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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Instituto de Física Gleb Wataghin Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática ALESSANDRA RODRIGUES DE ALMEIDA APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DO PROFESSOR QUE ENSINA MATEMÁTICA NA INFÂNCIA: UM OLHAR PARA O CONTEXTO COLABORATIVO LEARNING AND PROFESSIONAL DEVELOPMENT OF TEACHERS WHO TEACH MATHEMATICS FOR CHILDHOOD: A LOOK AT THE COLLABORATIVE CONTEXT Campinas 2017

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Instituto de Física Gleb Wataghin

Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática

ALESSANDRA RODRIGUES DE ALMEIDA

APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DO PROFESSOR QUE ENSINA MATEMÁTICA NA INFÂNCIA: UM OLHAR PARA O CONTEXTO

COLABORATIVO

LEARNING AND PROFESSIONAL DEVELOPMENT OF TEACHERS WHO TEACH MATHEMATICS FOR CHILDHOOD: A LOOK AT THE COLLABORATIVE

CONTEXT

Campinas 2017

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ALESSANDRA RODRIGUES DE ALMEIDA

APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DO PROFESSOR

QUE ENSINA MATEMÁTICA NA INFÂNCIA: UM OLHAR PARA O CONTEXTO

COLABORATIVO

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação Multiunidades em Ensino de Ciências e Matemática do Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutora em Ensino de Ciências e Matemática, na área de concentração Ensino de Ciências e Matemática.

Orientador: Prof. Dr. Jorge Megid Neto

O ARQUIVO DIGITAL CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA ALESSANDRA RODRIGUES DE ALMEIDA, E ORIENTADA PELO PROF. DR. JORGE MEGID NETO

Campinas 2017

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FÍSICA GLEB WATAGHIN

TESE DE DOUTORADO

APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DO PROFESSOR QUE ENSINA MATEMÁTICA NA INFÂNCIA: UM OLHAR PARA O CONTEXTO

COLABORATIVO

Autora: Alessandra Rodrigues de Almeida

Orientador: Prof. Dr. Jorge Megid Neto

COMISSÃO JULGADORA:

Profa. Dra. Renata Prenstteter Gama

Profa. Dra. Jussara Cristina Barboza Tortella

Prof. Dr. Dario Fiorentini

Prof. Dr. Carlos Miguel da Silva Ribeiro

A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

2017

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Para meu amado Rogerio, pelo amor e

carinho constantes, e pela generosidade e companheirismo nesta trajetória

e em tantas outras...

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AGRADECIMENTOS

À Deus, pelo amor, pelas experiências e pelas pessoas colocadas em

minha vida para trilhar esta trajetória.

Aos Professores Jorge e Dora Megid, que em colaboração

acompanharam-me nesta fase acadêmica compartilhando generosamente

orientações e ideias fundamentais à realização deste trabalho, e que em diferentes

situações me permitiram aprender.

Às professoras e professores que participam do GEProMAI que me

permitiram contar nesta tese a nossa história, e que foram fundamentais para a

escrita deste trabalho.

À Karina e Laís, pela generosidade em compartilhar suas experiências,

vidas e seus sonhos comigo.

Ao Professor Dario Fiorentini, Professora Dione Lucchesi de Carvalho e

Carlos Miguel Ribeiro, pela convivência e inúmeras aprendizagens durante minha

participação no PRAPEM.

Aos professores participantes da banca de qualificação Prof. Dr. Dario

Fiorentini, Profa. Dra. Renata Prenstteter Gama e Profa. Dra. Jussara Cristina

Barboza Tortella pelas contribuições para a melhoria deste trabalho.

Aos professores Renata, Jussara, Dario e Miguel que participaram da

banca de defesa.

Ao programa de pós-graduação PECIM e a UNICAMP pelas condições

oferecidas para minha formação.

À CAPES pela bolsa de estudos concedida pelo período de 15 meses.

Aos professores das diferentes disciplinas cursadas durante a pós-

graduação, pelas aprendizagens, partilhas e interlocuções durante os estudos e

trabalhos desenvolvidos.

Aos participantes do grupo Prática Pedagógica em Matemática

(PRAPEM) pelas inúmeras aprendizagens.

Aos professores e estudantes do Curso de Especialização em Ensino de

Ciências e Matemática – CECIM.

Aos funcionários da Faculdade de Educação (FE) e do Instituto de Física

da Unicamp. Em especial da Pós-graduação: Nadir e Bárbara.

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À Profa. Marina, pela cuidadosa e paciente revisão do texto.

Aos amigos e amigas que, me incentivaram em diferentes momentos

desta trajetória. Em especial à Eliete, Jussara, Vanessa e Kátia.

À minha família, minha mãe Dalva, e ao meu pai José Antonio, que está

presente em outro plano, pelo amor, carinho, atenção e compreensão que sempre

me dedicaram, e por me incentivarem em tudo que me propus a fazer. Aos meus

irmãos Marcos, Ricardo e Adriana, pelas frequentes manifestações de apoio e

carinho, e aos meus sobrinhos, que sempre me encantam.

Ao amor da minha vida Rogerio, pelo apoio e pela parceria constante.

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RESUMO

Esta investigação refere-se a um estudo sobre a aprendizagem e o desenvolvimento profissional de professores que ensinam Matemática para a Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental. Tais professores participam de um grupo de estudos com características colaborativas. A pesquisa teve por objetivo analisar indícios de aprendizagem que a participação em um grupo de estudos sobre a Educação Matemática para/na infância, especialmente relacionada ao trabalho com Grandezas e Medidas, permeado pela escrita de narrativas, proporciona a docentes. Buscou ainda compreender como ocorre o processo de desenvolvimento profissional de professores que participam desse grupo. No decorrer da pesquisa são trazidas considerações relacionadas à aprendizagem – de maneira especial à aprendizagem matemática, ao desenvolvimento profissional, à configuração de grupos colaborativos e aos temas fundamentais da Matemática a serem trabalhados na infância. A pesquisa teve como contexto de investigação o Grupo de Estudos Professores Matematizando nos Anos Iniciais – GEProMAI, que se constitui em um grupo fronteiriço entre a universidade e a escola, do qual a pesquisadora é participante. Os textos de campo que compõem o corpus de análise e interpretação foram constituídos a partir de transcrições de excertos das videogravações dos encontros, das narrativas individuais e colaborativas produzidas, de registros das interações virtuais entre os participantes, de materiais elaborados e publicados pelos docentes e pela transcrição de entrevista com uma das participantes. O enquadramento metodológico e os procedimentos de análise adotados se relacionam com a pesquisa narrativa, entendida como uma forma de compreender a experiência e apresentá-la ao leitor. Para compor o texto de pesquisa foram elaboradas narrativas de aprendizagem e de desenvolvimento profissional dos participantes. As narrativas de aprendizagem foram produzidas com base em episódios dos encontros e registros de interações virtuais. As narrativas de desenvolvimento profissional de duas professoras foram escritas numa perspectiva diacrônica, considerando a participação das mesmas no grupo de estudos. Essas narrativas foram analisadas com base em quatro eixos: 1) aprendizagem docente ancorada em interações apoiadas na tríade GEProMAI-Escola-Autores (referenciais estudados); 2) Aprendizagens a partir de investigações e produções de narrativas sobre a própria prática; 3) A colaboração no grupo como potencializadora da aprendizagem docente; 4) Reverberações dos estudos em grupo nas práticas dos participantes. Os resultados indicaram que as interlocuções entre as teorias estudadas, a investigação sobre a própria prática, a produção de narrativas individuais e colaborativas favoreceram a aprendizagem docente. Além disso, reverberaram no contexto da escola por meio de mudanças em atitudes e práticas dos professores, nas diferentes articulações e interlocuções com outros docentes e gestores escolares, bem como nas produções de conhecimento da prática. Observou-se também que o grupo de estudos se configurou como um contexto de problematização e desnaturalização de algumas práticas e apoio a mudanças contribuindo para o desenvolvimento profissional de professores.

