what is it for, finally, the xxi century...
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PARA QUE SERVE, FINALMENTE, A PRISÃO DO SÉCULO XXI NO BRASIL?
WHAT IS IT FOR, FINALLY, THE XXI CENTURY PRISON IN BRAZIL?
Bianca da Silva Santos
Aluna do Curso de Direito
Resumo: Desde os primórdios existe a aplicação de penas, que de cruéis, passaram a ser
aplicadas de maneira mais humanitária na modernidade. No tocante às penas, frisa-se, a
privativa de liberdade, a qual o condenado pode cumprir em regime fechado, semiaberto ou
aberto. A pena tem uma tríplice finalidade, qual seja punir, prevenir e reeducar, no entanto,
não é o que temos observado, fato este que pode ser comprovado pelo grande número de
egressos do sistema penitenciário brasileiro. Deste modo, ressalta-se que algo não tem
funcionado dentro do sistema penitenciário, de modo que quando o condenado volta à
sociedade ele torna a delinquir. Portanto, vê-se que algo está errado, podendo-se destacar a
total ineficácia na aplicação da lei de execução penal, que não tem tido sua finalidade
atingida. Assim, busca-se alternativas para solução desse problema.
Palavras-chave: Lei de Execução Penal; Pena Privativa de Liberdade; Ressocialização;
Reintegração; Prevenção; Alternativas.
Abstract: From the beginning there is the application of penalties, that cruel, began to be
applied more humanely in modernity. Regarding penalties, is stressing the custodial which the
offender may meet in closed regime, semi-open or open. The penalty has a threefold purpose,
which is to punish, prevent and reeducate, however, is what we have observed, a fact that can
be proved by the large number of graduates of the Brazilian prison system. Thus, it
emphasizes that something has not worked within the prison system, so that when the
offender back into society he makes offending . So we see that something is wrong, and we
can highlight the total ineffectiveness in the application of criminal law enforcement, which
has not had a hit purpose. Thus, it seeks alternatives to solve this problem.
Keywords: Law of Penal Execution; Pena Private Freedom; resocialization; reintegration;
Prevention; Alternatives.
Sumário: Introdução. 1. Evolução do Pensamento Punitivo. 1.1. Direito Penal dos Povos
Primitivos. 1.2. Idade Antiga. 1.3. Idade Média. 1.4. Idade Moderna. 2. Das Teorias da Pena.
3. Das Classificações da Pena Privativa de Liberdade. 3.1. Espécies. 3.2. Regime
Penitenciário. 3.3. Progressão de Regime. 3.4. Regressão de Regime. 3.5. Substituição das
Penas Privativas de Liberdade. 4. Prisão no Século XXI. 4.1. Do Estado de Coisas
Inconstitucional (ADPF 347). 5. Abolicionismo Penal. Conclusão. Referências Bibliográficas.
2
Introdução
Atualmente, é possível observar estampado em jornais e revistas notícias de um grande
aumento da criminalidade no Brasil, e, dentro desse aumento, o fato de boa parte dos crimes
estarem sendo praticados por egressos do sistema carcerário.
Sabe-se que o Sistema Prisional pátrio, além da Constituição de 1988, o Código Penal
Brasileiro e Código de Processo Penal, é regido pela Lei de Execuções Penais, os quais
traçam contornos de como deve ser o tratamento dos apenados em nosso país, visando uma
tríplice finalidade: punir, prevenir e reeducar.
Entretanto, os noticiários corriqueiros de criminalidade envolvendo egressos e o clamor
público por segurança e punições mais severas denotam que algo de errado está acontecendo
nesses sistemas, fazendo-o não funcionar adequadamente.
Nesse sentido, o atual estudo objetiva, de forma geral, expor a dinâmica de execução das
penas no Brasil, notadamente, as privativas de liberdade.
Algo de muito errado anda acontecendo no sistema penitenciário brasileiro. A mídia de
massa diariamente apresenta dados de altos índices de reincidência por parte de egressos do
sistema prisional, ou seja, de que esse sistema não está funcionando adequadamente.
Desse quadro emblemático, surge um questionamento importante que despertou a
curiosidade desta pesquisadora: para que serve, finalmente, a prisão do século XXI no Brasil?
O que acontece nesses ambientes, em tese, de retribuição, prevenção e reeducação, para que
seus egressos não consigam ficar longe do crime?
Esta é a razão da pesquisa que pretendemos: identificar as falhas do atual sistema prisional
e das atuais políticas da espécie e, finalmente, entender o porquê de não estarem atingindo
seus objetivos primordiais – retribuição, prevenção e ressocialização.
Este projeto de pesquisa visa de forma geral aclarar a aplicabilidade das penas no sistema
penitenciário brasileiro, sua dinâmica e questionar sua eficácia, com ênfase as penas
privativas de liberdade.
Especificamente, analisar a legislação que trata da execução das penas privativas de
liberdade – como deve ser a execução penal; expor a realidade do sistema carcerário – como é
a execução penal; confrontar o “dever ser” com o “ser” na execução penal, visando identificar
suas disfunções; responder ao quesito para que serve, finalmente, a prisão do século XXI no
Brasil?
3
Utilizar-se-á, para tanto, de uma Metodologia Explicativa sob uma abordagem
comparativa. Confrontaram-se trabalhos já realizados por especialistas neste campo. Além do
uso da legislação em vigor.
Em face das informações coletadas, bem como da dinâmica que se pretende dar a esta
pesquisa, o Método Explicativo se apresenta como o mais adequado, visto que como bem
salienta Juan Rodríguez López:
Cada ciencia ha elaborado su propia epistemología, que es una reflexión
sobre ella misma, para observar, criticar y fundamentar, cómo se produce su
conocimiento científico.
