aula 12 helmintos - cap. 21

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Hélio Marfins de Araújo Costa* (in memoriam) Os helmintos constituem um gmpo muito numeroso de animais, incluindo espécies de vida livre e de vida parasitá- na. Apresentam os parasitos distribuídos nos filos Platy- helminthes, Nematoda e Acanthocephala (Tabela 21.1). Alguns Gordiáceos, representantes do filo Nematomorpha e conhecidos como "crina de cavalo", parasitos essencial- mente de invertebrados, podem ocasionalmente causar para- sitismo passageiro no ser humano sem graves conseqüências. As ocorrências de helmintos no homem são muito co- muns. A exemplo: cerca de 20% da população humana do mundo está parasitada por ancilostomídeos, o que equiva- le a mais de 1 bilhão de pessoas. A situação é equivalente em relação ao Ascaris lumbricoides. Estas infecções, em geral, resultam, para o hospedeiro, em danos que se mani- festam de formas variadas. No Brasil, a situação não é diferente,justificando lembrar a antológica figura do "Jeca Tatu", criada por Monteiro Lobato. "O jeca não é assim, está assim." FILO PLATYHELMINTE S Os Platyhelminthes (gr. Platy = chato) são os represen- tantes mais inferiores dos helmintos, os quais se caracteri- zam por apresentarem simetria bilateral, uma extremidade anterior com órgãos sensitivos e de fixação e uma extremi- dade posterior; pela ausência do exo ou endoesqueleto; são achatados dorsoventralmente, sem celoma, com ou sem tubo digestivo, sem ânus, sem aparelho respiratório, siste- ma excretor tipo protonefrídico, com tecido conjuntivo en- chendo os espaços entre os órgãos. Podem ser de vida li- vre, ecto ou endoparasitos. Seus representantes estão dis- tribuídos, segundo estudos mais recentes, em três (Turbe- llaria, Trematoda, Cestoda) ou quatro classes (Turbellaria, Monogenea, Trematoda, Cestoda). Apesar dos avanços em sistemática molecular ainda não é consenso entre os pesqui- sadores. Assim, adotamos ainda a classificação dos Platyhelminthes com divisão em três classes por ser a mais difundida. ' Capitulo atualizado pelos Professores Alan Lane de Melo e Marcos Pezzi Guimarães. CLASSE TREMATODA São ecto ou endoparasitos. Os adultos não possuem epiderme e cílios externos; corpo não-segmentado e recoberto por uma cutícula; com uma ou mais ventosas; pre- sença de tubo digestivo; ânus geralmente ausente; herma- froditas ou não; evolução simples ou com hospedeiro inter- mediário. Habitualmente são achatados dorsoventralmente, as ve- zes recurvados, com face ventral côncava, de contorno oval ou alongado; outras vezes parecem volumosos, com extre- midade posterior alongada e a anterior afilada e truncada, ou globulosos e recurvados dorsoventralmente. A forma típi- ca é a de folha (Fig. 21.1). A classe Trematoda compreende ainda três grandes gru- pos de parasitos: Aspidogastrea, Monogenea e Digenea, das quais interessa-nos a última por conter representantes que afetam o homem. Os trematódeos digenéticos possuem órgãos de fixação comumente representados pelas ventosa oral e acetábulo (ou ventosa ventral). O corpo é revestido por uma cutícu- la, de natureza acelular, possivelmente resultante de célu- las mesenquimais. Pode se apresentar lisa ou com espi- nhos, escamas ou cerdas, recobrindo o corpo ao todo ou em parte. Logo abaixo da cutícula encontramos fina camada mus- cular. Abaixo da camada muscular, e enchendo todo o espa- ço interno, encontramos o mesênquina ou parênquima. Nes- te encontram-se os sistemas digestivo, reprodutor, excretor e nervoso. O sistema nervoso central é representado por dois gân- glios cerebrais interligados por comissuras, um pouco aci- ma ou atrás da faringe. Do cérebro partem três pares de ner- vos-tronco que se dirigem para a frente e três pares dirigi- dos posteriormente. São pobres em órgãos dos sentidos. Terminações bulbosas com emissão de cerdas podem ser encontradas, sobretudo no nível das ventosas. O sistema digestivo é simples, com abertura bucal situa- da anteriormente ou na face ventral, em alguns casos segui- Capitulo 21 185

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Hélio Marfins de Araújo Costa* (in memoriam)

Os helmintos constituem um gmpo muito numeroso de animais, incluindo espécies de vida livre e de vida parasitá- na. Apresentam os parasitos distribuídos nos filos Platy- helminthes, Nematoda e Acanthocephala (Tabela 21.1). Alguns Gordiáceos, representantes do filo Nematomorpha e conhecidos como "crina de cavalo", parasitos essencial- mente de invertebrados, podem ocasionalmente causar para- sitismo passageiro no ser humano sem graves conseqüências.

