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1 O caso da França e a proibição do uso so véu islâmico em espeços públicos Maria Eduarda Antonino Vieira 1 RESUMO Este trabalho se dispõe a desenvolver um estudo sobre a decisão, da República Francesa, em proibir o uso do véu islâmico em espaços públicos. Esta decisão levantou grandes debates sobre a relação do Ocidente com o Islã, principalmente quando vinculados a temas como: liberdade religiosa. A análise se justifica pela necessidade de uma discussão mais verdadeira sobre a atuação do Estado Francês, tão representativo na consolidação de repúblicas democráticas e as consequências de ações proibitivas - como a que envolve o uso do véu islâmico na vida dos imigrantes e nas populações minoritárias. O objetivo é a desconstrução do discurso ocidental de liberdade e salvação, através de leis que desrespeitam hábitos e culturas e com o questionamento sobre a verdade por detrás do véu. Palavras-Chaves: Política, Direitos Humanos, Feminismo e Religião 1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - UFPE Mestranda em Ciência Política, pela UFPE. Formada em Relações Internacionais pela Faculdade Damas – PE. Email: [email protected]

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O caso da França e a proibição do uso so véu islâmico em espeços públicos

Maria Eduarda Antonino Vieira1

RESUMO

Este trabalho se dispõe a desenvolver um estudo sobre a decisão, da República

Francesa, em proibir o uso do véu islâmico em espaços públicos. Esta decisão

levantou grandes debates sobre a relação do Ocidente com o Islã, principalmente

quando vinculados a temas como: liberdade religiosa. A análise se justifica pela

necessidade de uma discussão mais verdadeira sobre a atuação do Estado Francês,

tão representativo na consolidação de repúblicas democráticas e as consequências

de ações proibitivas - como a que envolve o uso do véu islâmico – na vida dos

imigrantes e nas populações minoritárias. O objetivo é a desconstrução do discurso

ocidental de liberdade e salvação, através de leis que desrespeitam hábitos e

culturas e com o questionamento sobre a verdade por detrás do véu.

Palavras-Chaves: Política, Direitos Humanos, Feminismo e Religião

1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - UFPE Mestranda em Ciência Política, pela UFPE. Formada em Relações Internacionais pela Faculdade Damas – PE. Email: [email protected]

2

INTRODUÇÃO

Em um mundo plural e complexo, o tema dos direitos humanos, feminismo e

religião estão cada vez mais presente nas áreas importantes das sociedades

contemporâneas, tanto nas academias, quanto na política e na cultura. Nas últimas

décadas, a diversidade cultural transformou-se em um grande desafio político,

principalmente com o advento da globalização, o qual permite a difusão e o

compartilhamento de movimentos que enfatizam a diferença cultural, linguística e

religiosa. A pluralidade cultural, associada aos movimentos migratórios, passou a ver

as minorias como ameaça a estabilidade e a coesão estatal.

Os fluxos migratórios intensificaram os desafios e os debates sobre

identidade e nacionalismo. Tanto que diante do processo de integração europeu, e

da acomodação dos imigrantes, a discurssão sobre política e religião no espaço

público tem se acentuado. A República Francesa atraiu e continua atraindo muitos

imigrantes, possui em seu território a maior comunidade muçulmana da Europa

Ocidental, são cerca de 7,5% da população2. Os imigrantes muçulmanos formam

uma heterogênea população, originária das ex-colônias francesas. Primeiro vieram

os argelinos, depois os marroquinos e posteriormente os turcos. Mais da metade dos

muçulmanos migrantes do país já possuem cidadania francesa e consideram-se

franceses.

A combinação dessa série de elementos, às vezes contraditórios, tais como

política, direitos humanos, universalidade, igualdade, religião, Estado e espaços

públicos faz o estudo da proibição do uso do véu islâmico um tema multifacetado,

complexo e digno de debate. A importância deste trabalho para a área de Ciência

2 PEW RESEARCH CENTER. 5 facts about the Muslim population in Europe. Disponível em: <http://www.pewresearch.org/fact-tank/2016/07/19/5-facts-about-the-muslim-population-in-europe/>. Acessado no dia 19 de julho de 2016.

