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    REN GUNON, OS PRINCPIOS DO CLCULO INFINITESIMAL

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    REN GUNON

    Os princpiosdo

    clculo infinitesimal(1946)

    Traduo: Luiz Gambogi. Email: [email protected]

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    NDICE DE MATRIAS

    Prefcio................................................................................................................ 3Captulo I. Infinito e indefinido ....................................................................... 7

    Captulo II. A contradio do nmero infinito...............................................13Captulo III. A multido inumervel..................................................................16Captulo IV. A medida do contnuo...................................................................21Captulo V. Questes estabelecidas pelo mtodo infinitesimal........................25Captulo VI. As fices bem fundadas........................................................28Captulo VII. Os graus de infinitude..............................................................32Captulo VIII. Diviso ao infinito ou divisibilidade indefinida.....................36Captulo IX. Indefinidamente crescente e indefinidamente decrescente ..........41Captulo X. Infinito e contnuo.......................................................................46Captulo XI. A lei de continuidade..............................................................49

    Captulo XII. A noo do limite .....................................................................53Captulo XIII. Continuidade e passo ao limite ................................................56Captulo XIV. As quantidades evanescentes ...............................................59Captulo XV. Zero no um nmero.............................................................63Captulo XVI. A notao dos nmeros negativos............................................68Captulo XVII. Representao do equilbrio das foras...................................73Captulo XVIII. Quantidades variveis e quantidades fixas.............................77Captulo XIX. As diferenciaes sucessivas......................................................80Captulo XX. Diferentes ordens de indefinidade.............................................83Captulo XXI. O indefinido inesgotvel analiticamente................................87Captulo XXII. Carter sinttico da integrao..................................................90Captulo XXIII. Os argumentos de Zenon de Elea ..........................................94Captulo XXIV. Verdadeira concepo do passo ao limite..............................97Captulo XXV. Concluso................................................................................100

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    PREFCIO

    Ainda que o presente estudo possa parecer, primeira vista ao menos, no termais que um carter um pouco especial, pareceu-nos til empreender-lhe para

    precisar e explicar mais completamente algumas noes que nos sucedeu mencionar nasdiversas ocasies que nos servimos do simbolismo matemtico, e esta razo bastaria emsuma para justificar-lhe sem que tenha lugar a insistir mais nisso. No obstante,devemos dizer que a isso se agregam tambm outras razes secundrias, que concernemsobretudo ao que se poderia chamar o lado histrico da questo; efetivamente, esteno est inteiramente desprovido de interesse desde nosso ponto de vista, no sentido deque todas as discusses que se suscitaram sobre o tema da natureza e do valor doclculo infinitesimal oferecem um exemplo contundente dessa ausncia de princpiosque caracteriza s cincias profanas, isto , as nicas cincias que os modernosconhecem e que inclusive concebem como possveis. J observamos freqentemente

    que a maioria dessas cincias, na medida inclusive em que correspondem ainda aalguma realidade, no representam nada mais que simples resduos desnaturalizados dealgumas das antigas cincias tradicionais: a parte mais inferior destas, a que, tendocessado de ser posta em relao com os princpios, e tendo perdido por isso suaverdadeira significao original, acabou por tomar um desenvolvimento independente epor ser considerada como um conhecimento que se basta a si mesmo, ainda que,certamente, seu valor prprio como conhecimento, precisamente por isso mesmo,encontra-se reduzido a quase nada. Isso evidente sobretudo quando se trata dascincias fsicas, mas, como explicamos em outra parte,1 as matemticas modernasmesmas no constituem nenhuma exceo sob este aspecto, se se as compara ao que

    eram para os antigos a cincia dos nmeros e a geometria; e, quando falamos aqui dosantigos, nisso mister compreender inclusive a antigidade clssica, como ummnimo estudo das teorias pitagricas e platnicas basta para mostr-lo, ou o deveria aomenos se no fosse mister contar com a extraordinria incompreenso daqueles quepretendem interpret-las hoje em dia. Se essa incompreenso no fora to completa,como se poderia sustentar, por exemplo, a opinio de uma origem emprica dascincias em questo, enquanto, em realidade, aparecem ao contrrio tanto maisafastadas de todo empirismo quanto mais atrs nos remontamos no tempo, assimcomo ocorre igualmente com todo outro ramo do conhecimento cientfico?

    Os matemticos, na poca moderna, e mais particularmente ainda na pocacontempornea, parecem ter chegado a ignorar o que verdadeiramente o nmero; e,nisso, no estamos falando s do nmero tomado no sentido analgico e simblico emque o entendiam os Pitagricos e os Cabalistas, o que muito evidente, seno inclusive,o que pode parecer mais estranho e quase paradoxal, do nmero em sua acepo simplese propriamente quantitativa. Efetivamente, os matemticos modernos reduzem toda sua

    1VerEl Reino de la Cantidad y los Signos de los tiempos.

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    cincia ao clculo, segundo a concepo mais estreita do que se possa fazer dele, isto ,considerado como um simples conjunto de procedimentos mais ou menos artificiais, eque no valem em suma mais do que pelas aplicaes prticas s que d motivo; nofundo, isso equivale a dizer que substituem o nmero pela cifra e, ademais, estaconfuso do nmero com a cifra est to extendida em nossos dias que se poderia

    encontr-la facilmente a cada instante at nas expresses da linguagem corrente2

    . Agorabem, em todo rigor, a cifra no nada mais que a vestimenta do nmero; nem sequerdizemos seu corpo, j que, em certos aspectos, mais corretamente a forma geomtricaa que pode considerar-se legitimamente como constituindo o verdadeiro corpo donmero, assim como o mostram as teorias dos antigos sobre os polgonos e os poliedros,postos em relao direta com o simbolismo dos nmeros; e, ademais, isto concorda como fato de que toda incorporao implica necessariamente uma espacializao. Noobstante, no queremos dizer que as cifras mesmas sejam signos inteiramentearbitrrios, cuja forma no teria sido determinada mais do que pela fantasia de um ou devrios indivduos; com os caracteres numricos deve ocorrer o mesmo que com os

    caracteres alfabticos, dos que, em algumas lnguas, no se distinguem3, e se podeaplicar a uns tanto como aos outros a noo de uma origem hieroglfica, isto ,ideogrfica ou simblica, que vale para todas as escrituras sem exceo, pordissimulado que possa estar esta origem em alguns casos devido a deformaes oualteraes mais ou menos recentes.

    O que h de certo, que os matemticos empregam em sua notao smboloscujo sentido j no conhecem, e que so como vestgios de tradies esquecidas; e o que mais grave, que no s no se perguntam qual pode ser esse sentido, seno que nemsequer parecem querer que tenham algum. Efetivamente, tendem cada vez mais aconsiderar toda notao como uma simples conveno, pela qual entendem algo que

    est proposto de uma maneira inteiramente arbitrria, o que, no fundo, uma verdadeiraimpossibilidade, j que jamais se faz uma conveno qualquer sem ter alguma razopara faz-la, e para fazer precisamente essa mais bem do que qualquer outra; squeles que ignoram essa razo a quem a conveno pode parecer-lhes arbitrria, deigual modo que no seno queles que ignoram as causas de um acontecimento aquem este pode parecer-lhes fortuito; efetivamente, isso o que se produz aqui, e sepode ver nisso uma das conseqncias mais extremas da ausncia de todo princpio,

    2 Ocorre o mesmo com os pseudo-esoteristas que sabem to pouco do que querem falar que nuncadeixam de cometer esta mesma confuso nas elucubraes fantsticas com as que tm a pretenso de

    substituir cincia tradicional dos nmeros!3O hebreu e o grego esto nesse caso, e o rabe o estava igualmente antes da introduo do uso das cifrasde origem ndia, que depois, modificando-se mais ou menos, passaram da Europa da idade mdia;pode-se destacar a este propsito que a palavra cifra mesma no outra coisa que o rabe ifr, aindaque este no seja em realidade mas que a designao do zero. Por outra parte, verdade que em hebreu,sapharsignifica contar ou numerar ao mesmo tempo que escrever, de onde sepherescritura oulivro (em rabe sifr, que designa particularmente um livro sagrado), e sephar, numerao ouclculo; desta ltima palavra vem tambm a designao dos Sephiroth da Cabala, que so asnumeraes principais assimiladas aos atributos divinos.

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    ausncia que chega at fazer perder cincia, ou supostamente tal, pois ento j nomerece verdadeiramente esse nome sob nenhum aspecto, toda significao plausvel.Ademais, devido ao fato mesmo da concepo atual de uma cincia exclusivamentequantitativa, esse convencionalismo se estende pouco a pouco desde as matemticass cincias fsicas, em suas teorias mais recentes, que assim se afastam cada vez mais da

    realidade que pretendem explicar; insistimos suficientemente sobre isto em outra obracomo para dispensar-nos de dizer nada mais a este respeito, tanto mais quanto que sdas matemticas do que vamos ocupar-nos agora mais particularmente. Desde esteponto de vista, s acrecentaremos que, quando se perde to completamente de vista osentido de uma notao, muito fcil passar do uso legtimo e vlido desta a um usoilegtimo, que j no corresponde efetivamente a nada, e que s vezes pode ser inclusivecompletamente ilgico; isto pode parecer bastante extraordinrio quando se trata de umacincia como as matemticas, que deveria ter com a lgica laos particularmenteestreitos, e, no entanto, muito certo que se podem assinalar mltiplos ilogismos nasnoes matemticas tais como se consideram comumente em nossa poca.

