contos do absurdo 07

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Edição 7 - Julho 2014 Uma coleção especial de terror e fantasia com os melhores autores brasileiros. Histórias em Quadrinhos, Contos Ilustrados e entrevista com a Fraulein Scarlett - Trabalhos de Edgar Franco, Alex Genaro, Igor Santos, Andre Martuscelli do Amaral, Daniel Lucavis, Marcio Jung, George dos Santos Pacheco, Raphael Vidigal, Alexadre Winck, Daniel Vardi, Giorgio Galli, Lauro WInck, Luciano Oliveira, Ronilson Caetano Leal, David Santos, Nena Medeiros, Johanna Gyarfas, Gabriel Sossai, Carlos Henry, Wellington Ichirou e Gilberto Queiroz

TRANSCRIPT

índiceCapa André Martuscelli do Amaral

Copa dos Infernos....................................................Pág. 04

Roteiro: Alexandre Winck - Arte: Daniel Vardi

Teatro de Sombras......................................................Pág. 13Roteiro : Alexandre Winck - Arte: Igor Santos

Estilhaços.......................................................................Pág. 22

Conto de George dos Santos Pacheco - Ilustrações: Gilberto Queiroz

Djinn .- Primeira Parte.............................................Pág. 37

Conto de Márcio Jung adaptado por Alexandre Winck -

Arte: André Martuscelli do Amaral

Licantropia - Segunda Parte - Necromancer......Pág. 43

Roteiro e arte: Luciano Oliveira - Arte-final: Simião

Scarllet Sokolova (entrevista) ...................................Pág. 50

Texto: Alexandre Winck - Fotos: Moonshadow Fotografia

A Morte do Menino que Não Dormia....................Pág. 56

Conto de Raphael Vidigal - Ilustrações: Wellington ichirou

Somnium, O Destruidor de Sonhos - Parte 3........Pág. 65

Conto de André Roméro adaptado por Alexandre Winck -

Arte: Ronílson Caetano Leal - Arte-final e capa: David Santos

Rito de Passagem............................................................Pág. 71 Conto de Alexandre Winck - Ilustrações: Lauro Winck

A Vingança das Sereias................................................Pág. 78Conto de Nena Medeiros - Ilustrações: Johanna Gyarfas

Royalties............................................................................Pág. 85

Roteiro: Alexandre Winck - Arte: Gabriel Sossai

Anjo Industrial - A Origem - Parte 4........................Pág. 91Roteiro: Alexandre Winck - Arte: Daniel Lucávis

Pin Ups

Rato Mutante - Carlos Henry...........................................................Pág. 36

Súcubo - Luciano Oliveira...........................................................................Pág. 55

Salomão Ventura - Giorgio Galli........................................................Pág. 64

Minotauro - Alex Genaro......................................................................Pág. 77

Lúcifer - Texto e arte : Edgar Franco ...........................................Pág. 84

Edição 07

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Edição 07 C urioso que futebol e o gênero terror se misturem tão pouco na ficção brasileira.

Os dois têm tudo a ver. O torcedor fica tenso durante cerca de 90 minutos, leva vários sustos, vê o joga-dor adversário como um mons-tro, principalmente quando dá um carrinho no artilheiro do seu time, o juiz é um cientista maluco que brinca de Deus e dita as leis do gramado a seu bel prazer. É um fil-me de terror e suspense perfeito.

A Copa do Mundo é um épico de terror, com nações inteiras sendo colocadas à prova, como se o destino de seus povos dependesse do resultado dos jogos. Para o brasileiro, sem dúvida a última Copa proporcionou um espe-táculo de horrores inimagináveis.

O torcedor fanático e o fã de terror também têm muito em comum. Enquanto o torcedor sabe de cor escalações do seu time do coração, tem ca-misetas pôsteres e diversas outras tranqueiras do time em casa, vai a estádio torcer. quem é apaixonado por um monstro clássico sabe de cor quem participou dos filmes, seriados, quadrinhos, etc., também enche a casa de camisetas, pôsteres e outros cacarecos e vai a convenções de terror e sci-fi. Só que no Brasil se costuma dizer que o primeiro é um torcedor apaixonado e o segundo, um nerd maluco.

O Brasil é o pais do futebol - ou costumava ser -, e também o pais do ter-ror. O terror da violência, da injustiça social, da miséria, da corrupção, da impunidade. Pelo menos o terror da fantasia nos dá a possibilida-de de uma catarse para os terrores cotidianos, de experimentá-los num mundo controlado por nossa imaginação. E, talvez, nos darmos conta de que eles não são invencíveis e nos sentirmos mais à vontade para encará-los.

Alexandre Winck - Editor do [email protected]

FUT EBOL & T ERROR

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COPA DOS

INFERNOS

No meu tempo mal e mal

tinha um cara vendendo espetinho

em estádio!

Dizem que na sala VIP tem tudo que um homem

precisa. Poltrona, amendoim, cerveja...e muito mais!!!

CARACA!!!Pô, esse estádio ficou

da hora mesmo! Custou uma fortuna e atrasou pra cacete, mas valeu a pena!

EBA! Uma taça

com 7 bolas de chocolate!!

Agora sim aprendi a gostar defutebol...

Nossa, tudo coberto! Pode cair um temporal de

fim de tarde que nãodá nada!

Texto ALEXANDRE WINCK

Arte DANIEL VARDI

COPA DOS

INFERNOS

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Bem amigos da rede Gold Devil!

Ué, tem locutor no estádio agora?

Essa voz parece familiar...

Mas que pôrra é essa?! Cadê a Seleção, caralho?!

Eu não paguei ingresso caro pra caralho pra ver...

Esse é um jogo que promete muito! Teste pra cardíaco,

hipertenso e cagões em geral!

Nesse momento, entra em campo o time dos doentes que não conseguiram leito

nos hospitais públicos!

QU’SSO!!!

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Amélia Gouveia

DEFESA

MEIO CAMPO LATERAL

ATAQUE

TiagoLima

Washington da Silva

ArquimedesHeveraldo

Sofre de leucemia. Está há dois anos na fila pra transplante de medula e já foi Passado duas vezes pra trás por pacientes com grana

que pagaram propina...

Sofre de diabetes ehipertensão. Precisa

de um montede remédios que

estão em falta nasfarmácias do SUS...

pegou HIV de uma agulha contaminada durantetransfusão de sangue.

Agora há um mês não consegue receber o coquetel antiviral...

Este tem Alzheimer avançado e precisa de atenção 24 horas. A família não tem condição de cuidar dele, mas

não consegue vaga em asilo...

Agora, é hora de conhecer

os adversários do Brasil!

Agora, vamos conhecer a escalação do escrete

canarinho anêmico!

6

Mas que lambança, amigo! O Brasil está levando

um no começo do jogo???Nunca vi nada igual em 100 anos de seleção!!!

Olha isso! O jogo tá tão fácil queo adversário faz

firula!

Ogro, o galã da equipe...

Ciclope, com sua inigualável visãode jogo...

Troll, muito simpático e queridopelos companheiros...

... E Orc. Esse é matador!

7

Bom, tem um na ponta da espada, se isso serve de consolo...

Isso é partida de Copa do Mundo,meu amigo! Tem que colocar ocoração na ponta da chuteira!

Ele errou o golpe e o técnico não

gostou!

Preparem o animal para entrar em campo!

SUBSTUIÇÃO!!! E o Ogro não gostou nada!!!

ARGHHH! VAI SE FUDER, TÉCNICO CHIFRUDO DO CARALHO!!!!

OLHA O TAMANHO DA ENCRENCA!!! 8

É isso, amigos! O Brasil jogou com garra, com vontade, mas

hoje não era o seu dia!

O adversário acaba de gastar suas substituições! Agora eu

quero ver!

Mas o Brasil não está entregue ainda! O jogo só acaba

quando ojuiz apita!

Os adversários, mesmo sem um olho, estão jogando melhor que

os brasileiros!!!

Teve até jogada nova chamada

“mordidinha no ombro!!!!

9

AAAHHHHHHH!!!

Os torcedores que pagaram uma grana pelos ingressos vão sair com o uniforme manchado...de sangue!!!

eh! eh! eh!

Aproveitem bem...

92:0

0

... Pois já estamos nos acréscimos!

Não é porque nossos bravos

operários morreram nas

obras queeles deixaram de servir o público!

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Todos podem aproveitar as maravilhosas instalações e serviços dessa majestoso

estádio reformado!

Mas nem tudo é derrota!

..mas parece que o Krake

n

midiático não concorda

muito com isso!!!

..não vai sobrar pedra sobre pedra!!!

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FIM

Bom, pode não ser um hospital ou uma escola...

... mas não custou um tostão pro contriBuinte e

ficou pronto rapidinho!

FELIPÃOFRED

NEYMAR

HULK

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Hhhhmgh... Hhhhhhmghh...

NNNNGH!!!

KREEEEKK!!!!

teatro de sombras roteiro: alexandre winck arte: Igor Santos

13

Além do trauma emocional, ela estáum pouco desidratada,

mas vai serecuperar.

Graças a Deus, chegamos antes que o filho da puta

estuprasse a coitada.

De jeito nenhum íamos resolver

esse caso sem a tua ajuda, Sheide..

Como fez isso? Um interrogatório

de cinco minutos e você sabia que

era ele.

Conheço bem o tipo. Já vi muito.

Sei que eu sou polícia,

vejo cada merda todo dia...

Mas tem coisas que não dá praexplicar.

Descartamos o Telles logo no início da investigação.

O cara tinha uma das fundações assistenciais

mais respeitadas do Brasil.

Nem era esquema pra sonegar imposto.