3

Política, especificamente brasileira, é discutir a religião para além do sentido

previsível, repetitivo e banal que essa área acadêmica termina reproduzindo, como

se a religião fosse agente de reversão da mudança ou como instrumento de

alienação.

O propósito do estudo é a desconstrução do discurso ocidental de liberdade e

salvação, através de leis que desrespeitam hábitos e culturas. Não caberá a este

trabalho dizer se o véu islâmico é bom ou ruim para a mulher muçulmana, se é

opressivo ou se não é. A ideia é realizar um estudo descritivo do caso francês

levando em conta críticas à limitação das liberdades das mulheres neste contexto,

bem como o desrespeito à cultura islâmica, analisando às justificativas laicas do

Estado e à justiça de gênero.

Considerando o objetivo do trabalho faz-se necessário a utilização de uma

metodologia científica baseada numa revisão bibliográfica. Vão ser utilizados

teóricos pós-coloniais, teóricas feministas francesas e islâmicas, além de trabalhar

com a teoria multicultural. O artigo está analisando como quatro variáveis

explicativas que são: os direitos humanos, a laicidade do Estado Francês, o

feminismo islâmico e a agência das mulheres se relacionam com a proibição do véu

islâmico no espeço público.

A hipótese que o artigo vai verificar é se esta política de proibição, ao invés de

diminuir as desigualdades entre as mulheres, possibilitando o acesso e convívio

destas muçulmanas com o seu país e com a sua religião, na verdade, se consolida

como uma política anti-islâmica e segregadora, ou seja, como um racismo de

Estado.

A LEI FRANCESA

Não é nenhuma novidade que a Europa, em maiores proporções os países

desenvolvidos europeus, atraíram e atraem muitos imigrantes. De acordo com a

última pesquisa feita pelo Pew Research Search, de julho de 2016, 40% do mundo

4

migrante vive nos EUA e na Europa, dos imigrantes europeus, a maioria deles tem

origem nos países muçulmanos. Tanto que a França e a Alemanha têm as maiores

populações muçulmanas. Na França são mais de cinco milhões de muçulmanos.

A França, ao longo destes últimos anos, vem desenvolvendo políticas

bastante polêmicas em relação ao outro, principalmente com o islâmico. Proibiu, em

2004, o uso do véu islâmico em escolas públicas. Em 2011, a lei tornou-se ainda

mais restritiva, ao proibir a utilização de véus integrais (burca e do niqab)3 no espaço

público. A lei francesa se diz extensiva a todos os símbolos religiosos considerados

ostensivos, com intuito de proteger a laicidade dos seus valores e promover a

igualdade de gênero.

A votação desta lei na Assembleia Nacional Francesa contou com a

participação de um parlamento composto com 90% de homens e partidos de direita

(ALI, 2012). A votação contou com o respaldo de 335 deputados, apenas um

parlamentar votou contra a lei sob a justificativa de que esta estaria levando a

França a ser um estado totalitário. A lei aprovada afirma que a mulher que usar o

niqab ou a burca estará sujeita a uma multa de 150 euros e poderá ser obrigada a

fazer um curso de cidadania francesa. Já homens que obrigarem mulheres a utilizar

esses véus podem ser condenados a multas de 30 mil euros e a penas de até um

ano de prisão.4

O texto proíbe também os quipás judaicos, os turbantes sikh e os crucifixos

considerados, pelos os que fiscalizam, acintosos. Mas, na prática, a lei afeta

diretamente as mulheres islâmicas, pois o véu é o único, destes símbolos religiosos,

