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AS CRÔNICAS DE STANISLAW PONTE PRETA SOB O VIÉS DA ANÁLISE DE
DISCURSO
Autor: Rogel Antonio Camargo Barreto1
Orientadora: Dra. Célia Bassuma FERNANDES2
Resumo
A formação de sujeitos-leitores capazes de ler os diferentes discursos que
circulam no seu cotidiano, compreendendo os diferentes efeitos de sentidos que
eles provocam, é de fundamental importância para a eficácia do processo de
formação desses sujeitos-cidadãos. O grande desafio do professor/escola é
desenvolver neles o interesse pela leitura, promovendo práticas mais
significativas, a partir de textos curtos como, por exemplo, as crônicas. Desse
modo, este trabalho procurou desenvolver, sob o aporte teórico da Análise de
Discurso de linha francesa, uma proposta de ensino com as crônicas de Stanislaw
Ponte Preta, efetivando assim, práticas de leituras e propiciando a formação de
sujeitos-leitores capazes de ocupar seu lugar na sociedade na qual se inserem.
Para essa vertente teórica, a interpretação é um “gesto” (Pêcheux, 1969), que se
dá, porque todo texto é marcado pela incompletude e pela relação com o silêncio.
Assim interpretar um texto, de acordo com a Análise de Discurso, consiste em
observar os efeitos de sentido que ele produz no sujeito-leitor, levando em conta,
não somente os sujeitos e as circunstâncias em foram produzidos, mas também a
memória discursiva ou o interdiscurso, entendido como os já-ditos que retornam
no fio do discurso, provocando a repetição do mesmo, por meio dos processos
parafrásticos, ou produzindo o novo, por meio da polissemia. Para a Análise de
1 Professor Rogel Antonio Camargo Barreto, Especialização em: Orientação Educacional; Curso
de graduação em Língua Portuguesa e Literatura. Atuação: Docente no Colégio Estadual Padre Sigismundo – Ensino fundamental, Médio, Normal e Profissional. (Professor PDE – 2010)
2 Orientadora: Dra. Célia Bassuma FERNANDES; Doutorado em Estudos da Linguagem pela
Universidade Estadual de Londrina (UEL). Professora de Linguística do Departamento de Letras, da Universidade Estadual do Centro-Oeste/UNICENTRO. Membro do Grupo de Pesquisa Interfaces entre Língua e Literatura, filiada à linha de pesquisa Texto, memória, cultura. Membro
do Laboratório de Estudos Linguísticos e Literários (LABELL), da UNICENTRO.
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Discurso, a questão a ser respondida não é mais “o que o autor quis dizer”, de
cunho conteudista, mas que efeitos de sentido o texto produz em sujeitos
atravessados pelo inconsciente e afetados pela história.
Palavras-chave: leitura; texto; sentido; análise de discurso.
Abstract
The formation of competents and able subject-readers to read the different speechs that
circulate in their everyday, understanding the different effects of that they cause, it is
fundamental importance to effective process of formation of these subject-citizens. The
great challenge of teacher / school is to develop the interest in reading, promoting more
significant practices, from short texts such as chronicle. Thus, this assignement, to look
for developing under the theoretical Analysis of French Discourse, a proposal of teaching
with chronicles of Stanislaw Ponte Preta, thus effecting, reading’s practice and promoting
the formation of competents and critical subject-readers, able to take their place up in
society in which they insert. For this theoretical model the interpretation is a "gesture"
(Pêcheux, 1969), which occurs because all text is characterized by incompleteness and
the relationship with silence. This interpreting a text, according to Analysis of Speech,
consists of observing the meaning’s effects that it produces in the subject-reader,
considering not only the subject and the circumstances in which they were produced, but
also the discursive memory or interdiscourse , understood as already said that return the
wire speech, causing repetition of the same by means of process parafrásticos or
producing the new, through the polysemy. To the Analysis of Speech, the question to be
answered isn’t "what does the author meant" imprint content way, but effects of sense
this text produces in subjects traversed by unconscious and affected by history.
Keywords: reading, text, direction, analysis of speech
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1 Introdução
As palavras simples do nosso cotidiano já chegam até nós carregadas de sentidos que não sabemos como se constituíram e que no entanto significam em nós e para nós. (ORLANDI, 2009, p.20).
Quando se fala na prática de leitura, a maioria dos alunos está distante
daquilo que propõem os documentos oficiais, que é compreender a variedade de
textos que circulam socialmente. Pouca leitura e o entendimento dos múltiplos
sentidos que estão no texto, de fato, são realidades constantes nas escolas.
Assim, o grande desafio do professor é desenvolver essa prática, de modo a
tornar o sujeito-leitor capaz de atribuir sentidos àquilo que lê.
A partir dessa constatação, foi desenvolvida uma proposta de leitura de
algumas crônicas de Stanislaw Ponte Preta, no Colégio Estadual Padre
Sigismundo – Ensino Fundamental, Médio, Normal e Profissional, com alunos da
3ª série do Curso de Formação de Docentes, do período noturno. A escolha pelas
crônicas se deu em razão da necessidade de trabalhar com textos que
abordassem temas de interesse dos alunos. Além disso, esse é um tipo de texto
curto e frequentemente marcado pelo humor e pela crítica. Para desenvolver as
atividades, foi utilizado o arcabouço teórico da Análise de Discurso de linha
francesa (daqui em diante AD), teoria da interpretação, que fornece o suporte
teórico necessário para observar os processos de constituição e de
funcionamento de objetos simbólicos.
Cabe lembrar que, ao longo dos tempos, esse tipo de texto do qual nos
ocupamos, vem mudando de estilo, formato e estrutura, já que num passado bem
distante, como na Idade Média, por exemplo, a crônica tinha por finalidade
registrar fatos históricos, tais como as batalhas e outros acontecimentos
considerados importantes. Era utilizada ainda, como forma de registro dos feitos
dos grandes personagens, especificamente durante os governos monárquicos,
período em que era essencialmente cronológica.
Em Portugal, no início do século XV, a Carta de Pero Vaz de Caminha ao
El-rei D. Manuel, relata o achamento da nova nação. Como afirma (SÁ, 1987, p.
