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LITERATURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA José Carlos Siqueira Ricardo Iannace Sueli Saraiva 2009

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LITERATURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

José Carlos SiqueiraRicardo Iannace

Sueli Saraiva

2009

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IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br

Todos os direitos reservados.

© 2009 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

Capa: IESDE Brasil S.A.

Imagem da capa: Jupiter Images / Dpi Images

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

S63L

Siqueira, José CarlosLiteratura brasileira contemporânea / José Carlos Siqueira, Ricardo Iannace,

Sueli Saraiva. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2009.288 p.

Inclui bibliografiaISBN 978-85-387-0393-8

1. Literatura brasileira – Século XX e XXI – História e crítica. 2. Modernismo (Literatura) – Brasil. 3. Pós-modernismo (Literatura) – Brasil. 4. Poesia moderna – Brasil – História e crítica. 5. Prosa brasileira – História e crítica. 6. Crítica literária – Brasil. 7. Teatro brasileiro (Literatura) – Brasil – História e crítica. I. Iannace, Ri-cardo. II. Saraiva, Sueli. III. Inteligência Educacional e Sistemas de Ensino. IV. Título.

09-2742 CDD: 869.909CDU: 821.134.3(81).09

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Doutorando em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Estudos Comparados de Literaturas pela USP. Bacharel em Linguística pela USP. Professor de Pós-Graduação em Teoria Literária.

José Carlos Siqueira

Doutor em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Literatura Brasileira pela USP. Bacharel e Licenciado em Letras Vernáculas pela Universidade Mackenzie. Professor de Literatura Brasileira.

Mestre em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa pela Univer-sidade de São Paulo (USP). Bacharel em Letras Português e Inglês pela USP. Licen-ciada em Inglês pela USP. Professora de Literatura Comparada e Teoria Literária.

Ricardo Iannace

Sueli Saraiva

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Sumário

Modernismo dos anos 1930: o regionalismo ................. 11

Modernismo brasileiro: onde tudo começou ............................................................... 11

Graciliano Ramos: narrativa e história .............................. 37

A realidade brasileira da obra de Graciliano Ramos ..................................................... 39

Caetés ............................................................................................................................................. 41

São Bernardo e Vidas Secas ..................................................................................................... 43

História e memória em Graciliano ..................................................................................... 46

Geração de 45: poesia e metalinguagem ........................ 55

Os anos pré-45: em busca do equilíbrio perdido .......................................................... 55

Tradição e modernidade ....................................................................................................... 57

O amador de poemas: Péricles Eugênio da Silva Ramos .......................................... 59

Lêdo Ivo: a emoção na poesia............................................................................................... 61

Essência e concisão: a poesia de José Paulo Paes ........................................................ 63

Manoel de Barros: a reinvenção da palavra poética ..................................................... 65

Paulo Mendes Campos: poesia e vida .............................................................................. 68

Clarice Lispector: narrativa do fluxo de consciência.... 77

É chegada a prosa de 45 ......................................................................................................... 77

A estreia e a recepção crítica de Clarice Lispector ......................................................... 78

O esquema ficcional de Clarice Lispector ....................................................................... 80

A Paixão Segundo G.H. e A Hora da Estrela: mito e realidade ...................................... 82

Considerações finais ................................................................................................................. 84

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Guimarães Rosa: veredas da prosa ..................................... 95

Guimarães Rosa e o seu regionalismo ............................................................................. 95

A escrita mágica de Guimarães Rosa ............................................................................... 97

Estórias do sertão de Rosa ..................................................................................................... 98

Rosa em versos .........................................................................................................................102

João Cabral de Melo Neto e Ferreira Gullar: duas poéticas ...........................................................................113

João Cabral, um “menino bastante guenzo” ................................................................114

A “poética João Cabral” de Melo Neto..............................................................................117

A obra-vida de Ferreira Gullar ...........................................................................................120

Concretismo e outras vanguardas ...................................133

Poemas para ver e ouvir ........................................................................................................134

Haroldo de Campos e os “novíssimos” .............................................................................135

Concretismo, Campos & cummings .................................................................................138

Décio Pignatari: designer de signos .................................................................................141

Rupturas e continuidades ..................................................................................................143

Tendências contemporâneas: prosa ................................155

O romance após o Grande Sertão ......................................................................................156

A vez da narrativa curta ........................................................................................................161

Tendências contemporâneas: poesia ..............................179

Ivan Junqueira: o poeta do palimpsesto .......................................................................179

Rubens Rodrigues Torres Filho: poesia em transição ...............................................181

A poesia delas: Adélia Prado, Hilda Hilst e Ana Cristina César ................................182

Poesia marginal hoje ..............................................................................................................187

Tendências contemporâneas: teatro ...............................199

Nelson Rodrigues e o teatro desagradável ....................................................................200

Dias Gomes: em direção ao teatro épico ......................................................................203

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Augusto Boal e o Teatro do Oprimido ...........................................................................205

Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha ...................................................................................206

Teatro Oficina ..........................................................................................................................207

Novos autores, autores jovens e a internet como espaço literário ...................................217

Tendências pós-modernas ................................................................................................217

Chico Buarque: dos anos de luta à crise do sujeito pós-moderno ........................219

Sérgio Sant’Anna: a vida como ela é! ..............................................................................220

João Gilberto Noll: pela linguagem e pelo leitor .......................................................222

Os limites entre o real e o ficcional na obra de Bernardo Carvalho ......................224

Paulo Lins: o povo como protagonista ............................................................................226

A internet como espaço literário: poesia virtual e blogs ........................................227

Crítica e ensaísmo literários contemporâneos ............241

Antonio Candido e a crítica moderna ............................................................................241

Roberto Schwarz: literatura, sociedade e capitalismo .............................................244

Luiz Costa Lima: convite ao debate ..................................................................................246

Gilda de Mello e Souza: uma elegante crítica da forma ............................................248

Silviano Santiago e a crítica pós-moderna .....................................................................250

Leyla Perrone-Moisés: em defesa dos velhos tempos literários ...........................252

Gabarito .....................................................................................261

Referências ................................................................................271

Anotações .................................................................................287

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Apresentação

Falar em “história da literatura brasileira”, em geral, nos traz à mente períodos remotos da nossa cultura: Barroco, Arcadismo, Romantismo e até mesmo o Mo-dernismo que já se foi no “século passado”. Esses períodos são “priscas eras”, como diriam os mais antigos. Por esse motivo, há sempre um certo desconforto ao se abordar a literatura contemporânea, pois ela está aqui, viva e atuante. Não temos mais a cômoda distância temporal, as obras completas, que podem ser analisadas em sua totalidade, e, principalmente, uma fortuna crítica que já tenha destilado as qualidades e posto de lado momentos menores e defeitos de um autor, de uma escola, de uma época.

Mas a história, parodiando Cazuza, não para, não, não para..., por isso se faz necessário o risco de se abrir um capítulo na história da literatura chamado “ten-dências contemporâneas”. Será o registro de nossa época por ela mesma, pro-curando indicar os autores e as correntes que, no momento, acreditamos ser o futuro capítulo da nossa história literária, quando nos tornarmos “priscas eras” para as próximas gerações.

Como se pode ver, há o risco de que algumas obras possam estar sendo su-perestimadas, enquanto outras, melhores, relegadas a um segundo plano, e só o tempo e as depurações da crítica futura poderão fazer justiça e reparar equí-vocos. No entanto, nossa tarefa continua sendo válida, pois, ao considerarmos o momento atual, estaremos deixando também uma história da leitura de nossa época, dos nossos valores e esperanças (ou desesperanças), estaremos legando para o futuro a nossa visão de mundo e de cultura, com todos os acertos e desa-certos de que qualquer época é passível.

Se estivermos de acordo sobre isso, então vamos nos debruçar sobre alguns romances, contos e poemas que estão sendo publicados agora, procurando rela-cioná-los com as obras que vieram imediatamente antes. Sempre com o intuito de observar continuidades e rupturas, e assim dar um certo sentido ao desenrolar de nossa cultura e de nossa gente.

Para este livro, tivemos também a preocupação de dar um lugar ao teatro contemporâneo, à crítica que está sendo formulada neste momento e também às tendências que as novas mídias vêm apresentando, como a internet e outras formas virtuais de expressão.

