análise da cadeia de suprimentos da indústria de laticínio da zona

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Revista Pesquisa e Desenvolvimento Engenharia de Produção n.1, p. 30-46, dez. 2003 Análise da cadeia de suprimentos da indústria de laticínio da Zona da Mata Mineira: Integração das empresas José Geraldo Vidal Vieira, Msc. [email protected] - Universidade de São Paulo Leonardo Junqueira Lustosa, PhD. [email protected] - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Hugo Y. Yoshizaki, Dr. [email protected] - Universidade de São Paulo Resumo Este artigo tem o objetivo de analisar a cadeia de suprimentos de laticínios independentes (i.é não associados a grandes marcas multinacionais), tendo como foco os processos propostos por Lambert and Cooper (2000). Para o estudo foi escolhida a região da Zona da Mata Mineira, segunda maior bacia leiteira do Estado de Minas Gerais. O artigo enfatiza o relacionamento nos elos estratégicos da cadeia de laticínios, além de discutir a viabilidade de a empresa focal (laticínio) gerenciar a cadeia. Conclui-se que se as indústrias dessa região tivessem uma parte de seus processos-chave gerenciados, poderiam ser mais competitivas no mercado regional e nacional. Palavras Chaves: Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos, Laticínios. Analyzing the supply chain of the dairy industry of the Zona da Mata Mineira: Integration of the firms Abstract The objective of this paper is to analyze the supply chain of Brazilian independent (i.e. non associated to large multinational brands) dairy industry, focusing on Lambert and Cooper’s processes. The empirical study took place in the Zona da Mata Mineira that has the second largest dairy industry of the State of Minas Gerais. The analysis stresses the relationships at the strategic links of the supply chain, and comments on the feasibility of the focal firm (dairy) playing the main role in a potential supply chain management. The research concluded that the management of the strategic processes would enhance the independent dairies competitiveness in the regional and national market. Key Words: Supply chain management, Dairy. © Copyright 2003 30

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Revista Pesquisa e Desenvolvimento Engenharia de Produção n.1, p. 30-46, dez. 2003

Análise da cadeia de suprimentos da indústria de laticínio da Zona da Mata Mineira: Integração das empresas

José Geraldo Vidal Vieira, Msc. [email protected] - Universidade de São Paulo

Leonardo Junqueira Lustosa, PhD.

[email protected] - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Hugo Y. Yoshizaki, Dr. [email protected] - Universidade de São Paulo

Resumo

Este artigo tem o objetivo de analisar a cadeia de suprimentos de laticínios independentes

(i.é não associados a grandes marcas multinacionais), tendo como foco os processos

propostos por Lambert and Cooper (2000). Para o estudo foi escolhida a região da Zona da

Mata Mineira, segunda maior bacia leiteira do Estado de Minas Gerais. O artigo enfatiza o

relacionamento nos elos estratégicos da cadeia de laticínios, além de discutir a viabilidade

de a empresa focal (laticínio) gerenciar a cadeia. Conclui-se que se as indústrias dessa

região tivessem uma parte de seus processos-chave gerenciados, poderiam ser mais

competitivas no mercado regional e nacional.

Palavras Chaves: Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos, Laticínios.

Analyzing the supply chain of the dairy industry of the Zona da Mata

Mineira: Integration of the firms

Abstract The objective of this paper is to analyze the supply chain of Brazilian independent (i.e. non

associated to large multinational brands) dairy industry, focusing on Lambert and Cooper’s

processes. The empirical study took place in the Zona da Mata Mineira that has the second

largest dairy industry of the State of Minas Gerais. The analysis stresses the relationships at

the strategic links of the supply chain, and comments on the feasibility of the focal firm

(dairy) playing the main role in a potential supply chain management. The research

concluded that the management of the strategic processes would enhance the independent

dairies competitiveness in the regional and national market.

Key Words: Supply chain management, Dairy.

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1. Introdução O modelo estrutural proposto por Lambert e Cooper (2000) para o gerenciamento da

cadeia de suprimento (Supply Chain Management – SCM) evidencia as vantagens da

integração de todos os negócios chaves e os processos gerenciados envolvidos desde a

matéria-prima que origina o produto até o consumidor final, incluindo os serviços e

informações que adicionam valor para os consumidores e outros diretamente envolvidos.

Este trabalho tem como premissa que, para manter a competitividade dos laticínios

independentes (não associados às grandes marcas, geralmente multinacionais) na região da

Zona da Mata Mineira, não basta aumentar a eficiência das empresas isoladamente, pois os

ganhos de competitividade não estão restritos à sua gerência interna, mas sim, na cadeia como

um todo (VILELA, BRESSAN e CUNHA, 2001). Crescentemente, os laticínios

independentes regionais competem com grandes empresas de atuação nacional e internacional

que apresentam maior integração vertical ou que, pelo porte, são capazes de comandar toda a

cadeia de suprimentos em diversos aspectos chave. Logo, a idéia do SCM parece permitir

uma melhor integração dos produtores de leite, fornecedores, laticínios e canais de

comercialização na busca de melhor posição nesse ambiente competitivo.