As ocorrências de helmintos no homem são muito co- muns. A exemplo: cerca de 20% da população humana do mundo está parasitada por ancilostomídeos, o que equiva- le a mais de 1 bilhão de pessoas. A situação é equivalente em relação ao Ascaris lumbricoides. Estas infecções, em geral, resultam, para o hospedeiro, em danos que se mani- festam de formas variadas.

No Brasil, a situação não é diferente, justificando lembrar a antológica figura do "Jeca Tatu", criada por Monteiro Lobato. "O jeca não é assim, está assim."

FILO PLATYHELMINTE S Os Platyhelminthes (gr. Platy = chato) são os represen-

tantes mais inferiores dos helmintos, os quais se caracteri- zam por apresentarem simetria bilateral, uma extremidade anterior com órgãos sensitivos e de fixação e uma extremi- dade posterior; pela ausência do exo ou endoesqueleto; são achatados dorsoventralmente, sem celoma, com ou sem tubo digestivo, sem ânus, sem aparelho respiratório, siste- ma excretor tipo protonefrídico, com tecido conjuntivo en- chendo os espaços entre os órgãos. Podem ser de vida li- vre, ecto ou endoparasitos. Seus representantes estão dis- tribuídos, segundo estudos mais recentes, em três (Turbe- llaria, Trematoda, Cestoda) ou quatro classes (Turbellaria, Monogenea, Trematoda, Cestoda). Apesar dos avanços em sistemática molecular ainda não é consenso entre os pesqui- sadores. Assim, adotamos ainda a classificação dos Platyhelminthes com divisão em três classes por ser a mais difundida.

' Capitulo atualizado pelos Professores Alan Lane de Melo e Marcos Pezzi Guimarães.

CLASSE TREMATODA São ecto ou endoparasitos. Os adultos não possuem

epiderme e cílios externos; corpo não-segmentado e recoberto por uma cutícula; com uma ou mais ventosas; pre- sença de tubo digestivo; ânus geralmente ausente; herma- froditas ou não; evolução simples ou com hospedeiro inter- mediário.

Habitualmente são achatados dorsoventralmente, as ve- zes recurvados, com face ventral côncava, de contorno oval ou alongado; outras vezes parecem volumosos, com extre- midade posterior alongada e a anterior afilada e truncada, ou globulosos e recurvados dorsoventralmente. A forma típi- ca é a de folha (Fig. 21.1).

A classe Trematoda compreende ainda três grandes gru- pos de parasitos: Aspidogastrea, Monogenea e Digenea, das quais interessa-nos a última por conter representantes que afetam o homem.

Os trematódeos digenéticos possuem órgãos de fixação comumente representados pelas ventosa oral e acetábulo (ou ventosa ventral). O corpo é revestido por uma cutícu- la, de natureza acelular, possivelmente resultante de célu- las mesenquimais. Pode se apresentar lisa ou com espi- nhos, escamas ou cerdas, recobrindo o corpo ao todo ou em parte.

Logo abaixo da cutícula encontramos fina camada mus- cular. Abaixo da camada muscular, e enchendo todo o espa- ço interno, encontramos o mesênquina ou parênquima. Nes- te encontram-se os sistemas digestivo, reprodutor, excretor e nervoso.

O sistema nervoso central é representado por dois gân- glios cerebrais interligados por comissuras, um pouco aci- ma ou atrás da faringe. Do cérebro partem três pares de ner- vos-tronco que se dirigem para a frente e três pares dirigi- dos posteriormente.

São pobres em órgãos dos sentidos. Terminações bulbosas com emissão de cerdas podem ser encontradas, sobretudo no nível das ventosas.