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05), “[...] o texto de Caminha é criação de um cronista no melhor sentido literário
do termo”. Em outras palavras, a Carta do viajante português – que também
marca o início da literatura brasileira – na verdade, é uma crônica do achamento
do Brasil, pois registra o circunstancial, característica básica desse gênero textual.
Porém, mais tarde, quando passou a circular nos jornais, a crônica foi se
distanciando cada vez mais desse caráter histórico. Em Paris, passou a fazer
parte dos periódicos diários, no final do século XVIII, mais precisamente em 1799,
com Julien-Louis Geoffroy, que escrevia para o Journal de Débats.
No Brasil, é a partir do século XIX, que José de Alencar e Machado de
Assis, entre outros, passaram a escrever crônicas jornalísticas. Posteriormente,
Paulo Barreto (1881 – 1921) ou João do Rio (seu pseudônimo mais conhecido)
iniciou uma busca por histórias nos bairros e lugares badalados do Rio de
Janeiro, isto é, ao invés de esperar que as notícias chegassem até ele, saia à
procura delas. No início, eram apenas pequenos textos de outros gêneros, que
circulavam na seção de informações, no rodapé do jornal, e que, mais tarde,
seriam denominados crônica jornalística. Além de João do Rio, outros escritores
brasileiros do século XX, também se destacaram escrevendo crônicas, dentre
eles, Rubem Braga, Fernando Sabino, Lourenço Diaféria, Paulo Mendes Campos,
Carlos Heitor Cony, Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes, e Sergio
Porto (Stanislaw Ponte Preta), cujos textos constituem o corpus do nosso
trabalho.
Neste contexto, a crônica jornalística, por ser uma leitura diária, foi se
tornando efêmera, tendo em vista que após breve leitura, o suporte na qual ela
havia circulado era descartado. Assim, sufocada pelas grandes manchetes, a
crônica tinha uma vida curta: vinte e quatro horas, e há até um ditado popular que
elucida esta ideia: “mais velho que jornal de ontem”. A crônica era, portanto, uma
leitura do cotidiano pelo cotidiano, feita por pessoas apressadas, mas não deixava
de ser uma forma de registro do brevíssimo, do circunstancial.
Diante desse novo status, muitos autores sentiram a necessidade de
registrar com maior cuidado esses eventos do cotidiano, transformando-os em
pequenas “histórias”, isto é, registrando-as de forma duradoura, permanente.
Conforme:
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[...] o cronista de jornal também é um escritor, e também ele deseja
escrever algo que fique para sempre. A crônica [...] quando reunida em
um livro, onde se percebe com maior nitidez a busca de coerência no
traçado da vida, a fim de torná-la mais gratificante e, somente assim,
mais perene. (SÁ,1887, p.17).
Um dos escritores preocupados com a “durabilidade” desse tipo de texto, e
que inicia esse processo de seleção e de registro das crônicas foi Rubem Braga,
para quem, aquilo que antes era escrito para determinado jornal, passa então, a
fazer parte de uma coletânea, uma vez que, criteriosamente, ele descartava as
velhas crônicas ultrapassadas e selecionava aquelas cuja escrita e teor ainda
provocavam, nos leitores, o prazer da leitura.
Com relação aos aspectos formais, na crônica, quem conta e escreve a
história é o próprio autor, que busca, no dia-a-dia, fatos que realmente
aconteceram, transformando-os num texto narrativo, que difere do romance e do
conto, em que os personagens são ficcionais por natureza. Nesse sentido, a
crônica constitui um excelente material para a prática de leitura, já que trata de
fatos corriqueiros e está relacionada com a função social da escola, que é a de
repensar a realidade.
Além disso, esse tipo de texto chama a atenção do sujeito-leitor por
utilizar determinados procedimentos discursivos, como por exemplo, o humor, que
desencadeia o riso, permitindo abordar assuntos do cotidiano de forma agradável,
sem, no entanto, configurar um texto “neutro”, pois como se sabe, a teoria do
discurso nega a “imparcialidade”. Logo, entende que todo e qualquer texto é
ideologicamente marcado.
A partir dessas considerações, pensamos que a análise de crônicas em
sala de aula pode viabilizar aulas mais interessantes, e proporcionar o
desenvolvimento dos “gestos de interpretação”, uma vez que poderão ser feitas
diferentes leituras de um mesmo texto, pois para a teoria materialista do discurso
iniciada por Michel Pêcheux, na França, em 1969, na prática da leitura devem ser
consideradas as histórias de leitura do texto e do autor, o que implica em dizer
que sentido não é único, ao contrário, é aberto e está sempre em movimento.
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2 Contextualizando: Prática de leitura e Análise de Discurso
Para uma maior compreensão, pensamos ser necessário fazer uma breve
retrospectiva histórica do ensino no Brasil e, em especial, do ensino de Língua
Portuguesa. Para tanto, iniciaremos essa retomada pela época em que o país
ainda era colônia de Portugal, e que o ensino ficava a cargo dos jesuítas, que
limitavam o aprendizado a ler e escrever, pois acreditavam que “a linguagem se
constituía no interior da mente e sua materialização fônica revelava o
pensamento”, (DCEs, 2008, p.38).
No século XVIII, o ensino da Língua Portuguesa tornou-se obrigatório no
Brasil e em Portugal, em função das medidas tomadas pelo Marquês de Pombal.
No século XIX, com o advento da industrialização e da República, a educação
passou a ter um caráter mais utilitário, e o ensino da Língua Portuguesa – ainda
pautado em características elitistas e seletivas – era a forma de possibilitar às
camadas populares o acesso à “boa língua”.
Foi somente no século XX, mais precisamente na década de 70, que
várias teorias passaram a ser discutidas, dentre as quais, podem ser citadas, a
Sociolinguística, a Semântica e a Linguística Textual, que apesar de suscitarem
reflexões e questionamentos acerca do ensino de língua materna, não
promoveram mudanças significativas.
