empresários do estado sp 1870 a 1900 artigo de 2010

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III Conferncia Internacional em Histria Econmica & V Encontro de Ps-graduao em Histria EconmicaBraslia,23e24desetembrode2010

Origens dos empresrios no setor de bens de capital do estado de So Paulo, 1870 1900Michel Deliberali Marson Doutorando em Economia IPE-USP e bolsista FAPESP

O objetivo geral deste trabalho descrever o debate da historiografia econmica especfica sobre as origens dos empresrios no setor de bens de capital (mquinas e equipamentos) do Brasil e especialmente para o estado de So Paulo. Pode-se afirmar que a origem do setor de bens de capital est diretamente ligada s primeiras atividades manufatureiras no pas. A gnese do setor de bens de capital, portanto, atravs da construo de equipamentos simples e peas de reposio desses equipamentos. Esse setor comea a ter importncia relativa com o desenvolvimento de atividades industriais em meados do sculo XIX. Como o foco econmico neste perodo o desenvolvimento da atividade primrio exportadora, ou seja, a exportao de produtos agrcolas. O setor industrial como um todo tinha papel subordinado atividade principal. Assim, o setor industrial era responsvel pela produo de bens de consumo, como txteis e alimentos, e bens de capital, como equipamentos, peas de reposio e mquinas agrcolas simples, responsveis por aparelhar a atividade principal, o setor primrio exportador. O objetivo especfico deste trabalho identificar as origens dos empresrios, como nacionalidade e gnese do capital para o incio na atividade no setor de bens de capital no estado de So Paulo e a evoluo do setor no perodo de 1870 a 1900. Tentaremos qualificar relativamente a importncia dos empreendimentos do setor com origem no comrcio importador e exportador, nas fazendas de produtos para exportao (principalmente o caf), com o imigrante comerciante, ou o imigrante operrio que possua algum conhecimento tcnico.

1. Origens do setor de bens de capital em So Paulo: do comrcio importador para a fabricao Apesar do setor de bens de capital ter aumentado de importncia relativa com o desenvolvimento da economia primrio exportadora em meados do sculo XIX, antes desse perodo existiram algumas iniciativas isoladas no setor. No perodo colonial a principal demanda por equipamentos era o aparelhamento de engenhos de acar e derivados da cana. (LAGO et alli,1979, p. 6). Entretanto, para So Paulo houve produo de ferramentas e utenslios em fornos rudimentares j no final do sculo XVI, mas a despeito da facilidade de aquisio de matrias-primas com a descoberta de minrio de ferro, o setor no se desenvolveu. Apenas um pouco antes da Independncia e por iniciativa da coroa portuguesa, tentou-se a instalao em So Paulo de uma indstria de ferro em grande escala, a Fbrica de Ferro Ipanema, prxima Sorocaba. (LAGO et alli,1979, p. 6-7). Segundo Shozo Motoyama (2004), a Fbrica Real de Ferro de So Joo do Ipanema, empresa em que a coroa tinha metade das aes, foi administrada por uma junta com representantes do governo. Sua direo tcnica inicial em 1810 foi dividida entre o mineralogista e metalurgista alemo Friedrich L. Varnhagen e um grupo de tcnicos suecos comandados por Carl G. Hedberg. Entre 1815 e 1821 a direo da Fbrica Real ficou sob a responsabilidade de Varnhagen e com o emprego de escravos e ndios a fbrica produziu ferro em barras, ferro-gusa e obras fundidas. Entre 1835 e 1842 a responsabilidade da direo tcnica da Fbrica Real ficou com Bloem, outro tcnico alemo, e neste perodo foram produzidos implementos agrcolas e canhes. Depois desse perodo a Fbrica Real viveu uma fase decadente, sendo reativada durante a Guerra do Paraguai. (MOTOYAMA, 2004, p. 154-155). Apesar da importncia da Fbrica Real de Ferro, aparentemente ela no conseguiu dinamizar o setor de mquinas e equipamentos em So Paulo, embora tenha produzido alguns implementos agrcolas. O dinamismo do setor aconteceria com o desenvolvimento da economia primrio exportadora e as os resultados de sua evoluo, com a troca do trabalho escravo pelo trabalho livre, com a imigrao que aumentou a demanda do mercado interno e a posterior urbanizao. A principal atividade econmica do pas e de So Paulo de meados do sculo XIX ao incio do sculo XX tinha como objetivo produzir produtos primrios e comercializ-los no mercado externo. Essa ligao estreita com o exterior da economia brasileira favoreceu o surgimento de atividades comerciais de importao e exportao. Essa atividade comercial facilitou a absoro de mquinas e equipamentos atravs de

importaes de produtos que no podiam ser fabricados internamente, por falta de conhecimento tcnico, de matrias-primas ou mesmo pelo fato da dependncia do mercado da Europa e dos Estados Unidos, quando existiu esprito empreendedor e recursos locais para a empreitada (ver DEAN, 1976, p. 18)1. Desta forma, quase todos os bens de capital utilizados pelo setor primrio exportador entre meados e a ltima dcada do sculo XIX eram de origem importada, sendo a atividade local, em sua maior parte, responsvel pela reposio de peas simples desses equipamentos. Essa atividade local foi realizada por fundies de origens diversas, oficinas mecnicas ou pelas prprias empresas responsveis pela comercializao dos equipamentos importados. Do final do sculo XIX at as duas primeiras dcadas do sculo XX foi estreita a ligao da atividade comercial relativa ao comrcio internacional e a produo do setor de bens de capital. Assim como observa Paul Mantoux (1988):o progresso da produo e o das trocas so to estreitamente ligados e exercem entre si tantas influncias recprocas que, freqentemente, difcil encontrar sua real filiao. Ora o desenvolvimento da indstria que, obrigando-a a encontrar novos mercados, aumenta e multiplica as relaes comerciais; ora , ao contrrio, a extenso do mercado comercial, com as novas necessidades que provoca, que suscita a empresa industrial2

interessante notar da citao de Paul Mantoux (1988) que ao contrrio do que aconteceu em relao Inglaterra na gnese da Revoluo Industrial, onde o primeiro caso foi o mais comum, ou seja, a grande indstria movimentava a atividade comercial, para o caso da economia brasileira no final do sculo XIX, o caso mais comum foi o segundo, ou seja, a atividade comercial proporcionando a necessidade da atividade industrial e de bens de capital. O comrcio de importao de mquinas e equipamentos, nesta fase inicial do processo de industrializao brasileiro entre o final do sculo XIX e incio do sculo XX, no foi obstculo para o desenvolvimento da indstria como um todo e nem da indstria local de bens de capital, mas pelo contrrio, o comrcio de importaes favoreceu a indstria local, pelo menos no estado de So Paulo3. Dean (1976, p. 26)Fato interessante foi o caso da mquina de beneficiar caf, inventada em So Paulo pelo mecnico Evaristo Conrado Engelberg na dcada de 1880. Engelberg percebeu que o mercado para essa mquina deveria ser o mercado mundial de caf, dada sua eficincia e que seria difcil sua produo e distribuio em quantidade pelo Brasil. Ele vendeu os direitos da mquina a um grupo de norte-americanos que comearam a produzi-la em Nova Iorque e a vend-la em todas as regies produtoras de caf do mundo, inclusive So Paulo em 1904. (ver DEAN, 1976, p. 18). 2 (MANTOUX, 1988, p. 71). 3 Segundo Dean (1976, p. 35) em So Paulo os importadores, muito mais do que no Rio de Janeiro, tendiam a se transformar em fabricantes. Assim, quando os importadores de So Paulo se voltavam para a indstria, medida que a atividade de importao se tornava mais difcil, os importadores do Rio de Janeiro se tornavam novamente simples atacadistas.1