    Um dos exemplos mais destacveis dessas noes ilgicas, e que teremos queconsiderar aqui antes de mais nada, ainda que no ser o nico que encontraremos nocurso de nossa exposio, o do pretendido infinito matemtico ou quantitativo, que afonte de quase todas as dificuldades que se suscitaram contra o clculo infinitesimal, ou,talvez mais exatamente, contra o mtodo infinitesimal, j que nisso h algo que, pensemo que pensem os convencionalistas, ultrapassa o alcance de um simples clculo nosentido ordinrio desta palavra; s h que fazer uma exceo com aquelas, dasdificuldades que provm de uma concepo errnea ou insuficiente da noo delimite, indispensvel para justificar o rigor deste mtodo infinitesimal e para fazerdele outra coisa que um simples mtodo de aproximao. Ademais, como o veremos, h

    que fazer uma distino entre os casos em que o suposto infinito no expressa mais doque uma absurdidade pura e simples, isto , uma idia contraditria em si mesma, comoa do nmero infinito, e aqueles em que s se emprega de uma maneira abusiva nosentido de indefinido; mas seria mister no crer por isso que a confuso mesma doinfinito e do indefinido se reduz a uma simples questo de palavras, j que recaiverdadeiramente sobre as idias mesmas. O que singular, que esta confuso, quetivesse bastado dissipar para atalhar tantas discusses, tenha sido cometida por Leibnitzmesmo, a quem se considera geralmente como o inventor do clculo infinitesimal, e aquem chamaramos mais corretamente seu formulador, j que este mtodocorresponde a algumas realidades, que, como tais, tm uma existncia independentedaquele que as concebe e que as expressa mais ou menos perfeitamente; as realidades deordem matemtica, como todas as demais, s podem ser descobertas e no inventadas,enquanto, pelo contrrio, de inveno do que se trata quando, assim como ocorremuito freqentemente neste domnio, algum se deixa arrastar, devido a um jogo denotao, fantasia pura; mas, certamente, seria muito difcil fazer compreender estadiferena a matemticos que se imaginam gostosamente que toda sua cincia no nemdeve ser nada mais que uma construo do esprito humano, o que, se fosse mister

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    crer-lhes, a reduziria certamente a ser muito pouca coisa em realidade. Seja como seja,Leibnitz no soube nunca se explicar claramente sobre os princpios de seu clculo, eisso o que mostra que tinha algo nesse clculo que lhe ultrapassava e que se impunhaem certo modo a ele sem que tivesse conscincia disso; se se tivesse dado conta,certamente no teria se enredado numa disputa de prioridade sobre este tema com

    Newton, e, ademais, esse tipo de disputas so sempre perfeitamente vs, j que asidias, enquanto so verdadeiras, no poderiam ser a propriedade de ningum, apesar doindividualismo moderno, j que s o erro o que pode atribuir-se propriamente aosindivduos humanos. No nos estenderemos mais sobre esta questo, que poderia levar-nos bastante longe do objeto de nosso estudo, ainda que qui no seja intil, em algunsaspectos, fazer compreender que o papel do que se chama os grandes homens freqentemente, numa boa medida, um papel de receptores, de sorte que, geralmente,eles mesmos so os primeiros em iludir-se sobre sua originalidade.

    O que nos concerne mais diretamente pelo momento, isto: se temos queconstatar tais insuficincias em Leibnitz, e insuficincias tanto mais graves quanto que

    recaem especialmente sobre as questes de princpios, que ser ento com os demaisfilsofos e matemticos modernos, aos que, certamente, Leibnitz muito superiorapesar de tudo? Esta superioridade, deve-se, por uma parte, ao estudo que tinha feito dasdoutrinas escolsticas da idade mdia, ainda que nem sempre as tenha compreendidointeiramente, e, por outra, a alguns dados esotricos, de origem ou de inspiraoprincipalmente rosacruciana4, dados evidentemente muito incompletos e inclusivefragmentrios, e que, ademais, s vezes lhe ocorreu aplicar bastante mal, como veremosalguns exemplos disso aqui mesmo; para falar como os historiadores, a estas duasfontes s que convm referir, em definitivo, quase tudo o que h de realmente vlidoem suas teorias, e isso tambm o que lhe permite responder, ainda que

    imperfeitamente, contra o cartesianismo, que representava ento, no duplo domniofilosfico e cientfico, todo o conjunto das tendncias e das concepes maisespecificamente modernas. Esta preciso basta em suma para explicar, em poucaspalavras, tudo o que foi Leibnitz, e, se se lhe quer compreender, seria necessrio noperder de vista nunca estas indicaes gerais, que, por esta razo, cremos bom formulardesde o comeo; mas tempo de deixar estas consideraes preliminares para entrar noexame das questes mesmas que nos permitiro determinar a verdadeira significao doclculo infinitesimal.

    4A marca inegvel dessa origem se encontra na figura hermtica colocada por Leibnitz na portada de seu

    tratadoDa Arte combinatria: uma representao daRota Mundi, na que, no centro da dupla cruz doselementos (fogo e gua, ar e terra) e das qualidades (quente e frio, seco e mido), a quinta essnciaestsimbolizada por uma rosa de cinco ptalas (que corresponde ao ter considerado em si mesmo comoprincpio dos outros quatro elementos); naturalmente, esta insgniapassou completamente despercebidapara todos os comentadores universitrios!

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    CAPTULO I

    INFINITO E INDEFINIDO

    Procedendo em certo modo em sentido inverso da cincia profana, devemos,segundo o ponto de vista constante de toda cincia tradicional, estabelecer aqui antes demais nada o princpio que nos permitir resolver depois, de uma maneira quaseimediata, as dificuldades s que deu lugar o mtodo infinitesimal, sem deixar-nosextraviar nas discusses que de outro modo correriam o risco de ser interminveis,como o so em efeito para os filsofos e os matemticos modernos, que, pelo fatomesmo de que lhes falta este princpio, no chegaram nunca a apresentar uma soluosatisfatria e definitiva a estas dificuldades. Este princpio, a idia mesma do Infinitoentendido em seu nico sentido verdadeiro, que o sentido puramente metafsico, e,ademais, sobre este ponto, no temos mais do que recordar sumariamente o que j

    expusemos mais completamente em outra parte5: o Infinito propriamente o que notem limites, j que finito evidentemente sinnimo de limitado; portanto, no se podeaplicar sem abuso esta palavra a outra coisa que ao que no tem absolutamente nenhumlimite, isto , ao Todo universal que inclui em si mesmo todas as possibilidades, e que,portanto, no poderia ser limitado de nenhuma maneira por nada; entendido assim, oInfinito metafsica e logicamente necessrio, j que no s no pode implicar nenhumacontradio, j que no encerra em si mesmo nada de negativo, seno que , aocontrrio, sua negao a que seria contraditria. Ademais, evidentemente no pode termais do que um Infinito, j que dois Infinitos supostos distintos se limitariam um aooutro, e portanto, se excluiriam forosamente; portanto, toda vez que a palavrainfinito se emprega em um sentido diferente do que acabamos de dizer, podemosestar seguros a prioride que esse emprego necessariamente abusivo, j que, em suma,equivale a ignorar pura e simplesmente o Infinito metafsico, ou a supor outro infinitoao lado dele.

    verdade que os escolsticos admitiam o que chamavam infinitum secundumquid, que distinguiam cuidadosamente do infinitum absolutum que unicamente oInfinito metafsico; mas nisso no podemos ver mais do que uma imperfeio de suaterminologia, j que, se esta distino lhes permitia escapar contradio de umapluralidade de infinitos entendidos no sentido prprio, no menos certo que esse duplo

    emprego da palavra infinitum corria o risco de causar mltiplas confuses, j que,ademais, um dos sentidos que lhe davam assim era completamente imprprio, j quedizer que algo infinito s sob um certo aspecto, o que a significao exata daexpressoInfinitum secundum quid, isto , que em realidade no infinito de nenhuma

    5Los Estados mltiples del ser, cap. I

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    maneira6. Efetivamente, no porque uma coisa no est limitada em um certo sentidoou sob uma certa relao pelo que se pode concluir legitimamente que no est limitadade nenhuma maneira, o que seria necessrio para que fora verdadeiramente infinita; nos pode estar limitada ao mesmo tempo sob outros aspectos, seno que inclusivepodemos dizer que o est necessariamente, desde que uma certa coisa determinada, e

    que, por sua determinao mesma, no inclui toda possibilidade, j que isso mesmoequivale a dizer que est limitada pelo que deixa fora dela; ao contrrio, se o Todouniversal infinito, precisamente porque no deixa nada fora dele7. Por conseguinte,toda determinao, por geral que se a suponha, e qualquer que seja a extenso que possareceber, necessariamente excluda da verdadeira noo de infinito8; umadeterminao, qualquer que seja, sempre uma limitao, j que tem como carteressencial definir um certo domnio de possibilidades em relao a todo o resto, eporque, por isso mesmo, exclui a todo esse resto. Assim, h um verdadeiro despropsitoem aplicar a idia de infinito a uma determinao qualquer, por exemplo, no caso quevamos considerar aqui mais especialmente, quantidade ou a um ou outro de seus

    modos; a idia de um infinito determinado demasiado manifestamente contraditriacomo para que tenha lugar a insistir mais nisso, ainda que esta contradio tenhaescapado muito freqentemente ao pensamento profano dos modernos, e ainda queaqueles mesmos que se poderiam chamar semiprofanos como Leibnitz, no tenhamsabido aperceber claramente9. Para fazer destacar ainda melhor esta contradio,poderamos dizer, em outros termos que so equivalentes no fundo, que evidentemente absurdo querer definir o Infinito: efetivamente, uma definio no outra coisa que a expresso de uma determinao, e as palavras mesmas dizem bastanteclaramente que o que suscetvel de ser definido no pode ser mais do que finito oulimitado; procurar fazer entrar o Infinito numa frmula, ou, se se prefere, revestir-lhe de

    uma forma qualquer que seja, , consciente ou inconscientemente, esforar-se em fazerentrar o Todo universal em um dos elementos mais nfimos que esto compreendidosnele, o que, certamente, efetivamente a mais manifesta das impossibilidades.

    O que acabamos de dizer basta para estabelecer, sem deixar lugar menordvida, e sem que tenha necessidade de entrar em nenhuma outra considerao, que nopode haver um infinito matemtico ou quantitativo, que esta expresso no tem nenhumsentido, porque a quantidade mesma uma determinao; o nmero, o espao, o tempo,

    6 em um sentido bastante prximo deste como Spinoza empregou mais tarde a expresso infinito emseu gnero, que d lugar naturalmente s mesmas objees.

    7Se pode dizer tambm que no deixa fora dele mais do que a impossibilidade, a qual, ao ser um puronada, no poderia limitar-lhe de nenhuma maneira.8 Isto igualmente verdade das determinaes de ordem universal, e no j simplesmente geral,compreendido a o Ser mesmo que a primeira de todas as determinaes; mas no h que dizer que esta

    considerao no intervm nas aplicaes unicamente cosmolgicas das que vamos ocupar-nos nopresente estudo.9Se algum estranha a expresso semiprofano que empregamos aqui, diramos que pode justificar-se,de uma maneira muito precisa, pela distino da iniciao efetiva e da iniciao simplesmente virtual,sobre a que teremos que nos explicar em outra ocasio.

