loparic, zeljko - o fato da razão- uma interpretação semântica

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13 volume 4 número 1 1999 ZELJKO LOPARIC Zeljko Loparic UNICAMP O FATO DA RAZÃO uma Interpretação Semântica 1 1. A origem dos interesses e dos problemas da razão pura Os comentadores divergem não só quanto à interpretação, mas também quanto à formulação da tese kantiana, enunciada na Crítica da razão prática, de que existe um fato da razão (Faktum der Vernunft). 2 A fim de introduzir minha solução para essas divergências, começarei por determinar o lugar do fato da razão no sis- tema da filosofia crítica. Para tanto, faz-se necessário explicitar qual é o problema que Kant estava querendo resolver ao afirmar tal fato, bem como o método de re- solução usado. Desde o início, entretanto, é necessário ponderar que o problema (1) O presente trabalho desenvolve partes do meu projeto de pesquisa intitulado “Kant e a finitude humana”, apoiado pelo CNPq. Os estudos que estou dedicando a esse tema tiveram iní- cio em 1995, nos cursos sobre a semântica transcendental de Kant, oferecidos na UNICAMP. A interpretação semântica do projeto kantiano da crítica da razão pura, considerado no seu todo, pode ser desenvolvida em dois passos. Primeiro, observa-se que Kant aplica a questão funda- mental da filosofia transcendental: de como são possíveis juízos sintéticos a priori, não somente aos juízos teóricos, mas também aos práticos, estéticos e teleológicos. Segundo, constata-se que a solução kantiana desse problema, apresentada nas três Críticas, é sempre a mesma e consiste ba- sicamente em identificar um domínio de dados sensíveis (sensações, sentimentos morais, senti- mentos estéticos) no qual os juízos de um determinado tipo podem ser ditos validos e, pelo me- nos em princípio, decidíveis, sendo que os conceitos de validade e de decidibilidade mudam, de acordo com o contexto. (2) Para alguns, a afirmação do fato da razão significa regressão à fase pré-crítica da filosofia kantiana. Para outros, trata-se de um avanço na sua teoria crítica. Vários desses trabalhos estão listados nas referências bibliográficas.

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    ZELJKO LOPARIC

    Zeljko Loparic

    UNICAMP

    O FATO DA RAZOuma Interpretao Semntica1

    1. A origem dos interesses e dos problemas da razo puraOs comentadores divergem no s quanto interpretao, mas tambm

    quanto formulao da tese kantiana, enunciada na Crtica da razo prtica, de queexiste um fato da razo (Faktum der Vernunft).2 A fim de introduzir minha soluopara essas divergncias, comearei por determinar o lugar do fato da razo no sis-tema da filosofia crtica. Para tanto, faz-se necessrio explicitar qual o problemaque Kant estava querendo resolver ao afirmar tal fato, bem como o mtodo de re-soluo usado. Desde o incio, entretanto, necessrio ponderar que o problema

    (1) O presente trabalho desenvolve partes do meu projeto de pesquisa intitulado Kant e afinitude humana, apoiado pelo CNPq. Os estudos que estou dedicando a esse tema tiveram in-cio em 1995, nos cursos sobre a semntica transcendental de Kant, oferecidos na UNICAMP. Ainterpretao semntica do projeto kantiano da crtica da razo pura, considerado no seu todo,pode ser desenvolvida em dois passos. Primeiro, observa-se que Kant aplica a questo funda-mental da filosofia transcendental: de como so possveis juzos sintticos a priori, no somenteaos juzos tericos, mas tambm aos prticos, estticos e teleolgicos. Segundo, constata-se que asoluo kantiana desse problema, apresentada nas trs Crticas, sempre a mesma e consiste ba-sicamente em identificar um domnio de dados sensveis (sensaes, sentimentos morais, senti-mentos estticos) no qual os juzos de um determinado tipo podem ser ditos validos e, pelo me-nos em princpio, decidveis, sendo que os conceitos de validade e de decidibilidade mudam, deacordo com o contexto.(2) Para alguns, a afirmao do fato da razo significa regresso fase pr-crtica da filosofiakantiana. Para outros, trata-se de um avano na sua teoria crtica. Vrios desses trabalhos estolistados nas referncias bibliogrficas.

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    em questo deve ser remetido ao interesse prtico da razo pura. Consideremos,ento, o que so os interesses da razo em geral e de onde surgem.3

    Na Crtica da razo pura, Kant explicita dois interesses fundamentais da razopura, um especulativo e um prtico-terico. O interesse especulativo pode ser ex-presso pela pergunta: que posso conhecer? O prtico, pela pergunta: que devo fa-zer?4 De onde se originam esses dois interesses? O terico origina-se de um postu-lado lgico. Trata-se do pedido de achar, para cada condicionado dado na intuiosensvel, a srie (absolutamente) completa de todas as suas condies (KrV, B 526,36). Sob o comando desse postulado, surge o interesse especulativo da razo.Esta quer saber qual a mxima extenso do meu conhecimento no domnio dosfenmenos da natureza, surgindo, ento, a pergunta: que posso conhecer?

    Consideremos de mais perto algumas das caractersticas bsicas desse postu-lado. Ele : a) analtico (KrV, B 526); b) ampliativo, isto , ele pede que se proceda(por regresso ao indefinido) expanso mxima do conhecimento emprico; c)apenas regulativo e no constitutivo da prpria experincia cognitiva (KrV, B 537).

    Quando opera de acordo com esse postulado, a razo terica comporta-secomo um dispositivo de formular e responder sries infinitas de perguntas, oseja, um solucionador de problemas. Por conseguinte, o ser humano, na medidaem que se submete razo terica, passa a existir como uma mquina heurstica.5Essa mquina posta em movimento pela entrada, via sensibilidade, de dados a

    (3) Ficar claro, em seguida, que as posies de Kant sobre a temtica da crtica da razo prticapassaram por um processo de amadurecimento que deve ser levado em conta para entender as dife-renas entre textos kantianos de diferentes pocas.(4) Kant considera, ainda, um interesse terico-prtico, formulado pela pergunta: o que me permiti-do esperar (se eu agir da maneira como devo agir)?(5) O termo mquina usado nesse contexto para sublinhar a afinidade do conceito kantianodo sistema da razo terica e do autmato espiritual de Leibniz. No dois casos, o conhecimen-to humano visto como produto de uma espontaneidade que posta em marcha pela afecosensorial e cujas operaes so controladas por regras a priori, algumas delas algoritmos, ou-tras mtodos heursticos.

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    serem processados para produzir o conhecimento emprico. Como esse fluxo dedados incessante, a mquina cognitiva nunca pode parar.

    Nem todas as tarefas do solucionador humano de problemas so relaciona-das diretamente aos dados sensveis. Algumas so meramente tericas ouespeculativas e dizem respeito aos princpios. As tarefas especulativas da razoditadas pelo postulado lgico dividem-se em trs grupos, segundo as trs idiasfundamentais da razo terica (a substncia simples, a fora fundamental e a tota-lidade de determinaes de uma coisa).

    Passemos agora ao interesse prtico da razo. Qual a sua origem? No opostulado lgico. De onde, ento, ele se origina? Curiosamente, quanto a esseponto, Kant muito vago na Crtica da razo pura. Ele apenas diz que o interesseprtico pode ser reduzido ao seguinte problema: que devemos fazer se a vontade livre, se Deus existe e se h uma vida futura? (KrV, B 828). No fica claro, nessapergunta, qual a relao interna entre a questo do dever e as idias da liberda-de, de Deus e da imortalidade, idias que representam, segundo Kant, os trsproblemas fundamentais da metafsica tradicional. Em outras palavras, no estdito qual o motivo por trs do interesse e dos problemas prticos da razo pura.A formulao precisa desse motivo s ser dada na segunda Crtica, como mostra-rei em seguida. Seja como for, o ser humano movido pelo interesse prtico terque resolver uma srie, possivelmente tambm infinita, de problemas. Como nocaso da razo terica, uma parte desses problemas diz respeito aos princpios.

    Sendo assim, a satisfao de ambos os interesses fundamentais pressupe asolubilidade dos problemas tanto especulativos como prtico-tericos.6 Garantira verdade dessa suposio a tarefa central da crtica kantiana da razo pura emtodos os domnios da sua aplicao.7

    (6) No presente contexto, limito-me aos problemas da razo terica e prtica, sem considerar os dafaculdade de juzo em geral. Tambm deixo de lado o problema da possibilidade dos juzos sintticosa posteriori, que formulam as respostas aos problemas empricos.(7) Exclumos as questes que dizem respeito validade das leis da lgica. Como mostrei em outrostrabalhos, a crtica kantiana estende-se tambm a essas questes.

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    2. A solubilidade dos problemas da razo pura especulativaSegundo a primeira Crtica, uma questo sobre um objeto qualquer no nada

    (ist nichts), isto , no tem qualquer sentido cognitivo, a no ser que o objeto a que serefere seja dado na experincia, ou seja, na sensibilidade cognitiva (KrV, B 506n). Domesmo modo, uma resposta s poder vir a ser reconhecida como significativa se con-sistir a um juzo sinttico que contenha exclusivamente predicados determinados,predicados que descrevem determinaes de objetos dveis na experincia cognitiva(KrV, B 506/7), razo pela qual so chamados de possveis ou objetivamente re-ais. Se a resposta tiver, por exemplo, a forma de um juzo predicativo, tanto o concei-to do sujeito como o do predicado tm de ser possveis.

    Para que uma demonstrao possa ser iniciada, o juzo, alm de ser logicamenteconsistente, ela dever conter exclusivamente conceitos determinados. A demons-trao ser necessariamente baseada no fato de que o juzo afirma (ou nega) umarelao existente (ou no existente) no objeto tal como dado na intuio sensvel(emprica ou pura). Se o juzo a demonstrar tiver a forma predicativa, a conexo,ocasional ou constante, entre o conceito do sujeito e do predicado ter de ser dadana experincia (cf. KrV, B 11-12). Este o terceiro elemento que deve estar dado eque servir de fundamento da demonstrao da existncia da sntese afirmada nojuzo sinttico em questo, seja ele a priori ou a posteriori.

