apego positivo em crianÇas em situaÇÃo de …este artigo refere-se a uma pesquisa qualitativa e...
TRANSCRIPT
412
APEGO POSITIVO EM CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE ACOLHIMENTO: PERSPECTIVA A PARTIR DO VÍNCULO AFETIVO COM OS CUIDADORES
POSITIVE ATTACHMENT IN INSTITUTIONALIZED CHILDREN: PERSPECTIVE SEEN TROUGH THE RELATIONSHIP BETWEEN CHILDREN AND THEIR
CAREGIVERS
Caroline Pereira da Silva – [email protected] Mariana Pivato da Rocha Galenti – [email protected]
Graduandas do Curso de Psicologia – UniSALESIANO Lins Profª. Esp. Melissa Fernanda Fontana – UniSALESIANO Lins -
RESUMO
Este artigo refere-se a uma pesquisa qualitativa e de abordagem psicanalítica, que teve como objetivo analisar o estabelecimento de apego positivo em crianças institucionalizadas. Participaram do estudo, 4 crianças (duas duplas de irmãos), com idades compreendidas entre 5 e 10 anos. Três dessas crianças fazem uso de medicamento psiquiátrico. Foram entrevistados, através de entrevista semiestruturada, três cuidadores e também uma assistente social e uma psicóloga, ambas responsáveis pela instituição. O trabalho explorou a história da institucionalização no Brasil, a teoria do apego, e uma pesquisa de campo, realizada na Casa Lar Abrigo de Lins. Os dados coletados foram analisados através do método de Bardin. Esse trabalho permitiu compreender melhor os efeitos das mais variadas privações vivenciadas pelas crianças institucionalizadas bem como averiguar a importância do abrigamento e dos cuidadores na vida de cada um dos moradores da Casa Lar Abrigo de Lins. Palavras-chave: Institucionalização. Casa Lar. Instituição de acolhimento. Apego positivo. Cuidadores.
ABSTRACT
This research that aimed to analyze the establishment of positive attachment in institutionalized children has a qualitative nature and counted on the theoretical psychoanalytic reference. Four children (two pairs of siblings) aged between 5 and 10 years took part in the study. Three of these children use psychiatric medication. Three caregiver and also a social worker and a psychologist, both responsible for the institution, were interviewed through semi-structured interviews. The project explored the history of institutionalization in Brazil, the attachment theory was approached and at the end of it, a field survey that took place at Lins Casa Lar Abrigo was presented. The collected data were analyzed using the Bardin method. From this research work on, a better understanding of the most varied deprivations experienced by institutionalized children was possible, as well as to ascertain the importance of shelter and caregivers in the life of each of the residents of Lins Casa Lar Abrigo. Keywords: Institutionalization. Casa Lar. Host institution. Positive attachment. Caregivers.
413
INTRODUÇÃO
A institucionalização tem emergido como uma medida alternativa de
prestação de cuidados em percursos de vida marcados por diversas situações
adversas associadas à orfandade, maus-tratos, negligência e/ou abandono.
Os abrigos ou orfanatos, educandários e casas-lares são locais para onde
vão crianças e adolescentes que correm algum risco por não serem cuidados
adequadamente ou mesmo quando são abandonados por seus responsáveis. Essas
instituições são responsáveis por zelar pela integridade física e emocional dessas
crianças e adolescentes. (SILVA; AQUINO, 2005).
Quando estão abrigados, essas crianças e adolescentes ficam sob a guarda
do responsável pelo abrigo e são acompanhados pelas autoridades competentes.
Para que seus direitos sejam assegurados de acordo com a legislação brasileira, é
lhes oferecida uma atenção especial. Estão incluídos nesses direitos a convivência
familiar e comunitária. (SILVA; AQUINO, 2005).
Os abrigos institucionais na modalidade Casa Lar surgem a partir da
regulamentação da lei 7644 de 18 de dezembro de 1987, com o objetivo de oferecer
um espaço às crianças e adolescentes institucionalizados em medida de proteção,
que se assemelhe ao máximo a um ambiente familiar, proporcionando atitudes de
autonomia juntamente com interações sociais.
