira

    regional, com obras contratadas aos governos nordestinos e com a Petrobrás. Assim, na

    primeira sondagem da revista O Empreiteiro sobre as maiores construtoras do país, a firma

    baiana constou na 19ª posição, em 197169, ano em que ela estava realizando a primeira obra

    fora da região de origem, o edifício-sede da Petrobrás, então presidida por Ernesto Geisel,

    pessoa de quem a empresa parece ter se aproximado.

    Gráfico 4 – Posição da Odebrecht dentre as construtoras brasileiras desde 1971:

    67 Revista O Empreiteiro. Edição de agosto de 1974, no 79, p. 23. 68 Revista O Empreiteiro. Edição de agosto de 1974, no 79. 69 Revista O Empreiteiro. Edição de outubro de 1972, no 57.

  • 27

    Fonte: Revista O Empreiteiro, edições no 57, 68, 91, 103, 115, 127, 138, 150, 163, 176, 188, 200, 212, 224, 236,

    248, 260, 272, 280, 291, 302, 315, 324, 335, 346, 357, 368, 379, 389, 400, 411, 422, 432, 444, 455, 466, 477,

    488, 499, 510, 521 e 533.

    A trajetória histórica da Odebrecht apresenta aspectos singulares e bastante impressionantes.

    Dentre as maiores empreiteiras brasileiras da atualidade, ela é a que possuía a posição mais

    periférica no período em que a revista O Empreiteiro inaugurou a listagem das maiores

    empresas de construção do país, sendo a 19a maior companhia do país em 1971 e 13a em

    1972. É justamente no período do "milagre", no coração da ditadura, que a empresa teve um

    processo espetacular de crescimento, passando a constar permanentemente entre as sete

    maiores do país a partir de então. Desde 1980, a empresa se associou à CBPO, mas seus

    faturamentos eram contados separadamente na listagem da revista. Caso fossem somados, ela

    estaria mais bem colocada a partir de então. A empresa detém uma marca inédita no setor, que

    é a liderança absoluta do ranking a partir de 1997, constando sempre na primeira posição da

    listagem até os dias atuais, em um total de 17 anos seguidos como a maior construtora do

    Brasil. Tal marca se explica principalmente em virtude de sua elevada receita no exterior, que

    em geral é superior ao seu faturamento no mercado doméstico.

    Após o governo Médici, a Odebrecht, aparentemente a partir da sua atuação junto aos

    militares presentes na Petrobrás, arrematou dois contratos que alteraram significativamente o

    seu porte, fazendo seu faturamento triplicar em um ano. As vitórias nas concorrências para

    construção do aeroporto supersônico do Galeão e da usina nuclear de Angra levaram a

    empresa do 13º ao 3º lugar na lista das cem maiores empreiteiras do país e impulsionaram a

    empresa para uma nova condição, levando-a a ser escolhida pela revista O Empreiteiro como

    empreiteira do ano em 1974, sob a seguinte alegação:

    Afinal, todo o setor acompanhou com atenção cada vez maior a fantástica ascensão

    da construtora que leva seu nome [...]. É, sem dúvida, uma escalada realizadora,

    principalmente quando se constata que algumas dessas obras foram cobiçadas pelas

    maiores construtoras paulistas e mineiras, munidas de todo aquele cartel de recursos

    técnico-econômicos e políticos, que sobram a estes e que um empreiteiro baiano não

    dispõe com a mesma fartura.70

    A nova conjuntura política inaugurada em 1974 trouxe à tona novos agentes no mercado de

    obras públicas. E esses novos empresários tentavam se distinguir dos anteriores não só nos

    70 Revista O Empreiteiro. Edição de agosto de 1974, no 79. p. 24.

  • 28

    seus contatos políticos, mas também na mentalidade que diziam dispor, como se nota na

    explicação dada por Norberto Odebrecht para a escolha da empreiteira do ano pela revista:

    Em nossa empresa, os recursos humanos são a base essencial da produção, dos

    lucros, dos nossos destinos hoje e amanhã. Materialmente, podemos disciplinar e

    obter crédito com relativa tranqüilidade, mas não podemos prescindir da qualidade,

    integração e satisfação dos homens – base essencial de nossa própria existência.71

    Além disso, justificava as políticas em prol da concentração de capitais, sem deixar de fazer

    tênue crítica a práticas do governo anterior:

    Se o Governo quer economizar divisas, encontrando-se o País em processo de

    franco desenvolvimento, e necessita de aeroporto de nível internacional, usinas

    atômicas e complexo siderúrgico bem estruturado, precisa igualmente desenvolver

    as empresas nacionais. Nesse sentido, reunido a outras empresas do Centro-Sul do

    país, decidimos enviar aos seus ministérios um documento com o qual procuramos

    convocar o diálogo. [...] É esta a comunicação que se busca e só através do jogo da

    verdade é possível manter o sistema econômico em equilíbrio e marchar para o

    desenvolvimento. [...] Espero que o atual governo retome o jogo da verdade, às

    estatísticas certas.72

    No caso, Norberto Odebrecht fazia uma crítica às fórmulas de estabelecimento da inflação e

    dos reajustes dos serviços e contratos no período em que Delfim Netto era ministro da

    Fazenda.

    A escalada da empreiteira continuou nos anos seguintes, com a obtenção dos contratos

    das obras da ponte Colombo Sales, em Florianópolis; a ponte Propriá-Colégio, entre Sergipe e

    Alagoas; os edifícios da Universidade do Estado da Guanabara (UEG, depois Uerj), do BNDE

    (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico) e do Rio Sul, no Rio; a restauração do

    Teatro Amazonas, em Manaus; o emissário submarino de Salvador; ampliação da Usiminas;

    as hidrelétricas de Samuel (em Rondônia), Corumbá (em Goiás) e a de Pedra do Cavalo (na

    Bahia). Essas obras fizeram da empresa a maior da Bahia em 1976 e fez com que ela

    constasse como uma das quatro maiores empreiteiras do país em faturamento após 1977 até o

    final da ditadura73.

    A Odebrecht teve em meados da década de 1970, um revés em seu estado natal. Por

    conflitos políticos, a empresa, que até então dominava o setor de obras públicas na Bahia, viu

    71 Revista O Empreiteiro. Edição de agosto de 1974, no 79. p. 24. 72 Revista O Empreiteiro. Edição de agosto de 1974, no 79. p. 25. 73 Revista O Empreiteiro. Edições no 46, 52, 54, 79, 127, 138, 150, 163, 175, 176, 188, 200 e 212.

  • 29

    nascer a empreiteira OAS74, de César Matta Pires, genro do empresário e político baiano

    Antonio Carlos Magalhães. A empresa foi fundada em 1976 e, logo, passou a vencer as

    concorrências para obras no estado, conseguindo também alguns contratos em estados

    vizinhos e de aliados políticos de ACM. Sob a alcunha de “obras arranjadas pelo sogro”75, a

    empresa dominou o setor de obras públicas da Bahia, chegando à 10ª posição entre as

    empresas nacionais em 1984, sendo que poucos anos antes nem constava como uma das 100

    maiores do país. Iniciou em meados da década de 80 um processo de diversificação das

    atividades e passou a atuar nas concessões públicas nos anos 90. Em 2005, iniciou suas

    atividades no exterior76.

    Se as empreiteiras mineiras e paulistas tinham atuações junto a agências estatais e

    relações políticas estabelecidas em seus estados e em período anterior ao golpe, a Odebrecht

    também manteve certos vínculos partir de seu estado natal e da Petrobrás. O grande

    empresariado baiano, por exemplo, tinha estreita relação com a empreiteira, que chegou a

    empregar nos seus quadros Ângelo Calmon de Sá, do banco Econômico, e que se associou ao

    grupo Mariani nas privatizações no setor da petroquímica. Desde 1974, também, Norberto

    Odebrecht estabeleceu parceria com o economista Victor Gradin77 para nacionalizar e

    diversificar as ações do grupo Odebrecht, semeando uma duradoura relação societária entre as

    duas famílias e que abriu caminho dos Odebrecht para o setor de petroquímica78. Chegaram a

    trabalhar na empresa os ex-ministros Eliseu Resende, Roberto Campos e Rubens Ricupero79.

    Além disso, a sua interlocução na corporação militar, estabelecida aparentemente via

    Petrobrás, permitiu que a companhia fosse responsável por obras tidas como de segurança

    nacional, como as já citadas do aeroporto internacional do Rio e a usina termonuclear de

    Angra, além da estação naval da Marinha na ilha do Mocanguê, na baía de Guanabara80. Essas

    74 A sigla se refere à inicial dos sobrenomes dos três fundadores, todos oriundos da Odebrecht: A de Cesar

    Araújo, O de Durval Olivieri e S de Carlos Suarez. Hoje a empresa é controlada por Cesar Araújo Matta Pires.