Palavras-chave: Educação Matemática; Aprendizagem Docente; Desenvolvimento

Profissional; Grupos Colaborativos; Grandezas e Medidas

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ABSTRACT

This research refers to a study on the learning and professional development of teachers who teach mathematics for Early Childhood Education and early years of Elementary School. Such teachers participate in a group of studies with collaborative characteristics. The aim of the research was to analyze learning evidences that the participation in a group of studies on Mathematics Education for/in childhood provides teachers, especially in what concerns to work with quantities and measures permeated by the writing of narratives. It also sought to understand how the process of professional development of teachers participating in this group occurs. In the course of the research, considerations related to learning are brought - especially to mathematical learning, professional development, the configuration of collaborative groups and the fundamental themes of Mathematics to be worked on in childhood. The research was carried out by the Group of Mathematical Teachers in the Early Years - GEProMAI, which is a frontier group between the university and the school, of which the researcher is a participant. The field texts that make up the corpus of analysis and interpretation were constituted from transcriptions of video recordings of the meetings, of the individual and collaborative narratives produced, of records of the virtual interactions among the participants, of materials elaborated and published by the teachers and by the transcription of Interview with one of the participants. The methodological framework and analysis procedures adopted are related to narrative research, understood as a way of comprehending the experience and presenting it to the reader. In order to compose the research text, narratives of the participants' learning and professional development were elaborated. The learning narratives were produced based on episodes of meetings and records of virtual interactions. The narratives of professional development of two teachers were written in a diachronic perspective, considering their participation in the group of studies. These narratives were analyzed based on four axes: 1) teacher learning anchored in interactions supported by the triad GEProMAI-School-Authors (referential studies); 2) Learning from research and production of narratives about the practice itself; 3) Collaboration in the group as a potentiator of teacher learning; 4) Reverberations of group studies in participants' practices. The results indicated that the interlocutions between the theories studied, research on the practice itself, the production of individual and collaborative narratives favored teacher learning. In addition, they reverberated in the context of the school through changes in teachers' attitudes and practices, in different articulations and interlocutions with other teachers and school administrators, as well as in the production of knowledge of the practice. It was also observed that the study group was configured as a context of problematization and denaturalization of some practices and support to changes contributing to the professional development of the teachers.

Keywords: Mathematics Education; Teaching Learning; Professional development;

Collaborative Groups; Measurements and Quantities

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Participantes do GEProMAI....................................................................106

Figura 2 – Elementos que constituem o GEProMAI.................................................132

Figura 3 – Organização da interlocução das narrativas colaborativas.....................141

Figura 4 – Interlocuções via WhatsAPP...................................................................147

Figura 5 – Desenho sobre a Lenda do Curupira - Criança A...................................166

Figura 6 – Desenho sobre a Lenda do Curupira - Criança B...................................167

Figura 7 – Fotografia de criança realizando o jogo do comprimento.......................192

Figura 8 – Fotografia de criança montando o barquinho com Meli-Melô.................192

Figura 9 – Fotografia de criança fazendo montagens com Meli-Melô em papel......193

Figura 10 – Fotografia de criança fazendo montagens com Meli-Melô em isopor...194

Figura 11 – Diagrama elaborado por Laís a respeito das aprendizagens a partir das

narrativas..................................................................................................................239

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Objetivos de aprendizagem para o eixo Grandezas e Medidas...............57

Tabela 2 – Pesquisas brasileiras envolvendo o tema Grandezas e Medidas e anos

iniciais do Ensino Fundamental..................................................................................65

Tabela 3 – Relação de professores que participam do grupo..................................105

Tabela 4 – Presença dos participantes em relação ao semestre............................107

Tabela 5 – Relação dos encontros realizados durante o trabalho de campo..........109

Tabela 6 – Produção de publicações dos participantes do GEProMAI....................150

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACT - Admitido em Caráter Temporário

BILO - Bateria Informatizada de Linguagem Oral

BNCC - Base Nacional Comum Curricular

CEI - Centro de Educação Infantil

CEFAM - Centro de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério

CONEP - Comissão Nacional de Ética em Pesquisa

COLE - Congresso de Leitura do Brasil

CECIM - Curso de Especialização em Ensino de Ciências e Matemática

CONEP - Comissão Nacional de Ética em Pesquisa

CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

DPC - Desenvolvimento Profissional Docente

DCN - Diretrizes Curriculares Nacionais

DECNEI – Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil

ECC - Ensino de Ciências para Crianças

EEMAI - Encontro de Educação Matemática nos Anos Iniciais

EF – Ensino Fundamental

EI – Educação Infantil

EJA – Educação de Jovens e Adultos

EM - Educação Matemática

FE - Faculdade de Educação

Geoom - Grupo de Estudos Outros Olhares para a Matemática

GEProMAI – Grupo de Estudo Professores Matematizando nos Anos Iniciais

GdS - Grupo de Sábado

HTPC - Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo

IMECC - Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica

MEC - Ministério de Educação

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PNAIC - Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa

PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais

PUC - Pontifícia Universidade Católica

PRAPEM - Prática Pedagógica em Matemática

PROEPRE - Programa de Educação Infantil e de Ensino Fundamental

PARFOR - Programa de Formação de Professores da Educação Básica

PECIM - Programa de Pós-Graduação Multiunidades em Ensino de Ciências e

Matemática da Unicamp

PROMASE – Programa Municipal de Avaliação do Sistema de Ensino

RCNEI - Referenciais Curricular Nacionais para a Educação Infantil

SEE - Secretaria Estadual de Educação

SME – Secretaria Municipal de Educação

SHIAM - Seminário Nacional de Histórias e Investigações de/em Aulas de

Matemática

TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

TDC - Trabalho Didático Coletivo

TVIP - Teste de Vocabulário por Imagens Peabody

Unicamp - Universidade Estadual de Campinas

UFABC – Universidade Federal do ABC

USF - Universidade São Francisco

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SUMÁRIO

NARRATIVA INICIAL: DIFERENTES VIVÊNCIAS EM EDUCAÇÃO......................18

Organização do texto de pesquisa.........................................................................29

1 EDUCAÇÃO MATEMÁTICA NA INFÂNCIA: UM OLHAR PARA

GRANDEZAS E MEDIDAS........................................................................................31

1.1 A Educação Matemática na infância...............................................................31

1.2 Concepções teóricas sobre as Grandezas e Medidas....................................35

1.3 O ensino e a aprendizagem das Grandezas e Medidas na infância...............43

1.4 O lugar das Grandezas e Medidas nos currículos de Matemática da Educação

Infantil e anos inicias do Ensino Fundamental...........................................................48

1.5 Revisão das pesquisas sobre Grandezas e Medidas na educação da

infância.......................................................................................................................63

2 A APRENDIZAGEM E O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DO

PROFESSOR.............................................................................................................74

2.1 A Formação dos professores da infância........................................................74

2.2 Aprendizagem docente....................................................................................78

2.3 Desenvolvimento profissional do professor.....................................................85

2.4 Aprendizagem e desenvolvimento profissional em grupos de estudos

colaborativos..............................................................................................................90

3 ASPECTOS METODOLÓGICOS: OS PERCURSOS DESTA PESQUISA

NARRATIVA..............................................................................................................97