La ciencia tiene por objetivos, el análisis, la explicación, la predicción y La
actuación, en un determinado sector de la realidad observable. El análisis
desemboca en la explicación.
La explicación científica es un entender cómo y por qué ocurre algo, um
conocer en profundidad las causas de los fenómenos naturales y de los
acontecimientos humanos y sociales. (destacou-se)
“Método” es el camino para conseguir algo. El método explicativo, para
construir la explicación, se basa em unos principios y su desarrollo se realiza
según unas formas. Dichos princípios pueden tomarse de la Filosofía o de la
propia ciencia, como verdades axiomáticas-se aceptan sin demostración-o
como verdades demostradas1.
Vê-se que tal método mostra-se apto a proporcionar um aporte científico condizente com
os objetivos que a pesquisa pretende alcançar.
Sob tal método, vale salientar, nos dados e informações coletados na pesquisa será
realizada uma abordagem comparativa dos dados, a qual é retratada da seguinte forma por
Schneider e Schmitt:
A comparação, enquanto momento da atividade cognitiva pode ser
considerada como inerente ao processo de construção do conhecimento nas
ciências sociais. É lançando mão de um tipo de raciocínio comparativo que
podemos descobrir regularidades, perceber deslocamentos e transformações,
construir modelos e tipologias, identificando continuidades e
descontinuidades, semelhanças e diferenças, e explicitando as determinações
mais gerais que regem os fenômenos sociais2.
Abordagem esta que, como é possível visualizar, compõe-se de instrumentos capazes de
proporcionar a apreensão do cerne da matéria discutida e explicitá-la com maior clareza, de
modo a fornecer subsídio à construção da pesquisa, bem como à consecução dos objetivos
desta.
1 LÓPEZ, Juan Rodriguez. El Método Explicativo em las Epistemologias Regionales de la Actividad Física.
Universidade de Granada – Espanha. 1991. Disponível em
<http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=3887409>. Acesso em 08.09.2015. 2 SCHNEIDER, Sergio; SCHMITT, Cláudia Job. O uso do método comparativo nas Ciências Sociais. Cadernos
de Sociologia, Porto Alegre, v. 9, p. 49-87, 1998.
4
1. Evolução do Pensamento Punitivo
Pena é a reação que uma comunidade politicamente organizada opõe a um fato que viola
uma das normas fundamentais da sua estrutura e, assim, é definido na lei como crime3.
Desde os primórdios o ser humano violou as regras de convivência, ferindo semelhantes e
a própria comunidade onde vivia, tornando inexorável a aplicação de uma punição4.
Segundo Rogério Greco:
Definitivamente, o homem não nasceu para ficar preso. A liberdade é uma
característica fundamental do ser humano. A história da civilização
demonstra, no entanto, que, logo no inicio da criação, o homem se tornou
perigoso para seus semelhantes.
Segundo o livro de Gênesis, capítulo 3, versículo 8, Deus se encontrava com
o homem sempre ao final da tarde, ou seja na virada do dia. Seu contanto era
permanente com ele. Contudo, após sua fatal desobediência, Deus se afastou
do homem. Começava aqui, a história das penas. A expulsão do primeiro
casal do paraíso foi, com certeza, a maior de todas as punições. Logo após
provar do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, o homem
deixou de lado sua pureza original, passando a cultivar sentimento que até
então lhe eram desconhecidos.
Anos mais tarde, a desobediência inicial do homem gerou o primeiro
homicídio. Caim, enciumado pelo fato de que Deus havia se agradado mais
da oferta de seu irmão Abel, traiçoeiramente, o matou. Caim recebeu sua
sentença diretamente de Deus, que decretou que ele seria fugitivo errante
pela terra.
A partir desses acontecimentos, o homem não parou de praticar fatos graves
contra seus semelhantes5.
Dito isto, observa-se que mesmo não existindo leis naquela época, havia a aplicação da
pena àqueles que cometiam algum delito. Ocorre que a aplicação da pena teve uma evolução,
passando do direito penal dos povos primitivos, para antiguidade, idade média e idade
moderna.
Hoje, na modernidade, existe a aplicação das leis para regular o convívio em sociedade,
como poderemos ver com a análise da evolução do pensamento punitivo, que passa a expor,
sobre a perspectiva de Cleber Masson6.
3 MASSON, Cleber. Direito Penal - Parte Geral. vol. 1. 8º ed. São Paulo. Método. 2014. Pag. 578.
4 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentando. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2015. Pag. 18/19.
5 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. vol. 1. 17ª. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015. p. 15.
6 MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado – Parte Geral. vol. 1. 8ª. ed. São Paulo: Método, 2014. p. 96-
106.
5
1.1. Direito Penal dos Povos Primitivos
No direito penal dos povos primitivos houve três diferentes etapas na forma de aplicação
das penas, quais sejam, a vingança divina, a vingança privada e a vingança pública.
Segundo Masson7,
a vingança divina tinha origem divina e sua violação consistia em uma
grande ofensa aos deuses, assim, punia-se o infrator para agradar a divindade, bem como para
purgar o seu grupo das impurezas trazidas pelo crime.
Posteriormente, na fase da vingança privada, surge a Lei de Talião, do latim talis = tal
qual: “Pagará a vida com a vida; mão com mão, pé por pé, olho por olho, queimadura por
queimadura” (Êxodo, XXI, versículos 23 a 25)8.
Fazia-se então justiça com as próprias mãos, imperava a lei do mais forte, em que o
próprio ofendido ou outra pessoa do seu grupo exercia o direito de voltar-se contra o
agressor9.
Com a evolução política da sociedade e a organização comunitária, começa a fase da
vingança pública, o Estado invoca para si o poder-dever para manutenção da ordem e da
segurança social. O estado confere aos seus agentes o poder para punir em nome de seus
súditos10
.