Obviamente, o quadro que apresentaremos não abrange todas as obras e auto-res do cenário brasileiro contemporâneo. O leitor poderá notar a ausência de alguns nomes de reconhecido valor em nossas letras. Logo, é justo considerar este esforço historiográfico ainda como um recorte, um exercício de reconhecimento e análise.

Assim, com todas as ressalvas feitas, convidamos você a correr este risco e es-tudar conosco a literatura brasileira contemporânea.

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Modernismo brasileiro: onde tudo começou Queremos luz, ar, ventiladores, aeroplanos, reivindicações obreiras, idealismos, chaminés de fábricas, sangue, velocidade, sonho, na nossa Arte. E que o rufo de um automóvel, nos trilhos de dois versos, espante da poesia o último deus homérico que ficou anacronicamente a dormir e a sonhar, na era do jazz-band e do cinema, com a frauta dos pastores da Arcádia e os seios divinos de Helena! (Menotti Del Picchia. Trecho do discurso de 15 de fevereiro de 1922, segunda noite da Semana de Arte Moderna, Teatro Municipal, São Paulo.)1

O trecho acima faz parte do longo discurso proferido sob intensas vaias por Menotti Del Picchia, um dos mentores da Semana de Arte Moderna de 1922, considerada o marco do modernismo brasileiro. Entre os promotores da Semana, cuja proposta vinha se desenvolvendo desde 1917, destacam-se ainda Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Sérgio Milliet, Guilherme de Almeida, Graça Aranha, além de muitos outros artis-tas embebidos das novas ideias estéticas europeias, vistas como a última pá de cal às agonizantes correntes literárias que vigoravam por aqui desde a segunda metade do século XIX: o Parnasianismo e o Simbolismo.

Os artistas que se engajaram no movimento eram jovens, filhos da elite brasileira, basicamente do eixo Rio-São Paulo, mas com trânsito constante por Paris, Genebra, Lisboa etc. Ao voltarem de suas viagens, traziam na bagagem notícias do Surrealismo, do Futurismo e tudo o mais que se tra-tasse da atualização da arte no outro lado do Atlântico e servisse de parâ-metro para aproximar a literatura brasileira à vida moderna.

Esse espírito modernista não contaminou apenas a literatura. Pratica-mente todas as formas de expressão artística participaram da busca de afirmação de outros ideais estéticos, de uma nova concepção de arte bra-sileira. Os exemplos são vários: na pintura, Anita Malfatti e Di Cavalcanti; na escultura, Victor Brecheret; na música, Villa-Lobos e por aí em diante.

1 Discurso reproduzido na obra O Curupira e o Carão, de Plínio Salgado, Menotti Del Picchia e Cassiano Ricardo (São Paulo: Hélios, 1927, p. 17-29).

Modernismo dos anos 1930: o regionalismo

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Literatura Brasileira Contemporânea

“Ruins, mas de um ruim esquisito”. Essa frase de Manuel Bandeira sobre os versos do estreante Mário de Andrade com o seu Há uma Gota de Sangue em cada Poema (1917) talvez possa ser emprestada para resumir a impressão do público diante das novidades estéticas trazidas cinco anos mais tarde pela “Semana”. Afinal, de 11 a 18 de fevereiro, apesar das vaias e semblantes de reprovação da burguesia culta que compareceu ao Teatro Municipal de São Paulo, o evento foi concluído, repercutiu para além das fronteiras do Sudeste e certamente agitou as rodas de conversas durante todo aquele ano de 1922. Vejamos algumas observações do historiador da “Semana”, Mário da Silva Brito (apud BOSI, 1994, p. 337):

A grande noite da Semana foi a segunda. A conferência de Graça Aranha, que abriu os festivais, confusa e declamatória, foi ouvida respeitosamente pelo público, que provavelmente não a entendeu, e o espetáculo de Villa-Lobos, no dia 17, foi perturbado, principalmente porque se supôs fosse “futurismo” o artista se apresentar de casaca e chinelo, quando o compositor assim se calçava por estar com um calo arruinado... Mas não era contra a música que os passadistas se revoltavam. A irritação dirigia-se especialmente à nova literatura e às novas manifestações da arte plástica.

Embora possa ter havido uma certa inconsistência ideológica por parte dos artistas modernistas por não conseguirem superar por completo os limites for-mais da expressão artística trazida de fora – conforme a autocrítica feita duas décadas mais tarde por Mário de Andrade (“éramos uns inconscientes”), que la-mentava que no desenrolar dos fatos tenha faltado aos primeiros modernistas (1922-1930), da chamada “fase heroica”, repensar “com objetividade o problema da sua inserção na práxis brasileira” (BOSI, 1994, p. 343) –, de qualquer forma, a “Semana” se tornou um divisor de águas, um jato de rebeldia no conservadoris-mo da República Velha (1894-1930) e o despertar de uma nova forma de com-preender a brasilidade.

O primeiro momento modernista (1922-1930): rebeldia estética

Podemos dizer que o espírito da primeira fase modernista está resumido na obra-prima de Mário de Andrade: Macunaíma (1928). Uma narração de estilos variados (lenda, crônica, sátira, paródia, folclore etc.) que seu autor se recusou a enquadrar no gênero romance, chamando-a de “rapsódia”. A obra se propõe a representar as faces do povo brasileiro, sua miscigenação entre as culturas indí-gena, africana e europeia: “No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente”. Ao mesmo tempo, a obra é, ela própria, uma crítica metalinguís-tica às formas estéticas passadistas, ao texto rebuscado e à imposição de formas

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Modernismo dos anos 1930: o regionalismo

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tradicionais europeias a um conteúdo tropical, conforme vemos na abertura da famosa “Carta pras Icamiabas”, que abarca todo o Capítulo IX da obra:

Às mui queridas súbditas nossas, Senhoras amazonas.Trinta de Maio de Mil Novecentos e Vinte e Seis, São Paulo.Senhoras:Não pouco vos surpreenderá, por certo, o endereço e a literatura desta missiva. Cumpre-nos, entretanto, iniciar estas linhas de saudades e muito amor, com desagradável nova. É bem verdade que na boa cidade de São Paulo – a maior do universo, no dizer de seus prolixos habitantes – não sois conhecidas por “icamiabas”, voz espúria, sinão que pelo apelativo de Amazonas; e de vós, se afirma, cavalgardes ginetes belígeros e virdes da Hélade clássica; e assim sois chamadas. Muito nos pesou a nós, Imperador vosso, tais dislates da erudição porém heis de convir conosco que, assim, ficais mais heroicas e mais conspícuas, tocadas por essa platina respeitável da tradição e da pureza antiga. (ANDRADE, 1977, p. 96)

O paulistano Mário de Andrade (1893-1945) em 1922 trouxe a público o seu Pauliceia Desvairada, em cujo “Prefácio Interessantíssimo” ele afirma ser o fun-dador do “desvairismo”: um modo de expressão lírica com base no Surrealis-mo com sua escrita ditada pelo inconsciente: “Quando sinto a impulsão lírica escrevo sem pensar tudo o que meu inconsciente me grita. Penso depois: não só para corrigir, como para justificar o que escrevi. Daí a razão deste Prefácio Interessantíssimo...”.

Um outro “Andrade” paulistano é o Oswald (1890-1954). Ele participou ativa-mente da Semana consolidando a base do chamado modernismo paulista. É o autor dos famosos manifestos literários Pau-Brasil (1924) e Antropofágico (1928). Após os abalos do crack estadunidense de 1929 e da Revolução brasileira de 1930, esse advogado, filho da elite paulistana, tornou-se um crítico do capitalismo, ade-rindo ao Partido Comunista. Sua literatura transitou pela poesia futurista-cubista, herança das escolas italiana e francesa, e pelo teatro e romance de temática social. Sua produção artística contém Os Condenados (1922); Memórias Sentimentais de João Miramar (1924); Serafim Ponte Grande (1928-33) e muito mais.

