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TRATAMENTO NÃO OPERATÓRIO DO TRAUMA DE VÍSCERAS ABDOMINAIS PARENQUIMATOSAS NONOPERATIVE TREATMENT OF THE SOLID ABDOMINAL ORGAN INJURIES Gerson A Pereira Júnior 1 , Júlia Batista de Carvalho 2 , Geraldo S Prado Neto 3 , Juliana R Guedes 3 1 Médico Assistente. Unidade de Emergência. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP. Docente. Emergências Médicas e Habilidades Cirúrgicas. Curso de Medicina da Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP. 2 Médica. Residente de Clínica Médica. Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP. 3 Doutorandos. Curso de Medicina da Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP. CORRESPONDÊNCIA: Dr. Gerson Alves Pereira Júnior. Rua Bernardino de Campos, 1000. Higienópolis. 14030-150 - Ribeirão Preto – SP e-mail: [email protected] Pereira Júnior GA, Carvalho JB, Prado Neto GS, Guedes JR. Tratamento não operatório do trauma de vísceras abdominais parenquimatosas. Medicina (Ribeirão Preto) 2007; 40 (4): 538-50, out./dez. RESUMO: O tratamento não operatório das lesões de órgãos parenquimatosos abdominais (fígado, baço e rins) em pacientes com estabilidade hemodinâmica tem se tornado o método de escolha na última década. A TC é indispensável para a adequada seleção do paciente e para excluir outras lesões que podem necessitar de laparotomia. As estratégias de tratamento não operatório consistem da observação clínica e monitorização cuidadosa com ou sem o uso ad- junto da angiografia. A utilização disseminada de embolização angiográfica tem aumentado o número e o tipo de pacientes que podem ser tratados sem cirurgia. O aumento desta modalida- de de tratamento não operatório é baseado nas baixas taxas de falha terapêutica relatado na maioria dos estudos. As taxas de sucesso do tratamento não operatório é maior de 90% para estas lesões. Este artigo de revisão discutirá os conceitos atuais no manuseio não operatório, incluindo o diagnóstico, a seleção dos pacientes, as estratégias utilizadas no tratamento não operatório, os benefícios, os riscos e as complicações. Descritores: Traumatismos Abdominais. Tratamento não Operatório. Fígado; lesões. Baço; lesões. Rim; lesões. 538 1- INTRODUÇÃO A mudança da rotina de tratamento operatório de escolha, para o tratamento não operatório no trau- ma abdominal fechado de órgãos sólidos é uma das mais notáveis alterações na abordagem do trauma das últimas duas décadas. 1 Historicamente, o trauma de baço era tratado por esplenectomia total até a descrição dos primeiros casos de infecções fulminantes na década de 1950. A partir de então, iniciou-se uma tendência na literatura médica advogando o uso de técnicas cirúrgicas con- servadoras, particularmente a esplenorrafia, como al- ternativa à ressecção completa, permitindo a preser- vação da função esplênica. Com a evolução e maior utilização dos métodos de diagnóstico por imagem, a partir da década de 1980, os pacientes pediátricos com estabilidade hemodinâmica passaram a ser tratados sem cirurgia, com inúmeras vantagens, além da pre- servação do órgão: menor tempo de internação, me- nor número de complicações intra-abdominais, menor necessidade de transfusão e menores custos hospi- Medicina, Ribeirão Preto, Simpósio: CIRURGIA DE URGÊNCIA E TRAUMA - 2ª Parte 2007; 40 (4): 538-50, out./dez. Capítulo VI

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Page 1: 6 trauma visceras abdominais parenquimatosas...ma abdominal fechado de órgãos sólidos é uma das mais notáveis alterações na abordagem do trauma das últimas duas décadas.1

TRATAMENTO NÃO OPERATÓRIO DO TRAUMA DE VÍSCERASABDOMINAIS PARENQUIMATOSAS

NONOPERATIVE TREATMENT OF THE SOLID ABDOMINAL ORGAN INJURIES

Gerson A Pereira Júnior1, Júlia Batista de Carvalho2, Geraldo S Prado Neto3, Juliana R Guedes3

1Médico Assistente. Unidade de Emergência. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP. Docente.Emergências Médicas e Habilidades Cirúrgicas. Curso de Medicina da Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP. 2Médica. Residentede Clínica Médica. Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP. 3Doutorandos. Curso de Medicina da Universidade de Ribeirão Preto –UNAERP.CORRESPONDÊNCIA: Dr. Gerson Alves Pereira Júnior. Rua Bernardino de Campos, 1000. Higienópolis. 14030-150 - Ribeirão Preto – SPe-mail: [email protected]

Pereira Júnior GA, Carvalho JB, Prado Neto GS, Guedes JR. Tratamento não operatório do trauma de víscerasabdominais parenquimatosas. Medicina (Ribeirão Preto) 2007; 40 (4): 538-50, out./dez.

RESUMO: O tratamento não operatório das lesões de órgãos parenquimatosos abdominais(fígado, baço e rins) em pacientes com estabilidade hemodinâmica tem se tornado o método deescolha na última década. A TC é indispensável para a adequada seleção do paciente e paraexcluir outras lesões que podem necessitar de laparotomia. As estratégias de tratamento nãooperatório consistem da observação clínica e monitorização cuidadosa com ou sem o uso ad-junto da angiografia. A utilização disseminada de embolização angiográfica tem aumentado onúmero e o tipo de pacientes que podem ser tratados sem cirurgia. O aumento desta modalida-de de tratamento não operatório é baseado nas baixas taxas de falha terapêutica relatado namaioria dos estudos. As taxas de sucesso do tratamento não operatório é maior de 90% paraestas lesões. Este artigo de revisão discutirá os conceitos atuais no manuseio não operatório,incluindo o diagnóstico, a seleção dos pacientes, as estratégias utilizadas no tratamento nãooperatório, os benefícios, os riscos e as complicações.