Como um sujeito desses é pedófilo e maníaco homicida?

Isso, meu caro delegado...

... Não é nem a ponta do iceberg.

Quinze anos atrás.

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Acorda, Lúcio! Acorda!

Hmmm... Já vai, já vai...

Fala baixo! Mamãe e papai

já foram dormir!

Uããã... Beleza!

Teatrinho de sombrasera nossa diversão favorita e secreta.

O Lúcio adorava, e eu era muito bom nisso.

Eu aprendia todas. Pesquisava na internet.

Procurava as mais complicadas.

Engraçado é que eu mesmo quase não olhava pra elas.

Curtia era ver a cara de embasbacado do

meu irmão.

Mas uma noite fiz uma muito difícil e

não resisti.

Quinze anos atrás.

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Até uns dois anos atrás, eu não dormia direito.

Só agora entendo o porquê.

Não sei que sombra é essa.

Não a criei.

Mas ela me revela a verdade.

Desde pequeno, eu ouvia uivos de fantasmas embaixo

da cama.

Era meu irmão que os fazia escondido.

E voltava rapidi- nho pra cama dele

quando papai e mamãe vinham.

SEU FILHO DA PUTA!! SEU ESCRO-

TO DA PÔRRA!!! EU MIJAVA NA CAMA POR TUA

CULPA!!!

Ai, ai, ai! dO QUE CÊ TÁ FALANDO,

PÔRRA?!

tÔ FALANDO DAQUILO AL...

Que gritaria é essa aí no quar-

to?!

Foi só então que eu me toquei. Eu vi mesmo? Ou foi só

imaginação?

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EU MIJAVA NA CAMA POR TUA

CULPA!!!

Mas não. As visões ficaram cada vez mais frequentes. Parece a cena perfeita de co-

mercial de margarina, né?

Não pros meus olhos.

Meu pai tirou dinheirodemais da empresa. Vai botar fogo no prédioe dar golpe no seguro.

Mamãe não sentemais nada por ele e tá de caso com o chefe e um colega.

Nosso pastor Eurípedes defende apaixonadamente a cura gay e abstinência sexual como única prevenção contra as DSTs.

Ele estupra meninos. Diz pra eles que a dor da penetração purifica o corpo.

Dona Carlota completa a

aposentadoria vendendo cocaína

e ecstasy.

Já mandou matar clientes que não pagaram.

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Chega!! Não quero olhar!!

Me deixem em paz!!

Não aguento mais isso. Não quero ver ninguém. Nunca mais.

Estou literalmen-te com medo da própria sombra.

E se descobrir uma coisa horrível sobre mim mesmo? Algo que nem eu sabia?

Tem mal e hipocrisiademais no mundo. Podridão demais.Ou sou eu que tô

pirando.

Às vezes, parece que ando o dia intei-

ro na escuridão.

Tudo preto? Meus olhos já não deviam estar acostumados com a escuridão?

Sim, o mundo está cheio de

trevas, Sheide. É por isso que pes-soas como você são necessárias.

Mas que pôrra...

Que-quem tá aí? Quem falou isso?18

Você não está louco. O que você tem é um dom. Um talento muito raro.

O dom de enxergar as trevas ocultas do ser humano. Aquelas que

ele esconde dos outros, ou até de si mesmo.

Dom?!? Você chama de dom ter quever todas essas coisas horríveis?

Ouvir uma vozque vem de lugar nenhum?!

A luz e as trevas não só fótons ematéria escura. São forças vivas eautoconscientes. Só não da formacomo os seres humanos costumam

perceber isso.

Vocês não têm consciência disso,mas sentem. Sua mitologia estárepleta de personificações da

luz e das trevas.

Deus e o diabo. Anjos e demônios. Heróis e vilões.

São a força bipolar que define o universo e precisa

de equilíbrio.

Você é um leitor de som-bras. Um agente da luz.

Não quero ser agente de nada. Não quero esse talento horrível.

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“Lamento, garoto. Ter o dom não é uma escolha.”

“Somente o que você decide fazer com ele.”

Assim, tornei-me um dos mais renomados especialistas mun-diais em psicologia forense.

Meus resulta-dos falam

por si, mas meus métodos geramdesconfiança

entre policiais. Precisou mes-mo trocar essa lâmpada? Achei que a iluminação estivesse boa.

Técnica de interrogató-rio. Antiga, mas funciona. “Quando interro-

ga, sabe de cara quem é culpado.

E ainda acha provas ocultas

do nada!”

“Não se iluda com o diploma. O cara é puro instinto.”

Só digo que observo detalhes: gestosinvoluntários,

linguagem corporal,inflexão da voz,

expressões faciais.É uma meia-verdade.

Como esse doido consegue?”

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Já meus relacionamentos são um desastre.

Perdi a conta de quantos namoros

terminaram antes do primeiro encontro.

Pelo menos as mu-lheres dizem que sempre adivinho as fantasias delas e olho muito nos

olhos.

Pelo menos algu-mas sabem mentir

com eles.

É uma vida difí-cil, mas tem seu

lado bom.

Aprendi a amar os dias nublados.

Boa parte dosparentes e amigos com quem aindafalo são os que moram longe e sócontato por inter-net e celular.

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ESTILHAÇOSconto de george dos santos pacheco

ilustrações: gilberto queiroz

07 de outubro de 1976

A casa estava abandonada havia alguns meses. A grama do jar-dim ia alta, e resvalaria nas canelas de quem ousasse cami-nhar sobre ela. Ninguém o faria. Toda a casa estava imunda,

havia lixo, ratos e insetos que se alimentam de todo o tipo de porca-ria, talvez atraídos pelo odor decarniça que empesteava o ambiente. As paredes de um dos quar-tos ainda apresentavam marcas de sangue. As folhas das árvores se acumulavam no interior ao entrar pelas janelas abertas. Por fora, o reboco caía e deixava mais feio ainda aquilo que um dia foi lar de alguém. Não era, demaneira alguma, um lugar agradável...

A essência do que havia acontecido ali estava impregnada em tudo. As pessoas evitavam olhar para o local, sobretudo à noite. As mães que porventura passassem ali com seus filhos atravessavam a rua para o lado oposto. E não era para menos: aquela era a casa do mal-dito Jonas Barboza. Um homem de cerca de trinta anos, sozinho, não tinha família, nem filhos. Não era uma pessoa bonita. Seus dentes eram bastante tortos, as sobrancelhas grossas e suas orelhas possuí-am um tamanho desproporcional ao de sua cabeça. Seus olhos eram tristonhos... Não eramuito sociável, mas adorava crianças, sendo comum vê-lo dando balas para os pequeninos que por ali passavam.

Não se sabia com o que trabalhava, mas saía lá pelas dez da manhã e só voltava às quatro da tarde, como muitos que trabalhavam no centro da cidade. A vila de Santa Margarida era a mais tranquila da-quela cercania, de casas distantes umas das outras. Contudo, as coi-sas começaram a mudar por ali. Mulheres estavam desaparecendo, misteriosamente, e isso logo se tornou assunto de telejornal. Cartazes foram colocados nos postes, alguns ofereciam até recompensas, mas foram ineficazes. Não havia pista alguma do paradeiro das mulhe-res...

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Lembranças, sonhos... tudo

destruído, esti-lhaçado por Jo-nas, o maldito!

Os próprios moradores, na au-sência da força policial, começa-ram a procurar as mulheres, ar-mados de espingardas, pela mata da região. Os corpos foram sendo encontrados, na medida em que mais mulheres desapareciam. Ti-nham marcas de tortura e, em to-dos os casos, notava-se o detalhe nefasto da ausência de seus olhos. Era terrivelmente macabro. Bus-cavam um culpado, um motivo, alguém para condenar...

Certo dia, Jonas voltou para casa mais tarde do que de costume, umas seis horas da tarde. Uma multidão o esperava do lado de fora, na entrada de sua casa, com pedaços de madeira nas mãos, insultando-o. “Mons-tro!”, “Assassino!”, gri-tavam. Pouco antes, alguns haviam entra-do em sua casa e descoberto o corpo de uma mulher, recém-as-sassinada. O povo estava ensan-decido. A morte seria pouco para um monstro como Jonas Barbo-za...Tentou fugir, mas não o dei-xaram. Seguraram-no e amarra-ram suas mãos e pés, levando-o para o interior da casa.

Jurava inocência o tempo todo e esta foi uma das poucas vezes em que se ouviu sua voz. Derruba-ram-no ao chão e lhe amarraram um saco de pano na cabeça, o nó comprimia violentamente sua garganta. Ele se debatia, sufocan-

do, implorava clemência, mas o povo não o escutou. Ele precisava pagar pelos seus atos e ia pagar ali mesmo; não havia a necessi-dade de polícia ou juiz. Eles mes-mos julgariam. Homens e mu-lheres o lincharam com vergas de madeira. Ele não teve chance alguma. Rapidamente, seus gri-tos cessaram, mas foi bem depois que pararam de bater. A polícia chegou ao local, mas já era tarde. A multidão enfurecida havia ma-tado o maldito Jonas Barboza...

E era disso tudo que Miguel recor-dava ao observar a casa, pelo outro lado da rua. O dia em que sua esposa foi cruelmente assassinada, como gado para abate. Cachaça era muito pou-co para esquecer. Todos os dias seus fantasmas o visitavam, lembranças que ele jamais gostaria

de ter; desejava esquecer, mas era impossível. Uma criança sempre vinha lançar os braços em volta de seu pescoço, chamando-lhe por pai. Eles não tiveram tempo de ter filhos, estavam casados re-centemente, mas ele cria com to-das as suas forças que a mulher estava grávida. Esta lhe prepara-va a comida e depois vinha lhe recepcionar, com um carinho que ele não conhecia. Lembranças, sonhos... tudo destruído, estilha-çado por Jonas, o maldito!