3.1 Construção das questões investigativas e dos objetivos desta

pesquisa.....................................................................................................................97

3.2 A busca de um caminho metodológico............................................................99

3.3 Os professores participantes do grupo de estudos.......................................103

3.4 Os procedimentos do trabalho de campo......................................................107

3.5 Construção das narrativas de campo............................................................114

3.6 Os participantes da pesquisa........................................................................114

3.7 Procedimentos de análise.............................................................................117

4 GEPROMAI: UM CAMINHO E UM CONTEXTO PARA ESTUDAR

GRANDEZAS E MEDIDAS COM PROFESSORES................................................121

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4.1 A Constituição do GEProMAI: entrelaçamento de sonhos e

inspirações...............................................................................................................124

4.2 Constituição de um grupo de estudos: um sonho compartilhado..................127

4.3 GEProMAI: este é o nome que nos representa.............................................129

4.4 Os encontros do GEProMAI..........................................................................131

4.5 A Dinâmica dos encontros e as práticas desenvolvidas no GEProMAI .......135

4.6 As narrativas como práticas de aprendizagem e desenvolvimento profissional

docente.....................................................................................................................138

4.7 As narrativas individuais: aprendizagens no/com o grupo............................139

4.8 Narrativas individuais: práticas de ensinar e aprender Matemática na/com

escola.......................................................................................................................139

4.9 As narrativas colaborativas............................................................................144

4.10 Interações Virtuais – WhatsApp.....................................................................138

4.11 A produção de conhecimentos no GEProMAI ..............................................150

5 ANÁLISES NARRATIVAS SOBRE APRENDIZAGENS DOS

PROFESSORES NO GEPROMAI...........................................................................153

5.1 Aprendizagens sobre medidas de comprimento na Educação Infantil e Ensino

Fundamental.............................................................................................................158

5.2 Aprendizagens sobre medidas e Geometria: Tangram e Meli-Melô.............179

5.3 Outras aprendizagens sobre medidas...........................................................206

5.4 Narrativas de desenvolvimento profissional..................................................223

5.4.1 NARRATIVA DE DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DE LAÍS.............223

5.4.1.1 Trajetória como estudante e professora...................................................224

5.4.1.2 Geometria e Medidas: significando conhecimentos e práticas com as

crianças....................................................................................................230

5.4.1.3 A contribuição do GEProMAI para formação matemática de uma

professora novata.....................................................................................................235

5.4.2 NARRATIVA DE DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DE KARINA.......243

5.4.2.1 Trajetória como estudante e professora....................................................244

5.4.2.2 Geometria e Medidas: aprendizagens e produção de conhecimento.......248

5.4.2.3 Outros temas – novas investigações...........................................................253

5.4.2.4 Outras reverberações da participação do GEProMAI na escola...............256

5.4.2.5 Continuidade dos estudos, a opção pelo Mestrado em Ciências..............258

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5.5 Desenvolvimento profissional de Laís e Karina: convergências e

interferências............................................................................................................260

CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................264

REFERÊNCIAS........................................................................................................272

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA.............................................................................284

APÊNDICE A...........................................................................................................284

APÊNDICE B...........................................................................................................288

ANEXO 1..................................................................................................................290

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NARRATIVA INICIAL: DIFERENTES VIVÊNCIAS EM EDUCAÇÃO

Trabalhar na e com a educação tem sido minha profissão desde os meus

20 anos, quando comecei a estagiar numa escola durante meu processo de

graduação, iniciado em 1992 na Faculdade de Ciências e Letras “Plínio Augusto do

Amaral”, localizada em Amparo (SP), cidade onde sempre morei. Desde então tenho

percorrido diferentes caminhos, escolas e funções, na perspectiva de me tornar uma

professora cada vez melhor e de me constituir enquanto pesquisadora.

Neste texto inicial apresento um pouco de minha trajetória profissional e

acadêmica que, por diferentes tramas e urdiduras, constitui o tecido de uma vida

ligada ao ensino, à aprendizagem, ao estudo, à política educacional, à escola e ao

professor. Relato aqui momentos de minha vida, situações que me marcaram e que

me constituem, discorro sobre aspectos da minha experiência como educadora,

numa perspectiva de que “a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o

que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca” (LARROSA,

2002, p. 21).

Resolvi fazer o curso que naquela época era denominado “Ciências com

Habilitação em Matemática” que me certificou como professora de Ciências e

Matemática no 1º grau, hoje denominados anos finais do Ensino Fundamental, e de

Matemática, também no 2º grau, atual Ensino Médio. Na faculdade em que estudei

existiam apenas cursos de licenciatura em História, Letras, Pedagogia e Ciências

com Habilitação em Matemática, e como não queria parar de estudar, e porque fazer

faculdade era um sonho meu, de meus pais, meus avós, considerei que fazer o

Ensino Superior, ainda que fosse em Amparo, seria a melhor opção. Como grande

parte dos jovens, trabalhava o dia inteiro e não tinha condições para manter meus

estudos em outra cidade. Assim iniciei a graduação no período noturno, enquanto

trabalhava durante o dia.

A escolha do curso Ciências com Habilitação em Matemática se deu mais

pelo gosto pela Matemática. Nunca tive muita dificuldade na escola. Eu acreditava

que a Matemática poderia ajudar em qualquer profissão, era um conhecimento

importante para diferentes situações.

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Quanto a ser professora, eu considerava uma possibilidade interessante,

eu gostava muito da escola enquanto aluna, e acreditava que iria gostar também de

ser professora. Comecei a participar da sala de aula em lugar mais próximo ao de

professora quando iniciei meu estágio obrigatório em Ciências, numa escola em que

eu havia estudado até a 5ª série, e com uma professora que eu gostava, pois já

tinha sido aluna dela.

Em um dos dias de estágio na escola, a professora havia faltado por um

problema de saúde e a diretora pediu que eu a substituísse. Naquele momento senti

medo e orgulho ao mesmo tempo, medo porque ainda não sabia dar aula, e não

havia me preparado para aquela situação, e orgulho porque se a diretora me

convidou é porque provavelmente acreditava que eu poderia assumir a sala naquele

momento. Diante da situação, eu informei a Diretora que não me sentia segura por

não ter preparado aula, mas, como a professora utilizava regularmente um livro

didático e eu sabia as tarefas que os estudantes tinham realizado, eu acreditava que

poderia trabalhar seguindo a sequência dos conteúdos a partir daquele mesmo livro.

Foi assim que ministrei minhas primeiras aulas de Ciências para três turmas: sexto,

sétimo e oitavo anos.

Ao encerrar as aulas fui guardar o diário e o material da professora no

armário e, novamente, a diretora me chamou. Desta vez, dizendo que a professora

precisou tirar licença de três meses por problemas de saúde e questionando se eu

não poderia assumir suas aulas. Comentou que eu havia me saído bem, e que isso

a pouparia de muito trabalho e contribuiria com a escola. Aquelas palavras me

deixaram desconcertada, eu não acreditava que poderia assumir tantas aulas e por

tanto tempo, e, além disso, eu trabalhava em outro lugar e não poderia deixar um

trabalho fixo por outro com tempo determinado. Diante dessa situação, optei por

declinar do convite.