    Todas essas teses pertencem semntica kantiana das questes, respostas edemonstraes (tericas) especulativas. Como elas so centrais para a minha an-lise do fato da razo, cabe desenvolv-las um pouco mais. Na primeira Crtica, es-tabelecer que um juzo (pergunta ou resposta) terico possvel significa mostrarque ele pode ser ou verdadeiro ou falso no domnio de dados intuitivos sens-veis. S um juzo possvel cognitivamente significativo e s ele poder, em se-guida, ser objeto de uma prova ou de uma refutao numa cincia emprica oupura. A explicao da possibilidade dos juzos sintticos em geral no uma tare-fa da lgica geral, isto , formal, mas da lgica transcendental. A sua soluo podeser reduzida da possibilidade dos juzos sintticos a priori. Essa ltima tarefa de fato a mais importante da lgica transcendental e mesmo a nica tarefa (KrV,B 193). Com efeito, continua Kant, aps ter terminado a tarefa de estabelecer as

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    condies e o mbito de validade [verdade] desses juzos, a lgicatranscendental poder satisfazer inteiramente o seu fim, a saber, determinar o m-bito e os limites do entendimento puro (ibid.). A possibilidade de todos os outrosjuzos sintticos fica garantida nesse mesmo mbito.

    Consideremos, por fim, o mtodo de demonstrao. Trata-se do mtodo combina-do de anlise e sntese, criado pelos gemetras gregos, adaptado filosofia por Des-cartes e retomado criativamente por Kant. A anlise procede da seguinte maneira:

    1) suposio inicial: supe-se que o juzo a ser demonstrado objetivamentevlido (verdadeiro), isto , que descreve corretamente objetos supostoscomo dados na intuio sensvel;

    2) anlise propriamente dita: procura-se, por deduo ou por ensaio e erro,a) dados admitidos como efetivos e b) proposies admitidas como ver-dadeiras com o propsito de, em seguida, c) construir, a partir de dadosadmitidos como efetivos, os objetos inicialmente apenas supostos comodados e d) provar, a partir de proposies admitidas como verdadeiras, ojuzo que objeto de prova;

    3) resoluo: prova-se a efetividade dos dados e a verdade das proposiesintroduzidas (encontradas) na anlise propriamente dita.

    A sntese vem em seguida e consiste nos seguintes passos:1) construo: constroem-se dados supostos como efetivos na suposio ini-

    cial, a partir de dados encontrados na anlise propriamente dita e de-monstrados efetivos na resoluo;

    2) prova: deduz-se a proposio a provar (proposio-problema) das propo-sies encontradas na anlise e reconhecidas ou provadas como verdadei-ras na resoluo.8

    (8) Uma descrio mais detalhada do mtodo combinado de anlise e sntese de Kant, bem como deseu emprego na soluo do problema de possibilidade dos juzos sintticos especulativos a priori,encontra-se em Loparic 1991, 1992 a e 2000. O mtodo de anlise e sntese da geometria grega foidescrito em Hintikka e Remes (1974). Para o uso do mesmo mtodo em Descartes, cf. Loparic 1997.

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    Portanto, o mtodo combinado de anlise e sntese s pode ser aplicado a juzossintticos a priori que podem ser supostos objetivamente vlidos (verdadeiros). Ascondies dessa suposio so estabelecidas pela filosofia transcendental, isto , pelasemntica a priori dessas proposies, no sentido explicitado anteriormente.

    Com respeito a questes da razo pura em geral, a filosofia transcendentalde Kant contm o seguinte teorema da decidibilidade: toda questo da razopura, isto , decorrente do interesse puro da razo, e que diz respeito a um objetodado na sensibilidade, pode ser respondida que sim ou que no pela prpria ra-zo (KrV, B 505). luz desse teorema, Kant pode dizer que todas as questes dafilosofia terica que satisfazem condio de se referirem a um objeto da experi-ncia so solveis por sim ou por no (KrV, B 505).

    luz desses elementos essenciais da teoria kantiana da solubilidade dosproblemas tericos, podemos entender a afirmao de Kant de que a primeira Cr-tica tem esgotado todas as respostas possveis e respondido por completo pergunta: que posso saber? (KrV, B 833). Isso significa, em particular, que a pri-meira Crtica: a) explicitou as condies de possibilidade (decidibilidade) dosjuzos sintticos especulativos a priori; b) efetivamente demonstrou a validade detodos aqueles juzos sintticos especulativos a priori que fazem parte dapropedutica semntica de qualquer teoria da natureza, seja filosfica seja cient-fica (a matemtica aplicada e a fsica, pura ou emprica). Em outras palavras, nombito da primeira Crtica, todas as questes que dizem respeito constituio daexperincia e do domnio de objetos da experincia foram respondidas. As res-postas so depositadas nos princpios do entendimento, devidamente provados.

    Alm disso, seriam igualmente solveis os problemas da matemtica pura(terica) e da moral pura (terica) (KrV, B 508). A realidade objetiva das proposi-es da matemtica pura assegurada pelas construes na intuio pura. Quan-to moral pura, ela poderia dar todos os seus princpios, juntamente com assuas conseqncias prticas, tambm in concreto, pelo menos na experincia poss-vel. Dessa maneira, a moral pura evitaria o equvoco da abstrao (KrV, B 452-3). Sendo assim, ela tambm deixaria de incorrer no erro de usar, nos seus juzos,conceitos nulos e vazios de sentido (KrV, B 508), e poder esperar

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    racionalmente decidir esses juzos de uma maneira ou de outra, por exemplo,pelo mtodo de anlise e sntese.9

    A questo que, entretanto, no foi respondida por Kant a de saber como de-finir a experincia possvel que possa dar in concreto as idias morais. Kant pareceter percebido esse fato, pois, no Cnon da primeira Crtica, onde enuncia a com-pleta satisfao do interesse especulativo, ele no diz nada de preciso quanto parte central do problema: que devo fazer? possvel que a razo fundamentaldesse silncio resida no fato de a primeira Crtica no responder pergunta: comoso possveis os juzos sintticos prtico-tericos a priori? Em outras palavras, es-tou afirmando que, ao contrrio do que Kant sugere na primeira crtica, a teoriada solubilidade dos problemas da razo terica pode, sem mais nem menos, serusada para tratar da solubilidade e para resolver os problemas da moral pura.

    3. A especificidade dos problemas prticos da razo pura: ausncia dejuzos prticos a priori universalmente aceitos e proibio de supor a suapossibilidade (realidade objetiva)

    A teoria crtica da solubilidade dos problemas da moral pura depara-se comduas dificuldades que s sero reconhecidas por Kant depois da publicao daprimeira Crtica e que, por esse motivo, s sero resolvidas posteriormente, nasobras dedicadas especificamente crtica da razo prtica.

    Em primeiro lugar, existe a dificuldade em determinar ao certo quais juzossintticos a priori devem contar como princpios prtico-tericos fundamentais,cuja possibilidade e validade objetivas devero ser provadas na moral pura. Porexemplo, como decidir se o juzo: no mente (nunca) um princpio a priori

    (9) O problema de decidir um problema da moral pura, isto , de estabelecer se um princpio moralvale ou no vale, no deve ser confundido com o problema de decidir se eu vou seguir esse princpio(ou qualquer outro princpio moral) na minha ao. A tese da decidibilidade defendida pela lgicatranscendental no diz respeito ao problema de saber como so tomadas as decises pelo sujeito pr-tico, menos ainda natureza desse sujeito.

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    fundamental, um princpio a priori derivado ou um mero juzo a posteriori entremuitos outros juzos morais? Kant demorou a perceber com toda a clareza as im-plicaes da dificuldade de identificar e formular claramente os juzos moraisfundamentais. Essa dificuldade tornou-se assunto central somente na Fundamenta-o da metafsica dos costumes (1785).

    Em segundo lugar, mesmo depois de ter sido decidido qual o juzo sintti-co a priori que deve contar como o princpio prtico fundamental, resta um proble-ma semntico. Esse juzo (ou juzos?) implica - isso se demonstra facilmente - naliberdade da vontade. Ora, a crtica da razo terica probe, em virtude dos resul-tados da terceira antinomia, supor, e ainda menos afirmar, que eu sou livre. Umavez formulada a lei moral como um juzo sinttico prtico-terico a priori, perma-nece, ainda, a tarefa de decidir se esse juzo possvel e at mesmo efetivo (obje-tivamente vlido, verdadeiro). Essa tarefa prima facie insolvel. Nessas condi-es, o mtodo combinado de anlise e sntese, que parte justamente da suposi-o da validade objetiva da proposio a provar, no pode nem mesmo comear aser aplicado para provar a j formulada lei moral (ou de qualquer outro juzo apriori sobre a liberdade). O problema semntico no resolvido , portanto, o deencontrar uma conexo entre a lei moral e a sensibilidade. Se tal coisa no for pos-svel, a lei e todas as idias prticas nela implicadas permanecero vazias (leer),isto , a moral pura (embora no necessariamente tambm a emprica) no passa-r de uma quimera.

    Levanto a hiptese de que foi essa dificuldade relativa semntica e decidibilidade dos juzos prticos que conduziu Kant afirmao do fato da ra-zo. Kant sabia, pelos resultados da terceira antinomia, que tal fato no pode serexibido no domnio da experincia cognitiva possvel. Logo, ele estava diante daseguinte alternativa: ou abandonar o projeto de elaborar uma semntica das re-presentaes da razo pura prtica ou ter de especificar um domnio de sensibili-dade diferente da sensibilidade cognitiva para, em seguida, tentar explicitar, so-bre esse domnio, que e como (voltarei a esse ponto posteriormente) a frmula dalei moral tem realidade e mesmo validade objetiva. O mesmo vale para todas asoutras leis e todas as idias da razo pura prtica: ou elas no tm sentido

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    objetivo nenhum ou deve existir um domnio de experincia, diferente do da experi-ncia cognitiva (dada na intuio sensvel), em relao ao qual elas podero serditas significativas. Justamente esse trabalho feito na segunda Crtica.10

    4. Em direo de uma melhor compreenso do fato da razo no quadro daobra de Kant

    Antes de prosseguir nessa linha de interpretao, gostaria de lembrarduas tentativas de formular o problema kantiano da relao entre a razo pr-tica e a sensibilidade. Uma delas a de Heidegger, apresentada no pargrafo30 do seu livro Kant e o problema da metafsica (1929). Em Kant, escreveHeidegger, a expresso eu moral designa o si-mesmo prprio e a essnciado homem, isto , a pessoa humana. Ora, a personalidade da pessoa a idiada lei moral junto com o respeito, inseparvel dessa lei (Heidegger 1929, p.143). O respeito remete sensibilidade (Sinnlichkeit), no sensibilidadecognitiva (Sinn), mas ao sentimento (Gefhl). Todo sentimento, seja eleemprico ou produzido a priori, como o caso do sentimento de respeito, tema estrutura intencional de ser sentimento por ..., isto , uma receptividade(Empfnglichkeit). O respeito a receptividade para a lei moral, ele aquiloque possibilita a recepo dessa lei como moral. O respeito por ... o modocomo a lei se torna acessvel para ns em primeiro lugar. Esse sentimentono serve para fundamentar a lei, ele to somente um modo de manifesta-o da lei, na qual a lei como tal pode vir ao nosso encontro. Esse encontro d-se como submisso lei. Contudo, nessa submisso eu no me afasto de mimmesmo, pelo contrrio, eu sou eu mesmo, pois, sujeitando-me lei, eu me su-jeito a mim mesmo como razo pura. Dessa maneira, eu me determino comoente livre e digno de respeito. O respeito, no sentido de Kant, , portanto, um

    (10) Estou sugerindo, portanto, que Kant distingue entre a experincia cognitiva e a experincia prti-ca. Na terceira Crtica, Kant introduz um terceiro conceito de experincia: o da experincia esttica(do belo e do sublime). A tese de que a crtica da razo prtica trabalha com um novo conceito deexperincia tambm defendida em Heidegger 1930 (p. 270).

