violência policial, prisões arbitrárias e a responsabilidade de sérgio cabral - representação...

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CÂMARA DOS DEPUTADOS Excelentíssimo Senhor Procurador Geral da República FRANCISCO RODRIGUES DE ALENCAR FILHO (CHICO ALENCAR ), brasileiro, professor, Deputado Federal pelo PSOL/RJ, inscrito no CPF sob o nº 264.513.797-00, portador do RG nº 002.322.451-2 SSP/RJ e do Título de Eleitor nº 5038003/61, Zona 007, Seção 158, com endereço em Brasília-DF, no Gabinete 848 do Anexo IV da Câmara dos Deputados, Praça dos Três Poderes; JEAN WYLLYS DE MATOS SANTOS , brasileiro, jornalista, Deputado Federal pelo PSOL/RJ, inscrito no CPF sob o nº 599.192.305-10, portador do RG nº 0495498807 SSP/BA e do Título de eleitor nº 071224060582, Zona 206, Seção 0075, com endereço em Brasília-DF, no Gabinete 646 do Anexo IV da Câmara dos Deputados, Praça dos Três Poderes; GLAUBER DE MEDEIROS BRAGA , brasileiro, Bacharel em Direito, Deputado Federal pelo PSB/RJ, inscrito no CPF sob o nº 097.407.567-19, portador do RG nº 13.354.941-0 Detran/RJ e do Título de eleitor nº 1081618903/70, Zona 26 , Seção 150, com endereço em Brasília-DF, no Gabinete 362 do Anexo IV da Câmara dos Deputados, Praça dos Três Poderes. Vêm, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, nos termos do art. 5º, XXXIV, “a”, e do artigo 129, ambos da Constituição Federal, bem como amparado na Lei 75, de 1993, c/c o art. 14 da Lei nº 8.429 de 1992, oferecer R E P R E S E N T A Ç Ã O Com vistas à apuração das responsabilidades cível, penal e administrativa do Governador do Estado do Rio de Janeiro, Sr. Sérgio Cabral Filho, pelos recentes atos de violência policial e prisões arbitrárias e ilegais de manifestantes políticos na cidade do Rio de Janeiro.

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Violência, prisões arbitrárias, cerceamento ao trabalho de advogados e jornalistas, descumprimento de prazos legais para alvarás de soltura e até uso de bombas com prazo de validade vencido. Foram vários os casos documentados de abusos e violações cometidos por policiais durante as manifestações de rua no Rio. Mas... De onde partiram as ordens? Chico Alencar, em parceria com os deputados Jean Wyllys (PSOL-RJ) e Glauber Braga (PSB-RJ), protocolou na Procuradoria Geral da República (PGR) uma representação pedindo apuração das responsabilidades penal, administrativa e civil do governador Sergio Cabral. Caso fique caracterizada sua responsabilidade, CABRAL PODE RESPONDER POR CRIME DE RESPONSABILIDADE E ABUSO DE AUTORIDADES, entre outros delitos. A investigação pode, ainda, fundamentar um pedido de IMPEACHMENT contra Cabral.

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CÂMARA DOS DEPUTADOS

Excelentíssimo Senhor Procurador Geral da República

FRANCISCO RODRIGUES DE ALENCAR FILHO (CHICO ALENCAR), brasileiro,

professor, Deputado Federal pelo PSOL/RJ, inscrito no CPF sob o nº 264.513.797-00, portador do

RG nº 002.322.451-2 SSP/RJ e do Título de Eleitor nº 5038003/61, Zona 007, Seção 158, com

endereço em Brasília-DF, no Gabinete 848 do Anexo IV da Câmara dos Deputados, Praça dos Três

Poderes;

JEAN WYLLYS DE MATOS SANTOS, brasileiro, jornalista, Deputado Federal pelo PSOL/RJ,

inscrito no CPF sob o nº 599.192.305-10, portador do RG nº 0495498807 SSP/BA e do Título de

eleitor nº 071224060582, Zona 206, Seção 0075, com endereço em Brasília-DF, no Gabinete 646

do Anexo IV da Câmara dos Deputados, Praça dos Três Poderes;

GLAUBER DE MEDEIROS BRAGA, brasileiro, Bacharel em Direito, Deputado Federal pelo

PSB/RJ, inscrito no CPF sob o nº 097.407.567-19, portador do RG nº 13.354.941-0 Detran/RJ e do

Título de eleitor nº 1081618903/70, Zona 26 , Seção 150, com endereço em Brasília-DF, no

Gabinete 362 do Anexo IV da Câmara dos Deputados, Praça dos Três Poderes.