A partir da intenção de verificar se as crianças institucionalizadas conseguem
desenvolver apego positivo pelos seus cuidadores, as autoras dessa pesquisa
viram-se interessadas em aprofundar os estudos sobre apego positivo, e relacioná-lo
com as informações obtidas na Casa Lar de Lins, cujo serviço é direcionado a
crianças e adolescentes do Município de Lins na faixa etária de 0 a 18 anos
incompletos, afastados do convívio familiar por meio de medida protetiva, vítimas de
violação de direitos ocasionados em grande parte por: violência, negligência,
abandono, falta de cumprimento do dever de sustentação, guarda e educação dos
filhos, conforme preconizado pelo artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA).
Crianças que são vítimas de violação do direito acabam indo para instituições
como estas, que passam a ser sua casa, e os cuidadores passam a desempenhar o
papel de pais. Siqueira e Dell’Aglio (2006) ressaltam que a instituição de abrigo para
as crianças e adolescentes passa a ser a fonte de apoio social mais próxima e
414
organizada e acaba por desempenhar um papel essencial para o seu
desenvolvimento, capaz de proporcionar uma expansão do mundo social das
crianças e adolescentes abrigados a partir da convivência desses com seus
cuidadores.
Mas para que o resultado dessa interação entre crianças afastadas do
convívio familiar e abrigo seja satisfatório, é necessário que a instituição forneça
recursos para que essas crianças abrigadas enfrentem os eventos negativos
provenientes tanto de suas famílias quanto do mundo externo, além de
proporcionarem modelos identificatórios positivos, segurança e proteção. (SILVA;
GERMANO, 2015).
Figueiró (2012) traz, como uma das grandes dificuldades pelas quais passam
esses serviços, a falha na estrutura como o ambiente físico inadequado, o
despreparo dos profissionais que trabalham na instituição, reduzido número de
funcionários, precária socialização oferecida pelo abrigo, grande rotatividade de
funcionários, quando o atendimento não preza pelo acolhimento e proteção de fato,
dificuldade de integração entre o abrigo e outras instituições importantes para a
reintegração social da criança e do adolescentes, como escola, serviço de saúde,
conselho tutelar, família e comunidade.
Esse trabalho teve como objetivo geral investigar se as crianças em situação
de acolhimento desenvolvem o apego positivo pelos seus cuidadores e como esse
vínculo acontece e como objetivos específicos fez-se pesquisa bibliográfica
relacionada com a questão do apego positivo; entrevistas com profissionais que
atuam nesta instituição tais como psicólogo, assistente social e cuidadores e
também uma observação dos comportamentos de 4 crianças de 5 a 10 anos dentro
desta instituição. Três dessas crianças faz uso de medicamento psiquiátrico.
Foi possível verificar, a partir das pesquisas realizadas nesse trabalho, que
existem alguns fatores que interferem diretamente na qualidade da relação entre
crianças e seus cuidadores. Esses fatores podem ser tanto internos – vivências,
internalizações e nível de resolução dos conflitos internos, quanto externos, que são
as regras impostas pela institucionalização como horário de trabalho dos cuidadores,
número de moradores da instituição, existência ou não de apoio psicológico para os
cuidadores e para os acolhidos e rotatividade de cuidadores, para citar os mais
marcantes.
Diante dessas informações obtidas com esta pesquisa, ela visa ser útil e
415
relevante à instituição Casa Lar de Lins, ao passo que, depois de finalizada, poderá
trazer maior conhecimento aos cuidadores sobre a importância dessa instituição na
vida dessas crianças, aos administradores da instituição Casa Lar de Lins, que
poderão fazer uso das informações e conclusões aqui contidas para lhes ajudar a
fazer mudanças que sejam relevantes ao bem estar físico e emocional dessas
crianças enquanto moradoras do abrigo, bem como no preparo delas e de suas
famílias, para que tenham a chance de se compreenderem e, caso essas voltem a
reaver a guarda de seus filhos, para que saibam lidar com comportamentos
inesperados.
Poderá ser útil, também, a futuros pesquisadores que queiram se aprofundar
no tema aqui abordado, famílias adotantes e à sociedade, que poderá compreender
melhor a importância de uma casa lar abrigo.
