what is it for, finally, the xxi century...

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1 PARA QUE SERVE, FINALMENTE, A PRISÃO DO SÉCULO XXI NO BRASIL? WHAT IS IT FOR, FINALLY, THE XXI CENTURY PRISON IN BRAZIL? Bianca da Silva Santos Aluna do Curso de Direito Resumo: Desde os primórdios existe a aplicação de penas, que de cruéis, passaram a ser aplicadas de maneira mais humanitária na modernidade. No tocante às penas, frisa-se, a privativa de liberdade, a qual o condenado pode cumprir em regime fechado, semiaberto ou aberto. A pena tem uma tríplice finalidade, qual seja punir, prevenir e reeducar, no entanto, não é o que temos observado, fato este que pode ser comprovado pelo grande número de egressos do sistema penitenciário brasileiro. Deste modo, ressalta-se que algo não tem funcionado dentro do sistema penitenciário, de modo que quando o condenado volta à sociedade ele torna a delinquir. Portanto, vê-se que algo está errado, podendo-se destacar a total ineficácia na aplicação da lei de execução penal, que não tem tido sua finalidade atingida. Assim, busca-se alternativas para solução desse problema. Palavras-chave: Lei de Execução Penal; Pena Privativa de Liberdade; Ressocialização; Reintegração; Prevenção; Alternativas. Abstract: From the beginning there is the application of penalties, that cruel, began to be applied more humanely in modernity. Regarding penalties, is stressing the custodial which the offender may meet in closed regime, semi-open or open. The penalty has a threefold purpose, which is to punish, prevent and reeducate, however, is what we have observed, a fact that can be proved by the large number of graduates of the Brazilian prison system. Thus, it emphasizes that something has not worked within the prison system, so that when the offender back into society he makes offending . So we see that something is wrong, and we can highlight the total ineffectiveness in the application of criminal law enforcement, which has not had a hit purpose. Thus, it seeks alternatives to solve this problem. Keywords: Law of Penal Execution; Pena Private Freedom; resocialization; reintegration; Prevention; Alternatives. Sumário: Introdução. 1. Evolução do Pensamento Punitivo. 1.1. Direito Penal dos Povos Primitivos. 1.2. Idade Antiga. 1.3. Idade Média. 1.4. Idade Moderna. 2. Das Teorias da Pena. 3. Das Classificações da Pena Privativa de Liberdade. 3.1. Espécies. 3.2. Regime Penitenciário. 3.3. Progressão de Regime. 3.4. Regressão de Regime. 3.5. Substituição das Penas Privativas de Liberdade. 4. Prisão no Século XXI. 4.1. Do Estado de Coisas Inconstitucional (ADPF 347). 5. Abolicionismo Penal. Conclusão. Referências Bibliográficas.

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1

PARA QUE SERVE, FINALMENTE, A PRISÃO DO SÉCULO XXI NO BRASIL?

WHAT IS IT FOR, FINALLY, THE XXI CENTURY PRISON IN BRAZIL?

Bianca da Silva Santos

Aluna do Curso de Direito

Resumo: Desde os primórdios existe a aplicação de penas, que de cruéis, passaram a ser

aplicadas de maneira mais humanitária na modernidade. No tocante às penas, frisa-se, a

privativa de liberdade, a qual o condenado pode cumprir em regime fechado, semiaberto ou

aberto. A pena tem uma tríplice finalidade, qual seja punir, prevenir e reeducar, no entanto,

não é o que temos observado, fato este que pode ser comprovado pelo grande número de

egressos do sistema penitenciário brasileiro. Deste modo, ressalta-se que algo não tem

funcionado dentro do sistema penitenciário, de modo que quando o condenado volta à

sociedade ele torna a delinquir. Portanto, vê-se que algo está errado, podendo-se destacar a

total ineficácia na aplicação da lei de execução penal, que não tem tido sua finalidade

atingida. Assim, busca-se alternativas para solução desse problema.

Palavras-chave: Lei de Execução Penal; Pena Privativa de Liberdade; Ressocialização;

Reintegração; Prevenção; Alternativas.

Abstract: From the beginning there is the application of penalties, that cruel, began to be

applied more humanely in modernity. Regarding penalties, is stressing the custodial which the

offender may meet in closed regime, semi-open or open. The penalty has a threefold purpose,

which is to punish, prevent and reeducate, however, is what we have observed, a fact that can

be proved by the large number of graduates of the Brazilian prison system. Thus, it

emphasizes that something has not worked within the prison system, so that when the

offender back into society he makes offending . So we see that something is wrong, and we

can highlight the total ineffectiveness in the application of criminal law enforcement, which

has not had a hit purpose. Thus, it seeks alternatives to solve this problem.

Keywords: Law of Penal Execution; Pena Private Freedom; resocialization; reintegration;

Prevention; Alternatives.

Sumário: Introdução. 1. Evolução do Pensamento Punitivo. 1.1. Direito Penal dos Povos

Primitivos. 1.2. Idade Antiga. 1.3. Idade Média. 1.4. Idade Moderna. 2. Das Teorias da Pena.

3. Das Classificações da Pena Privativa de Liberdade. 3.1. Espécies. 3.2. Regime

Penitenciário. 3.3. Progressão de Regime. 3.4. Regressão de Regime. 3.5. Substituição das

Penas Privativas de Liberdade. 4. Prisão no Século XXI. 4.1. Do Estado de Coisas

Inconstitucional (ADPF 347). 5. Abolicionismo Penal. Conclusão. Referências Bibliográficas.

2

Introdução

Atualmente, é possível observar estampado em jornais e revistas notícias de um grande

aumento da criminalidade no Brasil, e, dentro desse aumento, o fato de boa parte dos crimes

estarem sendo praticados por egressos do sistema carcerário.

Sabe-se que o Sistema Prisional pátrio, além da Constituição de 1988, o Código Penal

Brasileiro e Código de Processo Penal, é regido pela Lei de Execuções Penais, os quais

traçam contornos de como deve ser o tratamento dos apenados em nosso país, visando uma

tríplice finalidade: punir, prevenir e reeducar.