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    modo da responsabilidade do ser humano em relao a si mesmo, em suma,o verdadeiro ser si mesmo (ibid., p. 145). Heidegger termina essa anlise coma seguinte afirmao: A entrega a ..., a submisso imediata, a receptividadepura, enquanto a livre outorga da lei a espontaneidade pura; na origem,ambas so unidas (ibid., p. 146). Isso significa, segundo Heidegger, que a ra-zo prtica humana , em si mesma, uma espontaneidade receptiva, o que spode ser entendido a partir da hiptese de que a razo prtica, tal como a te-rica, fundada na imaginao transcendental. Essa origem da razo prtica ex-plicaria porque, no respeito, a lei, assim como o si-mesmo que age, no soapreendidos objetualmente [gegenstndlich], mas se manifestam, de maneiraoriginria, no objetual e no temtica, justamente como o dever e o agir,constitutivos do ser-si-mesmo no-refletido e ativo (ibid.).

    A interpretao que defendo no presente trabalho concorda com a tese deHeidegger de que existe uma ligao originria entre a lei moral e a sensibilida-de e que a lei moral no determina a vontade como um objeto. O acordo vaimais longe, pois se insiste em que a lei, enquanto lei do dever, s acessvel norespeito e no, por exemplo, na autoconscincia meramente intelectual. Nosdois casos, fica abandonado o ponto de vista da filosofia da reflexo. Mas huma diferena bsica: enquanto Heidegger l Kant na perspectiva da constitui-o de um si-mesmo prprio ativo, ou seja, luz da problemtica da ontologiafundamental do Dasein, a minha abordagem concentra-se no problema da possi-bilidade de juzos prticos.11

    A segunda tentativa de formular o problema kantiano da relao entre a ra-zo prtica e a sensibilidade de Dieter Henrich.12 Num artigo j clssico sobreo fato da razo, Henrich mostra que a filosofia moral de Kant unifica os pontos

    (11) Na sua segunda fase, Heidegger abandonou o projeto de interpretar a analtica existencial nohorizonte da teoria kantiana da subjetividade e passou a ressaltar em Kant o terico da objetividade eda objetivao, posio prxima da que assumo no presente trabalho.(12) A presente discusso de Henrich retoma as idias expostas em Loparic 1998.

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    de vista de Wolff e de Hutcheson numa teoria enigmtica de atos morais;enigmtica porque sustenta a existncia de atos ou estados ao mesmo tempo ra-cionais e emocionais. Um exemplo de um tal estado o sentimento de respei-to pela lei moral. Por um lado, por ser um sentimento, o respeito um motivosensvel. Por outro, por originar-se causalmente dessa mesma lei, ele forosa-mente se coaduna com ela.

    O que isso tem a ver com o fato da razo? O fato da razo, sustentaHenrich, um conceito inseparvel do de respeito pela lei moral. Em que senti-do inseparvel? Henrich escreve: Os conceitos fato da razo e respeito pelalei so os conceitos centrais da segunda Crtica. Um no pode ser concebido[konzipiert] sem o outro. Cada um desses dois conceitos remete a outro e semeste torna-se sem sentido [sinnlos] (Henrich 1960, p. 249). Dentro dessa perspec-tiva, a resoluo do problema da interpretao do fato da razo, isto , da cons-cincia da lei moral, necessariamente passa pela anlise do sentido da expres-so respeito causado pela lei moral. O respeito pela lei deve se embutido, dealguma maneira, na conscincia da lei. Por outro lado, a conscincia da lei deveser utilizada para esclarecer o sentido do sentimento e da sensao de respeito.Por conseguinte, essa conscincia da lei (o fato da razo) deve ser, ao mesmotempo, sensvel e racional.

    Henrich no explicitou, no artigo considerado, a relao exata que existe, emKant, entre os conceitos fato da razo e respeito pela lei.13 Mas a sua anliseoferece indicaes preciosas quanto direo em que a resposta para essa per-gunta pode ser procurada. Se verdade, como diz Henrich, que nenhum dessesdois conceitos pode ser concebido sem o outro, que um remete ao outro e s temsentido em relao ao outro, ento qualquer interpretao adequada do problemado fato da razo em Kant necessariamente passa pela anlise semntica do concei-to do fato da razo luz da semntica do conceito de respeito, causalmente inspi-rado em ns pela lei moral, e vice versa.

    (13) Desconheo qualquer outro texto de Henrich em que tal explicitao teria sido tentada.

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    Se aceitarmos esse ponto de partida na interpretao do conceito de fatoda razo, logo nos veremos remetidos problemtica geral da crticakantiana da razo, a saber, da relao entre a razo e a sensibilidade. Essaproblemtica, por seu turno, pode ser estilizada de diferentes maneiras: emtermos de uma teoria da subjetividade, de epistemologia ou mesmo deontologia (como em Heidegger). Uma outra maneira, ainda, de formular aproblemtica da relao entre a razo e a sensibilidade consiste em dizer quea filosofia transcendental de Kant uma semntica a priori das representa-es (conceitos, juzos) da razo pura, mais precisamente, uma teoria dainterpretabilidade e da aplicabilidade (uso) dessas representaes em dife-rentes domnios de dados fornecidos pela sensibilidade humana, tanto puracomo emprica. No caso das idias tericas, o domnio de interpretao oconstitudo de dados intuitivos, no caso das prticas, o de sentimentos mo-rais, no caso de idias estticas e teleolgicas, outros domnios sensveis de-vidamente explicitados.

    5. A soluo oferecida na primeira Crtica e os problemas deixados em abertoFoi dito que Kant levou um certo tempo antes de obter clareza suficiente

    para poder formular os problemas da semntica dos juzos sintticos a priori prti-cos. Alm de no saber determinar criticamente a origem do interesse prtico e daconexo entre os problemas da razo prtica, Kant ainda no estava em condiesde formular 1) a lei moral, 2) a questo da validade objetiva dessa lei, 3) a questoda obrigatoriedade e 4) a questo da relao (de ordem) entre a validade objetivada lei moral e de outros princpios e idias prticos. Para mostrar isso, comparo oque Kant diz sobre esses problemas na Crtica da razo pura com as posiesalcanadas na Fundamentao, na segunda Crtica e em Religio.

    1. A pergunta do interesse prtico: que devo fazer? respondida provisoria-mente da seguinte maneira: faa o que o torne digno de ser feliz (KrV, B836-7). Essa formulao da lei moral confunde dois problemas: o da formada lei moral e o do bem a ser buscado na vida. Por isso, ela no abre ocaminho para a frmula crtica da lei moral, que sintetiza a vontade

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    diretamente com a forma (a universalizabilidade) das mximas, sem se re-ferir a qualquer fim, nem mesmo felicidade.14

    2. A questo da validade objetiva das leis e das idias prticas tampouco claramente focalizada. Consideremos um exemplo. Kant define o sumobem no reino da graa, sem conexo clara com o mundo sensvel (KrV, B839-40, 842). No mundo sensvel, a ordem moral para ns muito oculta(sehr verborgen, KrV, B 842). Alm disso, nada nesse mundo nos promete aunidade sistemtica dos fins. Por isso, o sumo bem uma idia que s possvel num mundo inteligvel (KrV, B 839). Ora, sem a clareza quantoao uso da idia do sumo bem imanente a algum domnio da experincia, amoral se torna sonhadora. No est claro, portanto, se, e em que sentido, aefetividade e mesmo a possibilidade das representaes prticas em geralpode ser dita provada.

    3. A questo da realidade objetiva continua separada do problema daobrigatoriedade. Esta tratada parte e de diferentes maneiras. Kant nohesita em trabalhar com a mera suposio (Annahme) de que existem efeti-vamente (wirklich) leis morais que determinam a liberdade de um ser raci-onal em geral e que comandam (gebieten) incondicionalmente(schlechterdings, B 835). Claro est, entretanto, que uma moral pura nopode repousar sobre meras suposies.Deve-se notar, ainda, que o problema da obrigatoriedade da lei moral no omesmo para os seres racionais em geral e para os seres racionais finitos,

    (14) Foi s aos poucos que Kant desenvolve o conceito de interesse prtico, acrescentando certos pontose reordenando outros. Por exemplo, s em Religio que ele introduz o conceito de mal radical, isto , davontade humana m, que o oposto do conceito do bem moral, isto , da vontade humana boa e deve,portanto, ser tratada juntamente com esta. Na Crtica da razo pura, no se encontra nada sobre as cate-gorias da liberdade, tema importante na segunda Crtica. Pouca coisa ou nada se l sobre os sentimen-tos morais. A distino entre o sumo bem (das hchste Gut) originrio (Deus) e derivado (a vida moralfeliz) feita sem que se mostre que a soluo da questo da realidade objetiva do primeiro depende daprova da realidade objetiva do segundo, o que ser feito na segunda Crtica (cf. B 838-9).

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    porque sensveis, tais como os seres humanos. A vontade divina, por exemplo, santa, a humana pecadora. Para garantir a obrigatoriedade da lei moral paraos homens, Kant apoia-se sobre o medo de Deus e da vida futura (KrV, B 858).A lei moral no poderia valer como comando (Gebot), diz Kant, se no fosseconectada com conseqncias apropriadas, isto , com promessas e ameaas.As idias de Deus e de vida futura, diz Kant, so suposies que no podemser separadas da obrigatoriedade. Mas isso mancha o carter puro da lei moral.Em outras passagens da primeira Crtica, a obrigatoriedade acoplada reali-zao do sumo bem como efeito ou xito (Erfolg) do agir moral (cf. KrV, B 843),conexo que ser explicitamente rejeitada em Religio (p. VI), texto no qual Kantafirma que o carter obrigatrio da lei no deve ficar na dependncia das conse-qncias do agir moral. Alm disso, Kant ainda admite explicitamente ser duvi-doso supor a existncia, em cada ser humano, de uma atitude moral(Gesinnung) e concede ser possvel assumir que existam homens para os quais alei moral seria totalmente indiferente (gleichgltig). Sabemos que tal indiferenada vontade humana relativamente lei moral ser terminantemente negada naParte I de Religio.