Na década de 80, com a redemocratização do ensino, e o fim da ditadura
no país, abre-se espaço para novas discussões sobre o ensino de língua. Nesse
período, se destacam autores como Geraldi, Faraco e outros que entabulam
discussões e mobilizam os professores para reverem o ensino de língua materna.
É nessa época também, que chegam ao Brasil, os fundamentos teóricos da
Análise de Discurso de tradição francesa – fundada por Michel Pêcheux, na
França, na década de 60 – via Eni Orlandi, hoje tida como o maior expoente
dessa perspectiva teórica, no país.
Como o próprio nome indica, a AD toma como objeto de estudo o
discurso, entendido como a palavra em movimento, como efeito de sentido entre
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interlocutores. De acordo com esse dispositivo teórico da interpretação, o discurso
– objeto histórico-ideológico – se materializa na língua, que não é vista como um
sistema abstrato, ou ainda, isolada em si mesma, tal como no estruturalismo, mas
como materialidade produzida pelos homens em diferentes espaços e tempos. A
perspectiva discursiva busca compreender então, como a língua produz sentidos
para e por sujeitos, uma vez que faz parte do homem e de sua história, o que
implica afirmar que ela não é considerada só como estrutura, mas sobremaneira,
como acontecimento.
Diferentemente da análise de conteúdo, a teoria materialista do discurso
não busca responder “o que o texto quer dizer”, mas procura a resposta para a
questão “como este texto significa”, porque parte da concepção de que a
linguagem não é mera transmissão de mensagens compartimentalizadas,
resultantes de um processo em que um emissor as transmite e um receptor as
decodifica, pois não há essa linearidade. Trata-se, portanto, de um complexo
processo de constituição de sujeitos e de sentidos, que visa a compreender “[...]
como um objeto simbólico produz sentidos, como ele está investido de
significância para e por sujeitos”, (ORLANDI, 2009, p.59).
No entanto, AD não procura encontrar o sentido “‘verdadeiro’, mas o real
do sentido em sua materialidade linguística e histórica”, (ORLANDI, 2009, p. 59),
pois não há sentidos literais, possíveis de serem apreendidos e transmitidos pela
língua. Assim, o processo de produção de sentidos se dá de forma complexa, em
circunstâncias sob as quais não temos absoluto controle.
Compreender um texto, por essa perspectiva teórica, significa então,
compreender como ele funciona, como ele organiza os gestos de interpretação,
que relacionam sujeito e sentido, ou seja, consiste em determinar as condições
em que os discursos são produzidos, levando em conta a junção do simbólico
(linguístico) e do imaginário (ideológico). Dizendo de outro modo, a prática de
leitura pressupõe ler o que foi dito e também o que não foi dito, já que o texto é
incompleto, cheio de furos e lacunas, conforme:
O gesto da interpretação se dá porque o espaço simbólico é marcado pela incompletude, pela relação com o silêncio. A interpretação é o vestígio do possível. É o lugar próprio da ideologia e é “materializada” pela história. (ORLANDI, 1998, p. 18).
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Essa teoria produz novas práticas de leitura, que requerem novos
sujeitos-leitores e diferentes olhares sobre o texto, bem como sobre seus
sentidos, pois tem por objetivo determinar o processo e as condições em que os
discursos são produzidos, e que compreendem, em sentido estrito, o sujeito e a
situação, e em sentido amplo, o contexto sócio-histórico-ideológico. Também a
memória faz parte das condições de produção dos discursos, pois nenhum
discurso é isolado e/ou inédito. Conforme (ORLANDI, 2009, p.32), “o dizer não é
propriedade particular. As palavras não são somente nossas. Elas significam pela
história e pela língua. O que é dito em outro lugar também significa ‘nossas’
palavras”.
Logo, tudo o que já foi dito retorna nos discursos, pelo trabalho da
memória discursiva ou do interdiscurso, entendido como o eixo vertical onde se
encontram todos os dizeres já ditos e esquecidos, que irrompem no fio do
discurso (intradiscurso), produzindo o efeito do novo ou inaugurando o diferente,
por meio dos processos parafrásticos e polissêmicos.
Dizendo de outro modo, para a AD, o que importa não é o ato de ler em si
mesmo, de passar os olhos pelo texto e de absorvê-lo, mas a análise daquilo que
está sendo dito e também daquilo que não está, pois o sujeito-leitor procura
escutar o que é dito em um discurso e em outro, e também aquilo que não é dito,
mas que significa, uma vez que o silêncio e a incompletude lhes são
característicos, e apenas uma parte desses discursos, o dizível, é acessível ao
sujeito-leitor, (ORLANDI, 2009, p.34). Dessa maneira, ao debruçar-se sobre o
texto, o sujeito-leitor deve atingir o processo discursivo, ou seja, o modo pelo qual
o texto significa, e a partir disso, compreenderá a produção dos sentidos e a
posição ocupada pelo sujeito que o produziu.
Logo, é no texto, seja ele oral ou escrito, uma letra, uma ou muitas frases
ou ainda enunciados, já que não é a extensão que o delimita, mas a
discursividade nele contida, que o sujeito-leitor encontra os vestígios, os gestos
de interpretação que são tecidos na historicidade, e que permitem passar da
superfície linguística para o objeto discursivo e deste, para o processo discursivo,
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a fim de explicitar a constituição dos sujeitos e dos sentidos, pois todo o texto tem
sua historicidade revelada em sua materialidade.
Dizendo de outro modo, para a teoria materialista, tal como proposta por
Pêcheux, o texto – diverso e heterogêneo quanto à natureza dos diferentes
materiais simbólicos, quanto à linguagem e a posição dos sujeitos – é a unidade
de análise que o sujeito-leitor tem diante de si. Já o discurso – processo em
curso, um conjunto de práticas que constituem a sociedade – se apresenta em
suas regularidades, produzindo sentidos, resultantes da ideologia e da conjuntura
dominante.
Para a AD, o que interessa não é a organização linguística desse objeto
simbólico, mas a relação que se estabelece entre língua, história, e sujeito.
Segundo (ORLANDI, 2009, p.70), “Compreender como um texto funciona, como
ele produz sentidos, é compreendê-lo enquanto objeto linguístico-histórico, é
explicitar como ele realiza a discursividade que o constitui.”