Vêm, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, nos termos do art. 5º, XXXIV, “a”, e do

artigo 129, ambos da Constituição Federal, bem como amparado na Lei 75, de 1993, c/c o art. 14 da

Lei nº 8.429 de 1992, oferecer

R E P R E S E N T A Ç Ã O

Com vistas à apuração das responsabilidades cível, penal e administrativa do Governador do Estado

do Rio de Janeiro, Sr. Sérgio Cabral Filho, pelos recentes atos de violência policial e prisões

arbitrárias e ilegais de manifestantes políticos na cidade do Rio de Janeiro.

CÂMARA DOS DEPUTADOS

I – DOS FATOS

1. Conforme é fato público e notório, a população brasileira tomou as ruas de inúmeras cidades do

Brasil em junho, exercendo de forma legítima o exercício da cidadania ativa, para reivindicar o

respeito e a garantia dos seus direitos fundamentais. Em pauta, a resistência contra o aumento das

tarifas de transporte coletivo urbano; a crítica ao direcionamento de vultosos recursos públicos para

a realização da Copa do Mundo, em detrimento dos direitos sociais, como saúde, educação e

moradia; a revolta contra a suspensão de direitos fundamentais instaurada a pretexto de realizar esse

Megaevento; e a defesa dos direitos de liberdade de expressão, reunião e associação, atacados pelos

governos e pela polícia cotidianamente, em especial por ocasião desses protestos.

2. O(a)s manifestantes lutavam, em suma, pela efetivação de direitos garantidos na Constituição, a

qual deve obrigatoriamente fundamentar a atuação do Estado brasileiro, e que é, ao revés,

constantemente ignorada e violada por este. A responsabilidade das autoridades de todos os Poderes

da República, cientes de que “todo o poder emana do povo” (Constituição Federal, art. 1º, parágrafo

único), era de: (i) garantir o exercício dos direitos de manifestação de pensamento, liberdade de

reunião e associação; (ii) ouvir atentamente “as ruas” e atender à sua exigência: cumprir a

Constituição e assegurar os direitos humanos.

3. Ao invés disso, inúmeros governantes, bem como as forças policiais sob seu comando,

promoveram um espetáculo trágico e absurdo de sucessivas cenas de violações aos direitos

fundamentais de expressão, reunião e associação. No Estado do Rio de Janeiro, a Polícia Militar,

subordinada ao governador Sérgio Cabral Filho, respondeu aos protestos com dura repressão

policial, atacando indiscriminadamente manifestantes com spray de pimenta, bombas de gás

lacrimogêneo atiradas aos montes contra a multidão, tiros de bala de borracha e até mesmo, em

algumas ocasiões, de armas de fogo. Além disso, procedeu a inúmeras detenções e prisões

arbitrárias, em conjunto com a Polícia Civil, também subordinada ao governador.

4. De forma meramente ilustrativa, citamos, a seguir, dois dos inúmeros e incessantes episódios de

grave violência e arbitrariedade da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro contra manifestantes

que exerciam de forma pacífica seus direitos civis e políticos, em junho: (i) No dia 17 de junho, a

Polícia Militar do Rio de Janeiro atirou – supostamente para o alto – com fuzis e revólveres, para

dispersar multidão de cerca de 100 mil pessoas que protestava (segundo balanço da PM). Narra a

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Agência Brasil, em matéria do dia 18 de junho1, que, como consequência da atuação da PM: “José

Mauro Valente, baleado no tórax, foi submetido a uma cirurgia e seu estado de saúde é estável;

Leandro Zalombinho foi atingido por um tiro na coxa esquerda e também tem situação estável”. (ii)

No dia 30 de junho, Hamilton Moraes, professor da rede estadual de ensino, protestava

pacificamente, no entorno do estádio Maracanã, quando foi ferido no olho por estilhaços de uma

das bombas de gás que eram atiradas a esmo pela PM-RJ2.

5. Outro fato extremamente grave foram as inúmeras agressões de policiais militares contra

profissionais e ativistas da comunicação, cerceando o direito individual à liberdade de expressão e o

direito coletivo à comunicação. As associações e sindicatos de jornalistas têm registrado centenas

de casos pelo Brasil desde junho, dezenas deles concentrados no Rio de Janeiro.