Em 1995, cursando o último semestre da faculdade e cumprindo o estágio

obrigatório ainda na mesma escola, a diretora solicitou novamente que eu

substituísse aquela mesma professora de Ciências que estava entrando em licença-

prêmio1. Naquele momento, eu havia acabado de perder meu emprego na loja onde

1 Licença-prêmio: Os servidores da administração direta e das autarquias, submetidos ao regime

estatutário, e os militares terão direito, como prêmio de assiduidade, a 90 (noventa) dias de licença em cada período de 5 (cinco) anos de exercício, desde que não tenham sofrido qualquer penalidade administrativa. Lei 10.261/68, Artigos. 209 e 324. Maiores informações podem ser obtidas no endereço eletrônico: http://www.recursoshumanos.sp.gov.br/manualPremio.html

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trabalhava como vendedora e, diante do convite e da minha disponibilidade de

tempo, ainda muito receosa, aceitei a proposta e trabalhei naquela escola até o final

do ano.

Lecionar Ciências para aquelas turmas não foi algo fácil, precisei estudar

muito, mesmo utilizando o livro didático para subsidiar a maior parte do trabalho.

Mas eu queria saber mais sobre os assuntos a serem abordados, e algumas vezes

me arrisquei a levar outras atividades e pequenas “experiências” com as quais os

estudantes não estavam muito familiarizados. Algumas vezes o trabalho dava certo,

outras nem tanto, mas aprendi bastante com aquela vivência.

Essa experiência me proporcionou inseguranças e tensões, o forte desejo

de querer fazer mais e melhor, a dúvida de como e se seria possível fazê-lo. Tais

sentimentos contrastavam com uma sensação boa, pois assumi algumas turmas

para o semestre todo. Além disso, mantive uma boa relação com professores e

direção e me sentia bem e feliz na escola. Uma sensação como a que descreve

Rocha (2005, p. 40): “um período marcado por sentimentos ambíguos, de um lado,

caracterizada como uma etapa de tensões, angústias, frustrações e inseguranças,

por outro, uma satisfação por ter uma turma, por pertencer a um grupo de

profissionais”.

Era o ano de 1995 o momento em que as escolas passavam por

profundas mudanças em decorrência da implantação do Programa de

Reorganização das Escolas da Rede Pública Estadual por meio do Decreto n.

40.473. Esse documento determinou o agrupamento das classes de ciclo básico à 4ª

série do primeiro grau (atuais anos iniciais do Ensino Fundamental) em um único

prédio, e das turmas de 5ª à 8ª séries do primeiro grau (anos finais do Ensino

Fundamental) em outro. Essa reorganização mudou a estrutura das escolas e exigiu

a transferência de professores de uma unidade para outra.

Devido aos ajustes decorrentes desse programa, eu precisaria mudar de

escola no ano seguinte. Diante de tantas mudanças, acabei optando por participar

de uma seleção para lecionar Matemática numa Escola Técnica do Centro Paula

Souza. Para a prova de seleção, eu deveria ministrar uma aula sobre Logaritmos

para os professores que já atuavam na escola. Esse foi outro momento desafiador -

apresentar uma aula para professores experientes e renomados na cidade. Essa

escola era bem-conceituada e seus professores eram considerados muito bons.

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Depois de pesquisar, estudar e planejar chegou o grande dia. Para minha surpresa

eu estava muito tranquila, apresentei o que havia preparado e fui aprovada em

primeiro lugar. Nessa escola lecionei para turmas dos cursos de Mecânica,

Enfermagem, Contabilidade e Secretariado. O contrato era válido por dois anos e,

durante esse tempo, trabalhei diferentes conteúdos em diversas turmas.

Ainda enquanto trabalhava na escola técnica, inscrevi-me como

professora na rede estadual de ensino e passei a lecionar em uma escola rural, além

da escola técnica, pelo período de um ano. Ao encerrar meu contrato com a escola

do Centro Paula Souza, atuei como “Admitida em Caráter Temporário” (ACT) na

rede estadual de São Paulo.

No ano de 1999 fui aprovada em dois concursos do Estado, um para

professora de Ciências outro para professora de Matemática, sendo muito bem

colocada. Poderia assumir os dois cargos em escolas do meu município, mas diante

da vontade de ter tempo para estudar, para me dedicar ao planejamento das aulas e

à elaboração de materiais optei por ingressar na rede estadual apenas como

professora de Matemática, desistindo do cargo de Ciências.

Escolhi me efetivar em uma escola onde também já havida estudado

no Ensino Médio. Durante meu primeiro ano como professora efetiva do estado,

também me senti muito feliz, pois era uma nova possibilidade de trabalho, teria a

estabilidade de compor minha jornada em uma escola da minha cidade, o que era

um sonho para quem queria ser professor. Trabalhei o ano de 2000 nessa condição,

tinha várias turmas de 5ª série (atual 6º ano), 7ª série (atual 8º ano), algumas turmas

de Ensino Médio e EJA. Trabalhei Matemática com essas turmas, enfrentei muitas

situações desafiadoras, mas também muitos momentos ricos de trocas e

aprendizagens.

Ao final do ano 2000, embora concursada com uma colocação que me

permitiu ingressar na escola desejada, minha situação era instável, pois no processo

de atribuição de aulas para o ano seguinte seria considerada a classificação2 no

quadro do magistério estadual daquela unidade escolar. Essa classificação era

obtida a partir de critérios de avaliação docente estabelecidos pela Secretaria

Estadual de Educação (SEE) e englobava tempo de serviço e títulos.

2 Maiores informações sobre o processo de avaliação docente da S.E.E. e classificação para

atribuição de aulas podem ser acessadas no manual VIDA FUNCIONAL disponível em http://www.educacao.sp.gov.br/a2sitebox/arquivos/documentos/873.pdf

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Devido ao fechamento de algumas turmas de alunos para o ano seguinte

e da minha classificação no quadro de magistério na escola, eu fui removida para

outra unidade escolar. Nesse caso minha colocação no concurso já não era algo que

me favorecia, o tempo de trabalho na rede era mais importante.

Como professora de Matemática em diferentes turmas, escolas e níveis

de ensino, muitas situações me intrigavam, como a dificuldade dos alunos em

realizar atividades matemáticas diferentes das quatro operações básicas, em

especial as relacionadas com Geometria e medidas. Na maioria das vezes, para

trabalhar com esses temas, era necessário retomar os conteúdos estudados

normalmente nas séries anteriores, como 4º ou 5º anos, para aproximar os alunos

das questões que seriam desenvolvidas na nova etapa em que se encontravam.

Essas antigas inquietações, que naquele período me incomodaram e me motivaram

a realizar alguns estudos sem sistematização possibilitando algumas mudanças em

minha prática docente, atualmente contribuem para o desenvolvimento desta

investigação.

Retomando minha trajetória profissional, em dezembro desse mesmo ano

recebi um convite inusitado, algo que eu jamais havia pensado em minha trajetória

na educação. O prefeito que se elegeu no pleito de 2000 e que tomaria posse no

ano seguinte me convidou para trabalhar na Secretaria Municipal como Diretora de

Educação da rede. Eu fiquei muito surpresa e tive a mesma sensação de

insegurança de quando dei minhas primeiras aulas de Ciências: não estava

preparada, não sabia fazer nenhum serviço administrativo relacionado à escola, com

exceção da elaboração dos documentos do cotidiano do professor. E o pior, dessa

vez não teria nenhum livro didático que pudesse pautar meu trabalho.

Depois de receber o convite pedi uma semana para pensar, não sabia

sequer fazer um ofício. Além disso, a rede municipal atendia às crianças da

Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, ou seja, minha experiência

de seis anos como professora pouco poderia ajudar. Conversei sobre minhas

preocupações com o prefeito eleito, que muito tranquilamente me disse: eu também

nunca fui prefeito e confio em você. Eu, você e toda equipe de governo temos que

estudar, planejar, ouvir as pessoas, vai ser tudo diferente para todos.