Mais um escritor do grupo paulista que navegou pelas ondas do Primeiro Modernismo e se consagrou no cânone literário nacional foi o jovem Alcântara Machado (1901-1935). O autor da coletânea de contos Brás, Bexiga e Barra Funda (1927) assumiu como tema as mudanças ocorridas na cidade com a chegada dos imigrantes, em especial os italianos, procurando dar um novo tratamento à estrutura e à linguagem da escrita curta (contos), tendo no horizonte inclusive as ideias “desvairistas” manifestas no período. Assim, com a lente da burguesia inte-lectual à qual pertencia, esse autor trouxe para a literatura brasileira um retrato realista e um tanto impressionista dos novos bairros operários e de classe média de São Paulo, a exemplo dos três “Bs” que dá nome à sua obra mais conheci-da, onde homens e mulheres ocupados com a sobrevivência ou ascensão social

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estavam distantes do mundo cultural que fervilhava em torno da zona forense intelectualizada do Largo São Francisco.

O Rio de Janeiro, então capital do país, foi representado no movimento mo-dernista por um de seus filhos adotivos mais ilustres, o recifense Manuel Bandeira (1886-1968). Familiar ao melhor da poesia simbolista e pós-simbolista da Europa, o poeta do verso livre respirou os novos ares e trouxe o experimentalismo à primeira fase do Modernismo em obras como Ritmo Dissoluto (1924) e Libertinagem (1930). O irônico Bandeira representou o artista desejoso das mudanças em favor das novas tendências estéticas, mas ciente de que os espectros das velhas poéticas sempre rondavam a sua pena. Ele reconhecia a luta heroica para vencer o tom par-nasiano e simbolista de sua obra inaugural, Cinza das Horas (1917). O novo desejo pela literatura do inconsciente, de sabor surrealista vem expresso nestas palavras:

Na minha experiência pessoal fui verificando que o meu esforço consciente só resultava em insatisfação, ao passo que o que me saía do subconsciente, numa espécie de transe ou alumbramento, tinha ao menos a virtude de me deixar aliviado de minhas angústias. Longe de me sentir humilhado, rejubilava como se de repente me tivessem posto em estado de graça. (BANDEIRA, 1990, p. 40)

É fácil perceber pelos exemplos apresentados como o primeiro momento modernista foi marcado pela predominância de artistas e intelectuais do eixo Rio-São Paulo, e como suas preocupações e realizações estavam voltadas para um intenso experimentalismo formal, no qual a crítica social se concentrava no espaço urbano e no capitalismo industrial.

O segundo momento modernista (1930 a 1945): a vez do Brasil profundo

Os anos de 1930 no Brasil chegam em meio à revolução política, crise cafeeira no Sudeste, declínio da economia nordestina, ascensão da burguesia industrial, aprofundamento da miséria rural, enfim, um cenário de profundas mudanças sociais, políticas e econômicas. Uma situação que demandou também uma nova maneira de expressar artisticamente a realidade brasileira, ou, melhor dizendo, expressar a descoberta de um Brasil maior e mais desigual pelos brasileiros.

Nessa segunda fase do movimento modernista, o eixo se desloca para outras regiões do Brasil, tornando a Geração de 30 do Modernismo um grupo mais diversificado em termos nacionais. De Minas Gerais, Carlos Drummond de An-drade (1902-1987) vê a vida com seriedade, é avesso à literatura “inútil” – sem utilidade social. Esse poeta que “dorme sonhando com outra humanidade” faz

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Modernismo dos anos 1930: o regionalismo

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uma poesia que é, nas palavras de Otto Maria Carpeaux, “poesia objetiva” (cf. 1943, p. 331). Em Alguma Poesia (1930), seu livro de estreia, dedicado ao amigo Mário de Andrade, o poema “Sentimental” revela um eu-lírico “interiorizado”, mas que não descuida da visão social:

Ponho-me a escrever teu nomecom letras de macarrão.No prato, a sopa esfria, cheia de escamase debruçados na mesa todos contemplamesse romântico trabalho.

Desgraçadamente falta uma letra,uma letra somentepara acabar teu nome!

– Está sonhando? Olhe que a sopa esfria!

Eu estava sonhando...E há em todas as consciências um cartaz amarelo:“Neste país é proibido sonhar.”

(DRUMMOND DE ANDRADE, 1988, p. 14-15)

Drummond é, sem dúvida, o maior poeta da Geração de 30. Porém, os decê-nios de 1930 e de 1940 são considerados pelos críticos como a era do romance brasileiro. Neste período, a prosa brasileira se emancipou com o modernismo de José Américo de Almeida, Rachel de Queiroz, José Lins do Rego, Jorge Amado e Erico Verissimo, autores cujas obras imortais trataremos com mais detalhe neste capítulo. À exceção do gaúcho Erico Verissimo, esse grupo compõe-se de escri-tores da região Nordeste, no caso Paraíba, Ceará, Bahia, compondo o grupo do chamado regionalismo nordestino.

Regionalismo: as partes e o todo O Brasil é um país de dimensão continental. Essa frase, não raro usada para

justificar algumas das mazelas nacionais, mais do que apontar o “gigante pela própria natureza”, indica que nossa cultura é formada inevitavelmente de vários blocos culturais. Afrânio Coutinho e Galante (2001, p. 1.353), definindo o fenô-meno literário do regionalismo, chamou a esses blocos de “regiões culturais”, afir-mando que não interessa ao estudo literário a divisão regional geográfica:

O essencial nessa literatura regional, é que não se põe em xeque a unidade do país [...]. O regionalismo é um conjunto de retalhos que arma o todo nacional. É a variedade que se entremostra na unidade, na identidade de espírito, de sentimentos, de língua, de costumes, de religião.

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Literatura Brasileira Contemporânea

Para ser regional, segundo Afrânio Coutinho (1986, p. 235), “uma obra de arte não somente tem que ser localizada numa região, senão também deve retirar sua substância real [seu conteúdo] desse local”.

E como chegamos ao regionalismo do Nordeste que amadureceu nos anos de 1930? Antonio Candido, ao estudar a Formação da Literatura Brasileira, iden-tifica três elementos que constituíram em proporções variáveis a principal arga-massa do regionalismo literário do Nordeste:

Primeiro o senso da terra, da paisagem que condiciona tão estreitamente a vida de toda a região [...]. Em seguida, o que se poderia chamar patriotismo regional, orgulhoso das guerras holandesas, do velho patriarcado açucareiro, das rebeliões nativistas. Finalmente, a disposição polêmica de reivindicar a preeminência do Norte, reputado mais brasileiro... (CANDIDO, 1981, p. 299)

A passagem incita o leitor curioso a buscar uma enciclopédia de história do Brasil para que uma breve pesquisa esclareça as razões do “patriotismo regional, orgulhoso das guerras holandesas do velho patriarcado açucareiro, das rebeliões nativistas”. Trata-se aqui do século XIX do Brasil independente, e Candido está se referindo ao nacionalismo romântico de cunho regional do cearense Franklin Távora (1842-1888). Távora, autor de Um Casamento no Arrabalde (1869) e O Ca-beleira (1876), é considerado pela crítica o primeiro “romancista do Nordeste”. Apesar da naturalidade cearense, suas obras giram em torno da história e costu-mes pernambucanos (CANDIDO, 1981, p. 300), e ele abre caminho ao primeiro regionalismo nordestino, na sua fase romântica, e confronta o cenário literário nacional, conforme escreve no prefácio de O Cabeleira:

As letras têm, como na política, um certo caráter geográfico; mais no Norte, porém, do que no Sul, abundam os elementos para a formação de uma literatura propriamente brasileira, filha da terra. A razão é óbvia: o Norte ainda não foi invadido como está o Sul de dia em dia pelo estrangeiro.

Alfredo Bosi (1994, p. 146) esclarece a polêmica:

[Távora] estava animado por certo ressentimento de nordestino em face da Corte [no Rio de Janeiro] e, por extensão, do progresso sulino que, com a ascensão do café, marginalizava as demais áreas do país. Daí o tom de polêmica e a sua frontal oposição de uma “literatura do Norte” à do resto do Brasil.

O espírito isolacionista, de rivalidade e revanche de Távora, que esteve na origem do regionalismo e poderia fazer algum sentido naquele momento de afirmação de identidades literárias, teve o mérito de chamar para a discussão, por exemplo, o regionalismo romântico do cearense José de Alencar (1829-1877) juntamente com o regionalismo naturalista de um outro cearense, Adolfo Caminha (1867-1897), e o regionalismo realista do baiano Afrânio Peixoto (1876-1947), estilos que cerca de seis décadas mais tarde sucumbiriam à renovação das ondas modernistas. O que se

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Modernismo dos anos 1930: o regionalismo

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vê a partir de 1930 é um novo regionalismo, espelhando com mais agudeza as rela-ções sociais brasileiras. Neste sentido, os muitos regionalismos, sem qualquer ranço de isolacionismo, participam da consolidação da ficção brasileira para além do seu sentido regional.