3 São diversos os tipos de véus que compõem o código de vestimenta islâmico. Há o hijab, véu que cobre a cabeça e os ombros; o jilbab, véu que cobre a maior parte do corpo deixando visíveis o rosto e as mãos; o niqab, véu integral que cobre todo o rosto e corpo, deixando a mostra apenas os olhos; e a burca, véu integral que deixa os olhos parcialmente a mostra através de uma tela. 4 A lei em vigor que proíbe o uso do véu: Artigo 1º: Toda pessoa que circula no espaço público deve ter o rosto descoberto e usar roupas ou acessórios que permitam facilmente o reconhecimento ou a identificação. O princípio mencionado não se aplica aos serviços públicos em missão especial, nem às atividades culturais tais como o carnaval ou a gravação de um filme. Artigo 2º: Será punida com dois meses de prisão e com 15000 euros de multa a violação do princípio mencionado no artigo 1o. Serão punidos com a mesma pena aqueles que incitarem a violação do princípio. Em caso de reincidência, essas penas serão de 1 ano de prisão e 30000 euros de multa.

5

considerado de uso obrigatório dentro da religião. Quando elas não o utilizam são

consideradas violadoras de sua crença e desobedientes ao seu "Deus”. Ao tempo

que seguem a lei francesa elas infringem aos preceitos de sua religião, passando a

renegá-la publicamente e praticá-la apenas em espaços privados, incentivando a

formação de guetos religiosos.

O Ministério Interior da França realizou pouco anos antes da aprovação da lei

uma pesquisa entre as mulheres muçulmanas com a intenção de quantificar as

mulheres que utilizavam a vestimenta. O resultado foi tão irrisório, que chega a

chocar, apenas duas mil mulheres utilizavam o véu. 5 Tal número leva ao

questionamento: Será que essas duas mil mulheres estão realmente ferindo a

laicidade francesa? Será que a proibição é a maneira correta de dialogar com essa

cultura? Para instituir a Lei, o governo contou com o apoio e orientação de

feministas ocidentais que insistem em levantar a bandeira da “salvação", como se o

uso do véu caracterizasse a opressão das mulheres islâmicas e da laicidade do

Estado, pois tal traje fere a República Francesa e a neutralidade religiosa.

DIREITOS HUMANOS UNIVERSAIS

Pra começar a refletir sobre esta proibição é preciso pensar um pouco sobre o

que são os direitos humanos universais e quem, de fato, são os sujeitos destes

direitos? Em nome de quem realmente estes direitos estão agindo? A lei está

realmente defendendo os direitos destas mulheres? Qual o papel dos direitos

humanos numa democracia?

Não se tem uma uniformidade em relação a definição dos direitos humanos,

as tentativas de conceituação apresentam múltiplas definições pelo fato de serem

resultado de diferentes contextos e concepções. Segundo João Batista Herkenhoff

direitos humanos são, modernamente entendidos, como "aqueles direitos

5 Um estudo realizado pelo Ministério do Interior na França, em 2009 mostrou que são aproximadamente 1900 mulheres que usam o véu. Disponível em: <http://www.loc.gov/law/help/france-veil.php>. Acessado no dia 18 de setembro de 2015.

6

fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua natureza

humana, pela dignidade que a ele é inerente” (HERKENHOFF, 1994, p.30). Selma

Regina Aragão também conceitua os direitos humanos como sendo “os direitos em

função da natureza humana, reconhecidos universalmente pelos quais indivíduos e

humanidade, em geral, possam sobreviver e alcançar suas próprias realizações"

(ARAGÃO, 2000, p.105). Norberto Bobbio, manifestando seu descrédito quanto as

diversas tentativas de definição, afirma que a idéia de que os direitos humanos são

direitos naturais, os que cabem ao homem enquanto homem é meramente

tautológica, não servindo para traduzir seu verdadeiro significado e seu preciso

conteúdo (BOBBIO, 1992, p.17-32).