Descritores: Traumatismos Abdominais. Tratamento não Operatório. Fígado; lesões. Baço;lesões. Rim; lesões.

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1- INTRODUÇÃO

A mudança da rotina de tratamento operatóriode escolha, para o tratamento não operatório no trau-ma abdominal fechado de órgãos sólidos é uma dasmais notáveis alterações na abordagem do trauma dasúltimas duas décadas.1

Historicamente, o trauma de baço era tratadopor esplenectomia total até a descrição dos primeiroscasos de infecções fulminantes na década de 1950. Apartir de então, iniciou-se uma tendência na literatura

médica advogando o uso de técnicas cirúrgicas con-servadoras, particularmente a esplenorrafia, como al-ternativa à ressecção completa, permitindo a preser-vação da função esplênica. Com a evolução e maiorutilização dos métodos de diagnóstico por imagem, apartir da década de 1980, os pacientes pediátricos comestabilidade hemodinâmica passaram a ser tratadossem cirurgia, com inúmeras vantagens, além da pre-servação do órgão: menor tempo de internação, me-nor número de complicações intra-abdominais, menornecessidade de transfusão e menores custos hospi-

Medicina, Ribeirão Preto, Simpósio: CIRURGIA DE URGÊNCIA E TRAUMA - 2ª Parte2007; 40 (4): 538-50, out./dez. Capítulo VI

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Medicina (Ribeirão Preto) 2007; 40 (4): 538-50, out./dez. Trauma de vísceras abdominais parenquimatosashttp://www.fmrp.usp.br/revista Pereira Júnior GA, Carvalho JB, Prado Neto GS, Guedes JR

talares. Pouco tempo depois, os mesmos princípios fo-ram utilizados para os pacientes pediátricos com trau-ma hepático e com traumas combinados de víscerasparenquimatosas abdominais com sucesso similar.2

Estes estudos encorajaram os cirurgiões a apli-car a mesma abordagem não operatória para os paci-entes adultos.

Em contraste com a alteração de conduta naabordagem do trauma hepático e esplênico, o trata-mento recomendado para o trauma renal tem sido nãooperatório há várias décadas. Diferentemente da he-morragia intraperitoneal do trauma de fígado e baço,a localização retroperitoneal dos rins auxilia no tam-ponamento da hemorragia em caso de lesão e o ricosuprimento sangüíneo pode promover a adequada ci-catrização após lesões parenquimatosas.3 A condutaconservadora deve ser adotada somente após o ade-quado estadiamento da lesão. O objetivo de tal condu-ta é permitir um tratamento seguro ao paciente, evi-tando-se uma cirurgia desnecessária, muitas vezes,com ressecção parcial ou total do órgão, bem comotodos os riscos inerentes ao procedimento cirúrgico eanestésico.

2- TRATAMENTO NÃO OPERATÓRIO

A conduta conservadora não operatória tem-setornado o tratamento de escolha em pacientes vítimasde trauma contuso de órgãos parenquimatosos abdo-minais que apresentam estabilidade hemodinâmica.4

O exame tomográfico do abdome tem substitu-ído outros exames de imagem para a avaliação depacientes hemodinamicamente estáveis. É realizadoem pacientes nos quais o abdome não pode ser avali-ado adequadamente pelo exame físico devido à alte-ração do nível de consciência (traumatismo cranioen-cefálico, etilismo agudo ou abuso de drogas depressorasdo sistema nervoso central), naqueles cujos achadosno exame físico abdominal não são confiáveis (trau-ma raquimedular) e naqueles com significante fraturapélvica ou história de múltiplas cirurgias.5

O uso da tomografia computadorizada (TC) nospacientes com trauma abdominal contuso propicia otratamento conservador não operatório das lesões deórgãos parenquimatosos, diminuindo a necessidade decirurgia exploradora e reduzindo a freqüência de laparo-tomias não terapêuticas. A tendência atual em direçãoao tratamento conservador não operatório de muitas le-sões do fígado, baço e rins é devido, em parte, à capaci-dade da TC não apenas de definir a presença da lesãoe a sua extensão, mas também de excluir outras le-

sões significantes, evitando cirurgias desnecessárias.5

A decisão final a respeito da indicação de ex-ploração cirúrgica deve ser tomada com base nos acha-dos tomográficos, em conjunção com o quadro clínicocompleto, principalmente, a necessidade de reposiçãovolêmica para a manutenção da estabilidade hemodi-nâmica e a experiência de um cirurgião.6

Nos traumas abdominais penetrantes, apesar doforte consenso em favor da cirurgia mandatória inde-pendentemente dos sinais clínicos apresentados, osferimentos por arma branca começaram a ter umaabordagem mais seletiva. Nos pacientes que estãorelativamente assintomáticos (podendo referir dor nolocal do ferimento), permitindo a realização de exa-mes físicos seriados, a exploração local do ferimentona parede abdominal anterior, o lavado peritoneal di-agnóstico e a TC com triplo contraste em ferimentosdo flanco ou dorso, podem permitir o tratamento nãooperatório.7 O tratamento não operatório utilizado empacientes selecionados por ferimentos por arma bran-ca podem evitar a laparotomia não terapêutica em 50%dos pacientes com lesão na parede abdominal anteriore até 85% daqueles com lesões no flanco ou dorso.3

