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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE ECONOMIA VALÉRIA CRISTINA DE SOUZA LIMA GALVÃO DE SENA A política econômica brasileira no contexto da crise mundial de 2008 NATAL/RN 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

DEPARTAMENTO DE ECONOMIA

VALÉRIA CRISTINA DE SOUZA LIMA GALVÃO DE SENA

A política econômica brasileira no contexto da crise mundial de 2008

NATAL/RN

2016

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VALÉRIA CRISTINA DE SOUZA LIMA GALVÃO DE SENA

A política econômica brasileira no contexto da crise mundial de 2008

Monografia de graduação apresentada ao Departamento de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como exigência para obtenção do título de Bacharel em Ciências Econômicas.

Orientador: Prof. Dr. André Luís Cabral de Lourenço

NATAL/RN

2016

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Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

Sena, Valéria Cristina de Souza Lima Galvão de.

A política econômica brasileira no contexto da crise mundial de 2008 / Valéria

Cristina de Souza Lima Galvão de Sena. - Natal, RN, 2016.

62f.

Orientador: Prof. Dr. André Luís Cabral de Lourenço.

Monografia (Graduação em Economia) - Universidade Federal do Rio Grande

do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de Economia. Curso

de Graduação em Ciências Econômicas.

1. Economia - Brasil - Monografia. 2. Crise financeira - Brasil - Monografia. 3.

Economia americana – Monografia. 4. Política fiscal - Monografia. 5. Política

creditícia - Monografia. I. Lourenço, André Luís Cabral de. II. Universidade Federal

do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/BS/CCSA CDU 332.14(81)

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VALÉRIA CRISTINA DE SOUZA LIMA GALVÃO DE SENA

A política econômica brasileira no contexto da crise mundial de 2008

Monografia de graduação apresentada ao Departamento de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como exigência para obtenção do título de Bacharel em Ciências Econômicas.

Aprovada em: ___/ ___/ ____

___________________________________

Prof. Dr. André Luís Cabral de Lourenço

Orientador/ DEPEC-UFRN

___________________________________

Prof. Dr. Marconi Gomes da Silva

Examinador/ DEPEC-UFRN

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DEDICATÓRIA

Ao meu esposo, Eduardo sena, companheiro de todas as horas e que não mediu

esforços para que eu pudesse escrever essa monografia e consequentemente me

graduar. Nos momentos mais difíceis não economizou incentivos.

À minha mãe, que sempre me incentivou ao estudo e aprendizado contínuo, nunca

deixando de acreditar em mim.

Ao meu filho, por compreender e respeitar meus momentos de estudo.

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AGRADECIMENTOS

À minha avó (Lídia Lopes), tios, irmã, sogros, cunhados, primos, enteada e demais

familiares.

Aos professores do curso de ciências econômicas da UFRN, por todos os

ensinamentos que contribuíram para a minha formação.

Ao meu orientador professor Dr. André Lourenço, pela paciência, disponibilidade,

incentivo e orientação.

Aos professores do grupo de pesquisa que integrei durante a graduação - Núcleo de

análise econômica multissetorial, estratégica e conjuntural (NEMEC) pela

oportunidade de aprendizado e interação.

Ao professor Dr. Marconi pela disponibilidade e aceitação em ser examinador deste

trabalho.

À todos os amigos economistas, futuros economistas e não economistas que

sempre torceram e acreditaram em mim: Amanda Priscila, Maria Alessandra (que foi

meu braço direito nos detalhes de finalização), Laetitia Henriette, Letícia Amaral,

Helderlane Alves, Genival Porfírio, Mavigson, Emília, Aline Rocha, Aline Michele,

Patieene Passoni, Beth Chagas, Rose Farias, Patrícia Joana, Catarina Galhardo,

Ana Karenina, Mário Cesar e aos demais que me motivaram.

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RESUMO

O presente trabalho trata da reação da política econômica brasileira à crise

econômica e financeira mundial que teve seu início na economia norte americana

em 2007 e chegou ao Brasil no último trimestre de 2008. Tal crise afetou em

princípio o lado real da economia. Para o enfrentamento de tal crise, o governo

federal decidiu utilizar um arsenal de políticas expansionistas, inclusive as

monetárias, fiscais e creditícias. A literatura estudada sobre o tema trata, a partir de

diferentes pontos de vista, da importância de cada uma dessas políticas para a

retomada do crescimento econômico brasileiro, em particular da fiscal. O presente

trabalho tem como hipótese a ideia de que o impulso dado pela política fiscal para a

retomada do crescimento econômico foi significativo. Para averiguar essa hipótese,

examina indicadores macroeconômicos das diversas políticas empregadas no

período e questiona a evidência econométrica disponível, evidenciando uma maior

importância para a política fiscal.

Palavras-chave: Crise financeira; economia brasileira; economia americana; política fiscal; política creditícia.

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ABSTRACT

The present paper dealt with the reaction of Brazilian economic policy to the global

economic and financial crisis that began in the US economy in 2007 and arrived in

Brazil in the last quarter of 2008. This crisis affected in principle the real side of the

economy. To deal with such a crisis, the federal government decided to use an

arsenal of expansionary policies, including monetary, fiscal, and credit policies. The

literature on the subject deals with different points of view of the importance of each

of these policies for the resumption of Brazilian economic growth, in particular fiscal.

The present work is hypothesized the idea that the impetus given by fiscal policy for

the resumption of economic growth was significant. To examine this hypothesis, the

paper examines macroeconomic indicators of the various policies employed in the

period, and questions the available econometric evidence, showing a greater

importance for fiscal policy.

Key Words: Financial crisis; Brazilian economy; US economy; fiscal policy; credit

policy.

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Taxas reais de crescimento do PIB dos EUA e do PIB mundial (2000-2010) ........................................................................................................ 16

Gráfico 2 - Preço médio dos imóveis nos EUA (2000-2010), Base 2010=100 ........................................................................................................................... 17

Gráfico 3 - Taxa de juros básica nos EUA (2000-2010) ................................. 18

Gráfico 4 - Taxa de inflação nos EUA de acordo com o IPC (2000-2010) .... 20

Gráfico 5 - Taxa de crescimento do PIB real do Brasil, referência 2010, a preços constantes, valores trimestrais (2007-2010) ..................................... 23

Gráfico 6 - Taxa de crescimento real dos componentes da demanda agregada (2007-2010), trimestral, Brasil ......................................................... 24

Gráfico 7 - Taxa de crescimento real do valor adicionado da agropecuária, da indústria e dos serviços (2007-2010), trimestrais, em %, Brasil ............. 26

Gráfico 8 - Grau médio de utilização da capacidade instalada da indústria brasileira, dados trimestrais (2007-2010), em % ............................................ 27

Gráfico 9 - Taxa de desemprego nas grandes regiões metropolitanas do Brasil, Trimestral (2007-2010), em % .............................................................. 28

Gráfico 10 - Taxas de crescimento reais do PIB e do crédito, e evolução da relação crédito/PIB (2007-2010), Brasil .......................................................... 29

Gráfico 11 - Evolução dos índices de preços médios dos imóveis e das ações (2007-2010), dados semestrais, Dez/06=100 ....................................... 30

Gráfico 12 - Saldos da Balança de Pagamentos (BP), em Transações Correntes (STC) e da Conta de Capitais e Financeira (CCF), em US$ milhões (2007-2010), Brasil ............................................................................. 31

Gráfico 13 - Evolução do índice de preços das exportações (base 2006=100), do índice da taxa de câmbio real efetiva (base 2010=100) e da taxa de câmbio nominal (R$/US$), (2007-2010), dados mensais, Brasil ...... 33

Gráfico 14 - Nível das operações de crédito dos setores público e privado, dados mensais, (2007-2010), em milhões de reais ........................................ 41

Gráfico 15 - Taxa de variação das operações de crédito concedido pelos setores público e privado, dados mensais de (2007-2010) .......................... 42

Gráfico 16 - Evolução do % de depósitos compulsórios dos bancos comerciais no Banco Central do Brasil, dados trimestrais, (2007-2010) .... 44

Gráfico 17 - Selic nominal e real*, dados mensais para o período de (2007-2010) .................................................................................................................. 45

Gráfico 18 - Evolução mensal da dívida líquida do setor público (DLSP) e da dívida bruta do governo geral (DBGG), em % do PIB, entre 2007.01 e 2010.12. ............................................................................................................. 47

Gráfico 19 - Evolução da necessidade de financiamento do setor público (NFSP) em % do PIB, resultados nominal e primário, valores mensais, (2007.1- 2010.12) ............................................................................................... 48

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Gráfico 20 - Taxas de crescimento do consumo das APUS e do PIB real, trimestral, (2007.T1-2010.T4) ........................................................................... 51

Gráfico 21 - Variação da FBKF (formação bruta do capital fixo) das APUS, em base mensal (acumulado em 12 meses), e evolução do PIB real mensal dessazonalizado (IBC-BR) ............................................................................... 52

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Transferências do governo para o setor privado – juros sobre a dívida pública e outros programas – em % do PIB (2007 a 2010) ................ 53

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Brasil: medidas adotadas para enfrentar o agravamento da crise em fins de 2008 e início de 2009 – Ordem cronológica ................................ 36

Figura 2 – Carga tributária bruta, dados mensais, período (2002-2012), em % do PIB ............................................................................................................ 50

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 12

1. EMERGÊNCIA E PROPAGAÇÃO DA CRISE ECONÔMICA MUNDIAL (2007-2008) .................................................................................................. 15

2. A ECONOMIA BRASILEIRA NO CONTEXTO DA CRISE ECONÔMICA (2008-2009) .................................................................................................. 22

3. AS POLÍTICAS DE ENFRENTAMENTO DA CRISE ECONÔMICA NO BRASIL (2008-2009) .................................................................................... 36

3.1. A política creditícia ...................................................................................... 39

3.2. A política monetária..................................................................................... 43

3.3. A poltica fiscal ............................................................................................. 46

3.4. A política cambial ........................................................................................ 54

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 57

REFERÊNCIAS ................................................................................................. 61

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca realizar uma análise dos efeitos da crise global de

2008, mais conhecida como crise de subprime1, na economia brasileira. Explicará

como tal crise chegou até o Brasil, quais os principais canais de sua transmissão

para nossa economia e qual foi o comportamento da economia brasileira durante a

crise. Observaremos as políticas fiscal, cambial, monetária e creditícia adotadas

para o enfrentamento da crise, principalmente no período de 2007 a 2010, com uma

maior ênfase nas políticas fiscais. Trataremos também um pouco do momento de

vigoroso crescimento pelo qual o Brasil passou no período pré-crise, que contribuiu

para o enfrentamento da mesma em seu período crucial.

De acordo com Ferraz (2013), a crise financeira originada no mercado

imobiliário norte-americano a partir de 2007 atingiu os resultados mais devastadores

desde a Grande Depressão de 1929. Assumiu caráter sistêmico com a queda do

maior banco de investimento norte-americano (Lehman Brothers). A crise também

ficou conhecida como crise do subprime, expressão esta que se refere a uma

enorme quantidade de tomadores de crédito, até então excluída desse mercado.

Com grande repercussão sobre a economia americana e mundial desde 2007, essa

crise, iniciada no mercado imobiliário, transformou-se em crise financeira

generalizada, que por sua vez afetou o lado real da economia através da retração da

demanda agregada dos EUA, levando assim seus efeitos negativos para economia

mundial.