A evolução histórica dos direitos inerentes a pessoa humana, independente

de sexo, raça, nacionalidade, conhecidos como: os direitos à liberdade de

expressão, à liberdade religiosa, o direito de ir e vir, entre outros. São direitos

nomeados, hoje em dia, como direitos humanos universais. Não nasceram todos de

uma vez, nem são a descoberta repentina de uma única sociedade, são diretamente

ligados a história e foram construídos ao longe de muitos anos. Tanto que Bobbio

vai dizer que os "direitos humanos são direitos históricos, ou seja, nascidos em

certas circunstâncias, caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades contra

velhos poderes” (BOBBIO, 2004, p.6). O tempo foi responsável por moldar o que

hoje nós chamamos de direitos humanos. São diferentes para as diferentes

sociedades, porque são resultados de situações críticas específicas de cada

trajetória.

O momento de maior importância para a construção destes direitos foi o fim

da II Guerra Mundial (representou uma ruptura com direitos humanos, pois foi um

período de barbárie, destruição, descartabilidade da pessoa humana), no berço das

Organizações das Nações Unidas, que surgiu o principal documento de proteção de

direitos humanos, a DUDH. Já no comitê preparatório começaram a insurgir

divergências entre os Ocidentais e Orientais. O representante da delegação chinesa

chegou a sugerir que os presentes fossem estudar alguns meses de cultura asiática,

7

relatando sua insatisfação com o que estava sendo produzido. Mesmo diante das

controvérsias o documento foi aprovado por 48 países, em menos de dois anos a

Declaração chegou ao seu ponto final, sem nem ter dado espaço para as minorias

étnicas, sem garantir os direitos que as mulheres buscavam6 e sem escutar as

populações indígenas, nem os orientais (COMPARATO, 2001, p.52-61).

O Oriente só começou a pensar em Direitos Humanos muito tempo depois,

somente com o fim do imperialismo Ocidental, na Índia, só surgiu com Mahatma

Gandhi. Os questionamentos não tardaram a aparecer, tanto da comunidade

antropológica, como de países islâmicos. A comunidade não-ocidental começa a

enxergar esses direitos humanos como uma “missão global da civilização ocidental,

seria um imperialismo cultural, pois aqueles direitos não refletem o que todos do

mundo pensam” (BIELEFELDT, 2000, p.143). Para Piovesan, “simboliza a

arrogância do imperialismo do mundo ocidental, que tenta universalizar suas

próprias crenças” (PIOVESAN, 2002, p.158-159).

A liberdade, o direito de agir seguindo sua própria vontade, desde que não

prejudique outra pessoa, foi e continua sendo um dos grandes pilares do Ocidente.

Representou uma das bandeiras da Revolução Francesa no passado. E agora, não

só a liberdade é um direito, como a liberdade religiosa é garantida por vários

instrumentos de direito internacional, inclusive pela Declaração, a qual a França

participou da sua criação e é uma das signatárias. A Declaração deixa claro, no

artigo 18º, que:

Todo o homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e

religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença

e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela

6 Desde 1791 já existia um documento que buscava os direitos das mulheres, a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã”. Praticamente ignorado na consciência democrática contemporânea, o documento público escrito por Olympe de Gouges, em meio à Revolução Francesa, pode ser considerado como um momento fundador do feminismo.

8

prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em

público ou em particular.7

No entanto, na contemporaneidade, a liberdade garantida na DUDH está

constantemente ameaçada em países ocidentais-democráticos. Podemos entender

que nem todas as pessoas do globo são sujeitos destes direitos. O universalismo se

impõem de cima pra baixo, a partir de uma relação vertical, principalmente quando

se leva em conta as particularidades e as diferenças de todos os seres. Boaventura

vai concluir que “os direitos humanos são universais apenas quando vistos do ponto

de vista ocidental” (SANTOS, 2006, p.441).

Desse forma, o padrão de direitos humanos que universalizou-se são direitos

de: homens, ocidentais e brancos, que são reproduzidos como de todos e o melhor

para todos. Seria os direitos humanos uma ferramenta de dominação do Ocidente

para com o Oriente? As mulheres podem ser vistas como sujeitas desses direitos? A

análise sobre a construção destes direitos e quem de fato são os sujeitos é

importante para não se deixar iludir pelo discurso imperialista da salvação. Afinal

existe uma clara conexão entre a apropriação dos discursos salvacionistas para

legitimação de atuações questionáveis dos Estados modernos.