6. Apesar da forte repressão, a população carioca seguiu em luta por seus direitos nos meses

seguintes, por pautas com amplo respaldo e participação popular, como: (i) a luta pelo direito à

mobilidade urbana, por um sistema público, gratuito e de qualidade de transportes coletivos; (ii) a

exigência do esclarecimento das circunstâncias do desaparecimento (que, conforme veio a ser

esclarecido em denúncia oferecida pelo MP-RJ, foi fruto de brutais crimes cometidos por policiais

militares) do pedreiro Amarildo de Souza, morador da favela da Rocinha, em julho, e contra a

violência policial nas favelas; (iii) a luta dos professores e das professoras por condições dignas de

trabalho, pela garantia da educação pública democrática e de qualidade.

7. O governador Sérgio Cabral Filho reagiu aos protestos e à sua queda de popularidade recorrendo

a um velho artifício: buscou um bode expiatório para tentar desviar de seu governo o foco das

insatisfações populares. Resolveu endurecer a repressão contra manifestantes, a pretexto de

combater o “vandalismo”. Criou, no dia 19 de julho, mediante o Decreto 44.302, a “Comissão

Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas” (CEIV), com

dispositivos eivados de ilegalidades e inconstitucionalidades. Tal como observou o jornalista José

Antonio Lima na ocasião, “Ações e declarações recentes da PM-RJ parecem ser reflexo de uma

política de ‘vale tudo contra o vandalismo’ do governador” 3.

1 Agência Brasil: “Trinta e uma pessoas ficam feridas em protesto no Rio”. 18/06/2013. Disponível em:

http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-06-18/trinta-e-uma-pessoas-ficam-feridas-em-protesto-no-rio. . 2 “Confusão no entorno do Maracanã deixa feridos: Professor é atingido por estilhaços de bombas”. Caio Barbosa e

Carlos Brito. O Dia, 30/06/2013. Disponível em: http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2013-06-30/confusao-no-

entorno-do-maracana-deixa-feridos.html. 3“Até onde vai a Polícia Militar de Cabral?”. José Antonio Lima. Carta Capital, 23/07/2013. Disponível em:

http://www.cartacapital.com.br/sociedade/ate-onde-vai-a-policia-militar-de-cabral-1983.html.

CÂMARA DOS DEPUTADOS

8. Os “excessos” cometidos por alguns manifestantes devem ser apurados pelo Estado no exercício

da mais estrita legalidade, com observância de todos os direitos e garantias dispostos na

Constituição e nos Tratados Internacionais dos Direitos Humanos. Combate ao “vandalismo” não é

pretexto legal nem legítimo para instalação de Estado de Exceção ou Estado Policial que se

sobreponha ao Estado Democrático de Direito. Tampouco justifica que o poder público trate o

conjunto do(a)s manifestantes como “baderneiros” ou suspeitos de “vandalismo”, e chegue até

mesmo a forjar falsos flagrantes com a finalidade de criar os “vândalos” que se predispõe a

combater!4 Cada cidadão e cidadã brasileira goza do direito à presunção de inocência, bem como

dos direitos civis e políticos de livre expressão, reunião pacífica e associação, conforme já

observado. Tem sido inegavelmente assim, aliás, que grandes contingentes têm ido às ruas, com o

propósito de construir uma democracia mais justa e vibrante. O grande “vândalo”, que promove

abusos em grande escala, tem sido o Estado, não apenas pelo exercício contínuo de violência

policial, mas pelo descaso com a saúde, a educação, os transportes públicos, os direitos da

população brasileira.

9. Respaldada pela agressiva política do governador Sérgio Cabral, de combate irrestrito aos

supostos “vândalos”, a repressão policial contra multidões de manifestantes desarmados e pacíficos

intensificou-se ainda mais nos últimos meses, alcançando níveis inimagináveis num Estado

Democrático de Direito. No dia 15 de outubro, justamente o Dia de homenagear as nossas

professoras e professores, que estavam em luta por seus direitos junto a milhares de outros

cidadãos, chegou-se ao ápice – até o momento – desses absurdos. Veja-se, abaixo, a “Nota de

Repúdio às arbitrariedades cometidas pelo Estado no ato em apoio aos profissionais da educação”,

assinada por inúmeras organizações de defesa dos direitos humanos, entidades sociais e sujeitos

políticos5:

4 Vide imagens do jornal “O Globo”, divulgadas no dia 2 de outubro, que mostram um flagrante sendo forjado por

policiais militares: “Após suspeita de flagrante forjado no Rio, PMs são afastados de protestos”. Janaína Carvalho. G1,

3 de outubro de 2013. http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2013/10/apos-suspeita-de-flagrante-forjado-no-rio-

pms-sao-afastados-de-protestos.html. O suposto flagrante foi forjado contra um jovem de 15 anos de idade, que foi

levado algemado à delegacia (“Jovem chegou algemado a DP após suposto flagrante forjado no Rio, diz advogado”.