De acordo com Moreira e Soares (2010), a crise americana de 2008 esteve

vinculada às inovações financeiras, consideradas catalisadoras da crise, e a

formação de bolhas imobiliárias - que geraram excesso de endividamento, com uma

posterior expectativa negativa quanto ao seu pagamento. Tais autores também

destacam, dentre outros fatores que contribuíram para o desenvolvimento da crise, a

integração financeira internacional e uma maior desregulamentação do sistema

financeiro. Essa integração financeira facilitou a migração de capitais entre países

com altas taxas de retorno e outras economias passaram a financiar a economia

americana, já que a consolidação dos seus bancos e a robustez das suas

instituições, até então, deram uma percepção de menor risco de aplicação.

1 Subprime são hipotecas de maior risco ou de segunda linha. IPEA, 2016.

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A economia brasileira entrou em processo de desaceleração do crescimento

do PIB real a partir do último trimestre de 2008, chegando à recessão em 2009. No

último trimestre de 2008 o PIB real apresenta sua menor taxa de crescimento, -

5,36%. No quarto trimestre de 2009, ano marcado pela recessão, o PIB real

apresenta uma taxa de crescimento de 0,91%. Nesse momento o grau de utilização

da capacidade instalada alcança o seu vale e no mesmo período, a taxa de

desemprego alcança patamares elevados.

O Brasil se utilizou de todo arsenal de políticas macroeconômicas (fiscal,

monetária, creditícia, cambial) expansionistas que, além de recuperar a renda, o

emprego e o consumo, reativou rapidamente o crescimento econômico, de modo

que já em 2009.T2 a economia dava sinais de recuperação.

Devido aos avanços socioeconômicos que o Brasil havia conquistado nos

anos que antecederam à crise (Medeiros, 2015) e ao fato de em plena crise o país

ter empregado políticas expansionistas, a nossa rápida recuperação diferencia tal

crise das anteriores.

Contudo, a despeito desse sucesso, na literatura há um embate entre os

autores quanto à eficácia relativa das políticas econômicas utilizadas. Moreira e

Soares (2010) e Afonso (2012) consideram as políticas fiscais pouco significativas

no processo de recuperação e defendem a importância da política monetária e

creditícia. Para Serrano e Summa (2015) e Lara, Rodrigues e Bastos (2015), por

outro lado, as fiscais foram mais eficazes.

Para Moreira e Soares (2010), as políticas monetária e creditícia foram de

grande importância para a recuperação da economia brasileira, enquanto a política

fiscal foi considerada relativamente ineficaz. Além de ter gerado benefício

considerado mínimo, a política fiscal provocou aumento da dívida pública resultante

do maior déficit fiscal nominal. Afonso (2012) compactua do mesmo pensamento dos

autores acima quando se refere ao reduzido efeito do estímulo fiscal, se comparado

às políticas monetárias e de crédito. Embora Moreira e Soares (2010) considerem

importante a política monetária, a creditícia para tais autores foi considerada de

maior importância.

Já para Serrano e Summa (2015) a política fiscal foi de grande importância

para a recuperação da economia. Os autores destacam que foi o impacto

expansionista da política fiscal, que, além de ligado ao crescimento do consumo das

famílias através de maiores transferências sociais, também ocorreu através do

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aumento do investimento tanto das administrações públicas quanto das empresas

estatais e do aumento salarial do funcionalismo público, mesmo sem abandono da

meta de superávit primário. Lara, Rodrigues e Bastos (2015) alegam que para

enfrentar a crise foi permitida uma diminuição significativa no resultado fiscal entre

2009 e 2010, resultante de elevação nos gastos e redução de alíquotas tributárias,

que se traduz em política fiscal expansionista.

A hipótese da pesquisa é de que há elementos suficientes que permitem

questionar a interpretação da pouca relevância da política fiscal de Moreira e Soares

(2010) e de Afonso (2012) na reversão da fase da crise brasileira em 2008-2009.

A metodologia utilizada foi pautada na análise dos principais indicadores

macroeconômicos das economias brasileira e americana, no período em estudo, que

foram tabulados na forma de gráficos, dados e tabelas. Esses indicadores foram

obtidos como fontes secundárias de dados a partir de: BACEN, IPEADATA, IBGE,

FGV, FED, FMI, entre outras, para fazermos nossas próprias análises.

Levantamento de dados, construção de gráficos e tabelas também foram

fundamentais para a avaliação de tal hipótese. Além desses elementos, outros foram

encontrados na revisão bibliográfica que auxiliaram nesta avaliação.

O presente trabalho está organizado da seguinte forma. O primeiro capítulo

explicita o início da crise nos EUA, seu espraiamento pelo mundo e as medidas

econômicas tomadas pelo governo americano, visando compreender melhor seus

efeitos para o Brasil. O segundo capítulo contribui ao explicitar o alastramento da

crise no país e o quanto ela afetou os lados real e financeiro da economia,

mostrando seus canais de transmissão. O terceiro capítulo mostra a reação da

política econômica à crise, bem como a reação da economia brasileira às mesmas.

Enfatiza o papel das políticas fiscais mais expansionistas, tentando recolher

evidências do quanto tais políticas contribuíram para a retomada do crescimento

econômico, em linha com a hipótese anteriormente assinalada.

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1 EMERGÊNCIA E PROPAGAÇÃO DA CRISE ECONÔMICA MUNDIAL

(2007-2008)

A crise financeira originada no mercado imobiliário norte-americano a partir de

2007 atingiu os resultados mais devastadores desde a Grande Depressão de 1929.

Assumiu caráter sistêmico a partir da queda do maior banco de investimento norte-

americano (Lehman Brothers). Essa crise também ficou conhecida como crise do

subprime, expressão essa que se refere ao fato de que uma enorme quantidade de

tomadores de crédito, até então excluídos desse mercado, passou a ter acesso a

ele. Com grande repercussão sobre a economia americana e mundial desde 2007,

tal crise, que se iniciou no mercado imobiliário, transformou-se em crise financeira

generalizada que, por sua vez, afetou o lado real da economia, através da retração

da demanda agregada, levando seus efeitos negativos à economia mundial.

O gráfico 1 mostra a relação entre o PIB americano e o PIB do resto do

mundo. Observa-se um movimento semelhante para as duas séries em todo o

período (exceto 2005-2007), o que mostra o quanto a crise americana atingiu a

economia mundial.

O gráfico mostra que a desaceleração do crescimento do PIB americano se

deu de forma mais notável a partir de 2005, chegando sua taxa de crescimento a

ficar negativa nos anos de 2008 e 2009, anos que marcam o auge da primeira parte

da crise, com valores de -0,29% e -2,78% respectivamente. Embora as séries

mostrem um comportamento semelhante, a queda da taxa de crescimento do PIB

mundial é notável e drástica a partir de 2008, chegando a ficar negativa apenas no

ano de 2009, com um valor de -0,09%. A partir de 2010 as economias voltam a se

recuperar.

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16

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

PIB EUA 0,0409 0,0098 0,0179 0,0281 0,0379 0,0335 0,0267 0,0178 -0,003 -0,028 0,0253

PIB MUNDO 0,0481 0,025 0,0297 0,0429 0,0542 0,0484 0,0548 0,0565 0,0303 -9E-04 0,0545

0,98%

3,79%

-2,78%

2,53%

2,50%

5,42% 5,65%

-0,09%

5,45%

-4,00%

-3,00%

-2,00%

-1,00%

0,00%

1,00%

2,00%

3,00%

4,00%

5,00%

6,00%

7,00%

Gráfico 1 - Taxas de crescimento do PIB dos EUA e do PIB mundial (2000-2010).

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do FMI (2016) e do Federal Reserve System (2016).

De acordo com Moreira e Soares (2010), os fatores causadores da crise,

associada ao excesso de alavancagem no sistema bancário, foram uma maior

integração financeira internacional e um mercado financeiro pouco regulado e

supervisionado, que causou o descompasso entre a oferta e a demanda dos

imóveis. As facilidades dos créditos bancários, somados ao constante aumento nos

preços dos imóveis, ocasionaram tal alavancagem. Com a queda nos preços dos

imóveis, os créditos recuam, e a oferta de crédito que era baseada no preço dos

imóveis, seguem crescendo, ocasionado pela queda na demanda.

O gráfico mostra que a desaceleração da taxa de crescimento do PIB

americano se deu de forma mais notável a partir de 2005, chegando a ficar negativa

nos anos de 2008 e 2009, anos que marcam o auge da crise, com valores de -0,29%

e -2,78% respectivamente. Embora as séries mostrem um comportamento

semelhante, a queda do PIB mundial é notável e drástica a partir de 2007, chegando

sua taxa de variação a ficar negativa apenas no ano de 2009, com um valor de -

0,09%. A partir desse ano as economias voltam a se recuperar e, em 2010,

alcançam patamares mais elevados.

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17

Segundo Ferraz (2013), o constante crescimento no preço dos imóveis

americanos contribuiu para o contínuo aumento da dívida, pois os devedores

adquiriam novos empréstimos nas condições anteriores, com um valor mais elevado,

permitindo até mesmo saldar o empréstimo mais antigo. Segundo Ferraz (2013), o

constante crescimento no preço dos imóveis americanos contribuiu para o contínuo

aumento da dívida. Os proprietários dos imóveis, já endividados, tinham facilidade

em adquirir novos empréstimos com valores mais elevados, pelo fato de tais imóveis

seguirem se valorizando. Dessa forma, o valor recebido permitia saldar os

empréstimos mais antigos e transformar a valorização dos patrimônios residenciais

em poder de compra, baseada no crédito.

A partir de 2005 a economia americana começa a mostrar sinais

desfavoráveis ao mercado imobiliário, embora o preço dos imóveis ainda estivesse

subindo (vide gráfico 2). A partir de 2007 a queda do preço dos imóveis contribui

para a inadimplência das famílias e a falência dos subprimes, que até então era o

foco do aquecimento de tal mercado.

Gráfico 2 - Preço médio dos imóveis nos EUA (2000-2010), Base 2010=100.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Federal Reserve System (2016).

A partir do gráfico 2, nota-se a formação da bolha no mercado de imóveis

desde o início da série, atingindo o pico em 2006 com um índice de 137,50 (77,88%

de crescimento em relação a 2000). A partir de então a acentuada queda no preço

77,3 81,5 88,8

97,6

112,2

130,5 137,5

129,9

112,3

100,8 101,8

0,0

20,0

40,0

60,0

80,0

100,0

120,0

140,0

160,0

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

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18

6,22%

3,65%

1,66%

1,12%

1,29%

3,16%

4,95% 5,01%

1,49%

0,16% 0,17%

0,00%

1,00%

2,00%

3,00%

4,00%

5,00%

6,00%

7,00%

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

dos imóveis indica que a bolha americana chega ao fim, chegando a um índice de

100,80 em 2009 (queda de 26,69% em relação a 2006), com uma insignificante

recuperação em 2010. Segundo Moreira e Soares (2010), a crise eclode exatamente

no momento em que o esquema “Ponzi” começa a ruir, com uma substancial queda

nas vendas e nos preços dos imóveis. Com essa, não haveria mais incentivos para

novos refinanciamentos de hipotecas, aumentando assim o nível de inadimplência. A

partir de agora, trataremos da conexão entre a política monetária e os preços dos

imóveis.

A taxa básica de juros de um banco central é um balizador para as demais

taxas do mercado. Taxas substancialmente baixas estimulam o consumo e os

investimentos, sobretudo em moradia. Ao analisar o gráfico 3 abaixo observa-se que

entre o início da série até o ano de 2004, as quedas foram substanciais para

impulsionar a economia a sair da crise das empresas ponto com, mas a partir de

2005 os riscos inflacionários levaram o Fed a inverter essa tendência.