REPÚBLICA SECULAR FRANCESA

O uso do véu islâmico pelas francesas muçulmanas é considerado uma

ameaça a República Secular Francesa. A laicidade foi uma das garantias

conquistadas pela burguesia da França, desenvolvida durante a Revolução, com

objetivo de limitar a influência da Igreja Católica, rejeitando o envolvimento religioso

em assuntos governamentais. A lei francesa que proíbe a utilização da vestimenta

muçulmana está fundamentada e justificada na defesa desta laicidade. Entretanto,

na prática, esta lei configura-se de forma bastante distinta do que significa ser um

7 ONU. Declaração Universal de Direitos Humanos, 1948. Disponível em: <http://www.dudh.org.br/declaracao/>. Acessada dia 10 de abril de 2016.

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Estado laico. A França vai, realmente, garantir a liberdade de todas as religiões ou

vai impor uma neutralidade religiosa no espaço público para uma única religião?

O fenômeno histórico-social da secularização está intimamente relacionado

com o avanço da modernidade. Tanto é que Joanildo Burity relata que na narrativa

do mundo moderno o conceito de secularização é inseparável das sociedades

ocidentais. É como se todas as sociedades do Ocidente tivessem como curso

natural o processo de secularização (BONINI & SERAFIM, 2005, p.27). O direito, a

arte, a cultura, a filosofia, a educação, a medicina e vários outros campos da vida

social moderna vão ser baseados em valores seculares, ou seja, não religiosos.

Dessa forma as sociedades vão crescendo sem necessariamente ter uma fé.

O secularismo vai proporcionar um novo arranjo político-institucional. As

organizações do mundo pré-moderno eram baseadas na fé em Deus, na religião. Já

no mundo moderno Ocidental as organizações são livres dessa ligação. As pessoas

passam a se envolver na política sem ter um Deus, ou até possuem uma fé, mas

não podem proferir como se fosse a fé oficial da instituição. Desta forma, as igrejas

passam a ser instituições separadas das estruturas políticas. Para Wilson, a

secularização é um processo pelo qual pensamentos, práticas e instituições

religiosas perdem significação social. Os valores fundamentais que regem as

sociedades modernas não derivam de preceitos religiosos. Os preceitos religiosos já

não são mais, nas modernas sociedades secularizadas, a base da organização

social (WILSOM, 1999).

Charles Taylor, no seu livro, Uma Era Secular, apresenta três formas de

compreender a secularidade: a primeira é a tradicional separação entre Igreja e

Estado; a segunda forma afirma que a secularidade consiste no abandono de

convicçõese práticas religiosas; por fim, a teceira forma à qual Taylor se dedica é

acompreensão da fé como uma opção entre outras (TAYLOR, 2010).

10

Barbier vai dizer que a laicidade implica a neutralidade do Estado em matéria

religiosa. Esta neutralidade apresenta dois sentidos diferentes, o primeiro já

destacado acima: exclusão da religião do Estado e da esfera pública. Pode-se falar,

então, de neutralidade-exclusão. O Segundo sentido refere-se à imparcialidade do

Estado com respeito às religiões, o que resulta nanecessidade do Estado em tratar

com igualdade as religiões. Trata-se neste caso da neutralidade-imparcialidade

(BARBIER, 2005). A laicidade não pode ser confundida com a liberdade religiosa, o

pluralismo e a tolerância. Estas são consequências e os resultados da laicidade.

Pode haver liberdade religiosa, pluralismo e tolerância sem que haja laicidade, como

é o caso dos países escandinavos.

As contradições em relação ao Estado laico francês reside exatamente em

não permitir que a religião se misture com assuntos governamentais, entretando

aprova políticas que interferem diretamente na liberdade religiosa de um única

religião minoritária. O Estado Secular Francês termina caindo na armadilha dos

Estado religiosos, afinal acaba criando uma lei restritiva que vai afetar a diretamente

a liberdade religiosa das muçulmanas que quiserem vestir o véu, ou seja, as outras

religiões não tem punições ou restrições no espaço público, continuam demostrando

sua fé. Onde está o Estado imparcial as questões religiosas? Cadê o Estado que

não apoia e não discrimina nenhuma religião?