O sistema digestivo é simples, com abertura bucal situa- da anteriormente ou na face ventral, em alguns casos segui-

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dos de pré-faringe, faringe e esôfago que se bifurca e origi- na os cecos intestinais.

O sistema excretor é representado por dois tubos protonefridiais, um em cada lado, dirigidos posteriormente; fundem-se na porção terminal, originando uma vesícula ex- cretora que se abre para o meio exterior através do poro excretor. A célula em flama é a unidade excretora e varia em número, conforme a espécie.

Os trematódeos não possuem propriamente um sistema circulatório, contudo, em alguns deles (Paramphistomidae, Cyclocoelidae) podem ser observados ductos mesenquimais.

Nos Digenea, podem ocorrer espécies hermafroditas (monóicas) e espécies com sexos separados (dióicas). Apre- sentam usualmente dois testículos (mas podem ser numero- sos), com canais eferentes, os quais se ligam para formar o canal deferente; este, já dentro da bolsa do cimo (quando presente), forma a vesicula seminal e, em continuação, se diferencia em canal ejaculador, envolvido pelas glândulas prostáticas, e, finalmente, formando o cirros ou pênis, que se abre para o meio exterior pelo poro genital masculino, no átrio genital.

O aparelho genital feminino é constituído por um ovário, do qual parte o oviduto que se comunica com o oótipo, no percurso recebendo o viteloduto e o canal de Laurer, que se comunica com o exterior pelo gonoporo; o oótipo é envol- vido pelas glândulas de Mehlis ou glândulas da casca e se continua originando o útero, geralmente com alças, na par- te final, onde se diferencia em metratermo, que se abre no átrio genital pelo poro genital feminino. As glândulas vitelogênicas são frequentemente constituídas por numero- sos folículos situados nos campos laterais do trematódeo.

A autofertilização pode ocorrer nos trematódeos, contu- do a fertilização cruzada parece ser o processo habitual.

Poucos trematódeos são vivíparos, prevalecendo as es- pécies ovíparas. O número de ovos depositados varia con- sideravelmente com a espécie. Alguns, como Fasciola hepatica, depositam milhares de ovos.

Nos Digenea, o ovo é geralmente oval e de coloração clara ou marrom - escura, com opérculo em uma das extre- midades. Em algumas espécies, o ovo, ao ser eliminado, já contém uma larva (miracídio) desenvolvida, como em Schisto-soma; em outras, o ovo é eliminado não-embrionado (Fasciola, Eurytrema) e o miracídio é formado após a elimi- nação do ovo para o meio exterior. O miracídio necessita al- cançar um molusco para dar continuidade ao ciclo e pode fazê-lo de dois modos: nos casos em que o miracídio é libe- rado na água (Schistosoma, Fasciola) ele penetra ativamen- te em um molusco aquático (Biomphalaria, Lymnaea) ou quando o miracídio permanece dentro do ovo (Eurytrema, Platynosomum), há necessidade de o ovo ser ingerido por um molusco de hábito terrestre (Bradybaena, Subulina) para dar continuidade ao ciclo. Os moluscos são os primeiros hospedeiros intermediários. A evolução no hospedeiro in- termediário pode passar pelas fases de esporocisto, rédia, cercária, mesocercária e metacercária. A formação de metacercária algumas vezes exige um segundo hospedeiro intermediário. Quando a forma infectante é a cercária, a in- fecção do hospedeiro definitivo se dá pela penetração na pele ou em mucosa (Schistosoma); quando a forma infectante é a metacercária, a infecção do hospedeiro definitivo se dá pela ingestão (Fasciola).

As cercárias ou metacercárias, resultantes de um único ovo, são numerosas, com isto aumentando a possibilidade da infecção do hospedeiro definitivo, no qual se completa o desenvolvimento e ocorre a formação de novos ovos.

CLASSE CESTODA São endoparasitos desprovidos de epiderme, de cavida-

de geral e de sistema digestivo; os órgãos de fixação estão localizados na extremidade anterior. O corpo é, em geral, alon- gado e construído por segmentos; algumas vezes lembram trematódeos (Fig. 2 1.2).

Um cestódeo típico apresenta-se com três regiões distin- tas: a mais anterior constituída pelo escólice, no qual se en- contram os órgãos de fixação; a segunda porção, o colo ou o pescoço, suporta o escólice, e é o elemento de ligação com a terceira região, que é o estróbilo, nitidamente segmentado nas formas polizóicas.