Entretanto, os noticiários corriqueiros de criminalidade envolvendo egressos e o clamor

público por segurança e punições mais severas denotam que algo de errado está acontecendo

nesses sistemas, fazendo-o não funcionar adequadamente.

Nesse sentido, o atual estudo objetiva, de forma geral, expor a dinâmica de execução das

penas no Brasil, notadamente, as privativas de liberdade.

Algo de muito errado anda acontecendo no sistema penitenciário brasileiro. A mídia de

massa diariamente apresenta dados de altos índices de reincidência por parte de egressos do

sistema prisional, ou seja, de que esse sistema não está funcionando adequadamente.

Desse quadro emblemático, surge um questionamento importante que despertou a

curiosidade desta pesquisadora: para que serve, finalmente, a prisão do século XXI no Brasil?

O que acontece nesses ambientes, em tese, de retribuição, prevenção e reeducação, para que

seus egressos não consigam ficar longe do crime?

Esta é a razão da pesquisa que pretendemos: identificar as falhas do atual sistema prisional

e das atuais políticas da espécie e, finalmente, entender o porquê de não estarem atingindo

seus objetivos primordiais – retribuição, prevenção e ressocialização.

Este projeto de pesquisa visa de forma geral aclarar a aplicabilidade das penas no sistema

penitenciário brasileiro, sua dinâmica e questionar sua eficácia, com ênfase as penas

privativas de liberdade.

Especificamente, analisar a legislação que trata da execução das penas privativas de

liberdade – como deve ser a execução penal; expor a realidade do sistema carcerário – como é

a execução penal; confrontar o “dever ser” com o “ser” na execução penal, visando identificar

suas disfunções; responder ao quesito para que serve, finalmente, a prisão do século XXI no

Brasil?

3

Utilizar-se-á, para tanto, de uma Metodologia Explicativa sob uma abordagem

comparativa. Confrontaram-se trabalhos já realizados por especialistas neste campo. Além do

uso da legislação em vigor.

Em face das informações coletadas, bem como da dinâmica que se pretende dar a esta

pesquisa, o Método Explicativo se apresenta como o mais adequado, visto que como bem

salienta Juan Rodríguez López:

Cada ciencia ha elaborado su propia epistemología, que es una reflexión

sobre ella misma, para observar, criticar y fundamentar, cómo se produce su

conocimiento científico.

La ciencia tiene por objetivos, el análisis, la explicación, la predicción y La

actuación, en un determinado sector de la realidad observable. El análisis

desemboca en la explicación.

La explicación científica es un entender cómo y por qué ocurre algo, um

conocer en profundidad las causas de los fenómenos naturales y de los

acontecimientos humanos y sociales. (destacou-se)

“Método” es el camino para conseguir algo. El método explicativo, para

construir la explicación, se basa em unos principios y su desarrollo se realiza

según unas formas. Dichos princípios pueden tomarse de la Filosofía o de la

propia ciencia, como verdades axiomáticas-se aceptan sin demostración-o

como verdades demostradas1.

Vê-se que tal método mostra-se apto a proporcionar um aporte científico condizente com

os objetivos que a pesquisa pretende alcançar.

Sob tal método, vale salientar, nos dados e informações coletados na pesquisa será

realizada uma abordagem comparativa dos dados, a qual é retratada da seguinte forma por

Schneider e Schmitt:

A comparação, enquanto momento da atividade cognitiva pode ser

considerada como inerente ao processo de construção do conhecimento nas

ciências sociais. É lançando mão de um tipo de raciocínio comparativo que

podemos descobrir regularidades, perceber deslocamentos e transformações,

construir modelos e tipologias, identificando continuidades e

descontinuidades, semelhanças e diferenças, e explicitando as determinações

mais gerais que regem os fenômenos sociais2.

Abordagem esta que, como é possível visualizar, compõe-se de instrumentos capazes de

proporcionar a apreensão do cerne da matéria discutida e explicitá-la com maior clareza, de

modo a fornecer subsídio à construção da pesquisa, bem como à consecução dos objetivos

desta.

1 LÓPEZ, Juan Rodriguez. El Método Explicativo em las Epistemologias Regionales de la Actividad Física.

Universidade de Granada – Espanha. 1991. Disponível em

<http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=3887409>. Acesso em 08.09.2015. 2 SCHNEIDER, Sergio; SCHMITT, Cláudia Job. O uso do método comparativo nas Ciências Sociais. Cadernos

de Sociologia, Porto Alegre, v. 9, p. 49-87, 1998.

4

1. Evolução do Pensamento Punitivo

Pena é a reação que uma comunidade politicamente organizada opõe a um fato que viola

uma das normas fundamentais da sua estrutura e, assim, é definido na lei como crime3.

Desde os primórdios o ser humano violou as regras de convivência, ferindo semelhantes e

a própria comunidade onde vivia, tornando inexorável a aplicação de uma punição4.

Segundo Rogério Greco:

Definitivamente, o homem não nasceu para ficar preso. A liberdade é uma

característica fundamental do ser humano. A história da civilização

demonstra, no entanto, que, logo no inicio da criação, o homem se tornou

perigoso para seus semelhantes.

Segundo o livro de Gênesis, capítulo 3, versículo 8, Deus se encontrava com

o homem sempre ao final da tarde, ou seja na virada do dia. Seu contanto era

permanente com ele. Contudo, após sua fatal desobediência, Deus se afastou

do homem. Começava aqui, a história das penas. A expulsão do primeiro

casal do paraíso foi, com certeza, a maior de todas as punições. Logo após

provar do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, o homem

deixou de lado sua pureza original, passando a cultivar sentimento que até

então lhe eram desconhecidos.

Anos mais tarde, a desobediência inicial do homem gerou o primeiro

homicídio. Caim, enciumado pelo fato de que Deus havia se agradado mais

da oferta de seu irmão Abel, traiçoeiramente, o matou. Caim recebeu sua

sentença diretamente de Deus, que decretou que ele seria fugitivo errante

pela terra.