O sucesso da abordagem conservadora nãooperatório para lesões de órgãos parenquimatosos emcasos de trauma abdominal contuso e para casos se-lecionados de ferimentos por arma branca aceitos namaioria dos grandes centros de trauma, encorajou aconduta conservadora não operatória em pacientescom ferimentos penetrantes por arma de fogo. Ape-sar do risco de lesão associada em mais de 95% doscasos8, tal conduta passou a ser adotada no subgrupode pacientes sem penetração da cavidade peritoneal,que algumas vezes pode ser clinicamente óbvia e, ou-tras vezes, requer a confirmação através de examesde imagem, particularmente, a TC.9

Dois argumentos utilizados para justificar o tra-tamento conservador não operatório para ferimentospenetrantes abdominais, tanto por arma branca, quan-to por arma de fogo, tem sido a significante morbida-de, os custos associados à laparotomia não terapêuti-ca10 e o significante potencial para cicatrização deórgãos parenquimatosos (fígado, baço e rins) trauma-tizados como observado no tratamento de lesões gra-ves desses órgãos no trauma contuso.11

Um estudo recente mostrou que, em casos deferimentos penetrantes por arma branca ou de fogo,39,6% das lesões hepáticas, 30,4% das lesões renaise 10,7% das lesões esplênicas podem ser tratadas semcirurgia, quando não há outras lesões intra-abdomi-nais significantes.3

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2.1- Critérios de seleção dos pacientes para otratamento não operatório

Os critérios utilizados para selecionar os paci-entes para a conduta conservadora não operatória in-cluem a reposição volêmica mínima, ausência de sig-nificante traumatismo cranioencefálico, ausência delesões intra-abdominais concomitantes, idade menorque 55 anos e ausência de outras lesões que possaminfluenciar a hemorragia ou requerer intervenção ci-rúrgica.4

A presença de lesões múltiplas e a idade avan-çada permanecem como contra-indicações relativasao tratamento conservador, embora estudos recentesestejam refutando tais critérios. A experiência obtidaem vários estudos realizados com pacientes pediátri-cos permite tentar tal tratamento em pacientes adul-tos com múltiplas lesões sem aumento da morbidadee mortalidade comparado com pacientes com lesãoisolada de orgão parenquimatoso abdominal. 4

A necessidade de intervenção cirúrgica paralesões não parenquimatosas tem sido uma contra-in-dicação relativa ao tratamento conservador, uma vezque tais procedimentos introduzem um potencial paraa perda de sangue bem como elimina a possibilidadedo seguimento do exame abdominal do paciente en-quanto ele estiver anestesiado.4

É controverso se a presença de alteração doestado mental devido a traumatismo cranioencefálicopermite o tratamento não operatório, pois os resulta-dos de vários trabalhos são conflitantes. 12

A idade maior que 55 anos tem sido utilizadacomo contra-indicação para tratamento conservadornão operatório para lesões esplênicas. As razões aven-tadas são a falta de reserva fisiológica nos idosos, bemcomo as alterações no parênquima do orgão que fazcom haja menor probabilidade da hemorragia cessar.13

A presença de múltiplas lesões de órgãosparenquimatosos abdominais tem sido uma contra-in-dicação relativa para o tratamento não operatório. 4

2.2- Estadiamento das lesões parenquimatosasabdominais

O Comitê da “Organ Injury Scaling” (OIS)foi criado em 1987 dentro da Associação Americanade Cirurgia do Trauma para classificar o estadiamen-to e atualizar periodicamente os graus de lesões dosdiversos órgãos. Sua classificação tem sido aceitamundialmente, estabelece cinco graus de lesões emordem crescente de gravidade. Tal classificação é uti-

lizada para o estadiamento das lesões através da rea-lização dos exames radiológicos ou pelo achado intra-operatório no momento da exploração cirúrgica. AsTabelas I, II e III mostram as classificações da OISpara o trauma esplênico, hepático e renal, respectiva-mente.14,15

As lesões de graus 1, 2 e 3 são consideradas“minor”, enquanto que as lesões de graus 4 e 5 sãoconsideradas “major”.15

2.3- Critérios de sucesso e falha no tratamentonão operatório

O tratamento não operatório consiste de obser-vação rigorosa intra-hospitalar, não necessariamenteem leito de unidade de terapia intensiva, repouso rela-tivo no leito, dosagens seriadas do hematócrito, hidra-tação endovenosa abundante, jejum por 24 a 48 horas,ou seja, até uma melhor definição da não necessidadecirúrgica, e antibioticoprofilaxia.16

Os preditores de falha do tratamento não ope-ratório são a presença de hipotensão na admissão, oalto grau de lesão, o extravasamento ativo de contras-te no CT e a necessidade de transfusão sangüínea. Aidade avançada e a lesão neurológica associada, an-teriormente citados até como contra-indicação do tra-tamento não operatório, nos estudos mais recentesparecem não interferir neste tipo de conduta.1

Um estudo recente mostrou que na presençade lesão renal ou esplênica com Focused AbdominalSonography for Trauma (FAST) positivo, uma esti-mativa de líquido livre no CT maior do que 300 ml enecessidade de hemotransfusão, o risco de falha notratamento não operatório é de 96%, enquanto que naausência destes fatores, o risco de falha é de apenas2%.1 A presença destes fatores de risco podem indi-car a internação do paciente em terapia intensiva.

Este estudo também mostrou que o tratamentonão operatório das lesões esplênicas, particularmenteaquelas de grau 3 ou mais, são mais propensas à fa-lhas do que as lesões do rim ou fígado.1

A presença de lesões de vísceras ocas em pa-cientes submetidos ao tratamento não operatório devísceras parenquimatosas é rara e ocorre em menosde 1% dos casos. A TC pode mostrar edema da pare-de intestinal e a observação clínica rigorosa mostra apresença de sinais de irritação peritoneal cada vez maisevidentes.1

A seguir, serão discutidos, individualmente, aabordagem dos traumas esplênico, hepático e renal.