1 A TEORIA DO APEGO
Como informa John Bowlby (1989), as origens desta teoria vêm desde os
anos 1930 e 40, quando um certo número de clínicos observou efeitos doentios no
desenvolvimento da personalidade devido a cuidados institucionais ou então à
constante troca da figura materna nos primeiros anos de vida.
A Teoria do Apego evidencia a importância da ligação emocional que se
desenvolve entre o bebê e a figura materna (mãe ou mãe substituta), entendida
como aquela pessoa que desempenha regular e constantemente o cuidado com o
bebê, em uma relação na qual ambos encontrem satisfação e prazer e por quem a
criança passa a desenvolver apego, com quem se sente segura e protegida. “O
comportamento de apego foi definido como a busca e a manutenção da proximidade
de um outro indivíduo” (BOWLBY, 2002, p. 240). Essa ligação é importante para
orientar o desenvolvimento afetivo, cognitivo e social dessa criança e o apego torna-
se a base para a identificação e a determinação de posteriores relações duradouras
e mútuas.
Essa teoria afirma que a construção de vínculos afetivos é natural dos seres
humanos e que ao longo do tempo esses vínculos podem tornar-se insubstituíveis.
Explica-se assim a necessidade que bebês humanos, que nascem e são
condicionados a uma extrema vulnerabilidade fisiológica, têm de alguém que forneça
os cuidados primordiais para a sobrevivência (SABLE, 2008 apud GOMES, 2011)
416
Uma diferença importante entre “apego” e “comportamento de apego” é que
se o “comportamento de apego pode, em circunstâncias diferentes, ser mostrado a
uma variedade de indivíduos, um apego duradouro ou laço de apego é restrito a
muito poucos” (BOWLBY, 1988, 1989, p. 40 apud RAMIRES; SCHNEIDER, 2010, p.
26).
O papel do apego na vida dos seres humanos envolve o conhecimento de
que uma figura de apego está disponível e oferece respostas, proporcionando um
sentimento de segurança que é fortificador da relação e torna o indivíduo claramente
identificado, tornando-o apto para interagir com o mundo. “O apego tem sua própria
motivação interna, distinta da alimentação e do sexo, como postulado pela teoria
freudiana, e de igual importância para a sobrevivência”. (BOWLBY, 1988/1989 apud
RAMIRES; SCHNEIDER, 2010, p. 26).
Bowlby (2002), traz o termo “privação da mãe” para evidenciar uma situação
em que a criança, mesmo vivendo em sua casa, a mãe ou a mãe substituta é
incapaz de proporcionar os cuidados amorosos que a criança pequena precisa ou
quando por qualquer motivo, a criança é afastada dos cuidados de sua mãe. Ele
ainda destaca que quando uma criança é privada dos cuidados maternos, o seu
desenvolvimento é quase sempre retardado – física, intelectual e socialmente. O
autor divide a privação em dois tipos distintos, sendo um a privação parcial e o outro,
a privação quase total. A privação parcial é aquela em que a criança foi, por algum
motivo, afastada do convívio com mãe, mas que passa a ser cuidada por alguém
que ela já conhece ou até mesmo por uma estranha (o que pode acentuar os efeitos
da privação), mas ainda assim, essas situações, de alguma maneira, dão à criança
alguma satisfação.
Na privação parcial, os efeitos na criança seriam angústia, uma exagerada
necessidade de amor, fortes sentimentos de vingança e, em consequência, culpa e
depressão.
Uma criança pequena, ainda imatura de mente e corpo, não pode lidar bem com todas essas emoções e impulsos. A forma pela qual ela reage a estas perturbações em sua vida interior poderá resultar em distúrbios nervosos e numa personalidade instável. (BOWLBY, 2002, p. 4)
A privação quase total é considerada como tendo efeitos mais perniciosos
para a criança, definida como aquela em que “a criança não dispõe de uma
determinada pessoa que cuide dela de forma pessoal e com quem ela possa sentir-
417
se segura” (BOWLBY, 2002, p. 4.). O autor aponta que esse tipo de privação é
bastante comum nas instituições, creches residenciais e hospitais e que seus efeitos
têm um alcance ainda maior no desenvolvimento da personalidade da criança,
podendo mutilar totalmente a capacidade de estabelecer relações com outras
pessoas.