    4. Finalmente, ao falar em realidade objetiva dos princpios prticos (KrV,B 836), Kant no a condiciona, como o far na segunda Crtica, da lei mo-ral. Em outros termos, Kant ainda no estabeleceu qualquer conexo entreo problema de determinar a realidade objetiva da lei moral e o de fazer omesmo para os outros princpios e idias prticos.

    Por tudo isso, creio que se possa afirmar que a Crtica da razo pura, em particular oseu Cnon, uma introduo muito insuficiente, e mesmo enganosa, problemtica dacrtica da razo prtica. Creio que h uma razo terica para essas insuficincias: a defi-nio ainda demasiadamente estreita do conceito de filosofia transcendental ou, maisprecisamente, da semntica transcendental. O conhecimento transcendental, diz Kant, aquele conhecimento a priori que examina que e como certas representaes (intuies ouconceitos) so aplicadas a priori aos dados acessveis na sensibilidade cognitiva (KrV, B80). Nessa verso, ainda restrita ao problema da verdade e demonstrabilidade dosjuzos sintticos a priori da razo terica, a semntica transcendental no estuda nem

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    pode estudar a aplicao de representaes da razo a dados que no so objeto da ex-perincia cognitiva possvel. Por esse motivo, Kant dir que no so transcendentais,e sim morais, todas as questes que decorrem do interesse prtico da razo e que em-pregam conceitos tais como prazer, desprazer e dever, ou seja, conceitos que se referemaos sentimentos e aos motivos, e no aos dados da intuio sensvel. A crtica nopode ocupar-se delas (KrV, B 833). Numa nota do Cnon da razo pura terica, Kantexplicita mais uma vez a sua posio sobre o problema semntico dos conceitos prti-cos: Todos os conceitos prticos tm a ver com objetos de agrado e de desagrado, isto, do prazer e do desprazer, por conseguinte, pelo menos indiretamente, com objetosdo nosso sentimento. Entretanto, visto que este no uma capacidade de representaodas coisas, mas jaz fora da inteira capacidade cognitiva, todos os nossos juzos, na me-dida em que se referem ao prazer ou ao desprazer e portanto filosofia prtica, nopertencem ao conjunto da filosofia transcendental, que tem a ver apenas com conheci-mentos puros a priori (KrV, B 830n).

    Em resumo, na primeira Crtica, a semntica transcendental trabalha exclusiva-mente com o domnio de interpretao constitudo de dados da intuio sensvel (entreestes, tambm os objetos do conhecimento sensvel). Por isso, Kant ainda no podecolocar de maneira transcendental a priori a pergunta geral da aplicao das representa-es prticas. Falta-lhe o conceito positivo de um domnio sensvel sobre o qual essasrepresentaes poderiam ser aplicadas, isto , interpretadas. O caminho para a segundaCrtica s ficou aberto quando Kant reconheceu que existe um domnio sensvel que sa-tisfaz essas exigncias, a saber, o domnio constitudo pelo sentimento moral e tudo oque ele implica seja lgica seja causalmente. A partir de ento, Kant ir estendendo oconceito de filosofia transcendental a fim de poder tratar de problemas semnticos detodos os juzos e conceitos da razo pura, independentemente de eles pertencerem razo terica ou prtica, faculdade de julgar determinante ou apenas reflexionante,como o caso da faculdade de juzos estticos e teleolgicos.15

    (15) H outros autores que tambm defenderam a tese de que Kant estende o programa de filosofiatranscendental crtica da razo prtica. Hoffe, por exemplo, afirma a existncia de uma ticatranscendental em Kant (1985, p. 143 ss.). Hoffe percebe claramente que, na crtica da razo terica,

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    6. A descoberta e a formulao da lei moral na FundamentaoNa Fundamentao (1785), Kant se prope, explicitamente, tarefa de achar o

    juzo sinttico prtico-terico a priori fundamental para, em seguida, mostrar queeste juzo possvel e mesmo vlido. A presente fundamentao no nadamais do que a busca [Aufsuchung] e a formulao [Festsetzung] do princpio supremoda moralidade (1785, p. XV). Trata-se, dir Kant em seguida, de determinar e justi-ficar a frmula (Formel) da lei moral (KpV, p. 15). Numa nota do Prefcio se-gunda Crtica, Kant adverte contra o erro de considerar essa tarefa como desneces-sria. Em primeiro lugar, apesar do que pode pensar o senso comum, o princpiofundamental da eticidade (Sittlichkeit) no conhecido e deve ainda ser encontra-do. Segundo, quem souber o que para o matemtico significa uma frmula, quedetermina de maneira exata o que deve ser feito para solucionar um problema[Aufgabe] e no o deixa errar, tampouco tomar por algo insignificante e dispens-vel uma frmula que faz o mesmo em relao a todo dever em geral (KpV, p.16n). Esta ltima observao parece-me decisiva para a compreenso do tipo damoral procurada e proposta por Kant. Ela revela que o agente moral kantiano concebido imagem e semelhana do solucionador de problemas matemticos,

    o problema da filosofia transcendental o de determinar as condies da aplicabilidade dos concei-tos a priori e da possibilidade da verdade dos juzos a priori (ibid., pp. 31, 148). Ele reconhece que,no domnio da crtica da razo prtica, cabe distinguir entre a questo de determinar precisamente alei moral e o problema de sua realidade (p. 136) e que o fato da razo importante justamente porassegurar, contra os cticos, que a moral exista verdadeiramente e no seja apenas uma quimera.Mas Hoffe restringe indevidamente o problema transcendental da crtica kantiana da razo terica reduo da lei moral autonomia da vontade (p. 159), isto , formulao metafsica da questoda possibilidade da lei moral, tpica da Fundamentao. Ele no notou que, na segunda Crtica, Kantreformulou a problemtica de existncia ou realidade do imperativo categrico de maneira decidida-mente semntica, ou seja, como problema da prova da realidade objetiva de um juzo sinttico apriori. Por isso, Hoffe deixou de ver que o fato da razo assegura a existncia da moral no sentidopreciso de provar a realidade objetiva e, a fortiori, a possibilidade desse juzo. Apesar de ter-se aproxi-mado de uma interpretao semntica do programa kantiano da filosofia transcendental, Hoffe ain-da no possui uma concepo suficientemente clara das tarefas e dos resultados da semnticakantiana dos conceitos e dos juzos da razo pura em geral.

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    ou seja, de um agente que atua calculando. Assim como o matemtico executa ou,pelo menos, procura executar as suas aes de acordo com regras mecnicas, as-sim tambm o homem moral dever buscar agir de modo preciso e correto, semcorrer o perigo de ficar indeciso ou de errar.16

    Para achar a frmula desejada, Kant aplica o mtodo de anlise, tomandocomo ponto de partida juzos do homem comum (mediano) sobre suas aes mo-rais. Como a razo terica probe supor como objetivamente vlidos quaisquerjuzos morais ou como efetivamente dadas quaisquer aes morais, Kant se limi-ta, nessa fase da sua argumentao, a perguntar o que significa emitir um juzomoral ou perfazer uma ao moral. O procedimento de Kant consiste em buscar,por meio de anlise meramente conceitual, as condies formais de possibilidadede juzos e de aes morais, caso tais juzos e aes sejam possveis. Procedendoassim, Kant chega concluso que uma condio a ser preenchida pode ser ex-pressa pela seguinte frmula: s aja de acordo com a mxima da qual voc podequerer que se torne uma lei geral (1785, p. 52). Ele constata, com efeito, que, paraque se possa dizer que um homem julga ou age moralmente, os seus juzos eaes devem concordar com esse imperativo categrico.

    Insisto, a anlise feita na Fundamentao no pressupe que certos juzos mo-rais so objetivamente vlidos (nem que os homens de fato agem moralmente). Ouso do mtodo de anlise no presente caso difere, portanto, do uso na soluo doproblema da possibilidade dos juzos sintticos a priori especulativos. Nesse lti-mo caso, as formulaes dos juzos a provar eram conhecidas, pois provinhamda matemtica, da fsica ou da metafsica tradicionais e, sobretudo, no existia

    (16) No h espao aqui para um estudo da semelhana entre a teoria kantiana do sistema da ra-zo terica, que inclui a matemtica, e a sua moral. Limito-me a observar que, nas duas teorias,existe uma tendncia mecanizao do agente humano, no sentido de sujeio de suas aes ao con-trole excercido por meio de algoritmos ou, na ausncias destes, por mtodos heursticos mais fracos,como o mtodo de anlise e sntese. Vista nessa perspectiva, a moral kantiana um passo decisivo narealizao do projeto leibnizano de submeter tudo o que h ao princpio magno e nobilssimo darazo suficiente, um desenvolvimento que, segundo Heidegger conduz transformao do homemnum produto do agir tcnico.

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    nenhuma objeo prvia contra a possibilidade de supor que esses juzos fossemefetivamente verdadeiros.

    7. Questes no resolvidas na FundamentaoUma vez descoberta a frmula da lei moral, Kant deduz dela a autonomia

    da vontade, a qual, por seu turno, implica a liberdade da vontade. Essa umatese metafsica, sem demonstrao possvel no domnio de objetos dados na sen-sibilidade cognitiva. Ela tampouco pode ser demonstrada pelos meios que Kanttinha a seu dispor na Fundamentao. Por isso, essa obra desiste de qualquer tenta-tiva de demonstrar que a liberdade uma propriedade da vontade possvel(mglich) ou, ainda, efetiva (wirklich). Kant tampouco prova que a frmula damoralidade possvel (de ser verdadeira ou falsa) nem, menos ainda, que ela verdadeira (objetivamente vlida). Usando as suas palavras, fica sem resposta aquesto de saber se o imperativo categrico efetivamente vigora [wirklichstattfinde] e se existe mesmo uma lei prtica que ordena pura e simplesmente,sem qualquer motivo [emprico] (1785, p. 59).

    Em princpio, tal tarefa pertence parte resolutiva do mtodo de anliseaplicado ao estudo do princpio fundamental da razo prtica. Segundo a Funda-mentao, trata-se de fazer uma avaliao (Prfung) do imperativo categrico eum estudo das suas fontes. Entretanto, em 1785, Kant ainda no tem clareza totalsobre a natureza dessa tarefa e o caminho de soluo. A frmula da lei conecta umconceito do sujeito (a vontade humana) com um conceito do predicado (a condi-o formal do seu agir). Dada a natureza dessa condio, a nossa vontade tem queser suposta efetivamente livre e mesmo afirmada como tal. Se ns pudssemos fa-zer tal suposio, a frmula da lei se tornaria analtica (1785, p. 98). Mas talsuposio proibida pela razo terica. Sendo assim, a tarefa da resoluodeve consistir em achar os meios para garantir a possibilidade do imperativocategrico considerado como juzo sinttico a priori. Como no caso de qualqueroutro juzo sinttico, a priori ou a posteriori, deve existir um terceiro ele-mento que permita juntar o conceito do sujeito (minha vontade) e o dopredicado (universalizabilidade das normas). Ora, esse terceiro elemento s pode

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    ser, pensa Kant, um conceito positivo de liberdade. Entretanto, como a razo te-rica possui apenas um conceito negativo da liberdade, a lei que liga a minha von-tade com a universalizabilidade das normas permanece sem fundamento poss-vel. Kant est num impasse e se v na contingncia de concluir que a sua tentativade estabelecer a possibilidade e a verdade da lei moral fracassou porque no po-dia deixar de fracassar.