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    aos que se quer aplicar a noo desse pretendido infinito, so condies determinadas, eque, como tais, no podem ser mais do que finitas; so, se se quer, certas possibilidades,ou certos conjuntos de possibilidades, junto aos quais e fora dos quais existem outros, oque implica evidentemente sua limitao. Neste caso, h ainda algo mais: conceber oInfinito quantitativamente, no s limitar-lhe, seno que tambm, por acrscimo,

    conceber-lhe como suscetvel de aumento ou de diminuio, o que no menosabsurdo; com semelhantes consideraes, chega-se a considerar rapidamente no svrios infinitos que coexistem sem confundir-se nem excluir-se, seno tambm infinitosque so maiores ou menores que outros infinitos, e inclusive, j que nestas condies oinfinito tornou-se to relativo que j no basta, inventa-se o transfinito, isto , odomnio das quantidades maiores que o infinito; e, efetivamente, de uma invenodo que se trata propriamente ento, j que tais concepes no poderiam corresponder anada real: A tantas palavras, outras tantas absurdidades, inclusive a respeito da simpleslgica elementar, o que no impede que, entre aqueles que as sustentam, encontrem-sequem tm a pretenso de ser especialistas da lgica, to grande a confuso

    intelectual de nossa poca!Devemos fazer observar que faz um momento dissemos, no s conceber um

    infinito quantitativo, seno conceber o Infinito quantitativamente, e isto requeralgumas palavras de explicao: com isso quisemos fazer aluso mais particularmentequeles que, na gria filosfica contempornea, chamam-se os infinitistas;efetivamente, todas as discusses entre finitistas e infinitistas mostram claramenteque uns e outros tm ao menos em comum esta idia completamente falsa de que oInfinito metafsico solidrio do infinito matemtico, se que inclusive no seidentifica com ele pura e simplesmente10. Por conseguinte, todos ignoram igualmente osprincpios mais elementares da metafsica, j que , ao contrrio, a concepo mesma do

    verdadeiro Infinito metafsico a nica que permite rechaar de uma maneira absolutatodo infinito particular, se pode-se expressar assim, tal como o pretendido infinitoquantitativo, e estar seguro de antemo de que, por todas partes onde se lhe encontre,no pode ser mais do que uma iluso, a cujo respeito j no ter mais que se perguntar oque pde dar-lhe nascimento, a fim de poder substitu-la por outra noo mais conforme verdade. Em suma, toda vez que se trate de uma coisa particular, de uma possibilidadedeterminada, por isso mesmo estamos certos a priori de que limitada, e, podemosdizer, limitada por sua natureza mesma, e isto permanece igualmente verdadeiro no casoonde, por uma razo qualquer, no podemos alcanar atualmente seus limites; mas precisamente esta impossibilidade de alcanar os limites de algumas coisas, e inclusives vezes de conceb-los claramente, a que causa, ao menos naqueles a quem lhes falta oprincpio metafsico, a iluso de que essas coisas no tm limites, e, repetimo-lo ainda,

    10Aqui citaremos s, como exemplo caracterstico, o caso de L. Couturat que conclui sua tese De linfinimathmatique, na que se esforou em provar a existncia de um infinito de nmero e de magnitude,declarando que sua inteno nisso foi mostrar que, apesar do neocriticismo (isto , das teorias deRenouvier e de sua escola), provvel uma metafsica infinitista!

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    esta iluso, e nada mais, a que se formula na afirmao contraditria de um infinitodeterminado.

    aqui onde intervm, para retificar essa falsa noo, ou mais corretamente parasubstitu-la por uma concepo verdadeira das coisas11, a idia do indefinido, que precisamente a idia de um desenvolvimento de possibilidades cujos limites no

    podemos alcanar atualmente; e por isso consideramos como fundamental, em todas asquestes onde aparece o pretendido infinito matemtico, a distino do Infinito e doindefinido. sem dvida a isso ao que respondia, na inteno de seus autores, adistino escolstica de infinitum absolutum e do infinitum secundum quid; e certamente deplorvel que Leibnitz, que no obstante tomou tanto da escolstica, tenhadescuidado ou ignorado esta, j que, por imperfeita que fosse a forma sob a que estavaexpressada, tivesse podido servir-lhe para responder bastante facilmente a certasobjees suscitadas contra seu mtodo. Pelo contrrio, parece que Descartes tinhatentado estabelecer a distino de que se trata, mas est muito longe de t-la expressadoe inclusive concebido com uma preciso suficiente, j que, segundo ele, o indefinido

    aquilo cujos limites no vemos, e que em realidade poderia ser infinito, ainda que nopossamos afirmar que o seja, enquanto a verdade que, ao contrrio, podemos afirmarque no o , e que no h necessidade nenhuma de ver seus limites para estar certos deque esses limites existem; por conseguinte, v-se quanto vago e embaralhado est tudoisto, e sempre por causa da mesma falta de princpio. Descartes diz efetivamente: Epara ns, ao ver coisas nas que, segundo alguns sentidos12, no observamos limites, noasseguramos por isso que sejam infinitas, seno que as estimaremos somenteindefinidas13. E d como exemplos disso a extenso e a divisibilidade dos corpos; noassegura que estas coisas sejam infinitas, mas no obstante no parece tambm noquerer neg-lo formalmente, tanto mais quanto que chega a declarar que no quer

    enredar-se nas disputas do infinito, o que uma maneira demasiado simples de evitaras dificuldades, e ainda que diga um pouco mais adiante que conquanto observamosnelas propriedades que nos parecem no ter limites, no deixaremos de reconhecer queisso procede do defeito de nosso entendimento, e no de sua natureza14. Em suma, com

    justa razo, quer reservar o nome de infinito ao que no pode ter nenhum limite; mas,

    11Em todo rigor lgico, h lugar a fazer uma distino entre falsa noo (ou, se se quer, pseudo-noo) e noo falsa: uma noo falsa a que no corresponde adequadamente realidade, aindaque se lhe corresponde no obstante numa certa medida; ao contrrio, uma falsa noo a que implicacontradio, como o caso aqui, e a que assim no verdadeiramente uma noo, nem sequer falsa, ainda

    que tenha a aparncia disso para os que no se do conta da contradio, j que no expressa mais do queo impossvel, que o mesmo que nada, no corresponde absolutamente a nada; uma noo falsa susceptvel de ser retificada, mas uma falsa noo no pode ser mais do que rechaada pura esimplesmente.12Estes termos parecem querer recordar o secundum quidescolstico e assim, pudesse ser que a intenoprimeira da frase que citamos tenha sido criticar indiretamente a expresso infinitum secundum quid.13Principes de la Philosophie, I, 26.14Ibid., I, 27.

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    por uma parte, no parece saber, com a certeza absoluta que implica todo conhecimentometafsico, que o que no tem nenhum limite no pode ser nada mais que o Todouniversal, e por outra, a noo mesma do indefinido tem necessidade de ser precisadamuito mais do que aquela que ele precisa; se o tivesse sido, sem dvida um grandenmero de confuses ulteriores no se teriam produzido to facilmente15.

    Dizemos que o indefinido no pode ser infinito, porque seu conceito implicasempre uma certa determinao, j se trate da extenso, da durao, da divisibilidade,ou de qualquer outra possibilidade; numa palavra, o indefinido, qualquer que seja e sobqualquer aspecto que se o considere, ainda finito e no pode ser mais do que finito.Sem dvida, seus limites se afastam at encontrar-se fora de nosso alcance, ao menosenquanto busquemos alcan-los de uma certa maneira que podemos chamaranaltica, assim como o explicaremos mais completamente a seguir; mas por isso noso suprimidos de nenhuma maneira, e, em todo caso, se as limitaes de uma certaordem podem ser suprimidas, subsistem ainda outras, que esto na natureza mesma doque se considera, j que em virtude de sua natureza, e no simplesmente de alguma

    circunstncia mais ou menos exterior e acidental, pelo que toda coisa particular finita,e isso, seja qual seja o grau a que possa ser levada efetivamente a extenso da que

    suscetvel. Se pode destacar a este propsito que o signo , pelo que os matemticosrepresentam seu pretendido infinito, ele mesmo uma figura fechada, e portanto,visivelmente finita, tanto como o o crculo do que alguns quiseram fazer um smboloda eternidade, enquanto no pode ser mais do que uma figurao de um ciclotemporrio, indefinido somente em sua ordem, isto , na ordem do que se chamapropriamente a perpetuidade16; e fcil ver que esta confuso da eternidade e daperpetuidade, to comum entre os Ocidentais modernos, se parece estreitamente doInfinito e do indefinido.

    Para fazer compreender melhor a idia do indefinido e a maneira em que este seforma a partir do finito entendido em sua acepo ordinria, pode-se considerar umexemplo tal como a sucesso dos nmeros: nesta, evidentemente no possvel nuncadeter-se em um ponto determinado, j que, depois de todo nmero, h sempre outro quese obtm agregando-lhe a unidade; portanto, mister que a limitao dessa sucessoindefinida seja de uma ordem diferente do que se aplica a um conjunto definido denmeros, tomados entre dois nmeros determinados quaisquer; por conseguinte, mister que essa limitao esteja, no em algumas propriedades particulares de certos

    15 assim como Varignon, em sua correspondncia com Leibnitz, a respeito do clculo infinitesimal,

    emprega indistintamente as palavras infinito e indefinido, como se fossem mais ou menossinnimos, ou como se ao menos fora em certo modo indiferente tomar um por outro, enquanto, aocontrrio, a diferena de suas significaes a que, em todas estas discusses, tivesse devido serconsiderada como o ponto essencial.16 Convm observar tambm que, como o explicamos em outra parte, um tal ciclo no nuncaverdadeiramente fechado, seno que parece s-lo somente enquanto um se coloca numa perspectiva queno permite perceber a distncia que existe realmente entre suas extremidades, de igual modo que umaespiral de hlice, segundo o eixo vertical, aparece como um crculo quando projetada sobre o planohorizontal.