Ainda, predominava na vingança pública a aplicação da sanção penal cruel e desumana,
característica do direito penal até então vigente11
.
1.2. Idade Antiga
Após o direito penal dos povos primitivos, surgem então na Idade Antiga o direito penal
grego e o direito penal romano.
Na Grécia Antiga, o crime e a pena inspiravam sentimentos religiosos, governava-se em
nome de Zeus12
.
A civilização grega produziu grandes filósofos, historiadores, escritores e grandes
pensadores que iniciaram o estudo da ciência política13
.
7 Ibid. p. 96.
8 Ibid. p. 97.
9 Ibid. p. 99.
10 Ibid. p. 99
11 Ibid. p. 99.
12 Ibid. pag. 99.
6
Assim, o estudo da ciência política acabou influenciando as discussões sobre ética,
liberdade e justiça, bem como noções e fundamento do direito de punir e da finalidade da
pena, influenciando a Ciência do Direito, o que passou a ser pauta de discussões na
civilização grega. Com isso as penas passaram a ser dotadas de certa dose de humanidade14
.
Já na história do Direito Romano, houve a elaboração da Lei das XII Tábuas, que foi
fundamental para sua evolução, disciplinando a utilização da vingança privada, prescrevia a
Lei das XII Tábuas: “O que os sufrágios do povo ordenaram em último lugar, essa é a lei”15
.
Com o passar do tempo, o Direito Romano passou por um período de laicização, deixando
a lei de ser uma mensagem dos deuses, e a administração da justiça foi transferida do
particular para um poder estatal central16
.
No entanto, o Império Romano se absteve de proteger os direitos fundamentais em face do
arbítrio estatal, o que ocorreu somente com o Cristianismo, quando o homem passou a ser
concebido como imagem e semelhança de Deus17
.
Ainda em Roma, distinguiu-se os crimes públicos dos crimes privados, os crimes públicos
envolviam a traição ou a conspiração política contra o Estado e o assassinato e era julgado
pelo Estado, enquanto os demais eram crimes privados e era confiado o seu julgamento ao
particular ofendido18
.
1.3. Idade Média
Com a Idade Média, surge o Direito Penal germânico e o Direito Penal canônico. No
direito penal germânico não tinha leis escritas, caracterizava-se como direito consuetudinário,
concebido como uma ordem de paz19
.
Sua transgressão poderia assumir caráter público ou privado:
Se público, impunha-se a perda da paz, consistente na ausência de proteção
jurídica, podendo o agressor ser perseguido e morto por qualquer pessoa; se
privado o crime, o infrator era entregue à vítima ou a seus familiares para
13
Ibid. pag. 99. 14
Ibid. pag. 99. 15
Ibid. pag. 101. 16
Ibid. pag. 101. 17
Ibid. pag. 101. 18
Ibid. pag. 101. 19
Ibid. pag. 101.
7
que exercessem o direito de vingança. Havia penas de morte, corporais
(mutilação), exílio etc20
.
Mais tarde houve no Direito Penal germânico a adoção da Lei de Talião por uma grande
influencia do Direito Romano e do Cristianismo21
.
Em decorrência da instituição de um poder público, a pena de morte passou a poder ser
substituída por um preço da paz (semelhante a uma fiança), em que o violador da lei pagava
uma pecúnia em troca de sua liberdade22
.
Com relação às provas, acolhiam-se as ordálias ou juízos de deus, caracterizadas por
superstições e atos cruéis, sem chances de defesa para os réus23
.
Já o Direito Penal canônico é o ordenamento jurídico da Igreja Católica Apostólica
Romana, e a primeira consolidação de suas normas e regras se deu por volta do ano de 1140,
por decreto de Graciano24
.
Inicialmente, teve caráter meramente disciplinar, destinando-se apenas aos seus membros.
Aos poucos, com a crescente influência da Igreja, estendeu-se a religiosos e leigos, desde que
os fatos tivessem conotação religiosa25
.
O Direito Penal canônico contribuiu consideravelmente para o surgimento da prisão
moderna, principalmente no tocante à reforma do criminoso26
.
1.4. Idade Moderna
Na Idade Moderna, o absolutismo impunha atos de punição crudelíssimos e arbitrários. A
sociedade que já não suportava mais tal forma de agir do Estado e a filosofia iluminista do
século XVIII orientava a evolução da humanidade. Preparava-se o espírito dos indivíduos
para a eclosão da Revolução Francesa27
.
20
Ibid. pag. 101. 21
Ibid. pag. 101. 22
Ibid. pag. 101. 23
Ibid. pag. 103. 24
Ibid. pag. 103. 25
Ibid. pag. 103. 26
Ibid. pag. 103. 27
Ibid. pag. 105.
8
De forma impressionante para a época, Beccaria, citado por Cleber Masson, antecipa as
ideias posteriores consagradas na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do
Cidadão, de 1789, pugnando de maneira universal pela abolição da pena de morte28
.
Com a publicação da obra Dos Delitos e das Penas, no ano de 1764, surge a questão do
livre-arbítrio, ou seja:
o homem pratica um crime consciente de sua conduta antissocial. Como
consequência do controle do indivíduo sobre os seus atos, decorre que a pena
deve ser sempre legalmente prevista, para que todos saibam diferenciar o
vedado do permitido e escolher o caminho a trilhar, devendo ainda a sanção
penal guardar proporcionalidade com o crime praticado, na medida exata da
retribuição necessária.