A partir desses acontecimentos, o homem não parou de praticar fatos graves

contra seus semelhantes5.

Dito isto, observa-se que mesmo não existindo leis naquela época, havia a aplicação da

pena àqueles que cometiam algum delito. Ocorre que a aplicação da pena teve uma evolução,

passando do direito penal dos povos primitivos, para antiguidade, idade média e idade

moderna.

Hoje, na modernidade, existe a aplicação das leis para regular o convívio em sociedade,

como poderemos ver com a análise da evolução do pensamento punitivo, que passa a expor,

sobre a perspectiva de Cleber Masson6.

3 MASSON, Cleber. Direito Penal - Parte Geral. vol. 1. 8º ed. São Paulo. Método. 2014. Pag. 578.

4 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentando. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2015. Pag. 18/19.

5 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. vol. 1. 17ª. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015. p. 15.

6 MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado – Parte Geral. vol. 1. 8ª. ed. São Paulo: Método, 2014. p. 96-

106.

5

1.1. Direito Penal dos Povos Primitivos

No direito penal dos povos primitivos houve três diferentes etapas na forma de aplicação

das penas, quais sejam, a vingança divina, a vingança privada e a vingança pública.

Segundo Masson7,

a vingança divina tinha origem divina e sua violação consistia em uma

grande ofensa aos deuses, assim, punia-se o infrator para agradar a divindade, bem como para

purgar o seu grupo das impurezas trazidas pelo crime.

Posteriormente, na fase da vingança privada, surge a Lei de Talião, do latim talis = tal

qual: “Pagará a vida com a vida; mão com mão, pé por pé, olho por olho, queimadura por

queimadura” (Êxodo, XXI, versículos 23 a 25)8.

Fazia-se então justiça com as próprias mãos, imperava a lei do mais forte, em que o

próprio ofendido ou outra pessoa do seu grupo exercia o direito de voltar-se contra o

agressor9.

Com a evolução política da sociedade e a organização comunitária, começa a fase da

vingança pública, o Estado invoca para si o poder-dever para manutenção da ordem e da

segurança social. O estado confere aos seus agentes o poder para punir em nome de seus

súditos10

.

Ainda, predominava na vingança pública a aplicação da sanção penal cruel e desumana,

característica do direito penal até então vigente11

.

1.2. Idade Antiga

Após o direito penal dos povos primitivos, surgem então na Idade Antiga o direito penal

grego e o direito penal romano.

Na Grécia Antiga, o crime e a pena inspiravam sentimentos religiosos, governava-se em

nome de Zeus12

.

A civilização grega produziu grandes filósofos, historiadores, escritores e grandes

pensadores que iniciaram o estudo da ciência política13

.

7 Ibid. p. 96.

8 Ibid. p. 97.

9 Ibid. p. 99.

10 Ibid. p. 99

11 Ibid. p. 99.

12 Ibid. pag. 99.

6

Assim, o estudo da ciência política acabou influenciando as discussões sobre ética,

liberdade e justiça, bem como noções e fundamento do direito de punir e da finalidade da

pena, influenciando a Ciência do Direito, o que passou a ser pauta de discussões na

civilização grega. Com isso as penas passaram a ser dotadas de certa dose de humanidade14

.

Já na história do Direito Romano, houve a elaboração da Lei das XII Tábuas, que foi

fundamental para sua evolução, disciplinando a utilização da vingança privada, prescrevia a

Lei das XII Tábuas: “O que os sufrágios do povo ordenaram em último lugar, essa é a lei”15

.

Com o passar do tempo, o Direito Romano passou por um período de laicização, deixando

a lei de ser uma mensagem dos deuses, e a administração da justiça foi transferida do

particular para um poder estatal central16

.

No entanto, o Império Romano se absteve de proteger os direitos fundamentais em face do

arbítrio estatal, o que ocorreu somente com o Cristianismo, quando o homem passou a ser

concebido como imagem e semelhança de Deus17

.

Ainda em Roma, distinguiu-se os crimes públicos dos crimes privados, os crimes públicos

envolviam a traição ou a conspiração política contra o Estado e o assassinato e era julgado

pelo Estado, enquanto os demais eram crimes privados e era confiado o seu julgamento ao

particular ofendido18

.

1.3. Idade Média

Com a Idade Média, surge o Direito Penal germânico e o Direito Penal canônico. No

direito penal germânico não tinha leis escritas, caracterizava-se como direito consuetudinário,

concebido como uma ordem de paz19

.

Sua transgressão poderia assumir caráter público ou privado:

Se público, impunha-se a perda da paz, consistente na ausência de proteção

jurídica, podendo o agressor ser perseguido e morto por qualquer pessoa; se

privado o crime, o infrator era entregue à vítima ou a seus familiares para

13

Ibid. pag. 99. 14

Ibid. pag. 99. 15

Ibid. pag. 101. 16

Ibid. pag. 101. 17

Ibid. pag. 101. 18

Ibid. pag. 101. 19

Ibid. pag. 101.

7

que exercessem o direito de vingança. Havia penas de morte, corporais

(mutilação), exílio etc20

.

Mais tarde houve no Direito Penal germânico a adoção da Lei de Talião por uma grande

influencia do Direito Romano e do Cristianismo21

.

Em decorrência da instituição de um poder público, a pena de morte passou a poder ser

substituída por um preço da paz (semelhante a uma fiança), em que o violador da lei pagava

uma pecúnia em troca de sua liberdade22

.

Com relação às provas, acolhiam-se as ordálias ou juízos de deus, caracterizadas por

superstições e atos cruéis, sem chances de defesa para os réus23

.

Já o Direito Penal canônico é o ordenamento jurídico da Igreja Católica Apostólica

Romana, e a primeira consolidação de suas normas e regras se deu por volta do ano de 1140,

por decreto de Graciano24

.

Inicialmente, teve caráter meramente disciplinar, destinando-se apenas aos seus membros.

Aos poucos, com a crescente influência da Igreja, estendeu-se a religiosos e leigos, desde que

os fatos tivessem conotação religiosa25

.