explica trs fatores que favoreceram o envolvimento de importadores na criao de empresas industriais. O primeiro fator foi que para importar era necessrio um nmero de operaes realizadas localmente. A instalao e manuteno de equipamentos que necessitavam de certa percia tcnica ficavam a cargo do importador e no do comprador que a princpio no tinha conhecimento especfico do equipamento. Assim, o importador de mquinas e equipamentos mantinha muitas vezes uma oficina para a instalao e manuteno dos equipamentos importados, alm do escritrio para o comrcio de seus produtos. Alguns produtos no eram importados completamente transformados por causa do custo em relao a peso e volume, que em alguns casos, podiam ser completados com matrias- primas mais em conta no local de venda, para o caso especfico de bens de capital, ou por causa de que alguns eram muito perecveis ou perigosos para o trajeto do transporte, no caso de bens de consumo industrializados. O segundo fator ressaltado por Dean (1976, p. 27) em relao importncia do importador na criao de empresas industriais foi a posio estratgica do importador em questes relacionadas ao acesso a crdito, mercado e logstica, ou seja, estrutura do comrcio. Segundo Dean (1976) todo o financiamento de produtos via crdito derivava em ltima instncia do estrangeiro. Esse crdito tinha origem em fabricantes e distribuidores europeus ou em agncias locais de bancos europeus ligados a fabricantes e casas de comrcio do exterior. (ver DEAN, 1976, p. 27). Esse crdito fornecido pelos importadores era estendido a atacadistas, lojas do interior e mascates. Os importadores que comercializavam mquinas financiavam tanto os fabricantes como os comerciantes. O aparecimento de empresrios fora do ramo de importaes era pouco provvel, dada a escassez de crdito em outros ramos, e quando apareciam ficavam dependentes do importador em relao ao acesso direto de crdito estrangeiro. O importador tinha vantagens importantes no conhecimento do mercado. Nem o atacadista, nem outro empresrio em potencial tinham o conhecimento do mercado necessrio para o clculo do custo relativo da manufatura nacional que dependiam das oscilaes dos direitos aduaneiros e suas aplicaes que os importadores como negociantes estavam familiarizados. Em relao ao conhecimento da logstica do negcio, muitas vezes o importador iniciava sua carreira profissional como mascate e passava a dono de loja do interior, de lojista a atacadista na capital e deste para importador, conhecendo assim o negcio desde sua base de distribuio. A distribuio dos produtos do fabricante nacional era realizada tipicamente atravs de importadores, e no atravs de atacadistas. Os produtores nacionais, a princpio, no tinham condies necessrias que os

importadores possuam para a realizao do negcio e estavam dispostos a correr o risco do empreendimento, de oferecer ao atacadista o crdito inicial para esses comprarem as mercadorias. Outro fator relativo posio estratgica do importador como potencial industrial ilustrado pela quantidade de exemplos de importadores que transformaram suas agncias de vendas em fbricas autorizadas. Esse fenmeno foi mais recente dentro do processo de industrializao, quando j necessitavam de importao de mquinas complexas que eram protegidas por patentes (DEAN, 1976, p. 28). Em casos que os importadores no eram os prprios proprietrios industriais, agiam como agentes comerciais dos manufatureiros, dado sua disponibilidade de crdito. Para o caso especfico do setor de mquinas e equipamentos, Dean (1976) d vrios exemplos de casos em que o importador diversifica seus produtos com o aumento do processo de industrializao. Assim, acompanhando os progressos do aprimoramento do mercado, importadores como Lion & Companhia e Mesbla se converteram em fornecedores importantes de meios de produo (DEAN, 1976, p. 36). Outro exemplo Frederick Upton, imigrante norte-americano que se especializou em manufaturas mais complexas e a partir de 1903 passou a vender automveis, tratores, motores e mquinas agrcolas (DEAN, 1976, p. 36). Poucos dos primeiros industriais parecem no ter comeado como importadores, pelo menos em relao s firmas maiores e mais importantes. Em relao ao setor de bens de capital, Dean (1976) d o exemplo de um industrial que no comeou como importador: George Graig, mecnico contratado por uma fundio em 1880 e que depois fundou sua prpria fundio. Entretanto, as maiores empresas do setor tinham alguma relao com o comrcio de importao: Alexandre Siciliano, que se tornou o maior produtor de mquinas e produtos de metal em todo o Estado havia incorporado a importadora Lacerda Camargo (DEAN, 1976, p. 36-38). Assim, os empresrios percebiam as funes de importador e fabricante como complementares e mesmo quando tornavam industriais continuavam como importadores. Essa complementao de atividades dava-se porque os industriais muitas vezes precisavam de matrias-primas do exterior. Quando no precisavam de matrias-primas, necessitavam de mquinas e equipamentos mais complexos. Ademais, quando importavam compravam em quantidade maior do que necessitavam, buscando pagar um preo menor pelo produto importado. Assim, como destaca Dean entre a importao por conta prpria e a importao para a revenda havia apenas um passo (DEAN, 1976, p. 38). O importador

era acima de tudo um negociante que tinha como objetivo o lucro. Quando a atividade de produo abria possibilidades para lucros o importador tornava-se industrial. Dessa forma, segundo Lago et alli (1979) em So Paulo nas trs ltimas dcadas do sculo XIX, a expanso da cultura do caf proporcionou a crescente importao de equipamentos para a lavoura e para o beneficiamento do produto. Essa crescente expanso cafeeira tambm proporcionou o aparecimento de diversas fundies pelo interior do estado de So Paulo, principalmente na cidade de Campinas, que comearam a produzir implementos agrcolas. A imigrao norte-americana dos anos 1860 para Americana e Santa Brbara, prxima regio de Campinas aumentou o uso do arado como instrumento na lavoura, sendo que alguns imigrantes produziram esses instrumentos. (LAGO et alli, 1979, p. 13). Confirmando a afirmao acima da importncia da imigrao norte- americana para a efetivao da mecanizao da lavoura, Vianna Moog (1954) citou Srgio Buarque de Holanda na afirmao de que a mecanizao da lavoura brasileira no se deve aos imigrantes norte-americanos, mas eles foram importantes para a efetivao do uso de mquinas na lavoura, principalmente o arado. Moog (1954) utilizou ainda o trabalho de Jos Artur Rios para afirmar a importncia das realizaes desses imigrantes que produziam seus prprios instrumentos, como a fbrica de arados de Mark Jefferson, em Santa Brbara. (MOOG, 1954, p. 32). Alm disso, segundo Lago et alli (1979) em 1876 j se produziam em So Paulo, com matrias-primas importadas, mquinas a vapor para descaroar e enfardar algodo e mquinas para beneficiar caf. Na dcada de 1880 a indstria de So Paulo mostrou crescente diversificao no apenas no setor de bens de consumo, mas tambm em bens de capital, na produo de mquinas, apesar da crescente importao. Segundo Lago et alli (1979) em meados da dcada de 1880, os quatro estabelecimentos de fundies de mquinas e aparelhos em Campinas empregavam por volta de 500 operrios. Os proprietrios desses estabelecimentos eram de origem imigrante, sendo dois alemes (Faber e Arens), um escocs (Mac Hardy) e um norte-americano (Lidgerwood). Alm disso, em 1887 a capital j contava com cinco fundies (LAGO et alli,1979, p. 16). Em relao aos estabelecimentos de Campinas notria a ligao das empresas no setor de bens de capital com o comrcio importador. Os quatro estabelecimentos citados por Lago et alli (1979) comearam como importadores de mquinas e equipamentos no pas ou depois que iniciaram a produo local ainda importavam. Segundo Ema Camillo (1998) a empresa fundada por Johan Ludwig Benjamin Faber,