Esta classe compreende duas subclasses: Cestodaria e Eucestoda, esta última com várias ordens, das quais interes- sam-nos Pseudophyllidea e Cyclophyllidea, por incluírem espécies que parasitam o homem.

A semelhança dos trematódeos, os cestódeos são reco- bertos por uma cutícula, a qual repousa diretamente sobre o mesênquima, que nos Taeniidae é rico em corpúsculos calcários (carbonato de cálcio). O sistema nervoso é, basi- camente, constituído por gânglios na base do escólice e ner-

Fig. 21.1 - Morfologia de um Trematoda típico: Eurytrema coelomaticum parasito de ductos pancreáticos de ruminantes. Vo-ventosa oral; f-faringe; es-esôfago; c-ceco; pg-poro genital; bc-bolsa de cirros; vv-ventosa ventral; t-testículo; ov-ovário; oo-oótipo (onde ocorre a fecundação) circundado pe- las glândulas de Mehlis (cuja secreção entra na formação da casca do ovo); de-ducto excretor; ut-útero (cheio de ovos); pe-poro excretor; gv-glAndulas vitelogênicas; ut-útero (cheio de ovos).

Capitulo 21

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vos laterais, interligados por comissuras. Não há órgãos sensoriais especiais. O sistema excretor é protonefiidial, com células flama. Canais excretores percorrem lateralmente o corpo do cestódeo e se interligam na parte posterior da proglote, no último segmento, formando a vesícula excreto- ra e o poro excretor. São, geralmente, hermafroditas. No Cyclophyllidea ocorre protandria, isto é, os órgãos genitais masculinos se desenvolvem antes dos órgãos genitais femi- ninos. Nos Pseudophyllidea, em geral, os órgãos genitais masculinos e femininos desenvolvem-se concomitantemente.

Na maioria dos cestódeos há um conjunto de órgãos genitais masculinos e femininos por segmento (Taenia, Hymenolepis). Mas em muitos outros ocorrem dois con- juntos de órgãos genitais masculinos e femininos, por segmento (Fig. 2 1.3).

O aparelho genital masculino pode apresentar dois ou mais testículos, as vezes algumas dezenas, com canais eferentes que se unem e formam o canal deferente, o qual pode se dilatar e formar uma vesícula seminal antes de alcan- çar a bolsa do cirro ou dentro dela; em seguida, se diferen- ciando em canal ejaculador, com glândulas prostáticas; o segmento final é o cirro ou pênis, que pode ser dotado de espinhos. O aparelho genital masculino, em alguns cestó- deos, abre-se para o exterior através do poro genital mascu- lino em uma das bordas laterais (Cyclophyllidea); em muitos outros cestódeos, o poro genital é encontrado na face ven- tral (Pseudophyllidea).

Os órgãos femininos compõem-se de: ovário, frequente- mente com dois lobos interligados medianamente; o oviduto origina-se no ovário e atinge o oótipo; em torno deste es- tão as glândulas de Mehlis (glândulas da casca); o útero tem origem no oótipo e pode exteriorizar-se num poro uterino (Pseudophyllidea) ou terminar em fundo-de-saco (Cyclophyllidea). As glândulas vitelogênicas podem situar- se abaixo do ovário, como nos Himenolepididae e Taenii- dae ou externamente aos testículos (ou em mistura com

Fig. 21.2 - Alguns tipos de escóleces de Cestoda. A) Cyclophyllidea - com quatro ventosas, rostro e acúleos (T. solium); 13) Tetraphyllidea - com quatro botrídias (Tetrarhyncha, parasito de peixes); C) Pseudophyllidea - com dois pseudobotrídias (Diphyllobothrium latum) (segundo Pessoa, 1977).

eles), como nos Pseudophyllidea. A vagina liga o poro genital feminino ao oviduto, antes formando o receptáculo seminal.

Nos cestódeos dotados de gonoporos, os ovos são produzidos, completam seu desenvolvimento e são elimina- dos para o meio exterior, regularmente; nos cestódeos des- providos de gonoporo, os ovos serão eliminados para o ex- terior com ruptura do proglote.