No pensamento de Beccaria, a pena deve ser proporcional, uma vez que os
gritos de horror como consequências das torturas não retiram a realidade da
ação já praticada, revelando a inutilidade dos tormentos. Dessa forma, à
medida da crueldade dos tormentos, enrijece-se a alma pelo espetáculo da
barbárie, e, quanto maiores os castigos, mais o indivíduo se dispõe a praticar
novos crimes para subtrair-se da pena que por primeiro mereceu29
.
Para ele a pena deveria ser imposta somente para que o condenado não voltasse a cometer
crimes, servindo de exemplo à sociedade30
.
Finalmente, para que cada pena não seja uma violência de um ou de muitos contra um
cidadão privado, deve ser essencialmente pública, rápida, necessária, a mínima possível nas
circunstâncias dadas, proporcional aos delitos e ditadas pelas leis31
.
2. DAS TEORIAS DA PENA
Preleciona Basileu Garcia, citado por Rogerio Greco, que:
as doutrinas acerca dos fins atribuídos à pena podem classificar-se em
absolutas, relativas ou utilitárias e mistas. Três lemas indicam-lhes a
essência: punitur quia peccatum est (absolutas); punitur ut ne peccetur
(relativas ou utilitárias); punitur quia peccatum est et ne peccetur (mistas).
Pune-se porque pecou; pune-se para que não peque; pune-se porque pecou e
para que não peque32
.
28
BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas In: MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado – Parte
Geral. vol. 1. 8ª. ed. São Paulo: Método, 2014. p. 105. 29
Ibid. pag. 105. 30
Ibid. pag. 105. 31
Ibid. pag. 106. 32
GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. v. 1. t. 1. p. 132. In: GRECO, Rogério. Curso de Direito
Penal. vol. 1. 17ª. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015. p. 43.
9
Como visto, existem três teorias acerca da pena, teorias absolutas, relativas ou utilitárias e
mistas, pode-se destacar seu surgimento com a Escola Clássica, a qual desenvolveu a teoria
absoluta da pena.
Nessa perspectiva de pensamento, na teoria absoluta da pena, a ideia central é de que a
pena teria um fim em si mesma. Dentro desse pensamento reside o caráter retributivo da pena,
tendo como seus principais expoentes Immanuel Kant e Friedrich Hegel. De acordo com o
pensamento kantiano e hegeliano, a pena deveria ser aplicada como resultado da reprovação
da conduta criminosa, como reafirmação da ordem.
Com a evolução do pensamento jurídico penal, surge outra escola, a Escola Positiva, que
contrapunha as perspectivas da Escola Clássica. Nessa nova escola, defendia-se justamente o
oposto da primeira: a pena não teria um fim em si mesma, porém deteria a precípua função de
inibir a prática de novos delitos.
Surgem então as Teorias Relativas, que propõem uma função negativa geral preventiva da
pena, buscando inibir a ação delituosa, coagindo psicologicamente, como uma ameaça da
aplicação da pena.
Por outro lado, através da prevenção geral positiva, a pena exerce uma outra função que
não a da simples utilização de um “bode expiatório”, cuja punição servirá de exemplo para os
demais membros da sociedade33
.
Segundo Roxin, citado por Greco, na Prevenção Geral Positiva se podem distinguir três
fins e efeitos distintos:
“o efeito de aprendizagem, motivado socialpedagogicamente; o exercício na
confiança do direito, que se origina na população pela atividade da justiça
penal; o efeito de confiança que surge quando o cidadão vê que o Direito se
aplica; e, finalmente, o efeito de pacificação, que se produz quando a
consciência jurídica geral se tranquiliza, em virtude da sanção, em virtude do
descumprimento da lei, e considera solucionado o conflito com o autor.
Sobretudo ao efeito de pacificação, mencionado em último lugar, se alude,
hoje, frequentemente, para a justificação de reações jurídicopenais, como
termo de prevenção integradora34
.”
Por outro lado, com enfoque distinto dos anteriores, existe a finalidade preventiva da
pena, que pode também ser concebida em seus dois sentidos: positiva e negativa35
.
33
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. vol. 1. 17ª. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015. pag. 48. 34
ROXIN, Claus. Derecho Penal: Parte Geral. t. 1. p. 91-92. In: GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal.
vol. 1. 17ª. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015. p. 43. 35
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. vol. 1. 17ª. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015. pag. 48.
10
Por intermédio da prevenção especial negativa, aplica-se a pena privativa de liberdade,
retirando o agente momentaneamente do convívio social, impedindo-o de praticar novas
infrações penais, pelo menos na sociedade da qual foi retirado36
.
Quanto a prevenção especial de forma positiva, a missão da pena consiste unicamente em
fazer com que o autor desista de cometer futuros delitos37
.
Do embate entre as duas teorias – retributivas e preventivas – surgiu uma terceira, como
não poderia deixar de ser, chamada de mista ou unificadora da pena, tal como ocorre com a
teoria adotada pelo art. 59 do Código Penal, que funde a necessidade retributiva e preventiva
da pena38
.
3. DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE
Segundo Rogério Sanches39
, quando um sujeito, através de uma conduta delituosa,
infringe uma norma penal, surge para o Estado o direito de aplicar a punição da norma
objetiva. É o seu jus puniendi.
As penas podem ser privativas de liberdade, restritivas de direito e de multa, no entanto,
frisa-se neste trabalho as privativas de liberdade, que está prevista no artigo 32 e seguintes do
Código Penal40
.
3.1. Espécies
Dentro das espécies das Penas Privativas de Liberdade, pode-se expor três tipos que são
aplicados no Estado brasileiro: a reclusão; a detenção; e a prisão Simples.
A Reclusão é a espécie mais extrema, na qual é prevista para crimes mais graves, o qual o
cumprimento inicial é no regime fechado, semiaberto ou aberto. A Reclusão pode acarretar
como efeito da condenação a incapacidade para o exercício do poder familiar, da tutela ou da
curatela, quando da prática de crimes dolosos contra o filho, o tutelado ou o curatelado.