O regionalismo nordestino: declínio econômico, ascensão literária

A cana-de-açúcar, de origem asiática, foi a base da exploração colonial nos sé-culos XVI e XVII, e um dos principais fomentadores da escravidão e do desenvol-vimento do patriarcado nordestino. De um modo geral, os engenhos de açúcar regeram a vida econômica e social nos primeiros séculos do Brasil. Mas, enquan-to no Norte-Nordeste a riqueza se fazia pelas moendas, no Sudeste, as bandeiras paulistas se embrenhavam pelas matas em busca de escravos e metais precio-sos, sendo posteriormente substituídos pelo café, que se firmou soberano.

A partir do século XIX, a economia brasileira foi regida pelo café no Sul e Sudeste, criando obstáculos à recuperação da decadente economia açucareira nordestina. Com a ascensão das regiões meridionais e a consequente concentra-ção de riqueza privada e investimentos públicos nessas áreas, nasceu uma nova “aristocracia rural”, os barões do café. Enquanto isso, a vida no Nordeste e em outras áreas se tornou cada vez mais difícil, e, com a aceleração da crise em 1850, encerrou-se o ciclo de poder patriarcal que se fez em torno dos engenhos.

Tal paisagem açucareira e seus engenhos em decadência constituíram uma das importantes bases temáticas da literatura nordestina e brasileira na virada do século XIX para o XX, especialmente exemplificadas nos romances do ciclo da cana-de-açúcar de José Lins do Rego, de Menino de Engenho (1932) a Usina (1936).

No entanto, além da cultura do açúcar, outros temas se fizeram presentes no regionalismo nordestino, com destaque para as secas que castigam aquela ge-ografia. O título mais emblemático nesse sentido é Vidas Secas (1938), de Graci-liano Ramos, romance que consagrou a literatura de crítica social e de denúncia do flagelo nordestino.

Mas dez anos antes, a seca já era retratada na obra que inaugurou a literatura de ficção: A Bagaceira (1928), de José Américo de Almeida. O romance, apesar de traçar o quadro da vida num engenho de açúcar, trata igualmente da seca e seus personagens-tipo, isto é, o retirante, o jagunço etc.

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Dois anos após a publicação de A Bagaceira, uma jovem de 19 anos, Rachel de Queiroz, se revelaria para a literatura brasileira com O Quinze (1930), retratando a seca cearense de 1915. Conforme veremos adiante, a principal contribuição de Quei-roz foi a inovadora precisão formal na representação da realidade da miséria da seca, trazendo, de fato, uma roupagem regional à estética do Primeiro Modernismo.

Enquanto isso, o escritor baiano Jorge Amado adotava como pano de fundo de seus romances o trabalho nas fazendas de cacau do sul da Bahia. Surge, deste modo, um terceiro e importante elemento na literatura regionalista nordestina, o cacau. A exemplo de Lins do Rego e seu ciclo da cana-de-açúcar, Jorge Amado batizou de “ciclo do cacau” o conjunto de romances Cacau (1933), Terras do Sem Fim (1942) e São Jorge dos Ilhéus (1944).

A Bagaceira: um passo adiante na literatura brasileira

José Américo de Almeida (1887-1980) publicou A Bagaceira (1928) no mesmo ano em que surgiu Macunaíma, de Mário de Andrade – no momento em que a narrativa do “herói sem nenhum caráter” encerrava a primeira fase do Modernis-mo, iniciada na Semana de 22. Portanto, considera-se que a obra de José Amé-rico de Almeida inaugura o segundo momento modernista, agora na sua fase regionalista. Porém, ao contrário da inovação formal de Macunaíma, A Bagaceira não revela inovações no processo literário, ao contrário, a obra não ultrapassa em estilo a expressividade do regionalismo nordestino de inspiração naturalista, visto no final do século XIX, chegando mesmo a refletir características românti-cas. Ressalte-se, porém, que tal estilo não foi exclusividade deste escritor parai-bano, mas perpassou grande parte da literatura regionalista dos anos 1930.

O motivo do que se poderia chamar de “passadismo” deveu-se, é preciso dizer, ao projeto literário ainda incipiente da ficção moderna regionalista e mesmo às origens patriarcais de alguns de seus escritores. O resultado foi, de um certo modo, a memória saudosista e a exaltação dos espaços nordestinos, mesclados com o desejo de uma literatura de cunho social. De qualquer forma, com A Baga-ceira foi dado um passo importante, abrindo portas para a representação social cada vez mais enfática do protesto contra a degradação das condições de vida nas regiões setentrionais do Brasil, cuja inovação estética ocorreria nas obras de Rachel de Queiroz, José Lins do Rego, Jorge Amado e Graciliano Ramos, para citarmos as mais importantes.

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Modernismo dos anos 1930: o regionalismo

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O Quinze: Rachel de Queiroz e a estética da secaExatamente em 1930, dois anos após a publicação de A Bagaceira, de José

Américo de Almeida, uma cearense de Fortaleza, Rachel de Queiroz (1910-2003), publica, aos 19 anos, aquela que seria a sua mais importante obra romanesca, O Quinze. O título e o tema do romance referem-se à grande seca que assolou a região cearense em 1915, colocando em desespero tanto pobres quanto ricos, como foi o caso da família da escritora, que, na época, alternou sua residência entre o sertão e a capital cearense, passando pelo Rio de Janeiro e Belém do Pará, até retornar à Quixadá, novamente no sertão, em 1919.

A obra, considerada um fenômeno literário em razão de sua maturidade ar-tística em contraste com a juventude de sua escritora, tem como um dos princi-pais aspectos o tratamento inovador da temática da seca: a linguagem é direta, clara, fluente, sem floreados linguísticos, ou seja, a forma adotada reflete o seu conteúdo: a miséria provocada pela seca, que não combinaria com o sentimen-talismo romântico nem com meras descrições e prescrições naturalistas. No enredo, o sonho de amor da personagem central, a professora Conceição, que fugiu da seca, e seu primo, o vaqueiro Vicente, que ficou no sertão, é ofuscado pela secura da vida miserável dos retirantes, com destaque para a família amiga da professora, a qual ela reencontra desfigurada pela árdua viagem através do sertão ressequido.

Em outras palavras, O Quinze faz denúncia social: denuncia o abandono das populações nordestinas à calamidade das secas, colocando o “eu”, o individual, os sonhos em segundo plano, como repercutindo o lirismo do mineiro Drum-mond de Andrade: “Eu estava sonhando... / há em todas as consciências um cartaz amarelo: / ‘Neste país é proibido sonhar’”.

Rachel de Queiroz, ao contrário do autor de A Bagaceira, reaproxima a literatu-ra regionalista nordestina de alguns dos pressupostos da estética modernista da Semana de 22: a recusa do exagero, da opulência retórica, do realismo artificial. Ao contrário, o que se verifica em O Quinze é uma narrativa ao modo impressio-nista, uma paisagem descrita sem rodeios, quase uma fotografia da realidade viva, mas além do Naturalismo. Frases enxutas como: “O pasto, as várzeas, a caatinga, o marmeleiral esquelético, era tudo de um cinzento de borralho” (QUEIROZ, 1975b, p. 15), conferem uma peculiaridade regionalista ao estilo e enfatiza a função dra-mática de uma prosa de ficção que narra, com precisão, o avesso do Brasil urbano e industrializado do Sudeste modernista.

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Fogo Morto: José Lins do Rego e o fim de uma eraO paraibano José Lins do Rego (1901-1957) publica Fogo Morto, seu décimo

romance e sua obra-prima, em 1943. O título metonímico do romance exprime não apenas o tema da própria obra, mas o de toda a sua literatura memorialista: a extinção do fogo dos engenhos em razão da substituição desse sistema manu-fatureiro pelo usineiro industrial em Pernambuco e Paraíba, na virada do século. A decadência irreversível dos engenhos, seus senhores e, por conseguinte, das “casas-grandes” e sua ordem econômica e social estabelecida ao lado das sen-zalas ecoa ainda nos romances do ex-menino de engenho (José Lins) no Brasil progressista dos anos 1930 de Getúlio Vargas.