    Do ponto de vista da segunda Crtica, fcil identificar a razo desse fra-casso da Fundamentao em dar conta da etapa resolutiva do mtodo combinadoaplicado frmula da lei moral. Em 1785, Kant identificara, equivocadamente,o terceiro elemento, que tornaria possvel e mesmo efetiva a frmula da lei mo-ral como juzo, com a condio ontolgica que torna possvel a ao em confor-midade com essa frmula, a saber, com a liberdade da vontade. Um problemasemntico, que faz parte da crtica da razo prtica, foi confundido com um pro-blema metafsico.

    A distino necessria que dissolve essa confuso no demorou a ser feita. Jem 1788, no Prefcio da segunda Crtica, Kant fez ver que a liberdade a ratioessendi da moralidade prescrita pela frmula do imperativo, e no, justamente emvirtude dos resultados da terceira antinomia, ratio cognoscendi da realidade nemda validade objetiva dessa frmula. Da segue um resultado da maior importn-cia: o terceiro elemento procurado para assegurar a possibilidade da frmulada lei moral no pode ser a liberdade (nem qualquer outra condio supra-sens-vel, isto , metafsica, da moralidade). Esse terceiro elemento tem que ser algosensvel, justamente como no caso de juzos especulativos. Alm disso, esse algosensvel no pode ser um dado a posteriori, pois isso tornaria a lei moral um juzoa posteriori. Finalmente, est excludo que o fundamento da sntese seja dado nasensibilidade cognitiva. Deve, portanto, existir um elemento ao mesmo temposensvel, a priori e no cognitivo, capaz de conectar a minha vontade com o teor dalei. S assim ser permitido afirmar que a frmula da lei moral um juzo sintti-co a priori possvel e, feito isso, demonstrar a sua verdade. Essa a razo do fra-casso da tentativa kantiana, feita na Fundamentao, de fundar a moralidade. Eledeve-se maneira como Kant ainda entendia a tarefa de garantir a possibilidade

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    da frmula da lei moral, confundindo ontologia com a semntica, erro que sercorrigido alguns anos depois, logo nas primeiras pginas da segunda Crtica.

    8. O fato da razo como o terceiro elementoA Fundamentao estabeleceu um nico resultado realmente importante para

    a tarefa da crtica da razo prtica: a frmula da lei moral. Kant afirma isso comtodas as letras, no Prefcio da segunda Crtica: Ele [o sistema da razo prtica]por certo pressupe a Fundamentao da metafsica dos costumes, mas to somente namedida em que esta nos familiariza de maneira preliminar com o princpio do de-ver, e oferece e justifica uma determinada frmula do mesmo; fora isso, esse sesustenta por si mesmo (KpV, p. 15). Para terminar a anlise (a resoluo), restamostrar que essa frmula expressa uma lei, isto , um juzo sinttico prtico apriori que possvel e, alm disso, objetivamente vlido. Kant precisa exibir umdado (datum) sensvel, no cognitivo e a priori que possa conferir a realidade obje-tiva e a validade objetiva da frmula da lei.

    Ao se colocar esse problema, desta vez em termos puramente semnticos eno mais metafsicos, Kant descobriu outras importantes diferenas entre a se-mntica das representaes da razo terica e a das representaes da razoprtica. Na primeira, a determinao da possibilidade de uma proposio se fazno domnio de dados da sensibilidade cognitiva disponveis antes e independen-temente de se considerar o contedo da proposio em questo. O problema con-siste em especificar dados intuitivos efetivamente existentes que permitem deci-dir, pelo menos em princpio, se o juzo, previamente demonstrado possvel, defato verdadeiro ou falso.

    Tal procedimento no pode ser usado no caso da frmula da lei moral. Emprimeiro lugar, porque os elementos em condio de tornarem possvel a lei mo-ral no so dveis, como vimos, na intuio sensvel. Em segundo lugar, porqueeles no so dveis de modo algum, independentemente do que diz essa lei. Por-tanto, ou tais dados no existem, e ento a lei moral uma quimera, ou eles soproduzidos a priori pela prpria lei.

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    A segunda alternativa explicitamente afirmada por Kant no incio do Pref-cio da segunda Crtica. A razo prtica, diz Kant, no precisa ser criticada, como aespeculativa, para prevenir que ultrapasse o domnio da experincia possvel. Se arazo pura prtica, ela determina um domnio experiencial, sensvel. A principaltarefa da crtica da razo prtica , portanto, mostrar (dartun) o fato de que (dasDass) a razo prtica. Como resolvida essa tarefa? Atravs da atuao (durch dieTat) da prpria razo, isto , mostrando que a razo pura produz efeitos sensveis.Uma vez demonstrada a efetividade (Wirklichkeit) da razo prtica - da frmula dalei fundamental da razo prtica - segue-se, analiticamente, a demonstrao dasua possibilidade (Mglichkeit).

    Agora estamos em condies de explicitar a razo da afirmao de Kant deque a realidade objetiva da lei moral no pode ser provada por nenhuma deduo(KpV, p. 81). No caso da razo terica, a deduo de uma representao se faz mos-trando que e como ela se aplica aos dados intuitivos acessveis por vias independen-tes. Como no h nem pode haver dados independentes da lei moral que poderiamtorn-la possvel ou verdadeira, o procedimento de deduo no vem ao caso. A leise mantm firme (steht fest), diz Kant, por si mesma (fr sich selbst, KpV, p. 82).17

    Freqentemente objeta-se, contra Kant, que o fato da razo estabelece apenasa validade da lei moral kantiana para a vontade humana, no fornecendo a suajustificativa racional. Tal justificativa deveria provir precisamente de uma dedu-o. Como Kant nega a possibilidade da deduo da lei moral, ele ficou deven-do uma parte do problema da fundamentao da moral. Essa objeo, no entanto,no procede. A justificativa racional da lei moral dada por Kant na Fundamenta-o e nos primeiros seis pargrafos da segunda Crtica. Como vimos, essa justifica-va consiste em dizer que um juzo s pode ser dito moral se afirmar uma mximaque universalizvel (ou aprovar uma ao de acordo com uma tal mxima).Esse tipo de argumento estabelece o imperativo categrico como condio neces-sria da moralidade, mas no como condio determinante e, nesse sentido,

    (17) Nada impede, no entanto, que ela seja usada como princpio de deduo de leis derivadas.

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    suficiente. Em termos de Kant, essa justificativa no impede, por si s, que a leimoral seja uma quimera.

    Por outro lado, o fato da razo no prova que o imperativo categrico condio necessria da moralidade dos juzos e das aes. Ele mostra apenasque esse tipo de frmula efetivamente nos coage, sem que possamos dar paraessa coao qualquer justificativa racional adicional. A diferena entre o impera-tivo como enunciado da condio necessria formal da moralidade das mxi-mas (e das aes) e o imperativo como decreto corresponde, em Kant, diferen-a entre a razo como faculdade de regras universais e a razo como fora queimpe suas regras. Essa diferena no pode ser eliminada: a razo-faculdade-de-regras no tem fora para se impor. E a razo-fora no tem regras para se justifi-car. Mas esse carter dual da razo no fatal para Kant. Ele pode contentar-secom a constatao, que no admite nenhuma explicao ulterior, de que a leiprtica que me imposta justamente aquela que reconheo ser a condio ne-cessria da moralidade.18

    Kant acrescenta a essa argumentao dois importantes corolrios. O pri-meiro diz que, uma vez demonstrada a efetividade e, por conseguinte, a pos-sibilidade da lei, fica possvel demonstrar a realidade prtica de outras idi-as prticas, desde que se observe a conexo que a razo prtica estabelece en-tre essas idias. O procedimento deve comear pela demonstrao (Beweis) darealidade objetiva do conceito de liberdade. com e atravs desse concei-to que todas as outras idias fundamentais (em particular, as de Deus e daimortalidade) podero receber consistncia (Bestand) e realidade objetiva. Apossibilidade dessas idias demonstrada pelo fato de a liberdade ser efetiva(wirklich), pois, diz Kant, essa idia manifesta-se (offenbaret sich) atravs (durch)da lei moral (KpV, p. 5). O segundo corolrio diz que, uma vez demonstrada aefetividade da lei moral, possvel determinar a possibilidade de outros prin-cpios sintticos a priori prticos, por exemplo, o imperativo de fazer do mais

    (18) Trata-se, aqui, no de uma deduo, mas, antes, de um caso a mais de harmonia preestabelecida.Sobre o papel da harmonia preestabelecida nas consideraes semnticas de Kant, cf. Loparic 1992b.

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    alto bem exeqvel no mundo o seu fim ltimo (1794, p. XVI), ou ainda, osjuzos de que existe um sumo bem no mundo de que existe um Deus Todo-Poderoso e bom (ibid.).

    Se comparada semntica das representaes discursivas da razo terica, asemntica kantiana dos conceitos e juzos a priori da razo prtica apresenta as se-guintes novidades:

    1) O domnio de interpretao das leis e dos conceitos prticos diferentedo domnio de interpretao das representaes da razo terica: ele constitudo no pelos dados da sensibilidade cognitiva mas por dadosacessveis na sensibilidade prtica (sentimentos morais) e por todos osoutros dados que estes condicionam causalmente.

    2) O primeiro elemento do domnio de interpretao das leis e dos conceitosprticos o sentimento de respeito, um efeito produzido pela lei moralna receptividade moral.

    3) A sntese entre a vontade e o critrio de universalizabilidade (forma dasmximas), ordenada e comandada pela lei moral, provada efetiva ou emvigor pelo sentimento de respeito e no por meio de intuio do que estdito na lei.

    4) A demonstrao da efetividade da lei moral necessariamente precede a de-monstrao da sua possibilidade, que feita pela simples anliseconceitual, de acordo com o princpio: tudo que efetivo possvel.

    5) A demonstrao da possibilidade no implica a exemplificao adequadaou esquematizao da lei. A conexo objetiva entre a vontade e a exi-gncia da universalizabilidade das mximas permanece incompreens-vel para o nosso entendimento.