Não me recordo se foram exatamente essas as palavras que ele usou,

mas me recordo de que sua fala foi motivadora e tranquilizadora. Além disso, eu

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atuaria ao lado da Secretária de Educação que era alguém que conhecia muito bem

as necessidades e o trabalho da rede, pois tinha uma experiência de muitos anos no

ensino municipal. Diante disso tudo, aceitei o convite e assumi o desafio. Esse

trabalho mudou radicalmente minha vida, minha forma de pensar e agir.

Trabalhar na rede municipal como Diretora de Educação e depois como

Assessora Técnica da Educação foram ações que me possibilitaram muitas

aprendizagens. A cada dia eram necessárias novas atitudes, diferentes estudos,

diversas decisões. Foi um momento muito rico e importante em minha constituição

profissional, não mais como professora, mas como gestora.

Atuar nessas funções exigia uma gama de conhecimentos que eu

precisaria construir ao longo do tempo. Era necessário compreender aspectos

ligados ao trabalho pedagógico, à legislação, à administração pública, à gestão de

pessoas e de recursos financeiros, além de outros temas importantes relativos ao

trabalho na educação municipal.

Nesse meio tempo, no âmbito acadêmico, fiz diferentes cursos, entre os

quais destaco uma especialização em Psicopedagogia Construtivista e uma

extensão universitária em Gestão Estratégica Pública para Governantes, ambos

realizados na Unicamp. Essas duas formações foram muito importantes para que eu

pudesse realizar meu trabalho na gestão com melhor qualidade.

Em 2006, ainda durante o período de trabalho na Secretaria de

Educação, implantamos um programa de avaliação do ensino municipal

(PROMASE)3. Essa ação teve uma relação muito forte com meus estudos de

Mestrado e com a investigação realizada nesta tese, embora tenham sido realizados

em programas, formatos e universidades diferentes.

Criar um programa de avaliação para o sistema municipal nos moldes que

desejávamos necessitava conhecer aspectos do processo de avaliação e construção

de instrumentos, conhecimento e técnicas que não estavam disponíveis na rede.

Este fato me motivou a ingressar no Mestrado em Avaliação Psicológica Educacional

na Universidade São Francisco, universidade que realizava à época muitas

investigações sobre a avaliação de diferentes construtos em contextos educacionais

3 O PROMASE – Programa Municipal de Avaliação do Sistema de Ensino - tem como propósito a

qualificação do ensino municipal e é um instrumento para obtenção de indicadores que norteiam as políticas e ações pedagógicas da escola e da Secretaria Municipal de Educação.

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relacionados à aprendizagem e estudos relativos à construção e validação de

instrumentos de avaliação.

Durante meu mestrado, realizei diversos estudos sobre construção e

validação de instrumentos de avaliação no contexto educativo e tive a oportunidade

de participar da construção da Bateria Informatizada de Linguagem Oral (BILO).

Minha pesquisa no Mestrado teve como objetivo buscar evidências de validade, para

a bateria de avaliação de compreensão em linguagem oral para crianças de

Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental que frequentavam

regularmente escolas públicas. No estudo utilizei a Bateria Informatizada de

Linguagem Oral (BILO), para avaliar a compreensão em linguagem oral, e o Teste

de Vocabulário por Imagens Peabody (TVIP). Os testes estatísticos realizados

comprovaram a correlação entre os dois instrumentos e contribuíram para a

validação da BILO. Esses estudos contribuíram para a condução de um trabalho

criterioso e fundamentado de modo a possibilitar a construção de dados com

informações fidedignas.

Em minha atuação como assessora técnica na Secretaria Municipal de

Educação de Amparo, auxiliando na organização e orientação do trabalho das

supervisoras e coordenadoras pedagógicas das escolas e acompanhando os

resultados do PROMASE, bem como das avaliações realizadas pelas escolas, foi

possível verificar que as questões relacionadas com Grandezas e Medidas estavam

entre as quais os alunos mais apresentavam dificuldades.

Em 2009, após oito anos atuando na assessoria técnica, assumi a função

de Secretária Municipal de Educação de Amparo e, apesar de precisar dispor de

tempo para uma infinidade de atividades administrativas, prestava constante

atenção ao ensino e à aprendizagem dos estudantes. Nesse período, devido à

minha atuação como responsável geral pela equipe técnica da Secretaria, realizando

a coordenação de reuniões de equipe de gestores e participando ativamente dos

encontros com os professores, foi possível fazer constatações bastante relevantes.

Entre elas, a de que os alunos tinham muitas dificuldades em Matemática e de que

grande parte dos professores desenvolvia suas aulas pautados na construção do

conceito de número, no ensino do sistema de numeração decimal e das quatro

operações fundamentais, na resolução de problemas convencionais para aplicação

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de algoritmos ou de outros conteúdos estudados, e não dedicavam muito tempo ao

trabalho com Geometria e Grandezas e Medidas.

É relevante destacar que o início da educação pública e gratuita em

Amparo data de 1967, a partir do atendimento de aproximadamente vinte e cinco

crianças, em um “Parque Infantil”. O número de unidades infantis foi ampliado

gradualmente, na década de 1970 quando foram construídos outros dois parques.

Nos anos seguintes a procura por vagas aumentou gerando a necessidade da

implantação de novas unidades e de convênios com instituições filantrópicas para

atendimento à demanda de crianças na faixa etária de três a seis anos (PEREIRA,

2009).

No início da década de 1990, a rede municipal de ensino, atendendo a

crianças em idade pré-escolar, adotou como fundamentação teórica do trabalho

pedagógico o Construtivismo, ancorando-se nos estudos de Jean Piaget. Como

metodologia de trabalho adotou o Programa de Educação Pré-escolar, o

PROEPRE4. Para implantação desse programa, os professores realizaram cursos de

formação relativos a aspectos teóricos e metodológicos sobre o mesmo e contaram

com o acompanhamento e orientação de supervisores pedagógicos da própria rede.

No ano de 1997, a rede municipal iniciou o atendimento de crianças nos

anos iniciais do Ensino Fundamental, a partir de uma turma de primeira série em

uma escola própria. No ano seguinte, o município assumiu, por meio do convênio de

municipalização, duas escolas estaduais, expandindo significativamente a partir daí

a rede própria. Apesar de ter ampliado e diversificado o tipo de atendimento, o

processo de formação e orientação para o trabalho pedagógico, fundamentados nos

preceitos construtivistas tanto para a Educação Infantil quanto para o Ensino

Fundamental, foram mantidos até o final de minha gestão, em 2011. Embora aí já

não fosse possível realizar um acompanhamento e supervisão tão próximos das

salas de aula, pois de cento e cinquenta estudantes frequentando as escolas em

4 Para maior conhecimento a respeito do assunto, consultar: MANTOVANI DE ASSIS, O. Z. A

solicitação do meio e a construção das estruturas lógicas elementares na criança. 1976. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1976. MANTOVANI DE ASSIS, O. Z. Uma nova metodologia de educação pré-escolar. 7ª edição. São Paulo: Livraria Pioneira, 1993. MANTOVANI DE ASSIS, O. Z. PROEPRE – Fundamentos teóricos. Campinas: LPG/UNICAMP, 1999

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1990, passamos para quatro mil, seiscentos e trinta e cinco em 2011, segundo os

dados do Censo Escolar.

Outro aspecto importante da rede municipal de ensino de Amparo, além

do atendimento às crianças de três anos desde 1967, é o processo de formação dos

docentes dessa rede. A realização de cursos, seminários, o incentivo à participação

em eventos, eram fatores valorizados e promovidos pela gestão municipal desde a

década de 1990, tanto que em 2011 foi realizada, sob minha coordenação, a

vigésima primeira edição de um evento de educação do qual participaram os

profissionais da rede municipal de ensino. As breves considerações sobre a

constituição da rede municipal de ensino de Amparo permitem afirmar que, ao longo

do tempo, gestores e profissionais que atuaram na educação mantiveram uma

preocupação constante com a formação dos professores e com as práticas

pedagógicas desenvolvidas na escola.