um alemo nascido em Berlim, foi a primeira fundio em Campinas em 1858, com a denominao de Grande Fundio Brasileira. Faber, que possua uma fundio em Berlim, foi convidado a ser mestre de uma grande oficina no Rio de Janeiro, mas quando chegou ao Brasil percebeu que havia sido enganado. Assim, dirigiu-se para a Fazenda Ibicaba do comendador Vergueiro, em Limeira e em 1858 foi para Campinas instalar sua fundio. Em Campinas enfrentou dificuldades com relao matria-prima que era toda importada da Alemanha e com a preferncia pelo produto estrangeiro em relao produo nacional. Em 1878, com o falecimento de Johan, a empresa passou a denominar-se Viva Faber & Filhos. Alm de importar qualquer produto sob encomenda da Inglaterra, a empresa produziu peas de ferro e bronze para a Companhia Paulista de Estradas de Ferro, peas para a infra-estrutura da urbanizao de cidades, moendas de cana, ventiladores para matar formigas e descascadores para caf Faber. Tambm fabricavam e consertavam mquinas para a lavoura e indstria. A empresa acabou encerrando suas atividades por falncia em 1909. (CAMILLO, 1998, p. 44- 46). A firma Arens & Irmos foi constituda por trs irmos (Henrique, Fernando e Augusto Arens) engenheiros mecnicos formados na Alemanha que em 1874 estabeleceram-se no Rio de Janeiro como agentes importadores de mquinas para lavoura e para a indstria, produzidas em fbricas estrangeiras. Na tentativa de expanso da empresa, Fernando Arens foi para a provncia de So Paulo estabelecer uma filial da empresa. Entre 1875 e 1877 h indcios da fundao em Campinas de um depsito de mquinas importadas ou montagem de mquinas, sendo que a produo de mquinas em Campinas por essa firma foi posterior 1877. As atividades da firma Arens foram fabricar e assentar mquinas completas, arados e demais implementos para a agricultura. A empresa era o nico agente da fbrica de mquinas a vapor Marshall Sons & Cia. da Inglaterra e tambm comercializavam a Patent Lombard, mquinas de descascar caf para produtores de pequeno porte. Fabricaram tambm a mquina Progresso, para o beneficiamento de caf, com capacidade de beneficiar de 150 a 200 arrobas de caf em dez horas. A mquina Progresso era movida por motor da fbrica inglesa Marshall Sons & Cia de 6 HP. Em seus anncios h indicao ainda de catadores de caf, despolpadores, secadores e descascadores cnicos. A empresa de Campinas foi extinta em 1889 devido epidemia de febre amarela que assolou os negcios da cidade. Em 1890 h indcios da firma estabelecida em Jundia. (CAMILLO, 1998, p. 118 125).

A Companhia Mac Hardy foi fundada na cidade de Campinas em 1875 para fabricao de mquinas de beneficiamento de caf e ferramentas para a lavoura. Sua origem relaciona-se com a chegada em Campinas, em 1872, do mecnico Guilherme Mac Hardy de Drumblair, na Esccia, para trabalhar na firma Milford & Lidgerwood, importadora de mquinas agrcolas. Na dcada de 1880 a Companhia Mac Hardy ampliou suas instalaes e em 1883 inaugurou novas e grandes oficinas de fundio em duas principais sees4: a) seo mecnica, em sociedade com John Ross, que veio direto da Inglaterra a pedido de Guilherme Mac Hardy para ampliar as atividades da empresa e b) a seo de fundio, em sociedade com Joseph James Sims, que residia em Campinas, mas havia trabalhado em fundies londrinas como Cadogan Iron Works e na fundio dos Hargreaves, no Rio de Janeiro, indo para Campinas em 1874 a convite da firma Bierrenbach & Irmo. A expanso da Companhia Mac Hardy na dcada de 1880 proporcionou o aumento da concorrncia no mercado de mquinas agrcolas paulista, dado que a Companhia concorria diretamente com a firma Lidgerwood, grande importadora e fabricante de mquinas agrcolas contribuindo para a baixa nos preos dessas mquinas. Na seo mecnica da Companhia Mac Hardy produziu-se um tipo de mquina para beneficiar 300 arrobas de caf por dia, a mquina Provincial que beneficiava de 150 a 200 arrobas de caf por dia, alm de mquinas completas para beneficiar caf. A fundio produziu polias, engrenagens, engenhos de cana e turbinas. Em 1889 devido epidemia de febre amarela que atingiu a cidade de Campinas os scios de Guilherme Mac Hardy, Ross e Sims vieram a falecer. Em 1891 Guilherme Mac Hardy, com apoio de personalidades campineiras tornou a empresa sociedade annima, com a denominao de Companhia Mac Hardy Manufatureira e Importadora. Vrias pessoas importantes ligadas poltica de So Paulo e a agricultura, principalmente a cafeeira, aparecem como dirigentes e acionistas da empresa. Em 1893, Guilherme Mac Hardy voltou para a Esccia, mas mesmo de longe participou da orientao dos rumos da empresa. (CAMILLO, 1998, p. 107- 113). A origem da firma Lidgerwood foi atribuda atividade comercial importadora de Guilherme Van Wleck Lidgerwood, um engenheiro mecnico norte-americano estabelecido no Brasil, no Rio de Janeiro desde a dcada de 1860. Neste perodo, Lidgerwood configurava entre os maiores importadores da capital do Imprio. O estabelecimento da firma em Campinas ocorreu entre o perodo de 1864 e 1868 e j emNa verdade eram duas firmas: a Guilherme Mac Hardy & Cia., responsvel pela seo mecnica e a Mac Hardy & Cia. Fundio Campineira de Ferro e Bronze, responsvel pela fundio.4

1866 possua um depsito de mquinas da famosa marca Eagle, em So Paulo. Em 1871, a firma com a denominao Milford & Lidgerwood foi responsvel por assentar e montar as mquinas agrcolas que vendia, alm de importar qualquer mquina da Europa. Aparentemente neste perodo a firma teve como principal atividade a importao e o suporte tcnico dessas mquinas importadas, no as produzindo. Em 1884, o depsito de mquinas iniciou a produo de mquinas, com a incorporao de oficina mecnica e fundio, necessrias para a manufatura de mquinas. A empresa alm de ser importadora de mquinas, passou a ser tambm manufatureira, com a denominao Lidgerwood Manufacturing & Cia. Em 1886 a firma expandiu com a instalao de uma nova oficina mecnica, uma grande fundio de ferro e bronze, serraria a vapor, caldeiraria e sees de modelagem e serralheria. Um anncio desta poca mostrou que a empresa fabricante e importadora de mquinas comercializava descascadores de caf, ventiladores, separadores, despolpadores, catadores, brunidores, moinhos para fub, engenhos de serra vertical, serras circulares, moendas de cana, alambiques, evaporadores, centrfugas, bombas, vapores fixos e semi-fixos, locomveis, turbinas de motores, rodas de ferro, motores e todos os utenslios necessrios para a montagem de qualquer mecanismo. Em 1889, h registro de depsitos e oficinas da empresa na cidade de So Paulo. No perodo das epidemias de febre amarela em Campinas, no final dos anos 1880 e incio dos anos 1890, Guilherme Lidgerwood no mais residia em Campinas. A empresa operou at 1922. (CAMILLO, 1998, p. 50- 57). Como possvel perceber pela breve exposio da evoluo das principais empresas do setor de bens de capital na cidade de Campinas no final do sculo XIX, os primeiros proprietrios desses estabelecimentos foram imigrantes, iniciaram suas atividades como importadores de mquinas ou tinham fortes ligaes com o comrcio importador. Assim, como relatou Dean (1976), os importadores foram quase sempre imigrantes e complementaram os fazendeiros no desenvolvimento da indstria paulista (DEAN, 1976, p. 57). Os importadores imigrantes foram mais importantes, aparentemente, para a origem e desenvolvimento do setor de bens de capital do que para a indstria paulista como um todo. Este fato explicado pela relativa dependncia do exterior em relao s matrias-primas, conhecimento tcnico e mquinas mais avanadas, ou seja, especificidades do setor de bens de capital. O importador imigrante foi o agente econmico privilegiado no setor de bens de capital porque tinham como realizar o suporte de manuteno s importaes de mquinas e equipamentos com