Gráfico 3 - Taxa de juros básica nos EUA (2000-2010).

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Federal Reserve System (2016).

O gráfico 3 mostra que a taxa básica de juros americana teve um

comportamento crescente a partir de 2004, atingindo seu pico em 2007 com um

valor de 5,01%, e patamares semelhantes ao ano de 2006. A partir de 2007, ano

pré-crise, o FED, mais que de imediato, toma medidas providenciais no que se

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19

refere à taxa básica de juros, diminuindo-a de 5,01% para 1,49% em 2008,

chegando a 0,16% em 2009. De acordo com a leitura de Conceição Tavares (2009),

o governo americano utilizou políticas expansionistas para tentar conter os impactos

negativos da crise econômica. Também promoveu e criou grandes programas de

liquidez para tentar evitar a generalização da crise.

Assim, pode-se dizer, de acordo com Ferraz (2013), que na economia

americana o aumento do consumo baseado no crédito e na rolagem de dívida, com

uma política monetária mais expansionista (2001-2004), contribuiu significativamente

para o aumento dos preços dos imóveis e demais ativos. O aumento na demanda

por imóveis, estimulado pelo acesso desregulamentado aos financiamentos, fez

gerar um aumento contínuo nos preços dos imóveis. Aumento esse que, por sua

vez, produziu o efeito de atrair especuladores para o mercado imobiliário.

Com o advento da crise, as expectativas quanto ao futuro dos consumidores

foram negativas, levando-os a reduzir o consumo e causando um impacto ainda

mais negativo sobre a dinâmica econômica. Observou-se também que as firmas,

sobretudo de construção civil, diminuíram seus níveis de investimento.

De modo geral, a resposta da economia americana à crise, meio que tardia,

foi o aumento dos gastos, para tentar conter a retração da demanda agregada. Os

governos também realizaram uma operação de resgate, ao injetar recursos públicos

nas instituições bancárias.

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20

3,37%

2,82%

1,60%

2,30%

2,67%

3,37% 3,22%

2,87%

3,81%

-0,32%

1,64%

-1,00%

-0,50%

0,00%

0,50%

1,00%

1,50%

2,00%

2,50%

3,00%

3,50%

4,00%

4,50%

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Gráfico 4 - Taxa de inflação nos EUA de acordo com o IPC (2000-2010).

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do FED (2016).

Fazendo um paralelo entre a taxa básica de juros americana e a taxa de

inflação, observa-se que a taxa básica de juros manteve-se quase constante entre

2006 e 2007, com valores de 4,95% e 5,01% respectivamente. Nesse período a taxa

de inflação marcou valores elevados, com 3,22% em 2006, 2,87% em 2007,

chegando ao pico de 3,81% em 2008. A partir de então a inflação passa a

desacelerar e a taxa básica de juros acompanha tal movimento, chegando a valores

de 1,49% em 2008 e 0,16% em 2009.

Para Mori e Holland (2010), tudo leva a crer que o Federal Reserve teve muito

que ver com a crise de 2008, uma vez que “provavelmente seu olhar sobre a

inflação o fez perder de vista a bolha imobiliária”. Pode-se dizer que o FED não se

comprometeu em mudar a política monetária e tampouco fiscalizou a demasiada

desregulamentação das instituições financeiras. Segundo os autores citados, caso o

FED tivesse agido de forma contrária, talvez a crise de 2008 não alcançasse

patamares tão severos.

A inflação americana tem tradição de ser baixa. Por esse motivo, a partir do

ano de 2008, ao baixar uma inflação que já se encontrava em patamares baixos,

chega-se à deflação em 2009. Em 2008 a inflação marcava um valor de 3,81%, a

partir de então sofre uma drástica queda chegando a -0,32%, o que configura a

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21

deflação em um cenário de crise, com excesso de oferta de bens e serviços oriundo

da queda de demanda agregada. A partir de 2010, observa-se a inversão de tal

fenômeno.

Em síntese, de acordo com Conceição Tavares (2009), a resposta da

economia americana à crise, ainda que tardia, incluiu também uma política fiscal

mais expansionista, para tentar conter a retração da demanda agregada. Parte desta

consistiu em uma operação de resgate, ao injetar recursos públicos nas instituições

bancárias. De acordo com a autora, em agosto de 2007, o FED agiu imediatamente,

tomando medidas providenciais no que se refere à taxa básica de juros, diminuindo-

a de 5% para 0,5% em poucos meses, ao mesmo tempo que promoveu grandes

programas de criação de liquidez para tentar evitar a generalização da crise. “Entre

eles podem-se destacar: U$600 bilhões para a compra de títulos visando apoiar os

investidores dos “fundos do mercado monetário; US$ 500 bilhões para a compra de

títulos lastreados em hipotecas”(Conceição Tavares, 2009, p.4). Posteriormente, em

fevereiro de 2008 o Congresso americano aprovou a Lei de Estimulo Econômico,

cujas principais medidas foram de renúncia fiscal. Já as medidas anunciadas pelo

novo governo democrata dos EUA, o chamado pacote fiscal do governo Obama,

previu gastos e renúncias fiscais da ordem de US$ 787 bilhões, muito superiores

aos do pacote do governo Bush Jr.. O governo se empenhou na criação da lei

ARRA, que previa: “US$ 288 bilhões em renúncia fiscal, US$ 144 bilhões de

transferências para estados e municípios, US$ 111 bilhões para investimentos em

infraestrutura e ciência, US$ 81 bilhões para proteção aos segmentos sociais mais

vulneráveis, US$ 59 bilhões para a Saúde, US$ 53 bilhões para a educação e

treinamento de mão de obra e apenas US$ 43 bilhões para energia (que era uma

das metas estratégicas da campanha)” (Conceição Tavares, 2009, p. 6) Ou seja, de

uma forma geral, pode-se perceber claramente que a elevação dos gastos na

economia americana foi fundamental para combater os efeitos da crise.

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22

2 A ECONOMIA BRASILEIRA NO CONTEXTO DA CRISE ECONÔMICA

(2008-2009)

Após um vigoroso período de expansão na economia brasileira, a crise chega

ao Brasil. Durante o período de 2003-2007, o PIB real se expandiu a uma taxa

média de 1,03% a.a. Essa taxa passou de 0,22% no ano de 2003 para 1,62% em

2007. Esse cenário revelou uma redução na taxa de desemprego, que saiu de

12,33% em 2003 para 9,32% em 2007, e uma elevação do grau da capacidade

instalada. A capacidade instalada mostrou taxas de crescimento de 79,70% para o

ano de 2003 e 87,20% para 2007.

Para Arestis (2015), de 2004 a 2008 o Brasil cresceu com uma maior rapidez,

mesmo com a apreciação real da moeda, porque como as exportações e o consumo

eram altos, estimulavam o investimento, e nesse sentido a valorização da moeda

não impediu o crescimento do país. Nesse período, as taxas do consumo, do

investimento e do PIB apresentaram uma tendência positiva. Com o advento da

crise, o quadro se inverte, desacelerando o crescimento do consumo e do

investimento, afetando negativamente o nível de atividade econômica. O autor

destaca também que o consumo é essencial para o crescimento da economia

brasileira e que diante de um cenário favorável ele faz o país crescer mais

rapidamente, estimulando o investimento.

A economia brasileira entra em processo de desaceleração a partir do último

trimestre de 2008, chegando à recessão em 2009 (vide gráfico 5). Ao contrário do

que se esperava, a crise no Brasil não afeta inicialmente o mercado financeiro e os

bancos. Muito pelo contrário, dada a solidez e uma maior regulamentação do nosso

sistema financeiro, a crise afeta diretamente o lado real da economia (Moreira e

Soares, 2010).

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23

2007 T1

2007 T2

2007 T3

2007 T4

2008 T1

2008 T2

2008 T3

2008 T4

2009 T1

2009 T2

2009 T3

2009 T4

2010 T1

2010 T2

2010 T3

2010 T4

-0 0,04 0,03 0 -0 0,05 0,03 -0,1 -0 0,05 0,04 0,01 -0 0,04 0,03 -0

-0,98%

4,45%

-1,38%

4,60%

-5,36%

-4,77%

4,84%

-1,23%

-0,22%

-6,00%

-4,00%

-2,00%

0,00%

2,00%

4,00%

6,00%

Gráfico 5 - Taxa de crescimento do PIB real do Brasil, referência 2010, A preços constantes, valores trimestrais (2007-2010).

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IBGE (2016).

Ao analisar o período em questão, percebe-se que a série começa com uma

taxa de crescimento negativa e um valor de -0,98% no primeiro trimestre de 2007.

No último trimestre de 2008 a série alcança seu maior vale, com uma taxa de

crescimento de -5,36%. Já o maior pico da série ocorre no segundo trimestre de

2009, com um valor de 4,84%. No quarto trimestre de 2009 (ano marcado pela

recessão) o PIB real apresenta uma taxa de crescimento de 0,91%, finalizando a

série com um valor de -0,22% no quarto trimestre de 2010.

De acordo com a leitura de Ferraz (2013), o Brasil foi “blindado” dos efeitos

iniciais da crise, pois possuía um elevado nível de reservas internacionais e uma

dívida pública em grande parte na própria moeda (desdolarizada). Ademais,

normalmente “o consumo possui maior estabilidade comparado ao investimento”

(Ferraz, 2013, p.42). Contudo, mostrou uma trajetória semelhante à verificada para o

investimento, com uma queda na taxa de crescimento pela metade, no período da

crise, seguido de uma rápida recuperação.

Para Moreira e Soares (2010), tanto o consumo final como a formação bruta

de capital fixo (FBKF) foram prejudicados pela crise em questão. A FBKF entra em

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24

-12,96%

17,10%

22,81%

14,37%

-23,03%

14,68%

-30,00%

-20,00%

-10,00%

0,00%

10,00%

20,00%

30,00%

Consumo privado FBKF Consumo APUS

Exportações Importações

queda a partir do terceiro trimestre de 2008. No segundo trimestre de 2009 ela volta

a se recuperar, mas ainda não retorna ao seu patamar de antes da crise. No

primeiro trimestre de 2009 o consumo final apresenta a sua maior queda,

recuperando seu patamar pré-crise no terceiro trimestre do mesmo ano. Também

destacam que o modesto crescimento do consumo público, a partir do segundo

trimestre de 2009 até o quarto trimestre, mostra a sua relevância como instrumento

de ação governamental anticíclica. A evolução dessas variáveis está sintetizada no

gráfico abaixo.

Gráfico 6 - Taxa de crescimento real dos componentes da demanda agregada (2007-2010), Trimestral, Brasil.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Ipeadata (2015).

Os componentes da demanda agregada mostraram-se bastante voláteis no

período. Em uma rápida análise, percebe-se que a taxa de crescimento das

exportações alcançou seus maiores picos nos segundos trimestres de 2008 e de

2009, com taxas de 17,10% e 22,81%, respectivamente. Observa-se os dois

maiores vales nos primeiros trimestres de 2008 e 2009, com taxas de variação de -

12,96% e -20,51%, respectivamente. No que se refere às importações, as duas

maiores taxas são nos terceiros trimestres de 2007 e 2010, com picos de 14,37% e

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25

14,68% respectivamente, e um vale no primeiro trimestre de 2009, com uma taxa de

variação de -23,03%.