As lágrimas minavam com for-ça, por mais que tentasse contê-

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las, não conseguia. Nãohavia participa-do do linchamento e a vontade de fazer justiça ainda pulsava em suas veias. Saiu dali e foi até em casa buscar um machado, com o qual pretendia destruir toda lem-brança do que houve ali, não restaria pedra sobre pe-dra.

Assim como o arcanjo, expulsaria aquele demônio dali!

Caminhou passos precisos e deci-didos em direção à casa do mons-tro. Ninguém o viu, já passava das dez, e gente de bem a essa hora já tinha se recolhido. A grama bei-java-lhe as pernas de uma forma quase libidinosa e a marca de seus pés, e do machado, que arrastava, deixaram um rastro estranho no mato, cujas folhas pareciam de-dos buscando agarrá-los... Parou ofegante em frente à porta da casa, com os olhos embotados, que ele tentava limpar, sem sucesso, com ascostas da mão.

– Desgraçado! – gri-tou ao golpear violen-tamente o machado na porta. Foi necessário um segundo golpe para

que ela se abrisse ao meio, entretanto, revelando as trevas em que seu interior estava imerso, con-tra as quais a lua cheia ousava lutar. O vento frio e forte agredia apele de Miguel e es-palhava as folhas

secas depositadas no interior da casa. Diminutas contas verme-lhas brilhavam na penumbra, os roedores lhe faziam companhia.

Algumas pedras eram atiradas na casa em forma de protesto, e os cacos de vidro estalavam sob seus pés enquanto caminhava. O chei-ro nauseabundo impregnou-lhe as narinas e ele sentiu necessi-dade de cuspir, como reação pela fedentina.

– Seu merda! – esbravejou ao dar uma machadada na parede, soluçando de chorar.

– Foi muito ho-mem pra fazer o que fez e onde está você agora? No Inferno! É lá que você está, seu maldito! Pois ago-ra eu vou destruir tudo isso aqui e será como se nun-ca tivesse existido!

Assim como o arcanjo,

expulsaria aquele

demônio dali!

“Foi muito homem pra fazer o que

fez e onde está você agora?

No inferno!”

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O sangue de outro inocente fora derramado naquela noite, como meses atrás. Cordeiros.

Mas Jonas havia sido invocado, e retornou.

Você e essa casa nojenta... Se qui-ser, venha aqui e me impeça, seu filho da puta! – concluiu, apli-cando outro golpe, dessa vez em uma das janelas, ou o que restara dela.

Ergueu o machado outra vez, mas foi derrubado ao chão com uma forte pancada nas costas. A ferra-menta caiu também e escorregou pelo solo, parando em um canto da sala. Levantou-se com muito esforço, gemendo de dor. Mesmo à meia luz, p^ôde ver a silhueta de um homem, que se aproximava lentamente dele. Uma nesga de luar iluminou seu rosto, coberto por um saco de pano, manchado numa cor parecida com borra decafé. Seus olhos brilhavam brasis como duas fornalhas, e o tecido, rasgado em parte, deixava à mos-tra alguns vermes que devoravam sofregamente sua face.

- Cristo, senhor... Não! – gritou Miguel, tentando afastar-se, mas levou outro golpe. Escorou-se na parede e olhou na direção do ma-chado, ele não estava mais lá. Le-vantou-se com dificuldade e foi o mais rápido que podia caminhar em direção da saída, mas a cria-

tura apareceu em frente à porta com o machado nas mãos.

Tornou-se um sentimento cada vez mais sombrio, que apesar de fazer oposição ao amor, rivalizava com este em obsessão. Maria do Car-mo jurou não ser sua jamais, e o homem passou a persegui-la, à es-preitá-la, buscando o melhor mo-mento para estar perto dela, sentir seu cheiro, encarar aqueles gran-des olhos de profundo verde.

O dia finalmente chegara. Do Car-mo cuidava da horta, como todos os dias, entretanto, hoje não havia ninguém em sua casa, que dista-va cerca de 40 metros de onde ela estava, uma plantação de quiabos, em que desaparecia de tempos em tempos em meio as folhagens. As-sustou-se quando percebeu Armê-nio, já bem próximo.

– Ai meu Deus, que susto! O que faz aqui? - perguntou, pousando a mão sobre o peito.

– Eu disse que te amava... - respon-deu-lhe com um sorriso macabro, dando-lhe um violento soco na boca, derrubando-a ao chão com a força do golpe.

– Pelo amor de Deus, o que você vai

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Tornou-se um sentimento cada vez mais sombrio, que apesar de fazer oposição ao amor, rivalizava com este em obsessão. Maria do Car-mo jurou não ser sua jamais, e o homem passou a persegui-la, à es-preitá-la, buscando o melhor mo-mento para estar perto dela, sentir seu cheiro, encarar aqueles gran-des olhos de profundo verde.

O dia finalmente chegara. Do Car-mo cuidava da horta, como todos os dias, entretanto, hoje não havia ninguém em sua casa, que dista-va cerca de 40 metros de onde ela estava, uma plantação de quiabos, em que desaparecia de tempos em tempos em meio as folhagens. As-sustou-se quando percebeu Armê-nio, já bem próximo.

– Ai meu Deus, que susto! O que faz aqui? - perguntou, pousando a mão sobre o peito.

– Eu disse que te amava... - respondeu-lhe com um sorriso macabro, dan-do-lhe um violento soco na boca, derrubando-a ao chão com a força do golpe.

– Pelo amor de Deus, o que você vai fazer? - perguntou com dificuldade, chorando e tentando afastar-se. O homem atirou-se sobre ela, rasgando seu vestido com facilidade. Mordia e beijava seus seios avidamente. Maria do Carmo tentou se desvencilhar, mas ele deu-lhe outro soco, retardando--a. Sacou seu membro intumescido e enfiou na mulher com a brutalidade de um animal, mesmo com os apelos da moça, que esperneava, tentando se proteger.

– Socorro! - gritou a mulher, e ele segurou fortemente em seu pescoço.

– Eu te amo... - murmurava ele, e ela tentava, em vão, arfar o ar. Armê-nio deleitava-se enquanto a mulher desfalecia, entrava em colapso. Sentia aquele corpo esguio tremer sob o seu, o suor pingava no rosto delicado que o encarava com terror, e ele sentia cada vez mais prazer. As conjuntivas da mulher foram migrando para um vermelho vivo, e os cantos de sua boca espumavam saliva e sangue, no exato momento em que o homem atingia o orgasmo, de forma animalesca e cruel.

fazer? - perguntou com dificulda-de, chorando e tentando afastar--se. O homem atirou-se sobre ela, rasgando seu vestido com facili-dade. Mordia e beijava seus seios avidamente. Maria do Carmo tentou se desvencilhar, mas ele deu-lhe outro soco, retardando-a. Sacou seu membro intumescido e enfiou na mulher com a brutali-dade de um animal, mesmo com os apelos da moça, que espernea-va, tentando se proteger.

– Socorro! - gritou a mulher, e ele segurou fortemente em seu pesco-ço.

– Eu te amo... - murmurava ele, e ela tentava, em vão, arfar o ar. Armênio deleitava-se enquanto a mulher desfalecia, entrava em co-lapso. Sentia aquele corpo esguio tremer sob o seu, o suor pingava no rosto delicado que o encarava

com terror, e ele sentia cada vez mais prazer. As conjuntivas da mulher foram migrando para um vermelho vivo, e os cantos de sua boca espu-mavam saliva e sangue, no exato momento em que o homem atingia o orgasmo, de forma animalesca e cruel.

Soltou-se dela, ainda ofegante, e sentou-se próximo. Observava-a ainda em espasmos, até ficar completamente imóvel. Profundas mar-cas roxas marcavam seu pescoço, assim como as feridas feitas por mordidas em seus seios, e a boca maltratada por socos, completa-mente ensanguentada. Seu prazer deu lugar ao desespero, precisava fugir dali, alguém poderia tê-lo visto, iam pegá-lo! Antes, porém, precisava de algo para ter de recordação da mulher que jurou não ser dele. Num impulso, puxou um pequeno canivete que os homens do interior costumavam carregar e aproximou-se de seu rosto. Desde o começo, foram seus olhos que lhe chamaram a atenção, foi por eles que Armênio se apaixonara. Puxou fortemente o olho com os dedos brutos e, tendo dificuldade em desprendê-lo, enfiou o canivete na órbita até retirá-lo completamente. Fez o mesmo com o outro, olhou para trás, e seguiu furtivamente por entre a plantação.

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Foi um de seus irmãos que encontrou o corpo da moça. Houve choro, ranger de dentes, uma angústia nunca experimentada pela família e pelos amigos. Não encontravam nenhum suspeito, não havia pistas suficientes, e as investigações eram muito difíceis, mas então outros corpos foram surgindo. Aquele animal gostou do que fizera e passou a espreitar todas as mulheres da cercania. Seguia o mesmo padrão: violência, sexo, os olhos como recordação.Quanto mais prazer, entretanto, maior seu desespero. A polícia não tardaria a encontrá-lo, ele precisava fazer algo. Fugir? Não, ele não desejava isso. Pensou em imputar a culpa em outra pessoa.

Um homem havia se mudado para ali há algum tempo, um sujeito feio, calado e de hábitos suspeitos. Seria perfeito. Começou a planejar como faria para que ele fosse sacrificado em seu lugar. Depois, tal-vez, fugiria. Mas somente depois.