Juliana Dal Piva, Uol, 3 de outubro de 2013. http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/10/03/jovem-

chegou-algemado-a-dp-apos-suposto-flagrante-forjado-no-rio-diz-advogado.htm). 5 ASDUERJ – Associação de Docentes da UERJ; CAMTRA – Casa da Mulher Trabalhadora; Cerro Corá – Moradores

em Movimento; CEVIS – Coletivo de Estudos sobre Violência e Sociabilidade/UERJ; Cidadania e Imagem/UERJ;

Círculo Palmarino Rio; CMP – Central de Movimentos Populares; COLIG – Coletivo Ilha do Governador; Comitê

Popular Copa e Olimpíadas – RIO; Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da A.B.I;

Conselho Regional de Serviço Social – CRESS/7ª Região – RJ; CZOII – Coletivo de Resistência Popular Zona Oeste II;

DCE – UFRJ; DDH – Instituto de Defensores dos Direitos Humanos; Fórum de Juventudes RJ; Fórum de Saúde RJ;

Fórum Social de Manguinhos; Growroom; Grupo de Assessoria Jurídica Popular Mariana Criola; IFHEP – Instituto de

CÂMARA DOS DEPUTADOS

“O Rio de Janeiro passou nesta terça, 15 de outubro, por mais uma mobilização em apoio aos

profissionais da educação. O ato em defesa da educação pública, marcado para o dia do professor,

reuniu dezenas de milhares de pessoas. No final da passeata, na Cinelândia, quando ainda

restavam cerca de cinco mil manifestantes, iniciou-se um grave ataque por parte da polícia.

Grande parte das pessoas foi atingida de surpresa pelas bombas de gás lacrimogêneo e demais

armamentos. As forças de repressão do Estado agiram com violência e arbitrariedade contra os/as

manifestantes, de forma absolutamente desproporcional.

Segundo a nota da assessoria de imprensa da Polícia Civil, divulgada pelo globo.com no dia 16 de

outubro, 190 pessoas foram conduzidas para oito delegacias da capital, sendo 57 adolescentes. De

acordo com advogados/as que assistiram os manifestantes, esse número passou de 200 e não

havia motivos de ordem técnica para os detidos serem levados para delegacias de outras regiões,

se tratando de um expediente para dificultar a defesa jurídica dos/as acusados/as. Ainda segundo

a nota, foram presos 64 adultos/as e 20 adolescentes apreendidos/as. Desse total, várias pessoas

foram autuadas com base na nova Lei do Crime Organizado (Lei 12.850/2013), aprovada em

agosto desse ano, um mecanismo de criminalização das grandes manifestações deflagradas a partir

de junho em todo o país.

Ao menos um manifestante foi atingido por tiros de arma de fogo. Rodrigo Gonçalves Azoubel, de

18 anos, relatou que participava do ato na Avenida Rio Branco, quando percebeu que os braços

estavam sangrando. Segundo o hospital, ele passou por cirurgia e está bem. Além disso, o

acampamento ‘Ocupa Câmara’, que estava há cerca de dois meses pacificamente na escadaria da

Câmara de Vereadores, foi destruído pela PM e os pertencens jogados num caminhão da

COMLURB. Há relatos de muita violência na dispersão do acampamento, onde manifestantes

que estavam parados no local foram cercados por grande efetivo de policiais de diversos

Formação Humana e Educação Popular; Justiça Global; Laboratório Cidades/PPCIS-UERJ; LeMetro/IFCS-UFRJ –

Laboratório de Etnografia Metropolitana; Levante Popular da Juventude RJ; Mandato do Deputado Federal Chico

Alencar (PSOL/RJ); Mandato do Deputado Federal Jean Wyllys (PSOL/RJ); Mandato do Vereador Eliomar Coelho