Nessa tarefa de compreender “como o texto significa”, isto é, de
interpretar, ou nos termos de (ORLANDI, 2007, p.18), de realizar “gestos” de
interpretação, deve ficar clara também, a inter-relação entre inteligibilidade,
interpretabilidade e compreensibilidade. Segundo ela, a inteligibilidade diz
respeito à decodificação; na interpretabilidade, o que se leva em conta são o co-
texto e o contexto. Por fim, compreender um texto é saber como ele produz
sentidos, como se organizam os gestos de interpretação que relacionam sujeito e
sentido. De acordo com a autora:
O sujeito que produz uma leitura a partir de sua posição, interpreta. O sujeito-leitor que se relaciona criticamente com sua posição, que a problematiza, explicitando as condições de produção da sua leitura compreende. (ORLANDI, 2008, p.117).
Assim, a compreensão pressupõe uma relação com a cultura, com a
história, com o social e com a linguagem. Em outras palavras, para o sujeito-leitor
chegar à compreensão, não basta interpretar, é fundamental que, além
considerar as condições em que o texto foi produzido, leve em conta também a
história da leitura e também as leituras já feitas por ele, pois compreender é, entre
outros aspectos, perceber que o sentido sempre pode ser outro.
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De acordo com (ORLANDI, 2008a, p.41), “[...] toda leitura tem sua
história”, pois um mesmo texto pode ter sentidos diferentes de acordo com a
época em que é lido. Além disso, um texto significa diferentemente para o mesmo
sujeito-leitor, quando lido em épocas diferentes e em condições também
diferentes, o que pressupõe que a cada leitura se impõe outras condições de
produção e também outros sentidos, pois cada “gesto” de interpretação é peculiar,
histórico, previsível e imprevisível, feito por sujeitos iguais ou diferentes, com
propósitos também diferentes. De acordo com a autora, a prática de leitura
envolve os seguintes aspectos:
As condições de produção do texto; O sujeito-leitor condicionado pela história e por sua subjetividade; Os diferentes modos de leituras; A multiplicidade de sentidos; O condicionamento ideológico e histórico tanto do leitor, quanto dos sentidos. (ORLANDI, 2008a, p.10).
Para compreender o texto, é necessário que o sujeito-leitor entenda como
ele funciona, o que pode ser feito pela observação dos processos e mecanismos
de constituição dos sujeitos e dos sentidos. Para tanto, a análise é feita por
etapas e procedimentos, que dão formato ao dispositivo teórico em questão, e de
modo geral, podem ser assim descritas: passagem da Superfície Linguística, e
que compreende a passagem do texto para o discurso; dessa superfície para o
Objeto Discursivo (Formação Discursiva) e deste, para o Processo Discursivo
(Formação Ideológica).
Isso significa que, num primeiro momento, o sujeito-leitor busca a
discursividade do texto, e constrói um objeto discursivo, a partir do qual desfaz a
ilusão de que o que foi dito, só poderia ter sido dito daquela maneira,
desnaturalizando assim, a relação entre palavra e coisa. Nessa fase, é de suma
importância o trabalho com as paráfrases, com a sinonímia, e também com os
ditos e os não-ditos, que possibilitam antever as formações discursivas inscritas
no texto, e que permitem que as palavras signifiquem diferentemente.
Para a AD, os gestos de interpretação somente se efetivam quando se
estabelece uma relação necessária entre o texto, o sujeito e a formação
discursiva, pois “[...] o sentido não existe em si, mas é determinado pelas
posições ideológicas colocadas em jogo no processo sócio-histórico em que as
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palavras são produzidas”, (ORLANDI, 2008, p.58). Ou seja, as palavras mudam
de sentido conforme as posições ocupadas por aqueles que as usam. Desse
modo, os sentidos não estão pré-determinados, mas dependem das relações
estabelecidas nas e pelas formações discursivas nas quais as palavras ou
expressões são produzidas.
Num segundo momento, a partir do objeto discursivo, o sujeito-leitor deve
buscar estabelecer a relação entre as formações discursivas – concebidas por
(PÊCHEUX, 1997, p.166) como “o que pode e deve ser dito”, e de onde emergem
os sentidos observados no processo de significação – com a formação ideológica
que entrecruza o texto, e que é entendida pelo mesmo autor como:
Um complexo de atitudes e de representações que não são nem ‘individuais’ nem ‘universais’, mas se relacionam mais ou menos diretamente a posições de classes em conflito umas com as outras. (PÊCHEUX, 1997, p.166, grifos do autor).
Conforme (ORLANDI, 2009, p.78), é nesse momento que o sujeito-leitor
chega à constituição dos processos discursivos dos quais derivam os efeitos de
sentido produzidos pelo texto, e que além dos processos parafrásticos, devem ser
observados ainda, os efeitos metafóricos. Assim, para a AD, a paráfrase e a
metáfora3, são elementos que permitem observar as relações que se estabelecem
entre estrutura e acontecimento, pois tanto a “repetição do mesmo” como os
“deslizes” são formadores do processo de produção de sentidos e, portanto, dos
discursos.
Enfim, o trabalho com o texto deve pautar-se num ir e vir constante, num
retorno contínuo entre esse objeto simbólico e a teoria, pois é dentro desse
trabalho de descrição e interpretação que as complexas relações que se
estabelecem entre discurso-sujeito-língua podem ser observadas.
Cabe ao sujeito-leitor interpretar os resultados do processo de
compreensão do discurso, tendo sempre em mente, que um objeto de análise não
se esgota, pois pode configurar-se num recorte, e essa forma de recorte
3 Para Orlandi (2009, p. 78), nos termos de Pêcheux (1969), o “efeito metafórico” é o fenômeno
semântico produzido pela substituição contextual. Segundo ela, a metáfora se constitui em transferência e não em desvio, e está na base da formação dos sentidos e sujeitos, pois é o lugar da interpretação, da ideologia e da historicidade.
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estabelece o modo de análise e depende do dispositivo teórico de interpretação
construído. Ou seja, um mesmo texto pode ser analisado de maneira diferente,
com outros objetivos e a partir de inúmeros dispositivos teóricos de interpretação.