Miguel, o filho mais velho do dono do ar-mazém, casara-se há menos de um ano com Guilhermina, uma mocinha formo-sa, de seios peque- nos e quadris largos. Seu rosto era de- lineado por grandes cílios, e algumas sardas, emoldurado por grandes cabe- los cor de caramelo. Ela era linda e Ar- mênio a desejava. E passou a procurar o melhor momento.

Descobriu todos os seus movimentos, quando saía de casa, por que, quanto tempo demorava em retornar. Almoçava com a mãe viúva quase todos os dias, enquanto Miguel trabalhava no mercado, mesmo com o perigo ao derredor. Voltava por volta das 14 horas. Naquele dia, Armênio ficou espiando à distância, no atalho que levava à casa da mulher. Ela caminhava tranquilamente, seus cabelos esvoaçavam ao vento, ela era linda.

Ele prendeu a respiração quando ela já estava bem próxima, mante-ve-se imóvel, tentando se confundir com a vegetação. Ela não o viu, e ele avançou com velocidade sobre ela, dando um murro em sua têm-pora esquerda, desmaiando-a. Não teria sido mais fácil.

Pôs o pequeno corpo sobre o ombro e o carregou até os fundos da propriedade de Jonas. Há dois dias havia conseguido entrar lá, o es-

“Aquele animal gostou do que

fizera e passou a espreitar todas as

mulheres.

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tranho deixava a casa totalmente aberta. Foi neste dia que ele des-cobriu, vasculhando os documentos de uma ga-veta, em uma carta de sua mãe, que o reitor do Seminário o havia con-vidado a se afastar por dois anos, a fim de des-cobrir se essa era real-mente sua vocação. Ele não teria tempo de saber se seus planos dessem certo. Entrou pelo lado oeste da casa, pela falha na cerca que ele mesmo tinha feito dois dias an-tes. Deitou a mulher no vermelhão e rasgou seu vestido. Ela permanecia desmaiada, mas o chão frio arrepiou seu corpo, seus mamilos enrijece-ram. Ele se aproximou mais e fungou, ela tinha um cheiro acre de suor que o excitou. Tirou seu membro da calça e o agi-tou com força, enquanto a observava. Guilhermina estava totalmente vulnerável, ele já poderia abusar dela, se quisesse, mas ele precisava do olhar apavorado, do medo, do choro desesperado. Como não pu-desse esperar mais, começou a dar-lhe tapas no rosto sardento, até que ela acordasse. Dor, medo, lágrimas. Ela o reconheceu, já o tinha visto por ali antes, apesar de nunca terem trocado uma só palavra. E entendeu o que estava acontecendo: era ele o assassino das mulheres de Santa Margarida, e ela seria a próxima! Chutou seu escroto, con-seguindo ganhar algum tempo enquanto ele se retorcia de dor.– Vagabundinha... – murmurou agachado. Ela corria com dificulda-de até a porta da cozinha, mas ele a alcançou, dando um forte soco em suas costas, derrubando-a. A mulher tossia com vigor, com gran-de dificuldade em respirar. Armênio a virou com o pé e a encarou,

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sorrindo de forma nefasta, enquanto sacudia sua genitália novamen-te.– Por favor... – disse ela com as lágrimas brotando de seus olhos, pro-curando se afastar, sem forças. O estuprador da Vila Santa Margarida debruçou-se sobre ela e a penetrou, ela chorava desesperadamente, seus olhos grandes de medo o excitavam mais ainda.. Guilhermina tateava algo por perto para acertar-lhe, mas não havia nada por per-to que pudesse servir.Cravava fortemente as unhas em seu dorso, ela sentia dor, medo e nojo.– Por favor, não... não faça isso... - balbuciou.– Fique quietinha, pois vai ser rápido... - murmurou em seu ouvido, e ela gritou por socorro, debatia-se mais tentando se salvar. O monstro alcançou sue pescoço com as mãos e a esganou, gargalhando e ou-vindo seus gemidos, enquanto a penetrava. Seus olhos saltavam dasórbitas à medida que lhe faltava o ar, ele ria com mais vigor, diver-tia-se. Ela esboçou uma reação, tentou esbofetear Armênio, mas suas forças esvaíam-se, seus braços desabaram ao chão, e então, seu corpo foi tomado pelo tremor, seu organismo estava entrando em colap-so, seu coração parando, seus órgãos falhando, seu olhar perdeu-se em qualquer lugar. Armênio, entretanto, permaneceu apertando sua garganta até que gozasse, e não restasse à mulher nenhum sopro de vida. Levantou-se, e com o pequeno canivete extraiu seus olhos e fu-giu.Caminhando furtivamente pela mata, seguiu até sua casa para guar-dar seus souvenires e por uma roupa limpa. Saiu de lá o mais breve que pode, seu rosto adquirira uma expressão deurgência, preocupa-ção. Enquanto caminhava, começou a gritar por ajuda, conseguindo chamara a atenção de uns poucos que por ali passavam, e outros que surgiam nas varandas das casas.– Pelo amor de Deus! Vocês precisam me ajudar! Ouvi gritos de mu-lher na direção da casa do tal Jonas! - gritava a plenos pulmões.Em pouquíssimo tempo uma multidão cercou a casa dos horrores, e a invadiu, armados de tacos de madeira. Encontraram Guilhermina morta, e agora tinha a prova, além de ódio e sede de justiça. Jo-nas chegou cerca de uma hora depois, deparando-se abismado com

O smonstro alcançaou seu pescoço com as mãos e a esganou, gargalhando, ouvindo seus gemidos enquanto a penetrava.

Seus olhos saltavam das órbitas à medida que lhe faltava o ar.

aquela confusão. Armênio tomou a frente de todos.– Seu desgraçado! - gritou ao esbofetear-lhe. Ele sabia que bas-tasse que alguém começasse o massacre para que todos os se-guissem. Então outros homens se juntarem a ele, e levaram o semi-narista para dentro da casa.– Meu Deus! O que está aconte-cendo? - perguntou ao ser carre-gado à força.– Não diga o santo nome de Deus em vão, seu demônio! - esbrave-jou uma das poucas mulheres do grupo. Derrubaram-no ao chão e Armênio amarrou suas mãos e pés. Tirou um saco de pano do bolso, e com a ajuda de ou-tros homens, co-briu-lhe a cabeça, amarrando forte-mente em seu pes-coço, sufocando Jonas, que insistia em sua inocência. Os golpes começaram, cada vez mais fortes. A vítima gritava em vão, jurava, implorava, mas sua voz foi ficando abafada até sumir completamente.Armênio afastou-se à francesa, tinha sido muito melhor do que imaginara. Não havia mais nada a fazer ali, precisava agora pen-sar no que faria dali para frente. Foi muita gentileza do aprendiz de padre ter assumido a culpa em seu lugar, mas agora precisava voltar para casa, para a compa-

nhia de suas mulheres...

08 de outubro de 1976

Armênio acordou suado e ofe-gante. Teria sido um sonho? Não, ele tinha sim, ouvido um grito medonho ecoar na madrugada. Não podia mais abreviar sua par-tida, fazia meses que tudo aquilo tinha acontecido, mas sentia-se cada vez mais ameaçado, vigiado, apesar da necessidade de mais mulheres. Ele não podia parar, precisava sentir novamente o de-sesperodaquelas faces delicadas. Mas

acreditava estar na iminência de ser encontrado, dia e noite aqueles olhos conservados em cachaça o acu-savam pela trans-parência dos vasi-lhames de vidro.O melhor a fazer

era fugir agora, na calada da noite.Estava arrumando uma pequena mala, não tinha muito que levar, quando a lâmpada incandescente piscou três vezes antes de apagar completamente. Ele teve um so-bressalto, mas logo acendeu uma lamparina sobre a mesa de cabe-ceira, as quedas de luz eram co-muns naquele lugar. Então, ouviu sua porta bater, mas não poderia, pois estava trancada. Apanhou sua espingarda cartucheira que

“Foi muita gentileza do aprendiz de padre ter assumido a culpa

em seu lugar.

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guardava em cima do guarda rou-pa, muito usada em seus tempos de caça.– Quem está aí? – gritou para a escu-ridão, com a espingarda em punho, mas não houve resposta. Era pos-sível, apenas, ouvir grilos e outros animais da noite, nada mais. Armê-nio vasculhava a casa lentamente, a arma tremia em suas mãos. Vultos começaram a persegui-lo, então se virou desesperado. Grandes olhos brasis o observavam por trás de um saco de pano surrado, cujas formas arremedavam um sorriso maquiavé-lico.– Ah! – gritou Armênio e disparou ao mesmo tempo em que recuava. O tiro acertou em cheio a barriga da criatura abrindo um enorme buraco que o atravessava de um lado a ou-tro. Jonas deixou o machado cair e tocou a barriga com as mãos. Subi-tamente uma grande quantidade de vermes começou a se derramar e ele grunhiu fortemente. Puxou o saco de pano da cabeça de uma só vez, reve-

lando o rosto deformado e apodre-cido, em cujo centro brilhava dois grandes olhos como lagos de fogo.Avançou novamente sobre Armênio e gritou novamente, derrubando o maldito assassino, traído por um frágil coração humano que parara de bater. Jonas olhou para cima, e uma forte luz branca surgiu de seu peito, cobrindo-lhe todo o corpo. Seu rosto adquiriu outra vez a forma humana, e ele desapareceu em meio ao clarão.No dia seguinte, a polícia encontrou o corpo de Miguel, morto a macha-dadas. E com a informação de gri-tos durante a madrugada, chegou à casa destruída de Armênio, encon-trado morto, sem sinal de violência, entretanto. Pela casa havia, ainda, uma pequena mala aberta, umaespingarda cartucheira carregada, e uma série de vidros de maionese com globos oculares. Foi o bastante para ligá-lo aos crimes, e inocentar Jonas, o ex-seminarista imolado em vão.