atividades locais e possuam posio estratgica em relao ao crdito e ao conhecimento tcnico e do mercado. Que os imigrantes foram agentes sociais importantes para a formao do setor de bens de capital paulista fato inegvel. Entretanto, existe um debate sobre a origem especfica desses imigrantes, se iniciaram suas atividades no pas como burgueses imigrantes, possuidores de algum recurso trazido da regio natal, ou se de trabalhadores e operrios transformaram-se em empreendedores. Aparentemente os primeiros imigrantes que constituram empresas relacionadas ao setor de mquinas e equipamentos, principalmente entre 1860 a 1890, foram comerciantes importadores de mquinas que iniciaram a produo local devido necessidade de um suporte tcnico para essas mquinas no pas. Geralmente esses imigrantes eram burgueses com ligao com o comrcio de importao e devido s condies favorveis que sua posio de comerciante de mquinas em relao a conhecimento do mercado, tcnico e de fornecimento de crdito iniciaram a produo de mquinas e equipamentos no pas. Geralmente eram estabelecimentos de grande porte, grandes oficinas destinadas no incio a reparar as mquinas e que passaram a produo local. Entretanto, no final do sculo XIX e incio do sculo XX, outro tipo de imigrante comeou a ser importante no empreendimento do setor de bens de capital paulista. Eram imigrantes que no tinham ligao com o comrcio de importao, trabalhavam como mecnicos ou tcnicos especializados e adquiriram capital para o empreendimento prprio.5De modo geral, esses estabelecimentos inicialmente foram de pequeno porte, pequenas oficinas de reparo, que se transformaram em empresas importantes do setor em perodos posteriores. Assim,as fbricas que se estabeleceram [na indstria metal-mecnica] antes da guerra produziam especialmente mquinas e implementos agrcolas. [...] Algumas das empresas mais novas, [...], alm de produzirem mquinas, ferramentas e implementos agrcolas, comearam a produo de pequenos tornos. Outras, como a Bardella Indstrias Mecnicas e trs outras firmas, iniciaram a produo de mquinas industriais (mquinas para fbricas de papel e papelo e para a indstria de borracha e cermica), bombas hidrulicas, pontes rolantes, pequenas turbinas, etc. Praticamente todas essas novas empresas foram fundadas por imigrantes, quase sempre de origem italiana.6

Na mesma linha de pensamento, Nathaniel Leff (1968) afirmou que os imigrantes, geralmente de origem italiana, que chegaram ao Brasil por volta do final do sculo XIX, foram uma das fontes de empreendedores no setor de bens de capital. EssesAqui se deve levar em conta a importncia do emprstimo de capital familiar e de conhecidos para a constituio desses estabelecimentos, alm do capital prprio do empreendedor imigrante. 6 (SUZIGAN, 2000, p. 295).5

imigrantes trabalharam em estradas de ferro ou em oficinas mecnicas de So Paulo, aprenderam a profisso e acumularam poupana para abrir suas prprias oficinas. (LEFF, 1968, p. 16-17). Segundo Dean (1976) no perodo entre as duas guerras mundiais devido ao colapso dos padres do comrcio mundial houve declnio de empresas industriais do setor de bens de capital ligadas ao comrcio importador (comerciante imigrante) e exportador (fazendeiros), e aumento de empreendimentos de imigrantes tcnicos mecnicos. Dessa forma, as adies mais significativas ao parque industrial paulista [no perodo entre guerras] talvez hajam sido as pequenas oficinas que principiaram a aparecer em setores tecnicamente adiantados da indstria, tais como equipamentos eltricos, mquinas-ferramentas, plsticos e peas de automveis. (DEAN, 1976, p. 124). Apesar de Dean (1976) afirmar que as origens desse novo grupo de empresrios eram obscuras, fez uma generalizao a partir de alguns casos e afirmou que de um modo geral eram membros dos estratos inferiores da classe mdia, criados na cidade, quase sempre imigrantes de primeira ou segunda gerao, que haviam obtido algum treinamento tcnico (DEAN, 1976, p. 126). Apesar da gnese do setor de bens de capital em So Paulo ter forte ligao com o empreendedor imigrante, seja ele o imigrante burgus no final do sculo XIX, comerciante importador e depois produtor de mquinas e equipamentos, ou do imigrante tcnico mecnico nas ltimas dcadas do sculo XIX e principalmente nas primeiras dcadas do sculo XX, outros agentes sociais tambm foram responsveis pelo desenvolvimento e expanso do setor de bens de capital. As fontes de demanda por mquinas e equipamentos at a segunda dcada do sculo XX estavam atreladas a lgica de uma economia primrio-exportadora. Dessa forma, segundo Leff (1968) foram vrias as fontes de demanda por produtos mecnicos: a) a economia agrcola exportadora necessitava de infra-estrutura de transportes que requeria servios de manuteno e reparao de peas, primeiramente material ferrovirio e mais tarde rodovirio (automveis e caminhes). Esse tipo de servio necessitava ser realizado no local devido a prazos imediato de atendimento; b) a economia agrcola exportadora necessitava beneficiar os produtos de exportao e os equipamentos de processamento e beneficiamento de caf, acar e algodo e esses foram os primeiros entre os produtos mecnicos introduzidos na economia brasileira; c) outros usurios e demandantes de produtos mecnicos foram as foras militares para reparao e construo de peas de equipamentos; d) equipamentos para a indstria de construo foram demandados

especialmente para a construo da infra-estrutura necessrio para o comrcio exterior. (LEFF, 1968, p. 9). Assim, alm de proporcionar as principais fontes de demanda para o setor de bens de capital, o setor primrio-exportador tambm forneceu recursos para a expanso e desenvolvimento do setor de mquinas e equipamentos. Com a finalidade de diversificar seus investimentos ou mesmo a necessidade de amparar sua principal atividade econmica beneficiando produtos agrcolas, os fazendeiros participaram ativamente do investimento na indstria e tambm no incipiente setor de bens de capital. Assim, segundo Dean (1976) a escassez de mo-de-obra estimulou o uso de mquinas capazes de realizarem o processo de beneficiamento do caf. Apesar de serem imigrantes os mecnicos que aperfeioaram esses equipamentos a iniciativa e o capital que lhes escoravam as oficinas eram [de fazendeiros] paulistas. Essas mesmas oficinas produziram grande variedade de equipamento modelado e usinado, principalmente para o uso nas fazendas e estradas de ferro, como caldeiras, bombas, vages fechados de carga e artigos semelhantes (DEAN, 1976, p. 44). E ainda, Dean (1976) afirmou que os prprios agricultores fazendeiros investiram em atividades como a produo de ferro e ao, que empregavam matria-prima importada, pois tais companhias produziam mquinas e obras de fundio que ficariam mais caras se fossem compradas no exterior (DEAN, 1976, p. 77). Alm disso, os fazendeiros do incio do sculo XX tinham forte ligao poltica e participaram principalmente como acionistas das principais empresas do setor como a Companhia Mecnica e Importadora de So Paulo e a Mac Hardy. Leff (1968) afirmou que os brasileiros nativos que freqentaram a escolas de engenharia em So Paulo nas dcadas de 1920 e 1930, geralmente descendentes da elite cafeeira tradicional, foram outra fonte de empreendedorismo no setor de bens de capital. Com a instruo tcnica esses engenheiros absorveram uma mentalidade industrial e uma ideologia nacionalista, que tiveram origem aparentemente na Escola Politcnica de So Paulo em contraste com uma mentalidade comercial que eles acreditavam prevalecer no pas anteriormente. (LEFF, 1968, p. 17). interessante notar que a elite de fazendeiros parece ter absorvido alguns imigrantes por meio de alianas familiares, pelo casamento. O caso mais importante desse tipo de aliana entre o capital e empreendedorismo de fazendeiros e imigrantes vincula-se estritamente histria da principal empresa produtora de mquinas do estado de So Paulo no incio do sculo XX. Segundo Dean (1976) foi Alexandre Siciliano talvez o industrial imigrante que melhor tinha conexes com empresas agrcolas.