Ademais, a reclusão propicia a internação nos casos de medida de segurança.
Acerca da detenção e da prisão simples, dispõe Mirabete:
36
Ibid. pag. 49. 37
Ibid. pag. 49. 38
Ibid. pag. 49. 39
CUNHA, Rogério Sanches. Código Penal. 5ª. ed. Salvador: JusPodivm. 2012. Pag. 32. 40
BRASIL. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/Del2848compilado.htm> Acessado em 14.05.2016
11
que consiste em uma pena imposta após a sentença condenatória. Essa
medida se aplica aos crimes de menor gravidade, podendo-se cumprir a pena
inicialmente em regime semiaberto ou aberto. E, por fim, a Prisão Simples, é
a medida de menor gravidade, sendo que o apenado pode iniciar o seu
cumprimento apenas em regime semiaberto ou aberto41
.
3.2. Regimes Penitenciários
Dentre os regimes penitenciários, podemos destacar o regime fechado, semiaberto e o
aberto.
No regime fechado o detento cumpre a pena em estabelecimento penal de segurança
máxima ou média. No semiaberto o interno cumpre a pena em colônia penal agrícola,
industrial ou em estabelecimento similar. E no regime aberto o condenado trabalha ou
frequenta cursos em liberdade, durante o dia, e recolhe-se em Casa do Albergado ou
estabelecimento similar à noite e nos dias de folga.
Pode-se destacar que no Regime inicial de cumprimento de pena, conforme o art. 110 da
Lei de Execução Penal42
, o juiz deverá estabelecer na sentença o regime inicial de
cumprimento da pena, com observância do art. 33 do Código Penal43
, o qual estabelece
distinção quanto à pena de reclusão e de detenção.
3.3. Progressão do Regime
Segundo ensinamento de Capez:
tem-se a possibilidade de o condenado progredir de Regime, o legislador
previu a possibilidade de alguém, que inicia o cumprimento de sua pena em
um regime mais gravoso (fechado ou semiaberto), obter o direito de passar a
uma forma mais branda e menos grave de execução. Ou seja, passa-se de um
regime mais rígido a outro mais branco, desde que seja respeitada as
exigências legais44
.
De início, a sentença penal condenatória, ao transitar em julgado, o faz com a cláusula
rebus sic stantibus, ou seja, será imutável apenas enquanto os fatos permanecerem como se
encontram.
41
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte Geral. vol. 1. 23ª. ed. São Paulo: Atlas. 2006. 42
BRASIL. Lei de Execução Penal (1984). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210compilado.htm> Acessado em: 30.04.2016. 43
BRASIL. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/Del2848compilado.htm> Acessado em 14.05.2016. 44
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. vol. 1. 15ª. ed. São Paulo: Saraiva. 2011. pag. 391.
12
A mudança existente ao tempo da condenação faz com que o Juízo da execução promova
as necessárias adaptações a fim de adequar a decisão à nova realidade. Dessa forma, o fato de
alguém ter recebido um determinado regime de cumprimento da pena não significa, salvo
algumas exceções, que tenha de permanecer todo o tempo nesse mesmo regime.
Dentre os requisitos para a Progressão de Regime podemos identificar os elementos
objetivos, isto é, leva-se em conta o período cumprido da pena (1/6 da pena), sendo sempre
respeitado o quesito temporal. E os elementos subjetivos, que conforme a LEP, em seu art.
112, caput, informa:
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva
com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz,
quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime
anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor
do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão45
.
Assim, pode-se entender por bom comportamento carcerário, conforme defende Capez:
o preenchimento de uma série de requisitos de ordem pessoal, tais como
autodisciplina, senso de responsabilidade do sentenciado e esforço
voluntário e responsável em participar do conjunto das atividades destinadas
a sua harmônica integração social, avaliado de acordo com seu
comportamento perante o delito praticado, seu modo de vida e sua conduta
carcerária46
.
Portanto, pode-se ver que o legislador prevê a reintegração do interno à sociedade,
promovendo alguns instrumentos positivos para sua reinserção.
3.4. Regressão de Regime
Apesar de prevista a progressão de regime, também não se pode deixar de falar da
regressão de regime. Em suma, a regressão de regime é a volta do condenado ao regime mais
rigoroso, por ter descumprido as condições impostas para ingresso e permanência no regime
mais brando.
Embora seja vedada a progressão por salto (saltar diretamente do fechado para o aberto), é
possível o fazer inversamente, isto é, regredir do aberto para o fechado, dando um salto no
regime semiaberto. Do mesmo modo, a despeito de a pena de detenção não comportar regime
45
BRASIL. Lei de Execução Penal (1984). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210compilado.htm> Acessado em: 30.04.2016 46
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. vol. 1. 15ª. ed. São Paulo: Saraiva. 2011. pag. 392.
13
inicial fechado, ocorrendo a regressão, o condenado poderá ser transferido para aquele
regime47
.
Pode-se identificar algumas hipóteses para a Regressão de Regime: prática de fato
definido como crime doloso, prática de falta grave, sofrer condenação, por crime anterior,
cuja pena, somada ao restante da pena em execução, torne incabível o regime, frustrar os fins
da execução, no caso de estar em regime aberto, não pagamento da multa cumulativa, no caso
de regime aberto.
3.5. Substituição das Penas Privativas de Liberdade
Segundo o art. 44 do Código Penal é possível a substituição de penas privativas de
liberdade por restritivas de direitos se o delito praticado não o for com violência ou grave
ameaça à pessoa, a pena de reclusão imposta não ultrapassar o limite de quatro anos e o
agente preencher os requisitos subjetivos para receber o benefício. In verbis:
Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as
privativas de liberdade, quando:
I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime
não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que
seja a pena aplicada, se o crime for culposo;
II – o réu não for reincidente em crime doloso;
III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do
condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa
substituição seja suficiente48
.