No período em que atuei na gestão, essas questões continuaram como

prioridades nas pautas da equipe pedagógica para o acompanhamento e orientação

junto às escolas. Nesse período de trabalho, foram realizados alguns cursos de

formação continuada para os professores e produzida coletivamente uma coleção de

materiais denominada “Orientações Didáticas”, elaborada com o intuito apoiar as

ações pedagógicas do professor nos conteúdos matemáticos. Essas ações foram

necessárias e importantes para a organização do trabalho docente, mas ainda se

revelaram insuficientes para gerar mudanças significativas na qualidade do ensino

de Matemática na rede municipal.

Posteriormente, atuando como professora do curso de Pedagogia do

Programa de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor) da Pontifícia

Universidade Católica de Campinas (PUC Campinas), ministrando as disciplinas de

Educação Espaço e Forma, Matemática A e Matemática B, para professores

atuantes na Educação Infantil e Ensino Fundamental observei situações similares às

citadas. A partir do diálogo durante as aulas, os estudantes ressaltavam, pela

experiência pessoal e profissional, que algumas áreas da Matemática recebem

maior atenção ou são priorizadas: Números, Sistema de Numeração e as quatro

operações fundamentais. Evidentemente que com algumas exceções, de modo

geral, eles comentavam que a Geometria e as Grandezas e Medidas eram

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colocadas em segundo plano e/ou trabalhadas de modo aligeirado, talvez até

mesmo pela dificuldade de formação dos próprios professores nestes conteúdos.

Minhas vivências na educação, no exercício de diferentes funções, e os

estudos realizados durante esses anos me despertaram o interesse em pesquisar as

aprendizagens dos professores no que se refere a ensinar Matemática para/na

infância, especialmente nos aspectos relacionados às Grandezas e Medidas. Esta

decisão se fundamentou sobretudo por considerar que os conhecimentos

construídos nesta etapa escolar são essenciais não apenas para a continuidade dos

estudos em níveis mais avançados, como também para o desempenho dos

diferentes papéis sociais. E ainda por considerar que a aprendizagem ao longo da

vida é essencial ao desenvolvimento profissional do professor.

Essas questões me inspiraram a elaborar um projeto de pesquisa e

apresentá-lo ao Programa de Pós-Graduação Multiunidades em Ensino de Ciências

e Matemática da Unicamp (Pecim) com o intuito de ampliar os conhecimentos

relacionados a esse campo da Matemática, bem como aprofundar aspectos

relacionados à formação, aprendizagem e desenvolvimento profissional dos

professores, além de estudar estratégias e métodos que possam favorecer o

trabalho dos educadores e a aprendizagem escolar em Matemática para a infância.

Após a aprovação no programa, diferentes ideias começaram a surgir

para planejar as ações de campo, tais como: realizar um curso de formação

estruturado e observar a aplicação de atividades direcionadas em sala de aula;

realizar intervenções diretas em sala a partir de diferentes estratégias; entre outras.

Porém, a interlocução com uma professora experiente na formação de professores e

com os pesquisadores do grupo de pesquisa Prática Pedagógica em Matemática

(PRAPEM) trouxe novas perspectivas ao trabalho, o que contribuiu para o

delineamento desta investigação.

A partir dessas interlocuções, o trabalho de campo foi organizado

considerando as interações com os participantes de um grupo de estudos que, com

o passar do tempo, tornou-se um grupo colaborativo a se autodenominar Grupo de

Estudos Professores Matematizando nos Anos Iniciais (GEProMAI).

O GEProMAI foi constituído em maio de 2014 a partir do interesse comum de

professores do Ensino Superior e da Educação Básica em estudar e refletir sobre o

ensino e a aprendizagem da Matemática na Educação Infantil e Anos Iniciais do

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Ensino Fundamental. Tinham por intenção tanto pesquisar e compreender como

vem se desenvolvendo o ensino da Matemática no início da Educação Básica,

quanto problematizar as práticas de ensinar e aprender, buscando desenvolver uma

forma de abordar a Matemática que tivesse significado para professores e alunos.

Nesse grupo temos como prática a leitura de textos, as discussões e reflexões sobre

experiências de sala de aula, a investigação colaborativa sobre a prática docente, a

escrita de narrativas individuais e colaborativas.

Ao desenvolver esta pesquisa com professores da infância, que

periodicamente se reúnem presencial e virtualmente para estudar, investigar e

problematizar as práticas desenvolvidas na escola, tendo a colaboração como

elemento central do contexto de formação continuada, pretendo problematizar

aspectos da formação docente e trazer contribuições para produção de

conhecimentos a respeito da aprendizagem e do desenvolvimento profissional do

professor. Busco ainda, discutir elementos que propiciem mudanças nos modos de

ensinar e aprender matemática na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino

Fundamental que possam reverberar também nas aprendizagens das crianças

desses segmentos de ensino.

A partir das considerações apresentadas saliento que o GEProMAI se

configura como o cenário de investigação desta pesquisa e sua constituição e

atuação serão explicitadas ao longo deste trabalho.

Considerando o exposto, ressalto que o objetivo geral desta pesquisa

consiste em analisar indícios de aprendizagem que a participação em um grupo

de estudos sobre a Educação Matemática para/na infância, especialmente

relacionada ao trabalho com Grandezas e Medidas, permeado pela escrita de

narrativas, proporciona a docentes. Busca ainda compreender como a

participação nesse grupo possibilita o desenvolvimento profissional de

professores.

As questões norteadoras da pesquisa, portanto, podem ser assim

enunciadas: que aprendizagens a participação em um grupo colaborativo de

estudos, mediado pela produção de narrativas individuais/colaborativas, pode

trazer a professores que ensinam Matemática para crianças, de maneira mais

pontual, no que se refere ao bloco “Grandezas e Medidas”? Quais indícios de

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desenvolvimento profissional são percebidos ao longo tempo, tomando como

foco de análise os relatos dos professores participantes?

Organização do texto de pesquisa

Este texto foi organizado em cinco capítulos. O primeiro apresenta

considerações sobre a educação matemática para a infância e um enfoque teórico

relativo a Grandezas e Medidas, fundamentado em autores como Caraça (1963);

Moura (1995); Moura e Lorenzato (2001). Apresento também uma revisão

bibliográfica das pesquisas que investigaram o tema Grandezas e Medidas na

Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental no período de 2001 a

2011 a partir de teses e dissertações sobre o tema.

No segundo capítulo trago discussões teóricas a respeito da aprendizagem,

do desenvolvimento profissional do professor e da participação docente em grupos

de estudos com características colaborativas. Neste mesmo capítulo discuto as

contribuições das narrativas para a formação dos professores.

Na sequência, no terceiro capítulo apresento os percursos desta pesquisa

narrativa, destacando os aspectos metodológicos que a fundamentam. Também teço

considerações sobre o GEProMAI, espaço tomado como o cenário desta

investigação.

No quarto capítulo descrevo constituição do GEProMAI, teço

considerações sobre sua dinâmica de organização, e apresento informações sobre

os encontros realizados. Neste capítulo destaco a produção de narrativas individuais

e colaborativas e as interações virtuais como práticas de formação valorizadas pelos

participantes grupo colaborativo.