De acordo com Ferraz (2013), a partir do segundo semestre de 2009 tanto as

exportações quanto as importações voltam a se recuperar e em 2010 já superam em

valor o nível pré-crise. A recuperação dos componentes investimento e exportações

foi de suma importância para a recuperação da atividade industrial (gráfico 7).

A FBKF apresenta seu pico no terceiro trimestre de 2009, com uma taxa de

crescimento de 19,49% e um vale de -15,10% no primeiro trimestre de 2009.

O consumo privado apresenta uma queda na sua taxa de crescimento de

3,34% para 0,60% do terceiro para o quarto trimestre de 2008. Essa taxa fica

negativa no primeiro trimestre de 2009 (-4,41%), mas no segundo trimestre de 2009

já apresenta uma taxa de crescimento positiva (4,29%), que segue quase constante

o resto do ano de 2009, o que foi fundamental para a recuperação da economia.

Em geral o consumo das APU apresentou um comportamento semelhante ao

do consumo privado, com pequenos hiatos nos períodos de 2007.T2 até 2008.T1,

2009.T2 a 2009.T4 e finalmente 2010.T3 a 2010.T4. Apresentou um pico de 4,95%

no período de 2009.T4 e um vale de - 4,01% em 2010.T1.

Ainda de acordo com Moreira e Soares (2010), sobreveio uma atitude de

precaução da população, como uma maneira de proteção frente a tal crise. Porém,

essa reação aprofundou os impactos negativos sobre o nível de atividade

econômica, levando a uma queda na produção industrial no quarto trimestre de

2008. Para observar o impacto da crise por setores, vide o gráfico 7.

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26

11,06%

-7,50%

10,05%

12,25%

3,53%

-0,60%

19,56%

-0,38%

4,23%

-10,00

-5,00

0,00

5,00

10,00

15,00

20,00

25,00

AGROP INDÚSTRIA SERVIÇOS

Gráfico 7 - Taxa de crescimento real do valor adicionado da agropecuária, da indústria e dos serviços (2007-2010), Trimestrais, em %, Brasil.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Ipeadata (2016).

A partir de 2007.T2, a taxa de crescimento da indústria, que se encontrava em

12,25%, inverte sua trajetória e segue em queda, com uma rápida recuperação no

segundo trimestre de 2008. Apresenta uma diminuição na sua taxa de crescimento

em 2008.T4 com um valor de 3,53%, chegando a ficar negativa em 2009.T1 (-

0,60%). Alcança seu pico em 2010.T1 e segue com tendência de queda. A

agropecuária alcança seu pico de 11,06% em 2008.T2 e segue em queda chegando

ao menor valor da série em 2009.T3 (-7,50%). Inverte a trajetória e alcança seu

segundo pico em 2010.T2 e segue com tendência de queda. Os serviços

apresentaram um comportamento menos volátil, com vale de -0,38% em 2008.T1 e

um pico de 4,23% em 2009.T4.

“Entre o último trimestre de 2009 e início de 2010 ocorre uma recuperação no

setor industrial. No início de 2010 a indústria apresenta uma taxa de crescimento

trimestral média aproximadamente de 9,5%” (Ferraz, 2013, p. 44), com destaque

para o setor de construção, eletricidade e gás, água, esgoto e limpeza urbana, uma

vez que são setores menos sensíveis à crise. Esse resultado se mostrou compatível

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27

com o resultado e aquecimento do mercado imobiliário, que ocorreu à época, além

das obras de infraestrutura que foram observadas no período.

Ainda de acordo com Ferraz (2013), era de se esperar a grave queda na

indústria, já que a mesma depende fortemente do desempenho do investimento e

das exportações, os quais, como visto anteriormente, foram os componentes da

demanda agregada que sofreram retrações mais severas durante a crise.

Na leitura de Moreira e Soares (2010), a queda na produção industrial durante

a crise ocasionou uma queda no grau de utilização da capacidade instalada, que

pode ser observada no gráfico 8.

Gráfico 8 - Grau médio de utilização da capacidade instalada da indústria brasileira, dados trimestrais (2007-2010), em %.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da FGV (2016).

O grau de utilização da capacidade instalada segue com tendência crescente

desde o início da série 2003.T1, até o seu pico em 2007.T10, onde alcançou

87,20%. A partir de então tem sua trajetória invertida, chegando ao vale de 77% em

2009.1. A partir de então, essa tendência é invertida novamente, e segue com

trajetória crescente até voltar praticamente ao nível pré-crise.

79,70%

87,20%

77%

86,10%

70,00

72,00

74,00

76,00

78,00

80,00

82,00

84,00

86,00

88,00

2003.0

1

2003.0

4

2003.0

7

2003.1

0

2004.0

1

2004.0

4

2004.0

7

2004.1

0

2005.0

1

2005.0

4

2005.0

7

2005.1

0

2006.0

1

2006.0

4

2006.0

7

2006.1

0

2007.0

1

2007.0

4

2007.0

7

2007.1

0

2008.0

1

2008.0

4

2008.0

7

2008.1

0

2009.0

1

2009.0

4

2009.0

7

2009.1

0

2010.0

1

2010.0

4

2010.0

7

2010.1

0

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28

9,8%

8,1%

7,3%

8,6%

7,2%

5,7%

0

2

4

6

8

10

12

De acordo com Arestis (2015), a despeito da forte retomada em 2010, desde

a grande recessão o desempenho da indústria de transformação brasileira vem

sendo afetada negativamente e o país tem encontrado dificuldades para recuperar

as taxas de crescimento anteriores.

De acordo com Moreira e Soares (2010), no ápice da crise ocorreu também a

diminuição de horas trabalhadas na indústria de transformação, acarretando

aumento na taxa de desemprego. O fenômeno pode ser observado na economia

como um todo no gráfico 9.

Gráfico 9 - Taxa de desemprego nas grandes regiões metropolitanas do Brasil, Trimestral (2007-2010), em %.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da PME/IBGE (2016).

A taxa de desemprego mostrou uma tendência decrescente do primeiro

trimestre de 2007 até o quarto trimestre de 2008. A partir de então tem sua trajetória

revertida com a crise, alcançando o seu pico no primeiro e segundo trimestres de

2009, com valores iguais (8,6%) para os dois períodos. Retoma a queda no período

seguinte e alcança em 2010.T4 o menor valor da série, 5,7%.

Segundo Moreira e Soares (2010), ao entrar no Brasil a crise afetou o

mercado de crédito, até então em alta, sendo um dos fatores fundamentais para

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29

explicar a própria contração da demanda. Suas mudanças podem ser observadas no

gráfico a seguir:

Gráfico 10 - Taxas de crescimento reais do PIB e do crédito, e evolução da relação crédito/PIB (2007-2010), Brasil.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Ipeadata (2016).

As taxas de variação reais do PIB e do crédito apresentaram comportamento

semelhante para o período em análise. As taxas de crescimento do crédito e do PIB

real alcançam seus dois picos nos meses de jun/08 e set/09, com uma taxa de

crescimento de 8,86% para o crédito e 4,60% para o PIB real. A evolução do PIB

real apresenta sua menor variação em dez/08 (-5,36%), e o crédito em mar/2009,

com uma taxa de -5,1%.

Ao analisar o indicador do crédito como proporção do PIB, observa-se uma

tendência crescente para o período, apresentando o seu menor valor no início da

série, mar/07, (30,66%) e em dez/10 o maior volume de crédito em proporção do PIB

(44,08%).

Como consequência da crise e do movimento do crédito mostrado no gráfico

10, ocorre redução nos preços dos ativos, bem como a formação das expectativas

negativas para os empresários, que prejudicaram os investimentos (Ferraz, 2013).

-0,98%

4,60%

-5,36%

6,56% 8,64% 8,86%

1,69%

30,66%

44,08%

-10,00%

0,00%

10,00%

20,00%

30,00%

40,00%

50,00%

mar/

07

mai/07

jul/07

set/07

nov/0

7

jan/0

8

mar/

08

mai/08

jul/08

set/08

nov/0

8

jan/0

9

mar/

09

mai/09

jul/09

set/09

nov/0

9

jan/1

0

mar/

10

mai/10

jul/10

set/10

nov/1

0

PIB REAL CRÉDITO CRÉDITO/PIB

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30

As mudanças nos preços dos imóveis e das ações pode ser observada no gráfico

11.

Gráfico 11 - Evolução dos índices de preços médios dos imóveis e das ações (2007-2010), dados semestrais, Dez/06=100.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Ipeadata (2016) e IBOVESPA (2016).

Para o período em análise, observou-se que os preços das ações se

mantiveram acima dos preços dos imóveis até junho de 2008. A partir de dezembro

de 2008, os preços dos imóveis ultrapassam os das ações e segue com tendência

crescente até o final da série, dezembro de 2010. A partir de junho de 2008,

observa-se que o preço das ações segue com tendência de queda, alcançando o

vale da série em dezembro do mesmo ano. Nesse período a queda no preço das

ações é significativa, devido ao momento de crise. Embora não possa ser observada

nos dados semestrais, a queda nos preços dos imóveis é menor e mais curta. O

preço dos imóveis retoma rapidamente a trajetória ascendente.

Em relação ao setor externo, Ferraz (2013) atentam que a crise também está

ligada à queda no preço das commodities (gráfico 13) e à redução do comércio

mundial, que prejudicaram as exportações brasileiras. Conforme visto anteriormente

no gráfico 6, estas sofreram drástica retração no segundo semestre de 2008.

Segundo Moreira e Soares (2010), as decisões de dispêndio de empresas e famílias

0

50

100

150

200

250

dez/06 jun/07 dez/07 jun/08 dez/08 jun/09 dez/09 jun/10 dez/10

Preço dos imóveis Preço das ações

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31

foram afetadas por esses fenômenos. As fugas de capitais, por sua vez, afetaram

negativamente o mercado de divisas, como pode ser observado no gráfico 12.

Gráfico 12 - Saldos da Balança de Pagamentos (BP), em Transações Correntes (STC) e da Conta de Capitais e Financeira (CCF), em US$ milhões (2007-2010), Brasil.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Bacen (2016).

Para o período em análise, pode-se observar que o balanço de pagamentos é

“puxado” pelo saldo da conta de capitais e financeira. Em outubro de 2008, a

drástica queda nesse saldo acarreta forte queda na balança de pagamentos. Nesse

período a conta de capitais e financeira fica negativa, “puxando” para baixo o saldo

do balanço de pagamentos, que também fica negativo. A partir de então essa conta

volta a se recuperar, mas não atinge mais o seu pico pré-crise.

O saldo em transações correntes apresentou um comportamento mais estável

do que a conta de capitais e financeira. Passa a ficar negativo a partir de agosto de

2007, apresentando recuperação a partir de 2009, mas voltando a cair novamente

no final do ano.

Apesar dessa recuperação no setor externo, Ferraz (2013), destaca que

ocorreu o empobrecimento de nossa pauta exportadora, sobretudo no quadriênio de

-15.000,00

-10.000,00

-5.000,00

0,00

5.000,00

10.000,00

15.000,00

20.000,00

BP CCF STC

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32

2007/2010. Tiveram destaque no período as exportações de commodities agrícolas

e produtos industriais de baixa e média tecnologia. O contrário ocorreu com nossas

importações, que apresentaram destaques para produtos industriais de alta e média

tecnologia.

Baltar e Prates (2014), citados por Arestis (2015), associam esse processo ao

fato de que parte importante das exportações brasileiras de manufaturados para

países da América Latina foi substituída por exportações para a China. Por um lado,

o Brasil aumentou suas exportações de produtos primários para a China, mas por

outro as exportações de manufaturas foram afetadas negativamente.