A partir disso, é possível afirmar, que a prática de leitura, na escola, não
deve ser o resultado de leituras impostas, arbitrárias, baseadas na autoridade do
professor e nos sentidos já legitimados, institucionalizados pelas classes
dominantes. Ao contrário, deve suscitar sempre uma nova leitura, e tantas outras
quantas forem possíveis, pois nenhum gesto de interpretação é neutro, e há que
se levar em conta, a história do texto e também as histórias de leitura do sujeito-
leitor, que dão sentido ao que ele lê.
Assim, para a AD, de certa forma, todas as leituras são inéditas, pois o
sujeito-leitor, conforme já assinalado, nunca atribui o mesmo sentido a um texto,
ou seja, não existe uma única possibilidade de leitura, mas uma pluralidade
possível e desejável delas. Segundo (ORLANDI, 2008a, p.43), “[...] as leituras já
feitas de um texto e as leituras já feitas por um leitor compõem a história da leitura
em seu aspecto previsível”. Dizendo de outro modo, a escola e o professor devem
levar em consideração, as histórias de leitura do texto e também aquelas que o
sujeito-leitor traz consigo para sala de aula, pois a prática da leitura pautada em
sentidos vigentes e/ou legitimados por uma determinada cultura ou classe social,
em nada contribui para formação de sujeitos-leitores.
Além disso, selecionar e classificar os textos a serem lidos ou não levar
em conta a história de leitura dos sujeitos-leitores pode produzir o afastamento
dessa prática e/ou a resistência, na medida em que essa seleção categoriza as
leituras que não tem relação com sua historicidade. Portanto, ao propor práticas
de leitura, o professor deve ser criterioso e conhecer com antecedência as
histórias de leituras de seus alunos.
Outrossim, fazer esse diagnóstico não significa que ele não possa
apresentar outros textos, outras leituras. Porém, iniciar a prática de leitura a partir
das leituras já feitas pelos sujeitos-leitores, é uma possibilidade a mais de
trabalhar o cotidiano deles. Em contrapartida, o espontaneísmo, ou a ausência de
uma proposta, não constitui uma forma eficaz de formar sujeitos-leitores
competentes, na escola.
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Para a AD, a multiplicidade, a diversidade de leituras e de sentidos
advindos das histórias dos alunos e do contexto mais amplo, das subjetividades,
das especificidades do sujeito-leitor, não devem ser classificadas, mas
desveladas, trabalhadas e respeitadas. Logo, para a AD, a prática de leitura
constitui uma prática de compreensão daquilo que é lido em seus diferentes
sentidos, e que resulta numa leitura ou em muitas leituras, pois está relacionada a
muitas implicações, que são de natureza subjetiva e sócio-histórica. Dessa
forma, a Análise de Discurso não pensa a leitura como algo passível de ser
ensinado metodicamente, mas como possível de ser trabalhada, já que a
legibilidade de um texto é uma questão histórica e de sentido amplo.
3 Prática docente: Análise de Discurso e a formação de sujeitos-leitores
competentes
Como docente de Língua Portuguesa, o desafio posto no dia-a-dia da prática
educativa é a ausência da prática de leitura, seja por falta de tempo, orientação,
vontade e/ou necessidade de ler. Essa problemática nos motivou a pensar numa
forma de abordar essa atividade em sala de aula e desse propósito, tomando por
base o respaldo teórico da Análise de Discurso de linha francesa, é que se
constitui o projeto cujos resultados apresentamos nesta parte do trabalho.
Conforme já adiantamos, o projeto de implementação pedagógica intitulado
“Crônicas de Stanislaw Ponte Preta: uma perspectiva discursiva da leitura”, foi
desenvolvido junto aos alunos da 3ª série, do curso de Formação de Docentes, do
período noturno, no Colégio Estadual Padre Sigismundo, em Quedas do Iguaçu,
durante os meses de agosto a novembro de 2011. Salientamos ainda, que as
diferentes atividades desenvolvidas e aqui descritas e analisadas tiveram como
objetivo primordial, propor a leitura de crônicas, com o objetivo de formar sujeitos-
leitores competentes, capazes de compreender o que leem, bem como o seu
entorno, a partir dos diferentes discursos que os cercam.
O trabalho foi desenvolvido com uma turma em que a maioria dos alunos
é do sexo feminino, e cuja faixa etária varia de 17 a 51 anos e, na maior parte, já
estão inseridos no mundo do trabalho em diferentes formas e regimes. Além
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disso, alguns deles já possuem o ensino médio, mas voltaram para a escola com
o objetivo de fazer um curso profissionalizante, nesse caso, o de Formação de
Docentes.
Antes de iniciar a implementação do projeto, foi aplicado um questionário
aos alunos, acerca da importância da leitura para a formação do sujeito-leitor.
Inicialmente, foi feita a seguinte pergunta: “O que é leitura?” Os alunos
responderam que ler é: “adquirir conhecimentos”, “desenvolver o aprendizado”,
“obter informações”, “hábito que se adquire com o tempo”, “ficar bem informado”,
“identificar códigos”, ou seja, esses sujeitos-professores em formação
reproduziram o discurso acadêmico vigente em décadas anteriores, segundo o
qual, a leitura/texto, serve para transmitir informações.
Outros responderam que ler é “fazer uma viagem”, “um momento
mágico”, “ir a lugares desconhecidos”, “desenvolver a imaginação”, “viver o
impossível”. Enfim, quando questionados, esses sujeitos deram múltiplos sentidos
à leitura, ora associando-a ao esquema elementar da comunicação, em voga na
década de 1960 e, segundo o qual, um emissor (autor do texto) transmite uma
mensagem (conteúdo do texto) a um receptor (leitor), por meio de um código
(Língua Portuguesa) e de um canal (texto escrito), referindo a algum elemento da
realidade, ora entrecruzando nos seus discursos, outros discursos já legitimados
pelas instituições de ensino e pelos documentos oficiais. Porém, quanto à prática
de ler em si, observamos um distanciamento entre o que eles compreendem ser a
leitura e aquilo que efetivamente praticam, ou melhor, notamos que esses sujeitos
não leem, pois segundo eles, poucos emprestam livros na biblioteca da escola e
quando o fazem, por vezes, os devolvem sem ler. Responderam ainda, que não
conseguem definir que tipos de leitura estão fazendo ou deveriam fazer.