Além de Bowlby, outros autores também fizeram suas contribuições para a
formulação da Teoria do Apego (TA). Mary Ainsworth, assim como Bowlby, concluiu
que um dos pressupostos básicos da TA é de que as primeiras relações de apego,
estabelecidas na infância, afetam o estilo de apego do indivíduo ao longo da vida do
sujeito, ou seja, o modelo de apego que um indivíduo desenvolve durante a primeira
infância é profundamente influenciado pela maneira como ele foi cuidado por seus
cuidadores primários (pais ou pessoas substitutas) e que depois se generalizará nas
expectativas sobre si mesmo, dos outros e do mundo em geral, com implicações
importantes na personalidade em desenvolvimento. Mary Ainsworth ressaltou,
ainda, as influências ligadas a fatores temperamentais e genéticos (DALBEM;
DELL´AGLIO, 2005).
Winnicott (1996) afirma que qualquer criança apresenta dependência
marcada por diversos tipos de experiências significativas que podem ser positivas ou
negativas para o seu desenvolvimento. Uma criança que possui uma assistência
satisfatória possuirá, no futuro, capacidade de reagir às exigências feitas pelo meio
em que vive.
Portanto, para encerrar estas reflexões, pode-se pensar que durante o ciclo
vital, as rupturas de vínculos são inevitáveis, mas que a possibilidade de
crescimento e a formação de novos laços afetivos dependerão de como essas
experiências de ruptura foram vivenciadas e elaboradas. (Lewis, 2000 apud
DALBEM, DELL’AGLIO, 2005).
2 OBJETIVOS
O trabalho apresenta como objetivo geral investigar se as crianças em
situação de acolhimento desenvolvem o apego positivo pelos seus cuidadores e
como esse vínculo acontece.
A partir disso o trabalho dispôs dos seguintes objetivos específicos: pesquisa
bibliográfica relacionada com a questão do apego positivo; entrevistas com
418
profissionais que atuam nesta instituição tais como psicólogo, assistente social e
cuidadores e também uma observação dos comportamentos de crianças de 6 a 10
anos dentro desta instituição.
3 METODOLOGIA No presente trabalho, estudou-se a população de uma instituição de
acolhimento chamada Casa Lar, situada no município de Lins - SP, tendo como
amostra duas unidades de casa, assistente social, psicóloga, três cuidadores e
quatro crianças de 5 a 10 anos. Os instrumentos utilizados para a coleta de dados
foram entrevistas semiestruturadas que tiveram por objetivo obter informações “a
respeito de determinado assunto, mediante uma conversação de natureza
profissional” (LAKATOS; MARCONI 2010, p. 178). As entrevistas foram realizadas
com os participantes de forma individual, foram autorizadas por eles e gravadas com
a ajuda de aparelho celular pertencente às autoras do trabalho. Como instrumento
de coleta de dados também foi realizada uma observação nas casas que, de acordo
com Marconi e Lakatos (2010, p.174), “obriga o investigador a um contato mais
direto com a realidade”.
Para análise dos dados coletados, utilizou-se uma análise temática, que
segundo Bardin (1977), é uma das formas que melhor se adequou a investigações
qualitativas. Como propõe o mesmo autor, três etapas constituem a aplicação dessa
técnica de análise: (1) Pré-análise; (2) Exploração do material; (3) Tratamento dos
resultados obtidos e interpretação.
4 PROCEDIMENTOS
Após a autorização para iniciarmos a pesquisa e todos concordando com a
realização da mesma foram agendadas as primeiras visitas para coleta de dados e,
no total, foram necessários três encontros para a realização das entrevistas. Em dois
encontros, delimitados em 120 minutos, foram feitas as entrevistas com os três
cuidadores, e em um encontro, também delimitado em 120 minutos, foram feitas as
entrevistas com a psicóloga e com a assistente social. Foram realizados mais dois
encontros delimitados em 120 minutos, um para acesso e leitura dos prontuários das
crianças, e outro para observação delas.