De um modo geral, sua escrita é marcada pelo tom autobiográfico-confessio-nal, uma atmosfera literária nostálgica dos valores e costumes da infância passa-da no engenho do avô, atmosfera predominante nas obras iniciais, e retomada em sua obra tardia, Meus Verdes Anos (1956). É inegável nas obras de José Lins do Rego a influência do amigo e mentor, o sociólogo pernambucano Gilberto Freyre (1900-1986), cujo ensaio Casa Grande e Senzala (1933), entre outros, traça um grande painel sociológico da decadência do Nordeste canavieiro, ao qual Lins do Rego dará o viés literário. Na confissão do próprio romancista: “Você, meu querido Gilberto, tem feito de mim gente. [...] Porque se existe escravatu-ra mental eu sou seu escravo” (Carta de José Lins a Gilberto Freyre, 1924, apud TRIGO, 2002, p. 51).

O romance regionalista de José Lins do Rego estreia com Menino de Enge-nho (1932) e prossegue com, para citar alguns, Doidinho (1933), Banguê (1934), O Moleque Ricardo (1935), Usina (1936), Riacho Doce (1939), até chegar a Fogo Morto, livro que encerrou o que Lins do Rego denominou de romances do ciclo da cana-de-açúcar.

Fogo Morto é a obra da maturidade romanesca de Lins do Rego. Nele o autor suspende a voz intimista e nostálgica das obras anteriores para dar lugar a varia-dos pontos de vista narrativos, abrindo espaço, inclusive, para a visão dos opri-midos. No romance sobressai o tom de denúncia dos desmandos dos senhores de engenho e igualmente do Estado, a falta de esperança dos pobres desvalidos frente ao poderio da oligarquia, a violência da escravidão, as injustas relações sociais pós-abolição etc.

Nesse sentido, o romance se coloca na linha do romance social dos anos 1930 – diferentemente das obras anteriores de Lins do Rego, em que a crítica social ficava nas entrelinhas, permanecendo em primeiro plano o relato memorialis-

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ta. Some-se à crítica social em Fogo Morto, a detalhada descrição psicológica dos personagens em seus conflitos pessoais, familiares e sociais, até o limite da tristeza profunda, da doença, demência e morte. São exemplares passagens de análise psicológica como esta:

O mestre estava sozinho. Naquele dia a velha arrumara os trastes [...]. Vendo-a sair de casa, quis lhe falar e teve medo. Havia em Sinhá um ódio que ele sabia maior que tudo. [...] Quem visse o mestre, na quietude em que ficou, não podia imaginar o que andava por dentro dele. [...] Tinha parado o mundo para o mestre. (REGO, 1998, p. 224)

Mas, o grande protagonista de Fogo Morto é a entidade chamada “engenho”. É o engenho Santa Fé que, a exemplo do espaço do cortiço na obra de Aluísio Azevedo (O Cortiço, 1890), respira, vive e morre como personificação de uma comunidade e de uma era. Em Fogo Morto, tema e estilo narrativo estão em perfeita correspondência. Por isso, a agonia e decadência do engenho Santa Fé confundem-se com a agonia e decadência da família que o possui.

A tarefa dos escritores do Segundo Modernismo foi, portanto, dar ao movi-mento uma roupagem regional, as cores do Brasil profundo, distante do Sudeste da capital federal. Além dos aspectos regionais já mencionados, observam-se ainda a dinâmica espacial dentro de cada região (por exemplo, a oposição entre o modo de vida nos engenhos, localizados na várzea, e as outras fazendas, no sertão), os elos do local com o nacional (como a participação dos senhores de engenho na política federal), o jogo de poder local entre o coronelato, os canga-ceiros e as forças do Estado.

Outra característica desta estética regionalista é retratar a inquietação social em torno da mudança de um estado de coisas que se acreditava imutável, utilizando para tanto uma linguagem espontânea oriunda do fluxo da memória traduzido pela oralidade, a fala cotidiana, a prosódia dos contadores de rua. Lins do Rego (1945, p. 54) afirma: “Quando imagino meus romances tomo sempre como modo de orienta-ção o dizer as coisas como elas surgem na memória, com o jeito e as maneiras sim-ples dos cegos poetas”, ecoando assim, em chave regionalista, o modernista Mário de Andrade em seu prefácio de Pauliceia Desvairada (1922): “Quando sinto a impul-são lírica escrevo sem pensar tudo o que meu inconsciente me grita”.

No entanto, note-se nas duas citações também as diferenças entre o estilo do Primeiro Modernismo de 22 e o do Modernismo regionalista de 30. Enquan-to Mário de Andrade, embebido da estética europeia, clamava pelo “desvairis-mo” inconsciente, Lins do Rego voltava-se para a memória, para os fatos da re-alidade e para “maneiras simples dos cegos poetas” das praças nordestinas, ou seja, para a cor local.

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Escritor de uma “modernidade conservadora”, Lins do Rego teve uma relação ambígua com o movimento paulista, criticando seu experimentalismo excessivo e o simulacro do evento: “Para nós, do Recife, esta Semana de Arte Moderna não existiu, simplesmente porque, chegando da Europa, Gilberto Freyre nos advertia da fraqueza e do postiço do movimento”. Indo além, ele critica ferozmente obras como Macunaíma, que em suas palavras seria “mais um fichário de erudição fol-clórica do que um romance [...]; mais um arranjo de filólogo erudito do que um instrumento de comunicação oral ou escrito” (apud TRIGO, 2002, p. 85-86). Mas, eram claras as contribuições da ousadia promulgada em São Paulo para a sua forma narrativa e toda a literatura regionalista brasileira. Mário de Andrade e o seu Macunaíma transformaram a linguagem literária em “instrumento vivo e flexível, nacionalizando-se a nossa forma de escrever” (TRIGO, 2002, p. 85).

Fogo Morto se divide em três partes independentes e complementares que podem ser lidas como narrativas individuais, como três novelas interrelaciona-das, cujo enredo tem começo, meio e fim, e cada história traz um personagem central, representante de uma classe social, e que circula pelas três narrativas.

A primeira parte traz o seleiro, mestre José Amaro, trabalhador, pobre e orgu-lhoso de sua condição de autonomia:

O mestre José Amaro, seleiro dos velhos tempos, trabalhava na porta de casa, com a fresca da manhã de maio agitando as folhas da pitombeira que sombreava a sua casa de taipa, de telheiro sujo. Lá para dentro estava a família. Sentia-se cheiro de panela no fogo, chiado do toicinho no braseiro que enchia a sala de fumaça.– Vai trabalhar para o velho José Paulino? É bom homem, mas eu lhe digo: estas mãos que o senhor vê nunca cortaram sola para ele. Tem a sua riqueza, e fique com ela. Não sou criado de ninguém. Gritou comigo, não vai. (REGO, p. 1998, p. 5)

A segunda parte é intitulada “O engenho de seu Lula”. Aqui descreve-se a saga do engenho Santa Fé, iniciada por volta de 1850, ano impresso no frontão da casa-grande, e encerra-se na virada do século. Fica claro, desde o título, que o personagem principal é o próprio engenho. A vida gira em torno desta verdadei-ra entidade social baseada na cana-de-açúcar: o surgimento, desenvolvimento e apogeu com o primeiro senhor, o capitão Tomás de Melo; e seu declínio e extin-ção com Lula de Holanda, sobrinho e genro do fundador.

A relação de Lula com o Santa Fé, senhor de engenho por laços de casamento, era apenas de exploração das riquezas que ele produzia. Assim, o homem com porte de senhor fidalgo, educado no Recife e órfão de pai morto na Revolução de 1848, ignorava a demanda do engenho para desgosto do sogro: “Tinha terra gorda para trabalhar, dinheiro, negros, sementes, e ficava dentro de casa, naquela leseira, naquela preguiça sem fim” (REGO, 1998, p. 128). Num segundo momento, com a

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morte dos sogros, ele revela sua face de algoz e se torna o capitão Lula de Holanda, o senhor de engenho mais cruel e odiado no Santa Fé e arredores. Porém, todo o vigor era empregado no desmando e maldade, e nenhuma atenção era dedicada ao trabalho no engenho, empresa que decaía de forma vertiginosa, acentuando-se com a abolição da escravatura. Por fim, a queda do engenho foi a síntese da dege-neração física e espiritual do senhor da casa-grande e sua família.