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Rato Mutante

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Djinn Conto de Márcio Jung

Adaptado por Alexandre Winck

Arte de André M. Do Amaral

João Vicente, arqueólogo,mora em São Paulo, mas na maior parte do tempo está trabalhando no exterior, envolvido em pesquisas no Oriente Médio.

Nesse momento, ele está na Jordânia..

<Quanto é?>*<1.500 dinars.>**

*Traduzido do àrabe. **Cerca de dois mil reais.

<É absurdo.>

<É o único exemplar.>

<Você é o vendedor.>

<”Você é o entendido.”.>

<”Tudo bem, tudo bem.”.>

Primeira parte

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<Se minhas fontes estão corretas,com certeza vamos encontrar algo

de valor neste templo.>

<Achei algo!.>

<Que foi? Passe logo pra cá!>

<Esse livro...

Esse livro é...>

<NÃO!! Alá proteja-nos da

maldição!>

<Ficou louco?! O

que é isto?>

<Isto é só um

livro, homem!>

<Se minhas fontes estão corretas,com certeza vamos encontrar algo

de valor neste templo.>

<Achei algo!.>

<Que foi? Passe logo pra cá!>

<Esse livro...

Esse livro é...>

<NÃO!! Alá proteja-nos da

maldição!>

<Ficou louco?! O

que é isto?>

<Isto é só um

livro, homem!>

38

<Senhor? Tudo bem

com o senhor?>

<Sim... Sim, tudo

bem... Acho que

o calor do deser-

to me fez mal...>

<O Djinn!! É o Djinn!>

<Djinn? Do que

está falando,Muhabi?>

<Isso mesmo! É o

livro proibido de

Muhamad Ibn Al-

lef Alnasser.>

<Alá proteja-nos!>

<Nunca ouvi falar.

E faz anos que

coleciono livros

antigos daqui da região.>

<Ele é uma lenda por

aqui. Todo árabe teme-o

pois ele ensina a velha

religião e contém sabe-

doria popular e antigas

lendas.>

<Isso que segurás

é uma maldição!Precisamos destruí-lo!>

<Senhor? Tudo bem

com o senhor?>

<Sim... Sim, tudo

bem... Acho que

o calor do deser-

to me fez mal...>

<O Djinn!! É o Djinn!>

<Djinn? Do que

está falando,Muhabi?>

<Isso mesmo! É o

livro proibido de

Muhamad Ibn Al-

lef Alnasser.>

<Alá proteja-nos!>

<Nunca ouvi falar.

E faz anos que

coleciono livros

antigos daqui da região.>

<Ele é uma lenda por

aqui. Todo árabe teme-o

pois ele ensina a velha

religião e contém sabe-

doria popular e antigas

lendas.>

<Isso que segurás

é uma maldição!Precisamos destruí-lo!>

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<NÃO!!!>

Esse livro é exatamente o

que eu precisava

encontrar.

Se eu não conseguir

logo um artefa-

to que possa ser

exposto num museu,

vão cortar toda

minha verba...

Vai ser o fim do

meu projeto!

<Este livro... tem

valor cultural e

histórico. Deve

ir para um museu.>

<Venho de um país

sem memória e

aqui estou, ajudan-

do a preservar a

do seu povo.>

<Este manuscrito

guarda maldições,

senhor!.>

<Não sabia que você

era supersticioso,

Muhabi..>

<<Essa foi uma bus-

ca longa e árdua.

Todos nós estamos

cansados eestressados.>

<Com uma boa noite

de sono, amanhã

vamos estar des-

cansados e encarar

tudo isso de cabeça fria..>

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<Estou às suas

ordens, amo!.>

41

GAAAAAAHHH!!!!

Continua...

GAAAAAAHHH!!!!

Continua...

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13º departamento de polícia...

Lembra do que disse na tv sobre o assassinato dos moleques? Ganhou um fã... O

assassino de Campo Limpo quer falar com você., sem câmera.

Você tá querendo dizer que ele só vai

falar comigo...

“O pessoal da floresta achou que fosse ataque biológico. Os corpos mutilados e derretidos.”

“Bem nesse caso, ele está meio impaciente, quer falar antes das 20h... Diz que não quer

atrapalhar...”

‘Além de ser encontrado perto da cabeça do filho do prefeito... Lógico que eram doze corpos,

mas incomum a situação!”

Ele disse isso... E eu tenho mesmo que

ficar na sala só com ele?

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Você foi escolhido. Leia os dados da chacina

com atenção. Talvez o incriminem.

Acompanho o caso à distância. Sei que os assassinos não foram

encontrados.

Doze mortos, corpos despedaçados, incinerados e perfurados... Dilacerações... Tudo isso está correto?

A quantidade de armas e as datas

precisam de revisão... Como uma semi-auto-

mática com sete balas mata doze?

“O suspeito tem 82 anos.”!

Vamos acabar

logo com isso!Grite alto

se precisar de ajuda... Hehehe...

Legal, eu mereço... Até você, Celso?

Pois bem, senhor, vamos... Minha nossa!

Boa sorte!

Ala sul, contenção três...

Alguém tá querendo tirar uma com a

minha cara!

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Não pode...

... Ser verdade!

“Sabia que falar com um senhor de 82 anos, possível suspeito de causar doze mortes, seria

estranho, mas isso?”

“Essa noite vai ficar na história...”

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“Houve uma brincadeira do rapaz com uma das

moças... Nada exagerado, mas foi o suficiente...”

Não foi o suficiente...

Quem vai engolir essa?

Os caras se desentenderam, brigaram e mataram todos... Qual é, você é o sobrevivente!?

“Eles saíram revoltados, voltaram com o caminhão e mais um rapaz. Após intimidar a família, descobriram que o

“paquerador” era gay.”

“Mas, da última vez... Dois rapazes que apareceram não estavam de bem com a família e a presença de outro rapaz não foi bem vista por eles.”

“Era costume daquele pessoal fazer uma reunião familiar por lá. Por vezes eu aparecia e participava.”

Saiba que eu sou o dono da área onde houve a chacina. Infelizmente, não pude evitar o que ocorreu.

Me deixou muito triste!

Que me deixe sair daqui, na condição que sou... Inocente

de tudo!Aqui estou, como foi solicitado. Nada de

câmeras, gravadores, só o pessoal olhando o interrogatório! O que deseja de mim?

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“Assassinaram o rapaz e as moças após estupro...”

“...Quando finalmente sobraram os familiares...” “... Eu tive de agir rápido...”

“... Minha necromancia...”

“... Então os despertei, mas perdi o controle

da situação..”

“... Partiram pra cima dos algozes e, à

medida que matavam...”

“... Despedaçaram-se...”

“... Mutilaram-se...”

“... Vingaram-se...”

... E eu estava

esgotado!

“... Aqueles inocentes tinham que revidar...”

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“Após algumas horas, os corpos co-meçam a se decompor por energização,

uma necromancia reativa...”E quanto aos cor-pos derretidos, incinerados...

E você foi capturado...

“... Muitos corpos, as crianças, o doutor, caíram mortos e foram

absorvidos pela minha maldição...”

Eu posso fazer coisas sobrena-

turais e...

“Pra ser sincero, tentei esconder os corpos inicialmente. Só que tinha gastado muita

energia e mal conseguia me manter de pé. A última coisa de que me lembro foi de me apoiar no cabo da enxada, após ver o que

deveria encobrir....”

“... Não percebi que havia desmaiado. Quando acordei, a polícia já estava no local.”

E você acredita em milagres,

senhor necroman-cer?

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“Fraulein” em alemão significa “senhorita”. No caso, Fraulein Scarllet Sokolova já mudou de nome duas vezes em seu perfil do Facebook. Já foi Sunny Lilly e também Fraulein Lilly Scarllet

e explica que mudou por motivos profissionais. Ela já vinha há anos trabalhando com performance, incluindo shows de pole dance em ca-sas noturnas de São Paulo, até que recebeu o convite do organizador do Gothic Fest para participar da equipe. Atualmente, é uma das organiza-doras do Libertine Festival & SM Project e do Dark SP, dois importantes eventos do cenário underground da noite paulistana.

O último Libertine foi realizado em maio deste ano no 80 Club, com diversos DJs e, claro, muito couro, correntes e fetichismo em geral. Já o Dark SP terá lugar no dia nove de agosto, no Addams Club, com performances de gótico, dark electro, pós-punk, anos 80 e GBM. Frau-lein explica que o Libertine é um evento totalmente voltado ao tema sensua,tocando a fundo na busca dos prazeres mais secretos de um púl-blico libertino e bastante exótico. O Dark SP é direcionado ao púlblico Góticoe tem como igrediente a arte unida à balada, com músicas e apre-sentações performáticas mesclada com teatro e danças.

“Seleciono as apresentações da noite, fecho com os artistas que parti-ciparão, e também com as pessoas que montarão seus stands de aces-sórios nos eventos. E claro, também faço minhas performances nesses eventos sempre explorando meu lado sensual, exótico, libertino”, lem-bra Fraulein. Apesar das dificuldades inevitáveis de realizar eventos no Brasil, principalmente os voltados para um público mais underground

Diferente de outros jovens, cuja entrada no universo das tribos muitas vezes surge como um ato de rebeldia contra os pais ou é mal recebida por eles, no caso dela o interesse pela cultura gótica surgiu na infância, por causa de sua mãe, que curtia na época músicas góticas dos anos 80.