(PSOL/RJ); Mandato do Vereador Henrique Vieira (PSOL/Niteroi); Mandato do Vereador Renato Cinco (PSOL/RJ);

Mandato do Vereador Paulo Pinheiro (PSOL/RJ); MLM – Movimento pela Legalização da Maconha; MNLM –

Movimento Nacional de Luta pela Moradia; Núcleo Anticapitalista 1º de Maio; Núcleo de Direitos Humanos –

PUC/RJ; Núcleo de Estudos Constitucionais – PUC/RJ; Núcleo Frei Tito de Direitos Humanos, Comunicação e

Cultura; Núcleo Marinheiro João Cândido – PSOL/Zona oeste; Núcleo do Movimento da Luta Antimanicomial –

NEMLA/RJ; Núcleo PSOL Largo do Machado; Núcleo Socialista de Campo Grande; Observatório das Metrópoles

(IPPUR/UFRJ); Organização de Direitos Humanos Justiça Global; PACS – Instituto Políticas Alternativas para o Cone

Sul; PCB – Partido Comunista Brasileiro; PSOL – Partido Socialismo e Liberdade – Executiva Estadual; PSTU –

Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados; Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência.

CÂMARA DOS DEPUTADOS

batalhões, incluindo BOPE, CHOQUE e Grupo de Operações com Cães. Os manifestantes foram

revistados e detidos em massa de modo arbitrário.

Consideramos a ação da polícia na manifestação pela educação uma severa afronta aos direitos da

população. Os governantes, em lugar de dialogar, tratam com violência e arbitrariedade a luta por

direitos. Vale lembrar que o Rio tem uma das polícias mais violentas do mundo. Assassinatos pela

polícia e desaparecimentos forçados continuam, como exemplifica o caso de Amarildo de Souza.

Atualmente, as forças de repressão atuam com uma forte política de militarização e controle

armado do cotidiano da cidade. O Estado não acaba com o controle territorial das milícias,

especialmente na Zona Oeste, enquanto nas áreas valorizadas se utiliza da ocupação militar dos

territórios a partir das UPPs e reprime com violência a todos que não se enquadram na ordem

estabelecida pelos interesses dos grandes negócios: população em situação de rua,

trabalhadores/as ambulantes, manifestantes etc.

Na cidade que sediará grandes eventos mundiais, a população está coagida a não ir para as ruas

reivindicar seus direitos, mesmo perdurando uma realidade em que a educação pública é precária,

acomodada a uma estrutura de desigualdade social e racial. O Estado se nega a dialogar com a

população ao mesmo tempo em que adquire cada vez mais armamentos, consumindo recursos

significativos do orçamento público. Um exemplo disso é a previsão da ampliação do uso das

armas ‘não letais’ pelos agentes do Choque de Ordem a partir de 2014, o que foi barrado

liminarmente na 22ª Câmara Cível, dada a inconstitucionalidade da medida. Não precisamos de

uma cidade cada vez mais armada, seja por caveirões, fuzis, balas de borracha, teaser, gás

lacrimogêneo e spray de pimenta. Nossos problemas sociais só se resolverão quando a população

tiver seus direitos respeitados. Armas não garantem direitos, pelo contrário, têm gerado violência,

mortes e arbitrariedades, fazendo nos lembrar os não tão distantes tempos de ditadura civil-militar.

(...)”.

10. O jornal A Nova Democracia, em reportagem de 16 de outubro, noticia: “A ocupação da

Câmara foi desfeita sem nenhuma ordem judicial, barracas foram quebradas e pertences de

manifestantes foram confiscados pelos agentes de repressão. Entre os presos, estavam fotógrafos

— entre eles, Ruy Barros do Jornal Zona de Conflito — professores, moradores de rua e pessoas

que passavam pelo local. Todos foram levados para ao menos sete delegacias diferentes e

enquadrados em diversas tipificações penais”. Alguns dos vários vídeos registrando a ação abusiva

CÂMARA DOS DEPUTADOS

da Polícia Militar nesse dia podem ser visualizados na página da revista Vírus Planetário, no

seguinte hiperlink: http://www.virusplanetario.net/chamado-contra-policia/.

11. Não bastando a prisão arbitrária de centenas de pessoas no dia 15 de outubro pela Polícia

Militar, com base em supostos flagrantes, a Polícia Civil autuou 27 delas com base na nova “Lei de

Organizações Criminosas” (Lei 12.850/2013), e 43 no crime de formação de quadrilha (Fonte:

Portal Terra, 16 de outubro de 2013: “UFRJ repudia prisão de estudante durante protesto no Rio).