Pode ocorrer autofertilização da proglote, com espermato- zóides e óvulos produzidos pelos órgãos genitais do segmen- to; outras vezes pode ocorrer fertilização de um segmento por espermatozóides produzidos em outros segmentos do mesmo cestódeo ou fertilização entre cestódeos diferentes.

A forma do ovo é variável. Em Pseudophyllidea é ovói- de ou elíptico, com ou sem opérculo; em algumas espécies,

Fig. 21.3 - Morfologia de Cestoda: A) Hymenolepsis diminuta (parasito habitual do íleo de ratos) mostrando ventosas e um rudimento de rostro inerme (brgao apical) (J. Parasito1 59:667, 1973). 6 ) Uma proglote: a) cuticula; b) vaso excretor; c) testículos; d) canal eferente; e) canal deferente; f) bolsa do cirros; g) atrium genital; h) ovário; i) oótipo; j) glândulas vitelogênicas; k) vagina; I) útero.

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Fig. 21.4 - Tipos de larvas de Cestoda (Cyclophyllidea). A) Cisticerco: um escdlex, dentro de uma vesícula medindo cerca de 5mm, cheia de líquido; 0) cisticercoide: um escdlex, com vesícula pequena, medindo cerca de Imm; C) cenuro; vários escolices originados dentro de vesículas proligeras, presas B membrana prolígera, no interior de uma vesicula volumosa: 5cm de diametro.

o embrião é guarnecido por um embrióforo ciliado e é conhe- cido por "coracídio", o qual, após liberado, nada na água e é ingerido pelo hospedeiro intermediário, um crustáceo copépode, no interior do qual a larva se liberta do embrió- foro, migrando para a cavidade geral do crustáceo, onde se desenvolve, tornando-se larva "procercóide". O segundo hospedeiro intermediário, que pode ser um peixe, ingere o crustáceo; a larva "procercóide" é liberada no intestino do peixe e migra para os músculos, onde se desenvolve para larva "pleurocercóide" ou sparganum. O hospedeiro defini- tivo infecta-se pela ingestão de formas infectantes contidas em tecidos musculares de peixes, crus, mal cozidos ou mal passados.

Nos Cyclophyllidea, onde estão incluídas as espécies mais importantes para a Parasitologia humana, o ovo con- tém uma oncosfera armada com três pares de ganchos e o ciclo só tem continuidade quando o ovo é ingerido pelo hospedeiro intermediário, que pode ser um invertebrado ou um vertebrado. Nas espécies que tem como hospedeiro in- termediário um invertebrado, a oncosfera após se libertar do ovo atravessa a parede intestinal caindo na cavidade geral, onde se desenvolve para larva "cisticercóide". Excepcional- mente, em Rodentolepis (= Hymenolepis) nana pode ocor- rer formação de larvas cisticercóides nas vilosidades da pa- rede intestinal do homem, já parasitado por formas adultas, registrando-se, assim, auto-infecção.

Na família Taeniidae as larvas evoluem em vertebrados com a formação de vesículas com abundante líquido, as quais podem assumir quatro formas distintas: Cisticerco apresentando uma vesícula com líquido, no interior da qual se encontra um único escólice invaginado (Taenia solium e Taenia saginata); Estrobilocerco que consiste em um escólice seguido de um falso estróbilo com uma pequena vesícula na extremidade (Taenia taeniformis); Cenuro, que é uma grande vesícula de paredes finas e abundante líqui- do (líquido hidático) com numerosos pequenos escólices invaginados presos (internamente) a membrana germinativa da larva (Multiceps multiceps), e Cisto hidático ou hidátide, que é uma grande vesícula de paredes firmes e abundante líquido (líquido hidático) com numerosos pequenos escólices e presos a parede interna (membrana germinativa), juntamente com vesículas-filhas, as quais também contêm líquido e escólices invaginados presos às suas membranas.

germinativas (Echinococcus granulosus). Em todos estes casos, a infecção do hospedeiro definitivo, que é um verte- brado, ocorre por ingestão de formas larvares contidas em tecidos crus ou mal passados (Fig. 2 1.4).