Verificamos ainda, que a maioria deles argumentou não dispor de tempo
para leituras, mas curiosamente, algumas adolescentes afirmaram ler histórias
românticas (Júlia, Sabrina), mas não aquelas produzidas por escritores
consagrados, argumentando que alguns textos são de difícil entendimento, e que
esse fator as desestimula a ler esses livros.
Constatamos assim, que esses sujeitos reconhecem a importância da
prática da leitura, mas em sua grande maioria, não gostam de ler e apresentam
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grande dificuldade para compreender os sentidos daquilo que leem. O grande
desafio do professor/escola é, então, desenvolver neles o interesse pela leitura, e,
em especial, levá-los a compreender que efeitos de sentido os textos produzem,
apesar da maioria deles estar voltada para o discurso que os meios de
comunicação de massa e informação oferecem.
No desenrolar da proposta de ensino, foram disponibilizadas algumas
crônicas de Stanislaw Ponte Preta e foi feita a pergunta: “Você sabe o que é
crônica?”, Muitos deles responderam que crônica é: “humor refinado”, “texto
curto”, “texto que tenta criar humor a partir de situações do cotidiano”, e ainda
“história da vida dos reis” e “texto escrito para coluna jornalística.” Com essa
atividade, constatamos, mais uma vez, a multiplicidade de sentidos atribuídos a
uma única questão, pelos diferentes integrantes do grupo, em que prevaleceram
os discursos didático-pedagógicos. Contudo, esses sentidos foram importantes e
necessários para aprofundar o conhecimento desses sujeitos acerca desse tipo
de texto.
Posteriormente, perguntamos sobre quem já havia lido crônicas. Poucos
responderam afirmativamente, e muitos não souberam explicar se o texto que
haviam lido era, de fato, uma crônica. Muitos disseram que assim a classificaram,
porque já tinham ouvido falar sobre ela, então tinham uma vaga noção da
estrutura da mesma. Alguns disseram ter assistido: “Crônicas de Nárnia”, e os
filmes “Desventura em Série”, “A mulher que queria casar” e “Sete ossos e uma
maldição”, mas não souberam responder se haviam feito leituras de crônicas de
autores reconhecidos do cânone literário. Constamos que o que alguns deles
haviam lido eram apenas fragmentos de textos em livros didáticos e que não
sabiam diferenciar a crônica de outros tipos de texto, como, por exemplo, do
conto.
Neste momento, introduzimos o conceito de crônica e discutimos sobre as
leituras que haviam experienciado, assim como sobre os diferentes conceitos
existentes para esse tipo de texto. Após isso, cada aluno elaborou seu próprio
conceito de crônica, e em seguida, quando todos haviam chegado a um
entendimento sobre o conceito, passaram a pesquisar, em uma revista local
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(Revista Clic, de circulação mensal), assim como em um jornal local, a crônicas
jornalísticas.
Após esse primeiro contato, de caráter mais teórico e conceitual,
passamos para os “gestos de interpretação”, propriamente ditos. Para tanto,
foram selecionadas e lidas, em sala de aula, durante as aulas de Língua
Portuguesa, aproximadamente 40 crônicas de Stanislaw Ponte Preta. Nessa
etapa do trabalho, percebemos um interesse maior por parte dos alunos, e por ser
feito em sala de aula, muitos mergulharam nas leituras, fazendo comentários com
os colegas, e indicando outros textos para serem lidos. As trocas e comentários
sobre alguns textos provocaram risos e dinamizaram as aulas.
Feitas as leituras, os alunos relataram, oralmente, para a turma, a história
lida, atribuindo-lhe sentido. Ao apresentarem oralmente algumas crônicas, e como
complemento da atividade, dada a proximidade do texto com a realidade de cada
aluno, com o seu dia-a-dia, alguns deles se propusessem, de livre e espontânea
vontade, a dramatizá-las, como se estivessem vivendo aquele momento.
Posteriormente, foram apresentadas algumas crônicas do mesmo autor,
disponíveis no Youtube, dentre elas: “A velha contrabandista”, “A estranha
passageira” e “A burocracia do buraco”. Com esse material, foi possível mostrar
como o texto lido fora interpretado pelo sujeito-produtor, ou seja, que efeitos de
sentido esses textos produziram em outros sujeitos, pois conforme (ORLANDI,
1998, p.88), “[...] Os gestos de interpretação são constitutivos tanto da leitura
quanto da produção do sujeito falante. Isto porque, quando fala, o sujeito também
interpreta”. Isso se deve ao fato de que, de acordo com a AD, os sentidos não
existem por si mesmos, mas são determinados pelas formações ideológicas e
sócio-históricas em que os discursos foram produzidos.
No decorrer do trabalho, foi realizada uma pesquisa, no próprio material
didático, sobre a vida de Stanislaw Ponte Preta, com o objetivo de conhecer a
vida do autor, para relacioná-la com as condições de produção da sua obra. Uma
das coisas que mais chamou a atenção foi a vocação do autor para o humor,
despertada logo cedo, ainda nos tempos de colégio, já que ele havia sido um
menino alegre e bem-humorado. Além disso, a crônica é, por sua própria
natureza, um texto humorístico, isto é, também na crônica pode ser observado um
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sujeito-autor inscrito em formações ideológicas e sócio-históricas que produzem
sentidos.
Após a discussão acerca das condições de produção dos textos
selecionados e, ao debater sobre as temáticas de cada um deles, os alunos
fizeram outras leituras, pois para a AD, um texto pode ser lido diferentemente pelo
mesmo leitor ou ainda por leitores diferentes, pois há várias “histórias de leitura”.
Para (ORLANDI, 2009, p.59), a “Análise de Discurso não procura o sentido
‘verdadeiro’, mas o real do sentido em sua materialidade linguística e histórica”.