    Ver mais em BELISÁRIO, Adriano. "Quatro irmãs: assim atua o capitalismo brasileiro".

    http://outraspalavras.net/brasil/as-quatro-irmas-uma-historia-do-capitalismo-brasileiro/ 75 O Globo. Edição de 16 de março de 2008. ‘OAS 2.0’, coluna de Elio Gaspari. 76 O Empreiteiro, edição de maio de 1985, no 210; http://www.oas.com.br/ acessado dia 20 de agosto de 2007. 77 Luiz Vianna Filho mostra a importância de Victor Gradin e Ângelo Calmon de Sá – secretário estadual de

    Indústria e Comércio no período – para a burguesia baiana. Ver VIANNA Filho, Luiz. Petroquímica e

    Industrialização da Bahia (1967-1971). Brasília: Senado Federal, 1984. 78 O Globo. Edição de 30 de janeiro de 2011, p. 22. ‘Briga de sócios leva Odebrecht a fazer corpo a corpo para

    acalmar investidores: Famílias disputam na Justiça controle do conglomerado de 12 companhias’. 79 DANTAS, Ricardo Marques de Almeida. Odebrecht. op. cit. p. 75-112. 80 Revista O Empreiteiro. Edição de janeiro de 1985, no 206.

    http://www.oas.com.br/

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    experiências, em particular as com a força naval, parecem ter sido importantes para a

    aquisição de projetos futuros, sem concorrência, como o dos estaleiros para criação do

    submarino nuclear brasileiro, nos anos 200081.

    Além de suas atuações empresariais, políticas e militares, ela estabeleceu, da mesma

    forma, conflitos e concorrências duras com seus adversários. Chegou a ir à justiça com a

    Mendes Júnior por conta da concorrência da hidrelétrica de Pedra do Cavalo, vencida pela

    Odebrecht. Ironizava a associação da Camargo Corrêa com capitais estrangeiros e pagou uma

    mesada para funcionária da embaixada francesa que foi demitida por delatar esquema de

    corrupção envolvendo Delfim Netto e a empreiteira paulista. Além disso, manteve conflitos e

    associações com as outras grandes empreiteiras nos anos 90 e 2000, sendo acusada também

    de contribuir com Paulo César Farias no governo Collor82. Por conta dessas acusações, em

    1992, Emílio Odebrecht, deu a primeira entrevista de sua vida para um jornal, tentando

    explicar a atuação da companhia diante das acusações:

    Jornal do Brasil – As acusações contra a Odebrecht falam de suborno. O ex-ministro

    Antonio Rogério Magri teria sido subornado pela Odebrecht, o governo do Acre

    também teria sido subornado para que sua empresa conseguisse a obra. O senhor já

    subornou alguém?

    Emílio Odebrecht – Essa é a pergunta que... primeiro vamos analisar o que é

    subornar...83

    Trata-se de aparente caso de remuneração de figuras do aparelho estatal por uma construtora.

    Ao longo da entrevista, o empresário acabou explicando os métodos de sua empresa:

    Então, o que é hoje a corrupção nesse país? Eu acho que a sociedade toda é

    corrompida e ela corrompe. Hoje para o sujeito resolver alguma coisa, para sair de

    uma fila do INPS, encontra os seus artifícios de amizade, de um presente ou de um

    favor. Isso é considerado um processo de suborno. O suborno não é um problema de

    valor, é a relação estabelecida.84

    81 Ver Revista Época. Edição de 31/08/2009, p. 50. ‘Negócios e doações: contratada para fazer a base de

    submarinos comprados pela Marinha, a Odebrecht deu dinheiro para a campanha do relator do projeto no

    Senado’. 82 GASPARI, Elio. A Ditadura Encurralada. op. cit. p. 285-99; ODEBRECHT, Emílio. A Odebrecht e a

    Privatização. op. cit. p. 123-38; O Empreiteiro. Edições de janeiro de 1979, no 132 e de agosto de 1978, no 127. 83 Jornal do Brasil. Edição de 24 de maio de 1992 apud CAMARGOS, Regina Coeli Moreira. Estado e

    Empreiteiros no Brasil: uma análise setorial. Dissertação de mestrado em Ciência Política. Campinas: Unicamp,

    1993. p. 60. 84 Jornal do Brasil. Edição de 24 de maio de 1992 apud CAMARGOS, R. C. M. Estado e... op. cit. p. 60.