Na terceira parte, intitulada “O capitão Vitorino”, o enredo gira em torno do qui-xotesco e falastrão capitão Vitorino Carneiro da Cunha, considerado pela crítica o personagem mais importante em toda a obra de Lins do Rego, por sua personalida-de irreverente e temerária. Ele é o primo pobre dos maiores senhores de engenho da região, o José Paulino e Lula de Holanda, com os quais mantém constantes de-savenças; sempre metido na política da região, “colhendo votos” para a chapa que defendia. Ele é amado e odiado, reverenciado e ridicularizado por ricos e pobres. Julgando-se o mais justo dos justos, vai levantando a voz contra os mandatários em defesa, principalmente, do pobre compadre José Amaro e sua família:

Pela tarde apareceu o capitão Vitorino. Vinha numa burra velha, de chapéu de palha muito alvo, com a fita verde-amarela na lapela do paletó. O mestre José Amaro estava sentado na tenda, sem trabalhar. E quando viu o compadre alegrou-se. [...] Desde aquele dia em que vira o compadre sair com a filha para o Recife, fazendo tudo com tão boa vontade, que Vitorino não lhe era mais o homem infeliz, o pobre bobo, o sem-vergonha, o vagabundo que tanto lhe desagradava. (REGO, 1998, p. 182)

Desta forma, ao apontar os novos rumos trazidos à região nordestina pela modernização brasileira da República Nova, Lins do Rego vai indicando, junto com Rachel de Queiroz, Jorge Amado, Graciliano Ramos, entre outros, as diretri-zes da nova literatura brasileira.

Capitães da Areia: a estética do povo de Jorge Amado

Outro nordestino que contribuiu com sua literatura para a vanguarda estéti-ca modernista foi o baiano Jorge Amado (1912-2001). Ativista político no auge do Partido Comunista, Amado tornou-se um dos mais populares escritores bra-sileiros, apesar de parte da crítica especializada ver com restrições, ainda hoje, grande parte de sua obra. O escritor que nasceu na região cacaueira no sul da Bahia, onde seu pai era proprietário de terras, estava em Salvador nos fins da década de 1920, quando o Modernismo aportava naquela região. Sua vida lite-rária e seu ativismo político, no entanto, se desenvolveram no Rio de Janeiro na década de 1930, onde conheceu Rachel de Queiroz e outros jovens escritores.

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Seu livro de memórias, Navegação de Cabotagem (1992), traz na epígrafe uma de suas frases ficcionais: “[...] uma história se conta, não se explica”. A frase define o espírito literário de Jorge Amado: um contador de histórias regionais, mais preci-samente, da Bahia do cacau dos coronéis, do mar dos pescadores, do candomblé dos pais de santo, da sensualidade das mulheres etc.

A modernidade na obra de Jorge Amado não está somente na abordagem do conteúdo regional, presente também em outros romances nordestinos do período: os desmandos dos coronéis latifundiários, o jaguncismo, as relações arcaicas e precárias de trabalho, a seca e o drama dos retirantes, as condições sociais do negro, o conflito de classes e assim por diante. Suas histórias se desta-cam pelos personagens-tipo que compõem uma vívida paisagem humana, pela narrativa em estilo simples e incorporação da fala cotidiana, pela expressão dos costumes rurais, tanto na zona do cacau, nos chamados romances do “ciclo do cacau” (Cacau, 1933; Terras do Sem Fim, 1942; São Jorge dos Ilhéus, 1944), quanto nos centros urbanos, nos “romances da Bahia” (O País do Carnaval, 1931; Suor, 1934; Jubiabá, 1935; Mar Morto, 1936; Capitães da Areia, 1937).

A pergunta que o leitor deveria estar se fazendo é: e as inesquecíveis Ga-briela, Dona Flor, Teresa Batista? Essas personagens, que dão vida aos romances Gabriela, Cravo e Canela, Dona Flor e Seus Dois Maridos e Teresa Batista Cansada de Guerra, fazem parte de uma segunda fase da extensa obra de Jorge Amado, que veio a público a partir de 1944.

O último romance regional urbano que Jorge Amado categorizou de “roman-ce da Bahia”, ou melhor, de Salvador, é Capitães da Areia (1937). A obra trata de um tema que era realidade no Brasil do século XX e permanece neste início de século XXI: os menores abandonados e marginalizados nas ruas das grandes ci-dades. A história contada por Jorge Amado gira em torno de um grupo de me-ninos que vivem num velho armazém abandonado e realizam furtos nos bairros ricos de Salvador. São apelidados de capitães da areia, “porque o cais é o seu quartel-general. E têm por comandante um molecote dos seus quatorze anos, que é o mais terrível de todos [...]” (1993, p. 11).

Os traços de modernidade da obra se revelam já no modo como ela é estru-turada, rompendo com a forma romanesca tradicional. A narrativa inicia com um prólogo formado por uma matéria no “Jornal da Tarde” sobre um assalto pratica-do pelos meninos e cobrando providências da polícia. Na sequência, leem-se as cartas à redação em resposta à matéria.

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Modernismo dos anos 1930: o regionalismo

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A primeira carta é da secretaria de polícia, esquivando-se da responsabili-dade e impelindo-a ao juiz de menores; a segunda, do juiz de menores defen-dendo-se, alegando que sua única responsabilidade é a de encaminhar os me-nores, após serem capturados pela polícia, ao reformatório, onde são tratados com todo amor e carinho, e, se dali fogem, o problema é dos psicólogos que os orientam; a terceira carta é da mãe de um menor, denunciando que os meninos fogem do reformatório devido a maus-tratos, conforme pode confirmar o padre, ex-capelão do lugar; a quarta carta é do padre confirmando as acusações feitas pela mãe; a última carta, do diretor do reformatório, protestando contra o “padre do demônio” e a “mulherzinha do povo”, e convidando um redator do jornal a visitar o local, desde que previamente agendado. O título da reportagem, após visita ao reformatório (em letras maiúsculas): “UM ESTABELECIMENTO MODELAR ONDE REINAM A PAZ E O TRABALHO – UM DIRETOR QUE É UM AMIGO – ÓTIMA COMIDA – CRIANÇAS QUE TRABALHAM E SE DIVERTEM – CRIANÇAS LADRONAS EM CAMINHO DA REGENERAÇÃO – ACUSAÇÕES IMPROCEDENTES [...]”. A partir dessa abertura de tom realista e irônico, Jorge Amado conta a história do bando de Pedro Bala, cuja “regeneração”, se houver, não será graças à disposição da so-ciedade, conforme deixa claro os já mencionados discursos.

Como todo projeto literário do maior escritor brasileiro do proletariado, a obra se estrutura sobre a crítica social, mas o faz de um modo que forma e con-teúdo emanem do imaginário popular, dos hábitos e costumes da baianidade, da espontaneidade do cordel, das técnicas do folhetim, dos provérbios, gírias e palavrões usados na linguagem sem rodeios do dia a dia. Enfim, Jorge Amado, bebendo na fonte modernista que o precedeu, emancipou a literatura regiona-lista do Nordeste, dando ao proletariado, aos marginalizados e injustiçados a centralidade da narrativa, em torno dos quais gravitavam todos os temas já tra-tados nos romances modernistas de seus contemporâneos.

O Tempo e o Vento: o regionalismo ao sul de Erico Verissimo

De que vale um romance com arte mas sem humanidade?

Erico Verissimo

O representante sulista mais importante do regionalismo da Geração de 30 é, sem dúvida, o gaúcho nascido em Cruz Alta, Erico Verissimo (1905-1975). A

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ficção de Verissimo, pai de um dos maiores escritores da atualidade, Luís Fernan-do Verissimo (Comédias da Vida Privada), é bem conhecida do grande público, inclusive pelas diversas adaptações de suas obras para a televisão, como Olhai os Lírios do Campo (1938); O Tempo e o Vento (1949-1961); Incidente em Antares (1971). No que concerne ao nosso estudo, vamos remontar ao Erico Verissimo da Geração de 30 e sua obra mais significativa do período: O Tempo e o Vento.