    6) A lei moral, provada efetiva, pode ser usada como o ponto de partida nadeduo da efetividade de outras leis ou idias. Nesse sentido, a lei elamesma pode ser descrita como sendo o primeiro fato da razo prtica.

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    9. A natureza do fato da razo (a conscincia da lei moral)Agora temos pronto o quadro no qual possvel oferecer uma interpretao

    precisa da formulao e do sentido da tese do fato da razo. A tese central da se-mntica da razo prtica, estabelecida na parte resolutiva do mtodo combinadode anlise e sntese, aqui utilizada, diz que a frmula da lei moral explicitada naFundamentao provada ser efetiva e, portanto, possvel atravs da atuao daprpria razo prtica. Em que consiste essa prova? A lei se prova efetiva ela mes-ma, produzindo um Faktum der Vernunft.

    Como se trata de um efeito, ns traduzimos: produzindo um feito da razo.19De que feito se trata? De um tipo particular de conscincia, a saber, conscincia deque forma das mximas imposta (aufgedrngt) a nossa vontade (KpV, p. 55). Essaconscincia revela que a frmula da lei moral nos obriga. A obrigao em questotem o carter de necessitao (Ntigung) ou coao (Zwang). O feito da razo aconscincia de que a frmula vigora (findet statt) porque a razo age em ns. Naspalavras de Kant, o reconhecimento da lei moral a conscincia de uma ativida-de [Ttigkeit] da razo prtica a partir de razes objetivas, isto , a partir da fr-mula da lei (p. 141). Nesse caso, a atividade da razo imanente e no transcen-dente. Em virtude desse seu uso imanente, a razo ela mesma, atravs deidias, causa eficiente [wirkende Ursache] no campo da experincia (p. 83). Sendoassim, a lei da razo constitui o comeo e determina os objetos da experinciasensvel prtica aos quais unicamente ela se refere, se aplica (p. 32). Esse come-o um tipo especial de contedo sensvel consciente, que revela a afeco (in-terna) da nossa sensibilidade moral pela razo.20 Da necessitao surge um senti-mento, mais precisamente, um tipo peculiar de sensao (Empfindung) que no uma afeco patolgica, causada por um objeto externo, mas exclusivamente

    (19) O termo latino factum pode ser traduzido tanto por fato como por feito.(20) Na segunda edio da primeira Crtica, portanto um ano antes da publicao da segunda Crtica,o conceito de auto-afeco foi introduzido por Kant na sua teoria do tempo (KrV, B 67-8). Creio queexiste uma conexo estreita entre o tempo concebido como modo como a mente afetada pela pr-pria atividade e o fato da razo como efeito interno da lei moral.

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    prtica (p. 144). Esse sentimento positivo de origem no emprica, produzido apriori pelo fundamento intelectual da nossa vida (p. 131), chamado por Kant derespeito (Achtung) pela lei moral.21

    A existncia de uma sentimento de respeito implica a disposio (Anlage) donimo (Gemt) para receber (empfangen) tal sentimento. Essa receptividade(Empfnglichkeit) para o respeito pela lei , ela mesma, chamada por Kant de sen-timento moral (das moralische Gefhl, 1794, p. 16). Esse sentimento deve ser distin-guido da receptividade para as sensaes (nossos estados subjetivos que podemse tornar partes de representaes cognitivas) e que chamada de sentido(Sinn), externo ou interno (cf. 1797, p. 2n). Desde a segunda Crtica, Kant afirma,portanto, a existncia de dois diferentes tipos de (Sinnlichkeit), uma cognitiva - afe-tada pelos objetos eles mesmos -, e uma no cognitiva, afetada no pelos objetos,mas pelas representaes de objetos (1797, p. 2). Quando os efeitos recebidosprovm de idias prticas, a sensibilidade chamada de volitiva moral. Final-mente, quando a determinao do nimo resulta de idias morais, a sensibilidadeem jogo , ela mesma, chamada de moral.22

    O objeto primrio do sentimento moral no a lei, pura e simplesmente,mas a lei no seu poder [Macht] que exerce em ns sobre todo e qualquer motivodo nimo que lhe seja anterior (1790, p. 118). A sensibilizao pelo poder da leino nos coloca num novo estado de nimo, mas em movimento. Um aspecto des-se efeito dinmico da lei em ns so os conflitos, a saber, os conflitos entre o senti-mento de respeito e os sentimentos de prazer e de dor enquanto condies subje-tivas das aes da vontade. Na terceira Crtica, Kant vai dar uma importncia es-pecial diferena entre o sentimento do belo, que pressupe e mantm o

    (21) Trata-se de um sentimento sim, mas no de um sentimento j conhecido na filosofia prtica, porexemplo, na de Hutcheson. Kant se inspira em Hutcheson, mas vai alm dele. Em Hutcheson, o senti-mento moral motivo subjetivo emprico (Kant 1785, p. 69). O sentimento moral kantiano um moti-vo subjetivo e sensvel, mas de origem a priori.(22) Na terceira Crtica Kant fala em Gemtsstimmung causada pela influncia de idias prticassobre o sentimento moral (KdU, B 95).

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    nimo na contemplao tranqila, e o sentimento do sublime que traz consigoum movimento do nimo (KdU, B 80; grifo de Kant). O mesmo carter motor, eno meramente contemplativo, dos efeitos do poder da lei sobre a nossa sensibili-dade reafirmado em Doutrina da virtude, num trecho em que Kant reafirma aexistncia de um sentimento moral enquanto receptividade [Empfnglichkeit] do li-vre arbtrio para ser movido pela razo pura prtica (e a sua lei).23

    Agora podemos determinar com preciso o sentido de sntese a priori entre avontade humana e a condio da universalizabilidade das mximas. Essa feitapelo sentimento de respeito causado em ns pelo poder da lei moral. Essa ligao, portanto, sensvel, a priori e no cognitiva (intuitiva), mas volitiva.24 Ela no re-sulta de uma operao apenas facultativa de ordenao de representaes, masde um comando que a nossa vontade sensvel tem que obedecer. Em outras pala-vras, a sntese da vontade com a forma das mximas decorre de um ditado. Tra-ta-se, de fato, de um ditado ditatorial. Kant compara o comportamento da razoem relao vontade humana com o de uma mulher tirana da VI stira de Juvenalcom os seus sditos: ela ordena uma execuo capital sem argumentar. Em vez dejustificar a sua ordem, decreta: sic volo, sic iubeo, stet pro ratione voluntas.25

    A conscincia/feito que prova tal efetividade no consiste na persuaso queresultaria de uma argumentao. Uma vez aceita a lei, o agente humano tem simo dever de viver justificando, por meio de argumentos morais, as mximas desuas aes com base na lei moral. Mas a lei moral que implica no dever de argu-mentar no imposta, ela mesma, por meio de argumentos.26 O Faktum no

    (23) Cf. 1797, Introduo, XII (grifo de Kant). Kant falar, ainda, da receptividade (Empfnglichkeit)moral pela graa (Kant 1794, p. 100).(24) Nesse ponto, a minha interpretao da conscincia da lei moral difere da de Fichte, que deuorigem ao idealismo alemo. Segundo Fichte, a conscincia do imperativo categrico imediata eno-sensvel (Fichte 1797, p. 472).(25) Cf. R 2930 (Ak 16: 579): O matemtico, na sua definio diz: sic volo, sic iubeo.(26) Foi esse o motivo principal pelo qual K.-O. Apel se viu obrigado, para justificar a moralidade, aintroduzir uma pragmtica transcendental, alm da teoria kantiana do agir moral. Deixamos aqui

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    significa que a lei um fato para a razo, nem que a razo, ela mesma, um fatosui generis.27 Ele no a conscincia meramente intelectual, isto , no sensvel dafrmula da lei. Esse tipo de conscincia foi devidamente explicitada na Fundamen-tao, e j sabemos que ela no basta para provar que a lei moral est em vigor.

    A conscincia/feito da razo , ao mesmo tempo, conscincia da determina-o da vontade para a atuao (Bestimung des Willens zum Tat, KpV, p. 72). Isso le-vou certos comentadores a dizer que a lei moral no deve ser interpretada no do-mnio de sentimentos, mas no de aes possveis. Mas tal posio no pode seraceita. O domnio das aes morais no dado desde o incio e de maneira inde-pendente, mas to somente em virtude da determinao da nossa vontade para aatuao, pelo sentimento de dever imposto pela lei moral. Sem essa condiosubjetiva, que tira do princpio de prazer e desprazer o comando sobre as nossasaes, o domnio de aes morais nunca chegaria a ser constitudo. A lei moraldeve ter sua efetividade, sua dadidade sensvel, assegurada antes e independen-temente do surgimento de aes; ela deve, portanto, ser referida a fatos sensveis,no-intuitivos, a priori e anteriores a qualquer ao moral.

    Em suma, a resposta kantiana pergunta de saber se a lei moral possvelconsiste em dizer que essa lei possvel porque efetiva. A sua efetividade atestada pelo fato/feito da razo, isto , pelo efeito que a razo produz sobre anossa sensibilidade moral. A analtica da razo terica, dispositivo que trata deconhecer objetos, ou seja, de ordenar dados fornecidos independentemente pelasensibilidade cognitiva, pode partir desses mesmos dados para estudar a

    em aberto a questo de saber se essa tentativa de corrigir e completar Kant se justifica e se alcanou oseu objetivo.(27) Essa observao dirigida contra Beck que sustenta que o fato da razo a espontaneidade darazo conhecida reflexivamente, isto , sem passar pela sensibilidade moral (cf. Beck 1995, cap. X).Uma interpretao do fato da razo semelhante a de Beck oferecida por Kadowaki (1965). A inter-pretao de Guido de Almeida (1998) caminha na mesma direo. Todas essas abordagens tm, ameu ver, o mesmo defeito: elas identificam, indevidamente, o fato de razo com o ato de tomar co-nhecimento da formulao da lei. Formular uma lei e promulgar uma lei so coisas distintas.

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    possibilidade e a efetividade dos conceitos e, em seguida, dos princpiosespeculativos relativamente a este domnio. Tal mtodo no pode ser praticadono caso da razo prtica. Esta no trata de conhecer objetos, mas de tornar efetivoscertos objetos, isto , de constituir uma realidade moral. Por isso, a analtica darazo prtica no pode partir de dados anteriormente disponveis num domniosensvel, mas da frmula da lei moral e da demonstrao da efetividade da lei naproduo de dados, a comear pelo seu primeiro efeito a priori, imediato eempiricamente incondicionado, o sentimento de respeito. Nessa analtica, a sen-sibilidade no considerada como capacidade de intuio, mas meramente comosentimento (que pode ser um fundamento subjetivo da apetio) (KpV, p. 161).S depois disso, poder ser iniciado o estudo da possibilidade e da efetividadedos conceitos prticos.