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Grau

Hematoma (I)Laceração

Hematoma (II )Laceração

Hematoma (III )Laceração

Laceração (IV )

Laceração (V)Vascular

Descrição da lesão

Subcapsular, menos de 10% da superfície acometida.

Ruptura da cápsula, menor que 1 cm de profundidade no parênquima.

Subcapsular, acometimento de 10-50% da superfície;intraparenquimatoso, menor que 5 cm de diâmetro.1-3 cm de profundidade no parênquima que não envolve veia trabecular

Subcapsular, maior que 50% de superfície ou em expansão; ruptura dohematoma subcapsular ou do hematoma parenquimatoso; hematomaintraparenquimatoso maior que 5 cm ou em expansão

Maior que 3 cm de profundidade no parênquima ou envolvendo veiastrabeculares

Lacerações envolvendo veias hilares ou segmentares produzindodesvascularização significativa (>25% do baço)

Baço multifragmentado Avulsão do hilo que desvasculariza o baço.

Abreviatted InjuryScale (AIS)

2

2

2

2

3

3

4

55

Tabela 1: Estadiamento do trauma esplênico, de acordo com a Organ Injury Scaling (Moore et al. 1995)14

Escala de lesão esplênica (revisão 1994)

Grau

Hematoma (I)Laceração

Hematoma (II )Laceração

Hematoma (III )Laceração

Laceração (IV )

Laceração (V)Vascular

(VI) Vascular

Descrição da lesão

Subcapsular, envolvendo menos de 10% da superfícieLaceração da cápsula, menor que 1 cm de profundidade no parênquima

Subcapsular, 10-50% de área; intraparenquimatoso, menor que 10 cm dediâmentro1-3 cm de profundidade no parênquima, menor que 10 cm de extensão

Subcapsular, maior que 50% de superfície de área ou em expansão; ruptu-ra do hematoma subcapsular ou do hematoma parenquimatosoMaior que 3 cm de profundidade

Ruptura do parênquima envolvendo 25-75% de um lobo hepático ou 1 a 3segmentos de Couinaud dentro de um lobo isolado

Ruptura do parênquima envolvendo mais que 75% do lobo hepático oumais que 3 segmentos de Couinaud dentro de um lobo isoladoLesão venosa justahepática; p.e. veia cava retrohepática / veias hepáti-cas principais

Avulsão hepática

Abreviatted InjuryScale (AIS)

22

2

2

3

3

4

5

5

6

Tabela II: Estadiamento do trauma hepático, de acordo com a Organ Injury Scaling (Moore et al. 1995)14

Escala de lesão hepática (revisão 1994).

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3- TRAUMA ESPLÊNICO

As lesões do baço ocorrem mais freqüentemen-te associadas ao trauma contuso em acidentes auto-mobilísticos, quedas e agressões físicas. Podem ocor-rer de forma isolada ou associadas à outras lesõesintra-abdominais.

Em um estudo com grande casuística, as le-sões penetrantes foram tratadas sem cirurgia em62,4% dos casos e nos traumas contusos em 85,6%dos casos. A taxa de tratamento não operatório empacientes com mais de 18 anos de idade com lesõesesplênicas foi de 81,8%, enquanto em menores de 18anos de idade foi de 91,8%2.

A Figura 1 mostra os vários graus de estadia-mento das lesões esplênicas na TC de abdome.

Pacientes submetidos à cirurgia antes de 12horas da admissão hospitalar geralmente são conside-rados como tratamento cirúrgico, enquanto que paci-

entes submetidos a cirurgia depois de 12 horas ou maisda admissão, são considerados como falha do trata-mento conservador.2 Os benefícios do tratamento con-servador devem ser pesados em relação aos riscos dedeixar de diagnosticar outras lesões e no atraso dotratamento.3

O tratamento conservador no trauma esplênicoconsiste na simples observação clínica ou angiografia,com ou sem embolização. Assim, podemos ter dife-rentes estratégias no tratamento conservador: 17

• observação: o período de observação de um paci-ente com trauma esplênico deve ser feito em ambi-ente monitorizado ou de cuidados intensivos. O pa-ciente deve ser mantido em jejum e com avaliaçõesseriados do hematócrito.

• angiografia: a angiografia é uma terapia adjuvantenas lesões esplênicas que tem sido extensivamenteinvestigada. O primeiro relato do uso da angiografia

Figura 1: Exemplos de trauma esplênico. A) Lesão grau II - Laceração do parênquima menor que 3 cm. B) Lesãograu III – hematoma subcapsular > 50%. C) Lesão grau IV – desvascularização > 25% do parênquima. D) Lesão grau V – baçomultifragmentado.

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com embolização seletiva como terapia adjuvantena lesão esplênica foi feita em 1995. Taxas de su-cesso de 97% foram demonstradas para emboliza-ção de artéria proximal neste estudo. Estudos maisrecentes, têm sugerido angiografia seletiva parapacientes com lesões de alto grau ou com extrava-samento de contraste no CT. Outra indicação paraangiografia inclui persistência de taquicardia e que-da do hematócrito.17 Na técnica de angiografia, podeser utilizada a embolização proximal ou a emboliza-ção seletiva. A primeira não controla diretamente osangramento, mas diminui a pressão no baço permi-tindo a hemostasia intrínseca, enquanto a perfusãoesplênica é mantida por via colateral. O segundotipo permite a hemostasia direta das áreas lesadas.Estas técnicas também podem ser combinadas.