O próximo gráfico número 13 mostra a já citada queda nos preços das commodities durante a crise, bem como o desempenho das taxas de câmbio nominal e real, associadas ao desempenho do balanço de pagamentos acima exposto2.

2 Castelo (2009), contrariamente aos demais autores citados, ressalta que a desvalorização do real

frente ao dólar foi o fator mais relevante no tocante à hierarquia dos canais de transmissão da crise.

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33

0

0,5

1

1,5

2

2,5

3

0,0

20,0

40,0

60,0

80,0

100,0

120,0

140,0

160,0

180,0

2007.01 2007.06 2007.11 2008.04 2008.09 2009.02 2009.07 2009.12 2010.05 2010.10

indice preço exportações (eixo esquerdo)

Taxa de câmbio real (eixo esquerdo)

Taxa de câmbio nominal (eixo direito)

Gráfico 13 - Evolução do índice de preços das exportações (base 2006=100), do índice da taxa de câmbio real efetiva (base 2010=100) e da taxa de câmbio nominal (R$/US$), (2007-2010), dados mensais, Brasil.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Ipeadata (2016).

O gráfico 13 mostra que no período que antecede a crise, a taxa de câmbio

nominal apresentava uma nítida tendência de valorização, observados no período

que compreende 2007.1 até junho de 2008. Com o advento da crise a tendência se

inverte e ocorre uma forte depreciação nominal e real nas taxas de câmbio.

Estas estão relacionadas à fuga de capitais que ocorre no momento da crise

(conforme gráfico 12) e são revertidas no sentido da apreciação (ver gráfico 13)

quando os fluxos de capitais se normalizam, logo após a crise e até o final do

período analisado, como ilustrado no gráfico acima.

As taxas de câmbio real e nominal seguem uma trajetória semelhante entre si

durante quase todo o período em análise.

O índice preço das exportações apresenta o segundo maior pico em 2008.8,

com um valor de 157,4, enquanto em 2007.1 esse valor era de 103,2, o menor da

série. Entre o início da série e tal pico, o índice capta uma expansão de cerca de

60% no preço das exportações. Com o início da crise mundial, tal trajetória se

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34

inverte e o índice preço das exportações chega ao segundo vale mais profundo da

série em 2009.5, com uma queda em torno de 27% em relação ao pico de 2008.9. A

partir daí, retoma o crescimento e finaliza a série com o seu pico de 162,3 em

2010.12.

É importante observar que a trajetória da taxa de câmbio se mostra “invertida”

em relação ao preço das exportações, ou seja, a taxa de câmbio tende a se apreciar

quando o preço das exportações sobe, e o contrário também é verdadeiro.

Arestis, Baltar e Prates (2015) explanaram que a valorização da moeda

nacional entre 2004 e 2008 se deu devido ao cenário internacional favorável, que

permitiu que o crescimento do PIB fosse baseado no consumo e investimento

domésticos. Já no período de 2009 a 2013, a moeda se valoriza em um cenário

internacional desfavorável, o que abrandou o crescimento do consumo (considerada

a principal fonte de demanda efetiva desde 2003) e do investimento, e impactou de

maneira negativa a produção industrial. A incerteza causada no cenário econômico

dificultou o crescimento do investimento autônomo, e o consumo das famílias passa

a crescer a taxas mais baixas depois de 2010.

Embora até aqui tenhamos dado ênfase às questões conjunturais, é preciso

não esquecer que elas ocorrem em um quadro mais geral de transformações mais

estruturais.

Segundo Medeiros (2015), os destaques em termos dessas transformações

mais estruturais da época foram a elevação do poder de compra dos 25% mais

pobres e a mudança da distribuição das famílias por nível de renda. Entre 2008-

2009 (período de crise), para as famílias na faixa de 2 a 5 salários mínimos, ocorre

importante apropriação do consumo, acentuando-se na faixa de 5 a 10 salários

mínimos. A parcela do consumo dos mais pobres - até 2 salários mínimos - foi a

expansão que mais se destacou no período. O autor destaca também que entre os

consumidores mais novos, no que se refere a massa trabalhadora, a taxa de salário

era de um salário e meio.

As famílias com 2 salários mínimos passaram a participar da maior parcela do

consumo total, o que mostra a redução na diferença de consumo na sociedade

brasileira. O autor explana que entre 2003 e 2009, havia diminuído a pobreza no

país, acompanhado de um aumento na renda per capita, expansão do crédito e

aumento do consumo.

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35

Tendo em vista esses avanços econômicos e sociais conquistados nos anos

anteriores à crise, pode-se dizer que o país encontrou-se melhor preparado para

enfrentá-la. Outro ponto para tal enfrentamento foi o fato do país, em plena crise,

empregar políticas monetárias, fiscais e creditícias expansionistas, que amenizaram

seus efeitos. Ferraz (2013) ressalta que a rápida recuperação da economia brasileira

já a partir de 2009 diferencia a crise de 2008 das anteriores. Passaremos a tratar de

tais políticas no próximo capítulo.

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36

3 AS POLÍTICAS DE ENFRENTAMENTO DA CRISE ECONÔMICA NO BRASIL

(2008-2009)

Como visto no capítulo anterior, o Brasil entrou em crise no período de

2008.T4, mas ao se utilizar de um arsenal de políticas macroeconômicas

expansionistas, além de recuperar a renda, o emprego e o consumo, reativou

rapidamente o crescimento econômico, de modo que já em 2009.T2 a economia deu

sinais de franca recuperação. Então, no primeiro momento de crise internacional,

concluímos que o Brasil conseguiu reagir depressa, fazendo com que a economia se

recupere rapidamente. Para Castilho (2011), a situação externa mais confortável

gerada pelo boom de nossas exportações desde início do século XXI contribuiu para

que nossa economia fosse menos afetada. Somando-se a isso, pode-se citar, de

acordo com Ferraz (2013), que nos anos que antecederam a crise as baixas taxas

de juros observadas nos países desenvolvidos ocasionaram um incremento nos

fluxos de capitas direcionados aos países emergentes, inclusive o Brasil.

O cronograma da figura 1 apresenta as medidas anticíclicas adotadas no

Brasil nos primeiros meses da crise:

Figura 1 – Brasil: medidas adotadas para enfrentar o agravamento da crise em fins de 2008 e início de 2009 – Ordem cronológica.

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37

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39

Fonte: Mori e Holland (2010).

A seguir, trataremos dos diversos componentes da reação das políticas

econômicas, separadamente, em subitens. Analisaremos como se deu o

comportamento e as políticas de enfrentamento no período da crise. Começaremos

pela política de crédito no subitem 3.1, seguida das políticas monetária e fiscal nos

subitens 3.2 e 3.3, respectivamente e por fim trataremos da política cambial no

subitem 3.4.

3.1 A política creditícia

Para Moreira e Soares (2010) as políticas monetária e creditícia foram de

grande importância para a recuperação da economia brasileira, enquanto a política

fiscal foi considerada relativamente ineficaz. Além de ter gerado benefício

considerado mínimo, a política fiscal provocou aumento da dívida pública resultante

do maior déficit fiscal nominal.

Afonso (2012) compactua do mesmo pensamento dos autores acima quando

se refere ao reduzido efeito do estímulo fiscal, se comparado às políticas monetárias

e de crédito. Portanto, tanto Afonso (2012) quanto Moreira e Soares (2010) alegam

que a política fiscal foi relativamente ineficaz para reativar a economia.

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40

Ao fazer uma comparação do Brasil com as economias emergentes, que se

privilegiou o incremento dos investimentos governamentais, Afonso (2012) explica

que ainda que estes tenham crescido no Brasil, o fizeram em uma proporção muito

pequena diante daqueles países.

Para ele, “o crédito foi decisivo, seja para travar repentinamente a economia

brasileira, seja para sua retomada”3.

Na leitura de Moreira e Soares (2010) as principais medidas anticíclicas

adotadas no Brasil foram: o lançamento de novas linhas de crédito, instituídas

principalmente em bancos e instituições públicas, suprindo a falta de crédito do setor

privado; um aumento nos limites desses financiamentos; e a criação de novas linhas

de financiamento para consumo de móveis, equipamentos eletrônicos, material de

construção e eletrodomésticos.

O crédito, que encontrava-se abaixo de 25% do PIB em 2004, cresce 13

pontos percentuais do produto em apenas quatro anos, chegando a 38% do PIB em

julho de 2008 (Afonso, 2012). No início de 2009, a política de crédito consegue,

conforme visto no gráfico 14, reverter a tendência de queda do crédito e desde então

manter um contínuo aumento na relação crédito/PIB, que contribuiu para o aumento

do consumo (conforme visto no gráfico 6). Passemos agora a observar como tal

expansão se deu entre instituições públicas e privadas.

3 Dada importância do crédito, ele passaria a ser um novo pilar da política econômica, de modo que o tripé virou uma espécie de quatrilho.

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41

0

100.000

200.000

300.000

400.000

500.000

600.000

700.000

800.000

créditoPublico Crédito privado

Gráfico 14 - Nível das operações de crédito dos setores público e privado, dados mensais, (2007-2010), em milhões de reais.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BACEN (2016).

As séries em questão seguem com uma tendência crescente, com o crédito

privado em níveis mais elevados que o público, desde janeiro de 2007 até janeiro de

2009, quando o crédito privado interrompe seu crescimento, enquanto o público

segue crescendo. É nesse momento crítico da crise, portanto, que a oferta de crédito

público amortece o congelamento do crédito privado e o consequente mergulho da

economia em uma profunda depressão. Há então convergência entre eles, que se

inicia em julho de 2009 e dura até dezembro de 2009. A partir desse momento as

séries começam a desacoplar e as operações de crédito do setor público passam a

caminhar acima das operações de crédito do setor privado, mas em níveis bem

próximos.

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42

Gráfico 15 - Taxa de variação das operações de crédito concedido pelos setores público e privado, dados mensais de (2007-2010).

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BACEN (2016).

Ao analisar o comportamento da taxa de variação das operações de crédito

de instituições financeiras públicas e privadas (vide gráfico 15), percebe-se que a

taxa de variação das operações privadas segue acima da das públicas até

novembro de 2007. A partir de então convergem até fevereiro de 2008. A partir daí a

taxa de crescimento das operações de crédito privadas caminham com tendência

decrescente. Com o advento da crise em 2008.T4, tal tendência se mostra de forma

mais clara e a taxa de variação das operações de crédito das instituições financeiras

públicas ultrapassa a das privadas durante todo o período de agosto 2008 até

dezembro de 2009.

No período em crise, percebe-se claramente que as operações de crédito do

setor público supriram a carência do setor privado e sustentaram a expansão da

relação crédito/PIB. Em plena crise, a taxa de variação das operações de crédito do

setor financeiro privado ficou negativa, chegando ao seu vale em janeiro de 2009.

A partir de uma análise empírica, com o uso do método Box-Jenkins em

séries temporais, Moreira e Soares (2010) concluem que a política creditícia

expansionista foi o fator principal para o aumento do consumo das famílias e do

-2%

-1%

0%

1%

2%

3%

4%

5%

6%

7%

jan

/07

ma

r/0

7

ma

i/0

7

jul/0

7

se

t/0

7

no

v/0

7

jan

/08

ma

r/0

8

ma

i/0

8

jul/0

8

se

t/0

8

no

v/0

8

jan

/09

ma

r/0

9

ma

i/0

9

jul/0

9

se

t/0

9

no

v/0

9

jan

/10

ma

r/1

0

ma

i/1

0

jul/1

0

se

t/1

0

no

v/1

0

PUBLICO PRIVADO

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43

produto agregado durante o período de crise, contudo, não dispensam a importância

da política monetária4.