Essas pessoas foram encaminhadas, inicialmente, para a Cadeia Pública Juíza Patrícia Lourival

Acioli, em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio. Alguns(mas) foram liberado(a)s ali, mas

62 dele(a)s foram transferido(a)s, no dia 16, para a Cadeia Pública Bandeira Stampa, no Complexo

Penitenciário de Gericinó, em Bangu, na zona oeste da cidade, conhecida como “Bangu 8”. Apenas

mediante ordem judicial essas pessoas têm sido soltas. No dia 17 de outubro, a juíza da 35ª Vara

Criminal do TJ-RJ, Daniela Alvarez Prado, determinou a libertação de 20 manifestantes preso(a)s.

Em decisão do dia 18, a juíza Cláudia Pomarico Ribeiro, da 21ª Vara Criminal do Tribunal de

Justiça do Rio (TJ-RJ), determinou a soltura de mais 31 pessoas e determinou o arquivamento dos

processos contra elas, observando o seguinte: "O fato de várias pessoas reunidas, com cerca de 25

anos, vestindo roupas pretas e máscaras, não revela que sejam integrantes de uma associação

criminosa. [...] não há como demonstrar a existência de um grupo voltado para a prática de crimes

apenas de acordo com a roupa e faixa etária".

12. Não é admissível que se afirme que as arbitrariedades cometidas em massa pela Polícia Militar e

pela Polícia Civil contra manifestantes e transeuntes, nessa e em outras datas, foram “efeitos

colaterais” da perseguição a supostos atos de vandalismo. Se desde junho já estava claro que a

polícia agia em diversas ocasiões com o claro fito de dispersar manifestações pacíficas, agredia e

prendia manifestantes arbitrariamente, isso ficou ainda mais evidente com a operação de 15 de

outubro. Especialmente nesse dia, o abuso policial contra manifestantes pacíficos claramente não

foi exceção, mas a regra, o modus operandi generalizado da atuação da polícia. Dentre os inúmeros

sinais disso, um dos mais evidentes foi a operação feita para desmontar o acampamento pacífico

que há dias estava instalado, de forma absolutamente legal e legítima, na escadaria da Câmara de

Vereadores do Rio de Janeiro. Claramente, não foi um ou outro policial isolado que tomou a

decisão de desmontar violentamente aquele acampamento e levar pessoas presas em massa, com

base em enquadramentos legais autoritários e estapafúrdios. Tratou-se de operação policial

claramente planejada com esse propósito.

CÂMARA DOS DEPUTADOS

13. Ademais, a chefe da Polícia Civil, delegada Martha Rocha – diretamente subordinada, por sua

vez, ao governador do Estado do Rio de Janeiro –, afirmara dias antes, publicamente, que a Lei de

Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013) seria utilizada para enquadrar “vândalos” detidos

durante as manifestações. (O Globo, 10 de Outubro de 2013). São fartos, pois, os indícios de que a

prisão arbitrária e indiciamento sistemático e abusivo de Manifestantes com base nessa Lei por

parte das Polícias Militar e Civil partem diretamente da cúpula dessas Polícias, bem como do

máximo comando político do Estado.

14. Está evidente que todo o quadro fático descrito aqui não diz respeito apenas a descontroles

eventuais dos policias nas ruas. Percebe-se um padrão sistemático abusivo de atuação da Polícia

Militar e da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro. É preciso considerar, diante disso, que

policiais cumprem ordens. Em uma polícia militarizada, onde a obediência é imposta de modo

severo, existe um comando central que orienta toda a atuação policial. São de clareza solar os

indícios de que esses abusos têm partido, por ação ou omissão, da cúpula política do Estado. É

necessário, pois, investigar o envolvimento de toda a cadeia de comando da PM e da Polícia

Civil do RJ, até o seu topo, o Sr. Governador Sérgio Cabral. É preciso perquirir se houve

orientação política para as violações de direitos que vêm sendo perpetradas pelos agentes do

Estado.

II – DOS FUNDAMENTOS

15. O respeito aos Direitos Humanos deve reger as condutas do Estado Brasileiro em todas as suas

ações. A função da Polícia é garantir a segurança dos manifestantes, e não coibir violentamente as

marchas.