Siciliano chegou a So Paulo em 1869, com nove anos de idade e comeou a trabalhar em uma casa de comrcio em Piracicaba, de propriedade de um tio e um irmo mais velho que o haviam precedido na migrao. Em 1881 casou com Laura Augusta de Mello Coelho, filha de um fazendeiro rico e influente. Logo depois, Alexandre Siciliano comeou a produzir mquinas de beneficiar caf em sociedade com o irmo, Francesco, e com Joo Conrado Engelberg, inventor da mquina. A patente dessa mquina foi vendida nos Estados Unidos e depois disso, Alexandre Siciliano mudou-se para a capital do estado, participando da fundao de um banco, uma casa importadora e uma oficina mecnica e de fundio. A oficina mecnica e de fundio foi a Companhia Mecnica e Importadora de So Paulo, na qual Siciliano tornou-se presidente. A Companhia Mecnica inclua uma fundio, seo de mquinas, serraria, carpintaria e olaria. A empresa produziu vages de estrada de ferro, mquinas agrcolas, principalmente de beneficiamento e era uma empresa para produo em grande escala. Segundo Dean (1976), o capital originrio da firma proveio de uma parte dos lucros da empresa de Piracicaba e da venda das patentes, mas a maior parte teria sido de contribuies de fazendeiros que eram agora seus parentes. O empreendimento prosperou com a influncia dos maiores fazendeiros do estado como co-diretores da empresa. Aos poucos, Siciliano foi comprando as partes dos scios fazendeiros e acabou tornando-se o nico dono de tudo (DEAN, 1976, p.82- 83). Assim, podemos identificar vrias fontes de capital para o setor de mquinas e equipamentos na historiografia econmica: os comerciantes e tcnicos imigrantes, os fazendeiros e a unio dos dois. 2. Anlise do setor de bens de capital no estado de So Paulo, 1891 1900 O objetivo desta seo contribuir com a historiografia econmica sobre a evoluo do setor de bens de capital (mquinas e equipamentos) entre 1891-1900. Foi realizado um trabalho de coleta e sistematizao das informaes quantitativas e qualitativas disponveis para o setor de bens de capital paulista. Outro esforo realizado foi no sentido de corrigir os erros e lacunas nos dados estatsticos anteriores a 1920, ano do primeiro Censo Industrial do Brasil, com grande quantidade de outras fontes publicadas posteriormente, mas que apresentavam informaes de fundaes de empresas no perodo anterior a 1900. Assim, esta seo utiliza como principais fontes: a) o Almanach do Estado de So Paulo para 1891, b) a Indstria no Estado de So Paulo

em 1901, de Bandeira Jr., c) o Inqurito Industrial do Brasil de 1907, do Centro Industrial do Brasil, d) a Estatstica Industrial de So Paulo de 1918-1919 (municpios do interior), publicados no Boletim da Diretoria da Indstria e Comrcio, da Secretaria da Agricultura, Comrcio e Obras Pblicas de So Paulo entre 1918 e 1922, e) o Catlogo das Indstrias do Municpio da Capital, 1945, f) o Anurio Banas: a indstria brasileira de mquinas, 1962; e vrias outras fontes qualitativas. 2.1. 1891 1900: comrcio importador e expanso com a cafeicultura As caractersticas das empresas de bens de capital (construtoras de mquinas para a lavoura e a indstria, fundies, fbricas de mquinas e oficinas mecnicas) no estado de So Paulo em 1891 podem ser analisadas na Tabela 1.Tabela 1 Empresas do setor de bens de capital no estado de So Paulo, 1891 Empresa Cidade Atividades Nacionalidade

Almanach do Estado de So Paulo, 1891 Adolpho Sydow Elias Pacheco Chaves Frederico Sydow Hasenclever & Comp. John Muller & Comp. J. P. de Castro & Comp. Lidgerwood & Comp. Roquette, Franco & Barros E. Heinke & C. Francisco de Ges Pacheco Oliveira Costa & Comp. Lidgerwood & Comp. So Paulo So Paulo So Paulo So Paulo So Paulo So Paulo So Paulo So Paulo So Paulo Campinas Campinas Campinas construtores de mquinas mquinas para lavoura e ind. construtores de mquinas mquinas e casa de imp. mquinas e casa de imp. construtores de mquinas e imp. construtores de mquinas e imp. mquinas para lavoura e ind. mquinas e casa de imp. oficina mecnica fundio e fbr. mquinas fundio e fbr. mquinas fundio e fbr. mquinas fundio, fbr. mquinas e imp. Americana Britnica Alem Americana Alem (parte) Alem e Dinamarq. Americana Alem Brasileira Alem

mat. estrada ferro e casa de import. Alem

Cia Mechanica e Importadora So Paulo

Zerrenner & Bullow & Comp. So Paulo Salles, Leme, Faber & Comp. Campinas

Guilherme Mac Hardy & Comp. Campinas fundio, fbr. mquinas e imp. Arens Irmos Vicente Mariano & Irmo Jundia Mococa fundio, oficina mecnica e imp. oficina mecnica mquinas para lavoura e imp.

Pedro A. Anderson & Comp. (1) Campinas fundio e fbr. mquinas, imp. e exp.

Lidgerwood Mfg. Comp. Ltd. Santos

Arminio V. Lessa Pabest

Santos

oficina mecnica importador, bombas hidr.

Catlogo das Indstrias do Municpio da Capital, 1945 Haupt & Cia.(fundada em 1823) So Paulo Total de empresas: 20, Total de estabelecimentos: 22Fontes: SO PAULO. Almanach do Estado de So Paulo para 1891, So Paulo: Cia. Industrial de So Paulo, 1891. DEE/DEPC/SP. Catlogo das indstrias do municpio da capital, 1945, So Paulo: Tipografia Brasil, 1947. Nota: (1) A empresa Pedro A. Anderson & Comp. aparece em perodos posteriores a 1891, mas como serraria.

A primeira observao importante a ser feita o fato de j em 1891 existir vrias empresas no setor de bens de capital, produtoras de mquinas e equipamentos, mesmo sem evidncia de proteo tarifria, j que a importao de mquinas para lavrar a terra e preparar produtos para a agricultura, minerao, servios de qualquer fbrica ou oficina assim como locomotivas possuam iseno tarifria em 1890 (BRASIL, 1890, p. 123). As empresas do setor de bens de capital (fbrica de mquinas e oficinas mecnicas) no estado de So Paulo em 1891 tinham forte relao com o comrcio internacional. Vrias dessas empresas alm de fabricarem mquinas e peas para reposio das mquinas, bem como prestarem reparos nas oficinas mecnicas, eram tambm casas de importao e ou de exportao pertencentes a imigrantes. Os proprietrios estrangeiros possuam acesso a empresas produtoras no exterior, para a importao de alguma mquina privilegiada como o caso da Arens, que foi agente de representao da fbrica de mquinas Marshall Sons & C. da Inglaterra, e acesso a crdito de bancos estrangeiros. Das 20 empresas que conseguimos catalogar no setor de bens de capital em 1891, 10 tinham alguma relao com o comrcio internacional, com a comprovao, na prpria fonte (Almanach de 1891) e em anncios de jornais da poca, de que alm de fbrica de mquinas foram tambm casas de importao ou exportao, mas provvel que outras tambm tivessem a mesma relao. Aparecem como produtoras de mquinas para a lavoura e indstria e tambm como casa de importao no Almanach de 1891 as empresas John Muller & Comp., J. P. de Castro & Comp., Zerrenner & Bullow & Comp., Pedro A. Anderson & Comp. (que aparece em um anncio como casa de importao, exportao, comisses e fundio e fbrica de mquinas para a lavoura, arados, bombas, carroas e etc.) e a Hasenclever & Comp. (que aparece em um anncio como agentes de importao de trilhos de ao portteis e fixos, vages para todos os fins, locomotivas e locomoveis, linhas frreas com trao a vapor ou animal, bondes de passageiros e de cargas,