Afonso (2012) destaca nesse movimento a evolução do crédito pessoal,

influenciado pelo crédito consignado, o qual por sua vez é fortemente ligado ao

crescimento dos salários. O crédito se expandia na véspera da crise a uma

velocidade de três a dez vezes maior que o PIB, sendo determinante “para uma

rápida saída e aceleração progressiva e contínua da produção, a partir de meados

de 2009” (Afonso, 2012 p. 6). Contudo, quando a crise de confiança deteve o

crédito, ele contribuiu para o aprofundamento do período recessivo no qual entrou o

país, considerado pelo autor o mais profundo desde os anos 80, mas um dos mais

breves.

Entre as instituições envolvidas na política de crédito que se seguiu, voltada

para o combate à crise, Afonso (2012) ainda destaca a participação do Tesouro

Nacional, que se transformou no maior mantenedor de recursos de crédito do país.

3.2 A política monetária

Em outubro de 2008, o Banco Central do Brasil reduziu a alíquota do

recolhimento compulsório e do encaixe obrigatório incidente sobre os depósitos à

vista. A política monetária respondeu de imediato a crise, com uma queda nos

compulsórios bancários, conforme mostrado no gráfico seguinte número 16.

4 De acordo com estatísticas obtidas em Moreira e Soares (2010, pág. 57, tabela 6) chegou-se ao resultado de que um incremento de 10% na variável crédito implica um aumento em torno de 6,1% no consumo das famílias. Destaca assim a importância do crédito ao impactar a demanda agregada através do consumo.

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44

45% 42% 43%

15% 14%

17%

0%

5%

10%

15%

20%

25%

30%

35%

40%

45%

50%

Recursos à vista Depósitos à prazo

Gráfico 16 - Evolução do % de depósitos compulsórios dos bancos comerciais no Banco Central do Brasil, dados trimestrais, (2007-2010).

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BACEN (2016).

Ao analisar o período em questão, observa-se que de acordo com o gráfico

16, no terceiro trimestre de 2008 o compulsório sobre recursos à vista se encontrava

no patamar de 45%, e recua para 42% no trimestre seguinte. Indica assim que o

BACEN estava decidido a tomar medidas monetárias expansionistas para o

enfrentamento da crise. Tal indicador segue uma trajetória constante até o segundo

trimestre de 2010, mas a partir daí inverte tal tendência. Os valores de 43% para os

dois últimos períodos da série mostram que continuaram em patamares mais baixos

do que no período pré-crise. Já os compulsórios incidentes sobre depósitos a prazo

seguiram desde o primeiro trimestre da série até 2009.T3 em 15%. Inverte tal

tendência, com uma leve queda para 14% em 2009.T4 e retoma a tendência

crescente até o final da série.

Ainda no que se refere à política monetária, o BACEN decidiu fazer cortes na

SELIC, conforme o gráfico 17.

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45

10,49%

10,13% 9,57%

5,21%

8,13% 7,98%

2,37%

5,23%

13,80%

10,06%

15,06%

7,31%

11,45%

0,00%

2,00%

4,00%

6,00%

8,00%

10,00%

12,00%

14,00%

16,00%

2007.0

1

2007.0

3

2007.0

5

2007.0

7

2007.0

9

2007.1

1

2008.0

1

2008.0

3

2008.0

5

2008.0

7

2008.0

9

2008.1

1

2009.0

1

2009.0

3

2009.0

5

2009.0

7

2009.0

9

2009.1

1

2010.0

1

2010.0

3

2010.0

5

2010.0

7

2010.0

9

2010.1

1

selic real selic nominal

Gráfico 17 - Selic nominal e real*, dados mensais para o período de (2007-2010).

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BACEN (2016). *Selic real calculada a partir das taxas de inflação acumuladas nos últimos 12 meses, medidas pelo IPCA.

As duas variáveis mostraram um comportamento semelhante e oscilatório

para todo o período analisado, com a Selic nominal seguindo acima da real para

todo o período.

Observa-se para a Selic nominal uma tendência decrescente para o período

que compreende 2007.1 até 2008.2. Inicia a série com um valor de 13,80% em

2007.1 e em 2008.2 chega ao valor de 10,06%. A partir de então a pressão

inflacionária faz inverter tal tendência. A Selic nominal se eleva a 15,06% no ano de

2008.10, alcançando o seu pico. Sofre uma rápida inflexão em 2008.11, invertendo

tal comportamento já em 2008.12. A série segue oscilatória e com tendência

decrescente até 2010.2 alcançando seu vale, com um valor de 7,31%. A partir daí,

segue crescente até o final da série, mas em patamares menores em relação ao

período que compreende 2008.6 até 2009.1.

Vale ressaltar que embora já houvesse claros sinais de desaquecimento da

atividade econômica no Brasil e no mundo em 2008.T3 (ver gráficos - gráfico 1 do

capítulo 1 e gráfico 1 do capítulo 2), o BACEN seguiu erroneamente elevando a taxa

de juros até outubro de 2008, só revertendo a política em novembro. Na ausência

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46

desse movimento, talvez a saída brasileira da crise talvez tivesse sido ainda mais

rápida.

A Selic real inicia a série com um valor de 10,49%, segue com tendência

decrescente e depois de atingir um valor de 5,21% em 2008.2, tal tendência é

invertida. Atinge então valores de 8,13% em 2008.10 e 7,98% em 2008.12. Segue

em queda e alcança o vale da série no período de 2010.2, com um valor de 2,37%.

A série continua em tendência crescente, com algumas pequenas interrupções.

3.3 A política fiscal

Para Serrano e Summa (2015) três fatores contribuíram para o crescimento

sustentável da demanda doméstica de 2004 a 2010, dois dos quais relacionados à

política fiscal. O primeiro foi a expansão do consumo (vide gráfico 6 no capítulo 2)

das famílias e dos investimentos residenciais: com criação do crédito imobiliário,

forte criação de emprego no setor formal, aumento do salário real e crescente

transferência do setor público para as famílias. O segundo foi o impacto

expansionista da política fiscal que, além de ligado ao crescimento do consumo das

famílias através de maiores transferências sociais, também ocorreu aumento do

investimento das empresas estatais e do aumento salarial do funcionalismo público,

mesmo sem abandono da meta de superávit primário.

Percebe-se que enquanto Moreira e Soares (2010) e Afonso (2012)

consideram que o papel da política fiscal no combate à crise foi pequeno e ineficaz,

Serrano e Summa (2015) enfatizam a importância de tal política. Para tais autores, a

ampliação da renda pessoal disponível pelo estímulo da política fiscal ajudou o

consumo a crescer rapidamente entre 2004 e 2010. Essa ampliação da renda

pessoal disponível, por sua vez, foi um dos elementos chaves que ajudou a adiar um

rápido aumento da relação dívida/renda, tornando a expansão do crédito mais

sustentável. A criação de novos empregos no período pré-crise incorporou ao

mercado de crédito famílias que outrora não tiveram acesso ao crédito formal. Esse

processo esteve associado à formalização do emprego que, no período de 2004 a

2010, criou 10,2 milhões de novos postos de trabalho formais.

Em decorrência do observado por Serrano e Suma (2015) no parágrafo

acima, não se pode desvincular o desempenho da política de crédito da política

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47

45,90%

37%

41,6% 38%

61,40% 61,40% 64,70%

64,90%

-

10,00

20,00

30,00

40,00

50,00

60,00

70,00

2007.1

2007.3

2007.5

2007.7

2007.9

20

07

.11

2008.1

2008.3

2008.5

2008.7

2008.9

20

08

.11

2009.1

2009.3

2009.5

2009.7

2009.9

20

09

.11

2010.1

2010.3

2010.5

2010.7

2010.9

20

10

.11

DLSP DBGG

fiscal. Ao analisar o papel de cada política na superação no momento da crise,

percebe-se que as mesmas não são independentes.

Agora passaremos da discussão acima para os indicadores fiscais do gráfico

18, expondo assim o resultado da política fiscal nos indicadores de endividamento

público.

Gráfico 18 - Evolução mensal da dívida líquida do setor público (DLSP) e da dívida

bruta do governo geral (DBGG), em % do PIB, entre 2007.01 e 2010.12.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BACEN (2016).

A razão Dívida Bruta do Governo Geral/PIB (DBGG) apresentou um

comportamento mais oscilatório em relação à líquida. Inicia com uma tendência

decrescente do início da série até 2008.4. O Brasil ainda não havia entrado no

processo de desaceleração. Inverte tal tendência, chegando ao patamar de 61,40%

em 2008.6 e em 2008.12. Entre esses dois períodos, observa-se um período de

queda de 5 meses, que vai de 2008.7 até 2008.11, com valores bem próximos, que

variam entre 50% e 50,5%. A série alcançou patamares de 64,70% em 2009.12 e

64,90% em 2010.5.

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48

A razão Dívida Líquida do Setor Público/PIB (DLSP) inicia a série em 45,90%

do PIB e em queda. Chega ao seu vale em 2008.11, com um valor de 37%. Volta a

crescer, alcançando um patamar de 41,60% em 2009.9. Inverte então a tendência

de crescimento e segue em queda até o final da série. Percebe-se que a tendência

de queda da DLSP começa em 2008.7 e vai até 2008.11, e corresponde exatamente

aos 5 meses referentes à queda da DBGG citados anteriormente.

É importante atentar que a diferença entre as duas séries acima corresponde

ao acúmulo de ativos pelo setor público, particularmente reservas internacionais e

ampliação do crédito do setor financeiro público (BNDES, Banco do Brasil, Caixa

Econômica Federal, etc.) ao setor privado. Sendo assim, o aumento da diferença

entre as duas séries significa que está havendo aquisição de ativos pelo setor

público e vice–versa.

Gráfico 19 - Evolução da necessidade de financiamento do setor público (NFSP) em % do PIB, resultados nominal e primário, valores mensais, (2007.1- 2010.12).

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BACEN (2016).

As duas séries seguem trajetórias semelhantes para todo o período

analisado. Cabe ressaltar que a NFSP em termos nominais reflete os juros da

dívida, a carga tributária e a evolução das despesas. E por esse motivo, percebe-se

3,01%

1,32%

4,28%

2,86% 3,16%

2,41%

-3,49%

-3,98%

-0,94%

-2,62%

-5,00

-4,00

-3,00

-2,00

-1,00

-

1,00

2,00

3,00

4,00

5,00

2007.1

2007.3

2007.5

2007.7

2007.9

2007.1

1

2008.1

2008.3

2008.5

2008.7

2008.9

2008.1

1

2009.1

2009.3

2009.5

2009.7

2009.9

2009.1

1

2010.1

2010.3

2010.5

2010.7

2010.9

2010.1

1

Nominal Primário

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49

que as séries se aproximaram quando os juros estão mais baixos e se afastam,

quando os mesmos estão mais altos.

O resultado em termos nominais inicia a série com um valor de 3,01%, segue

com um comportamento quase constante, com pequenas diferenças observadas em

seus valores, até 2007.12. Tal tendência se inverte e a série alcança o seu menor

patamar em 2008.10, com um valor de 1,32%. Segue com tendência crescente

alcançando patamares mais elevados em 2009.10 com um valor de 4,28%. A partir

daí recua e depois de passar por três meses em queda, prossegue quase que

constante, com valores que variam entre 2,86% em 2010.1 e 3,16% em 2010.8.