Na verdade, a primeira obra do escritor riograndense data de 1933: Clarissa. É a história de uma menina-moça romântica e sonhadora cuja visão lírica do mundo de uma pacata cidade é narrada em um tom idílico, beirando a prosa poética: “O rio parece mercúrio. Os montes, longe, dentro da noite clara, têm um tom irreal. No pátio dormem sombras misteriosas” (VERISSIMO, 1956a, p. 52). Essa personagem e suas reflexões intimistas contrastam, de certa forma, com a expressão literária de denúncia social que vinha de seus contemporâneos nor-destinos Rachel de Queiroz (O Quinze) e José Américo de Almeida (A Bagaceira). Apesar do clima pré-moderno dessa obra inaugural, com traços claramente sim-bolistas e até mesmo românticos, trata-se de uma das primeiras tentativas de se escrever romance regionalista urbano no Rio Grande do Sul e nele já desponta uma vertente modernista que será consolidada a partir de Caminhos Cruzados (1935). Esse segundo romance, marcado pela estética do modernismo inglês e norte-americano baseada no simultaneísmo da ação, no associacionismo, no rompimento da sequência temporal e linguagem cinematográfica dará um salto qualitativo à obra de Verissimo, colocando sua escrita em diálogo com o moder-no regionalismo que se fazia no Norte.

Seguindo o rastro de Caminhos Cruzados e Música ao Longe (1936), chegamos à publicação de sua obra-prima: O Tempo e o Vento, a epopeia do povo gaúcho. Uma trilogia épica publicada em 1949, 1951 e 1961, com os respectivos subtí-tulos: “O Continente”, “O Retrato” e “Arquipélago”. A nota da editora impressa na orelha dos volumes explica a saga: “Trata-se duma família e duma cidade do Rio Grande do Sul, desde suas origens, em meados do século XVIII, até nossos dias”, melhor dizendo, de 1745 a 1945.

O crítico Massaud Moisés (1996, p. 231) define O Tempo e o Vento como “a lenda ou o mito de um povo de vocação heroica”. Na história, as agruras da seca e o calor calcinante do sertão e das matas de cacau dos romances do Nordeste são substituídas pelo frio enregelante das planícies do Sul. No primeiro volume, o narrador descreve as condições climáticas com as quais se depara a famosa personagem Ana Terra:

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Modernismo dos anos 1930: o regionalismo

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Os anos chegavam e se iam. Mas o trabalho fazia Ana esquecer o tempo. No inverno tudo ficava pior: a água gelava nas gamelas que passavam a noite ao relento; pela manhã o chão frequentemente estava branco de geada e houve um agosto em que, quando foi lavar roupa na sanga, Ana teve primeiro de quebrar com uma pedra a superfície gelada da água. (VERISSIMO, 1956b, p. 185)

Na história de Rodrigo Cambará, Ana Terra, Vasco e outros heróis, o elemento central é o “tempo” – dimensão em que os personagens ganham vida física e psicológica –, a linguagem narrativa é fluída e emotiva, de estilo cristalino, sem exageros linguísticos perturbando a linearidade da estrutura. Na saga, o lastro histórico regional vem acompanhado de lendas, crendices e uma energia telúri-ca que dá ao enredo o seu teor de verdade. Porém, tais características presentes no conjunto da obra de Verissimo mereceram da crítica conservadora a mesma incompreensão dispensada a Jorge Amado.

A exemplo do ficcionista baiano, o regionalismo do escritor gaúcho apresen-ta duas faces não conflitantes: uma rural, ou telúrica, e outra citadina e cosmopo-lita. Mas, ao contrário de seus contemporâneos, sobretudo os nordestinos, para Verissimo é a vida em si, a dimensão interior humana, não o ambiente circun-dante (sertão, engenho, mata, litoral etc.) que permanece em primeiro plano, definindo as cores da narrativa.

Texto complementar

Do Beco ao Belo: dez teses sobre o regionalismo na literatura

(CHIAPPINI, 1995)

[...]

A história do regionalismo mostra que ele sempre surgiu e se desenvol-veu em conflito com a modernização, a industrialização e a urbanização. Ele é, portanto, um fenômeno moderno e, paradoxalmente, urbano. No Brasil, não foi diferente. [...] a primeira geração modernista saudou a modernização endossando o gosto e os valores daqueles que lucravam com ela, sem aten-tar para as dores, desvalores e desgostos dos que com ela perdiam. [...]

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Uma das conclusões que se pode tirar dessa história do regionalismo bra-sileiro é que a transição difícil nos reajustes sucessivos da nossa economia aos avanços do capitalismo mundial se trama de modo específico e a literatura tende a recontar o processo ora como decadência, ora como ascensão, ora com pessimismo, ora com otimismo, dependendo de que lado está: da mo-dernização ou da ruína. Quando consegue superar o otimismo autocentrado das elites ganhadoras ou o simples ressentimento das frações perdedoras, ex-pressando o modo como o pobre “paga o pato” em um e outro caso, ela supera também os limites estreitos da ideologia, para virar forma de conhecimento e vivência solitária dos diferentes problemas do homem pobre brasileiro.

São essas algumas das questões em jogo nas teses [abaixo], que aparece-ram assim como um esforço de síntese, tentando deixar claro o que já ficou menos obscuro para mim, depois de tantos encontros, desencontros e reen-contros com escritores, obras e movimentos regionalistas. [...]

Teses

1. A obra literária regionalista tem sido definida como “qualquer livro que, intencionalmente ou não, traduza peculiaridades locais”, definição que alguns tentam explicitar enumerando tais peculiaridades (“costumes, cren-dices, superstições, modismo” ) e vinculando-as a uma área do país: “regiona-lismo gaúcho”, “regionalismo nordestino”, “regionalismo paulista”... Tomado assim, amplamente, pode-se falar tanto de um regionalismo rural quanto de um regionalismo urbano. No limite, toda obra literária seria regionalista, enquanto, com maiores ou menores mediações, de modo mais ou menos explícito ou mais ou menos mascarado, expressa seu momento e lugar.

Historicamente, porém, a tendência a que se denominou regionalista em literatura vincula-se a obras que expressam regiões rurais e nelas situam suas ações e personagens, procurando expressar suas particularidades linguísticas.

2. Há quem vincule o regionalismo literário à tradição greco-latina do idílio e da pastoral. Mas é em meados do século XIX, com George Sand na França, Walter Scott na Inglaterra e Berthold Auerbach na Alemanha, que essa tradição é retomada na forma de romance regionalista que, daí para a frente, começa a viver da tensão entre o idílio romântico e a representação realista, tentando progressivamente dar espaço ao homem pobre do campo, cuja voz busca concretizar paradoxalmente pela letra, num esforço de torná-la

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audível ao leitor da cidade, de onde surge e para a qual se destina essa lite-ratura. À tensão entre idílio e realismo correspondem outras constitutivas do regionalismo: entre nação e região, oralidade e a letra, campo e cidade, estó-ria romanesca e romance; entre a visão nostálgica do passado e a denúncia das misérias do presente.

3. Regionalismo na literatura, como tema de estudo, constitui um desa-fio teórico, na medida em que defronta o estudioso com questões das mais candentes da teoria, da crítica e da história literárias, tais como os problemas do valor, da relação entre arte a sociedade, das relações da literatura com as ciências humanas, das literaturas canônicas e não canônicas e das frontei-ras movediças entre clãs. Estudar o regionalismo hoje nos leva a constatar seu caráter universal e moderno. Surgindo como reação ao iluminismo e à centralização do Estado-nação, hoje se reatualiza como reação à chama-da globalização. Se, para um pensamento não dialético, a chamada “aldeia global” suplantou definitivamente a “aldeia” e tudo o que dela fale e por ela se interesse, a dialética nos faz considerar que a questão regional e a defesa das particularidades locais hoje se repõem com força, quanto mais não seja como reação aos riscos de homogeneidade cultural, à destruição da natu-reza e às dificuldades de vida e trabalho no “paraíso neoliberal”. (Por isso o regionalismo literário hoje, em muitos países, inclusive aqui, reaparece dis-cutindo questões de identidade problemática e de ecologia.)