O Direito Penal canônico contribuiu consideravelmente para o surgimento da prisão

moderna, principalmente no tocante à reforma do criminoso26

.

1.4. Idade Moderna

Na Idade Moderna, o absolutismo impunha atos de punição crudelíssimos e arbitrários. A

sociedade que já não suportava mais tal forma de agir do Estado e a filosofia iluminista do

século XVIII orientava a evolução da humanidade. Preparava-se o espírito dos indivíduos

para a eclosão da Revolução Francesa27

.

20

Ibid. pag. 101. 21

Ibid. pag. 101. 22

Ibid. pag. 101. 23

Ibid. pag. 103. 24

Ibid. pag. 103. 25

Ibid. pag. 103. 26

Ibid. pag. 103. 27

Ibid. pag. 105.

8

De forma impressionante para a época, Beccaria, citado por Cleber Masson, antecipa as

ideias posteriores consagradas na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do

Cidadão, de 1789, pugnando de maneira universal pela abolição da pena de morte28

.

Com a publicação da obra Dos Delitos e das Penas, no ano de 1764, surge a questão do

livre-arbítrio, ou seja:

o homem pratica um crime consciente de sua conduta antissocial. Como

consequência do controle do indivíduo sobre os seus atos, decorre que a pena

deve ser sempre legalmente prevista, para que todos saibam diferenciar o

vedado do permitido e escolher o caminho a trilhar, devendo ainda a sanção

penal guardar proporcionalidade com o crime praticado, na medida exata da

retribuição necessária.

No pensamento de Beccaria, a pena deve ser proporcional, uma vez que os

gritos de horror como consequências das torturas não retiram a realidade da

ação já praticada, revelando a inutilidade dos tormentos. Dessa forma, à

medida da crueldade dos tormentos, enrijece-se a alma pelo espetáculo da

barbárie, e, quanto maiores os castigos, mais o indivíduo se dispõe a praticar

novos crimes para subtrair-se da pena que por primeiro mereceu29

.

Para ele a pena deveria ser imposta somente para que o condenado não voltasse a cometer

crimes, servindo de exemplo à sociedade30

.

Finalmente, para que cada pena não seja uma violência de um ou de muitos contra um

cidadão privado, deve ser essencialmente pública, rápida, necessária, a mínima possível nas

circunstâncias dadas, proporcional aos delitos e ditadas pelas leis31

.

2. DAS TEORIAS DA PENA

Preleciona Basileu Garcia, citado por Rogerio Greco, que:

as doutrinas acerca dos fins atribuídos à pena podem classificar-se em

absolutas, relativas ou utilitárias e mistas. Três lemas indicam-lhes a

essência: punitur quia peccatum est (absolutas); punitur ut ne peccetur

(relativas ou utilitárias); punitur quia peccatum est et ne peccetur (mistas).

Pune-se porque pecou; pune-se para que não peque; pune-se porque pecou e

para que não peque32

.

28

BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas In: MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado – Parte

Geral. vol. 1. 8ª. ed. São Paulo: Método, 2014. p. 105. 29

Ibid. pag. 105. 30

Ibid. pag. 105. 31

Ibid. pag. 106. 32

GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. v. 1. t. 1. p. 132. In: GRECO, Rogério. Curso de Direito

Penal. vol. 1. 17ª. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015. p. 43.

9

Como visto, existem três teorias acerca da pena, teorias absolutas, relativas ou utilitárias e

mistas, pode-se destacar seu surgimento com a Escola Clássica, a qual desenvolveu a teoria

absoluta da pena.

Nessa perspectiva de pensamento, na teoria absoluta da pena, a ideia central é de que a

pena teria um fim em si mesma. Dentro desse pensamento reside o caráter retributivo da pena,

tendo como seus principais expoentes Immanuel Kant e Friedrich Hegel. De acordo com o

pensamento kantiano e hegeliano, a pena deveria ser aplicada como resultado da reprovação

da conduta criminosa, como reafirmação da ordem.

Com a evolução do pensamento jurídico penal, surge outra escola, a Escola Positiva, que

contrapunha as perspectivas da Escola Clássica. Nessa nova escola, defendia-se justamente o

oposto da primeira: a pena não teria um fim em si mesma, porém deteria a precípua função de

inibir a prática de novos delitos.

Surgem então as Teorias Relativas, que propõem uma função negativa geral preventiva da

pena, buscando inibir a ação delituosa, coagindo psicologicamente, como uma ameaça da

aplicação da pena.

Por outro lado, através da prevenção geral positiva, a pena exerce uma outra função que

não a da simples utilização de um “bode expiatório”, cuja punição servirá de exemplo para os

demais membros da sociedade33

.

Segundo Roxin, citado por Greco, na Prevenção Geral Positiva se podem distinguir três

fins e efeitos distintos:

“o efeito de aprendizagem, motivado socialpedagogicamente; o exercício na

confiança do direito, que se origina na população pela atividade da justiça

penal; o efeito de confiança que surge quando o cidadão vê que o Direito se

aplica; e, finalmente, o efeito de pacificação, que se produz quando a

consciência jurídica geral se tranquiliza, em virtude da sanção, em virtude do

descumprimento da lei, e considera solucionado o conflito com o autor.

Sobretudo ao efeito de pacificação, mencionado em último lugar, se alude,

hoje, frequentemente, para a justificação de reações jurídicopenais, como

termo de prevenção integradora34

.”

Por outro lado, com enfoque distinto dos anteriores, existe a finalidade preventiva da

pena, que pode também ser concebida em seus dois sentidos: positiva e negativa35

.

33

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. vol. 1. 17ª. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015. pag. 48. 34

ROXIN, Claus. Derecho Penal: Parte Geral. t. 1. p. 91-92. In: GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal.

vol. 1. 17ª. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015. p. 43. 35

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. vol. 1. 17ª. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015. pag. 48.

10

Por intermédio da prevenção especial negativa, aplica-se a pena privativa de liberdade,

retirando o agente momentaneamente do convívio social, impedindo-o de praticar novas

infrações penais, pelo menos na sociedade da qual foi retirado36

.