mquinas para olharias e outras indstrias e mquinas para engenhos de cana). (SO PAULO, 1891, p. 303, 298, 48, 68). A Cia. Mecnica Importadora de So Paulo, fundada em 1890 e sucessora das empresas Lacerda Camargo & Comp. (uma empresa importante de importao) e da Engelberg, Siciliano & Comp., apresentou como especialidade em um anncio a importao direta de mquinas para todas as indstrias alm de ser construtora de mquinas e fundio (SO PAULO, 1891, p. 236). As empresas Lidgerwood, Guilherme Mac Hardy e Arens Irmos fizeram vrios anncios como construtores, empresrios, engenheiros, fabricantes e importadores de mquinas para a lavoura e indstria em jornais de Campinas (Dirio, Correio e Gazeta de Campinas) entre o final da dcada de 1880 e incio de 1890. A firma Haupt & Cia. apesar de no constar no Almanach de 1891, foi fundada em 1823 (segundo o Anurio Banas de 1962) e produzia bombas hidrulicas (segundo o Catlogo de Indstrias do Municpio da Capital de 1945), alm de ter sido um importante importador de artigos metalrgicos (ver DEAN, 1976, p. 33). Entretanto, importante ressaltar que em 1891 as empresas j haviam ultrapassado o estgio de meros reparadores de mquinas importadas. Muitas das empresas j apareciam em anncio de jornais como fabricantes e importadores principalmente de mquinas agrcolas. H no Almanach de 1891 uma grande quantidade de ferreiros, serralheiros e mecnicos individuais na capital e no interior do estado de So Paulo, mas difcil afirmar com segurana se estavam ligados ao setor de bens de capital, apesar de provavelmente terem sido importantes nos aspectos de reparo de algumas mquinas e materiais de transporte. (ver SO PAULO, 1891, p. 293). Havia em 1891 no setor mquinas e equipamentos o predomnio do capital imigrante ligado ao comrcio exterior. A explicao para esse fenmeno no setor de mquinas pode ser extrapolada da indstria como um todo e assim resumida: a demanda de bens de capital foi proporcionada pela economia primrio-exportadora (no caso de So Paulo, principalmente o caf, mas tambm o algodo e a cana-de-acar) com a demanda de mquinas para a lavoura e beneficiamento. A expanso da economia primrio-exportadora exigiu investimentos em infra-estrutura (construo de ferrovias, portos), proporcionou a urbanizao com a demanda de servios pblicos (eletrificao e servios de transporte urbanos) e estimulou a criao de indstrias que resultaram em nova demanda de bens de capital. A oferta de mquinas, a princpio, foi proporcionada pela importao (atravs das casas de importao), mas dada a necessidade de adaptao de peas no local de instalao das mquinas foi preciso implementar a

assistncia tcnica para essas mquinas. Essas empresas de importao quando perceberam a necessidade e possibilidade de, a princpio, ofertar a assistncia de manuteno para as mquinas e os reparos em peas, e depois, a possibilidade de fabricar partes de mquinas e mquinas completas contrataram imigrantes especializados (engenheiros e mecnicos). bem provvel que a imigrao em massa tenha ofertado alguns bons mecnicos para essas empresas. A fonte de capital principal dessas empresas foi o capital comercial do imigrante ligado ao comrcio exterior, que percebeu a possibilidade de lucros com o incio da fabricao de peas e mquinas. Outro fator predominante no setor foram os imigrantes alemes. A famlia Sydow veio da Alemanha por volta de 1859 e fundou na cidade de So Paulo a primeira serraria a vapor local. Os irmos Frederico e Adolfo adquiriram fazendas em Xiririca (atual Eldorado). Na dcada de 1870, Adolfo j era grande industrial, fabricante de mquinas pesadas e equipamentos para a agricultura. Frederico participou como administrador entre 1899 e 1900 da reforma da Usina Eltrica de Rio Claro, empreendimento organizado por Theodor Wille & Cia., importante empresa de Hamburgo que tinha entre suas atividades a exportao de caf, plantao de caf, importao de mquinas, financiamento de usinas hidroeltricas e numerosas fbricas. Theodor Wille havia adquirido a Usina de Fernando Arens, engenheiro e industrial da Casa Arens & Irmos. (SANTOS, 2002, p. 142- 143). Outro empreendimento em parte de capital alemo ligado ao setor de bens de capital foi a firma Zerrenner & Bullow & Comp. difcil afirmar se essa firma foi realmente produtora de mquinas, apesar de aparecer no Almanach de 1891 na listagem de construtores de mquinas. Essa empresa tambm aparece como casa de importao, banco de cmbio (cambista), depsito de querosene, etc. Joo Carlos Antnio Zerrener e Adam Ditrik von Bllow, proprietrios da Zerrenner & Bullow & Comp., foram scios minoritrios da Companhia Antarctica Paulista, fbrica de cerveja na avenida gua Branca, constituda em 9 de fevereiro de 1891, com um capital de 3.000 contos de ris. A funo deles na Antarctica foi facilitar a compra de mquinas no exterior e obteno de crditos junto a bancos estrangeiros, j que era prtica comum a participao de importadores nas fbricas que surgiram no Brasil no perodo com esta finalidade. A Antarctica em 1893 estava prxima a insolvncia passando por dificuldades cambiais e atrasos em navios que traziam mquinas. A firma Zerrenner & Bullow & Comp., que possua direitos a receber da Antarctica no valor de 860 mil ris, assumiu o controle acionrio da Antarctica com 51,15% do capital, depois de um acerto

de contas que reduziu o capital da empresa em 1.710 contos de ris. A importadora Zerrenner & Bullow & Comp. alm de ser responsvel pelas mquinas, tambm distribua os produtos da Antarctica. Adam Ditrik von Bllow morreu em 1923, com 80 anos, deixando seu filho Carl Adolf como seu representante no comando da empresa. Em 1929 a sociedade dos Zerrenner e dos Bllow operava com importao, bebidas (na Antarctica) e exportao de caf (com a Companhia Cafeeira de So Paulo, recmcriada). Antnio Zerrener morreu em 1933, sem herdeiros, deixando em testamento seus bens para sua esposa Helena, e depois de sua morte, que ocorreu em 1936, deveria ir para a Fundao Antnio e Helena Zerrener. A fundao passou a administrar os bens da Antarctica, como maior acionista em 1944, aps um perodo de litgio judicial para resolver a questo da herana de Antnio Zerrener. (EXAME, 1974, p. 51-45). Ao analisar os dados disponveis encontramos apenas uma empresa de bens de capital ligada diretamente a fazendeiros de caf em 1891, a firma de Elias Pacheco Chaves, que tinha como esposa Ansia da Silva Prado, representantes, portanto, de antigas famlias de cafeicultores.7Apesar da confirmao de apenas essa empresa como representante de cafeicultores possvel que existissem mais, mas improvvel que fossem predominantes. Apesar de serem raras as empresas de bens de capital que tiveram ligao direta com os cafeicultores, o capital deles foi muito importante para a expanso das empresas de mquinas e equipamentos, principalmente aps 1891, com as transformaes de algumas empresas pertencentes a imigrantes em sociedade annima, como a Mac Hardy em 1891 e a Arens. No caso da Arens h um anncio no Almanach de 1891 relatando a aquisio das oficinas Arens e Irmos pela Companhia Arens, empresa com capital de 2.000:000$000 (dois mil contos de ris) divididos em dez mil aes, tendo como presidente o Baro de Jagura, secretrio Antonio de Paula Salles e gerente Otto Schanassmann, ficando um representante da famlia Arens no conselho fiscal composto por Carlos H. L. Rohe, Fernando Arens e Francisco de Arajo Cintra. (ver SO PAULO, 1981, p. 794). Segundo Flvio Saes (2002) os principais acionistas da empresa (A. Pdua Sales, Jos Paulino Nogueira, Pedro Souza Aranha, F. Queiroz Telez) eram fazendeiros de caf ligados Companhia Estrada de Ferro Mogiana. (SAES, 2002, p. 189).Interessante o fato do casal Elias Pacheco Chaves e Ansia da Silva Prado serem pais de Eduardo Pacheco Chaves, o primeiro piloto brasileiro a voar nos cus do Brasil em 8 de maro de 1912, na cidade de Santos e realizar o primeiro vo entre So Paulo e Rio de Janeiro sem escalas. (ver O Dirio, 06/07/1914).7