    10. A efetividade e a possibilidade da liberdadeNa terceira antinomia, ficou estabelecido que a idia da liberdade no

    auto-contraditria e que no est em conflito com a idia da natureza. Nofoi estabelecida nem a sua possibilidade nem a sua efetividade (KrV, B 585-6). Ou seja, no h nenhum contedo acessvel na sensibilidade cognitivaque seja relativo liberdade. Como dotar a liberdade de realidade objetiva ede efetividade? A resposta de Kant articulada em trs movimentos. Em pri-meiro lugar, mostra-se que a liberdade condio ontolgica da determina-o da vontade humana pela lei moral. Esse ponto obtido na Parte III daFundamentao e reafirmado na segunda Crtica. Em segundo lugar, mostra-seque, sendo causalmente efetiva a lei, a liberdade da vontade, que a condi-o ontolgica da sua efetividade causal, tambm efetiva e, portanto, pos-svel. Essa demonstrao feita na segunda Crtica. No Opus postumum, Kantresume o essencial dessa demonstrao: A possibilidade de uma proprieda-de tal como liberdade no surge analiticamente, mas sinteticamente, [...].(Ak 21: 23). Como? O conceito de liberdade surge do imperativo categricodo dever. Sic volo sic iubeo stet pro ratione voluntas. Feita a demonstrao daefetividade da lei moral, fica tambm estabelecida a efetividade da sua ratio

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    essendi. O domnio em que provada a efetividade da liberdade idnticoquele no qual se pode afirmar a efetividade da lei moral: o domnio dosentimento moral. A liberdade aquilo na vontade pura que possibilita queo sentimento moral seja produzido, nesta mesma vontade, pela lei moral.Esse o sentido prtico, a realidade objetiva prtica, do conceito de liber-dade. A vontade pura , como diz corretamente Heidegger, a unidade da es-pontaneidade e da receptividade. Nem por isso o significado da liberdadese esgota no mero sentimento. O sentimento de dever urge agir de acordocom a lei e em oposio s injunes dos sentimentos de prazer e desprazer.Dessa maneira, o respeito pela lei torna-se constitutivo do nosso modo de vi-ver. Contudo, mesmo reconhecido como efetiva e at constitutiva da experi-ncia prtica, a idia da liberdade no pode ser esquematizada, como ocaso de conceitos constitutivos do domnio da experincia cognitiva (a natu-reza). A liberdade no especifica os contedos do nosso agir; ela determina,antes, atravs da sua lei, um modo de vida, aquele que propicia ao mximo arealizao do sumo bem neste mundo.

    Sob certos aspectos, a semntica kantiana da liberdade assemelha-se sua interpretao da fora gravitacional de Newton. Tal como acontece nocaso do conceito dessa fora fundamental da natureza, o significado objetivoda fora da liberdade permanece desconhecido. Falando materialmente, des-conhecemos tanto a natureza da liberdade como a da gravitao. Nem porisso a fora gravitacional considerada um conceito transcendente, um mis-trio, pois algo dela se conhece, a saber, a lei, descoberta por Newton, segun-do a qual essa fora fundamental da natureza age e produz fenmenos sens-veis. A liberdade tampouco da ordem do mistrio, pois tambm conhece-mos a lei bsica da sua manifestao no domnio dos sentimentos e aes.28H, contudo, uma diferena importante no significado dos dois conceitosque decorre da diferena semntica entre as respectivas leis. A lei da gravi-dade, embora seja claramente formulada e at mesmo matematizada, no

    (28) Cf. Kant 1794, pp. 209-210.

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    pode ser provada a priori.29 A lei da liberdade, pelo contrrio, no s pode serclaramente formulada, mas tambm devidamente provada como objetiva-mente vlida. Por isso, enquanto continua sendo impossvel afirmar que sa-bemos que existe na natureza uma fora que age de acordo com a segundalei de Newton, podemos dizer, com toda a certeza prtica, que sabemos quesomos livres e temos condies de agir de acordo com a lei moral.

    11. A constituio do domnio prticoSe a liberdade implica um modo de vida moral, a tarefa de elaborar

    uma semntica das representaes da razo prtica desse modo de vida nopode ser dita terminada com a prova da efetividade da lei moral e da idiada liberdade. Para elaborar uma semntica a priori completa dessas represen-taes, faz-se necessrio estender o domnio de interpretao para alm dosentimento de respeito pela lei moral. Essa extenso pode ser realizadaacompanhando a razo prtica na produo de outros efeitos, tambm sens-veis, decorrentes do agir humano controlado causalmente pelo respeito leimoral enquanto condio subjetiva da ao. O conjunto desses efeitosconstitui o domnio prtico total, ao qual podero ser referidas todas as ou-tras idias prticas e todas as outras leis para que se possa garantir a suarealidade prtica.

    A extenso indefinida do domnio de dados do interesse prtico da ra-zo pura feita pela aplicao da frmula do imperativo categrico. Nessepapel, o imperativo moral pode ser comparado no somente a frmulas al-gbricas, no sentido explicitado anteriormente, mas tambm aos postuladosda geometria que igualmente pedem que algo seja feito, isto , construdosinteticamente (KpV, p. 55). A principal diferena entre a geometria e a mo-ral est no fato de que os comandos da primeira so apenas condicionais ou

    (29) Sobre a impossibilidade de demonstrar a segunda lei de Newton e de afirmar ou negar qualquercoisa sobre a fora gravitacional, cf. Loparic 2000, caps. 2 e 9.

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    hipotticos (faz geometria quem quiser) e o da segunda incondicional oucategrico (todos temos que agir moralmente). Enquanto regra prtica quemanda indicionalmente que procedamos na vida de uma determinada ma-neira, imperativo moral difere tambm do postulado lgico da razo tericaque est na origem do interesse terico e que tambm j foi discutido acima.O primeiro distingue-se do segundo por ser 1) sinttico, tal como so os pos-tulados da geometria, e no analtico, 2) constitutivo do domnio da realida-de prtica, e no apenas regulativo e 3) obrigatrio, e no opcional.

    Esse ltimo ponto decisivo. H uma urgncia em resolver problemas mo-rais que no existe no caso de problemas tericos. Os primeiros so apenas condi-cionalmente obrigatrios. No existe nenhuma obrigao categrica de irmos pro-cessando cognitivamente os dados sensveis. A obrigao apenas hipottica: sequisermos obter conhecimento confivel e completo sobre um assunto para reali-zar esse ou aquele fim, temos que produzir conhecimentos a respeito. Mas nin-gum obrigado pela razo pura a ir fazendo infinitas pesquisas para atender aseu postulado lgico.30 Os problemas morais, pelo contrrio, so absolutamentenecessrios. Quando seguido, o imperativo prtico faz do homem um agente moralque tem que sintetizar a sua vontade com as mximas universalizveis, isto ,executar aes buscando realizar objetivos decorrentes da sua submisso leimoral. Dessa maneira, o homem prtico v-se confrontado por uma srie infinitade problemas prticos (acionais), o mais alto dos quais o da realizao(sintetizao), no mundo em que vivemos, do sumo bem, a combinao da totalsantidade com a perfeita felicidade.

    Como no caso da razo terica, nem todos os problema prticos so derealizao ou acionais, isto , prtico-prticos. Alguns so prtico-tericos. Osprimeiros implicam s em construes sintticas concretas que poderamoschamar de snteses acionais, os segundos, em snteses discursivas, ou

    (30) H um dever cognitivo que pode ser deduzido como incondicional do imperativo categrico,mas ele diz respeito apenas cultura (ao cultivo) da nossa capacidade cognitiva, no produo deuma sistema completo do saber terico.

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    seja, em justificativas de enunciados da teoria da razo prtica e de juzos mo-rais de um modo geral. Conforme est previsto na concepo geral desse m-todo, exposta acima, essas justificativas pressupem dados constitudos ante-riormente na prpria sntese, pelas snteses acionais. O caminho da snteseacional, diz Kant na Fundamentao, segue o uso [Gebrauch] sinttico possvelda razo pura prtica (1785, p. 96), pelo qual so geradas as aes morais e,mais significativamente ainda, complexos de aes morais (vidas individuaisboas e vida coletiva na forma de comunidades morais), em conjunto com seusobjetos (o sumo bem individual e a moralizao da humanidade). Assim comoas construes (snteses) operadas no domnio da intuio pura fornecem da-dos que permitem provar a verdade de princpios do entendimento, assimtambm a nossa vontade comandada pelo respeito lei moral produz efeitossensveis relativamente aos quais poder ser provada se no a possibilidadeou a efetividade, ento, pelo menos, uma significao prtica de outras re-presentaes da razo prtica, diferentes da lei moral e da idia da liberda-de.31 A especificao do domnio de aes morais permitir, assim, a interpre-tao de idias tais como agir moral, motivao moral, inteno moral, objeto(fim) provisrio e ltimo do agir moral, bem como das idias que representamas condies de realizao desses objetivos (os postulados32 da razo prti-ca). Toda essa teoria suspensa sobre uma nica dadidade: a do fato da razo,comprovada na fase resolutiva do mtodo combinado.

    (33) No presente contexto, deixo de lado a questo de saber como possvel reconciliar o carter sens-vel prtico com a fenomenalidade cognitiva de uma mesma ao. No caso do respeito pela lei moral,esse problema no se coloca, pois esse sentimento simplesmente no pertence sensibilidade cognitiva.(34) Esses postulados (da existncia de Deus e da imortalidade da alma) no postulam a possibilida-de de uma ao (Handlung), como fazem os da geometria e da razo terica, mas a possibilidade deum objeto a partir da lei prtica apodtica da liberdade (KpV, p. 23n). Como se v, o postulado daliberade tem o status diferente dos outros dois postulados da razo prtica. Esse ponto ser esclare-cido em seguida.

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    12. A soluo do problema da realidade e da validade objetiva de algu-mas outras idias prticas e de outros princpios prticos

    Para exemplificar o modo como Kant procede na constituio do conhecimentoprtico, consideremos, de incio, a sua interpretao das categorias da liberdade.Para alm da questo do dever, o interesse prtico-terico da razo prtica inclui aquesto de saber como classificar as aes em termos do bem e do mal. Essa tarefa, deimportncia capital, resolvida pelas categorias da liberdade.33 Esses conceitos, bemcomo os juzos classificatrios que lhes correspondem, recebem significado(Bedeutung) no domnio de aes. Com efeito, as categorias da liberdade podem serditas significativas porque elas mesmas produzem [hervorbringen] a efetividade[Wiklichkeit] daquilo a que se referem [beziehen], isto , os diferentes tipos de atitudevolitiva [Willensgesinnung] (KpV, A 116). No obstante, esses conceitos da razo prti-ca, assim como a idia da liberdade, no podem ser esquematizados, no sentido pre-ciso em que so esquematizadas as categorias do entendimento.