419
Na entrevista com a psicóloga e assistente social enfocaram-se as seguintes
perguntas: Qual a importância da casa lar para as crianças? Os cuidadores são
qualificados? Qual a importância dos cuidadores? Quais são os principais cuidados
tomados pela instituição? Em quais aspectos o serviço de acolhimento poderia ser
melhor? Qual o envolvimento da comunidade? Como nosso projeto pode ser útil? No
intuito de perceber como estas profissionais observam e compreendem a relação
dos acolhidos com os cuidadores, e também como elas auxiliam na instituição.
Já para os cuidadores as perguntas foram as seguintes: Trabalha na
instituição desde quando? Qual horário? Quem trabalha junto com você no seu
horário? Qual a sua formação/nível escolar? Tem filhos? Quantos? Idade? Qual o
seu estado civil? Você percebe que de algum modo o cuidador representa uma
figura materna/paterna para a criança? Emocionalmente, como você se sente para
cuidar das crianças? Como você percebe a aproximação dessas crianças a você?
Como é a sua relação com as crianças na instituição? Como você percebe a relação
entre as crianças e adolescentes moradores dessa instituição? Você consegue
relacionar de alguma maneira o comportamento apresentado pelas crianças com as
vivências delas enquanto estavam com suas famílias? Para através das respostas
compreender o fenômeno que ali se apresenta e assim analisar os dados coletados
para obtermos um resultado da pesquisa.
Após a coleta de todos os dados, realizou-se a pré-análise que, segundo
Bardin (1977, p. 95) “tem por objetivo tornar operacionais e sistematizar as ideias
iniciais, de maneira a conduzir a um esquema preciso do desenvolvimento das
operações sucessivas, num plano de análise”. Nessa etapa, praticou-se a leitura
flutuante, a fim de estabelecer um contato com os documentos que se buscava
analisar e conhecer. Depois desse processo, executou-se a escolha de documentos
procurando, desse modo, selecionar os documentos susceptíveis de fornecer
informações (BARDIN, 1977). Através da pré-análise, buscou-se explorar conteúdos
que se identificam com os objetivos do trabalho, ou seja, relação de apego positivo
de crianças em situação de acolhimento com os cuidadores. Após esse processo,
foram estabelecidas categorias tanto para entrevista da psicóloga e assistente social
quanto dos cuidadores. Já com a categorização, foi realizada a preparação do
material no qual as entrevistas gravadas foram transcritas e as gravações
conservadas. A transcrição das entrevistas está disponível no apêndice D deste
trabalho. Com a fase da análise já percorrida, procedeu-se com a exploração do
420
material e, depois disso, o tratamento dos resultados obtidos e discussão deles.
5 RESULTADOS, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Realizadas a pré-análise e a exploração do material juntamente com as
categorias já estabelecidas, foi possível analisar os resultados e discuti-los. Essa
etapa consistiu em analisar todo o material coletado, estabelecendo as relações
observadas, tanto nas entrevistas quanto nas observações, no que se refere aos
objetivos do trabalho, ou seja, que fazem alusão ao tema relação de apego positivo
de crianças em situação de acolhimento com os cuidadores (pesquisa de campo) e,
ao mesmo tempo, confrontando esses dados analisados com a literatura.
Na entrevista realizada com a psicóloga e a assistente social responsáveis
pela instituição, foram estabelecidas duas categorias: (a) Importância do serviço e
dos cuidadores para as crianças em situação de acolhimento e (b) Cuidados e
melhoras futuras para a instituição de acolhimento. Já nas entrevistas realizadas
com os cuidadores, as categorias evidenciadas foram: (a) Percepção das crianças
quanto à figura do cuidador, (b) Emoção versus competência técnica e (c)
Percepção quanto à relação entre os moradores.
Quando se refere a entrevista com psicóloga e assistente social evidencia-se
a categoria A que diz respeito a Importância do serviço e dos cuidadores para as
crianças em situação de acolhimento.
Sobre a importância do Serviço Casa Lar, que é um tipo de instituição de
acolhimento, Siqueira e Dell’Aglio (2006) afirmam que as instituições ocupam um
lugar central na vida das crianças e adolescentes abrigados, e que, por conta disso,
é necessário investir nesse espaço de socialização para que haja interações mais
estáveis e afetuosas nesse ambiente. Faz-se necessário que a instituição ocupe
uma rede de apoio social e afetivo, que possibilite recursos para o enfretamento de
eventos negativos. Somente assim o ambiente será propicio para o desenvolvimento
cognitivo, social e afetivo das crianças e adolescentes desse contexto.