O objetivo deste trabalho foi aplicar o modelo estrutural de Lambert e Cooper (2000) na

análise das cadeias dos laticínios independentes e avaliar as formas de gerenciamento dos seus

processos, buscando identificar problemas e oportunidades de melhorias. Tais melhorias são

necessárias para alcançar ganhos estratégicos na competitividade da cadeia - aspecto vital

para seus membros ameaçados num mercado que, progressivamente, se torna menos

regionalizado.

O artigo está dividido nas seguintes partes: contexto da indústria de laticínios e a

motivação para o estudo, metodologia da pesquisa, apresentação e análise dos casos e

conclusões.

2. Contextualização da Indústria de Laticínios e a motivação para o estudo A cadeia de laticínios brasileira participa de uma importante parcela dos negócios agrícolas

nacionais. Embora o Brasil esteja na quinta posição dos maiores países produtores de leite in

natura, sua produtividade ainda é baixa e o porte dos produtores pequeno em relação aos de

países mais produtivos. Sem entrar no mérito dos subsídios, diretos e indiretos, nesses outros

países, o flagrante atraso tecnológico dos membros produtores e gerencial dos diversos elos

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da cadeia dos laticínios (Primo, 2001:122) estão, indubitavelmente, na base dessa disparidade

de produtividade.

O Estado de Minas Gerais é o principal produtor de leite do Brasil com aproximadamente

30% da produção nacional (TERRA VIVA, 2001). Dentro do Estado destaca-se a região da

Zona da Mata como a segunda maior produtora de leite do e onde se concentra cerca de 28%

do total de laticínios sob algum tipo de registro de inspeção do Estado (SEBRAE, 1997). A

indústria de laticínios é uma tradição na Zona da Mata e, apesar do declínio de sua

importância relativa na economia da meso-região, é ainda um importante empregador local de

elevado impacto social por fixar o homem no campo. Na cadeia agro-industrial do leite, a

produção de laticínios responde por 31% do emprego formal (Gallinari et al. 2002).

3. Metodologia da Pesquisa

Dados os objetivos ainda largamente exploratórios, em função de bibliografia e dados

secundários escassos quanto ao gerenciamento da cadeia de laticínios (Jank, Farina e Galan,

1999; Primo, 2001), utilizou-se o método de estudo de casos, por meio de entrevistas semi-

estruturadas.

Como base teórica utilizou-se a estrutura de Lambert e Cooper (2000) como o modelo mais

adequado para análise dos processos de negócios na cadeia de suprimentos, pois é um modelo

simples, genérico e abrangente. O modelo é composto de três elementos estruturais, conforme

a Figura 1, a saber: (a) estrutura de rede, (b) processos e (c) componentes gerenciais.

C. Componentes gerenciais: qual o nível deintegração e de gerenciamento que cadaprocesso deverá ter

B. Processos relacionados aos negócios da cadeia:quais os processos que criam elos importantes entre osmembros da cadeia

A. Estrutura da rede: os membros que integram as firmas e a topologia de suas ligações

Fonte: Lambert e Cooper, 2000. In Vieira e Lustosa, 2001. Figura 1 - Estrutura conceitual de gerenciamento da cadeia de suprimentos

Outros detalhes da estrutura serão apresentados juntamente com as análises.

O universo da pesquisa é composto por 242 empresas da Zona da Mata que processam leite

e derivados (queijos, requeijão, manteiga, leite fluido e bebida láctea, entre outros).

A amostra foi selecionada dentre cerca de 50 de empresas da meso-região que possuem

registro no Serviço de Inspeção Federal (SIF). O registro no SIF permite às empresas

comercializarem seus produtos em outras regiões do país, representando, portanto, empresas

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que, em maior ou menor grau, competem com outras fora da meso-região. Dado o elevado

número de empresas cadastradas no SIF e a necessidade de uma estrutura gerencial formal

mínima, onde os processos possam ser facilmente identificados, utilizaram-se os seguintes

critérios de conveniência adicionais. Volume mínimo de leite processado (20.000 litros/dia),

assegurando que essas empresas representariam uma capacidade produtiva elevada, com um

mínimo de organização dos processos a serem analisados. Algum espalhamento geográfico na

meso-região, pois trata-se de produtos perecíveis e, consequentemente, de custo de

comercialização sensível à distância geográfica do mercado.

Esses critérios foram responsáveis pela redução da amostra para apenas 10 empresas.

Destas, oito (que contribuem com aproximadamente 64% do total do leite processado na

meso-região) concordaram em participar do estudo e foram identificadas como empresas L1

a L8.

4. Estudo dos casos: apresentação e análise dos dados

4.1. Dados gerais das empresas

A seguir são apresentados alguns aspectos de cada uma das empresas dando ênfase ao que

se refere à produção de leite “Longa Vida” (LLV), manteiga, queijos e similares, ou seja, sem

considerar os aspectos ligados à produção de leite pasteurizado ensacado e à bebida láctea. O

Quadro 1 mostra, de forma resumida, algumas características das empresas.