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No quinto capítulo tendo por base as narrativas de campo, minha

participação no GEProMAI e minhas interlocuções com os participantes, narro três

histórias a respeito das aprendizagens docentes tendo como eixos de análise: 1) As

aprendizagens ancoradas nas interações apoiadas na tríade GEProMAI-Escola-

Autores (referenciais estudados); 2) Aprendizagens a partir de investigações e

produções de narrativas sobre a própria prática; 3) A colaboração no grupo como

potencializadora da aprendizagem docente; 4) Reverberações dos estudos em

grupo nas práticas dos participantes. Neste mesmo capítulo trago as narrativas de

desenvolvimento profissional de duas professoras, interlocutoras privilegiadas desta

pesquisa.

Ao encerrar este texto apresento as considerações finais sobre esta

investigação tendo em vista compreensão das práticas desenvolvidas pelo

GEProMAI e a participação em grupos colaborativos como elementos de formação

que possibilitam a aprendizagem e o desenvolvimento profissional docente.

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1. EDUCAÇÃO MATEMÁTICA NA INFÂNCIA: UM OLHAR PARA GRANDEZAS

E MEDIDAS

Neste primeiro capítulo apresento a compreensão do conceito de infância

que permeou o desenvolvimento desta tese, trazendo uma revisão da literatura

sobre a criança no início da Educação Básica fundamentada na perspectiva histórico

cultural. Para isso, tomei por base os estudos de Lima e Mello (2006) e Mello (2007)

que discutem a relação entre infância e escola, bem como aspectos da Educação

Matemática a ser desenvolvida nessa etapa educacional.

Na sequência, com o intuito de delimitar o foco deste estudo, realizo uma

revisão bibliográfica aprofundando a compreensão matemática das Grandezas e

Medidas, tendo como interlocutor principal o autor Bento de Jesus Caraça (1963),

discutindo conceitos que envolvem o assunto. As possibilidades de trabalho com as

Grandezas e Medidas na Educação Matemática da infância é discutida tendo como

aporte teórico os estudos realizados por Moura (1995) e Lorenzato (2006).

Optei também por fazer uma revisão de documentos nacionais que

norteiam a elaboração dos currículos da Educação Infantil e anos iniciais do Ensino

Fundamental, buscando compreender o lugar que as Grandezas e Medidas ocupam

nessas orientações, uma vez que essas estão presentes em parâmetros curriculares

publicados há quase vinte anos. Entretanto, sua abordagem pedagógica em várias

escolas ainda é centrada no ensino das unidades de medidas e transformações em

seus múltiplos e submúltiplos (SILVA, 2011).

Finalizo este capítulo com uma revisão da literatura sobre as pesquisas

realizadas no período de 2001 a 2011 e que tiveram como objeto de estudos as

Grandezas e Medidas na Educação Infantil, anos iniciais do Ensino Fundamental e

na formação docente. Essa revisão possibilitou conhecer como o tema tem sido

estudado em nosso país e auxiliou na construção do objeto de estudo desta tese.

1.1 A Educação Matemática na Infância

Ao iniciar o trabalho de campo e a escrita desta tese, algumas questões

permearam meus pensamentos e ações durante a interlocução com os professores

participantes do GEProMAI. Por serem docentes que atuam na Educação Infantil e

anos iniciais do Ensino Fundamental, optei por adotar nesta tese a terminologia

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“professores da infância”. Outro aspecto que contribuiu para a adoção dessa

denominação é o fato de que, no Brasil, a maior parte dos profissionais que atuam

com as crianças nesses segmentos de ensino é formada em Pedagogia ou em

cursos similares, o que os habilita para lecionar nessas etapas da Educação Básica.

Ao escrever sobre a aprendizagem e o desenvolvimento profissional de

professores que ensinam Matemática na infância, considero importante apresentar a

compreensão de infância que trago para esta tese, que foi se constituindo a partir

das interlocuções com a literatura e com os participantes do GEProMAI.

Inicialmente, é relevante considerar que infância é um conceito determinado

historicamente, decorrente das mudanças na forma de organização da sociedade

ocorridas especialmente nos séculos XVII e XVIII, que passaram a conceber a ideia

de crianças como um grupo que não se caracteriza pela imperfeição, incompletude

ou miniaturização do adulto, mas que adquire uma investidura própria do

desenvolvimento humano (FARIA, 2011).

No GEProMAI estabelecemos como foco de nossos estudos os aspectos

teóricos e práticos sobre ensinar e aprender Matemática nos anos iniciais da

educação formal. Nesse sentido, optamos por não restringir a nossa compreensão

de infância à etapa da Educação Infantil, pois, inclusive por força da Lei 11.274/2006

(BRASIL, 2006), as crianças de seis anos foram incluídas no Ensino Fundamental.

Compreendemos que a infância não poderia ser encurtada por força da lei que

mudou o lugar da criança de seis anos no sistema educacional.

Por outro lado, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Brasil,

1990) estabelece em seu artigo 2º que são consideradas crianças as pessoas que

possuem até doze anos de idade incompletos. Entretanto, parte das crianças com

idade superior a 10 anos estuda nos anos finais do Ensino Fundamental, tendo

como professor de Matemática o profissional licenciado na disciplina. Diante dessas

questões, estabelecemos como foco de nossos estudos e práticas o ensino e

aprendizagem da Matemática na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino

Fundamental.

Embora estabelecida a faixa-etária aproximada de 0 a 10 anos e os

segmentos de ensino foco dos estudos do GEProMAI, considero importante

esclarecer a concepção de infância que permeia as práticas do grupo de estudos e,

por consequência, esta tese. Compreendemos a criança como “um sujeito capaz de

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relacionar-se, de interagir, de comunicar-se, de internalizar conhecimentos,

atribuindo sentido a eles a partir das experiências de que participa e do lugar que

ocupa nessas relações” (Lima; Mello, 2006, p. 20). Essa concepção de criança,

fundamentada na perspectiva histórico cultural, possibilita compreender a criança

como sujeito e não objeto da aprendizagem, como construtora de conhecimento,

cultura e de identidade. Nesse sentido, a infância é entendida como “o tempo em

que a criança deve ser introduzida na riqueza da cultura humana histórica e

socialmente criada, reproduzindo para si qualidades especificamente humanas”

(MELLO, 2007, p. 90).

É relevante ressaltar que neste trabalho olhamos para os professores,

profissionais que trabalham com a infância num contexto e com objetivo educativo,

em um espaço público, “que não é fraternal, não é doméstico, nem tampouco

familiar, posto que se constitui de um lugar onde pode haver inúmeras

experimentações, criações, exercício da subjetividade, da ação e da sociabilidade”

(FERREIRA, 2015, p. 25).

Para Mello (2007), as instituições educacionais devem ser os melhores

lugares para a educação das crianças pequenas, pois são espaços em que é

possível organizar condições adequadas de vida e educação, para que elas possam

se apropriar ao máximo das qualidades humanas, que são externas ao sujeito no

nascimento, mas precisam ser apropriadas pelas novas gerações por meio de suas

atividades em situações coletivas. Nesse sentido, é importante que nas instituições

sejam organizadas e desenvolvidas intencionalmente vivências que provoquem a

aprendizagem e o desenvolvimento das crianças. A autora salienta ainda que, para

tanto, é essencial respeitar as formas típicas de atividade da criança como o tateio, a

atividade com objetos, a comunicação das crianças entre si e com os adultos, e o

brincar.