P: Eu penso que a importância da casa lar, né, que de forma
temporária ela vem substituir uma condição de um lugar tanto
interno quanto externo para permitir com que haja um espaço tanto
físico quanto mental para se desenvolver condições para essas
421
crianças se sentirem um pouco mais seguras e protegidas, então a
casa lar, ela vai ficar nessa função de uma casa como se fosse a
minha, porém o que prevalece é o coletivo e não o individual.
AS: O acolhimento é como se fosse um resgate, né? Ele vai mostrar
para a criança situações que eles não conhecem com a família, o
que é o cuidado, o que é a proteção, o que é levar para escola, o
que é dar comida no horário certo porque quando eles chegam para
nós, eles têm uma cultura completamente diferente do que a gente
está adaptado, então para eles também é muito assustador. Então a
importância do acolhimento, não é a importância da Casa Lar, é a
importância do acolher, de receber a criança no momento da
vitimação, né?
Percebe-se que é de grande importância o serviço de acolhimento para seus
moradores, já que foram, por motivo de direitos violados, afastados de seu convívio
familiar. Uma vez que passam a conviver em uma instituição de acolhimento, essa
passa a fazer a vez da família, se responsabilizando pelo desenvolvimento cognitivo,
social e afetivo das crianças e adolescentes desse contexto e, para isso, é
necessário que o ambiente seja favorável e acolhedor, trazendo condições
estruturais, sociais e afetivas adequadas para que o sofrimento dessas crianças e
adolescentes seja reduzido e para que o serviço de acolhimento passe a, de fato,
ocupar o lugar central na vida deles.
Em relação ao questionamento sobre a importância dos cuidadores,
(BOWLBY, 1969; 1984; AINSWORTH et al., 1978 apud PEREIRA, 2008), visam a
manutenção da proximidade, ou seja, a resolução adaptativa do sentimento de
segurança e proteção. “A figura de vinculação constitui-se assim como a base
segura do Desenvolvimento e Relações de Vinculação na Infância, a partir da qual a
criança volta para a exploração do mundo” (AINSWORTH, 1967, apud PEREIRA,
2008, p. 33)
P: Eles vão exercer nessa relação, essa maternagem, essa
paternagem. Então assim, eles vão estar nessa função do pai, da
mãe. Não serão os pais nem as mães, mas vão exercer essa
função, que é tão importante, então assim, ser esse pai, essa mãe,
422
no contexto do serviço, do acolhimento, dentro da casa, é o que vai
possibilitar também à criança, poder compreender que ela tem o
direito ali de extravasar a raiva, o ódio, chorar, que tem dias em que
ela pode estar mais triste, assim também como ela vai poder
experimentar a alegria na relação com esse cuidador, com esse
educador, né? Ser essa pessoa de referência, como figura de
autoridade e de afeto, realmente é a pessoa que vai estar ocupando
esse lugar. Essa figura precisa ser internalizada de um jeito bom.
AS: Concordou com as respostas da psicóloga e não acrescentou
nada.
Para os moradores das instituições de acolhimento, ela passa, por um
período indeterminado, a ser seu novo lar e é necessário que essas crianças e
adolescentes tenham a possibilidade de se vincular a alguma figura, que passe a ser
seu referencial e que traga segurança e proteção. Que possam estabelecer vínculo
com essa pessoa e que ela seja internalizada como algo bom para eles.
Realizou-se, também, entrevista semiestruturada com cada um dos três
cuidadores da Instituição Casa Lar Abrigo de Lins. Na categoria A (Percepção das
crianças quanto à figura do cuidador), foi perguntado sobre a figura do cuidador, se
eles acham que representam uma figura materna/paterna para as crianças do
acolhimento. De acordo com Pereira (2008, p. 33), a criança passa então a
estabelecer uma relação distinta e privilegiada com essa figura, que é quem lhe
fornece os cuidados básicos e quem assegura a sua sobrevivência. A relação
estabelecida com os monitores desempenha papel central na vida das crianças e
dos adolescentes abrigados, à medida que serão estes adultos que assumirão o
papel de orientá-los e protegê-los, constituindo, neste momento, os seus modelos
identificatórios. (SIQUEIRA; DELL’AGLIO, 2006).