A taxa de complicações de uma laparotomianão terapêutica pode chegar a 15%. As complicaçõesde uma esplenectomia, incluem: um aumento do riscode infecções e enfraquecimento do sistema imunesecundário à asplenia..17

A única contra-indicação absoluta do trata-mento não operatório é o paciente com instabilidadehemodinâmica que não responde à reposição de flui-dos.17 Outras contra-indicações que são debatidas naliteratura são: altos graus de lesão no CT, extravasa-mento ativo de contraste no CT, FAST positivo,hemoperitônio volumoso, ISS>25 e necessidade detransfusão de sangue.15

Estudos mais recentes sugerem que os pacien-tes com lesão neurológica associada podem ser trata-dos conservadoramente com sucesso, inclusive haven-do uma possibilidade de melhor prognóstico, por evi-tar a morbidade da anestesia e da laparotomia.17

A idade maior que 55 anos tem sido uma con-tra-indicação histórica para tratamento conservador.Os estudos são conflitantes, porém dados mais recen-tes demonstraram que a idade isoladamente não é umfator que contra-indica o tratamento conservador.17

O seguimento com TC de abdome, geralmente,não é feito em lesões de baixo grau. Geralmente, arepetição do exame é feita de acordo com a sintoma-tologia clínica ou em lesões de grau avançado após 24a 72 horas.

As falhas do tratamento não operatório podemresultar de hemorragias significativas e, subseqüente,hipotensão e choque circulatório. As falhas geralmen-te são corrigidas com esplenectomia, ao invés de setentar uma esplenorrafia. Estas falhas no tratamentoconservador indicam a necessidade de intervençãocirúrgica. As taxas de falha são bastante variáveis.

Uma revisão recente demonstrou taxa de sucesso de98% em crianças e 83% em adultos com lesões degrau I a III.17

Uma revisão retrospectiva foi publicada em 2000com análise de 1488 pacientes com lesão esplênica.Trinta e oito por cento foram manejadas com cirurgia.O restante foi manejado conservadoramente. A taxade falha no tratamento conservador foi de 10,8%. Deacordo com o grau da lesão, as taxas de falhas foramde 4,8% no grau I, 9,5% no grau II, 16,9% no grau III,33,3% no grau IV e 75% no grau V 18.

Os fatores de risco para falha terapêutica têmsido exaustivamente estudados. Em diversos estudosa taxa de falha no tratamento conservador foi associ-ada ao grau de hemoperitôneo e o grau da lesão. Oextravasamento de contraste no CT também podepredizer a taxa de falha do tratamento somente comobservação, indicando a necessidade de angiografia.O FAST positivo e a necessidade de transfusão san-guínea, são fatores de risco adicionais na falha do tra-tamento conservador.

As complicações do tratamento não operató-rio, além da hemorragia, inclui o risco de lesões asso-ciadas desapercebidas. Quando se utilizam técnicasangiográficas, além destas complicações, podemos tera nefropatia induzida pelo contraste, o abscesso e oinfarto esplênico.

4- TRAUMA HEPÁTICO

O mecanismo de trauma mais frequente é ocontuso devido a acidentes de transporte, seguido deagressões físicas.2

A Figura 2 mostra os vários graus de estadia-mento das lesões hepáticas na TC de abdome.

Na maioria dos estudos, a taxa de tratamentonão operatório do trauma hepático durante o períododo estudo variou de 74,6 a 87,1%.2

O taxa de tratamento não operatório foi maiornos seguintes casos: presença de mecanismo contusode lesão e AIS mais baixo. Em contraste, a falha dotratamento não operatório foi maior quando associadoa aumento da pressão sistólica no atendimento iniciale a idade do paciente.2

No tratamento não operatório, o paciente podeser submetido à simples observação ou, angiografiacom ou sem embolização. A observação deve ser fei-ta em um ambiente monitorizado, com exame abdo-minal seriado e hematócrito. Pacientes com lesões degrau maior em tratamento conservador estão sob maiorrisco de falha do tratamento.17

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A embolização por angiografia é uma técni-ca bastante útil no tratamento não operatório. Emvários estudos, as lesões de grau mais avançado, IV eV foram manejadas com sucesso somente com em-bolização. O uso rápido da embolização pode ser be-néfico.15

Além do beneficio óbvio de evitar a morbidadede uma laparotomia, o tratamento conservador daslesões hepáticas tem demonstrado outros benefícios,incluindo menor necessidade de transfusão sangüínea,menor índice de complicações abdominais, menor tem-po de permanência hospitalar e menor tempo de per-manência em unidades de terapia intensiva.17

Não existe um consenso para o seguimento comTC de abdome. Geralmente não é feito em lesões debaixo grau e a repetição do exame é realizada de acor-do com a sintomatologia clínica ou em lesões de grauavançado após 7 a 10 horas.6,17

Os fatores de risco para falhas do tratamentonão operatório têm variado em diferentes estudos. Omaior grau da lesão, pooling de contraste na tomo-grafia, o tracking periportal de sangue, volume dohemoperitônio e a presença de múltiplas lesões de ór-gãos parenquimatosos. No entanto, vários trabalhosrecentes, principalmente utilizando técnicas angiográ-ficas divergem em relação aos fatores de risco de fa-lha do tratamento não operatório.2

As complicações associadas ao tratamento nãooperatório do trauma hepático diferem daquelas atri-buídas ao trauma esplênico devido às peculiaridadesanatômicas e fisiológicas do fígado. Assim, podemoster abscessos, fístulas biliares, biliomas e hemobilia.6,17

Os abscessos e biliomas podem ser tratadoscom elevada taxa de sucesso por meio da drenagempercutânea. As lesões biliares podem ser tratadas coma utilização da drenagem biliar por meio da colangio-

Figura 2: Exemplos de trauma hepático. A) Lesão grau II - Laceração do parênquima menor que 3 cm. B) Lesão grau III – hematomasubcapsular > 50%. C) Lesão grau IV – ruptura do parênquima envolvendo 25 - 75% do lobo direito. D) Lesão grau V – ruptura doparênquima envolvendo mais de 75% do lobo direito, com hemoperitônio volumoso.