Portanto, haverá regressão do benefício da pena restritiva de direitos, que será convertida
em privativa de liberdade, nas hipóteses de descumprimento injustificado das restrições
contidas na pena restritiva de direitos concedida. Igualmente, a conversão só será possível
estabelecendo-se um saldo mínimo de detenção, ou reclusão, de 30 dias.
Além de que na hipótese de superveniência de nova condenação em pena privativa de
liberdade, a conversão também se efetuará. Entretanto, o juízo pode deixar de revertê-la se for
possível dar continuidade no cumprimento da sanção anterior.
47
Ibid. pag. 420. 48
BRASIL. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/Del2848compilado.htm> Acessado em 14.05.2016.
14
4. PRISÃO NO SÉCULO XXI
No Brasil vigora a tríplice finalidade da pena, na qual a pena deve ter caráter preventivo,
retributivo e reeducativo. A prevenção é a própria lei, que atua antes mesmo da prática de
qualquer infração penal; a retribuição da pena acontece durante a imposição e execução da
pena, ou seja, pune-se de acordo com a gravidade do crime cometido; já o caráter reeducativo
atua somente na fase de execução da pena, ou seja, reeducasse para que no futuro o acusado
retorne ao convívio social, prevenindo a pratica de novos crimes.
Existe no Brasil um clamor público grande em relação a aplicação das penas, a sociedade
está em busca de aplicações mais severas na grande maioria dos casos, não querem tratar a
pena de acordo com o delito praticado.
Além disso, há uma total ineficiência do Estado, que por sua vez pouco tem se
importando com os seus presos, ferindo assim, aquela que é a nossa Carta Magna, no que diz
respeito à dignidade da pessoa humana.
Renato Marcão salienta:
Deve-se observar o princípio da humanização da pena, pelo qual deve-se
entender que o condenado é sujeito de direitos e deveres, que devem ser
respeitados, sem que haja excesso de regalias, o que tornaria a punição
desprovida da sua finalidade50
.
Portanto, a realidade do sistema penitenciário brasileiro mostra-se totalmente desumana e
degradante. Assim, como retribuir, prevenir e reeducar um condenado para que ele volte a
sociedade e não cometa outro ato ilícito, se no Brasil os presos vivem pior do que animais.
É assim que é retratada a condição dos presos na Comissão Parlamentar de Inquérito
(CPI) do Sistema Carcerário, feita pela Câmara dos Deputados no ano de 2009:
Apesar da excelente legislação e da monumental estrutura do Estado
Nacional, os presos no Brasil, em sua esmagadora maioria, recebem
tratamento pior do que o concedido aos animais: como lixo humano. (...) Ao
invés de recuperar quem se desviou da legalidade, o Estado embrutece, cria e
devolve às ruas verdadeiras feras humanas51
.
Desse modo, verificamos que aquele que tinha o dever de ressocializar os nossos presos,
o Estado, é quem os devolve às ruas, ainda mais perigosos.
50
MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva. 2015. pag. 34. 51
Brasil. CPI Sistema Carcerário. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2009. 620 p. – (Série ação
parlamentar ; n. 384). pag. 192.
15
Outro fato que acontece dentro dos estabelecimentos penais, e no tocante as assistências
previstas no Capítulo II da Lei de Execução Penal52
, estas de fato não são praticadas, vejamos
os relatos da CPI do Sistema Carcerário:
A realidade encontrada pela CPI, em suas diligências nos mais variados
estabelecimentos penais, é de confronto com a legislação nacional e
internacional, de agressão aos direitos humanos e de completa barbárie. A
CPI observou, em muitos estabelecimentos penais, tensão, medo, repressão,
torturas e violência (...). Muitos estabelecimentos não contêm instalações
apropriadas à alocação individual de presos e, quando estes são alojados
coletivamente, não lhes são propiciadas condições mínimas de acomodação.
(...) a CPI também apurou que as unidades prisionais praticamente não
fornecem medicamentos aos internos. Basicamente, os mesmos remédios são
utilizados em todos os tratamentos, das mais variadas doenças. A CPI
constatou que os reclusos não recebem assistência odontológica. Quando
fornecida, dentro da unidade prisional, destina-se unicamente à extração dos
dentes. A quantidade de presos banguelas, sem dentes, ou com dentes
estragados é enorme (...). Com relação à assistência psicológica, a primeira
constatação da CPI é a inexistência de sua previsão legal na LEP. A CPI
constatou que o ambiente prisional é um meio eficaz tanto para a
transmissão de doenças quanto para o surgimento de psicoses carcerárias,
muitas vezes causadas pela atmosfera opressiva e por doenças existentes em
razão das más condições de higiene, alimentação e vestuário. A deficiência
na assistência jurídica é um crime contra a humanidade, pois agride um dos
direitos mais importantes do homem: a liberdade. (...) Também dificulta aos
presos provisórios, enquanto detidos em delegacias, cadeias publicas ou
centros de detenção provisória, o acesso ao estudo, ao trabalho e à prática
esportiva, medidas fundamentais no processo de ressocialização. Preconiza
nossa Lei de Execução Penal, em seu art. 22, que a assistência social tem por
finalidade amparar o preso e o internado e prepará-los para o retorno à
liberdade. A falta e insuficiência dos serviços de assistência social nos
estabelecimentos penais contrariam a legislação nacional e internacional. Em
relação aos egressos, as carências da assistência social se avolumam. Em
conformidade com o art. 25 do mesmo diploma legal, a assistência ao
egresso consiste na orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade
e na concessão, se necessário, de alojamento e alimentação, em
estabelecimento adequado, pelo prazo de dois meses, prazo que pode ser
prorrogado uma única vez, mediante declaração de assistente social, que
comprove empenho na obtenção de emprego por parte do assistido53
.