Quanto a prevenção especial de forma positiva, a missão da pena consiste unicamente em

fazer com que o autor desista de cometer futuros delitos37

.

Do embate entre as duas teorias – retributivas e preventivas – surgiu uma terceira, como

não poderia deixar de ser, chamada de mista ou unificadora da pena, tal como ocorre com a

teoria adotada pelo art. 59 do Código Penal, que funde a necessidade retributiva e preventiva

da pena38

.

3. DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE

Segundo Rogério Sanches39

, quando um sujeito, através de uma conduta delituosa,

infringe uma norma penal, surge para o Estado o direito de aplicar a punição da norma

objetiva. É o seu jus puniendi.

As penas podem ser privativas de liberdade, restritivas de direito e de multa, no entanto,

frisa-se neste trabalho as privativas de liberdade, que está prevista no artigo 32 e seguintes do

Código Penal40

.

3.1. Espécies

Dentro das espécies das Penas Privativas de Liberdade, pode-se expor três tipos que são

aplicados no Estado brasileiro: a reclusão; a detenção; e a prisão Simples.

A Reclusão é a espécie mais extrema, na qual é prevista para crimes mais graves, o qual o

cumprimento inicial é no regime fechado, semiaberto ou aberto. A Reclusão pode acarretar

como efeito da condenação a incapacidade para o exercício do poder familiar, da tutela ou da

curatela, quando da prática de crimes dolosos contra o filho, o tutelado ou o curatelado.

Ademais, a reclusão propicia a internação nos casos de medida de segurança.

Acerca da detenção e da prisão simples, dispõe Mirabete:

36

Ibid. pag. 49. 37

Ibid. pag. 49. 38

Ibid. pag. 49. 39

CUNHA, Rogério Sanches. Código Penal. 5ª. ed. Salvador: JusPodivm. 2012. Pag. 32. 40

BRASIL. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-

lei/Del2848compilado.htm> Acessado em 14.05.2016

11

que consiste em uma pena imposta após a sentença condenatória. Essa

medida se aplica aos crimes de menor gravidade, podendo-se cumprir a pena

inicialmente em regime semiaberto ou aberto. E, por fim, a Prisão Simples, é

a medida de menor gravidade, sendo que o apenado pode iniciar o seu

cumprimento apenas em regime semiaberto ou aberto41

.

3.2. Regimes Penitenciários

Dentre os regimes penitenciários, podemos destacar o regime fechado, semiaberto e o

aberto.

No regime fechado o detento cumpre a pena em estabelecimento penal de segurança

máxima ou média. No semiaberto o interno cumpre a pena em colônia penal agrícola,

industrial ou em estabelecimento similar. E no regime aberto o condenado trabalha ou

frequenta cursos em liberdade, durante o dia, e recolhe-se em Casa do Albergado ou

estabelecimento similar à noite e nos dias de folga.

Pode-se destacar que no Regime inicial de cumprimento de pena, conforme o art. 110 da

Lei de Execução Penal42

, o juiz deverá estabelecer na sentença o regime inicial de

cumprimento da pena, com observância do art. 33 do Código Penal43

, o qual estabelece

distinção quanto à pena de reclusão e de detenção.

3.3. Progressão do Regime

Segundo ensinamento de Capez:

tem-se a possibilidade de o condenado progredir de Regime, o legislador

previu a possibilidade de alguém, que inicia o cumprimento de sua pena em

um regime mais gravoso (fechado ou semiaberto), obter o direito de passar a

uma forma mais branda e menos grave de execução. Ou seja, passa-se de um

regime mais rígido a outro mais branco, desde que seja respeitada as

exigências legais44

.

De início, a sentença penal condenatória, ao transitar em julgado, o faz com a cláusula

rebus sic stantibus, ou seja, será imutável apenas enquanto os fatos permanecerem como se

encontram.

41

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte Geral. vol. 1. 23ª. ed. São Paulo: Atlas. 2006. 42

BRASIL. Lei de Execução Penal (1984). Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210compilado.htm> Acessado em: 30.04.2016. 43

BRASIL. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-

lei/Del2848compilado.htm> Acessado em 14.05.2016. 44

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. vol. 1. 15ª. ed. São Paulo: Saraiva. 2011. pag. 391.

12

A mudança existente ao tempo da condenação faz com que o Juízo da execução promova

as necessárias adaptações a fim de adequar a decisão à nova realidade. Dessa forma, o fato de

alguém ter recebido um determinado regime de cumprimento da pena não significa, salvo

algumas exceções, que tenha de permanecer todo o tempo nesse mesmo regime.

Dentre os requisitos para a Progressão de Regime podemos identificar os elementos

objetivos, isto é, leva-se em conta o período cumprido da pena (1/6 da pena), sendo sempre

respeitado o quesito temporal. E os elementos subjetivos, que conforme a LEP, em seu art.

112, caput, informa:

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva

com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz,

quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime

anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor

do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão45

.

Assim, pode-se entender por bom comportamento carcerário, conforme defende Capez:

o preenchimento de uma série de requisitos de ordem pessoal, tais como

autodisciplina, senso de responsabilidade do sentenciado e esforço

voluntário e responsável em participar do conjunto das atividades destinadas

a sua harmônica integração social, avaliado de acordo com seu

comportamento perante o delito praticado, seu modo de vida e sua conduta

carcerária46

.

Portanto, pode-se ver que o legislador prevê a reintegração do interno à sociedade,

promovendo alguns instrumentos positivos para sua reinserção.

3.4. Regressão de Regime

Apesar de prevista a progressão de regime, também não se pode deixar de falar da

regressão de regime. Em suma, a regressão de regime é a volta do condenado ao regime mais

rigoroso, por ter descumprido as condições impostas para ingresso e permanência no regime

mais brando.

Embora seja vedada a progressão por salto (saltar diretamente do fechado para o aberto), é

possível o fazer inversamente, isto é, regredir do aberto para o fechado, dando um salto no

regime semiaberto. Do mesmo modo, a despeito de a pena de detenção não comportar regime

45

BRASIL. Lei de Execução Penal (1984). Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210compilado.htm> Acessado em: 30.04.2016 46

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. vol. 1. 15ª. ed. São Paulo: Saraiva. 2011. pag. 392.