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grafia endoscópica retrógrada. A hemobilia pode sertratada com técnicas angiográficas.4,17

Uma outra complicação atribuída ao tratamen-to das lesões hepáticas de grau elevado é o desenvol-vimento da síndrome de compartimento abdominal.17

Os estudos diferem quanto à freqüência destascomplicações com variações de 5 a 12%. As taxasmais relatadas nas várias publicações são: hemor-ragias (5%), abscessos (0,7%), lesões desapercebi-das (0,5%) e biliomas (0,4%).4,6,17

5- TRAUMA RENAL

A maioria dos casos de trauma renal é devidoao trauma contuso (85 a 90%) e o restante devido aosferimentos penetrantes. Porém, tais porcentagens so-bre o mecanismo de trauma são variáveis, de acordocom a população e a região geográfica estudada.19

A maioria das lesões renais ocorre como resul-tado de um trauma direto ou da rápida desaceleraçãocausada por acidentes de tráfego, quedas, lesões es-portivas ou agressões físicas.16

Atualmente, as indicações para o estudo radio-lógico no trauma renal estão melhor estabelecidas naliteratura médica mundial. Tais indicações foram defi-nidas a partir de extensos trabalhos realizados por di-versos autores em diferentes partes do mundo, o querepresentou uma grande economia em termos de tem-po de avaliação e custos do tratamento total.

As indicações para a investigação radiológicana suspeita de trauma renal são as seguintes:1- presença de hematúria macroscópica na avalia-

ção inicial, independente do estado hemodinâmicodo paciente.20

2- hematúria microscópica no paciente que chega àsala de admissão com choque circulatório (Pres-são arterial sistólica menor ou igual a 90 mmHg).

3- trauma com grande desaceleração, o que deve sersuspeitado devido ao mecanismo de trauma, comoqueda de altura e trauma direto em região dorsal e,devido as lesões associadas como fratura verte-bral toraco-lombar, fratura das 3 últimas costelasinferiores e fratura/deslocamento do processotransverso de L1 e L2.21

4- ferimento penetrante nas proximidades dos rins.22

Os pacientes politraumatizados que estão nor-motensos e sem hematúria macroscópica não neces-sitam de exame para a detecção de hematúria mi-croscópica e não há indicação de investigação radio-lógica.22

A hematúria microscópica isoladamente é umpobre indicador de lesão renal significante.21

Está definido que o grau de hematúria não secorrelaciona com o tipo e a extensão da lesão renal ecerca de 25% dos casos de lesão da artéria renal nãoapresentam hematúria.23

Além da presença de hematúria macroscópica,devemos prestar atenção em traumas cujo mecanis-mo sugere impacto com grande desaceleração, taiscomo certos tipos de colisões automobilísticas e que-das de altura.24

A TC suplantou a urografia excretora como oexame de imagem de escolha para a avaliação depacientes politraumatizados com suspeita de traumarenal na maioria dos grandes centros de trauma.24

Numerosos estudos mostraram as limitações daurografia excretora para estadiamento das lesões re-nais e comprovaram a superioridade da TC na defini-ção dos detalhes anatômicos, mensuração do tama-nho do hematoma perirenal e da profundidade dalaceração renal, presença de extravasamento uriná-rio, integridade dos vasos renais e a presença e exten-são das lesões extra-renais.24

A TC mostrou ser capaz de fazer uma adequa-da identificação das lesões do pedículo renal, sendo aarteriografia indicada apenas quando os resultados datomografia não são conclusivos.25

Não estando a TC disponível para avaliaçãoradiológica, a urografia excretora é um método acei-tável, embora a sua acurácia para estadiamento depacientes com trauma renal varie de 68 a 95%.26

A utilização da ultrassonografia na avaliação dotrauma renal permite a identificação de líquido livre nacavidade peritoneal, sem a preocupação de fazer odiagnóstico topográfico do órgão lesado. Pode fazer aavaliação do contorno e arquitetura do parênquima renale definir a presença de hematoma ou outras lesõesretroperitoneais. Entre as principais desvantagens dasua utilização pode-se destacar o fato de ser um exa-me onde a experiência e o treinamento individual parasua realização são extremamente importantes (opera-dor dependente), a não distinção entre sangue e urinae a difícil avaliação do pedículo renal.27 A tecnologiaatualmente disponível não permite um adequado esta-diamento, porém o aperfeiçoamento tecnológico po-derá aumentar a participação desta modalidade diag-nóstica. É excelente para o seguimento de lesões re-nais já estadiadas e submetidas ao tratamento conser-vador ou cirúrgico para diagnóstico de complicaçõesprecoces, principalmente as alterações no tamanho dos

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hematomas intra-renal, subcapsular, perirenal ou re-troperitoneal, bem como do extravasamento urinário.27

A classificação da Organ Injury Scaling (OIS)estabelece o sistema de gravidade de lesão demons-trado na Tabela III. A Figura 3 mostra os vários grausde estadiamento das lesões renais na TC de abdome.