Rainha dos Condenados

Texto: Alexandre WinckFotos: Moonshadow Fotografia

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“Apenas tenho uma maneira dife-rente de ver a vida. Uma filosofia de

vida, sempre tive atração pelo sombrio, o macabro, o grotesco.”

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“Eu jamais mudarei meus

gostos para agradar

ninguém.”

Fraulein também assistia muitos filmes de terror. “Aquilo me fasci-nava. Como sempre amei leitura,na adolescência me identifiquei muito com poemas góticos que lia e com a forma que eles conseguiam passar para o papel todos os meus senti-mentos”. Cita Byron e Álvares de Azevedo como autores favoritos. Também leu quadrinhos de terror, incluindo a clássica Calafrio.

Ela conta que, na escola, andava com um grupinho de amigos com os mesmos gostos. “Visitavamos frequentemente cemité-rios, por serem lugares quietos, ideais para re-flexão, lindos e miste-riosos, sem falar de suas arquiteturas magnificas”. Também ama dragões, zumbis, vampiros, bru-xas, lobisomens e afins. “Me fascinam”.

Vendo seu perfil no Facebook, é fácil observar sua paixão pelos filmes do cineasta Tim Burton, um ídolo en-tre o público gótico. “Amo de paixão todos os filmes que ele produz enão consigo enxergar defeito algum em suas obras, amo o mundo bizarro e assustador dele e sua maluqui-ce poética me fascina”. Entre seus filmes favoritos estão “O Estranho Mundo de Jack”, “Frankenweenie”, “Edward Mãos de Tesoura” “Elvira, A Rainha das Trevas”,”Fome de Vi-ver”, “Entrevista com o Vampiro”, “Drácula de Bram Stoker”,entre ou-tros. E ela pensa em também ser atriz de alguma produção do gé-nero. “Estou empre aberta a novas

oportunidades. E seria uma honra.”Aliás, leitores mais atentos da Con-tos do Absurdo vão notar que a imagem dela serviu de inspiração para o quadrinhista André Martus-celli do Amaral criar a misteriosa e sensual mulher que serve de guia para o protagonista da história “Sang Canin”, publicada na nossa ediç~ão especial “Maldição Da Lua Cheia”, voltada aos lobisomens.

Apesar de todo o seu envolvimento com essa cultura, Fraulein garan-te que ser gótica para ela é sim-

plesmente mais um ró-tulo. “Apenas tenho uma maneira diferente de ver a vida. Uma filosofia de vida, sempre tive atração pelo sombrio, o macabro, o grotesco... Foi o que escolhi para mim. E sou o que sou”.Mesmo tendo tido inspi-ração em sua família, não

deixou de enfrentar os preconcei-tos que a sociedade costuma nutrir em relação a essa e outras cultu-ras fora do padrão convencional. Diferente de outros, ela garante não sentir que as pessoas estejam mais tolerantes do que anos atrás. “Preconceito,sempre existiu e sem-pre existirá. Tenho notado ao longo dos anos que só tem aumentado”.

Conta que não tem muito contato com sua familia, também por se ver dentro de um preconceito mui-to grande. “Mas aprenderam a me respeitar,pois sou uma mulher de personalidade forte e independen-te.“

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“Preconceito sempre existiu e sempre existirá. Tenho notado ao longo dos anos

que só tem aumentado.”

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“Não importa o que falam ou pensam sobre mim, jamais seguirei os conceitos padronizados que a sociedade impõe. Gosto de causar e obser-var certas reações nas pessoas. Então, não ligo”.

Esse interesse se estende ao campo das crenças místicas. Esse, aliás, é um dos principais aspectos da cultura gótica que os tornam vítimas do preconceito da sociedade, principalmente de religiosos que confundem o interesse artístico e estético pelo universo do sombrio e do macabro com servirem de fato a forças malignas.

“Acredito no sobrenatural e gosto de ler tudo a respei-to também.Sou bem mente aberta, mas não tenho ne-nhuma religião,sempre estou questionando algo.”

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Súcubo

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Era um menino, tinha uns 13 anos, cabelos cacheados negros, boche-chas magricelas e brancas, olhos castanhos sem muita expressão, uma boca meio sem cor, dentes amarelados e quase sempre um pouco sujos, mãos compridas, dedos longos, pés lambidos e unhas cortadas.

Era judeu e circuncidado. O resto não era muito interessante, não que essas coisas fossem, mas servem para dizer como ele se assemelhava aos outros. A todos os outros ou a algum pelo menos. À bem da verdade não tinha nada de diferente, nem de perto, nem de longe.

Não gostava de brócolis, fazia pirraça quando a mãe não fazia o que ele queria e àquela altura só havia beijado uma menina. Essas coisas normais que a maioria das pessoas normais são e fazem nessa idade. Na verdade havia só uma coisa, mas uma coisa que ninguém via, nun-ca, nem nunca veria: ele não dormia. Nunca havia dormido. Desde que nascera passara todo o tempo de sua vida acordado. E ninguém nunca percebia. Não que ninguém se importasse com ele, pelo contrário, era até muito amado, pela mãe, pelo pai, pelos cachorros, pela empregada, pelas meninas da escola. Apesar de ser igual aos outros era bonito, até muito. Acontece que desde cedo desenvolvera um truque: ficava quieto, quase imóvel, e fechava os olhos. Essa coisa que todos fazemos quando estamos realmente dormindo ou quando estamos com medo. No caso dele não sabia dizer se era medo, nem sabia direito o que era ter medo, tinha apenas 13 anos e sempre fora muito protegido, se tivesse tido medo não sabia que se chamava assim. De qualquer forma, era assim que ele fazia. E nunca falhara, pelo contrário, funcionava muito bem, ele era um especialista e ás vezes até se gabava daquilo, quando a mãe à noite ia a seu quarto e o comparava a um anjinho. Pensava diabolicamente como era divertido saber enganar a mãe.

Depois de um tempo, passou a enganar também os outros: quando a

A morte do menino que não dormia

Conto de Raphael Vidigal

Ilustrações: Wellington Ichirou

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empregada o obrigava a comer brócolis também, quando um ami-go o chamava para algo que ele não queria, a mesma coisa. E assim estava sempre acordado quando dormia. A especialidade começou a se desenvolver quando a enfer-meira o tirou do seio de sua mãe e o levou para dormir pela primei-ra vez. Foi só ouvir aquela canti-ga de ninar que ele logo fechou os olhos e imobilizou-se. Como fora a primei-ra vez não sabia dizer hoje em dia se fizera pensado ou por puro instinto. Na verdade, até hoje não sabia se fazia aquilo premedi-tadamente ou se esta-va condicionado àqui-lo. Pensou que talvez não dormisse para se proteger. E até aí continuava podendo ser ins-tinto ou premeditação. Mas como? Se não tinha medo? Se proteger de quê? De quem? Ninguém o fa-ria mal, não havia motivo, ele era igual a todos os outros e até era bonito.

Na verdade, não sabia por que não dormia. Não tinha medo e tam-bém não fazia nada nesses mo-mentos. Apenas fechava os olhos e ficava imóvel, nunca se mexia, esperava até a hora de se levan-tar exatamente na mesma posição sempre, meio de lado, agarrando com a mão um pedaço do traves-seiro. Ás vezes pensava na morte, ás vezes pensava na vida. Ás vezes pensava na mãe quando o ama-mentava, ás vezes pensava no pai quando o ensinava a jogar bola. Ás vezes pensava na empregada,

espiava pela fechadura do banhei-ro de empregada e via a água es-correr sobre seus seios morenos fartos, percorrendo a barriga lisa, passando pelo umbigo até chegar aos pêlos que ele julgava macios da boceta, ás vezes pensava nas vezes que brincava com seus cachorros que pulavam em cima dele e o lam-biam felizes. Pensava que nenhum animal do mundo era mais feliz

que os cachorros. E que eles eram tam-bém extremamente burros. E que tal-vez a burrice fosse fundamental para a felicidade. Então pensava se era feliz. E não sabia. E ás ve-zes achava que sim e ás vezes achava que

não e muitas vezes achava que só ás vezes era feliz mas em outras muitas era infeliz. E não sabia porque, se tinha cabelos bonitos, era bonito, os outros o achavam bonito e ele era exatamente igual aos outros, tanto os feios quanto os bonitos.

Só que tinha aquela diferença, aquela diferença que ninguém via: ele não dormia. Então começava a se perguntar para quê ter aque-la diferença se ninguém via, para quê ter aquela diferença se ela não aparecia, se para os outros ele era exatamente igual aos outros só que bonito. E ser bonito não era na verdade nenhuma diferença, por-que haviam muitos outros bonitos e os feios também tinham quem os achassem bonitos. Então resolveu que esconder aquela diferença era uma burrice e nunca deveria ter

Na verdade não sabia por que não dormia.

Não dormia e também não fazia nada nesses momentos. Apenas

fechava os olhos e fica-va imóvel.

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começado a escondê-la, e pensou em quan-do nasceu e enganou a enfermeira, e depois a mãe, o pai, a empregada, a professora, os cachorros, os amigos. E resolveu que aqui-lo iria acabar e ele iria mostrar a sua dife-rença. Chamou primeiro um amigo, porque embora gostasse de sua mãe não confiava tanto nela a ponto disso. E tinha medo. Gos tava mais dela do que do amigo. Então disse

para o amigo que queria que ele dormisse em sua casa.