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    nmeros, seno na natureza mesma do nmero em toda sua generalidade, isto , nadeterminao que, ao constituir essencialmente esta natureza, faz ao mesmo tempo queo nmero seja o que e que no seja outra coisa. Poderia repetir-se exatamente a mesmaobservao se se tratasse, no j do nmero, seno do espao ou do tempo consideradosigualmente em toda a extenso da que so suscetveis17; essa extenso, por indefinida

    que se a conceba e que o seja efetivamente, no poder fazer-nos sair nunca de nenhumamaneira do finito. que, efetivamente, enquanto o finito pressupe necessariamente oInfinito, j que este o que compreende e envolve todas as possibilidades, o indefinidoprocede ao contrrio do finito, do que no em realidade mais do que umdesenvolvimento, e ao que, por conseguinte, sempre redutvel, j que evidente queno se pode sacar do finito, por qualquer processo que seja, nada mais que o que jestava contido nele potencialmente. Para retomar o mesmo exemplo da sucesso dosnmeros, podemos dizer que esta sucesso, com toda a indefinidade que implica, nosest dada por sua lei de formao, j que desta lei mesma de onde resultaimediatamente sua indefinidade; agora bem, esta lei consiste em que, dado um nmero

    qualquer, se formar o nmero seguinte agregando-lhe a unidade. Por conseguinte, asucesso dos nmeros se forma por adies sucessivas da unidade a si mesmaindefinidamente repetida, o que, no fundo, nada mais do que a extenso indefinida doprocedimento de formao de uma soma aritmtica qualquer; e aqui se v muitoclaramente como o indefinido se forma a partir do finito. Ademais, este exemplo devesua clareza particular ao carter descontnuo da continuidade numrica; mas, para tomaras coisas de uma maneira mais geral e aplicvel a todos os casos, bastaria, a esterespeito, insistir sobre a idia de devir que est implicada pelo termo indefinido, eque expressamos mais atrs ao falar de um desenvolvimento de possibilidades,desenvolvimento que, em si mesmo e em todo seu curso, implica sempre algo de

    inacabado18; a importncia da considerao das variveis, no que diz respeito aoclculo infinitesimal, dar a este ltimo ponto toda sua significao.

    17Por conseguinte, no serviria de nada dizer que o espao, por exemplo, no poderia estar limitado maisdo que por algo que seria tambm o espao, de sorte que o espao em geral j no poderia estar limitadopor nada; ao contrrio, est limitado pela determinao mesma que constitui sua natureza prpria

    enquanto espao, e que deixa lugar, fora dele, a todas as possibilidades no espaciais.18Cf. a preciso de A. K. Coomaraswamy sobre o conceito platnico de medida, que citamos em outraparte (O Reino da Quantidade e os Sinais dos Tempos, cap. III): O no medido o que ainda no foidefinido, isto , em suma o indefinido, e , ao mesmo tempo e por isso mesmo, o que no est mais doque incompletamente realizado na manifestao.

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    CAPTULO II

    A CONTRADIO DO NMERO INFINITO

    Como o veremos ainda mais claramente a seguir, h casos em que bastasubstituir a idia do pretendido infinito pela do indefinido para fazer desaparecerimediatamente toda dificuldade, mas h outros onde isso mesmo no possvel, porquese trata de algo claramente determinado, fixado de alguma maneira por hiptese, eque como tal, no pode chamar-se indefinido, segundo a observao que fizemos emltimo lugar: assim, por exemplo, pode-se dizer que a sucesso dos nmeros indefinida, mas no se pode dizer que um certo nmero, por grande que se lhe suponhae qualquer que seja a posio que ocupe nesta sucesso, indefinido. A idia donmero infinito, entendida como o maior de todos os nmeros, ou o nmero de

    todos os nmeros, ou tambm o nmero de todas as unidades, uma idiaverdadeiramente contraditria em si mesma, cuja impossibilidade subsistiria inclusivese se renunciasse ao emprego injustificvel da palavra infinito: no pode haver umnmero que seja maior que todos os demais, j que, por grande que seja um nmero,sempre se pode formar um maior agregando-lhe a unidade, conformemente lei deformao que formulamos mais atrs. Isso equivale a dizer que a sucesso dos nmerosno pode ter um ltimo termo, e precisamente porque no est terminada pelo que verdadeiramente indefinida; como o nmero de todos seus termos no poderia ser maisdo que o ltimo dentre eles, no se pode dizer tampouco que no numervel19, eessa uma idia sobre a qual teremos que voltar mais amplamente a seguir.

    A impossibilidade do nmero infinito pode estabelecer-se ainda com diversosargumentos; Leibnitz, que ao menos a reconhecia muito claramente20, empregava o queconsiste em comparar a sucesso dos nmeros pares de todos os nmeros inteiros: atodo nmero corresponde outro nmero que igual ao seu dobro, de sorte que se podemfazer corresponder as duas sucesses termo a termo, de onde resulta que o nmero dostermos deve ser o mesmo em um e outro caso; mas, por outra parte, evidentemente hmais duas vezes nmeros inteiros que nmeros pares, j que os nmeros pares secolocam de dois em dois na sucesso dos nmeros inteiros; portanto, assim se concluinuma contradio manifesta. Pode-se generalizar este argumento tomando, em lugar da

    sucesso dos nmeros pares, isto , dos mltiplos de dois, a dos mltiplos de umnmero qualquer, e o raciocnio idntico; pode-se tomar tambm da mesma maneira a

    19Numervel: que pode ser numerado. Aurlio digital. N. do t.20 Apesar de meu clculo infinitesimal, escrevia concretamente, eu no admito nenhum verdadeironmero infinito, ainda que confesso que a multido das coisas ultrapassa todo nmero finito, ou maiscorretamente todo nmero.

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    sucesso dos quadrados dos nmeros inteiros21, ou mais geralmente, a de suas potnciasde um expoente qualquer. Em todos os casos, a concluso que se chega sempre amesma: uma sucesso que no compreende mais do que uma parte dos nmeros inteirosdeveria ter o mesmo nmero de termos que a que os compreende a todos, o queequivaleria a dizer que o todo no seria maior que sua parte; e, desde que se admite que

    h um nmero de todos os nmeros, impossvel escapar a esta contradio. Noobstante, alguns creram poder escapar a ela admitindo, ao mesmo tempo, que hnmeros a partir dos quais a multiplicao por um certo nmero ou a elevao a umacerta potncia j no seria possvel, porque daria um resultado que ultrapassaria opretendido nmero infinito; h inclusive quem foram conduzidos a considerarefetivamente nmeros chamados maiores que o infinito, de onde teorias como a dotransfinito de Cantor, que podem ser muito engenhosas, mas que por isso no somais vlidas logicamente22: concebvel que se possa pensar em chamar infinito aum nmero que, ao contrrio, to finito que no nem sequer o maior de todos?Ademais, com semelhantes teorias, haviam nmeros os quais nenhuma das regras do

    clculo ordinrio se aplicariam j, isto , em suma, nmeros que no seriamverdadeiramente nmeros, e que no seriam chamados assim mais do que porconveno23; o que ocorre forosamente quando, ao buscar conceber o nmeroinfinito de outro modo que como o maior dos nmeros, consideram-se diferentesnmeros infinitos, supostos desiguais entre si, e aos que se atribuem propriedades que

    j no tm nada em comum com as dos nmeros ordinrios; assim, no se escapa a umacontradio mais do que para cair em outras, e no fundo, tudo isso nada mais do que oproduto do convencionalismo mais vazio de sentido que se pode imaginar.

    Assim, a idia do pretendido nmero infinito, de qualquer maneira que seapresente e por qualquer nome que se a queira designar, contm sempre elementos

    contraditrios; ademais, no h nenhuma necessidade dessa suposio absurda desdeque se faa uma justa concepo do que realmente a indefinidade do nmero, e desdeque se reconhece ademais que o nmero, apesar de sua indefinidade, no aplicvel denenhuma maneira a tudo o que existe. No vamos insistir aqui sobre este ltimo ponto,

    j que o explicamos suficientemente em outra parte: o nmero nada mais do que ummodo da quantidade, e a quantidade mesma nada mais do que uma categoria ou um

    21Isto o que fazia Cauchy, que, Ademais, atribua este argumento a Galileu ( Sept leons de Physiquegnrale, 3 lio).22J, na poca de Leibnitz, Wallis considerava spatia plus quam infinita; esta opinio, denunciada por

    Varignon como implicando contradio, foi sustentada igualmente por Guido Grandi em seu livro DeInfinitis infinitorum. Por outra parte, Jean Bernoulli, no curso de suas discusses com Leibnitz, escrevia:Si dantur termini infiniti, datibur etiam terminus infinitesimus(non dico ultimus) etqui eum sequuntu,o que, ainda que no se explique mais claramente a, parece indicar que admitia que possa haver numa

    srie numrica termos alm do infinito.23 Nisso no se pode dizer de nenhuma maneira que se trate de um emprego analgico da idia donmero, j que isto suporia uma transposio a um domnio diferente do da quantidade, e, ao contrrio, quantidade, entendida em seu sentido mais literal, que se referem exclusivamente todas asconsideraes deste tipo.

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    modo especial do ser, no coextensivo24deste, ou, mais precisamente ainda, nada mais do que uma condio prpria de um certo estado de existncia no conjunto da existnciauniversal; mas isso justamente o que a maioria dos modernos tm dificuldade paracompreender, habituados como esto a querer reduzir tudo quantidade e inclusiveavaliar tudo numericamente25. No obstante, no domnio mesmo da quantidade h

    coisas que escapam ao nmero, assim como o veremos quando tratemos do contnuo; einclusive, sem sair da considerao da quantidade descontnua, um26est j forado aadmitir, ao menos implicitamente, que o nmero no aplicvel a tudo, quando sereconhece que a multido de todos os nmeros no pode constituir um nmero, o que,ademais, no em suma mais do que uma aplicao da verdade incontestvel de que oque limita uma certa ordem de possibilidades deve estar necessariamente fora e almdessa ordem27. Somente, deve entender-se bem que uma tal multido, j se a considereno descontnuo, como no caso quando se trata da sucesso dos nmeros, ou j se aconsidere no contnuo, sobre o que teremos que voltar um pouco mais adiante, no podeser chamada de nenhuma maneira infinita, e que nisso no se trata mais do que do

    indefinido; ademais, esta noo de multido o que vamos ter que examinar agora maisde perto.

    24 Coextensivo: commensurate, corresponding, proportionate, relative; comensurvel, correspondente,proporcional, relativo. Fonte:http://www.babylon.com/definition/coextensivo/Spanish?uil=English. Notado tradutor.25 assim como Renouvier pensava que o nmero aplicvel a tudo, ao menos idealmente, isto , quetudo numervel em si mesmo, ainda que ns sejamos incapazes de numer-lo efetivamente;tambm se equivocou completamente sobre o sentido que Leibnitz d noo da multido, e nunca

    pde compreender como a distino desta com o nmero permite escapar contradio do nmeroinfinito.26Um usado aqui e em outras passagens como algo ou algum.27Dissemos, no entanto, que uma coisa particular ou determinada, qualquer que seja, est limitada por sua

    natureza mesma, mas nisso no h absolutamente nenhuma contradio: efetivamente, pelo ladonegativo desta natureza como ela est limitada (j que, como disse Spinoza, omnisdeterminatio negatioest), isto , enquanto esta exclui s demais coisas e as deixa fora dela, de sorte que, em definitivo, acoexistncia dessas outras coisas a que limita coisa considerada; ademais, pelo que o Todo universal, es ele, no pode ser limitado por nada.