As lesões de grau 1 a 3 são consideradas“minor” e as lesões de grau 4 e 5 são classificadascomo “major”.15

Na maioria dos estudos, cerca de 85% destaslesões são classificadas como “minor”, correspondendoaos graus de 1 a 3 pela OIS e são tratadas por meiode observação. Cerca de 5% dos casos refere-se alesões do pedículo ou rim multifragmentado, classifi-cadas como grau 5. Dependendo das condições clíni-cas dos pacientes, estas lesões freqüentemente re-querem intervenção cirúrgica imediata.24 Os 10% re-manescentes dos traumas renais contusos são lacera-ções “major”, sendo classificados como grau 4. Otratamento destas lesões permanece controverso, comopiniões divididas entre aqueles a favor da aborda-gem cirúrgica imediata contra àqueles a favor da con-duta expectante.16

O tratamento conservador não operatório con-siste de observação rigorosa intra-hospitalar, não ne-cessariamente em leito de unidade de terapia intensi-

va, repouso relativo no leito, dosagens seriadas dohematócrito, hidratação endovenosa abundante, jejumpor 24 a 48 horas, ou seja, até uma melhor definiçãoda não necessidade cirúrgica e antibioticoprofilaxia.16

O uso profilático de antibióticos é questionávelquanto à sua indicação e qual o tipo de medicamentoa ser usado.16

Os pacientes recebem alta hospitalar assim quecessar a hematúria macroscópica, sendo orientados amanter o repouso domiciliar por, pelo menos 2 sema-nas, com retorno gradual às atividades até que, porvolta de 6 semanas após a resolução da hematúriamacroscópica, retorne às atividades de rotina.16

O tratamento das lesões renais de grau 1, 2 e 3,consideradas “minor” não é controverso, uma vez quea totalidade dos casos é submetida ao tratamento con-servador não operatório, com raras complicações.16

A tendência atual no tratamento do trauma re-nal grau 4 é retardar a cirurgia, mesmo em casos deextravazamento de urina ou presença de tecido renaldesvitalizado, exceto se houver lesões associadas, prin-cipalmente de pâncreas e cólon, na TC.28 No entanto,o manuseio conservador de lesões renais com frag-mentos desvitalizados resulta em maior morbidadeurológica (38%) e um risco associado de necessidadede nefrectomia tardia de 6%.28

Grau

Contusão ( I )

Hematoma

Hematoma (II )

Laceração

(III )Laceração

Laceração(IV )

Vascular

Laceração(V)

Vascular

Descrição da lesão

Hematúria macro ou microscópica, com estudo radiológico urológiconormal.Subcapsular, não expansível sem laceração do parênquima.

Hematoma peri-renal não expansível confinado à loja renal retroperito-neal.1 cm de profundidade do cortex renal, sem ruptura do sistema coletorou extravazamento de urina.

Maior que 1 cm de profundidade no parênquima renal, sem rupturacalicial ou extravazamento urinário.

Laceração do parênquima estendendo-se através do cortex renal,medula e sistema coletor.Lesão da artéria ou veia renal principal com hemorragia contida.

Rim completamente fraturado.Avulsão do hilo renal que desvasculariza o rim.

Abreviatted InjuryScale (AIS)

1

1

2

2

3

4

4

55

Tabela III: Estadiamento do trauma renal, de acordo com a Organ Injury Scaling (Scaling (Moore et al. 1989)15

Avançamos um grau para lesões múltiplas no mesmo órgão.

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Figura 3: Exemplos de trauma renal com representação esquemática das lesões. A) Lesão grau I – hematoma subcapsular do rimesquerdo, B) Lesão grau II – laceração do parênquima renal esquerdo menor que 1 cm, C) Lesão grau III – laceração do parênquima renaldireito maior que 1 cm, sem extravasamento urinário, D) Lesão grau IV – laceração do parênquima renal esquerdo com extravasamentourinário, E) Lesão grau IV – ruptura do pedículo vascular esquerdo contido à loja renal, F) Lesão grau V – rim direito multifragmentadoe G) Lesão grau V – desvascularização total de rim esquerdo, com contrastação apenas da cápsula renal – sinal do rim cortical.

A B

C D

E F

G

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Não é o extravasamento de urina por si quedita o tratamento, mas a gravidade da lesão renal sub-jacente e se a pelve renal e o ureter estão drenandourina adequadamente.

O tratamento dos casos de trombose da artériarenal permanece controverso, com alguns autoresadvogando a tentativa de reparo cirúrgico precoce eoutros apenas a observação dos casos, o que resulta-rá na perda de função do órgão na grande maioria dospacientes. A tendência é considerar a correção cirúr-gica apenas em pacientes hemodinamicamente está-veis com rins solitários ou lesões bilaterais das artéri-as renais. O tratamento conservador não operatórionas lesões renovasculares tem uma taxa de sucessoque varia de 39 a 63%.16

As lesões renais grau 5, do tipo de múltiplaslacerações renais, não são frequentes e os estudosapresentam um número pequeno de pacientes. Noentanto, parece que o tratamento conservador nãooperatório é viável em casos selecionados ou em pa-cientes jovens sem comorbidades e que apresentamestabilidade hemodinâmica.24

Contrastando com a baixa necessidade de ex-ploração cirúrgica do trauma renal contuso, historica-mente, há uma elevada indicação cirúrgica em paci-entes com trauma renal penetrante. As indicaçõesabsolutas para exploração incluem a identificação dehematoma perirenal pulsátil e em expansão, hemorra-gia persistente de uma lesão renal conhecida com quedados valores hematimétricos e a lesão dos vasos dopedículo renal. As indicações relativas para explora-ção renal incluem o extravasamento urinário óbvio,presença de um rim multifragmentado, presença detecido desvitalizado e a incapacidade do estadiamentoadequado da lesão renal.28