Empresas L1 L2 L3 L4 L5 L6 L7 L8 Ano de fundação 1991 1973 1965 1974 1991 1970 1982 1943 Número de produtos 8 4 30 10 15 25 15 16 Foco da Empresa quanto à perecibilidade dos produtos* Alta Baixa Média/

Alta Alta Média Baixa Baixa Baixa

Capacidade de Produção 35.000 59.000 55.000 70.000 25.000 50.000 150.000 280.000 Volume Processado 35.000 52.000 55.000 60.000 25.000 30.000 150.000 220.000

*Definido a partir dos principais tipos de produtos (que respondem pelo maior volume de produção) das empresas. Fonte: Vieira, 2002.

Quadro 1 - Características gerais das empresas.

Pode-se verificar que são empresas de pequeno a médio porte, com capacidade de

produção entre 25.000 litros/dia a 280.000 litros/dia, sendo a maioria trabalhando no limite de

sua capacidade. A diversificação da produção também trás importantes características das

empresas, conforme apresentado a seguir.

- Há concentração na linha de produtos de baixas e médias perecibilidade, fato esse

observado nas L2, L3, L6, L7 e L8. Como conseqüência tem-se: produção em maior escala,

diversificação dos queijos e aumento dos estoques reguladores. Essas são empresas antigas

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que, segundo os entrevistados, preferem os produtos de baixa perecibilidade que podem ser

estocados (facilitando o ajuste entre demanda e a oferta variável de leite) e possuem maior

valor agregado, além de favorecer a logística na distribuição e na armazenagem.

- Produtos de alta perecibilidade como queijos frescos, não são prioridades de fabricação

pela maioria das empresas da amostra, pois representam um nicho de mercado onde

competem com empresas menores que atendem mercados locais com vantagens logísticas.

Exceções são a L4, por se tratar de uma empresa tradicional na produção de queijos frescos e

da L1, por ter encontrado uma boa oportunidade no mercado de baixa renda fluminense.

- O elevado número de produtos das L3 e L6 mostra estratégia de diversificação com

elevada economia de escopo, enquanto que a L7 e L8 se concentram na escala de

multiproduto (produção em escala com economia de escopo). O Quadro 2 mostra a atuação

das empresas por estados da Federação. Mercado/Empresa L1 L2 L3 L4 L5 L6 L7 L8

Rio de Janeiro 95% 7% 90% 65% 0% 65% 70% 60% Minas Gerais 0% 3% 3% 35% 100% 15% 12% 10% Espírito Santo 0% 0% 0% 0% 0% 5% 18% 10% São Paulo 5% 5% 0% 0% 0% 0% 0% 0% Norte e Nordeste e Centro-Oeste 0% 85% 7% 0% 0% 15% 0% 20%

Fonte: Vieira, 2002. Quadro 2 - Distribuição geográfica dos mercados das empresas.

Pode-se verificar que o Estado do Rio de Janeiro (com exceção da L2 e L5) contribui com

74,16% do mercado consumidor das oito empresas. Isso se justifica, principalmente, pela

proximidade e pelo porte do mercado consumidor (facilitando a distribuição dos produtos de

alta e média perecibilidade). Muito dessa distribuição do mercado é explicada pelo fato de

haver uma concentração de produção de leite numa faixa que se inicia na Zona da Mata e no

Sul/Sudoeste de Minas e se estende para noroeste até Goiás. Localizada na extremidade sul

dessa faixa, é natural que, como exportadora de leite e derivados, a Zona da Mata privilegie o

atendimento do Rio de Janeiro e Espírito Santo, ficando para as demais meso-regiões dessa

faixa os demais mercados importadores.

Fogem a essa regra, a L2 que se especializa num tipo de queijo muito apreciado no Norte e

Nordeste, a L5 que conseguiu oportunidade importante no Estado.

Os clientes são na maioria redes de supermercados e varejistas em geral. Com exceção das

L4, L5 e L8, as demais empresas são auxiliadas por centros de distribuição localizados

estrategicamente com intuito de facilitar a distribuição.

O Quadro 3 mostra as empresas e seus principais mercados consumidores.

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Mercado/Empresa L1 L2 L3 L4 L5 L6 L7 L8 Supermercados 80% 70% 90% 70% 88% 55% 90% 90% Pequeno Varejo 20% 30% 8% 28% 10% 12% 9% 8% Loja própria - - - - - - 1% 2% Mercado Institucional* 0% 0% 2% 2% 2% 33% 0% 0%

*Empresas que utilizam os derivados do leite como subproduto para a fabricação de outros alimentos. Fonte: Vieira, 2002.

Quadro 3 - Principais canais de comercialização.

Nota-se que 79,13% das vendas agregadas são destinadas às redes supermercadistas. Isso

se justifica pelo elevado poder de compra dessas redes. Confrontando os dados dos Quadros

1, 2 e 3, verifica-se que o mix de produtos da L6 permite maior abrangência geográfica e

segmentação do mercado (com elevado volume de vendas para outras indústrias alimentícias)

e menor oscilação dos estoques de produtos acabados.