As firmas Guilherme Mac Hardy & C. e Guilherme Mc-Hardy em Campinas passam a denominar Companhia Mc-Hardy Manufatureira e Importadora em 1891, empresa em sociedade annima que tinha como objetivo negociar em tudo o que estivesse relacionado com maquinismos, fabricao, construo e importao de mquinas, materiais para estrada de ferro, para abastecimento de gua e dependncia para iluminao, importao em geral e empreitadas, explorao de privilgios, concesses e contratos, fornecimentos para construes civis, navais e hidrulicas, alm de adquirir, vender e fundar fbricas, fazer instalaes, podendo explor-las de conta prpria, arrendar ou vende-las. (CIA. MC-HARDY, 1891, p. 3-4). A nova empresa foi constituda com um capital social de quatro mil contos de ris (4.000:000$000) dividido em 20 mil aes. A primeira diretoria foi composta pelo Baro de Ataliba Nogueira, fazendeiro, pelo industrial Guilherme Mc-Hardy, e pelo advogado Gabriel Dias da Silva, todos residentes em Campinas. O conselho fiscal foi composto por Roberto Paton, Pedro Miller e Antonio Celestino de Toledo Soares (CIA. MC-HARDY, 1891, p. 5, 15-16). Em 1893, no lugar do diretor gerente Guilherme Mc-Hardy, que permanecia na Europa, a princpio a servio da Companhia e em seguida por motivos de sade, foi nomeado gerente o acionista Roberto Paton. No conselho fiscal, devido ao falecimento de Pedro Miller, ocupou seu lugar o suplente Roberto Clark. Assinaram em 1893, Gabriel Dias da Silva, como diretor da Companhia, e o Baro de Ataliba Nogueira, como presidente. (CIA. MC-HARDY, 1893, p. 6-8). interessante relatar que entre os acionistas da Companhia Mc-Hardy Manufatureira e Importadora em 1893 aparecem vrios empresrios, imigrantes, fazendeiros de caf e polticos importantes da cidade de Campinas e do estado de So Paulo, alm dos dirigentes da empresa relatados acima. Fazem parte da lista de acionistas: Antonio Proost Rodovalho, Joo Proost Rodovalho, Sotto Maior, John Barker, Orozimbo Maia, Manoel J. Albuquerque Lins, Francisco Goes Pacheco, entre outros de um total de 113 acionistas e 20 mil aes em 1893. Francisco Goes Pacheco tambm aparece como proprietrio de uma fbrica de mquinas e fundio em Campinas em 1891 (ver Tabela 1). Os maiores acionistas em 1893 da Mc-Hardy foram: o Banco dos Lavradores com 5580 aes (27,9% do total de aes), Guilherme Mc Hardy com 5033 aes (25,2%), Gabriel Dias da Silva com 645 aes (3,2%), Roberto S. Paton com 400 aes (2%) e o Baro de Ataliba Nogueira com 400 aes (2%). (CIA. MC-HARDY, 1893, p. 11-17). Segundo Saes (2002) o Banco dos Lavradores

estava ligado a fazendeiros de caf, que mantinham vnculos com as estradas de ferro e empresas de servio pblico. (SAES, 2002, p. 189). A Tabela 2 apresenta as caractersticas das empresas de bens de capital operando no estado de So Paulo em 1901. A principal fonte para o perodo, A indstria no estado de So Paulo, 1901 de Bandeira Jr. no um levantamento completo, como um censo. Bandeira Jr. concentrou-se nas maiores empresas para elaborar o trabalho. A Tabela 2 foi elaborada com o objetivo de amenizar esses problemas, cruzando informaes de outras fontes em anos posteriores que apresentavam data de fundao para as empresas, que so indicadas entre parnteses na tabela. Apesar das correes, a tabela tambm no pode ser utilizada como um censo das empresas que produziam bens de capital em 1901 porque certamente tambm no est completa, apesar de todo o esforo de catalogar em fontes que disponibilizam informaes de empresas e data de fundao.Tabela 2 Empresas do setor de bens de capital no estado de So Paulo, 1901 Empresa Cidade Operrios Proprietrios

As indstrias no estado de So Paulo, 1901, de Bandeira Jr. Fundio Vielhaber (1895) Grande Oficina de Caldeireiro Grande Fundio do Braz (1892) Grande Oficina Mechanica Arens (1876) Grande Fund. Sidow (1874, Adolpho Sidow) Rib. Preto So Paulo So Paulo Jundia So Paulo 100 153 38 70 Gustavo Vielhaber Virgilio Antonio de Brito Francisco Amaro Irmos Arens Heitor Prado W. V. V. Lidgerwood 40 Pedro Krahenbuhl 600 Siciliano, Camargo, Lacerda 7 21 15 28 149 Pedro Faber Francisco Sydow Famlia Milanesi Fund. Ferro e Bronze (Craig & Martins) (1895) So Paulo 100 George C., Julio Martins

Companhia Mac Hard Manuf. e Import. (1875) Campinas The Lidgerwood Manuf. Company Ltd. (1860) SP-Campinas Oficina Mechan. Vapor Krahenbuhl (1870) (2) Piracicaba Comp. Mechanica Import. de S. Paulo (1890) Pedro Faber (faliu em 1909) F. & L. Sydow A. Milanesi & Irmos (1900) Haupt & Cia. (1823) Vagnotti & Cia. (CIATEX) (1900) So Paulo Campinas So Paulo Botucatu So Paulo So Paulo

300 Guilherme M.H., S.A.1891

Censo Industrial, 1907, Centro Industrial do Brasil

Estatstica Industrial de So Paulo, 1918-1919 Catlogo das Indstrias do Municpio da Capital, 1945

Anurio Banas, 1962 Metalrgica Ruegger (Mquinas Fair) (1895) Naschold & Cia. Ltda. (1897) Araras 49 120 Faria/ Gloria/ Meyer Steobel/ Naschold So Paulo Indstria Metalrgica Bruno Meyer S/A (1892) Rio Claro

Total de empresas: 18, Total de estabelecimentos: 18Fontes: BANDEIRA JR., A Indstria no Estado de So Paulo em 1901, So Paulo: Tipografia do Dirio Oficial, 1901. FIBGE. O Brasil: suas riquezas naturais e suas indstrias, 3 vol., 1909. Sries estatsticas retrospectivas. Rio de Janeiro: IBGE, 1986. DEIC/SACOP/SP. Boletim da Diretoria de Indstria e Comrcio, 1908-1928. DEE/DEPC/SP. Catlogo das indstrias do municpio da capital, 1945, So Paulo: Tipografia Brasil, 1947. BANAS, G. Anurio Banas: a indstria de mquinas, So Paulo: Editora Banas, 1962. Nota: (2) A empresa Oficina Mechanica a Vapor Krahenbuhl aparece em anos posteriores, mas como produtora de veculos.

Outra advertncia que as informaes de operrios seguem as respectivas fontes e no so comparveis (em fontes diferentes), mas foram apresentadas para dar idia de tamanho das empresas. Apesar dessas ressalvas a tabela apresentada um trabalho de sistematizao de informaes de vrias fontes que apresentam as empresas de bens de capital em 1901. A primeira informao que podemos extrair da Tabela 2 o grande nmero de fundaes de empresas ligadas ao setor de bens de capital no estado de So Paulo entre 1891 e 1900. Das 18 empresas apresentadas na tabela, que aparecem em diversas fontes e que operavam em 1901, 8 foram fundadas entre 1891 e 1900: a Indstria Metalrgica Bruno Meyer (1892) em Rio Claro, a Grande Fundio do Braz (1892) de Francisco Amaro em So Paulo, a Metalrgica Ruegger (1895) em Araras, a Fundio Vielhaber (1895) em Ribeiro Preto, a Fund. Ferro e Bronze (1895) de George Craig e Julio Martins em So Paulo, Naschold & Cia. Ltda. (1897) em So Paulo, A. Milanesi & Irmos (1900) em Botucatu e a Vagnotti & Cia. (1900) em So Paulo. H tambm diversificao das empresas pelo interior do estado de So Paulo. Aparentemente no h ligao das empresas fundadas no perodo com o comrcio exterior (de importao e exportao). Na maioria, as empresas fundadas entre 1891 e 1900 tiveram origem em imigrantes que possuam algum conhecimento tcnico de mecnica ou metalurgia. A Metalrgica Ruegger surgiu da ampliao das atividades de uma pequena caldeiraria com oficina mecnica e fundio de ferro e bronze no municpio de Araras em 1895, feita pelo suo Frederico Ruegger, casado com uma ararense. A metalrgica ocupava um terreno de 5.500 metros quadrados, empregava 60 operrios e possua 5 sees: a primeira seo era responsvel pela fabricao de mecanismos completos para fbricas de farinha de mandioca, mecanismos para a produo de macarro e engenhos de cana, e reparos de qualquer espcie de mquinas e reformas em geral; a segunda