Estado laico não significa o desaparecimento de toda e qualquer prática

religiosa em espaços públicos. Muçulmanas que saem com seu véu ou islâmicos

que rezam em praça pública não estão submetendo, nem forçando, a sociedade

francesa a sua crença. A lei termina por ferir o princípio da igualdade, uma vez que

manifestações de outras religiões ou são permitidas, ou não são coibidas com o

mesmo rigor, como por exemplo, a obediência aos feriados estabelecidos no

calendário cristão, o que resulta em uma maior desigualdade e deixa a sensação de

que a França ao invés de promover a laicidade e liberdade, pratica um realismo de

Estado.

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FEMINISMO ISLÂMICO E AGÊNCIA DAS MULHERES

A igualdade de gênero, foi uma das bandeiras levantadas pelas feministas

francesas, e outra justificativa utilizada pelo Estado Francês para a aprovação da

proibição do véu. Diferentemente da posição adotada pelo feminismo francês, o

feminismo islâmico que vem conquistando mudanças significativas ao longo desses

último anos, foi contrário a lei. As feministas muçulmanas, são um conjunto

heterogêneo que iniciou seu movimento na década de 1920, no Egito e na Turquia,

e que já vêm desenvolvendo uma visão crítica da religião, já discutem e repensam

seu papel na sociedade e já reprovam a leitura tradicional do Alcorão.

Diante do panorama mundial dos feminismos, em 1980, a terceira onda do

feminismo, começou a entender que existe uma grande diversidade no universo

feminino. Iniciando o compartilhamento da ideia de que o movimento feminista é

plural, pois se desenvolveu em vários lugares do mundo, de acordo com

características singulares e necessidades próprias. Surge o entendimento de que se

num único país a diversidade de feminismos é grande, imagine de um continente

para o outro? Mulheres diferentes vão ter necessidades diferentes e lutas diferentes

para superar.

Para estas mulheres islâmicas, a proibição do uso do véu soou mais como

perseguição, do que como uma luta em prol da liberdade.Termina se visualizado

uma xenofobia disfarçada que utiliza de discursos libertários para garantir o apoio

popular. Será que as islâmicas realmente precisam que feministas ocidentais

intervenham a seu favor? Será que é correto ver as mulheres islâmicas por um

prisma tão estreito?

Feministas ocidentais não podem distorcer a situação das muçulmanas. Não

existe essa possibilidade de continuar colocando as islâmicas como vítimas

silenciosas e passivas de sua cultura, seus homens e sua política. O feminismo

islâmico está ciente que este discurso serviu apenas para justificar uma série de

invasões imperialista.

12

O feminismo islâmico começa a defender a agência das mulheres, que as

feministas façam as suas próprias lutas, elas que estão inseridas na relação de

poder com seus pais, maridos e com o Estado e só elas que podem confrontar os

seus questionamentos. De fato, a autoimagem de muitas islâmicas não corresponde

à condição de vítimas que lhes é atribuída. Em vez disso, elas se enxergam como

corajosas, capazes e fortes. O islã é importante para elas, assim como sua honra.

O movimento Ocidental, quando não consegue compreender a agência das

islâmicas, termina, ao invés de ajudar, atrapalhando o processo de empoderamento

destas mulheres, porque as orientais acabam não enxergando de forma positiva

esta intervenção política e assimilando esse tipo de ajuda como impositiva. A mulher

muçulmana deixa de ser sujeito da sua própria história. Para a cientista social

brasileira e muçulmana, Magda Aref Abdul, o papel da França é garantir que tanto

as mulheres que usem mini-saias continuem a mostram seus corpos, como as que

usam o véu possam se cobrir (FEVORINI, 2015). As islâmicas querem mais

liberdades, é claro, mas querem ser participantes ativas em sua própria libertação e

querem definir o ritmo da sua luta.