4.2. Aplicação e Análise da Estrutura de Lambert e Cooper

4.2.1. Estrutura da rede A estrutura da rede é composta pelos membros primários – No caso dos laticínios,

varejistas, coletadores de leite, cooperativas de leite de várias microregiões próximas,

produtores rurais, fornecedores de insumos para os laticínios, fontes de técnicos

especializados, serviços de assistência técnica em laticínios, entre outros e pelos membros de

apoio - bancos, empresas de informática, fornecedores de materiais diversos de almoxarifado,

fornecedores de equipamentos diversos, de assistência técnica e de manutenção, entre outros.

A cadeia é relativamente curta: de forma geral, a empresa focal (o laticínio) se situa numa

posição horizontal central e a dimensão vertical (número de empresas na camada de

fornecedores considerada), tanto na primeira camada de fornecedores (principalmente de

leite), quanto na de clientes (varejistas) chega a dezenas de membros. A Figura 2 mostra uma

cadeia genérica da empresa de laticínios.

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Varejistas

Ração e Insumos

Produtos Veterinários

Máquinas Implementos

Produtos Agropecuários

Banco de Sêmen

Insumos em geral

Transporte

Coopera- tivas

Laticínios • Queijos • Manteiga • Iogurtes etc

Pecuária

Profissionais Liberais

Empresas Especializadas

Órgão Público

Laboratório

Centro de Distribuição

Transporte Suporte técnico

Fonte: Vieira e Lustosa, 2001. Figura 2 - Cadeia da Indústria de Laticínios.

Tanto a posição horizontal do laticínio na cadeia, como a dimensão vertical das suas

camadas de fornecedores e clientes podem variar em função da estratégia de verticalização da

empresa. Pode terceirizar parte da sua produção para outros laticínios, ou prestar serviços para

outras empresas. Pode fabricar sua matéria prima (fermentos, ingredientes) como também ter

produção de leite em fazendas da própria empresa. Além disso, o laticínio, que tem seu

próprio varejo e compra matéria-prima básica de outras empresas, tem uma posição na cadeia

diferente daquele que terceiriza suas vendas para empresas de distribuição independentes e

compra o leite diretamente de produtores. Assim, o laticínio pode ter seu foco no

desenvolvimento de novos produtos, na estratégia de produção, na distribuição e nas vendas,

no relacionamento com fornecedores e clientes, ou na compra do leite.

Dimensão horizontal das camadas:

(A) à montante - Além dos fornecedores de leite, a primeira camada é representada em

grande parte pelos fornecedores de insumos para laticínios. Estes fornecedores variam desde o

fabricante da própria matéria-prima até o fornecedor que compra de outro fabricante que, por

sua vez, é cliente de fornecedor de matéria-prima (geralmente importada). Logo,

horizontalmente, a cadeia do laticínio varia de uma a três camadas de fornecedores. Os outros

integrantes da primeira camada (laboratórios, cooperativas, transportadores, entre outros) têm

menor participação na cadeia, agregando apenas pequenas parcelas do valor, porém são

importantes em alguns processos gerenciáveis devido ao seu importante impacto em aspectos

críticos para o consumidor.

Os produtores de leite com predomínio, na meso-região estudada, dos produtores não-

especializados (que ainda utilizam tecnologias rudimentares e estão gradativamente dando

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espaço aos especializados), constituem membros da terceira, ou da segunda camada de

fornecedores dependendo da existência de uma cooperativa ou, mais raramente, uma empresa,

que faça a coleta. O gerenciamento de diversos processos importantes nessa camada apresenta

alta complexidade por ser a pecuária de leite uma atividade extensiva com muitas variáveis

que dependem não só do gerenciamento direto da pecuária como também do gerenciamento

da agricultura para alimentação animal, constituindo camadas de nível superior.

A produção de rações faz parte de outras cadeias produtivas, como a da carne bovina e a do

frango, que, ao longo dos anos, têm episodicamente tido influência na cadeia em estudo.

(B) à jusante – A primeira camada é representada, tipicamente, pelos CD’s e empresas

atacadistas que entregam os produtos aos varejistas. A dimensão vertical dessa camada é

determinada pelo volume de produtos e raio de ação da distribuição e pela estratégia de

comercialização como a L7 e L8, que possuem lojas próprias. Embora tenham nesse varejo

pequena parcela da venda total, têm a oportunidade de aprender no contato direto com os

consumidores finais (como detalhes de vendas, melhor disposição dos produtos na gôndola,

definição de promoções, desenvolvimento de marketing direto, obtenção de críticas e

sugestões sobre o lançamento de um novo produto e sobre produtos que precisam ser

melhorados para ter uma boa aceitação no mercado). As empresas que têm lojas próprias,

assim como aquelas que possuem produção da matéria-prima, são exemplos de empresas com

maior nível de integração vertical existentes na amostra estudada. A segunda camada é

tipicamente representada pelas redes supermercadistas, casas de frios, padarias e outras

indústrias de alimentos. A verticalização do laticínio até essa camada é complexa por

normalmente exigir a comercialização uma diversidade de outros produtos complementares

do ponto de vista do consumidor. As empresas dessa camada fazem parte de muitas outras

cadeias de produção, não só agro-industrial, como industrial também. Os supermercados

também podem fazer parte da primeira camada de clientes, geralmente quando a proximidade

geográfica faz com que a venda direta seja até mais simples do que a utilização de

intermediários.