Após isso, os alunos desenvolveram as atividades propostas para “Sinal
Vermelho, moça idem” e “O Inferno Nacional”, observando os diversos sentidos
produzidos por cada texto, por meio da sua forma material, uma vez que, “[...]
Este é o primeiro passo para o ensino da leitura: pelo funcionamento discursivo,
compreender como os gestos de interpretação (se) materializam o discurso no
texto”, (ORLANDI, 2008b, p.70).
Salientamos que a leitura de crônicas constitui uma das possíveis
práticas de leitura, mas se quisermos formar sujeitos-leitores competentes, temos
de proporciona-lhes o contato com a diversidade de textos que circulam
socialmente, não levando em conta a quantidade ou o tipo de texto que se
oferece a esses sujeitos leitores, mas “[...] os sentidos produzidos na variedade
de textos para que o sujeito apreenda o processo mais do que acumular
produtos”, (ORLANDI, 2008b, p. 71).
Como atividade complementar, foi sugerida a produção de uma crônica,
cujo objetivo foi registrar as histórias contadas pela família e ocorridas no
cotidiano dos sujeitos-alunos que ora se tornaram sujeitos-autores. De acordo
com (ORLANDI, 2008a, p.82), “[...] a escola enquanto lugar de reflexão é um lugar
fundamental para a elaboração dessa experiência, a da autoria, na relação com a
linguagem.” Isso implica dizer, que o aluno, ora sujeito-leitor, passa por uma
experiência de sujeito- autor. Contudo, as crônicas produzidas por esses sujeitos-
autores, de acordo a teoria da leitura, não constituem discursos novos, mas
resultam da concepção ideológica e sócio-histórica de cada sujeito e do
atravessamento da língua e da história, pois para AD, todo discurso constitui um
já-dito em outro lugar e tempo. No entanto, esses já-ditos retornam no fio
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discurso, como se fosse novo, devido à ilusão de centramento desse sujeito, isto
é, da ilusão de que ele é a origem do dizer.
Ao término da implementação do projeto, foram desenvolvidas outras
atividades não previstas, que surgiram por sugestão dos alunos e por estar de
acordo com a proposta do projeto de implementação. Para diversificar as aulas,
foi marcada uma encenação das crônicas escolhidas pelos alunos e alguns deles
apresentaram textos de outros autores como: Fernando Sabino, Carlos
Drummond de Andrade, entre outros. Por se tratar de sujeitos do curso de
formação de docentes, e que na sua atuação futura podem vir a utilizar essas
práticas, observamos o interesse pela dramatização, uma vez que essa prática é
também uma forma de observar os efeitos de sentidos provocados por um texto.
Cabe salientar, que ao longo do desenvolvimento do trabalho, constamos
que formar sujeitos-leitores é paradoxal, pois o processo é simples e complexo ao
mesmo tempo, e permeado de contradições, e que como sujeitos-professores que
somos, e também em construção, precisamos, constantemente, avaliar as nossas
práticas de leituras, percebendo-nos também como sujeitos-leitores. Segundo:
[...] cabe ao professor, que está diretamente comprometido com atividade pedagógica, a elaboração de uma etapa crucial na divisão do trabalho: propiciar, pela ação pedagógica, a sua própria transformação e a do aprendiz, assim como se dá da forma de conhecimento que tem acesso. (ORLANDI, 2008, p.82-83.)
Em outras palavras, cabe ao sujeito-professor oportunizar o contato com
novas práticas de leitura e repensar sua prática pedagógica, para a qual é
fundamental conhecer e aplicar novas teorias que a embasem e possibilitem
resolver os problemas encontrados na escola. Ensinar a ler é um desafio que
deve ser enfrentado com método coerente e disponibilidade para trabalhar com as
histórias de leitura do texto e do sujeito-leitor, além das próprias histórias de
leitura.
Enfim, o desenvolvimento desse trabalho, embasado teoricamente na AD
– teoria que fornece o suporte para a leitura – possibilitou uma mudança de
postura frente a essa prática, tanto no sujeito-professor quanto nos sujeitos-
alunos, que se transformaram em sujeitos-leitores que, ao longo do processo,
ressignificaram os sentidos da leitura. Além disso, também contribuiu para
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mudanças imediatas e criou expectativas para outras práticas, envolvendo outros
sujeitos, e outros sentidos para textos criados em outras condições de produção.
3.1 O Grupo de trabalho em Rede (GTR): Outra linguagem, outros sentidos
O GTR é um trabalho desenvolvido em grupo, que tem como suporte o
MOODLE – ambiente de aprendizagem virtual – cujo objetivo primordial é
promover a integração, a troca de experiências e a capacitação dos docentes da
rede pública estadual do Paraná.
Inicialmente, o projeto de implementação e o material de apoio
pedagógico elaborado pelos professores envolvidos no Programa de
Desenvolvimento Educacional (PDE)/2010, foram postados na plataforma, para
que fossem apreciadas pelos cursistas interessados.
Tendo em vista a proposta do projeto de implementação, que era a de
oferecer suporte teórico para ler e interpretar textos, a partir das crônicas de
Stanislaw Ponte Preta, vários professores interessam-se pela temática e o
trabalho teve início. O curso foi desenvolvido no ano de 2011, teve a duração de
três meses aproximadamente e, e contou com a participação efetiva de sete
cursistas.
No decorrer do GTR, os professores deram suas opiniões sobre a
temática e sobre a utilização da crônica como opção para práticas de leitura, bem
como para análise e interpretação do texto em sala de sala. As questões
propostas no curso suscitaram discussões sobre a formação de sujeitos-leitores
competentes, sobre a falta de estímulo para a prática de leitura, e também sobre
as possibilidades de abordagens, bem como sobre os dispositivos teóricos que o
sujeito-professor deve utilizar na sala de aula. Logo, as discussões giraram, de
forma geral, em torno do uso das crônicas, da contribuição da AD, bem como da
sua aplicação nas aulas de leitura. De acordo com uma das cursistas 4:
Creio que a análise do discurso é a tentativa de entender e explicar como se constrói o sentido de um texto e como esse texto se articula
4 Comentário postado no Fórum, pela cursista Denise Aparecida da Rocha, no dia 17/10/2011 no GTR.
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com a história e a sociedade que o produziu. Oferece os meios para a reflexão sobre a estrutura e a geração do sentido do texto. Por meio da Análise do Discurso, o professor pode conduzir os alunos na descoberta das pistas que podem levá-los à interpretação dos sentidos, a descobrirem as marcas estruturais e ideológicas dos textos.