Flor Liz: Sim, pois eles se espelham em nós. Eles não têm outro
referencial. (cuidador)
Girassol: Sim, sentem como pai e mãe, é uma coisa muito forte eles
conseguem ficar tão à vontade que eles expõem qualquer
sentimento, eles também xingam a gente, eles respondem mal, eles
têm liberdade assim como se fosse pai e mãe mesmo, eles choram
423
com a gente, tem momentos que eles querem nosso colo, nosso
carinho. Não me considero uma cuidadora, me considero uma mãe
de verdade, porque você sofre junto, você ri junto, você brinca junto,
na hora dos “pegas” você está junto, então eu acho que é muito
mais uma presença de pai e mãe é o que eles buscam na gente é
isso. (cuidador)
Gérbera: Sim, principalmente quando eu permanecia na casa com
eles de Segunda a Sábado. Hoje, como eu te falei, eles ainda têm
um carinho comigo, mas não mais a mesma afinidade que tínhamos
antes. (cuidador)
Os três cuidadores concordam ao afirmar que eles representam uma figura
materna/paterna para os acolhidos, de modo que Girassol trouxe relatos em sua fala
de que os moradores da instituição têm liberdade com ela, bem como momentos
bons e ruins, como em uma relação de pai/mãe e filho.
CONCLUSÃO
A Teoria do Apego evidencia a importância da ligação emocional que se
desenvolve entre o bebê e a figura materna (mãe ou mãe substituta), entendida
como aquela pessoa que desempenha regular e constantemente o cuidado com o
bebê e na qual ambos encontrem satisfação e prazer. A criança passa a
desenvolver apego em relação a essa figura, sente-se segura e protegida. Essa
ligação é importante para orientar o desenvolvimento afetivo, cognitivo e social
dessa criança e o apego torna-se a base para a identificação e a determinação de
relações posteriores duradouras e mútuas.
Conforme a criança cresce, ela começa a passar por experiências que
desenvolverão seu lado emocional e que a constituirão como indivíduo saudável,
porém, concomitantemente a esse crescimento, essas mesmas crianças passarão
por experiências como as rupturas de vínculos, que são inevitáveis, embora haja a
possibilidade de crescimento, ainda que a formação de novos laços afetivos
dependa de como essas experiências de ruptura forem vivenciadas e elaboradas
(LEWIS, 2000, apud DALBEM; DELL’AGLIO, 2005).
No caso de crianças que foram vítimas de privações das mais variadas
424
formas e tiveram, portanto, seus direitos violados, são levadas à Casa Lar, que é
uma instituição de abrigo. Lá, terão os cuidadores e pais/mães sociais que estarão
numa posição de quem representa uma figura materna que favorecerão a
construção do vínculo afetivo dessas crianças.
A função de um cuidador substituto na vida das crianças que se encontram
desamparada sem o olhar familiar ou materno é de extrema importância, porém,
responder a tais expectativas não é algo fácil de submeter-se, pois no contexto
institucional existem questões que alteram o significado dessa relação. Inicialmente,
a perspectiva de um ambiente que acolhe crianças é a proteção da integridade física
e a manutenção de um local acolhedor e isso, a princípio, já influencia a forma como
se recebe a criança, pois antes mesmo dela chegar à instituição, as regras e
limitações da função de cuidadora já estão lá, impostas.
Para que seja possível esse cuidado adequado e profundo do cuidador para
com a criança, é preciso que esse cuidador também seja cuidado. Por lidar com
intensos sentimentos de diversas crianças e adolescentes diariamente que faz com
que seus próprios conflitos pessoais não resolvidos venham à tona, se faz
necessário um acompanhamento psicológico individualizado ou mesmo um grupo de
apoio psicológico para esses cuidadores. Contar com esse apoio para se sentir
melhor psicologicamente, não apenas o cuidador será beneficiado, como também
todos os moradores da Casa Lar.