4.2.2. Processos gerenciais Na estrutura de Lambert e Cooper, a identificação dos processos gerencias procura,

explicar os tipos de ligações existentes entre os membros da cadeia. A empresa focal pode, se

o processo for crítico, gerenciá-lo. Poderá simplesmente monitorá-lo se o processo já estiver

sendo adequadamente gerenciado, ou então, simplesmente não gerenciá-lo, quando não

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houver razão para tal. Assim serão analisados os processos considerados por Lambert e

Cooper com adaptações para as empresas estudadas, conforme mostra o Quadro 4.

Processos/Empresa L1 L2 L3 L4 L5 L6 L7 L8 Relacionamento com o

cliente Gerencia Gerencia Gerencia Gerencia Gerencia Gerencia Gerencia Não Gerencia

SAC Não Gerencia

Não Gerencia

Não Gerencia

Não Gerencia Gerencia Não

Gerencia Gerencia Não Gerencia

Previsão de Demanda Não Gerencia

Não Gerencia

Não Gerencia

Não Gerencia

Não Gerencia Monitora Não

Gerencia Não

Gerencia

Atendimento ao Pedido Gerencia Gerencia Gerencia Gerencia Gerencia Gerencia Gerencia Não Gerencia

Manufatura Gerencia Gerencia Gerencia Gerencia Gerencia Gerencia Gerencia Gerencia

Suprimento de insumos Não Gerencia

Não Gerencia

Não Gerencia

Não Gerencia

Não Gerencia

Não Gerencia

Não Gerencia

Não Gerencia

Aquisição de leite Monitora Monitora Monitora Monitora Monitora Monitora Monitora Gerencia Comercialização/Lan-çamento de produtos Monitora Não

Gerencia Gerencia Monitora Monitora Gerencia Gerencia Não Gerencia

Retorno Não Gerencia

Não Gerencia Monitora Gerencia Monitora Gerencia Gerencia Monitora

Fonte: Vieira, 2002. Quadro 4 - Processos gerenciados, monitorados e não-gerenciados pelas empresas.

O Quadro 4 mostra que, em geral, as empresas gerenciam e monitoram os mesmos

processos. Destacam-se os seguintes processos:

Relacionamento com o cliente: embora a maioria das empresas relate que a cada dia as

negociações de vendas com os grandes varejistas estão cada vez mais difíceis, por causa da

negociação do preço x quantidade de produto, verificou-se que as vendas ainda se concentram

nas redes supermercadistas, sendo o pequeno varejo uma relevante e crescente alternativa de

comercialização. Segundo alguns entrevistados, as negociações são críticas porque os

supermercados (em posição virtualmente oligopsônica) fazem seus pedidos por meio de

cotações de preços. Os entrevistados revelaram que o maior problema é manter os clientes e,

não, conquistar novos, pois o mercado é muito sensível às oscilações de preços, o que facilita

a entrada e saída de produtos de várias praças.

Em geral, a maioria das empresas negocia com os seus clientes-chave as vendas,

promoções, vendas mal sucedidas, trocas e condições diferenciadas em datas especiais como

o aniversário da empresa varejista. Apesar das dificuldades de negociação, todos preferem

reter os supermercados como cliente por serem eles que melhor garantem a colocação de seus

produtos. Por outro lado, pela flexibilidade de negociação, o pequeno varejo privilegia a

compra de empresas da região que têm bom padrão de qualidade de seus produtos e que

conseguem atender aos seus pedidos em quantidades e tempos satisfatórios.

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A falta de colaboração entre os varejistas e os laticínios, principalmente no repasse de

informações sobre a qualidade dos produtos, previsão de vendas, necessidade de melhor

apresentação dos produtos na gôndola e outros aspectos de marketing dos produtos,

dificultam o gerenciamento deste elo impedindo a obtenção de importantes benefícios de um

relacionamento mais estável e próximo.

Serviço de atendimento ao cliente (SAC): É feito via Internet, via teleatendimento, ou por

carta endereçada à sede das empresas. Foi feita uma pesquisa para observar como é feito o

SAC pelas empresas. O objetivo foi medir o tempo de atendimento e a qualidade da

informação prestada ao consumidor final. Para tanto, foram selecionados alguns

consumidores freqüentes e pediu-se que entrassem em contato com as empresas, via e-mail ou

telefone e fizessem duas perguntas-chave à cada empresa. O resultado dessa pesquisa está

resumido no Quadro 5.

Empresa Eu sempre compro do produto “x*”, porém não o encontro mais!

Eu gostaria de receber informações sobre como é feito o produto “y*” e como eu posso utilizá-lo na cozinha.