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    CAPTULO III

    A MULTIDO INUMERVEL

    Como vimos, Leibnitz no admite de nenhum modo o nmero infinito, j que,ao contrrio, declarava expressamente que este, em qualquer sentido que se lhe queiraentender, implica contradio; mas pelo contrrio, admite o que chama uma multidoinfinita, sem precisar sequer, como o teriam feito ao menos os escolsticos, que, emtodo caso, isso no pode ser mais do que um infinitum secundum quid; e, para ele, asucesso dos nmeros um exemplo de uma tal multido. No entanto, por outro lado,no domnio quantitativo, e inclusive no que diz respeito magnitude contnua, a idiado infinito lhe parece sempre suspeita de contradioao menos possvel, j que, longede ser uma idia adequada, implica inevitavelmente uma certa parte de confuso, e nsno podemos estar certos de que uma idia no implica nenhuma contradio mais doque quando concebemos distintamente todos seus elementos28; isto apenas permiteconvir a essa idia mais do que um carter simblico, diramos mais bemrepresentativo, e por isso que Leibnitz no se atreveu nunca, assim como o veremosmais adiante, a pronunciar-se claramente sobre a realidade dos infinitamentepequenos; mas esta dificuldade mesma e esta atitude dubitativa fazem que se destaquemelhor ainda a falta de princpio que lhe fazia admitir que se possa falar de umamultido infinita. Poderia-se perguntar tambm, depois disso, se no pensava que

    uma tal multido, para ser infinita como ele diz, no s no devia ser numervel, oque evidente, seno que nem sequer devia ser de nenhuma maneira quantitativa,tomando a quantidade em toda sua extenso e sob todos seus modos; isso poderia serverdade em alguns casos, mas no em todos; seja o que seja, esse tambm um pontosobre o que nunca se explicou claramente.

    A idia de uma multido que ultrapassa todo nmero, e que portanto no umnmero, parece ter surpreendido maioria daqueles que discutiram as concepes deLeibnitz, j sejam finitistas ou infinitistas; no entanto, esta idia est longe de serprpria de Leibnitz como parecem t-lo crido geralmente, e, antes ao contrrio, era uma

    28Descartes falava s de idias claras e diferentes; Leibnitz precisa que uma idia pode ser clara semser distinta, s se permite reconhecer seu objeto e distinguir-lhe de todas as demais coisas, enquanto umaidia distinta a que no s distinguvel neste sentido, seno distinguida em seus elementos;ademais, uma idia pode ser mais ou menos distinta, e a idia adequada a que o completamente e em

    todos seus elementos; mas, enquanto Descartes cria que se podiam ter idias claras e distintas de todasas coisas, Leibnitz estima ao contrrio que as idias matemticas so as nicas que podem ser adequadas,j que seus elementos so em certo modo em nmero definido, enquanto todas as demais idias envolvemuma multido de elementos cujo anlise no pode ser acabada nunca, de tal sorte que as mesmaspermanecem sempre parcialmente confusas.

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    idia completamente corrente nos escolsticos29. Esta idia se entendia propriamente detudo o que no nem nmero nem numervel, isto , de tudo o que no depende daquantidade descontnua, j se trate de coisas que pertencem a outros modos daquantidade ou do que est inteiramente fora do domnio quantitativo, j se trate de umaidia da ordem dos transcendentais, isto , dos modos gerais do ser, que,

    contrariamente a seus modos especiais como a quantidade, lhe so coextensivos30

    . oque permite falar, por exemplo, da multido dos atributos divinos, ou tambm damultido dos anjos, isto , de seres que pertencem a estados que no esto submetidos quantidade e onde, portanto, no pode tratar-se de nmero; tambm o que nos permiteconsiderar os estados do ser ou os graus da existncia como sendo em multiplicidade ouem multido indefinida, enquanto a quantidade nada mais do que uma condioespecial de um s dentre eles. Por outra parte, j que a idia de multido, contrariamente de nmero, aplicvel a tudo o que existe, deve haver forosamente multides deordem quantitativa, concretamente no que diz respeito quantidade contnua, e porisso pelo que dizamos faz um momento que no seria verdadeiro considerar, em todos

    os casos, a suposta multido infinita, isto , a que ultrapassa todo nmero, comoescapando inteiramente ao domnio da quantidade. Ademais, o nmero mesmo pode serconsiderado tambm como uma espcie de multido, mas na condio de agregar que,segundo a expresso de Santo Toms de Aquino, uma multido medida pelaunidade; j que toda outra sorte de multido no numervel, no medida, isto, que no infinita, seno propriamente indefinida.

    A este propsito, convm observar um fato bastante singular: para Leibnitz, estamultido, que no constitui um nmero, no obstante um resultado das unidades31; que mister entender por isso, e de que unidades pode tratar-se? Esta palavra unidadepode tomar-se em dois sentidos completamente diferentes: por uma parte, h a unidade

    aritmtica ou quantitativa, que o elemento primeiro e o ponto de partida do nmero, e,por outra, o que se designa analogicamente como a Unidade metafsica, que seidentifica ao Ser puro mesmo; no vemos que tenha nenhuma outra acepo possvelfora destas; mas, ademais, quando se fala das unidades, empregando esta palavra emplural, isso no pode ser evidentemente mais do que no sentido quantitativo.Unicamente, se isso assim, a soma das unidades no pode ser outra coisa que umnmero, e no pode ultrapassar de nenhuma maneira o nmero; certo que Leibnitz dizresultado e no soma, mas esta distino, inclusive se querida expressamente, porisso no deixa subsistir menos uma enojosa obscuridade. Ademais, declara em outra

    29Citaremos s um texto tomado entre muitos outros, e que particularmente claro a este respeito: Quidiceret aliquan multitudinem esse infinitam, nom diceret eam esse numerum, vel numerum habere; addit

    etiam numerus super multitudinem rationem mensurationis. Est enim numerus multitudo mensurata per

    unum,...et propter hoc numerus ponitur species quantitatis discretae, non autem multitudo, sed est de

    transcendentibus (Santo Toms de Aquino, in III Phys., 1, 8).30Se sabe que os escolsticos, inclusive na parte propriamente metafsica de suas doutrinas, nunca foramalm da considerao do Ser, de sorte que, de fato, a metafsica se reduz para eles unicamente ontologia.31Systme nouveau de la nature et de la communication des substances.

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    parte que a multido, sem ser um nmero, concebe-se no obstante por analogia com onmero: Quando h mais coisas, diz, das que podem ser compreendidas por nenhumnmero, no obstante ns lhes atribumos analogicamente um nmero, que chamamosinfinito, ainda que no se trate mais do que uma maneira de falar, um modusloquendi

    32, e inclusive, sob esta forma, uma maneira de falar muito incorreta, j que, em

    realidade, isso no de nenhuma maneira um nmero; mas, quaisquer que sejam asimperfeies da expresso e as confuses s que pode dar lugar, devemos admitir, emtodo caso, que uma identificao da multido com o nmero no estava certamente nofundo de seu pensamento.

    Outro ponto ao que Leibnitz parece prestar uma grande importncia, que oinfinito, tal como o concebe, no constitui um todo33; esta uma condio que eleconsidera como necessria para que esta idia escape contradio, mas se trata deoutro ponto que no deixa de ser tambm marcadamente obscuro. Cabe perguntar-se deque sorte de todo se trata aqui, e, primeiramente, mister descartar inteiramente aidia do Todo universal, que, ao contrrio, como o dissemos desde o comeo, o

    Infinito metafsico mesmo, isto , o nico verdadeiro Infinito, e que no poderia estarem causa aqui de nenhuma maneira; efetivamente, j se trate do contnuo ou dodescontnuo, a multido infinita que considera Leibnitz fica, em todos os casos, emum domnio restringido e contingente, de ordem cosmolgico e no metafsico.Ademais, trata-se evidentemente de um todo concebido como composto de partes,enquanto, assim como o explicamos em outra parte34, o Todo universal propriamentesem partes, em razo mesma de sua infinitude, j que, devendo essas partes sernecessariamente relativas e finitas, no poderiam ter com ele nenhuma relao real, oque equivale a dizer que no existem para ele. Portanto, quanto questo proposta,devemos limitar-nos considerao de um todo particular; mas aqui tambm, e

    precisamente no que diz respeito ao modo de composio de um tal todo e a sua relaocom suas partes, h que considerar dois casos, que correspondem a duas acepes muitodiferentes desta mesma palavra todo. Primeiramente, se se trata de um todo que no nada mais que a simples soma de suas partes, das que est composto maneira de umasoma aritmtica, o que diz Leibnitz evidente no fundo, j que esse modo de formao precisamente o que prprio do nmero, e no nos permite ultrapassar o nmero;mas, a dizer verdade, esta noo, longe de representar a nica maneira em que podeconceber-se um todo, no sequer a de um todo verdadeiro no sentido mais rigorosodesta palavra. Efetivamente, um todo que no assim mais do que a soma ou o

    32Obsevatio quod rationes sive proportiones non habeant locum circa quantitates nihilo minores, et devero sensu Methodi infinitesimalis, en lasActa Eruditorumde Leipzig, 171233Cf. concretamente ibid.: Infinitum continuum vel discretum proprie nec unum, nec totum, necquantumest, onde a expresso nec quantum parece querer dizer que para ele, como o indicamos mais atrs, amultido infinita no deve ser concebida quantitativamente, a menos, no obstante, de que por quantumno tenha entendido somente aqui uma quantidade definida, como o havia sido o pretendido nmeroinfinito cuja contradio demonstrou.34Sobre este ponto, ver tambmLos Estados mltiples del ser, cap. I.

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    resultado de suas partes, e que, portanto, logicamente posterior a estas, no outracoisa, enquanto todo, que um ens rationis, j que no um e todo mais do que namedida em que lhe concebemos como tal; em si mesmo, no , falando propriamente,mais do que uma coleo, e somos ns quem, pela maneira que lhe consideramos,conferimos-lhe, em um certo sentido relativo, os caracteres de unidade e de totalidade.