O tratamento das lesões renais penetrantes estálentamente mudando da exploração cirúrgica imedia-ta para uma conduta não operatória em casos selecio-nados. Esta alteração é primariamente devido ao es-tabelecimento de protocolos de diagnóstico clínico, la-boratorial e radiológico capazes de uma acurada de-finição anatômica da lesão permitindo o estadiamentoseguro da sua gravidade.29

O tratamento conservador não cirúrgico de trau-mas penetrantes tem sido mais comumente adotadoem casos de ferimentos por arma branca, quando hámenos lesões intra-abdominais associadas e menornecessidade transfusional.28

Como regra geral, em casos de trauma pene-trante, a decisão intra-operatória deve ser tomada

avaliando-se os sinais de estabilidade hemodinâmica,grau de lesão renal e a presença de lesões associa-das. Todos os pacientes com instabilidade hemodinâ-mica apresentando lesões intra-abdominais devem serexplorados. Os pacientes que apresentam estabilida-de hemodinâmica com lesões renais grau 1 ou 2 po-dem ser tratados apenas com observação. A forteassociação de sangramento tardio em lesões de grausmaiores (grau 3 ou 4) demandam exploração renalsincrônica para pacientes submetidos a laparotomiapara lesões não renais.29

As lesões renais mais significativas são maisfreqüentes em pacientes com traumatismos multissis-têmicos. A maioria das lesões renais isoladas é depequena gravidade, podendo ser tratadas conserva-doramente. Outras lesões associadas com trauma re-nal seguindo trauma contuso multissistêmico incluem:fraturas de extremidades, lesões torácicas, fraturapélvica, lesões intra-abdominais, traumatismo crani-encefálico e ruptura do diafragma. O fígado e o baçosão os órgãos abdominais mais comumente lesadosassociados ao trauma renal, seguidos pelo pâncreas,cólon e intestino delgado.2

As complicações do tratamento conservadornão operatório são: urinoma, abscesso perinefrético,hemorragia tardia e a hipertensão arterial.2

Um extravasamento urinário persistente ou aformação de um urinoma perirenal é a complicaçãomais freqüente do tratamento conservador não ope-ratório citada na literatura.16

O principal erro que se pode cometer nestesgraus de lesão é o estadiamento inadequado, o queimplica geralmente em complicações como urinoma esangramento persistente.30

A presença de urinoma não é indicação absolu-ta de cirurgia. No caso de urinomas de pequeno volu-me, geralmente a resolução ocorre espontaneamentee, assim, adota-se uma conduta expectante com se-guimento ultrassonográfico até sua total absorção. Napresença de urinomas de grande volume ou de peque-no volume com aumento progressivo, pode ser tenta-da a drenagem percutânea guiada pela ultrassom ou,mais apropriadamente pela TC.31

Pode-se, ainda, realizar uma cistoscopia e pro-ceder a colocação de cateter de “pig-tail” paraminimizar o extravasamento de urina.31

Os riscos tardios do tratamento conservador dourinoma são a fibrose peri-renal e peri-ureteral, obs-trução pelvi-ureteral e infundibular, infecção e hiper-tensão arterial.31

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Pereira Júnior GA, Carvalho JB, Prado Neto GS, Guedes JR. Nonoperative treatment of the solid abdominalorgan injuries. Medicina (Ribeirão Preto) 2007; 40 (4): 538-50, oct./dec.

ABSTRACT: Nonoperative management of the solid organ injuries (liver, spleen and kidneys)in hemodynamically patients has become the standard of care in the last decade. Computedtomography scan is invaluable in determining appropriate patient selection and to exclude otherinjuries that may necessitate laparotomy. Nonoperative management strategies primarily consistof careful observation with or without the use of adjunctive angiography. The widespread use ofangiographic embolization has increased the number and type of patients that can be safetymanaged without operative intervention. The increasing use of nonoperative management isbased on the low failure rates reported in most studies. Success rates of nonoperative treatmenthave increase to > 90% for these injuries. Practitioners must remain vigilant, however, becausefailures of nonoperative management may need immediate intervention. This review will discusscurrent concepts in nonoperative management, including diagnosis, patient selection, nonoperativetreatment strategies, benefits, risks, and complications.

Keywords: Abdominal Injuries. Nonoperative Management. Liver; injuries. Spleen; injuries;Kidney; injuries.

No caso de abscesso perinefrético, assim comono urinoma infectado, faz-se a abordagem cirúrgicapor via extraperitoneal com evacuação e drenagemlocal apropriada.31

A hemorragia pode ocorrer de forma precoceou tardia durante a fase de recuperação dos pacien-tes. A hemorragia pode ser perinefrética ou urináriarecorrente e manifesta-se com alteração do quadrohemodinâmico ou queda progressiva do hematócrito,dependendo da intensidade e rapidez do sangramen-to. Seu tratamento poderá variar desde conservadorcom hidratação, hemotransfusão e repouso, até em-bolização por arteriografia ou cirurgia.31

A hipertensão arterial no seguimento tardio dospacientes com trauma renal permanece como umagrande controvérsia na literatura, com resultados con-flitantes entre os diversos trabalhos de diferentes au-tores, com sua incidência no tratamento não operató-rio variando de 6 a 55% e, no tratamento cirúrgicovariando de zero a 29%.31

Os dois mecanismos considerados responsáveispela hipertensão pós-traumática são uma respostamediada pela renina ao infarto renal total ou segmen-tar e a compressão do parênquima renal devido a umhematoma subcapsular que, subseqüentemente, orga-niza numa cápsula de fibrina (“Page kidney).16

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Recebido em: 29/06/2007

Aprovado em: 28/08/2007