Então quando chegou a hora lá estava ele acorda-do, mais de meia-noite, e dessa vez sem os olhos fe-chados nem imóvel, ele se mexia, tinha os olhos abertos e olhava para o seu amigo, dizendo que prova-ria que não dormia. Mas o seu amigo primeiro achou graça, depois uma loucu-ra, depois uma bobagem. E não quis saber e dor-miu. E ele ficou lá acorda-do, mais uma vez imóvel, olhos fechados, sem dor-mir, e ninguém via. Desis-tiu do amigo, ele era muito idiota e jamais entenderia. Resolveu mostrar à empre-gada. No início ela achou estranho, desconfiou que o menino a espiava e que-ria outra coisa quando ele disse que tinha medo e não queria que sua mãe pensas-se que ele era um maricas. Então quando ela entrou em seu quarto à noite ele contou tudo. Não foi difícil, gostava na medida certa daquela mulata e confia-va nela. Desde cedo ela o alimentara quando a mãe saía para trabalhar.

Então ele observou que ela também achava graça, mas de um jeito diferente do seu amigo, achava graça com aquele sorriso largo de

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mulata que ela tinha, e mandou ele ir dormir logo e essas histó-rias de maluco deviam ser por-que ele andava assistindo muita televisão ou comendo besteira à noite. E disse que dormiria lá com ele essa noite mas amanhã não dormiria. E que se ele con-tinuasse com essas histórias ma-lucas teria que falar com a pa-troa para levá-lo a um psicólogo. E então depois de falar muito achando graça e dando sermão ela dormiu.

E ele ali, com os olhos fechados, imóvel, sem dormir. E ninguém via. Ninguém acreditava. Che-

pai era sua última esperança an-tes dos loucos. E seu pai falou: vai dormir meu filho, que seu pai está cansado e amanhã tra-balha e amanhã conversamos e já está tarde e amanhã você tem aula e acorda cedo. Mas ele não acordava. Ele nunca acordara na vida. Ele nascera acordado e assim morreria. Porque só acor-dava quem dormia. E ele nunca dormia nem dormiria.

E ele então mudou de idéia e re-solveu procurar sua mãe antes de ir ao hospício. E tomou muita co-ragem porque sua mãe era quem mais gostava dele, talvez por ser igual a todos os outros e bonito. maior bobagem e que

talvez tudo fosse um delírio e que talvez ele dormisse mas não per-cebesse e fosse louco e esquizofrênico e as pes-soas não lhe contavam. Mas depois percebeu que não era nada disso. Que não podia ser. Que não tinha sentido porque ele conhecia outros loucos e esquizofrênicos e sabia como eles eram. E embo-ra ele fosse igual a todos, igual a eles ele não era. E desejou então ser como eles. E queria ser um de-les. E decidiu que prova-ria aquilo nem que fosse para um deles. E na noite seguinte ele chamou seu pai. E con-tou toda a história e dis-se a seu pai que se ele não acreditasse ele cha-maria um louco para lhe contar tudo. E que seu

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E tinha medo de decepcioná-la e não queria decepcioná-la mas não tinha escolha e aquilo tinha que ser fei-to, tinha que ser mostrado. Cansara de viver acordado escondido. Que-ria que todos vissem que nunca so-nhava nem tinha pesadelos pois sua vida era só a realidade e não existia fantasia boa ou má. E quando sua mãe ouviu que ele não dormia, sor-riu um sorriso complacente e disse também que houve uma época em que ela não dormia. E que talvez fos-se genético e que ele não tinha culpa de ter herdado aquilo e era uma he-rança maldita. Então ela lhe trouxe um comprimido e ele tomou e en-tão achou que estava tudo resolvido, que sua mãe sabia e o entendia e ele dormiria. Então continuou deitado imóvel e fechou os olhos e não dor-miu.

E quando amanheceu ficou deses-perado e contou à mãe. E ela lhe deu dois comprimidos, disse que to-masse os dois, que seria mais forte e então resolveria. E então ele tomou e perguntou à mãe porque ela não dormia. E ela disse que detestava a vida e se casou obrigada com seu pai e nunca o amou e gostava de mulheres e só o teve para se disfar-çar das vizinhas que a chamavam de lésbica. E ele viu que sua mãe não gostava dele e não ligou porque to-mou dois comprimidos e mesmo as-sim não dormia. E viu que era igual à sua mãe e não gostava dela, nem da empregada, nem dos cachorros, nem do pai, nem da professora, nem do amigo. Porque ele não dormia e ninguém via. Então saiu dali e foi até o hospício e tentou entrar mas não conseguiu porque o moço da porta disse que ele era igual e ali era o lugar dos diferentes.

E desistiu de tudo e de todos e do mundo e da mor-te e da vida e da empregada e seus seios e os cachorros e as lambidas e sua mãe e a comida e seu pai e os remé-dios e o amigo e a amiga e a professora e o beijo e o tra-vesseiro e pensou em voltar pra casa mas não voltou e ficou na rua e deitou no

chão e as pessoas passavam por cima dele e não o viam e pisavam em sua cabeça e não o viam e escorria san-gue e escorria lixo e escor-riam ossos e escorria carne e escorria sêmen e escorria o mundo e escorria morte e escorria vida e ele não dor-miu. E morreu acordado, que é a pior forma de estar

morto.

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Nunca havia dormido. Desde que nascera,

passara todo o tempo de sua vida acordado. E ninguém nunca perce-bia. Não que ninguém se importasse. inas da

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Ele não acordava. Ele nunca acordara na vida.

Nascera acordado e assim morreria. Porque só acordava quem dor-

mia. E ele nunca dormia nem dormiria.

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Salomão Ve

ntura

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SOMNIUM - O destruidor de sonhos - parte 3

Conto de Abdré Roméro Adaptado por Alexan-dre Winck

Desenhos: Ronílson Caeta-no Leal

Capa e arte-final: David Santos

Guilherme quer desesperadamente salvar sua mãe e seu irmão recém-nascido. Recebe uma proposta de um misterioso ser que habita e manipula os sonhos, chamado Somnium. Precisa destruir seis corações que contêm chaves. Mas ele acorda em seu quar-to, sua mãe grávida está bem e tudo parece ter sido apenas um pesadelo...

Tá tudo bem, Guilherme. Um sonho pode ser muito realista, muito assustador. Mas ainda é só um sonho.

Agora, que tal dar uma volta? Você precisa pegar um ar fresco e descansar depois desse tal sonho.É... Você tem razão.

E se isto for um sonho?

Será que ela é real-mente minha mãe?

Mãe... Quantos meses faltam pra o Gilber-

to nascer?

Filho, daqui a duas sema-nas eu entro em traba-lho de parto. Aí você já vai poder ver o Gilberto!

Tenha paciência!

De repente, sinto toda a pressão do ar contra minha cabeça.

Todo o lugar parece estarpegando fogo.

Mãe?

Sim?

O que é aquilo?

aquilo o qAAAAAAAGHHH!!!

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parece que eu vou ter bastante tra-balho pela fr...

Mas que diabo...

Preciso mesmo escolher melhor as palavras por aqui.

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“Você deve destruir seis corações.”

Continua

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Minotauro

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A Vingançadas Sereias

Conto de Nena MedeirosIlustrações: Johanna Gyarfas

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A pele queimada de sal e sol dava-lhe uma aparência cansada, agravada pelo

sorriso raro e penoso. Difícil pre-cisar sua idade, qualquer palpite entre 30 e 60 seria igualmente válido. A voz mansa, meio rou-ca, era quase um sussurro. Falava baixo, como se temesse ser ou-vido por um caçador à espreita, embora alguns acreditassem que ele agia assim para não espantar a própria caça.

De qualquer modo, caça ou caçador, era um homem fasci-nante. Passara gran-de parte de sua vida no mar, onde vive-ra as mais incríveis aventuras e, vez em quando, reunia os aldeões para contar a eles suas histórias no pequeno bar do vilarejo. Não o fazia com prazer. Ao contrário, costumava fazê-lo somente após muita insistência dos presentes, que se amontoavam à sua volta para não perderem nenhum dos detalhes relatados. E só quando todos silenciavam, ele começava, quase como quem partilha um se-gredo:

- Foi assim que aconteceu...

Nem sempre foi assim. No início, ele chegava taciturno, cumpri-mentava a todos com um aceno de cabeça, pedia meia garrafa de pinga e um copo e ia sentar--se em uma mesa ao canto. Lá fi-

cava, ensimesmado, só voltando a se levantar após o último gole. Deixava a paga pelo consumo e saia. Embora todos ali no vilarejo se conhecessem, o pescador vivia isolado, pescava para o próprio sustento, bem como era apenas de subsistência a pequena horta no fundo do quintal. Não se lhe conhecia esposa ou filhos e, mes-mo sua origem era um mistério. Ele simplesmente aparecera ali. Adonara-se do pedaço de terra em que vivia e lá erguera, sozi-

nho, a sua tapera...

isolado, pescava para o próprio sustento, bem como era apenas de subsistência a pe-quena horta no fundo do quintal. Não se lhe conhecia esposa ou filhos e, mesmo sua origem era um mis-

tério. Ele simplesmente aparece-ra ali. Adonara-se do pedaço de terra em que vivia e lá erguera, sozinho, a sua tapera...

Sua vida eremita atraia todo o tipo de lucubração e, sempre que ele entrava no bar, tornava-se o alvo das conversas vãs. Ignorava educadamente os que tentavam uma aproximação.

Em dia de jogo os homens de-sinteressavam-se dele, os olhos grudados na velha televisão em que um pedaço de Bombril fazia - mal - as vezes de antena. Do mes-mo modo, quando havia eventos mais frescos, uma moça fugida,

Mesmo sua origem era um

mistério. Ele simplesmente

aparecera.