16. Não se pode tolerar, no aniversário de vinte e cinco anos da “Constituição Cidadã”, que a

segurança pública no Brasil permaneça orientada pela “doutrina da segurança nacional” da ditadura

civil-militar de 1964-85. A notoriamente violenta repressão policial às recentes manifestações

multitudinárias por todo o Brasil, em especial no Rio de Janeiro, mostra, mais uma vez, o quanto é

urgente e necessário superar o paradigma militarista que tem prevalecido na formação e orientação

ou legitimação política à atuação das polícias. Esse paradigma tem como pedra angular a arraigada

premissa – inconstitucional e antidemocrática – de que o cidadão portador de determinadas

CÂMARA DOS DEPUTADOS

identidades (em especial o jovem negro , o “favelado”, o imigrante, o manifestante) é inimigo a ser

controlado e até mesmo combatido, e não sujeito portador de direitos que devem ser garantidos.

17. Nesse contexto, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), recentemente, lançou

cartilha orientando a abordagem policial na perspectiva dos Direitos Humanos e do pleno exercício

da cidadania6. A cartilha destaca, entre outras questões, a necessidade da manutenção da integridade

física do cidadão e a impossibilidade do uso da força quando não houver resistência por parte do

cidadão.

18. Observando as orientações contidas nas cartilhas, percebemos que todas as condutas

disciplinadas pelo CNMP, amparadas nas normas Constitucionais e legais que regulamentam o

tema, foram largamente contrariadas pela Policia Militar do Estado do Rio de Janeiro, notadamente,

nos atos do dia 15 de outubro, onde cerca de 200 manifestantes foram detidos.

19. É necessário tomar em conta, ainda, Resolução aprovada pelo Conselho de Defesa dos Direitos

da Pessoa Humana (CDDPH) no dia 18 de junho deste ano, com recomendações “para garantia de

direitos humanos e aplicação do princípio da não violência no contexto das manifestações e eventos

públicos, bem como na execução dos mandados judiciais de manutenção e reintegração de posse”.

As diversas recomendações ali indicadas aos Poderes Públicos têm sido descumpridas

diuturnamente pela Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro.

20. A Lei 4.898/65, que regula o direito de representação e o processo de responsabilidade

administrativa civil e penal, nos casos de abuso de autoridade, afirma que constitui abuso de

autoridade qualquer atentado contra, entre outras: à liberdade de locomoção; à liberdade de

consciência e de crença; à liberdade de associação; ao direito de reunião; à incolumidade física do

indivíduo; aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.

21. Além dessas condutas, também configura abuso de autoridade, de acordo com o artigo 4º da

referida lei: ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades

legais ou com abuso de poder; submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a

constrangimento não autorizado em lei; deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a

prisão ou detenção de qualquer pessoa; prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de

medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem

de liberdade.

CÂMARA DOS DEPUTADOS

22. O abuso de autoridade, em todos esses casos, sujeitará o seu autor às sanções administrativa,

civil e penal, sem prejuízo dos crimes específicos cometidos pelos agentes estatais.

23. O porta-voz do escritório de Direitos Humanos da ONU, Rupert Colville, apelou, no dia 18 de

junho, para que o "uso excessivo da força" durante os protestos de rua no Brasil seja investigado.

Segundo o relator, as Nações Unidas receberam relatos sobre "uma série de danos, ferimentos,

prisões e detenções, incluindo de jornalistas que cobrem os eventos nas manifestações de rua”.

Dessa forma, o porta-voz exigiu que o Brasil adote “todas as medidas necessárias para garantir o

direito de reunião pacífica e evitar o uso desproporcional da força durante os protestos”. A nota

também solicita que as autoridades que realizem investigações imediatas, completas, independentes

e imparciais sobre o alegado uso excessivo da força.

24. A ONG Justiça Global e o Instituto de Defensores de Direitos Humanos (DDH) apresentaram

pedido à Organização dos Estados Americanos (OEA), no dia 24 de outubro, para que a Comissão

Interamericana de Direitos Humanos apure urgentemente as detenções arbitrárias cometidas pelo

Estado do Rio de Janeiro contra os manifestantes presos no dia 15/10. De acordo com o documento,

o que qualifica especialmente este dia, além do grande volume de detenções arbitrárias, é o uso da

Lei de Organizações Criminosas (Lei 12.805/2013) contra os manifestantes, enquadrando a

atividade de protesto sob o título de “associação criminosa”. O oficio destaca também o anúncio do

Estado brasileiro, mesmo antes das detenções, que se valeria desta lei, mostrando uma

intenção de criminalizar a indignação popular independente da conduta individual. Ficou

evidente a tentativa de coibir a livre manifestação através do endurecimento penal e da opressão.