13

inicial fechado, ocorrendo a regressão, o condenado poderá ser transferido para aquele

regime47

.

Pode-se identificar algumas hipóteses para a Regressão de Regime: prática de fato

definido como crime doloso, prática de falta grave, sofrer condenação, por crime anterior,

cuja pena, somada ao restante da pena em execução, torne incabível o regime, frustrar os fins

da execução, no caso de estar em regime aberto, não pagamento da multa cumulativa, no caso

de regime aberto.

3.5. Substituição das Penas Privativas de Liberdade

Segundo o art. 44 do Código Penal é possível a substituição de penas privativas de

liberdade por restritivas de direitos se o delito praticado não o for com violência ou grave

ameaça à pessoa, a pena de reclusão imposta não ultrapassar o limite de quatro anos e o

agente preencher os requisitos subjetivos para receber o benefício. In verbis:

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as

privativas de liberdade, quando:

I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime

não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que

seja a pena aplicada, se o crime for culposo;

II – o réu não for reincidente em crime doloso;

III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do

condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa

substituição seja suficiente48

.

Portanto, haverá regressão do benefício da pena restritiva de direitos, que será convertida

em privativa de liberdade, nas hipóteses de descumprimento injustificado das restrições

contidas na pena restritiva de direitos concedida. Igualmente, a conversão só será possível

estabelecendo-se um saldo mínimo de detenção, ou reclusão, de 30 dias.

Além de que na hipótese de superveniência de nova condenação em pena privativa de

liberdade, a conversão também se efetuará. Entretanto, o juízo pode deixar de revertê-la se for

possível dar continuidade no cumprimento da sanção anterior.

47

Ibid. pag. 420. 48

BRASIL. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-

lei/Del2848compilado.htm> Acessado em 14.05.2016.

14

4. PRISÃO NO SÉCULO XXI

No Brasil vigora a tríplice finalidade da pena, na qual a pena deve ter caráter preventivo,

retributivo e reeducativo. A prevenção é a própria lei, que atua antes mesmo da prática de

qualquer infração penal; a retribuição da pena acontece durante a imposição e execução da

pena, ou seja, pune-se de acordo com a gravidade do crime cometido; já o caráter reeducativo

atua somente na fase de execução da pena, ou seja, reeducasse para que no futuro o acusado

retorne ao convívio social, prevenindo a pratica de novos crimes.

Existe no Brasil um clamor público grande em relação a aplicação das penas, a sociedade

está em busca de aplicações mais severas na grande maioria dos casos, não querem tratar a

pena de acordo com o delito praticado.

Além disso, há uma total ineficiência do Estado, que por sua vez pouco tem se

importando com os seus presos, ferindo assim, aquela que é a nossa Carta Magna, no que diz

respeito à dignidade da pessoa humana.

Renato Marcão salienta:

Deve-se observar o princípio da humanização da pena, pelo qual deve-se

entender que o condenado é sujeito de direitos e deveres, que devem ser

respeitados, sem que haja excesso de regalias, o que tornaria a punição

desprovida da sua finalidade50

.

Portanto, a realidade do sistema penitenciário brasileiro mostra-se totalmente desumana e

degradante. Assim, como retribuir, prevenir e reeducar um condenado para que ele volte a

sociedade e não cometa outro ato ilícito, se no Brasil os presos vivem pior do que animais.

É assim que é retratada a condição dos presos na Comissão Parlamentar de Inquérito

(CPI) do Sistema Carcerário, feita pela Câmara dos Deputados no ano de 2009:

Apesar da excelente legislação e da monumental estrutura do Estado

Nacional, os presos no Brasil, em sua esmagadora maioria, recebem

tratamento pior do que o concedido aos animais: como lixo humano. (...) Ao

invés de recuperar quem se desviou da legalidade, o Estado embrutece, cria e

devolve às ruas verdadeiras feras humanas51

.

Desse modo, verificamos que aquele que tinha o dever de ressocializar os nossos presos,

o Estado, é quem os devolve às ruas, ainda mais perigosos.

50

MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva. 2015. pag. 34. 51

Brasil. CPI Sistema Carcerário. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2009. 620 p. – (Série ação

parlamentar ; n. 384). pag. 192.

15

Outro fato que acontece dentro dos estabelecimentos penais, e no tocante as assistências

previstas no Capítulo II da Lei de Execução Penal52

, estas de fato não são praticadas, vejamos

os relatos da CPI do Sistema Carcerário:

A realidade encontrada pela CPI, em suas diligências nos mais variados

estabelecimentos penais, é de confronto com a legislação nacional e

internacional, de agressão aos direitos humanos e de completa barbárie. A

CPI observou, em muitos estabelecimentos penais, tensão, medo, repressão,

torturas e violência (...). Muitos estabelecimentos não contêm instalações

apropriadas à alocação individual de presos e, quando estes são alojados

coletivamente, não lhes são propiciadas condições mínimas de acomodação.