FILO NEMATODA Dentro deste grupo são encontrados representantes com

os mais diversos tipos de vida e hábitat, desde espécies saprófitas de vida livre aquáticas ou terrestres até parasitos de vegetais e todos os invertebrados e vertebrados. Os avanços recentes em sistemática molecular já permitem agrupar grande parte dos nematóides em duas classes: Adenophorea (com as ordens Chromadorida, Dorylaimida, Enoplida, Mermethida, Mononchida, Monhysterida, Trichocephalida e Triplonchida) e Secernentea (incluindo as ordens Aphelenchida, Ascaridida, Diplogasterida, Oxyurida, Rhabditida, Rhigonematida, Spirurida, Strongylida e Tylenchida).

São vermes com simetria bilateral, três folhetos germina- tivos, sem segmentação verdadeira ou probóscide, cilíndri- cos, alongados, desprovidos de células em flama, cavidade geral sem revestimento epitelial, tamanho variável, de pou- cos milímetros a dezenas de centímetros, tubo digestivo completo, com abertura anal ou cloacal terminal ou próxima da extremidade posterior; sexos, em geral, separados (dióicos), sendo o macho menor que a Emea; corpo revesti- do por cutícula acelular, lisa ou com estriações. Essa cutícula pode apresentar diversas formações: espinhos, cordões, ex- pansões cefálicas, cervicais e caudais. Nos machos, a expan- são caudal pode formar a bolsa copuladora. Em alguns nema- tóides, na face ventral anterior do corpo abrem-se os poros ou células glandulares, constituindo a "faixa bacilar". O pseudoceloma é cheio de líquido celomático, responsável. pelo equilíbrio hidrostático, movimentos e envolve os órgãos nele contidos (tubo digestivo e órgãos genitais) (Fig. 2 1.5).

Não há sistema circulatório, ou sistema vascular. A oxi- hemoglobina contida no pseudoceloma, contendo substân- cias nutritivas e também resíduos metabólicos, é movimen- tada a custa das contraturas do corpo.

O sistema nervoso consta de um cérebro formado por gânglios nervosos interligados por fibras nervosas, formando um anel em tomo do esôfago, do qual partem nervos (gemimente seis) dirigindo-se para fiente e para trás. Aflomdo à superíicie

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do corpo aparecem papilas que funcionam como órgãos sen- soriais, situadas nas regiões anterior e posterior (Fig. 2 1.6).

A excreção é feita através do aparelho excretor, que é peculiar nos nernatóides. É desprovido de células em flama.

As gônadas em geral são tubulares, contínuas com os ductos reprodutores, ímpar (ou dupla) no macho, par (ou ímpar) na fZmea; O sistema genital masculino é diferencia- do em testículo, canal deferente, vesícula seminal e canal ejaculador, abrindo-se na cloaca. Além dos ductos genitais, eles podem apresentar estmturas acessórias: espículos, tu- b l o , télarno e bolsa copuladora. O aparelho genital femi- nino 6 constituído fundamentalmente de ovário, oviduto, htero, vagina e vulva, que podem variar em forma, disposi- ç b e número. Entre o útero e a vagina pode-se distinguir uma estrutura denominada ovojector, dotado de esfincter para regular a passagem dos ovos.

A reprodução e o processo de atingir os hospedeiros sb bastante diversificados nos nematóides. Em geral, são dióicos - sexos separados (Ancylostoma, Ascaris etc.), ma8 existem hermafioditas, como em rabditídeos, nos q u i s ocorre a protandria (a mesma gônada produz primeiro esper- matozóides e depois óvulos - singemia); a partogênese tamb6m 6 vista em Heterodera (nematóides terrestres) e Strongvloides (parasito humano).

Os espermatozóides fecundam os ovócitos em sua pas- sagem pelo útero, onde se completa a formação do ovo, en- volvidos por três membranas. Em alguns nematóides, como Ascaris e Ancylostoma, o embrião se desenvolve dentro do ovo no meio exterior; em Strongyloides, o embrião se desen- volve dentro do ovo ainda no útero da fêmea que elimina larvado. Em filariídeos como a Wucheteria, o ovo tem desen- volvimento semelhante, porém a casca é mole (bainha); em Dirofilaria, Onchocerca e Mansonella, a larva libera-se da casca do ovo ainda no útero da fêmea. Deste modo, as fê- meas podem ser ovíparas, ovovíparas ou vivíparas.

