as siglas do absurdo
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AS SIGLAS DO ABSURDO
Apauliceia nebulosa garoava das sorrateiras nuvens que brincavam de esconde--esconde entre os arranha--céus. Seus para-raios beijavam relâmpagos des-bocados, sempre fofocan-do os segredos da próxima tempestade por ruidosos trovões apaixonados. Cru-zei a EACH já sentindo os
primeiros pingos e, ao me aproximar da cancela, apa-guei o THC na sola do tênis. Corri para estação USP--Leste da CPTM e deixei dolorosos R$3,50 num VT. Dois adolescentes driblavam os bancos de plástico, no boné de um deles estava escrito R10 e na brilhante ca-miseta do outro, que gingava como o R9, lia-se CR7. Só tirei os olhos daquela peleja quando senti o celular vibrar, era um e-mail: “ps. a url do rss está out com ctz. omg! arruma asap e me manda msg de sms pq o wi-� tá zoado. lol. tks.” Senti que o dia seria mais longo que a BR-101 e escorregadio como um KY.
Me acomodei em um banco solitário, os olhos começaram a pesar com o ninar do balanço do trem, mas uma discussão entre duas garotas me arrancou do sonho num susto: quase sofro um AVC! Uma era fã do MGMT e outra do INXS e não haveria, portanto, nenhuma possibilidade de acordo diplomático sobre a melhor banda do mundo. Era como se PSDB e PT es-tivessem trancados num vagão abafado e não houves-se sequer aquele negócio transgênico chamado PMDB como (in)�el da balança. Duas estações e muitos per-digotos depois, as moças se acalmaram e até tiraram uma sel�e juntas, posicionando as mãos num lindo S2. O que foi su�ciente para iniciar outra discussão: postar no Insta, no FB ou nos dois? Saltei do trem a
tempo de escapar dos novos gritos e tomei o rumo do metrô. “Jovem cidadão Rubens, por favor, comparecer a SSO”, dizia placidamente a voz nas caixas de som en-quanto eu aguardava na plataforma. “Jovem cidadão Rubens, na verdade, comparecer na SFO”, corrigiu na sequência. “Jovem cidadão Rubens, seu OT e seu SGO o aguardam na CCO”, repetiu, por �m, já impaciente.
Como meu nome não é Rubens, como os trovões haviam cochichado e como não há amor em SP, a chuva foi abundando à medida que me aproximava de meu destino. Deixei a estação correndo e abriguei--me debaixo da marquise do MASP, onde acontecia uma assembleia do MPL. Logo em frente, impassíveis debaixo do toró que tocava sinfonias ao rebentar no asfalto, nos telhados e cabelos, o MTST marchava ombreando-se ao Apeoesp, a�nal alguém precisa le-vantar-se contra os desmandos dessa SEE e suas CEE e FDE. De repente, o mundo parecia um lugar melhor, e, apesar do enevoado dia lá fora, dentro de mim uma esperança ensolarou-se. Aproveitei para responder o tal e-mail: “vdd msm, pqp! brinks, fyi, o link tá certo, �kdik, então vsf, pfv. �w!”.
Sem sinal de trégua no céu, cutuquei um morador de rua e perguntei se ele poderia alugar o jornal que o cobria. R$3 e trato feito. As manchetes eram revelado-ras: “FMI critica OMS por incentivar quebra de paten-tes de remédios contra o HIV”; “Ipea não entende cál-culo do PIB e aponta para dé�cit histórico”; “Febraban questiona métodos da Bovespa”; “Alca apoia volta da CPMF”; “BBB terá participante LGBT”; “BID pede es-clarecimentos sobre BRICS”; “URSS e EUA passeiam de mãos dadas em Wall Street”; “IGP sobe à estratos-fera e Incra culpa MST”; “BB quer U�r baseada em Bitcoin”; “Oposição lança projeto para uni�car RG, CPF e NIS”; “BBQ vegetariano vira febre em POA”; “TCU investiga contas do STF”; “SEO da OTAN ven-
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P O R J U N I O R B E L L É I L U S T R A Ç Ã O W A LT E R V A S C O N C E L O S
PSC, ESTA É UMA CRÔNICA BASEADA EM UM MUNDO DE MUITAS SIGLAS E POUCOS SIGNIFICADOS. LEIA ASAP