(...) a CPI também apurou que as unidades prisionais praticamente não

fornecem medicamentos aos internos. Basicamente, os mesmos remédios são

utilizados em todos os tratamentos, das mais variadas doenças. A CPI

constatou que os reclusos não recebem assistência odontológica. Quando

fornecida, dentro da unidade prisional, destina-se unicamente à extração dos

dentes. A quantidade de presos banguelas, sem dentes, ou com dentes

estragados é enorme (...). Com relação à assistência psicológica, a primeira

constatação da CPI é a inexistência de sua previsão legal na LEP. A CPI

constatou que o ambiente prisional é um meio eficaz tanto para a

transmissão de doenças quanto para o surgimento de psicoses carcerárias,

muitas vezes causadas pela atmosfera opressiva e por doenças existentes em

razão das más condições de higiene, alimentação e vestuário. A deficiência

na assistência jurídica é um crime contra a humanidade, pois agride um dos

direitos mais importantes do homem: a liberdade. (...) Também dificulta aos

presos provisórios, enquanto detidos em delegacias, cadeias publicas ou

centros de detenção provisória, o acesso ao estudo, ao trabalho e à prática

esportiva, medidas fundamentais no processo de ressocialização. Preconiza

nossa Lei de Execução Penal, em seu art. 22, que a assistência social tem por

finalidade amparar o preso e o internado e prepará-los para o retorno à

liberdade. A falta e insuficiência dos serviços de assistência social nos

estabelecimentos penais contrariam a legislação nacional e internacional. Em

relação aos egressos, as carências da assistência social se avolumam. Em

conformidade com o art. 25 do mesmo diploma legal, a assistência ao

egresso consiste na orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade

e na concessão, se necessário, de alojamento e alimentação, em

estabelecimento adequado, pelo prazo de dois meses, prazo que pode ser

prorrogado uma única vez, mediante declaração de assistente social, que

comprove empenho na obtenção de emprego por parte do assistido53

.

Veja que este tipo de situação, degradante e humilhante, cria um preso sem a mínima

condição de voltar à sociedade ressocializado.

52

BRASIL. Lei de Execução Penal (1984). Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210compilado.htm> Acessado em: 30.04.2016. 53

BRASIL. CPI Sistema Carcerário. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2009. 620 p. – (Série

ação parlamentar ; n. 384).

16

Tudo isso ainda contribui para a reincidência do preso, porque uma vez não

ressocializado, ele volta às ruas e torna a delinquir. Dados coletados pelo Instituto Avante54

mostra que existe no Brasil um índice de 70% de reincidência.

Todavia, além dos problemas já citados, em um levantamento recente feito pelo G155

,

com os dados fornecidos pelos governos dos 26 estados e pelo DF, mostra que há um déficit

de 244 mil vagas no sistema penitenciário, ou seja, de 65,8%. O número de vagas de preso

nos presídios é de 371.459, e este já conta com 615.933 presos.

Há uma superlotação do sistema carcerário, nesse sentindo, a CPI do Sistema Carcerário

salienta:

Quando a decisão condenatória é executada, os problemas se agravam e se

avolumam. Os presos são amontoados em celas superlotadas, transformadas

em “salada” de presos: provisórios misturados com condenados; primários,

com reincidentes; jovens, com idosos; sadios com presos doentes e até

mulheres misturadas com homens. A superlotação é um grave problema e

aflige a grande maioria dos estabelecimentos prisionais. São extremamente

raras as unidades que respeitam a capacidade inaugural ou projetada. Do

ponto de vista psicológico, a tortura é ampla, de massa e quase irrestrita.

Para comprovação das torturas psicológicas e o desrespeito à integridade

moral dos presos, basta a existência de celas superlotadas; a falta de espaço

físico; a inexistência de água, luz, material higiênico, banho de sol; a

constatação de lixo, esgotos, ratos, baratas e porcos misturados com os

encarcerados; presos doentes, sem atendimento médico, amontoados em

celas imundas, e outras situações (...)56

.

Observa-se, que existem muitos problemas para serem resolvidos dentro do sistema

penitenciário, nestes termos, foi o julgamento da cautelar na Arguição de Descumprimento de

Preceito Fundamental (ADPF) 347.

4.1. Do Estado de Coisas Inconstitucional (ADPF 347)

O Estado de Coisas Inconstitucional:

Trata-se de construção jurisprudencial da Corte Constitucional Colombiana,

que tratou do assunto pela primeira vez na Sentencia de Unificación (SU) nº

559, de 1997. Nesse caso, a Corte Constitucional constatou existir um

descumprimento generalizado dos direitos previdenciários de um grupo de

45 (quarenta e cinco) professores de dois municípios colombianos e de um

54

GOMES, Luiz Flávio. Brasil: Reincidência de até 70%. Disponível em:

<http://institutoavantebrasil.com.br/brasil-reincidencia-de-ate-70/> Acessado em 19/06/2016. 55

OGLOBO. Número de presos dobra em 10 anos e passa dos 600 mil no país. Disponível em:

<http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/06/numero-de-presos-dobra-em-10-anos-e-passa-dos-600-mil-no-

pais.html> Acessado em: 21/05/2016. 56

BRASIL. CPI Sistema Carcerário. Brasília : Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2009. 620 p. – (Série

ação parlamentar ; n. 384).

17

grupo ainda maior que era alcançado pela situação. Declarou o “estado de

coisas inconstitucional” e determinou que os municípios envolvidos

encontrassem solução para a inconstitucionalidade em prazo razoável. A

Corte colombiana passou a aperfeiçoar o instituto em decisões posteriores.

Um dos casos de maior destaque foi o tratado na Sentencia de Tutela (T) nº

153, de 1998, em que a Corte Constitucional “declarou o estado de coisas

inconstitucional” relativo ao quadro de superlotação das penitenciárias do

país. A Corte constatou que o quadro de descumprimento de direitos

fundamentais era generalizado. A superlotação e o império da violência nas

penitenciárias eram mazelas nacionais, de responsabilidade de um conjunto

de autoridades. Além de declarar o “estado de coisas inconstitucional”,

ordenou a elaboração de um plano de construção e reparação das unidades

carcerárias e determinou a alocação de recursos orçamentários necessários57

.

O Estado de Coisas Inconstitucional tem por finalidade: a construção de soluções

estruturais voltadas à superação desse lamentável quadro de violação massiva de direitos

das populações vulneráveis em face das omissões do poder público58

.

O Direito Brasileiro adotou o Estado de Coisas Inconstitucional, quando o Supremo

Tribunal Federal (STF) julgou uma ação cautelar de Arguição de Descumprimento de

Preceito Fundamental (ADPF) 347, na qual o Partido Socialismo de Liberdade pedia que

fosse reconhecida a violação de direitos fundamentais da população carcerária e que fosse

determinada a adoção de diversas providências no tratamento da questão prisional do país.