Apresenta um pequeno recuo em 2009.10 e encerra a série com 2,41%.

É importante destacar que de acordo com a convenção adotada, NFSP > 0,

significa déficit público e vice-versa, de modo que um aumento do indicador no

gráfico corresponde a um aumento no déficit (caso NFSP > 0) ou diminuição do

superávit (caso NFSP < 0).

Dessa forma, observa-se que o resultado primário mostrou-se superavitário

para todo o período analisado. Percebe-se que a série começa com um valor de -

3,49, segue com tendência decrescente, aumentando o superávit para -3,98% em

2008.10. A partir daí, tal tendência se inverte e o superávit sofre uma drástica

retração, com um valor de -0,94% no período de 2009.10. Embora nesse período o

superávit tenha diminuído, não foram observados déficits. A série segue

superavitária, encerrando o período com um valor de -2,62% (2010.12). Contudo

não apresenta superávits tão elevados quanto os observados para o período que

compreende de 2007.1 até 2008.10.

Lara, Rodrigues e Bastos (2015), ao analisarem a economia brasileira no

período de 2003 a 2012, concluem que em boa parte do período as contas públicas

apresentaram superávit primário maior do que o necessário para estabilizar a dívida

pública em proporção do PIB.

Para os autores acima, entre 2006-2008, com a entrada de Guido Mantega no

Ministério da Fazenda, o superávit manteve-se elevado, mas em nível menor do que

no período imediatamente anterior. O fato acima mencionado pelos autores em

questão ajuda a explicar a dinâmica descendente da relação DLSP/PIB, ao longo de

todo o período, e da relação DBGG/PIB no início da série, como ilustra o gráfico 18.

A figura 2 e os gráficos a seguir, buscarão explicar o comportamento dos

indicadores NFSP/PIB.

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50

Figura 2 - Carga tributária bruta, dados mensais, período (2002-2012), em % do PIB.

Fonte: Orair et al. (2013).

A carga tributária brasileira apresentou uma tendência crescente para todo o

período analisado, como pode ser observado na linha de tendência pontilhada na

figura 2 acima. Serrano e Summa (2015) chamam atenção que o aumento da carga

tributária bruta como % do PIB nesse período é em parte devida ao aumento do

trabalho formal5. Do ano de 2005 até 2009, ela se manteve nos patamares mais

elevados da série, apresentando um pico de 34,10% para todo o período em

questão. Em meados de 2009, como resposta à crise, tal trajetória é interrompida,

chegando ao vale de 32,90% em dezembro de 2010. Segue com tendência

crescente, alcançando um pico de 35,20% no final da série.

Conforme Lara, Rodrigues e Bastos (2015), entre 2009 e 2010, para enfrentar

a crise se permitiu uma diminuição significativa no resultado fiscal, resultante de

elevação nos gastos e redução de alíquotas tributárias.

5 Segundo Medeiros (2015), outro fator que auxiliou de maneira estratégica nesse crescimento foram

as fiscalizações do mercado de trabalho que ocorreram no período, bem como a estrutura utilizada para beneficiar a formalização da pequena empresa.

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51

-5,39%

4,43%

-3,27%

4,95%

-4,01%

2,84%

-0,98%

2,76%

4,60%

-5,36%

-4,77%

-0,22%

-6,00%

-4,00%

-2,00%

0,00%

2,00%

4,00%

6,00%

CONS. APU PIB REAL

Conforme observado na figura 2, no período que compreende de 2009.6 até

2010.12, período esse de crise, ocorreu uma redução na carga tributária em virtude

da política fiscal adotada no período, que afetou a arrecadação. Essas medidas

foram mencionadas no cronograma da figura 1, por exemplo, a redução do IPI sobre

as vendas de veículos, caminhões, produtos de linha branca e no segmento da

construção civil. Tais fatores também ajudaram a explicar o comportamento do

NFSP (que mostrou um superávit primário inferior), para o período em questão, e da

DLSP/PIB, que mostrou uma tendência decrescente para o mesmo período.

Gráfico 20 - Taxas de crescimento do consumo das APU e do PIB real, trimestral, (2007.T1-2010.T4).

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IBGE (2016).

De maneira geral, a taxa de crescimento do PIB esteve acima da taxa de

crescimento do consumo das APU, com destaque para os períodos a seguir: 2007.1,

2007.2, 2008.1, 2008.2, 2009.2, 2009.3, 2010.1 e 2010.2. Para todo o período

analisado, a taxa média de crescimento do PIB real foi de 1,13%, enquanto a taxa

média de crescimento do consumo das APU atingiu 0,65%. Percebe-se que em

2008.3 as séries convergem e, a partir desse período, a taxa de crescimento do PIB

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52

real cai mais rápido que a taxa de crescimento do consumo das APU. O PIB real

passa a alcançar os patamares mais baixos da série, 2008.4 e 2009.1, no período

crítico da crise. Contudo, a recuperação foi claramente rápida, o que denota a

possível ação estabilizadora do consumo das APU.

Gráfico 21 - Variação da FBKF (formação bruta do capital fixo) das APU, em base mensal (acumulado em 12 meses), e evolução do PIB real mensal dessazonalizado (IBC-BR).

Fonte: dos Santos et al. (2016) – (FBKF APU) e Bacen (2016) – IBC-BR.

O gráfico 21 ilustra o comportamento da variação da FBKF APU (Formação

Bruta do Capital Fixo da Administração Pública) e da evolução do PIB real. A FBKF

inicia a série abaixo do PIB real, mas como resposta à crise, tal comportamento é

invertido, de modo que pode-se perceber a abertura de um grande hiato entre as

séries, exatamente no momento crítico da crise. A FBKF chega ao seu pico em

2008.9, com uma variação de 4,59%, enquanto o PIB, que já vinha em queda

acentuada, chega ao seu vale em 2008.12, apresentando uma variação de -3,27%.

Atenta-se para o fato de que, embora a queda do PIB tenha sido drástica, a sua

subida foi rápida, talvez em parte devido à reação do Investimento das APU na crise.

-4,00%

-3,00%

-2,00%

-1,00%

0,00%

1,00%

2,00%

3,00%

4,00%

5,00%

2007.0

1

2007.0

3

2007.0

5

2007.0

7

2007.0

9

2007.1

1

2008.0

1

2008.0

3

2008.0

5

2008.0

7

2008.0

9

2008.1

1

2009.0

1

2009.0

3

2009.0

5

2009.0

7

2009.0

9

2009.1

1

2010.0

1

2010.0

3

2010.0

5

2010.0

7

2010.0

9

2010.1

1

var fbkf apus var ibc-br des

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53

Outro grande hiato, não tão grande como o anterior, é observado no período que vai

de 2010.2 até 2010.10, e a série finaliza com a variação da FBKF das APU subindo

e o PIB em queda.

Na visão de Serrano e Summa (2015) durante o período de 2004 a 2010, o

investimento da administração pública cresceu 14% a.a. e os investimentos das

empresas estatais, 16,3%. Isso sugere que além do investimento das APU, é

possível que o investimento das empresas estatais também tenha sido acionado

para ajudar a retomada da economia.

Quadro 1 - Transferências do governo para o setor privado – juros sobre a dívida pública e outros programas – em % do PIB (2007 a 2010).

2007 2008 2009 2010

Juros sobre dívida pública* 6,20% 5,73% 5,09% 5,03%

Outras transferências** 20,78% 20,76% 21,27% 20,84%

Total de transferências 26,98% 26,49% 26,36% 25,87%

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Bacen (2016) e de Orair et al. (2015).* Juros nominais sem desvalorização cambial, média anual do acumulado mensal em 12 meses.

A porcentagem de outras transferências do governo para o setor privado,

apresentado no quadro 1, mede melhor o impacto fiscal na demanda agregada do

que o total de transferências, já que os recebedores de juros da dívida pública

possivelmente possuem baixa propensão marginal a consumir. Ao observar o

quadro 1, percebe-se que o % de tais transferências sobe em 2009, ano de crise,

como seria de se esperar de uma política fiscal anticíclica. Contudo, há indícios de

que a contribuição da mesma não alcançou patamares tão elevados.

De acordo com a leitura de Ferraz (2013), entre 2004 e 2008 ocorreu um

aumento nas transferências intergovernamentais, que cresceram 7,75% a.a. No

período de 2002 a 2008, as transferências vinculadas de saúde e educação,

aumentaram o seu peso no total das transferências de 16% para 19,9%. Mas é

importante ressaltar que do ponto de vista macroeconômico, o impacto dessas

transferências só aparecerá conforme forem utilizadas para seus fins.

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54

Nas transferências intergovernamentais, entre 2002 e 2008, que eram

direcionadas as famílias, a participação no PIB de tais transferências ficou em torno

de 1,2%, que se deu através da promoção da redistribuição de renda e sobretudo,

por meio de políticas como o bolsa família e a valorização do salário mínimo. Tudo

isso implica diretamente no fortalecimento da demanda, dada a baixa propensão a

poupar dessa parte da população, estimulando assim a demanda doméstica,

produção e emprego. Tais transferências de renda foram um dos fatores que

ajudaram a diminuir o impacto da crise.

Conforme Medeiros (2015), pelo lado social foram fundamentais as políticas

de transferências, pois fizeram diminuir a quantidade de empregos destinados

apenas à sobrevivência dos indivíduos. Tais empregos alocam trabalhadores em

condições de precariedade, na maioria das vezes, em todos os aspectos. Todos

esses pontos ajudaram a aquecer o mercado de trabalho no período em questão.

Assim, entende-se que os gastos foram fundamentais para o acesso ao

crédito e dessa forma, percebe-se que a política fiscal mais expansionista

empreendida nessa primeira fase da crise foi importante para a retomada do nível de

atividade. Ferraz (2013), citando os dados de Orair e Gobetti (2010), concorda que

foram os gastos públicos que conferiram ao Brasil um maior amortecimento do efeito

da crise mundial de 2007/2008.

3.4 A política cambial

Seguem descritas abaixo algumas medidas cambiais tomadas com vistas a

amortecer os efeitos da crise. Segundo Pinto (2011), no Brasil, o Ministério da

Fazenda passa, em 2009, a fazer cobranças de IOF (Imposto sobre Operações

Financeiras) sobre as aplicações financeiras feitas no Brasil por aplicadores

estrangeiros. Para o então Ministro Guido Mantega, o intuito era “combater a

especulação e também conter a queda do dólar frente a moeda brasileira, tendo em

vista evitar que ocorresse excesso de especulação na bolsa de valores ou no

mercado de capitais brasileiro” (Pinto, 2011, p.42). Já em 2010 o Ministério da

Fazenda promulga mais medidas para arrefecer a valorização da moeda brasileira.

Aumentou o IOF sobre investimentos estrangeiros em renda fixa, que passou de 4%

para 6%.

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55

Tanto Moreira e Soares (2010) quanto Mori e Holland (2010) observam que

poucos dias após a falência do Lehman Brothers, precisamente em 19 de setembro

de 2008, a taxa de câmbio do Brasil se deprecia em 5% e, para evitar maiores

depreciações, o BACEN faz um leilão extra de US$ 500 milhões de dólares. De

acordo com Moreira e Soares (2010), em 4 de novembro do mesmo ano o BACEN

altera as regras dos leilões para poder financiar as exportações, já que devido à

cristalização no mercado de crédito comercial internacional, o Bacen viria a atuar no

intuito de fornecer crédito diretamente aos exportadores.