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    Emílio Odebrecht justificou as ações de seu grupo empresarial, explicando que era essa a

    forma como as coisas funcionavam. Em seguida, assumiu que agia para que um determinado

    “processo [não] durma na mesa”, afirmando que

    [s]e for preciso a gente banca o funcionário para levar de um andar para o outro e

    assim por diante [...]

    JB – Tem que batalhar para as coisas andarem...

    Emílio Odebrecht – É verdade. Infelizmente é verdade. O que mais impressiona é

    que fazemos tudo isso no exterior e não tem problema. Tudo que fazemos no Brasil

    fazemos no exterior.85

    O empresário admite a prática desses métodos fora do Brasil. Em seguida, Odebrecht mostrou

    como designava o agente no governo que ajudava no andamento das obras da empresa:

    Jornal do Brasil – O ex-ministro Magri diz na fita transcrita pela polícia federal que

    recebeu US$ 30 mil para fazer as coisas andarem. É assim que funciona no Brasil?

    Emílio Odebrecht – Isso é coisa de quem está querendo deformar a ação do

    ‘prestador de serviços’.86

    O trecho mostra como o empresário não só admite que pagou os recursos para o ministro,

    como o entende como um “prestador de serviços”, explicitando o mecanismo de remuneração

    de agentes externos à construtora. Nesse período, tal foi o envolvimento da empreiteira com

    denúncias que Emílio Odebrecht foi convocado a depor em CPI, acusado de irregularidades

    no BNDES, nas privatizações, no esquema PC Farias e até envolvimento no assassinato do

    governador do Acre. Na ocasião, o empresário se defendeu, alegando, dentre outras coisas,

    que recebera medalha do Mérito Industrial da Fiesp e que tinha tratos diretos e pessoais com

    presidentes da África e América do Sul87.

    Na redemocratização, Norberto Odebrecht, pai de Emílio, participou do Movimento

    Cívico de Recuperação Nacional (MCRN), de caráter empresarial-militar, liderado por

    Herbert Levy e composto pelo ex-ministro interino da Indústria na gestão Geisel, Nélson

    Gomes Carneiro, e participação de empresários da Volkswagen, João Fortes Engenharia e

    outros, além de contar com o apoio de Roberto Marinho, Mário Amato, José Ermírio de

    Moraes e Victor Civita. Além disso, durante a Constituinte, participou do esforço coletivo que

    85 Jornal do Brasil. Edição de 24 de maio de 1992 apud CAMARGOS, R. C. M. Estado e... op. cit. p. 60. 86 Jornal do Brasil. Edição de 24 de maio de 1992 apud CAMARGOS, R. C. M. Estado e... op. cit. p. 60. 87 ODEBRECHT, Emílio. A Odebrecht e a Privatização. op. cit. p. 65-82.

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    derrotou a tese da União Brasileira dos Empresários, a UB, no tocante ao conceito de empresa

    nacional, sendo mantido o parágrafo que indicava a empresa brasileira como constituída sob

    as leis do país e com sede e administração no território nacional, contra a proposta da UB de

    suprimir todo o parágrafo. No caso, a Odebrecht se aliou ao chamado ‘centrão’ e aos

    militares, que defendiam a manutenção do texto88, o que só reforça a indicação de sua ligação

    com as forças armadas.

    A empreiteira baiana cresceu ainda mais quando fez a principal parceria do setor da

    construção pesada na ditadura. Em 1980, adquiriu 49% das ações da CBPO, iniciando um

    processo que depois virou fusão. Segundo editorial da revista O Empreiteiro: “Guindado à

    liderança do setor, o grupo ganha automaticamente um peso agigantado como porta-voz

    representativo da comunidade da construção.”89 No ano anterior, a Odebrecht ficara em

    segundo lugar dentre os empreiteiros com maior faturamento do país, ultrapassando a CC e

    ficando apenas atrás da AG. Juntando-se, porém, os valores recebidos por CBPO e NO,

    tratava-se da maior empreiteira nacional. Oscar Americano Costa, dono da CBPO, assim

    explicou a união das duas empresas:

    A nossa convivência foi bastante positiva no consórcio que executou as obras do

    novo Aeroporto do Galeão, com muitos pontos de sintonia na maneira de ver e

    conduzir os negócios. Isso favoreceu naturalmente as negociações de agora, quando

    Norberto Odebrecht tomou a iniciativa de nos propor essa associação.90

    Para o empresário paulista, as duas empresas eram complementares, visto que a CBPO tinha

    currículo em barragens, tún