No desenvolvimento pós-embrionário, o nematóide pas- sa por cinco estádios e na passagem de um estádio para o outro ocorre uma troca de cutícula. O embrião que se forma dentro do ovo é a lama de primeiro estádio, ou L,, e para completar o ciclo pode fazê-lo direta ou indiretamente. No ciclo direto (monoxênico) não há necessidade de hospedeiro intermediário e no ciclo indireto (heteroxênico), há necessi- dade de hospedeiro intermediário.

Alcançado o estádio de larva infectante (geralmente o terceiro), para continuidade do desenvolvimento, há neces- sidade de infectar o hospedeiro definitivo; passivamente, quando a larva infectante dentro do ovo é ingerida pelo hos- pedeiro (Ascaris, Enterobius), ou ativamente, quando a larva

FIO. 21.5 - Morfologia básica dos Nematoda. 1 ) Extremidade anterior; a-b) papilas sensoriais; c) lábios; d) papilas labiais; e) Bnfides; f ) boca. 2) Seção Irsnsversal na regi& mediana do corpo: a) cuticula; b) hipoderma; c) cordão dorsal e nervo dorsal; d) músculos; e) nervo dorso-lateral; f ) ovário; g) intesti- no; h) conf6o lateral; nervo lateral e canal excretor; i) útero; j) oviduto; k) pseudoceloma. 3) Fbmea de um Nematoda: A) esõfago; B) vagina; C) útero; D) ovino; E) intestino; F) Bnus; G) cauda. 4) Extremidade posterior de um Strongylidea macho (bolsa copuladora): A) lobo basal; B) raio bursal. 5) Extremida- de posterior de um Ascaris macho: A) papila prb-cloacal; B) cloaca (abertura comum aos sistemas digestivos e genital); C) papila ad-cloacal; D) esplculo; E ) cauda com papilas p6s-cloacais.

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infectante penetra na pele ou mucosa (Ancylostoma, Strongyloides).

Há também a possibilidade de a L, de um nematóide ser ingerida por um hospedeiro que não o definitivo e nele encistar, comportando-se este como hospedeiro paratênico.

Em Wuchereria, as larvas de primeiro estádio liberadas pelas fêmeas são conhecidas como microfilárias e podem ser encontradas no sangue circulante. Para a continuidade do ciclo há necessidade da interveniência de um hospedeiro invertebrado intermediário hematófago, o qual, ao se alimen- tar, ingere sangue com microfilárias. Estas, então, evoluem até se tomarem infectantes e se desenvolverão no hospe- deiro vertebrado quando o hospedeiro intermediário fizer novo repasto sanguíneo.

FILO ACANTOCEPHALA São helmintos endoparasitos, pseudocelomados, com

simetria bilateral, sem tubo digestivo e apresentando, na ex- tremidade anterior, uma probóscida armada de ganchos.

Apresentam corpo cilíndrico ou ligeiramente comprimi- do lateralmente. O tamanho é variável, acima de 1,5mm, sen- do a maioria das espécies em tomo de 25mm.

O corpo é dividido em "presoma" e "tronco". Presoma é composto da probóscida, pescoço, bainha ou receptácu- lo da probóscida e lemniscos. A bainha ou receptáculos e os lemniscos ficam situados dentro do tronco.

A probóscida varia em forma e tamanho; pode ser globulosa como em M?cracanthorhynchus ou alongada como em Moniliformis. E recoberta de ganchos de número, forma e tamanho variáveis (Fig. 2 1.7).

Fig. 21.6 - Extremidade anterior de Ancylostoma duodenale: A) abertura bucal; 6) dente; C) c8psula bucal; D) esdfago; E) papila cervical; F) intes- tino.

O tronco representa a maior parte do acantocéfalo. Suas paredes limitam o pseudoceloma, dentro do qual distinguem- se os sacos dos ligamentos e os órgãos genitais.

O sistema nervoso consiste num gânglio central que funciona como o cérebro, o qual pode ser visto na por- ção central posterior da bainha da probóscida, do qual partem nervos.

São dotados de órgãos dos sentidos: uma papila ante- rior e um par lateral na base da probóscida. Nos machos, as terminações nervosas têm, em suas extremidades, formações bulbosas na bolsa copuladora e no pênis.

Sistema excretor com protenefiídios ocorre somente nos Archiacanthocephala.