seo era a fundio de ferro e bronze, responsvel por atender o consumo anual da metalrgica de 60 toneladas de ferro; a terceira seo era a modelagem, onde criava-se os modelos em madeira para a fundio; a quarta seo era a ferraria, caldeiraria e carpintaria, onde fabricavam-se depsitos de gua, rodas hidrulicas, carros, carroas, trolleys, carrocerias para veculos a motor, etc; a quinta seo era a serralheria e ainda havia uma outra seo de desenhos, onde os senhores Joo e Augusto Ruegger criavam os projetos de todos os trabalhos realizados na empresa. (ZAMBARDA, 1999, p. 6869). Foi fundada em 1895 na cidade de So Paulo a Fundio de George Craig e Julio Martins. Foi o quarto estabelecimento do gnero fundado por Craig no estado de So Paulo. Empregava em torno de 100 operrios, quase todos estrangeiros. Possua mquinas para furar, tornear, cortar, limar, prensar e forjar, alm de dois tornos patentes Rebites e uma balana de 10.000 Kg. (BANDEIRA JR., 1901, p. 83). Tambm em So Paulo, foi fundada em 1892 a Grande Fundio do industrial Tenente Coronel Francisco Amaro, discpulo da Grande Fundio Alegria do Rio de Janeiro. Com o maquinismo todo a vapor a empresa alm de fundio de ferro e bronze fabricava na oficina mecnica mquinas inteiras, alm de peas para mquinas de toda natureza. Segundo Bandeira Jr. (1901) a empresa em matria de mecnica e fundio rivalizava com as norte-americanas na execuo e nos inventos (BANDEIRA JR., 1901, p. 85). A firma Vagnotti & Cia., fundada em 1900 em So Paulo, trabalhava em 1945 com 149 operrios, produzindo acessrios para mquinas txteis. (DEE/DEPC/SP, 1947, p. 127). Aparentemente, a maioria das empresas fundadas durante a dcada de 1890 (e como veremos mais adiante tambm no incio da dcada de 1900) no setor de bens de capital, alm de no terem ligaes com o comrcio importador, tambm no surgiram diretamente para atender o setor cafeeiro. Uma exceo a Fundio Vielhaber, fundada em 1895, em Ribeiro Preto pelo Banco Construtor, banco relacionado aos fazendeiros de caf, depois vendida a Gustavo Vielhaber, que atendeu aos fazendeiros (BANDEIRA JR., 1901, p. 69). A Metalrgica Ruegger surgiu para atender a necessidade de um mercado local e regional de mquinas de farinha de mandioca, macarro e engenhos de cana. Segundo Zambarda (1999) a primeira etapa da industrializao de Araras estava atrelada a evoluo da agroindstria (beneficiamento e transformao de matrias-primas) local. Em 1893 j operava em Araras o Pastifcio Padula, fbrica de massas que atendeu o mercado de Araras e regio, distribuindo seus produtos para cidades ligadas pelas estradas de ferro (exceto a Sorocabana). Em 1929

havia em Araras 6 fbricas de gua-ardente, 3 fbricas de macarro e 85 fbricas de farinha de mandioca (ZAMBARDA, 1999, p. 67, 68, 72). As empresas de Francisco Amaro, George Craig e Julio Martins, e a Vagnotti atenderam o mercado mquinas proporcionado pelas indstrias paulistanas de outros ramos industriais. J operava antes de 1870, sob a direo de Virgilio Antonio de Brito em So Paulo a Grande Oficina de Caldeireiro, produzindo alambiques e retificadores, inventados pelo chefe da casa, com privilgios de diversas patentes. Produziu ainda caldeiras para vapor para cervejarias, destilarias e tinturarias. (BANDEIRA JR., 1901, p. 84). Assim, algumas das empresas que operavam no setor de bens de capital em 1901 no estavam diretamente ligadas demanda proporcionada pela cafeicultura, principalmente as situadas na cidade de So Paulo, que j atendiam ao mercado interno industrial incipiente. Fato mais interessante que algumas empresas que no atenderam (pelo menos inicialmente) a demanda de mquinas para cafeicultura atuavam em cidades que passavam pelo auge do ciclo cafeeiro, como Rio Claro e Araras, quando foram fundadas. Assim, provavelmente a cafeicultura proporcionou o movimento econmico geral que dinamizou as necessidades internas de processamento de matriasprimas de algumas cidades no interior do estado de So Paulo, que posteriormente proporcionou a demanda de mquinas para esses setores. 3. Concluses Tentamos ao longo do trabalho traar um panorama da evoluo da indstria de bens de capital no estado e So Paulo entre 1870 e 1900. Foi realizado um trabalho de organizao e sistematizao de dados de vrias fontes, para melhor compreender o crescimento e desenvolvimento do setor de mquinas e equipamentos no final do sculo XIX. Aqui ser feito um balano dos resultados relatados ao longo do trabalho. Em 1891, as empresas do setor de bens de capital no estado de So Paulo tinham muitas ligaes com comrcio exterior. Muitas das empresas presentes no setor em 1891 alm de produzirem algumas mquinas, tambm s importavam. Essas empresas eram casas de importao de propriedade de imigrantes comerciantes, que controlavam o comrcio, a distribuio e o financiamento das mquinas importadas. A produo no setor surgiu da necessidade de fornecer assistncia tcnica para as mquinas que importavam, com o reparo e o fornecimento de peas e algumas mquinas inteiras. As empresas ligadas a imigrantes comerciantes foram predominantes em 1891,

e poucas empresas estavam ligadas diretamente a cafeicultores, como empreendedores. Conseguimos confirmar apenas uma empresa fundada por cafeicultor, apesar de provavelmente existirem mais, mas certamente no foram predominantes. Ao longo da dcada de 1890 muitos fazendeiros ligados ao caf contriburam com a expanso e crescimento de firmas de mquinas e equipamentos que abriram o capital e tornaram-se sociedades annimas no incio da dcada de 1890. A forma de contribuio dos fazendeiros foi atravs de compra de aes e aquisio do controle de Companhias que principalmente produziam mquinas de beneficiamento de caf. Durante a dcada de 1890 encontramos ainda fundaes de empresas, aparentemente sem ligao com o comrcio exterior (importao e exportao), de imigrantes que possuam algum conhecimento tcnico de mecnica e metalurgia. Na maioria, essas empresas fundadas entre 1891 e 1901 alm de no terem ligaes com o comrcio importador, tambm no surgiram para atender diretamente o setor cafeeiro, e sim para atender um mercado especfico e local ou regional. Surgiram empresas para atender a necessidade de mquinas para o beneficiamento da mandioca, mquinas para a indstria alimentcia (para fabricar massas), para o beneficiamento e limpeza do arroz, sem contar as de beneficiamento do algodo e da indstria da cana-de-acar, principalmente no interior do estado, e da necessidade de mquinas e acessrios para a indstria txtil, de papel, papelo, borracha e outras indstrias de bens de consumo, principalmente na capital paulista. Apesar do setor cafeeiro no ter ligaes diretas com surgimento das empresas de imigrantes mecnicos, parece que o setor cafeeiro proporcionou o movimento econmico geral que dinamizou as necessidades para mquinas de outros setores. A maioria das cidades onde localizamos a fundao de empresas que produziam mquinas para outros setores estavam ligadas economicamente a prosperidade do caf. Certamente o desenvolvimento de economias locais impulsionadas pela economia do caf criou demanda e necessidade para outras mquinas. O surgimento de empresas de mquinas que produziam para um mercado especfico talvez ajude a explicar porque elas nasceram e prosperaram em um perodo de reduzida proteo efetiva, provavelmente com aumento da concorrncia no mercado de mquinas. Essas empresas nasceram, a princpio, para atender uma demanda local e s vezes muito peculiar, ou seja, uma produo com caractersticas semi-artesanais, no sentido de que no empregavam uma linha de montagem na produo. Outro argumento para justificar o aparecimento de empresas de mquinas, mesmo com pouca proteo efetiva a

quantidade variada de tipos de mquinas. Mesmo em mercados menos especficos, como o mercado de mquinas de beneficiamento de caf e algodo, havia uma grande variedade de mquinas, com grande variao de preos. (ver CANABRAVA, 1984, p. 177-221).

Referncias Bibliogrficas

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