Igualmente grave foi o uso de tipos penais inafiançáveis, para dificultar a liberdade dos

manifestantes detidos, e a imposição de internação forçada para os adolescentes. Outros pontos

levantados no documento: (i) Apreensão e Internação dos adolescentes: Os jovens tiveram sua

internação provisória decretada, mesmo não existindo nenhum indício de materialidade, autoria ou

individualização das condutas que geraram a internação; (ii) Não cumprimento dos alvarás de

soltura: Os manifestantes detidos na 19ª DP tiveram seus alvarás expedidos no dia 17 de outubro e

apenas foram liberados no dia 22 de outubro. O prazo legal para cumprimento é de 24 horas; (iii)

Negativa de pedido de liberdade e de arquivamento do Ministério Público: No caso da 17ª

Delegacia de Polícia, foi negado o pedido de liberdade e de relaxamento feito pelo próprio

6 Disponível em: http://www.cnmp.gov.br/portal/images/stories/Destaques/CNMP_-_Cidadao_com_Seguranca_-

_Final_WEB.pdf

CÂMARA DOS DEPUTADOS

Ministério Público, sendo encaminhado para o Procurador Geral de Justiça, que optou por

denunciar os dois acusados.

25. De acordo com os meios de comunicação e as redes sociais, e os fatos previamente relatados,

observamos que as principais violações a serem apuradas são, entre outras: a) Uso de extrema

violência policial contra os manifestantes, violando a Constituição, os Tratados Internacionais de

Direitos Humanos e todas as normas que regulamentam a atividade policial; b) Prisões arbitrárias

de centenas de manifestantes, com a clara intenção de criminalizar as manifestações populares,

violando direitos e garantias fundamentais do cidadão, como o direito à presunção da inocência e o

princípio da individualização da pena; c) Enquadramento arbitrário, abusivo e sistemático de

manifestantes na Lei de Organizações Criminosas (Lei 12.805/2013), e no crime de “formação de

quadrilha”; d) Impedimento ou cerceamento da atuação dos advogados e jornalistas durante as

marchas e nas delegacias de polícia, configurando, inclusive, violação a prerrogativas funcionais

desses profissionais; e) Uso de bombas de gás lacrimogêneo com validade vencida por parte da

PM/RJ, colocando em risco a integridade física dos cidadãos que estavam presentes nas marchas; f)

Uso, por parte da PM/RJ, de policiais infiltrados nas manifestações com o objetivo de estimular

tumultos e desrespeitar as organizações populares presentes ao ato; g) Enquadramento arbitrário e

ilegal de manifestantes em tipos penais inafiançáveis, para dificultar a liberdade dos manifestantes

detidos; h) Apreensão e internação arbitrária de adolescentes, sem indícios mínimos que o

embasassem; (i) Descumprimento, em vários dias, dos prazos legais fixados para cumprimento de

alvarás de soltura.

26. De acordo com o artigo 144 da Constituição Federal, as polícias militares subordinam-se,

juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos

Territórios. Dessa forma, cabe ao Estado brasileiro investigar não apenas a atuação policial strito

sensu, mas a dinâmica política que orientou toda a violência policial ocorrida nas ruas do Rio de

Janeiro. Os postulados do Estado Democrático de Direito afirmam que nenhum cidadão está imune

à investigação e persecução administrativa e criminal. É dever do Estado, portanto, investigar e, se

for o caso, punir todos os responsáveis pelos fatos narrados no presente requerimento.

CÂMARA DOS DEPUTADOS

III – DO PEDIDO

27. Diante do exposto, requer que sejam apuradas as responsabilidades penal, civil e administrativa

de todos os envolvidos nos fatos acima relatados, em especial do Governador do Estado do Rio de

Janeiro, Sr. Sérgio Cabral Filho.

Termos em que pede deferimento.

Brasília, 30 de outubro de 2013.

Deputado Federal CHICO ALENCAR (PSOL-RJ)

Deputado Federal JEAN WYLLYS (PSOL-RJ)

Deputado Federal GLAUBER BRAGA (PSB-RJ)