Assim, a partir desse trabalho foi possível compreender melhor os efeitos das
mais variadas privações vivenciadas pelas crianças institucionalizadas bem como o
sistema de acolhimento Casa Lar com suas conquistas e as ainda, várias
dificuldades existentes. No caso das quatro crianças observadas neste trabalho, foi
possível ver a existência do vínculo estabelecido entre elas e os seus cuidadores,
que ocorreu de forma gradativa juntamente com a confiança nesses cuidadores.
Quanto ao comportamento dessas crianças, todas as quatro apresentam dificuldade
de aprendizado, mau comportamento escolar e, em alguns momentos, fortes
explosões de raiva na escola ou na sua nova casa que é o serviço de acolhimento
Casa Lar.
Diante das questões aqui apresentadas, concluiu-se que um cuidador que
tenha condições de dar às crianças e adolescentes abrigados um acolhimento de
forma contínua e intensa proporcionará a eles chances de cicatrizar parte da ferida
425
causada pelas vivências emocionais de abandono a partir do desenvolvimento do
apego positivo nessa relação criança / adolescente e cuidador.
Para isso, esse cuidador, adulto que irá acompanhar essas crianças, tem que
estar munido de esperança e fé. Deve ter intuição, intimidade com a criança,
capacidade de observar e reconhecer as necessidades essenciais que não foram
supridas. Ele deve ser uma nova lente a enxergar essas crianças e essa nova lente
dará novos registros que poderão fortalecer a potencialidade que habita essas
crianças.
REFERÊNCIAS
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. BOWLBY, John. Uma base segura: Aplicações clínicas da teoria do apego. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989. ______. Cuidados Maternos e Saúde Mental. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. ______. Apego: A natureza do vínculo. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. DALBEM Juliana Xavier; DELL'AGLIO Débora Dalbosco. Teoria do apego: bases conceituais e desenvolvimento dos modelos internos de funcionamento. Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 57, n. 1, p.12-24, 2005. Disponível em: < http://pepsic.bvsalud.org/pdf/arbp/v57n1/v57n1a03.pdf/>. Acesso em: 01 jun. 2018. FIGUEIRÓ, Martha Emanuela Soares da Silva. Acolhimento institucional: a maioridade e o desligamento. Jundiaí-SP: Paco Editorial, 2012. GOMES, Adriana de Albuquerque. A teoria do apego no contexto da produção científica contemporânea. 2011. 285 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências, 2011. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/97442>. Acesso em: 07 de jun. 2018. LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de metodologia científica. 7a. ed. São Paulo: Atlas, 2010. PEREIRA, Mariana Monteiro de Aguiar. Desenvolvimento de Crianças em Centros de Acolhimento Temporário e Relação com os seus Cuidadores. Universidade do Minho, Portugal. Instituto de Educação e Psicologia. Abril 2008. Disponível em: https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/8078/1/tese%20final.pdf. Acesso em 30 Out 2018. RAMIRES, Vera Regina Röhnelt; SCHNEIDER, Michele Scheffel. Revisitando alguns conceitos da teoria do apego: comportamento versus representação?. Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, v. 26, n. 1, p. 25-33, 2010. Disponível em:
426
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-3772201000010000 4&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 11 de mai. 2018. SIQUEIRA, Aline Cardoso; DELL'AGLIO, Débora Dalbosco. O impacto da institucionalização na infância e na adolescência: uma revisão de literatura. Psicol. Soc., Porto Alegre, v. 18, n. 1, p. 71-80, 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822006000100010 &lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 16 de mai. 2018. SILVA, Enid Rocha Andrade; AQUINO, Luseni Maria Cordeiro. Os abrigos para crianças e adolescentes e o direito à convivência familiar e comunitária. Brasília, 2005. Disponível em: <http://ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/politicas _sociais/ENSAIO3_Enid11.pdf>. Acesso em 11 de mai. 2018. SILVA, Maria Rosimeire da Conceição; GERMANO, Zeno. Perspectiva psicanalítica do vínculo afetivo: o cuidador na relação com a criança em situação de acolhimento. Psicol. Ensino & Form. São Paulo, v. 6, n. 2, p. 37-53, 2015. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2177-20612015000200004&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 15 de mar. 2018.