L1 Atendeu à solicitação do cliente Ficou de retornar a ligação, mas não entrou em contato novamente. L2 Ligar para o celular do representante No momento não teria ninguém para dar informações L3 Deixou o cliente esperando na linha. Ficou de retornar a ligação, mas não entrou em contato novamente. L4 Pediu para ligar para outro número. Pediu para ligar para outro número. L5 Atendeu à solicitação do cliente Atendeu à solicitação do cliente L6 Ligar para o celular do representante Ficou de mandar a resposta pelo correio, mas não respondeu. L7 Atendeu à solicitação do cliente Mandou a resposta pelo correio L8 Ninguém atende. Várias ligações e sempre pedindo para ligar mais tarde.

*produtos genéricos fabricados pelas empresas. Fonte: Vieira, 2002.

Quadro 5 - Argumentos apresentados ao SAC pelas empresas.

Nota-se pelo Quadro 5 que, em geral, as empresas não seguem às normas de SAC. Os

resultados mostram que 75% das empresas parecem não se preocupar em atender bem ao

consumidor final. Ou seja, SAC parece ser visto mais como uma questão burocrática do SIF

do que uma questão estratégica na construção da reputação da marca e na melhoria do

produto, elementos básicos para a fidelização do cliente.

Previsão de Vendas (Demanda): Como não há planejamento colaborativo em relação às

previsões de vendas entre os clientes e os laticínios, os estoques das empresas variam de

acordo com as vendas e a oferta de produto. Logo há períodos em que as empresas têm

elevado estoque e, em outros, há falta de produtos para atender a demanda. Em se tratando de

produtos perecíveis, este processo é de importância estratégica para as empresas. Embora o

CD informe a previsão de vendas para a semana seguinte, em determinados períodos com

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elevado estoque, é preciso fazer promoções repentinas, o que evidencia uma assimetria

informacional neste elo.

Como se constata do Quadro 4, apenas uma empresa monitora esse processo; nas demais

esse não é gerenciado ou monitorado. Os promotores de vendas (responsáveis por administrar

o espaço de gôndola nos supermercados destinado a sua empresa) talvez sejam os

responsáveis pela melhoria do monitoramento desse elo.

Atendimento de pedidos: Com a utilização de CD’s localizados estrategicamente, a

maioria das empresas atende grande parte dos pedidos de seus clientes nos prazos e

quantidades combinados. Porém, este processo ainda é muito pouco gerenciado quando

comparado com indústrias maiores como multinacionais do setor de alimentos, que

aproveitam da tecnologia de informação recursos que facilitam a comunicação de dados, o

controle de estoque e o sistema de distribuição. Além disso, com o crescente aumento do

mercado consumidor, a freqüência das entregas tem aumentado numa proporção que foge ao

gerenciamento da distribuição dos produtos. A gerência desse processo depende muito do

relacionamento com o cliente, da previsão de demanda que, conforme visto, não são

adequadamente gerenciados.

Manufatura: Quanto ao gerenciamento interno da manufatura, é feito controle de

qualidade desde a matéria-prima até os produtos acabados, além de balanços na produção e

variados cálculos numéricos para melhorar a produtividade na fábrica. Contudo, esses

processos internos são gerenciados de forma independente e, não, num sistema integrado de

planejamento e controle. Outro fator importante e observado em empresas da amostra é a falta

de mão-de-obra qualificada, o que sugere constantes perdas de eficiência na produção. Na

maioria das vezes os funcionários são contratados sem experiência e treinados nas próprias

empresas.

Suprimentos: Quanto ao suprimento de insumos em geral, o processo tem como base

previsões intuitivas das necessidades de reabastecimento. As empresas não gerenciam, ou

monitoram esse processo por confiar na gerência de seus fornecedores. Por ser óbvio, o

suprimento de leite é um processo sempre identificado, porém o seu gerenciamento é

desprezado pela maioria das empresas. Algumas empresas recebem o leite diretamente de

produtores, enquanto outras recebem a matéria prima de cooperativas de produtores,

conforme mostra a Figura 2. O gerenciamento do fornecimento é tão mais complexo quanto

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menores e menos especializados forem os fornecedores. Há uma clara tendência de

especialização dos produtores de concentração da produção de leite o que deverá permitir um

melhor gerenciamento.

Comercialização e Desenvolvimento de um novo produto: Em geral, as empresas não

procuram saber se os seus produtos seriam bem recebidos pelos consumidores. A maioria

delas cria novos produtos e os colocam no mercado com base nas necessidades de

diversificação, no excesso de matéria-prima e melhor relação custo benefício (melhor

aproveitamento do leite e de insumos). Algumas empresas não lançam produtos

freqüentemente e as que procuram a diversificação são aquelas que mais gerenciam esse

processo, como no caso das L1, L3, L5, L6 e L7.

Observa-se que, o desenvolvimento de novos produtos é melhor gerenciado do que a sua

comercialização. Algumas das empresas preferem esperar o lançamento do produto do

concorrente para copiar e lançar o seu. Algumas empresas não lançavam novos produtos há

mais de três anos e freqüentemente, os novos produtos são “empurrados” por fornecedores de

materiais e de tecnologia, sendo que a empresa apenas monitora o processo de lançamento.