Os sexos são separados, sendo os espécimes machos menores que as fêmeas.

O aparelho genital masculino é constituído, em geral, por dois testículos, ductos eferentes, vesícula seminal, ducto espermático comum e cirro ou pênis. Como acessório, entre os testículos e a vesícula seminal, aparecem as glândulas prostáticas; no final do macho nota-se a bolsa copuladora, retrátil.

No aparelho genital feminino encontramos, de fora para dentro, o poro genital feminino, vagina e útero. Em continua- ção ao útero encontramos a campainha, que é uma peça aberta em sua porção anterior.

Para a reprodução, é necessário que ocorra a cópula. Os ovos eliminados pelo parasito vão para o solo ou para a água e só continuam a evolução após serem ingeridos pe- los hospedeiros intermediários onde, ao alcançarem o apa- relho digestivo, são liberadas as larvas acanthor; essas se transformam em acanthella e, depois, em cystacanth, que é a forma infectante. A infecção do hospedeiro definitivo ocor- re por ingestão do hospedeiro intermediário ou por inges- tão do hospedeiro paratênicos (peixes, cobras, rãs, lagartos, aves etc.).

Os acantocéfalos são agrupados em três ordens: Archiacanthocephala, Palaeacanthocephala e Eoacantho- cephala. Na primeira ordem encontramos espécies parasitas de aves terrestres e mamíferos, entre elas Monili-formis monilíformis e Macracanthorhynchus hirudinaceus, que têm sido encontradas parasitando também o homem.

ANNE LIDA Ao filo Annelida pertence um gmpo de animais mais

evoluídos do que os helmintos, porém distintos destes. Em geral, apresentam corpo alongado, cilíndrico ou achatado dorsoventralmente, segmentado e com simetria bilateral. As espécies desse filo ocorrem em águas doce ou salgada e em solos úmidos, ricos em húmus. Em seguida, descreveremos as três classes importantes:

1) Polichaeta - segmentação nítida, com cabeça apre- sentando cerdas implantadas em parapódios, frequentes nas praias marinhas;

2) Oligochaeta - são as minhocas, segmentadas, sem cabeça e sem parapódios, frequentes em solos úmidos;

3) Himdinea - sanguessugas, com segmentação in- conspícua, sem parapódios ou cerdas, mas com duas ven- tosas, uma anterior e outra posterior. Vivem em água doce,

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Fig. 21.7 - Acanthocephala: A) Macracanthorynchus hirudinaceus: a) probóscida; b) colo ou pescoço; c) tronco com falsa segmentação; 6) macho: a) probbscida com ganchos; b) colo ou pescoço; c) tronco; d) bainha ou receptáculo da probóscida; e) lemnisco; f ) gânglio nervoso (cbrebro); g) saco dos ligamentos; h) gl6ndulas prostáticas; i) bolsa copuladora; j) testículo.

TPkla 21.1 r, Quodro SMptko L Alguns iieimintor pur Paraskn S«# Humanos i

Filo Classe Família Gênero Espbcies

S. mansoni Trematoda [ ~ c h i s t o s o m a S. japonicum

S. haematobium Fasciolidae [ ~ a s c i o l a F. hepatica

Platyhelminthes

L Cestoda r Taeniidae

Taenia T solium T saginata

L ~ c h i n o c o c c u s E. granulosus

L Hymenolepididae [ ~ y m e n o l e p i s H. nana H. diminuta

r Ascaris A. lumbricoides Ascarididae I Toxocara T canis

Oxyuridae [Enterobius E. vermicularis Strongyloididae [Strongyloides S. stercoralis

r Ancylostoma A. duodenale Secernentea Necator A. braziliense

N. americanus Trichuridae E Trichuris T trichiura

Wuchereria W bancrofti Onchocercidae Onchocerca o. volvulus

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salgada ou terra. Algumas espécies são ectoparasitos tem- vocando um prurido doloroso. Outras espécies têm impor- porários de répteis, anfíbios, peixes e, eventualmente, do ho- tância, pois são predadores de larvas de mosquitos, carecen- mem. Nesse hospedeiro se aderem firmemente aos pés e as do, entretanto, de maiores estudos para verificação de seu pernas (ou mesmo corpo) que estavam dentro d'água, pro- possível emprego em controle biológico.

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