    Consideremos um outro exemplo. O interesse prtico-terico da razo prti-ca inclui a questo do maior bem exeqvel pelo nosso agir moral neste mundo.Tal extenso do uso da lei moral no trivial e envolve consideraes complexas,expostas por Kant numa longa nota no Prefcio da Religio. A lei moral nos obrigaa agir de uma certa maneira. Como somos seres finitos, sensveis, no podemosdeixar de nos perguntar pelos resultados desse modo de agir. A razo tampoucopode simplesmente desconsiderar essa pergunta. Dessa maneira, o interesse darazo prtica fica estendido para incluir a realizao do mais alto bem que pode-mos alcanar (pelo nosso agir) nesse mundo.34 Esse fim a vida inteiramente mo-ral e feliz, o sumo bem. A realidade objetiva prtica dessa idia e da lei moral es-tendida, que pede que faamos dela o nosso fim ltimo neste mundo, s pode serestudada no domnio de realidade prtica constitudo sinteticamente(acionalmente) a partir do fato da razo.

    (33) Categorias da liberdade um tema importante e geralmente negligenciado pelos comentadores,cf. Beck 1995 [1960].(34) A importncia dessa forma estendida da lei moral j foi percebida por Fichte (1792).

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    Depois da justificao do interesse racional pelo sumo bem, possvel darsentido a outros interesses prtico-tericos, por exemplo, o interesse pela existn-cia de Deus. Sem a existncia de Deus, concebido como bondoso criador do mun-do e da lei moral, a realizao do bem sumo neste mundo no passaria de umamera quimera. Se devo agir moralmente, devo buscar realizar o sumo bem nestemundo. Se devo buscar realizar o sumo bem neste mundo, devo me perguntar seesse bem realizvel. Para que um tal bem seja realizvel, deve vigorar uma har-monia entre a vida, tal como determinada pelas leis da natureza e tal como vividade acordo com a lei moral. Isso s possvel se existir um ente que criou o mun-do natural e a lei moral, de modo a permitir a realizao do sumo bem. Originari-amente, a pergunta pela existncia de Deus no corresponde, portanto, a um inte-resse terico, mas a um interesse prtico: como eu quero ser moral (sentido-meobrigado pela lei moral), eu quero, escreve Kant, que Deus exista (KpV, p.258).35 pelo mesmo tipo de argumento que Kant retoma e resolve tambm oproblema de como dar sentido tese da imortalidade da alma.

    As solues dos problemas da existncia de Deus e da imortalidade tm me-nor fora epistmica que a afirmao da liberdade. Enquanto a liberdade conhe-cida como efetiva (no mesmo sentido em que conhecida a lei moral como efetiva),as idias de Deus e de imortalidade so apenas admitidas (angenommen), j que arazo pura tem a autorizao (Befugnis) para fazer tal admisso (KpV, p. 6). Naterceira Crtica, Kant dir que enquanto o objeto da idia de liberdade cognoscvel assim como os objetos de todos os conceitos definidos no domnioda experincia possvel cognitiva os objetos das idias de Deus e de imortalida-de so apenas assuntos de f racional (KdU, B 458).36 Dessa maneira, os trs pro-blemas bsicos da metafsica tradicional: Deus, liberdade e imortalidade (KrV, B 7;

    (35) Os problemas de Deus, da liberdade e da imortalidade so os problemas centrais da metafsicatradicional e permanecem inevitveis tambm na filosofia crtica de Kant. A diferena est no lugardesse problemas. Na metafsica, eles so tratados no quadro da razo terica. Em Kant, no domnioda razo prtica.(36) Cf. ainda Lgica Jsche, pp. 98-107, sobre os diferentes modos de assentimento: opinar, crer e saber.

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    cf. B XXX) ficam reconhecidos como significativos. A inovao est no fato de que asua significatividade no mais definida no domnio da sensibilidade cognitiva esim no domnio da sensibilidade prtica. Os trs problemas so preservados, sim,mas numa ordem diferente: o da liberdade precede (necessariamente) os outrosdois. As solues tambm diferem, pois tm foras epistmicas diferentes. Aexplicitao kantiana do interesse prtico da razo no seu todo recoloca, portanto,os problemas da tradio dogmtica num novo quadro, sob nova forma, e lhes for-nece solues com significados tambm radicalmente modificados.

    Kant no somente reordenou problemas prticos j antigos, como introduziunovos. Um dos problemas novos o do mal moral, que o oposto real do bemmoral, ou seja, da vontade humana boa. Kant levou algum tempo para constatarque a teoria da realizabilidade prtica do bem moral implica na teoria do comba-te acional ao mau moral, da m vontade. Sendo assim, ele se viu na contingnciade elaborar uma teoria a priori da m vontade, como complemento da sua teoriada boa vontade, anterior, na ordem das razes, questo da realizabilidade dosumo bem. A conexo entre essas duas teorias parecida com a que existe entre ateoria das condies objetivas de verdade e a teoria das condies, tambm obje-tivas, de falsidade dos juzos. Nos dois casos, um componente essencial do pro-blema de Kant a questo da validade do princpio do terceiro excludo.37

    13. Algumas observaes gerais sobre a semntica kantiana dos juzos sin-tticos a priori

    Na segunda Crtica, Kant introduz um domnio sensvel novo sobre o qual sepoder interpretar as representaes da razo prtica e, assim, garantir a sua reali-dade objetiva. Esse objetivo positivo, caracterstico do projeto kantiano da crticada razo pura em geral, acompanhado de uma meta negativa: prevenir que sejam

    (37) Sobre a validade desse princpio para o bem moral e o seu oposto antagnico, o mal moral, cf.Kant 1794, pp. 9, 35-6. (O problema do terceiro excludo na teoria kantiana dos juzos tericos dis-cutido em Loparic 1990).

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    formuladas perguntas transcendentes e, por isso, irrespondveis, ou que nas res-postas essas perguntas sejam usados conceitos transcendentes, isto ,indecidveis.38 Tal uso indevido da razo pode ser evitado, em todos os campos,disciplinando o uso dos conceitos e dos juzos a um domnio de experincia, quercognitiva, quer prtica, quer esttica.

    No caso da razo terica, os domnios de uso so o dos objetos da experin-cia possvel e o das construes matemticas. Para as representaes do entendi-mento, o uso assegurado por meio de esquemas que permitem, primeiro, aconstituio dos referentes e dos significados dos conceitos, segundo, a constru-o dos juzos, em um desses dois domnios. As idias e os juzos da razoespeculativa no podem ser interpretados dessa maneira direta e adequada, maseles podem assim mesmo ser visualizados por meio de smbolos, isto , peloesquematismo analgico que sobre o domnio de objetos empricos ou matemti-cos (Kant 1790, pargrafo 59).39

    No caso da razo prtica, o domnio de uso constitudo pela lei moral a partirdo feito da razo. Essa conscincia/sentimento racional, porque revela a sua ori-gem a priori, sensvel, por ser uma modificao da receptividade da vontade - umacondio subjetiva do agir que rivaliza com os sentimentos de prazer e de desprazerde origem emprica e que, quando prevalece, produz (sintetiza) novos efeitos morais,a saber, aes livres, aes feitas por respeito lei moral. Assim surge uma srie denovos dados relativamente aos quais podero ser ditas possveis e mesmo efetivas ou-tras leis e idias prticas. Dessa maneira, a semntica transcendental dos conceitos ejuzos da razo terica, restrita ao domnio de objetos da experincia cognitiva, completada pela semntica a priori dos conceitos e juzos da razo prtica, no domniode fatos sintetizados pelo uso (causal) da frmula da lei moral.

    (38) A prpria lei moral seria desmedida se no pudssemos mostrar que ela tem uma realidadeobjetiva prtica. Exemplos de idias que permanecem transcendentes mesmo depois de provada arealidade objetiva da lei moral so dados na nota final da primeira Parte de Kant 1794, incluindo osconceitos de graa, de milagre, de segredo e de meios de graa (Kant 1794, p. 62).(39) Esse tema tratado em detalhes em Loparic 2000, caps. 8 e 9.

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    A principal diferena que separa a semntica prtica da terica reside nofato de ela no poder, em nenhum caso, interpretar as idias prticas por meiode esquemas para constituio de sua referncia e significado, nem cons-truir as leis prticas.40 Assim como as idias da razo especulativa, as da ra-zo prtica no podem ser esquematizadas, nem pelos esquemas puros nempelos empricos. Entretanto, do mesmo modo que as idias tericas, as prti-cas podem ser interpretadas por meio de analogias ou smbolos. Dessa manei-ra, as caractersticas supra-sensveis do agente humano, referidas pelas idiasrazo prtica, so visualizadas (anschaulich gemacht, Kant 1794, p. 66), o que imprescindvel para o uso prtico dessas idias. O esquematismoanalgico advogado por Kant no deve ser confundido com oantropomorfismo, erro semntico que consiste em tomar smbolos prticoscomo determinaes de objeto (ibid., p. 77n).41

    No caso da faculdade do juzo, o domnio de uso de conceitos e juzos soos diferentes sentimentos de comprazimento desinteressado. Assim como aconte-ce com as representaes da razo prtica, os conceitos de belo e de sublime e osjuzos que os aplicam no podem ser esquematizados. Nesse campo, nem mesmoo esquematismo analgico pode ser usado universalmente.

    A primeira Crtica ainda reserva o termo filosofia transcendental semnti-ca dos conceitos tericos, definida no domnio de objetos do conhecimento (KrV,B 830n, 833). Ao voltar-se para os problemas da crtica da razo prtica, Kant am-pliou o conceito de filosofia transcendental para abranger tambm a semnticadas representaes da razo prtica, no domnio de fatos constitudos pelas snte-ses prticas. Na terceira Crtica, ele fez o mesmo para as representaes da facul-dade de julgar.44 Dessa maneira, Kant desenvolveu um semntica transcendentalestendida a todos os conceitos e a todos os juzos a priori, sejam eles tericos,

    (40) Sobre o esquematismo constitutivo dos conceitos do entendimento, cf. Loparic 2000, caps. 1 e 2.(41) A necessidade de recorrer ao esquematismo analgico no uso das idias prticas revela que a moralkantiana est longe de poder operar to somente com formulas semelhantes aos algoritmos algbricos.

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    prticos, estticos ou teleolgicos, dando ao seu projeto da crtica da razo puraa amplitude implcita na sua tarefa bsica inicial: determinar como so possveisjuzos sintticos a priori em geral.

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    ZELJKO LOPARIC

    Bibliografia:

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