A liminar foi deferida parcialmente, determinando que:

i) realização de audiências de custódia, em até 90 dias; ii) a determinação

para que a União liberasse o saldo acumulado do Fundo Penitenciário

Nacional; e iii) a determinação para que União e Estados encaminhassem

relatórios com informações sobre a situação prisional 59

.

Com a implementação da audiência de custódia, o Ministro do Supremo Tribunal Federal

Ricardo Lewandowski, informou em uma matéria veiculada pelo G160

, que cerca de 8 mil

pessoas presas em flagrante deixaram de entrar nos presídios em 2015, após passarem por

audiência de custódia.

57

JUNIOR, Ronaldo Jorge Araujo Viera. Separação de Poderes, Estado de Coisas Inconstitucional e

Compromisso Significativo: Novas balizas à atuação do Supremo Tribunal Federal. Disponível em

<https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/textos-para-discussao/td186>

Acessado em 11/06/2016. 58

Ibid. 59

Ibid. 60

O GLOBO. Audiência de custodia evitou a entrada de 8 mil nos presídios. Disponível em:

<http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/10/audiencia-de-custodia-evitou-entrada-de-8-mil-nos-presidios-

entenda.html> Acessado em 29/05/2016.

18

Na audiência de custódia o juiz que autorizar a liberdade, poderá aplicar fianças, prisão

domiciliar e medidas cautelares que estão previstas no artigo 319 do Código de Processo

Penal, vejamos:

Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:

I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas

pelo juiz, para informar e justificar atividades;

II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por

circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer

distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;

III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por

circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela

permanecer distante;

IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja

conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;

V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o

investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;

VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza

econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a

prática de infrações penais;

VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados

com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser

inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de

reiteração;

VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento

a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de

resistência injustificada à ordem judicial;

IX - monitoração eletrônica.

(...)

§ 4o A fiança será aplicada de acordo com as disposições do Capítulo VI

deste Título, podendo ser cumulada com outras medidas cautelares61

.

Antes de essa medida ser adotada os presos em flagrante aguardavam em média 6 (seis)

meses por uma audiência judicial.

5. ABOLICIONISMO PENAL

Segundo Nucci:

Pode-se conceituar o abolicionismo penal como um novo método de vida,

apresentando uma nova forma de pensar o Direito Penal, questionando o

significado das punições e das instituições, bem como construindo outras

formas de liberdade e justiça. O movimento trata da descriminalização

(deixar de considerar infrações penais determinadas condutas hoje

criminalizadas) e da despenalização (eliminação – ou intensa atenuação – da

pena para a prática de certas condutas, embora continuem a ser consideradas

61

BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-

lei/Del3689Compilado.htm> Acessado em: 29/06/2016.

19

delituosas) como soluções para o caos do sistema penitenciário, hoje

vivenciado na grande maioria dos países62

.

Para o abolicionismo penal o método atual de punição, eleito pelo Direito Penal, que

privilegia o encarceramento de delinquentes, não estaria dando resultado e os índices de

reincidência estariam extremamente elevados. Por isso, seria preciso buscar e testar novos

experimentos no campo penal, pois é sabido que a pena privativa de liberdade não tem

resolvido o problema da criminalidade63

.

Desse modo a descriminalização e a despenalização de várias condutas, hoje

consideradas criminosas, poderiam facilitar a reeducação de muitos delinquentes, mediante

outras formas de recuperação. Para isso, o abolicionismo recomenda, em síntese, a adoção dos

seguintes princípios:

a) abolicionismo acadêmico, ou seja, a mudança de conceitos e linguagem,

evitando a construção de resposta punitiva para situações-problema; b)

atendimento prioritário à vítima (melhor seria destinar dinheiro ao ofendido

do que construindo prisões); c) guerra contra a pobreza; d) legalização das

drogas; e) fortalecimento da esfera pública alternativa, com a liberação do

poder absorvente dos meios de comunicação de massa, restauração da

autoestima e da confiança dos movimentos organizados de baixo para cima,

bem como a restauração do sentimento de responsabilidade dos

intelectuais64

.

Não há dúvida de que, por ora, o abolicionismo penal é somente uma utopia, embora

traga à reflexão importantes conceitos, valores e afirmativas, demonstrando o fracasso do

sistema penal atual em vários aspectos, situação que necessita ser repensada e alterada65

.

62

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentando. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2015. Pag.

389/390. 63

Ibid. pag. 389/390. 64

Ibid. pag. 389/390. 65

Ibid. pag. 389/390.

20

CONCLUSÃO

Diante do exposto, chegou o momento de responder à temática desse trabalho acadêmico,

qual seja: para que serve, finalmente, a prisão do século XXI?

Buscou-se demonstrar que as penas privativas de liberdade tiveram como foco principal a

punição dos agentes, voltando-se assim aos primórdios, mais especificadamente a fase da

vingança privada, quando a pena tinha como finalidade somente a retribuição do crime, ainda

hoje, o pensamento punitivo, mesmo que com o afastamento do condenado da sociedade, é

uma forma de se aplicar justiça a qualquer custo.

A Lei de Execução Penal é clara quanto à finalidade da pena, qual seja, retribuir, prevenir

e reeducar, motivo este que nos leva a acreditar em uma regressão da aplicação da pena, pois,

o que se nota nos presídios brasileiros é que isso não vem saindo a contento.

Nota-se dentro do sistema uma clara mistura entre condenados que cometeram crimes de

menor potencialidade lesiva com aqueles que cometeram crime de maior potencialidade

lesiva.

O Estado que detêm a legitimidade para punir, prevenir e reeducar, mostra-se totalmente

ineficiente na aplicação da legislação penal, o problema não são as leis, como o clamor

público e as mídias de massa muitas vezes fazem a população com baixa instrução acreditar.

Há a impunidade aos que detém o poder e a severa aplicação aos que não detém.

Além de uma efetiva aplicação das legislações penais pelo Estado, necessário se faz uma

aplicação maior das penas restritivas de direito.

Também, uma modificação do próprio conceito de crimes de menor potencialidade lesiva,

é uma forma de se iniciar o processo de humanização e enxugamento da superlotação

carcerária.

21

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