O processo de empoderamento feminino passa da relação entre o acesso a

educação e a liberdade para o exercício da agência. Nesse sentindo, as feministas

islâmicas vão dizer que as mulheres não são seres determinados pelas regras

culturais que os impedem de ser autônomas, a autonomia vem da capacidade de

refletir sobre e dentro das circunstancias e reforçar ou mudar a forma como agimos.

Quando falamos em agência das mulheres, se entende o conceito como a condição

para realização das escolhas responsáveis e autônomas que garantam seu bem-

estar. É a mulher se reconhecendo como agente ativo da mudança social. Colocá-

las como vítimas dos preceitos religiosos é subjugar sua consciência de sujeito e

esquecer de ouvir o que elas pensam, acham e desejam. Cada um interpreta o

significado de desigualdade e opressão como quer. Para elas o uso do véu pode

não estar ligado a nenhum desses dois elementos. Essa pode ser apenas uma visão

Ocidental que não satisfaz as muçulmanas, é preciso ouvi-las, antes de tentar ajudá-

las, se é que é necessária tal ajuda.

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Uma das primeiras e principais análises sobre a lei de proibição da vestimenta

oriental foi feita por Zahra Ali, estudiosa do feminismo islâmico. A autora levanta a

bandeira de alerta, ressaltando que as mulheres não podem deixar que o feminismo

seja um instrumento para fins racistas e anti-islâmicos (ALI, 2012). Assim como Ali,

Louise Acciari (2012) também alerta para o risco de instrumentalizar o feminismo

para fins fins sexistas, racistas e para a liberaçãode um discurso islamofóbico

(ACCIARI, 2015).

Martha Nussbaum vai relatar que quando o Estado francês defende a burca

como um símbolo religioso de subserviência, termina objetivando a mulher da

mesma forma, pois rouba sua individualidade e sua agência. Ela ainda provoca a

sociedade francesa com um questionamento: a França está tão preocupada em

promover a igualdade do gênero das outras culturas, e a igualdade no seu país? A

revista pornográfica, a calça jeans apertada, roupas transparentes, todos esses

produtos tratam as mulheres como objeto. Será que a França está proibindo-os?

(NUSSBAUM, 2012).

Nussbaum acrescenta que o sexismo só vai acabar nas sociedades com a

persuasão e com o exemplo, discutindo sexualidade nas escolas, não pela remoção

da liberdade, nem com nada imposto verticalmente. Dessa forma ela sintetiza que os

proponentes da lei não estão realmente preocupados em banir todas estas práticas

de sujeição da mulher, para a autora, torna-se inconsistente a alegação de que a

medida pretende reduzir as desigualdades de gênero (NUSSBAUM, 2012). Judith

Sundervanda, pesquisadora do Human Rights Watch, constatou que a proibição

nessa ordem cria uma situação de perda para todos os lados, pois viola os direitos

das mulheres que resolveram por vontade própria utilizar o véu e não ajuda em nada

as que são obrigadas a vestir. A lei ao invés de aproximar e agregar todas as

comunidades sob o sistema laico Francês, segrega os muçulmanos e aumenta o

sentimento de rejeição dessa comunidade já oprimida (ALENCASTRO, 2015).

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O “excesso” de ação do Estado Francês termina por acentuar essa discussão

e prejudicar a comunidade. Se um dos viés do discurso de proibição do véu, é a

proteção da mulher, como o Estado pode limitar o uso ao ambiente privado, no qual

ele não pode intervir? Como uma República criada nos pilares da liberdade,

igualdade e fraternidade não respeita os costumes dos seus e coíbe a liberdade de

expressão dos cidadãos? Será que para ser considerado um cidadão francês, é

obrigatório abandonar suas origens e convicções, pois o Estado não consegue

conviver com as diversidades culturais, como ressalta a ativista islâmica Kenza

Drider?

Continuarei vivendo a minha vida com o véu completo, como fiz ao

longo dos últimos 12 anos, e nada nem ninguém vai me deter.