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tempestades recentes, naufrágios ou jangadas vazias devolvidas à areia, permitiam-lhe restar sos-segado em seu canto, alheio a toda a agitação. Uma noite, po-rém, uma palavra conseguiu reti-rá-lo de seu transe melancólico e fazê-lo juntar-se aos outros para ouvir o ocorrido: sereias. Deze-nas delas, contava o marinheiro. O barco fora cercado e todos os marujos quedaram enfeitiçados com a cantoria. Alguns chega-ram a saltar na água. Os outros foram salvos pela chegada de uma enorme baleia que assustou as mulheres-peixe, fazendo-as desaparecer nas águas turvas da baía. Ao ouvir aquilo, o ermitão sussurrou:

- Elas me acharam...Alguns ali jamais ha-viam escutado sua voz e o olharam sur-presos.

- As sereias? - alguém perguntou.

Confirmou sorumbático, antes de voltar ao seu canto.

Esta pequena intromissão foi o fim de sua paz. Foi logo cercado pelos demais pescadores e mari-nheiros. Depois de muito insisti-rem, ele finalmente empurrou o copo para o lado e começou, com voz pausada e suave:

- Foi assim que aconteceu... Há alguns anos, encontrei uma de-las. Ela cantou, cantou, gemeu,

chorou mas eu não a ouvia.

- Não? Mas, como?- Era minha primeira viagem como um homem casado. A única voz que me enfeitiçava era a de minha Maria.- Que sorte a sua!- Sorte? Aquilo foi a minha des-graça!!- Por quê?- Uma sereia morre se um homem ouve seu canto e não se queda en-feitiçado.- Ela morreu?

Sim. Ela havia morrido, ele con-firmou, quase num lamento. E continuou:- As sereias vivem em bandos... Logo, os seus vieram à procura de vingan-ça.- Sua esposa!! - adi-vinhou um dos pre-

sentes.

Uma lágrima correu no rosto do homem. Alguém ainda pergun-tou se agora elas estariam ali à procura dele, porém, ele não res-pondeu mais nada. Levantou-se e saiu, deixando ainda uns bons goles de sua pinga sobre a mesa.

Por alguns dias, ele não apare-ceu. Porém, uma noite, talvez atraído pelo vício da cachaça, lá estava ele, sentado em sua mesa no canto.

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Foi logo cercado pelos aldeões, ávidos por notícias. Ele não es-tava muito disposto a conversar, mas, como os outros insistissem muito, começou outra história:

- Foi assim que aconteceu...Esta não falava de sereias, mas de piratas.- Piratas? Neste século? - per-guntaram.

Ele ignorou a interrupção e con-tou a história de piratas que atacavam outras embarcações, pilhando tudo o que pudessem encontrar, inclusive o pescado do dia.

- Mas o meu barco eles não rou-

baram! - acrescentou ele, sem vaidade, como quem fala do tem-po. E contou as muitas peripécias que fez para escapar a um ataque deles.

Apesar de seu tom quase mono-córdio, a riqueza de suas histórias ia encantando a todos na cidade e logo até as mulheres e crianças vinham ao bar para ouvi-las.

O homem tornou-se a novela do local e só perdia interesse em dia de jogo ou quando havia eventos mais frescos... Nessas noites, ele parecia sinceramente agradeci-do em poder aproveitar da paz e do sabor de sua pinga. Estranha-mente, essas noites tornavam-se

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cada vez mais frequentes, pois um fenômeno vinha intrigando os al-deões: o sumiço de moças.

Sendo um vilarejo pequeno e atrasado, era natural que os jovens da cidade desejassem novos destinos e, no caso das meninas, muitas aca-bavam mesmo fugindo, pois seus pais raramente concordavam que saíssem de casa senão pelas mãos de um marido, sob as bênçãos de Deus, nosso Senhor.

Porém, as ocorrências aumentaram de uma a duas por ano, para o dobro disso por mês!! E mais: não apenas as jovens solteiras, mas também algumas casadas simplesmente esvaeciam.

Quando restavam na cidade apenas mulheres idosas, o contador de histórias desapareceu também, do mesmo modo como havia apare-cido.

Logo pensaram que ele finalmente teria sido encontrado pelas vinga-

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tivas sereias e lamentavam sua sorte, até que um outro marinheiro, de passagem por ali, contou ter se deparado com um grupo delas a algumas milhas da costa:

- Para nossa sorte - disse ele - elas nos ignoraram, mais interessadas estavam em partilhar o banquete oferecido por um navio maior, ata-cado horas antes. Um espetáculo terrível! As feras devorando pedaços humanos, pernas, braços, enquanto o homem observava...- Homem!?- Sim! Um homem e, sabe de uma coisa? Fez lembrar muito aquele contador de histórias que havia por aqui. Onde anda ele?

Depois do primeiro choque, contaram ao marinheiro tudo o que acon-tecera.

O homem então se admirou:- Mas, vocês não sabem? Quando um homem mata uma sereia torna--se escravo do bando, obrigado a recrutar mulheres até encontrar uma para o lugar daquela que matou.

- Recrutar?? Como?- Ele seduz as mulheres e leva pra rainha ver. Sua missão só termina quando ele encontra uma mulher à altura da sereia que matou.- E as outras?- A rainha devora. Provavelmente a tal Maria foi a primeira de suas vítimas.Enquanto os aldeões se desesperavam ante o terrível destino de suas mulheres, num outro vilarejo não muito longe dali, um homem es-tranho e calado, de idade imprecisa e gosto pelo álcool levantava uma pequena tapera.

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Lúcifer é belo, é luminoso como um sol, é aquele que teve a coragem de questionar, e tornou-se seu próprio deus, sem amarras, sem dogmas. Essa imagem asquerosa que os dogmá-ticos usam para retratá--lo nada mais é do que o reflexo daquilo que vive em seus corações e sai de suas bocas!

(Ciberpajé) Edgar Franco

LUCÍFER

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ROYALTIESroteiro: alexandre winck

arte|: gabriel sossai

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Num futuro em que as cidades estão inundadas de lixo, uma menina diferente e solitária invadiu uma fábrica abandonada procurando refúgio da poluição. Foi salva de ser estuprada por uma gangue pelo misterioso Anjo Industrial, que agora revela sua história...

anjo industrial - a origem parte 4Roteiro: Alexandre Winck Desenhos: Daniel Lucávis

Doutor Marcos, isso é... Ain-da não consigo acreditar nem entender! Essa criatura não tem pais, não foi inseminada

nem clonada!

Como essa aberração

ganhou vida?Bom, acho que agora posso contar tudo.

Agradeça à imun-dície que o mundo

virou, Lila...“À toda a merda

infestada de porcarias processadas cheias de produtos químicos.”

“À toda a pôrracontaminada e masturbada

esgoto abaixo.”

“A todos os fetos aborta-dos, mas já maculados por doenças e pelas drogas consumidas pelos pais.”

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Toda essa infinidade decomponentes químicos e orgâ-nicos se acumulou e misturou de tal maneira que, de alguma

forma, evoluiu... Quase umnovo caldo original.

Foi capaz de produzir uma forma de vida com-

plexa. Um ser único.

Um ser muito mais forte, ágile resistente do que nós.

Muito melhor que esses outrosexperimentos. Esses fracassos!

Com a mente de uma fera selvagem.

Feras selvagens podem ser treinadas e usadas. Os romanos sabiam fazer bom

uso delas.

Apliquem o sedativo.

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Feras selvagens podem ser treinadas e usadas. Os romanos sabiam fazer bom

uso delas.

Apliquem o sedativo.

Semanas depois...

O que é isso, doutor? O que esse mendigo está

fazendo aqui?

Uma breve de,monstração do que eu disse no outro dia.

Descobrimos que, além de ter muito mais força que

um ser humano, nosso amigo com boca de metal tem um grande apetite. Apetite por

carne humana.

Por que desperdiçar essa poderosa combinação?

O que o senhor quer dizer com isso?

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Já viu quantos mendigos, drogados, bêbados, putas e loucos estão infestando as ruas? Os números são

recorde. Nem são mais afe-tados pelo mau cheiro.

Agora imagine uma infestação de clones dessas criaturas varren-do as ruas que nem gafanhotos.

Limpando toda essa sujeira.

Nunca vão nos deixar fazer isso. Direitos humanos,

blá blá blá.

Oficialmente, aqui é só uma fábrica. O governo nunca vai admitir que esse

laboratório existe.Coitado.

Ele é preto, pobre, analfabeto e brasi-leiro. Não ia muito

longe mesmo.

Ruas cheias de lixo. Lixo humano.

Não somos responsá-veis. A praga aconte-ceu naturalmente.

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Sabe de uma coisa? Isso tudo tá me deixan-do louco de tesão...

Mahat mamut masset!

Sabe de uma coisa? Isso tudo tá me deixan-do louco de tesão...

Mahat mamut masset!

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Mahat mamut masset!Mahat mamut masset!

Pa-parado!! Parado aí!!

Hã... Quando foi que você o adestrou

mesmo?

Ativem o gAAAAAHHHí!!

eu... Eu sou praticamente

seu pai!!

Mahat mamut masset!

Continua

Ninguém serve o filho do pai Lúcifer de tira--gosto, fiadaputas...

PublisherDaniel Vardi

Editor-chefeAlexandre Winck

CriadorMario Mancuso

Diagrmação e letras: PUBLIGIBI

Projeto Gráfico: Publigibi sob projeto inicial de Isabella Sarkis

Todos os direitos autorais pertencem aos respectivos autores, não podendo ser reproduzida sob quaisquer aspectos sem a devida autorização dos mesmos.As opiniões e fatos aqui expressos são totalmente de responsabilidades dos autores, não significando necessariamente a opinião da revista.

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