De acordo com Mori e Holland (2010), nos três anos que antecederam a crise,

precisamente entre 2005.7- 2008.7, o Brasil apresentava uma taxa de câmbio real

efetiva no valor de -24,67% (apreciada). No auge da crise entre 2008.8-2008.12,

passa para 18,98% (depreciada). De janeiro de 2009 para agosto do mesmo ano a

taxa passa para -21,57% (volta a apreciar). E já no efeito final da crise em questão a

taxa marca um valor de -2,9%, a menor apreciação do período analisado. Para uma

média no período 2005-2009 pode-se dizer que encontrou-se apreciada com um

valor de -27,26%.

Ainda para os autores em questão, entre agosto de 2007 e agosto de 2008,

sob influência da forte crise mundial, a taxa se valoriza ao redor de 12%. Em agosto

de 2008 o real passa por uma profunda desvalorização nominal e real de 18,50%.

Mas destacam que o real se desvaloriza bem menos nesse período do que sua

valorização dos cinco anos anteriores.

De acordo com os autores citados neste subitem 3.4, em 6 de outubro de

2008 o governo utiliza as reservas internacionais para financiar exportadores. Em 29

de outubro do mesmo ano, o FED (Federal Reserve System norte-americano) e o

BACEN anunciaram um swap6 (definir em nota de rodapé o que é uma operação de

swap) de troca de reais por dólares no valor de US$ 30 bilhões.

De acordo com o gráfico 13, a taxa de câmbio nominal se mantém baixa e

com tendência decrescente desde o primeiro ano da série 2007.1, chegando ao seu

vale em 2008.T4, período crucial dos impactos da crise em nossa economia.

6 Termo em inglês que significa, literalmente, “permuta” e que designa o processo de crédito

recíproco ou empréstimos recíprocos entre bancos, em moedas diferentes e com taxas de câmbio idênticas.

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56

Posteriormente, a mesma se inverte e segue tendência crescente, alcançando o

seu pico em 2009.T2. Segue e finaliza a série com tendência decrescente.

No gráfico 12, ao observar-se o comportamento da Balança de Pagamentos,

nota-se que a mesma é puxada pela conta de capitais e financeira. Em outubro de

2008 (quarto trimestre do ano), a queda na conta de capitais e financeira reduz de

forma drástica o saldo da balança de pagamentos. Mostra assim que nossa balança

de pagamentos mantinha uma relação mais forte com o desempenho da conta de

capitais e financeira do que com o saldo em transações correntes.

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57

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho trata do comportamento da “Política econômica no Brasil

em crise”. Crise iniciada no mercado imobiliário americano, mais conhecida como

crise de subprime, que afetou a economia brasileira crucialmente no quarto trimestre

de 2008. Foi analisado o comportamento das duas economias em questão. O

impacto da crise para economia brasileira, bem como as políticas utilizadas para o

enfrentamento de tal crise: creditícia, monetária, fiscal e cambial com uma maior

ênfase para política fiscal. Busca destacar, principalmente, o período que

compreende de 2007.1 até 2010.12.

A literatura sobre o tema mostra a existência de divergências acerca do papel

da política fiscal. De acordo com Moreira e Soares (2010) e Afonso (2012), a política

fiscal teve pouco impacto para a recuperação da economia brasileira, vis-à-vis as

políticas monetária e de crédito. Já em Serrano e Summa (2015) e em Ferraz

(2013), a visão é oposta, a política fiscal é considerada impactante para a

recuperação da economia. A presente monografia teve então por objetivo traçar uma

visão panorâmica da política econômica nesse primeiro momento da crise brasileira,

visando em especial entender melhor o papel da política fiscal na rápida

recuperação que se seguiu.

Para atingir tal objetivo, foi necessária a verificação de dois pontos. O primeiro

refere-se a se os diversos indicadores de política fiscal denotam ou não a possível

presença de política fiscal expansionista no período crítico da crise e em que

medida. Para tal análise utilizou-se um arsenal de indicadores fiscais, tais como:

Dívida Líquida do Setor Público e Dívida Bruta do Governo Geral, Necessidade de

Financiamento do Setor Público em termos nominais e primários, Carga Tributária

Bruta, todos em proporção do PIB; o crescimento do Consumo das Administrações

Públicas, da Formação Bruta de Capital Fixo das Administrações Públicas, das

Transferências Governamentais, etc. A partir da análise feita utilizando-se desse

arsenal de indicadores fiscais, percebeu-se melhor a importância da política fiscal

expansionista no momento de crise.

O segundo ponto se refere ao suposto (implícito) de que o desempenho da

política de crédito foi independente da política fiscal, como presente nos exercícios

econométricos de Moreira e Soares (2010). Os indicadores de evolução do crédito

não captam apenas o efeito das políticas na oferta de crédito, mas o efeito

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58

combinado dessas políticas com a demanda de crédito, que é afetada pela política

fiscal.

Sendo assim, a hipótese da pesquisa é de que há elementos suficientes que

permitem questionar a interpretação da pouca relevância da política fiscal na

reversão da fase da crise brasileira em 2008-2009. Levantada tal hipótese,

passamos a averiguá-la através de evidências empíricas. Citamos alguns

indicadores e suas respectivas contribuições para a sustentação da hipótese.

O primeiro capítulo do trabalho mostrou como fatores causadores da crise

mundial, associada ao excesso de alavancagem no sistema bancário americano,

somado-se a uma maior integração financeira internacional e um mercado financeiro

pouco regulado e supervisionado, que causou o descompasso entre a oferta e a

demanda por imóveis nos EUA, que gerou tal crise. Foi observada a relação entre o

PIB americano e o PIB do resto do mundo, mostrando um movimento semelhante de

2000 a 2010, o que mostra o quanto a crise americana atingiu a economia mundial e

consequentemente a brasileira. Contudo, no período de crise, o PIB da economia

americana cai bem mais que o PIB do resto do mundo.

Diferente do ocorrido na economia americana, a crise no Brasil não afetou

inicialmente o mercado financeiro e os bancos. Ela se iniciou aqui no quarto

trimestre de 2008 e em 2009 já estava instalado o período recessivo pelo qual

passou a nossa economia.

No segundo capítulo, atentamos para essa chegada da crise no Brasil e para

quais foram suas consequências. A crise e a recuperação da economia mundial

interagiram com a brasileira, via quantidade e preços das exportações e via do fluxo

de capitais, como ilustrado no capítulo em questão. Foram basicamente os fluxos de

capitais que puxaram a nossa balança de pagamentos para baixo ou para cima na

crise e na reversão. A balança de pagamentos e a Conta de Capital e Financeira

acompanharam o mesmo movimento, as fugas de capitais no momento da crise por

sua vez, afetaram negativamente o mercado de divisas, como observado no

capítulo.

As exportações, embora tenham contribuído para a nossa recuperação, nos

segundos trimestres de 2008 e de 2009, não explicam toda a recuperação da

economia brasileira, logo utilizou-se um arsenal de políticas domésticas que

auxiliaram nesse processo.

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59

Com o advento da crise, como já mencionado anteriormente, a economia

brasileira chegou à recessão em 2009. Ao analisar os componentes da demanda

agregada, atenta-se para o fato de que as políticas domésticas utilizadas

conseguiram inverter o crescimento negativo do consumo e do investimento

privados, que foram considerados fundamentais para a recuperação da economia.

Enquanto no primeiro trimestre de 2009 o consumo caiu 4,41%, no segundo já

apresentou um crescimento de 4,29%, que se manteve até o final de 2009. O setor

industrial, que evidentemente também se mostrou fragilizado no período crítico,

recuperando-se entre o último trimestre de 2009 e início de 2010. Essa queda na

produção industrial ocasionou uma queda no grau de utilização da capacidade

instalada da indústria, bem como diminuição nas horas trabalhadas na indústria de

transformação, e aumento na taxa de desemprego.

Como consequência da crise e do movimento do crédito privado, ocorre

redução nos preços dos ativos, bem como a formação das expectativas negativas

para os empresários, prejudicando os investimentos. O preço das ações, que crescia

mais depressa do que o preço dos imóveis até junho de 2008 tem tal quadro

invertido, pois nesse período a queda no preço das ações tem relevância.

No terceiro capítulo é apresentado um arsenal de indicadores das políticas

monetárias, creditícias, fiscais e cambiais que visavam avaliar o desempenho

dessas diversas políticas e sua importância para a rápida reversão. No caso

específico da política fiscal, mostraram que a taxa de crescimento do consumo das

APU, e particularmente a variação da formação bruta de capital fixo das APU, foram

expansionistas, o que contribuiu para no momento de crise, sustentar o PIB. O

comportamento da carga tributária bruta, também corrobora para a hipótese

levantada. A queda no indicador no período crítico evidencia seu uso mais

expansionista, como a isenção de alguns impostos, com vistas a elevar o consumo

privado. O comportamento das transferências governamentais para o setor privado

em 2009, como proporção do PIB, sugere possibilidade similar.

Através dos indicadores creditícios e fiscais analisados ao longo de todo

nosso trabalho, concluímos que a política fiscal ajudou a sustentar os efeitos da

política de crédito, e que tais políticas apresentaram um comportamento de

complementariedade, e não de independência. Portanto, ampliou-se o grau de

confiança na hipótese de que é questionável a interpretação da pouca relevância da

política fiscal na reversão de fase da crise brasileira em 2008-2009.

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60

Segundo Medeiros (2015), a presença de um regime de crescimento liderado

pela demanda no Brasil é o que explica a expansão do salário real e do consumo

das famílias da última década. Para tal autor, o ciclo expansivo de crescimento nos

anos 2000, alavancado por fatores, que dentre eles estão presentes, o consumo

privado e os gastos públicos, incentivaram a taxa de investimento da economia e o

emprego formal para um dos patamares mais elevados de nossa história. A união da

renda, emprego e crédito conferiu à economia o alicerce do maior crescimento do

mercado interno brasileiro.

Por tudo isso, na confecção desse trabalho a intervenção do Estado foi

considerada de suma importância para atuar de forma a amenizar as disparidades

do livre mercado. Já que a “mão invisível” é considerada ineficiente para solucionar

tais disparidades, a presença ativa do Estado é necessária para garantir a

estabilidade econômica. Ao observar a crise de 1929 e a insuficiência de demanda

agregada existente, Keynes passou a olhar de forma especial para tal contexto, e

concluiu desde então sobre o quanto é importante o aumento dos gastos públicos

em momentos de recessão, enquanto um corte em tais gastos só faz contribuir para

o aumento do período recessivo.

A partir de então Keynes se contrapôs à lei de Say, ao automatismo dos

mercados, dando uma maior importância ao crescimento da demanda efetiva.

Defendia que o Estado deveria atuar para gerar emprego e compensar a falta de

eficiência macroeconômica oriunda da iniciativa privada. A teoria keynesiana

argumenta ser a política fiscal expansiva adequada em contextos de insuficiência de

demanda agregada, onde ocorre a elevação de estoques de produtos não vendidos,

acarretando uma redução na produção e alto nível de desemprego. Diante desse

cenário a política fiscal atuaria através do aumento dos gastos públicos; da

diminuição da carga tributária, estimulando o consumo e investimento privados.

Tudo isso se fez necessário na economia brasileira como forma de combate à crise.

O que levou a uma rápida recuperação do emprego, da renda, do consumo e do

nível de atividade econômica no período analisado.

O trabalho sofreu de algumas limitações, como a ausência de algumas

modelagens e exercícios econométricos que auxiliariam a avaliar a hipótese. O

intuito é de desenvolver futuros trabalhos, que serão voltados a sanar tais limitações.

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