Veja que este tipo de situação, degradante e humilhante, cria um preso sem a mínima
condição de voltar à sociedade ressocializado.
52
BRASIL. Lei de Execução Penal (1984). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210compilado.htm> Acessado em: 30.04.2016. 53
BRASIL. CPI Sistema Carcerário. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2009. 620 p. – (Série
ação parlamentar ; n. 384).
16
Tudo isso ainda contribui para a reincidência do preso, porque uma vez não
ressocializado, ele volta às ruas e torna a delinquir. Dados coletados pelo Instituto Avante54
mostra que existe no Brasil um índice de 70% de reincidência.
Todavia, além dos problemas já citados, em um levantamento recente feito pelo G155
,
com os dados fornecidos pelos governos dos 26 estados e pelo DF, mostra que há um déficit
de 244 mil vagas no sistema penitenciário, ou seja, de 65,8%. O número de vagas de preso
nos presídios é de 371.459, e este já conta com 615.933 presos.
Há uma superlotação do sistema carcerário, nesse sentindo, a CPI do Sistema Carcerário
salienta:
Quando a decisão condenatória é executada, os problemas se agravam e se
avolumam. Os presos são amontoados em celas superlotadas, transformadas
em “salada” de presos: provisórios misturados com condenados; primários,
com reincidentes; jovens, com idosos; sadios com presos doentes e até
mulheres misturadas com homens. A superlotação é um grave problema e
aflige a grande maioria dos estabelecimentos prisionais. São extremamente
raras as unidades que respeitam a capacidade inaugural ou projetada. Do
ponto de vista psicológico, a tortura é ampla, de massa e quase irrestrita.
Para comprovação das torturas psicológicas e o desrespeito à integridade
moral dos presos, basta a existência de celas superlotadas; a falta de espaço
físico; a inexistência de água, luz, material higiênico, banho de sol; a
constatação de lixo, esgotos, ratos, baratas e porcos misturados com os
encarcerados; presos doentes, sem atendimento médico, amontoados em
celas imundas, e outras situações (...)56
.
Observa-se, que existem muitos problemas para serem resolvidos dentro do sistema
penitenciário, nestes termos, foi o julgamento da cautelar na Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental (ADPF) 347.
4.1. Do Estado de Coisas Inconstitucional (ADPF 347)
O Estado de Coisas Inconstitucional:
Trata-se de construção jurisprudencial da Corte Constitucional Colombiana,
que tratou do assunto pela primeira vez na Sentencia de Unificación (SU) nº
559, de 1997. Nesse caso, a Corte Constitucional constatou existir um
descumprimento generalizado dos direitos previdenciários de um grupo de
45 (quarenta e cinco) professores de dois municípios colombianos e de um
54
GOMES, Luiz Flávio. Brasil: Reincidência de até 70%. Disponível em:
<http://institutoavantebrasil.com.br/brasil-reincidencia-de-ate-70/> Acessado em 19/06/2016. 55
OGLOBO. Número de presos dobra em 10 anos e passa dos 600 mil no país. Disponível em:
<http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/06/numero-de-presos-dobra-em-10-anos-e-passa-dos-600-mil-no-
pais.html> Acessado em: 21/05/2016. 56
BRASIL. CPI Sistema Carcerário. Brasília : Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2009. 620 p. – (Série
ação parlamentar ; n. 384).
17
grupo ainda maior que era alcançado pela situação. Declarou o “estado de
coisas inconstitucional” e determinou que os municípios envolvidos
encontrassem solução para a inconstitucionalidade em prazo razoável. A
Corte colombiana passou a aperfeiçoar o instituto em decisões posteriores.
Um dos casos de maior destaque foi o tratado na Sentencia de Tutela (T) nº
153, de 1998, em que a Corte Constitucional “declarou o estado de coisas
inconstitucional” relativo ao quadro de superlotação das penitenciárias do
país. A Corte constatou que o quadro de descumprimento de direitos
fundamentais era generalizado. A superlotação e o império da violência nas
penitenciárias eram mazelas nacionais, de responsabilidade de um conjunto
de autoridades. Além de declarar o “estado de coisas inconstitucional”,
ordenou a elaboração de um plano de construção e reparação das unidades
carcerárias e determinou a alocação de recursos orçamentários necessários57
.
O Estado de Coisas Inconstitucional tem por finalidade: a construção de soluções
estruturais voltadas à superação desse lamentável quadro de violação massiva de direitos
das populações vulneráveis em face das omissões do poder público58
.
O Direito Brasileiro adotou o Estado de Coisas Inconstitucional, quando o Supremo
Tribunal Federal (STF) julgou uma ação cautelar de Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental (ADPF) 347, na qual o Partido Socialismo de Liberdade pedia que
fosse reconhecida a violação de direitos fundamentais da população carcerária e que fosse
determinada a adoção de diversas providências no tratamento da questão prisional do país.
A liminar foi deferida parcialmente, determinando que:
i) realização de audiências de custódia, em até 90 dias; ii) a determinação
para que a União liberasse o saldo acumulado do Fundo Penitenciário
Nacional; e iii) a determinação para que União e Estados encaminhassem
relatórios com informações sobre a situação prisional 59
.
Com a implementação da audiência de custódia, o Ministro do Supremo Tribunal Federal
Ricardo Lewandowski, informou em uma matéria veiculada pelo G160
, que cerca de 8 mil
pessoas presas em flagrante deixaram de entrar nos presídios em 2015, após passarem por
audiência de custódia.