    Ao contrrio, um todo verdadeiro, que possui esses caracteres por sua natureza mesma,deve ser logicamente anterior a suas partes e ser independente delas: tal o caso de umconjunto contnuo, que podemos dividir em partes arbitrrias, isto , de uma magnitudequalquer, mas que no pressupe de nenhuma maneira a existncia efetiva dessaspartes; aqui, somos ns quem damos s partes como tal uma realidade, por uma divisoideal ou efetiva, e assim este caso exatamente inverso do precedente.

    Agora, toda a questo se reduz em suma a saber se, quando Leibnitz diz que oinfinito no um todo, exclui este segundo sentido tanto como o primeiro; assim oparece, e inclusive isso provvel, j que o nico caso em que um todo verdadeiramente um, e em que o infinito, segundo ele, no nec unum, nec totum. O

    que o confirma tambm, que este caso, e no no primeiro, o que se aplica a um servivo ou a um organismo quando se lhe considera desde o ponto de vista da totalidade;agora bem, Leibnitz diz: Inclusive o Universo no um todo, e no deve ser concebidocomo um animal cuja alma Deus, assim como o faziam os antigos35. No entanto, seisso assim, no se v demasiado como as idias do infinito e do contnuo podem estarconectadas como o esto muito freqentemente para ele, j que a idia do contnuo sevincula precisamente, em um certo sentido ao menos, a esta segunda concepo datotalidade; mas este um ponto que poder compreender-se melhor a seguir. O que certo em todo caso, que, se Leibnitz tivesse concebido o terceiro sentido da palavratodo, sentido puramente metafsico e superior aos outros dois, isto , a idia do Todo

    universal tal como a propusemos primeiro, no teria podido dizer que a idia do infinitoexclui a totalidade, j que declara: O infinito real , qui, o absoluto mesmo, que noest composto de partes, mas que, tendo partes, as compreende por razo eminente ecomo no grau de perfeio36. Aqui h ao menos um vislumbre, se poderia dizer, jque esta vez, como por exceo, toma a palavra infinito em seu verdadeiro sentido,ainda que seja errneo dizer que este infinito tem partes, de qualquer maneira que seo queira entender; mas estranho que tampouco ento, expresse seu pensamento maisdo que sob uma forma duvidosa e indecisa, como se no estivesse exatamente fixadosobre a significao desta idia; e qui no tivesse estado nunca efetivamente, j quede outro modo no se explicaria que a tenha desviado to freqentemente de seu sentido

    35Carta a Jean Bernoulli. Leibnitz presta aqui, muito gratuitamente aos antigos em geral, uma opinioque, em realidade, no foi mais do que a de alguns dentre eles; tem manifestamente em vista a teoria dos

    Esticos, que concebiam a Deus como unicamente imanente e lhe identificavam ao Anima Mundi.Ademais, no h que dizer que aqui no se trata mais do que do Universo manifestado, isto , doCosmos, e no do Todo universal que compreende todas as possibilidades, tanto no manifestadascomo manifestadas.36Carta a Jean Bernoulli, 7 de junho de 1698.

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    prprio, e que seja s vezes to difcil, quando fala de infinito, saber se sua inteno foitomar este termo com rigor, ainda que fora equivocadamente, ou se no viu nele maisdo que uma simples maneira de falar.

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    CAPTULO IV

    A MEDIDA DO CONTNUO

    At aqui, quando falamos do nmero, tivemos em vista exclusivamente onmero inteiro, e isso devia ser assim logicamente, desde que consideramos aquantidade numrica como sendo propriamente a quantidade descontnua: na sucessodos nmeros inteiros, h sempre, entre dois termos consecutivos, um intervaloperfeitamente definido, que est marcado pela diferena de uma unidade existente entreesses dois nmeros, e que, quando um se atm considerao dos nmeros inteiros, nopode ser reduzida de nenhuma maneira. Ademais, em realidade, o nmero inteiro onico nmero verdadeiro, o que se poderia chamar o nmero puro; e, partindo da

    unidade, a srie dos nmeros inteiros vai crescendo indefinidamente, sem chegar nuncaa um ltimo termo cuja suposio, como j o temos visto, contraditria; mas no hque dizer que se desenvolve toda inteira em um s sentido, e assim o outro sentidooposto, que seria o do indefinidamente decrescente, no pode encontrar suarepresentao nela, ainda que, desde outro ponto de vista, como o mostraremos maisadiante, tenha uma certa correlao e uma sorte de simetria entre a considerao dasquantidades indefinidamente crescentes e a das quantidades indefinidamentedecrescentes. No entanto, ningum se ateu a isso, e se chegou a considerar diversassortes de nmeros, diferentes dos nmeros inteiros; so, diz-se habitualmente, extensesou generalizaes da idia de nmero, e isso verdadeiro de uma certa maneira; mas, aomesmo tempo, essas extenses so tambm alteraes dessa idia, e isso o que osmatemticos modernos parecem esquecer muito facilmente, porque seuconvencionalismo lhes faz desconhecer sua origem e sua razo de ser. De fato, osnmeros que no so inteiros se apresentam sempre, antes de mais nada, como afigurao do resultado de operaes que so impossveis quando um se atm ao pontode vista da aritmtica pura, j que, em todo rigor, esta nada mais do que a aritmticados nmeros inteiros: assim, por exemplo, um nmero fracionrio no outra coisa quea representao do resultado de uma diviso que no se efetua exatamente, isto , emrealidade de uma diviso que se deve chamar aritmeticamente impossvel, o que,

    ademais, reconhece-se implicitamente ao dizer, segundo a terminologia matemticaordinria, que um dos dois nmeros considerados no divisvel pelo outro. Desdeagora devemos observar que a definio que se d comumente dos nmeros fracionrios absurda: as fraes no podem ser de nenhuma maneira partes da unidade, como sediz, j que a unidade aritmtica verdadeira necessariamente indivisvel e sem partes; e,ademais, disso de onde resulta a descontinuidade essencial do nmero que se forma apartir dela; mas vamos ver de onde provm esta absurdidade.

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    Efetivamente, no , arbitrariamente, como se chega a considerar assim oresultado das operaes de que acabamos de falar, em lugar de limitar-se a consider-laspura e simplesmente como impossveis; de uma maneira geral, isso a consequncia daaplicao que se faz do nmero, quantidade descontnua, medida de magnitudes que,como as magnitudes espaciais por exemplo, so de ordem da quantidade contnua. Entre

    estes modos da quantidade, h uma diferena de natureza tal que a correspondncia deuma e outra no poderia estabelecer-se perfeitamente; para remediar at um certo ponto,e enquanto seja possvel ao menos, procura-se reduzir de alguma maneira os intervalosdeste descontnuo que est constitudo pela srie dos nmeros inteiros, introduzindoentre seus termos outros nmeros, e primeiramente nmeros fracionrios, que noteriam nenhum sentido fora desta considerao. Desde ento fcil compreender que aabsurdidade que assinalvamos faz um momento, no que diz respeito definio dasfraes, provm simplesmente de uma confuso entre a unidade aritmtica e o que sechama as unidades de medida, unidades que no so tais mais do queconvencionalmente, e que so em realidade magnitudes de outro tipo que o nmero,

    concretamente magnitudes geomtricas. A unidade de longitude, por exemplo, nadamais do que uma certa longitude escolhida por razes estranhas aritmtica, e quese faz corresponder o nmero 1 a fim de poder medir em relao a ela todas as demaislongitudes; mas, por sua natureza mesma de magnitude contnua, toda longitude, aindaque seja representada assim numericamente pela unidade, por isso no menos divisvelsempre e indefinidamente; por conseguinte, ao compar-la a outras longitudes que nosejam mltiplos exatos dela, se poder ter que considerar partes desta unidade demedida, mas que, por isso, no sero de nenhuma maneira partes da unidade aritmtica;e s assim como se introduz realmente a considerao dos nmeros fracionrios, comorepresentao de relaes entre magnitudes que no so exatamente divisveis umas

    pelas outras. A medida de uma magnitude no efetivamente outra coisa que aexpresso numrica de sua relao com outra magnitude da mesma espcie tomadacomo unidade de medida, isto , no fundo, como termo de comparao; e por isso peloque o mtodo ordinrio de medida das magnitudes geomtricas se funda essencialmentesobre a diviso.

    Ademais, mister dizer que, apesar disso, subsiste sempre forosamente algo danatureza descontnua do nmero, que no permite que se obtenha assim um equivalenteperfeito do contnuo; podem reduzir-se os intervalos tanto como se queira, isto , emsuma reduzi-los indefinidamente, fazendo-os menores que toda quantidade que se tenhadado de antemo, mas no se chegar nunca a suprimi-los inteiramente. Para faz-locompreender melhor, tomaremos o exemplo mais simples de um contnuo geomtrico,isto , uma linha reta: consideremos uma semi-reta que se estende indefinidamente emum certo sentido37, e convenhamos fazer que corresponda a cada um de seus pontos o

    37Se ver depois, a propsito da representao geomtrica dos nmeros negativos, porque no devemosconsiderar aqui mais do que uma semi-reta; ademais, o fato de que a srie dos nmeros no se desenvolvamais do que em um s sentido, assim como o dizamos mais atrs, basta j para indicar a razo disso.