4. Com a modernização das técnicas agrícolas, o êxodo rural, o desen-volvimento das cidades e de uma literatura urbana, o regionalismo tem sido visto como ultrapassado, retrógrado, localismo estreito e reacionário tanto do ponto de vista estético quanto do ideológico. Essa crítica esquece, no entanto, que ele é um fenômeno eminentemente moderno e universal, contraponto necessário da urbanização e da modernização do campo e da cidade sob o capitalismo. Por isso, continua a existir e a dar frutos como uma corrente temático-formal contraditória onde têm lugar os reacionários e os progressistas; os nostálgicos, os xenófobos, mas também os inconformados com a divisão injusta do mundo entre ricos e pobres. Uma corrente que deu origem a grandes obras, como as de Faulkner, Verga, Rulfo, Carpentier, Ar-guedas e Guimarães Rosa.

5. Do ponto de vista dos estudos literários, o regionalismo é uma tendên-cia temática e formal que se afirma de modo marginal à “grande literatura”, confundindo-se frequentemente com a pedagogia, a etnologia e o folclore.

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Certos autores de textos de reconhecida qualidade estética não tinham in-tenção de ir além do testemunho, do registro de contos e lendas orais, ou, quando muito, de fazer história. É o caso, no Brasil, de um João Simões Lopes Neto ou de um Euclides da Cunha.

Os críticos costumam menosprezar o regionalismo por essa impureza, julgando-o também conservador tanto do ponto de vista estético quanto do ponto de vista ideológico. Campo minado de preconceitos, o regionalismo se presta a equívocos da crítica. [...]

6. É compreensível o esforço da crítica para excluir da tendência os gran-des autores, já que nela o número de obras literariamente menos expressivas talvez seja maior que em outras, porque proporcional ao grau de dificuldade que a especificidade da empresa do regionalismo literário implica. O argu-mento da crítica para assim fazer é que a qualidade literária de suas obras os elevaria do regional ao universal. Mas frequentemente ela esquece que é o seu espaço histórico-geográfico, entranhado e vivenciado pela consciência das personagens, que permite concretizar o universal. O problema não nos parece tanto distinguir os tipos de regionalismo, mas distinguir, como em qualquer tendência, as obras boas das más, esteticamente falando. Nestas, o efeito sobre os leitores será acanhado como soarão acanhados o espaço, os dramas, os caracteres, a linguagem, o pensamento e as ideias. Naquelas, necessariamente, por menor que seja a região, por mais provinciana que seja a vida nela, haverá grandeza, o espaço se alargará no mundo e o tempo finito na eternidade, porque o beco se transfigurará no belo e o belo se exprimirá no beco.

7. Só podemos sustentar que um Faulkner ou um Guimarães Rosa são regionalistas, se entendermos que o regionalismo, como toda tendência li-terária, não é estático. Evolui. É histórico, enquanto atravessa e é atravessa-do pela história. Um escritor da literatura fantástica que escreva hoje como Poe ou como os romancistas do gótico certamente será tido como epígono, extemporâneo e démodé. Da mesma forma, um escritor regionalista que es-creva hoje como George Sand ou como Verga. O defeito não está em George Sand nem em Verga, nem na tendência regionalista, mas na falta de cultura, de esforço e de “desconfiômetro” para superá-los, superando as dificuldades específicas da ficção regionalista, que eles enfrentaram cada um a seu modo, com os recursos de suas respectivas épocas.

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8. É importante distinguir o regionalismo como movimento político, cul-tural e, mesmo, literário, das obras que decorrem deste direta ou indireta-mente. Muitas vezes programa e obra mantêm uma relação tensa, quando não se contradizem abertamente, exigindo uma análise das distintas media-ções que relacionam a obra literária com a realidade natural e social. O regio-nalismo, lido como movimento, período ou tendência fechada em si mesma num determinado período histórico em que surgiu ou alcançou maior pres-tígio, é empobrecedor: um ismo entre tantos. O regionalismo lido como uma tendência mutável onde se enquadram aqueles escritores e obras que se esforçam por fazer falar o homem pobre das áreas rurais, expressando uma região para além da geografia, é uma tendência que tem suas dificuldades específicas, a maior das quais é tornar verossímil a fala do outro de classe e de cultura para um público citadino e preconceituoso que, somente por meio da arte, poderá entender o diferente como eminentemente outro e, ao mesmo tempo, respeitá-lo como um mesmo: “homem humano”.

9. O defeito que muitas vezes a crítica aponta no escritor regionalista, do pitoresco, da cor local, do descritivismo, foi a seu tempo uma dura conquis-ta. Da mesma forma, na pintura, só depois de pintar com perfeição a figura, o pintor pode aludir a ela por traços, cores e luzes; só depois de descrever como quem pinta uma paisagem, o escritor pode indicá-la pela alusão, con-seguida seja por imagens, seja pela sonoridade e ritmo, seja pelo modo de ser e de falar das personagens. Em qualquer dos casos, o grande escritor re-gionalista é aquele que sabe nomear; que sabe o nome exato das árvores, flores, pássaros, rios e montanhas. Mas a região descrita ou aludida não é apenas um lugar fisicamente localizável no mapa do país. O mundo narrado não se localiza necessariamente em uma determinada região geografica-mente reconhecível, supondo muito mais um compromisso entre referência geográfica e geografia ficcional.

Trata-se, portanto, de negar a visão ingênua da cópia ou reflexo fotográ-fico da região. Mas, ao mesmo tempo, de reconhecer que, embora ficcional, o espaço regional criado literariamente aponta, como portador de símbolos, para um mundo histórico-social e uma região geográfica existentes. Na obra regionalista, a região existe como regionalidade e esta é o resultado da de-terminação como região ou província de um espaço ao mesmo tempo vivido e subjetivo, a região rural internalizada à ficção, momento estrutural do texto literário, mais do que um espaço exterior a ele.

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10. Se o local e o provincial não são vistos como pura matéria, mas como modo de formar, como perspectiva sobre o mundo, a dicotomia entre local e universal se torna falsa. O importante é ver como o universal se realiza no particular, superando-se como abstração na concretude deste e permitindo a este superar-se como concreto na generalidade daquele. Desse modo, as “peculiaridades regionais” alcançam uma existência que as transcende. Assim, espaço fechado e mundo, ao mesmo tempo objetivos e subjetivos, não neces-sitam perder sua amplitude simbólica. A função da crítica diante de obras que se enquadram na tendência regionalista é, por isso, indagar da função que a regionalidade exerce nelas; e perguntar como a arte da palavra faz com que, através de um material que parece confiná-las ao beco a que se referem, algu-mas alcancem a dimensão mais geral da beleza e, com ela, a possibilidade de falar a leitores de outros becos de espaço e tempo, permanecendo, enquanto outras (mesmo muitas que se querem imediatamente cosmopolitas, urbanas e modernas) se perdem para uma história permanente da leitura.

Dicas de estudoPara que o estudante possa completar as informações sobre a história brasilei-

ra refletida na literatura regional dos anos 1930, sugerimos as seguintes obras:

Ler o capítulo “A revolução de 1930 e a cultura”, do livro � A Educação pela Noite, de Antonio Candido, Editora Ouro sobre Azul.

Um ensaio fundamental para se entender o contexto histórico do Regio-nalismo de 30.

Roteiro de Leitura: Capitães da Areia de Jorge Amado � , de Álvaro Cardoso Go-mes, Editora Ática.

Um trabalho de grande didatismo, analisando obra e autor com certa pro-fundidade.

Engenho e Memória: o Nordeste do açúcar na ficção de José Lins do Rego � , de Luciano Trigo, editado pela Academia Brasileira de Letras/Topbooks.

Prêmio José Lins do Rego da Academia Brasileira de Letras, o livro é um minucioso ensaio sobre a obra de Lins do Rego e a cultura açucareira do Nordeste do Brasil.

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Estudos literários1. Explique a reação do público que assistiu à Semana de Arte de 1922 em rela-

ção às propostas estéticas que foram apresentadas.

2. Em que sentido o Primeiro Modernismo diferiu do Segundo Modernismo?

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3. Quais foram os principais temas do regionalismo nordestino? Exemplifique com obras e autores.

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