Segundo os entrevistados pouco se tem feito para a divulgação da marca, para expor os

processos de fabricação internos às empresas da cadeia e, menos ainda, para atingir o cliente

de segunda camada (varejista ou consumidor). O pouco investimento que se faz em marketing

é direcionado aos supermercados.

Retorno de produtos acabados: Segundo a maioria das empresas, o retorno de produtos

acabados é em torno de 2% e é aproveitado na produção de queijo fundido ou queijo ralado. O

reprocessamento do retorno seria uma alternativa das empresas em re-aproveitar parte dos

produtos que têm algum tipo de defeito. Os produtos que apresentam maior retorno são os

queijos maturados, devido ao seu acúmulo de estoque (com data de validade avançada) nas

fábricas ou nos supermercados e, ao transporte e armazenamento inadequado.

4.2.3. Elos de processos gerenciados, monitorados, não-gerenciados e não-membros.

A Figura 3 mostra, de forma genérica, as diferentes ligações (gerenciadas, monitoradas,

não-gerenciadas e com não-membro) na cadeia estudada.

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Fonte: Adaptada de Lambert e Cooper, 2000.

1º Camada fornecedor

2º Camada fornecedor

3º Camada fornecedor

3º Camada cliente

2º Camada cliente

Outros Insumos

Ração

Fornecedor

Veterinári

Banco de Sêmen

Fornecedor

Laboratório Externo

Produtor

Fornecedor

Outros Laboratório

Outras indústrias de

alimento Outros CDs

Centro de Distribuição

Loja Própria

Supermercado

Monitora

Gerencia

Não-membro

Não-gerencia Não

Membro Membro da

cadeia Empresa

Focal

1º Camada cliente

Laboratório Interno

Fornecedor

Órgão Público

Transporte

Fazenda

Cooperativa

C o n s u m i d o r

F i n a l

Casa de Frios

Padaria

Mercado Institucional Outros Laticínios

Laticínio

Figura 3. Tipos de Elos da cadeia estudada.

Os elos mais importantes e que têm o seu relacionamento crítico com a Empresa Focal

(EF), no caso o laticínio, são aqueles que devem ser melhores gerenciados. Neste caso,

percebe-se que são a maioria dos elos com quem a EF tem relação direta. O relacionamento

com os membros extremos da cadeia geralmente não é considerado importante pela EF. O elo

de relacionamento direto da EF (p. ex. através do SAC) com o consumidor final não tem sua

importância reconhecida pela maioria das empresas.

A Figura 3 também apresenta elos (não-membros) que, embora não façam parte da cadeia,

podem influenciar de forma negativa a EF, como no caso do relacionamento das redes

supermercadistas com outras empresas de alimentos. Assim, por exemplo, uma nova regra de

comercialização estabelecida por essas empresas com os supermercados pode se refletir em

mudanças relevantes para os laticínios. A figura ainda mostra o elo (monitorado) com os

outros laticínios, que têm crescido muito no tocante à troca de informações e ao

desenvolvimento de parcerias e ações colaborativas.

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4.2.4. Componentes gerenciais

Na estrutura de Lambert e Cooper, os componentes gerenciais determinam o nível de

integração e gerenciamento dos processos na cadeia. Assim, quanto mais componentes

existirem e quanto mais forte a sua sinergia com os processos, mais efetivo será o

gerenciamento da cadeia. A seguir serão descritos os principais componentes identificados na

cadeia, de acordo com (Vieira, 2002).

Assistência técnica ao produtor: Importante na integração das empresas com os

fornecedores de leite. A estrutura da pecuária de leite nas fazendas da Zona da Mata, ainda é

arcaica, carece de investimentos e adequação às condições das empresas. Assim, alguns

laticínios desenvolvem junto aos produtores programas de assistência técnica-veterinária, por

meio dos agrônomos e técnicos agrícolas que orientam o produtor na melhoria de sua

pecuária.

Planejamento colaborativo: as L6, L7 e L8, que produzem produtos tipo “longa vida” e

queijo ralado têm forte parcerias com outras empresas de laticínios, no que tange ao envase

desses produtos. Esta crescente parceria entre as indústrias e empresas tem levado ao

constante planejamento em conjunto de suas diversas operações na cadeia.

Controle de qualidade dos processos: grande parte do controle da qualidade ainda está

restrita às operações internas das fábricas; pelo menos este é o maior enfoque dos órgãos de

fiscalização. É também uma das maiores preocupações dos técnicos e gerentes das empresas,

pois a qualidade se reflete na melhoria da produtividade, reduz perdas e contribui para medir a

vida útil de prateleira do produto. A granelização da matéria prima foi um dos mais

importantes progressos de melhoria de qualidade nos processos à montante do laticínio. Falta,

entretanto, maior atenção na parte à jusante. O maior controle da manipulação, melhores

embalagens e disposição das cargas na distribuição reduziriam as reclamações e devoluções

aumentando a satisfação dos consumidores finais.