Durante essas atividades, foi possível perceber os muitos sentidos que o
próprio texto de apoio pedagógico produziu, uma vez que passou pela análise,
ainda que superficial, de outros sujeitos-professores. Ou seja, foram feitas outras
leituras, por outros sujeitos, que produziram outros sentidos, pois, o texto escrito e
proposto aos cursistas, não é um produto pronto acabado, ou de acordo com
(ORLANDI, 2008, p.83), “[...] esse texto que escrevi, e que se coloca como um
produto na circulação do saber, também não está pronto. É só parte do processo.”
Em outras palavras, a proposta inicial elaborada e o texto de apoio produzido e
utilizado são parte do processo e não constituem uma verdade pronta, absoluta e
única. Ao ler o material, os cursistas puderam desvelar outros sentidos, tendo em
vista que, assim como o sujeito-autor, esse sujeito-leitor também possui sua
história de leitura. Nesse sentido, cabe lembrar ainda, que muitos cursistas
trabalhavam com outros suportes teóricos, o que possibilitou que outros sentidos
fossem produzidos.
4 Considerações finais
Fomos motivados a desenvolver a presente pesquisa a partir das
dificuldades encontradas em sala de aula como docente de Língua Portuguesa.
As muitas dúvidas e questionamentos sobre a problemática da leitura propiciaram
não só uma mudança nos alunos, mas também na nossa prática como docente.
Aprofundar e discutir conhecimentos teóricos por meio de referencial bibliográfico
sobre essa temática, e o constante repensar sobre as práticas de leituras na
escola, bem como a sua ausência no cotidiano de muitos alunos, foi de suma
importância para o desenvolvimento do projeto proposto.
Devido a nossa formação acadêmica, no transcorrer do nosso trabalho
docente, nos detivemos mais às práticas de leitura que considerávamos mais
importantes para formação de nossos alunos, ou seja, trabalhávamos,
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principalmente, com a leitura dos clássicos da literatura brasileira. Nesse sentido,
acreditávamos que a leitura eficaz era a do cânone, negligenciando outros tipos
textos. Pudemos perceber também, que praticávamos uma interpretação de
conteúdo, porém, após as leituras indicadas pela orientadora e a revisão
bibliográfica, modificamos a nossa prática pedagógica de leitura e de abordagem
de interpretação de texto.
As práticas de leituras, a formação de sujeitos-leitores competentes e a
complexidade que envolve os “gestos” de interpretação são desafios constantes
do docente, e este trabalho nos permitiu concluir que, apesar da complexidade e
de os resultados, muitas vezes só poderem ser observados em longo prazo, é
possível formar sujeitos-leitores competentes, utilizando textos tais como a
crônica, pois não basta “ler”, é preciso entender o que se lê.
Observamos, ao longo do trabalho, mudanças de postura frente às leituras
realizadas, e que o sujeito-leitor não “extrai” o sentido do texto, mas atribui
sentidos a ele, o que implica também, admitir a possibilidade de haver muitas
leituras possíveis para ele. Ao terminar o trabalho, muitos alunos se sentiram
motivados a ler e a buscar outras leituras, outros autores e outros tipos de texto.
Porém, existem resultados que não podem ser medidos quantitativamente e estão
fora do alcance da nossa prática.
Por fim, gostaríamos de registrar, que este artigo foi produzido em
condições bem específicas, por um sujeito-autor, que ocupa a posição de
professor e agora, também de pesquisador, e resulta das leituras que nos
permitiram entrar em contato com uma teoria que fornece o respaldo teórico
necessário para desenvolver a prática da leitura na escola, além do constante
repensar a nossa prática como professor e como sujeito-leitor, também
atravessado por formações ideológicas e pelo contexto sócio-histórico em que
estamos inseridos, e que se revelam no nosso discurso.
Acreditamos que esse programa propiciou mudanças significativas em
nossas concepções acerca do que é leitura, bem como na nossa prática como
docente. Ou seja, ao trabalhar a prática de leitura pela perspectiva discursiva com
os alunos, ressignificamos a nossa prática como sujeito-professor.
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Salientamos ainda, que esta temática abre-se para muitas possibilidades
de pesquisa e estudo, pois esse trabalho não exauriu o tema, e esse texto que
ora se apresenta, não representa uma verdade, mas uma parte, um fragmento,
um “gesto de interpretação” sobre a prática de leitura que temos e que queremos
nas escolas.
5 Referências Bibliográficas
DCE - Diretrizes Curriculares da Educação Fundamental da Rede de Educação Básica do Estado do Paraná. 2008.
GERALDI, João Wanderlei. O texto na Sala de Aula - Leitura & Produção. 6. ed. Cascavel, PR: Assoeste, 1991.
MOISÉS, Massaud. A Criação Literária – Prosa. 13. ed. ,São Paulo. Cultrix, 1997.
ORLANDI, Eni Puccinelli. A Análise de Discurso. Princípios & Procedimentos. 8.
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_____. Discurso e Leitura. 8. Ed. São Paulo : Cortez, 2008a.
_____.Discurso e Texto: Formulação e Circulação de Sentidos. 3. Ed. Campinas /SP: Pontes, 2008b.
_____. Interpretação: Autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. 2. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998a.
_____. A Leitura e os Leitores. Campinas/SP: Pontes, 1998b.
_____. Gestos de Leitura: Da História no Discurso. 2. ed. Campinas/SP: Unicamp, 1997.
PECHÊUX, Michel. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas/SP: Pontes, 1997.
PONTE PRETA, Stanislaw. Crônicas de Humor Carioca. Rio de Janeiro: Agora Comunicação Integrada Ltda., 1998.