Jamais imaginei que veria o dia que a minha França, país no qual

nasci e que amo, o país da igualdade, liberdade e fraternidade, faria

algo que tão obviamente viola as liberdades das pessoas.8

O Estado se diz defensor da mulher oprimida, falando em liberdade, mas não

liberta essa mulher quando também a obriga a não usar o véu em espaços públicos

e exclui a mulher do convívio, não resolve o problema, só tira a mulher da sua visão,

ou seja, para de enxergá-la. Como pensar em “salvar” apenas proibindo e sem

consultar as “vítimas”? Será que é possível apagar séculos de cultura arraigada,

através de uma Lei, com o discurso de salvação? Tentar subtrair valores culturais,

em busca de uma homogeneização social, pode ser mais prejudicial do que

benéfico.

CONCLUSÃO

Analisando as contribuições teóricas feministas de Zahra Ali (2012), Louisa

Acciari (2012) e Martha Nussbaum (2012) em relação a lei de proibição da

vestimenta fica evidente que as autoras conseguem descaraterizar o discurso

feministas que visa à promoção da igualdade de gênero, na França, através da lei. O

8 A francesa, Kenza Drider, utilizando o véu, disse este texto em reportagem ao jornal britânico The Guardian, no dia da proibição do véu.

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trabalho comprova que esta lei não modifica de fato a situação das mulheres

muçulmanas, na verdade, a proibição retira a agência destas mulheres, quando o

Estado proíbe, sem espaço para o diálogo, incapacitando as mulheres de fazerem

suas próprias escolhas. Retirando o poder das muçulmanas de lutarem pelos seus

direitos de sua forma.

A lei não está preocupada na igualdade de gênero ou baseada na laicidade

do Estado, a proibição funciona como uma promoção dos valores republicanos

franceses e se consolida como um preconceito com uma outra cultura, uma outra

religião, uma outra forma de enxergar o mundo. Em favor de algo diferente disto,

Taylor retratou a necessidade de reconhecer de forma justa os indivíduos nas

sociedades democráticas modernas. Expressou que a maioria das democracias

constitucionais atuais, como a francesa, são regidas por princípios de neutralidade e

universalismo, sendo que essa neutralidade é hipotética, uma vez que representa a

imposição de uma cultura dominante, levando a uma guetização das culturas

minoritárias. Sob a ótica tayloriana fica claro a sobreposição de uma cultura sobre a

outra, o governo francês estaria adotando a política de “cegueira à diferença”

(GADAMER, 1997, p.100).

É importante desconstruir as verdades universais do Ocidente, só a partir

deste movimento é que as atrocidades e exclusões vão acabar e vai surgir um

espaço com outra realidade. O universalismo não pode ser limitado, nem coercitivo,

nem impositivo. Tem que superar as práticas coloniais dos Europeus baseadas na

vitimização do outro ou na subordinação, sempre fundamentado numa dualidade ou

num contraponto imperialista: nós/eles, desenvolvidos/subdesenvolvidos,

superiores/inferiores. Não se deve mais reproduzir os preconceitos sobre a cultura

Oriental, dessa forma Edward Said sintetizou que:

Os discursos universalizantes da Europa e dos Estados Unidos

modernos, sem nenhuma exceção significativa, pressupõem o

silêncio, voluntário ou não, do mundo não-europeu. Há incorporação;

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há inclusão; há domínio direto; há coerção. Mas muito raramente

admite-se que o povo colonizado deve ser ouvido e suas idéias

conhecidas (SAID, 2005, p.86).

Políticas como esta deixam a coexistência da diferença na sociedade

francesa cada vez mais difícil, pois passa a ser pautada na desigualdade. É

importante ressaltar a necessidade de debater a diferença, de cada um ser pessoal

e coletivamente diferente do outro, o direito dos diferentes serem tratados como

iguais sem que isso anule suas diferenças. A lei termina não reconhecendo o outro e

segregando minorias, funcionando como um racismo de Estado, não como um

laicismo.

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