57
JUNIOR, Ronaldo Jorge Araujo Viera. Separação de Poderes, Estado de Coisas Inconstitucional e
Compromisso Significativo: Novas balizas à atuação do Supremo Tribunal Federal. Disponível em
<https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/textos-para-discussao/td186>
Acessado em 11/06/2016. 58
Ibid. 59
Ibid. 60
O GLOBO. Audiência de custodia evitou a entrada de 8 mil nos presídios. Disponível em:
<http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/10/audiencia-de-custodia-evitou-entrada-de-8-mil-nos-presidios-
entenda.html> Acessado em 29/05/2016.
18
Na audiência de custódia o juiz que autorizar a liberdade, poderá aplicar fianças, prisão
domiciliar e medidas cautelares que estão previstas no artigo 319 do Código de Processo
Penal, vejamos:
Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:
I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas
pelo juiz, para informar e justificar atividades;
II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por
circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer
distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;
III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por
circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela
permanecer distante;
IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja
conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;
V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o
investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;
VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza
econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a
prática de infrações penais;
VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados
com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser
inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de
reiteração;
VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento
a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de
resistência injustificada à ordem judicial;
IX - monitoração eletrônica.
(...)
§ 4o A fiança será aplicada de acordo com as disposições do Capítulo VI
deste Título, podendo ser cumulada com outras medidas cautelares61
.
Antes de essa medida ser adotada os presos em flagrante aguardavam em média 6 (seis)
meses por uma audiência judicial.
5. ABOLICIONISMO PENAL
Segundo Nucci:
Pode-se conceituar o abolicionismo penal como um novo método de vida,
apresentando uma nova forma de pensar o Direito Penal, questionando o
significado das punições e das instituições, bem como construindo outras
formas de liberdade e justiça. O movimento trata da descriminalização
(deixar de considerar infrações penais determinadas condutas hoje
criminalizadas) e da despenalização (eliminação – ou intensa atenuação – da
pena para a prática de certas condutas, embora continuem a ser consideradas
61
BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/Del3689Compilado.htm> Acessado em: 29/06/2016.
19
delituosas) como soluções para o caos do sistema penitenciário, hoje
vivenciado na grande maioria dos países62
.
Para o abolicionismo penal o método atual de punição, eleito pelo Direito Penal, que
privilegia o encarceramento de delinquentes, não estaria dando resultado e os índices de
reincidência estariam extremamente elevados. Por isso, seria preciso buscar e testar novos
experimentos no campo penal, pois é sabido que a pena privativa de liberdade não tem
resolvido o problema da criminalidade63
.
Desse modo a descriminalização e a despenalização de várias condutas, hoje
consideradas criminosas, poderiam facilitar a reeducação de muitos delinquentes, mediante
outras formas de recuperação. Para isso, o abolicionismo recomenda, em síntese, a adoção dos
seguintes princípios:
a) abolicionismo acadêmico, ou seja, a mudança de conceitos e linguagem,
evitando a construção de resposta punitiva para situações-problema; b)
atendimento prioritário à vítima (melhor seria destinar dinheiro ao ofendido
do que construindo prisões); c) guerra contra a pobreza; d) legalização das
drogas; e) fortalecimento da esfera pública alternativa, com a liberação do
poder absorvente dos meios de comunicação de massa, restauração da
autoestima e da confiança dos movimentos organizados de baixo para cima,
bem como a restauração do sentimento de responsabilidade dos
intelectuais64
.
Não há dúvida de que, por ora, o abolicionismo penal é somente uma utopia, embora
traga à reflexão importantes conceitos, valores e afirmativas, demonstrando o fracasso do
sistema penal atual em vários aspectos, situação que necessita ser repensada e alterada65
.
62
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentando. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2015. Pag.
389/390. 63
Ibid. pag. 389/390. 64
Ibid. pag. 389/390. 65
Ibid. pag. 389/390.
20
CONCLUSÃO
Diante do exposto, chegou o momento de responder à temática desse trabalho acadêmico,
qual seja: para que serve, finalmente, a prisão do século XXI?
Buscou-se demonstrar que as penas privativas de liberdade tiveram como foco principal a
punição dos agentes, voltando-se assim aos primórdios, mais especificadamente a fase da
vingança privada, quando a pena tinha como finalidade somente a retribuição do crime, ainda
hoje, o pensamento punitivo, mesmo que com o afastamento do condenado da sociedade, é
uma forma de se aplicar justiça a qualquer custo.
A Lei de Execução Penal é clara quanto à finalidade da pena, qual seja, retribuir, prevenir
e reeducar, motivo este que nos leva a acreditar em uma regressão da aplicação da pena, pois,
o que se nota nos presídios brasileiros é que isso não vem saindo a contento.
Nota-se dentro do sistema uma clara mistura entre condenados que cometeram crimes de
menor potencialidade lesiva com aqueles que cometeram crime de maior potencialidade
lesiva.
O Estado que detêm a legitimidade para punir, prevenir e reeducar, mostra-se totalmente
ineficiente na aplicação da legislação penal, o problema não são as leis, como o clamor
público e as mídias de massa muitas vezes fazem a população com baixa instrução acreditar.
Há a impunidade aos que detém o poder e a severa aplicação aos que não detém.
Além de uma efetiva aplicação das legislações penais pelo Estado, necessário se faz uma
aplicação maior das penas restritivas de direito.
Também, uma modificação do próprio conceito de crimes de menor potencialidade lesiva,
é uma forma de se iniciar o processo de humanização e enxugamento da superlotação
carcerária.
21
Referências Bibliográficas
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Paulo: CD. 2002. In: GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. vol. 1. 17ª. ed. Rio de
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22
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