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    nmero que expressa a distncia desse ponto origem; este ser representado por zero,j que sua distncia a si mesmo evidentemente nula; a partir dessa origem, os nmerosinteiros correspondero s extremidades sucessivas de segmentos todos iguais entre si eiguais unidade de longitude; os pontos compreendidos entre estes no podero serrepresentados mais do que por nmeros fracionrios, j que suas distncias origem

    no so mltiplos exatos da unidade de longitude. evidente que medida que setomem nmeros fracionrios cujo denominador seja cada vez maior, e, portanto, cujadiferena seja cada vez menor, os intervalos entre os pontos aos que correspondem estesnmeros se encontraro reduzidos na mesma proporo; assim se pode fazer decrescerestes intervalos indefinidamente, teoricamente ao menos, j que os denominadores dosnmeros fracionrios possveis so todos os nmeros inteiros, cuja sucesso cresceindefinidamente38. Dizemos teoricamente, porque, de fato, j que a multido dosnmeros fracionrios indefinida, no se poder chegar nunca a empreg-la assim todainteira; mas suponhamos no obstante que se faa corresponder idealmente todos osnmeros fracionrios possveis a pontos da semi-reta considerada: apesar do

    decrescimento indefinido dos intervalos, ficaro ainda nesta linha uma multido depontos aos que no corresponder nenhum nmero. Isto pode parecer singular einclusive paradoxal primeira vista, e no entanto fcil dar-se conta disso, j que umtal ponto pode ser obtido por meio de uma construo geomtrica muito simples:construamos o quadrado que tenha por lado o segmento de reta cujas extremidades soos pontos zero e um, e tracemos a diagonal deste quadrado que parte da origem, edepois a circunferncia que tem a origem como centro e esta diagonal como raio; oponto onde esta circunferncia corta a semi-reta no poder ser representado pornenhum nmero inteiro ou fracionrio, j que sua distncia origem igual diagonaldo quadrado e j que esta incomensurvel com seu lado, isto , aqui com a unidade de

    longitude. Assim, a multido dos nmeros fracionrios, apesar do decrescimentoindefinido de suas diferenas, no pode bastar ainda para encher, se se pode dizer, osintervalos entre os pontos contidos na linha39, o que supe dizer que esta multido no um equivalente real e adequado do contnuo linear; por conseguinte, para expressar amedida de algumas longitudes, estamos forados a introduzir ainda outros tipos denmeros, que so o que se chama os nmeros incomensurveis, isto , aqueles que notm comum medida com a unidade. Tais so os nmeros irracionais, isto , aqueles querepresentam o resultado de uma extrao de raiz aritmeticamente impossvel, porexemplo a raiz quadrada de um nmero que no um quadrado perfeito; assim como,no exemplo precedente, a relao da diagonal do quadrado com seu lado, e portanto oponto cuja distncia origem igual a esta diagonal, no podem ser representados maisdo que pelo nmero irracional

    38Isto ser precisado ainda quando falarmos dos nmeros inversos.39 Importa destacar que no dizemos os pontos que compem ou que constituem a linha, o quecorresponderia a uma concepo falsa do contnuo, assim como o mostram as consideraes queexporemos mais adiante.

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    2 ,que efetivamente verdadeiramente incomensurvel, j que no existe nenhum nmerointeiro ou fracionrio cujo quadrado seja igual a

    2;e, alm destes nmeros irracionais, h ainda outros nmeros incomensurveis cujo

    origem geomtrica evidente, como por exemplo o nmero

    que representa a relao da circunferncia com seu dimetro. Sem entrar ainda naquesto da composio do contnuo, v-se pois que o nmero, qualquer que seja aextenso que se d a sua noo, no lhe nunca perfeitamente aplicvel: esta aplicaoequivale em suma sempre a substituir o contnuo por um descontnuo cujos intervalospodem ser muito pequenos, e inclusive virem a ser cada vez menores por uma srieindefinida de divises sucessivas, mas sem poder ser suprimidos nunca, j que, emrealidade, no h ltimos elementos nos quais essas divises podem concluir, j que,por pequena que seja, sempre fica uma quantidade contnua indefinidamente divisvel.

    a estas divises do contnuo ao que responde propriamente a considerao dos nmerosfracionrios; mas, e isso o que importa destacar particularmente, uma frao, porminscula que seja, sempre uma quantidade determinada, e entre duas fraes, porpouco diferentes que se as suponha uma da outra, sempre h um intervalo igualmentedeterminado. Agora bem, a propriedade da divisibilidade indefinida que caracteriza asmagnitudes contnuas exige evidentemente que se possam tomar sempre delaselementos to pequenos como se queira, e que os intervalos que existem entre esseselementos possam fazer-se tambm menores que toda quantidade dada; mas ademais, e aqui onde aparece a insuficincia dos nmeros fracionrios, e podemos dizer inclusivede todo nmero qualquer que seja, esses elementos e esses intervalos, para que tenharealmente continuidade, no devem ser concebidos como algo determinado. Portanto, arepresentao mais perfeita da quantidade contnua ser obtida pela considerao demagnitudes, no j fixas e determinadas como as que acabamos de tratar, seno antes aocontrrio, variveis, porque ento sua variao poder considerar-se ela mesma comoefetuando-se de uma maneira contnua; e estas quantidades devero ser suscetveis dedecrescer indefinidamente, por sua variao, sem anular-se nunca nem chegar a ummnimo, que no seria menos contraditrio do que os ltimos elementos docontnuo: essa precisamente, como o veremos, a verdadeira noo das quantidadesinfinitesimais.

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    CAPTULO V

    QUESTES ESTABELECIDAS PELO MTODO INFINITESIMAL

    Quando Leibnitz deu a primeira exposio do mtodo infinitesimal40, e inclusivetambm em outros vrios trabalhos que seguiram41, insistiu sobretudo nos usos e nasaplicaes do novo clculo, o que era bastante conforme tendncia moderna deatribuir mais importncia s aplicaes prticas da cincia que cincia mesma comotal; ademais, seria difcil dizer se esta tendncia existia verdadeiramente em Leibnitz, ouse, nesta maneira de apresentar seu mtodo, no havia mais do que um modo deconcesso por sua parte. Seja como seja, para justificar um mtodo, no bastacertamente mostrar as vantagens que pode ter sobre os demais mtodos anteriormenteadmitidos, e as comodidades que pode proporcionar praticamente para o clculo, nem

    tampouco os resultados que pde dar de fato; o que os adversrios do mtodoinfinitesimal no deixaram de fazer valer, e so s suas objees as que levaram aLeibnitz a explicar-se sobre os princpios, e inclusive sobre as origens de seu mtodo.Ademais, sobre este ltimo ponto, muito possvel que nunca o tenha dito tudo, masisso importa pouco no fundo, j que, muito freqentemente, as causas ocasionais deuma descoberta no so mais do que circunstncias bastante insignificantes em simesmas; em todo caso, tudo o que h que reter para ns nas indicaes que d sobreeste ponto42, que partiu da considerao das diferenas asignable43 que existementre os nmeros, para passar da s diferenas inasignable44 que podem serconcebidas entre as magnitudes geomtricas em razo de sua continuidade, e que davainclusive a esta ordem uma grande importncia, como sendo em certo modo exigidopela natureza das coisas. Da resulta que as quantidades infinitesimais, para ele, no seapresentam naturalmente a ns de uma maneira imediata, seno s como um resultadoda passagem da variao da quantidade descontnua da quantidade contnua, e daaplicao da primeira medida da segunda.

    40Nova Methodus pro maximis et minimis, itemque tangentibus, qu nec fractas nec irrationalesquantitates moratur, et singulare pro illis calculi genus, en las Acta eruditorum de Leipzig, 1864.41De Geometra recondita et Analysi indivisibilium atque infinitorum, 1886. Os trabalhos seguintes se

    referem todos a soluo de problemas particulares.42 Em sua correspondncia primeiro, e depois emHistoria et origo Calculi differencialis, 1714.43Do espanhol Asignable: achacable: aplicable, atribuible, endosable, imputable: aplicvel, atribuvel,endosvel, imputvel. http://www.wordreference.com/sinonimos. Nota do tradutor.44Inasignable: no asignable: no achacable: no aplicable, no atribuible, no endosable, no imputable: noaplicvel, no atribuvel, no endosvel, no imputvel. http://www.wordreference.com/sinonimos. estetermo parece no poder entender-se rigorosamente mais do que de quantidades que so suscetveis devirem a ser to pequenas como se queira, isto , menores que toda quantidade dada, e s que, portanto,no se pode atribuirnenhum valor determinado, por pequeno que seja(Leibnitz). Nota do tradutor.

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    Agora bem, qual exatamente a significao destas quantidades infinitesimaiscujo emprego reprovou-se Leibnitz, sem haver definido previamente o que entendia porelas? e, lhe permitia essa significao considerar seu clculo como absolutamenterigoroso, ou apenas, ao contrrio, como um simples mtodo de aproximao?Responder a estas duas perguntas, seria resolver por isso mesmo as objees mais

    importantes que se lhe tenham dirigido; mas, desafortunadamente, ele nunca o fez muitoclaramente, e inclusive suas diversas respostas no parecem sempre perfeitamenteconciliveis entre si. Ademais, a este propsito, bom destacar que Leibnitz tinha, deuma maneira geral, o hbito de explicar diferentemente as mesmas coisas segundo aspessoas a quem se dirigia; certamente, no somos ns quem lhe reprovamos estamaneira de atuar, irritante somente para os espritos sistemticos, j que, em princpio,com isso no fazia mais que se conformar a um preceito inicitico e maisparticularmente rosacruciano, segundo o qual convm falar a cada um sua prprialinguagem; somente que s vezes lhe ocorria que lhe aplicava bastante mal.Efetivamente, se evidentemente possvel revestir uma mesma verdade de diferentes

    expresses, entenda-se bem que isso deve fazer-se sem deform-la nem mingu-lanunca, e que mister abster-se sempre cuidadosamente de toda maneira de falar quepudesse dar lugar a concepes falsas; isso o que Leibnitz no soube fazer em muitoscasos45. Por conseguinte, leva a acomodao parecer at dar, s vezes, a razo quelesque no quiseram ver em seu clculo mais do que um mtodo de aproximao, j quelhe ocorre apresentar-lhe como no sendo outra coisa que uma maneira abreviada domtodo de exausto dos antigos, prprio para facilitar as descobertas, mas cujosresultados devem ser depois verificados por esse mtodo se se quer dar deles umademonstrao rigorosa; e, no entanto, muito certo que esse no era o fundo de seupensamento, e que, em realidade, via em seu mtodo muito mais do que um simples

    expediente destinado a abreviar os clculos.Leibnitz declara freqentemente que as quantidades infinitesimais no so mais

    do que incomparveis, mas, no que diz respeito ao sentido preciso no que deveentender-se esta palavra, ocorreu-lhe dar dela uma explicao no s pouco satisfatria,seno inclusive muito deplorvel, j que com isso s podia proporcionar armas a seusadversrios, que, ademais, no deixaram de servir-se delas; nisso tambm no expressoucertamente seu verdadeiro pensamento, e podemos ver nisso outro exemplo, ainda maisgrave do que o precedente, dessa acomodao excessiva que faz substituir umaexpresso adaptada da verdade por pontos de vista errneos. Efetivamente, Leibnitzescreveu isto: Aqui no h necessidade de tomar o infinito rigorosamente, seno scomo quando se diz em tica que os raios do sol vm de um ponto infinitamenteafastado e assim so estimados paralelos. E quando h vrios graus de infinito ou deinfinitamente pequeno, como o globo da terra fosse estimado como um ponto em

    45Em linguagem rosacruciana, tanto mais pelo fracasso de seus projetos de characteristica universalis,se diria que isso prova que se tinha alguma idia terica do que o dom de lnguas, estava muito longede ter-lhe recebido efetivamente.