4.3. Relações de Mercado

O Quadro 6 mostra a relação entre os membros participantes a jusante da cadeia. A seguir

serão descritas as principais relações dentro do proposto no artigo (veja Vieira 2002 para

descrição completa das relações).

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Relação Empresas CD Supermercado Consumidores Empresas 1 x 1 1 x 2 1 x 3 1 x 4

CD 2 x 1 2 x 2 2 x 3 2 x 4 Supermercado 3 x 1 3 x 2 3 x 3 3 x 4 Consumidores 4 x 1 4 x 2 4 x 3 4 x 4

Fonte: Vieira, 2002. Quadro 6 - Relações de mercado.

1) Relação 1 x 3 (Empresa x Supermercado) Relação 3 x 1 (Supermercado x

Empresa): Por ser quem dá forma ao produto, o laticínio parece ser quem teria melhores

condições para gerenciar os elos da cadeia. Embora o poder dos supermercados seja muito

maior e crescente em pequenas cidades, eles não reúnem condições para gerenciar a cadeia,

pois têm dimensão vertical muito grande à montante (trabalham com milhares de outros itens

e dezenas ou centenas de fornecedores).

Como visto na pesquisa o relacionamento é unilateral. Ora as empresas não atendem os

pedidos nas quantidades e tempo desejados, ora o varejo privilegia o preço e a qualidade dos

produtos. Fortalecendo a relação com os clientes o laticínio poderia dificultar a entrada de

concorrentes. O conhecimento da potencialidade dos clientes e o desenvolvimento de suas

capacidades competitivas passaram a ser tarefa das empresas.

2) Relação 1 x 4 (Empresa x Consumidor) Relação 4 x 1 (Consumidor x Empresa): A

maioria das empresas não conhece o consumidor final. As empresas não aproveitam a

oportunidade para se expor com serviços de atendimento direto ao consumidor e conquistar

sua fidelidade e obter um feedback sobre o produto que sirva para orientar a estratégia de

marketing. Para o consumidor final a associação da marca à qualidade parece ser muito forte.

A fidelidade do cliente imediato e, principalmente, do consumidor final à marca pode elevar o

poder da empresa na cadeia. Os consumidores parecem comprar por marca, preço e, não, pela

qualidade em si mesma. Na maioria das vezes, os consumidores compram por impulso. Logo

uma atenção direta aos consumidores através de um sítio na Internet, disponibilizando

serviços de atendimento on line (receitas e dúvidas de consumo dos produtos), viabilizando

cadastro para saber o perfil de consumo como locais de preferência para compra, entre outros,

seria uma alternativa perfeitamente viável na divulgação do produto, mas não dispensa a

visibilidade na gôndola.

3) Relação 3 x 4 (Supermercado x Consumidor) Relação 4 x 3 (Consumidor x

Supermercado): Nesta relação têm maior importância o preço, o marketing dos produtos e os

serviços que estes proporcionam ao consumidor. Os supermercados nem sempre repassam

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para os consumidores, na mesma proporção, os ganhos oferecidos pelas promoções dos

laticínios. O marketing dos produtos não é de interesse dos supermercados, pois não há

fidelidade à marca, salvo marcas tradicionais. Estas têm maior espaço de gôndola, pois sua a

contribuição para vendas é maior e têm consumidores fiéis. As linhas de fracionados e

fatiados são oferecidas pelos supermercados que colocam sua etiqueta mascarando a marca do

produto.

5. Conclusão Conclui-se que é preciso maior conscientização dos membros da cadeia, em especial a

Empresa Focal (o laticínio), para o investimento em marketing e gerenciamento de processos-

chave, visto que a maior parte do valor agregado do produto está diretamente relacionando à

cadeia dos lácteos (em especial aos processos a jusante da cadeia) e não somente ao laticínio

em si (como no processo de manufatura).

O pequeno poder junto aos varejistas, em particular aos supermercados, parece também

inibir as iniciativas dos laticínios para assumir o controle gerencial da cadeia. De outro lado, o

grande número de fornecedores e a pouca diferenciação dos produtos oferecidos pelos

laticínios tornam desinteressante para os varejistas assumir o gerenciamento da cadeia.

Há indicações de que há potencial para ganhos na cadeia por meio da gestão integrada dos

processos que perpassam as empresas. As redes supermercadistas teriam ganhos por meio da

integração com fornecedores reduzindo os custos de transação e, sendo elas o grupo de

clientes diretos mais importantes para competir com as grandes multinacionais (mais aptas

para essa integração), o SCM pode ser de vital importância para os laticínios independentes.

Assim, o estudo indicou que há potencial para melhoria da cadeia por meio de um

gerenciamento mais efetivo de seus processos com o laticínio ocupando a posição central.

Para isso a construção de uma marca que o consumidor final reconheça e associe à qualidade

é fundamental, pois sem ela os laticínios independentes estarão condenados a competir em

preço entre si. Tal competição impede que a remuneração dos membros ao longo da cadeia.

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