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    relao distncia das estrelas fixas, e como uma bola, que manejamos, ainda umponto em comparao com o semidimetro do globo da terra, de maneira que a distncias estrelas fixas como um infinito do infinito em relao ao dimetro da bola. J queem lugar de infinito ou de infinitamente pequeno, tomam-se quantidades to grandes eto pequenas como seja necessrio para que o erro seja menor que o erro dado, de

    maneira que no se difere do estilo de Arquimedes mais do que nas expresses que somais diretas em nosso mtodo, e mais conformes arte de inventar46. No se deixou defazer observar a Leibnitz que, por pequeno que seja o globo da terra em relao aofirmamento, ou um gro de areia em relao ao globo da terra, por isso no so menosquantidades fixas e determinadas, e que, se uma destas quantidades pode serconsiderada como praticamente desdenhvel em comparao com a outra, nisso no setrata, no obstante, mais do que de uma simples aproximao; ele respondeu que stinha desejado evitar as sutilezas e fazer o raciocnio sensvel a todo mundo47, oque confirma efetivamente nossa interpretao, e o que, ademais, j como umamanifestao da tendncia vulgarizadora dos sbios modernos. O que bastante

    extraordinrio, que tenha podido escrever depois: Ao menos no tinha a menorevidncia que devesse se julgar que eu entendia uma quantidade muito pequena emverdade, mas sempre fixa e determinada, ao que acrescenta: Ademais, j tinha escritofaz alguns anos a M. Bernoulli de Groningue que os infinitos e infinitamente pequenospodiam ser tomados por fico, semelhantes s razes imaginrias48, sem que issodevesse causar prejuzo a nosso clculo, j que essas fices so teis e esto fundadasna realidade49. Ademais, parece que no tenha visto nunca exatamente em que eradefeituosa a comparao da que se tinha servido, j que a reproduziu tambm nosmesmos termos uma dezena de anos mais tarde50; mas, j que ao menos declaraexpressamente que sua inteno no foi apresentar as quantidades infinitesimais como

    determinadas, devemos concluir disso que, para ele, o sentido dessa comparao sereduz a isto: um gro de areia, ainda que no infinitamente pequeno, pode noobstante, sem inconveniente aprecivel, ser considerado como tal em relao terra, eassim no h necessidade de considerar infinitamente pequenos em rigor, que pode-seinclusive, se se quer, no considerar mais do que como fices; mas, entenda-se comose queira, uma tal considerao no por isso menos manifestamente imprpria para dardo clculo infinitesimal outra idia, certamente insuficiente aos olhos de Leibnitzmesmo, que a de um simples clculo de aproximao.

    46Mmoire de M. G. G. Leibnitz touchant son sentiment sur le Calcul diffrentiel, en el Journal deTrevoux, 1701.47Carta a Varignon, 2 de febrero de 1702.48 As razes imaginrias so as razes dos nmeros negativos; falaremos mais adiante da questo dosnmeros negativos e das dificuldades lgicas s que do ensejo.49Carta a Varignon, 14 de abril de 1702.50Memria j citada mais atrs, nasActa Eruditorumde Leipzig, 1712.

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    CAPTULO VI

    AS FICES BEM FUNDADAS

    O pensamento que Leibnitz expressa da maneira mais constante, ainda que no oafirma sempre com a mesma fora, e ainda que inclusive s vezes, masexcepcionalmente, parece no querer pronunciar-se categoricamente a esse respeito, que, no fundo, as quantidades infinitas e infinitamente pequenas no so mais do quefices; mas, agrega, so fices bem fundadas, e, com isso no entendesimplesmente que so teis para o clculo51, ou inclusive para fazer encontrar verdadesreais, ainda que lhe ocorre insistir igualmente sobre esta utilidade; seno que repeteconstantemente que essas fices esto fundadas na realidade, que tm fundamentunin re, o que implica evidentemente algo mais do que um valor puramente utilitrio; e,

    em definitivo, para ele, este valor mesmo deve explicar-se pelo fundamento que essasfices tm na realidade. Em todo caso, para que o mtodo seja seguro, estima que bastaconsiderar, no quantidades infinitas e infinitamente pequenas no sentido rigorosodestas expresses, j que este sentido rigoroso no corresponde a realidades, senoquantidades to grandes ou to pequenas como se queira, ou como sejam necessriaspara que o erro seja feito menor que qualquer quantidade dada; ainda seria necessrioexaminar se certo que, como declara, este erro nulo por si mesmo, isto , se estamaneira de considerar o clculo infinitesimal lhe d um fundamento perfeitamenterigoroso, mas teremos que voltar mais tarde sobre esta questo. Seja o que seja desteltimo ponto, os enunciados onde figuram as quantidades infinitas e infinitamentepequenas entram para ele na categoria das asseres que, diz, no so mais do quetoleranter verae, ou o que se chamaria (em espanhol) pasables52, e que tmnecessidade de ser retificadas pela explicao que se d delas, do mesmo modo quequando se consideram as quantidades negativas como menores que zero, e que emmuitos outros casos onde a linguagem dos gemetras implica uma certa maneira defalar figurada e crptica53; esta ltima palavra pareceria ser uma aluso ao sentidosimblico e profundo da geometria, mas isto algo muito diferente do que Leibnitz temem vista, e talvez no h nisso, como ocorre bastante freqentemente nele, mais do quea recordao de algum dado esotrico mais ou menos mal compreendido.

    Quanto ao sentido no que necessrio entender que as quantidadesinfinitesimais so fices bem fundadas, Leibnitz declara que os infinitos e

    51 nesta considerao da utilidade prtica onde Carnot creu encontrar uma justificativa suficiente;

    evidente que, de Leibnitz a ele, a tendncia pragmatista da cincia moderna se tinha acentuado jenormemente.52Pasable: tolerveis. Nota do tradutor.53Memria j citada, nasActa Eruditorumde Leipzig, 1712.

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    infinitamente pequenos esto to fundados que tudo se faz na geometria, e inclusive nanatureza, como se fossem perfeitas realidades54; para ele, efetivamente, tudo o queexiste na natureza implica de alguma maneira a considerao do infinito, ou ao menosdo que ele cr poder chamar assim: A perfeio da anlise dos transcendentes ou dageometria onde entre a considerao de algum infinito, diz, seria sem dvida a mais

    importante por causa da aplicao que se pode fazer dele nas operaes da natureza, quefaz entrar o infinito em tudo o que faz55; mas talvez se deva s, certo, a que nopodemos ter delas idias adequadas, e porque a entram elementos que no percebemosdistintamente. Se isso assim, seria mister no tomar demasiado literalmente asserescomo esta por exemplo: J que nosso mtodo propriamente essa parte da matemticageral que trata do infinito, o que faz que se tenha uma grande necessidade dele aoaplicar as matemticas fsica, porque o carter do Autor infinito entra ordinariamentenas operaes da natureza56. Mas, se inclusive Leibnitz entende por isto somente que acomplexidade das coisas naturais ultrapassa incomparavelmente os limites de nossapercepo distinta, por isso no menos certo que as quantidades infinitas e

    infinitamente pequenas devem ter sua fundamentum in re; e este fundamento, que seencontra na natureza das coisas, ao menos segundo a maneira na que concebido porele, no outra coisa que o que ele chama a lei de continuidade, que teremos queexaminar um pouco mais adiante, e que considera, com razo ou sem ela, como nosendo, em suma, mais do que um caso particular de uma certa lei de justia, que sevincula, a sua vez, considerao da ordem e da harmonia, e que encontra igualmentesua aplicao toda vez que deve observar-se uma certa simetria, assim como ocorre, porexemplo, nas combinaes e permutaes.

    Agora, se as quantidades infinitas e infinitamente pequenas no so mais do quefices, e admitindo inclusive que estas estejam realmente bem fundadas, pode-se

    perguntar isto: por que empregar tais expresses, que, inclusive se podem considerar-secomo toleranter verae, por isso no so menos incorretas? Nisso h algo quepressagia j, se poderia dizer, o convencionalismo da cincia atual, ainda que com anotvel diferena de que este j no se preocupa de nenhuma maneira de saber se asfices s que recorre esto fundadas ou no, ou, segundo outra expresso de Leibnitz,se podem ser interpretadas sano sensu, e nem sequer se tm uma significaoqualquer. J que se pode prescindir dessas quantidades fictcias, e contentar-se comconsiderar em seu lugar quantidades que se podem fazer simplesmente to grandes e topequenas como se queira, e que, por esta razo podem chamar-se indefinidamentegrandes e indefinidamente pequenas, sem dvida teria valido mais comear por a, eevitar assim introduzir fices que, qualquer que possa ser sua fundamentum in re,no so em suma de nenhuma utilidade efetiva, no s para o clculo, seno para o

    54Carta j citada a Varignon, de 2 de fevereiro de 1702.55Carta ao marqus de lHospital, 1693.56 Considration sur la diffrence quil y a entre lAnalyse ordinaire et le nouveau Calcul destranscendantes, en el Journal des Savans, 1694.

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    mtodo infinitesimal mesmo. As expresses indefinidamente grande eindefinidamente pequeno, ou, o que equivale ao mesmo, mas talvez ainda maisprecisa, de indefinidamente crescente e indefinidamente decrescente, no s tm avantagem de ser as nicas que so escrupulosamente exatas; tm tambm a de mostrarclaramente que as quantidades s que se aplicam no podem ser mais do que

    quantidades variveis e no determinadas. Como o disse com razo um matemtico, oinfinitamente pequeno no uma quantidade muito pequena, que tem um valor efetivo,suscetvel de determinao; seu carter ser eminentemente varivel e poder tomar umvalor menor que todas aquelas que se quisessem precisar; estaria muito melhornomeado como indefinidamente pequeno57.

    O emprego destes termos teria evitado muitas dificuldades e muitas discusses, eno teria nada de surpreendente nisso, pois no se trata de uma simples questo depalavras, seno da substituio de uma idia justa por uma idia falsa, de uma realidadepor uma fico; no teria permitido, concretamente, tomar as quantidades infinitesimaispor quantidades fixas e determinadas, j que a palavra indefinido implica sempre por

    si mesma uma idia de devir, como o dizamos mais atrs, e portanto de mudana ou,quando se trata de quantidades, de variao; e, se Leibnitz se tivesse servido delahabitualmente, sem dvida que no se teria deixado arrastar to facilmente enojosacomparao do gro de areia. Ademais, reduzir infinite parva ad indefinite parva teriasido em todo caso mais claro que lhes reduzir ad incomparabiliter parva; a precisoteria ganhado com isso, sem que a exatido tivesse tido nada que perder, muito aocontrrio. As quantidades infinitesimais so cer