Embora a literatura sobre a infância na área da educação aborde mais

especificamente aspectos relativos às crianças de zero a seis anos, ou à educação

infantil (Lima; Mello, 2006; Mello, 2007; Kramer; Nunes e Cursino, 2011) a

concepção de infância apresentada pelos autores não é determinada por faixas

etárias rígidas. Nesse sentido, as compreensões de infância e de educação para

crianças apresentadas por Mello (2007), se estendem igualmente para as crianças

dos anos iniciais do Ensino Fundamental, pois é importante que estas também

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tenham oportunidades intencionalmente planejadas de vivenciar situações que

possibilitem sua aprendizagem e desenvolvimento; e porque essas crianças também

brincam, se comunicam e exploram objetos, ainda que tenham objetivos

educacionais e uma rotina escolar estruturalmente diferentes da Educação Infantil.

Considerando que a criança é sujeito da aprendizagem, e que educação

intencionalmente planejada pode ampliar e enriquecer as possibilidades para sua

aprendizagem e desenvolvimento, é possível afirmar que a Educação Matemática

pode ser inserida no cotidiano educacional tanto para as crianças da Educação

Infantil, quanto do Ensino Fundamental.

Nesse sentido, concordo com Ferreira (2015) ao afirmar que o trabalho

pedagógico de Matemática na infância requer, sobretudo, admiti-la como um produto

cultural, e oportunizar às crianças experiências com o universo matemático que lhes

possibilitem descobrir, tecer relações, organizar o pensamento, interagir com meio,

com crianças e adultos, compartilhar interesses, necessidades e conhecimentos.

Um aspecto importante da Educação Matemática para infância destacado

por Lopes (2012) é a necessidade do respeito à cultura e aos saberes infantis

adquiridos no meio cultural onde a criança vive. Além disso, é essencial valorizar a

brincadeira, o lúdico, as diferentes formas de expressão das crianças, as suas

múltiplas linguagens, as relações que se estabelecem na criação de brincadeiras,

nas formas de brincar e seus significados. Nesse sentido, assim como Lopes (2012),

não acredito em uma Educação Matemática na infância centrada em algoritmos,

regras, convenções, atividades mecânicas, memorizações, repetições, etc. É

fundamental que, no processo de educar-se matematicamente, a criança possa

pensar, questionar, estabelecer relações, descobrir, expressar dúvidas e comunicar

suas ideias e hipóteses. É essencial considerar os interesses e as necessidades da

criança no processo educacional para aquisição das noções e ideias matemáticas.

É relevante ressaltar que, tanto na Educação Infantil quanto no Ensino

Fundamental, é importante que as crianças tenham oportunidades de realizar

atividades que permitam a investigação e a resolução de problemas relacionados à

Matemática. Não apenas as vinculadas aos números e operações, mas também às

Grandezas e Medidas, análise de dados e probabilidade e espaço e forma. Assim

como Lopes e Grando (2012), compreendo que esses temas precisam ser

trabalhados de forma integrada aos projetos e ações desenvolvidos na educação da

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infância, em situações nas quais as crianças estejam resolvendo problemas, jogando

e brincando.

Considero importante enfatizar que, embora eu tenha procurado abordar

a compreensão de infância nesta tese de modo amplo, e destacado alguns

princípios para o ensino e aprendizagem da Matemática, os quais podem ser

observados nos anos iniciais da Educação Básica, minimizando as rupturas entre

Educação Infantil e Ensino Fundamental, não posso deixar de reconhecer que

existem muitas diferenças entre esses níveis educacionais. Essas distinções são

observadas tanto nos documentos quanto na organização do ensino e no

funcionamento das instituições educacionais. No cotidiano é possível observar

grandes diferenças entre esses segmentos em termos de currículo, rotinas e tempos

escolares, além de outros aspectos. Tais especificidades permitem afirmar que os

conhecimentos e saberes necessários ao professor para atuação em cada um

desses níveis também possuem características distintas, o que justifica a

importância da formação continuada, especialmente em ambientes que possibilitem

aos professores que desenvolvam uma postura investigativa e questionem suas

práticas.

A partir das considerações sobre infância e Matemática abordadas ao

iniciar esta sessão, na sequência discuto aspectos teóricos relativos às Grandezas e

Medidas e os motivos que justificam a inclusão desse tema na Educação

Matemática de crianças no início da educação escolar e na formação de professores

que ensinam Matemática na infância.

1.2 Concepções teóricas sobre as Grandezas e Medidas

O tema Grandezas e Medidas está presente no cotidiano das pessoas

desde a infância. É comum observarmos, em situações de brincadeiras, as crianças

medindo distâncias, estimando tempo, verificando quais objetos consegue carregar,

enchendo e esvaziando recipientes com água, areia, entre muitas outras. A atitude

de medir se estende e nos acompanha durante toda a vida, é algo que fazemos

todos os dias. Nesse sentido, Caraça (1963) afirma que “toda gente, nas mais

variadas circunstancias, qualquer que seja sua profissão, tem a necessidade de

medir” (p. 29).

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Considerando a presença e a importância da medida na vida cotidiana,

Moura (1995) evidencia que a medida aparece a partir das demandas de controle de

variações das dimensões dos objetos, especialmente nas construções,

deslocamentos, culinária, produções artísticas, leituras de gráficos e tabelas, entre

outras situações em que a medida e ato de medir surgem impregnados de

significados culturais advindos das relações humanas que representa e comunica.

Diversos autores buscam explicar o surgimento da medida e discutem

como o homem começou a medir ao longo da história. Mostram sua relação com o

surgimento dos números racionais e a padronização das unidades de medida bem

como sua relação com a Geometria. “Na história da Matemática, a medida e a

Geometria também estão em uma relação de interdependência desde suas origens”

(MOURA, 1995, p. 54).

Em sua tese de doutorado, Moura (1995) busca reconstruir uma espécie

de linha do tempo da história da medida com o intuito de mostrar suas origens

culturais e o modo de pensá-la e fazê-la. A autora apresenta aspectos sobre o início

do desenvolvimento da percepção das diferenças de tamanhos, formas e

espessuras de instrumentos de caça e pesca pelo homem pré-histórico, o

surgimento das Matemáticas orientais como uma ciência de caráter prático e a

criação do cálculo e da medição na história antiga, bem como aspectos históricos

que esclarecem o desenvolvimento e a utilização da medida nas civilizações egípcia,

mesopotâmica e grega.

Caraça (1963, p. 29) enfatiza que “medir consiste em comparar duas

grandezas da mesma espécie – dois comprimentos, dois pesos, dois volumes, etc.”.

O autor exemplifica esse conceito ao comparar os comprimentos de dois segmentos

de reta, AB e CD por exemplo, em que o comprimento do segmento AB é maior que

o comprimento do segmento CD. Porém evidencia que saber se um comprimento é

maior ou menor que outro não é suficiente; na maioria dos casos, é importante saber

quantas vezes um comprimento cabe no outro. O autor salienta ainda que “se não

houver um termo de comparação único para todas as grandezas de uma mesma

espécie, tornam-se, se não impossíveis, ao menos extremamente complicadas as

operações de troca que a vida social de hoje exige” (CARAÇA, 1963, p. 30).

Moura (1995) afirma que é relativamente fácil comparar dois objetos

longos retilíneos, como dois cabos de vassoura, e que, dependendo da forma do

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objeto, é possível sobrepor um ao outro, fazendo coincidir suas extremidades e

comparar seus comprimentos. Porém, se os objetos não são transponíveis como,

por exemplo, as pernas de uma cadeira, para verificar a igualdade ou a diferença da

medida do comprimento das mesmas, é necessário utilizar um terceiro objeto.

Segundo a autora, essas situações que demandam a utilização de um terceiro

objeto para comparar dimensões de outros dois permitem o desenvolvimento da

noção de propriedade transitiva. A transitividade está relacionada com a capacidade

de se obter, por meio de dedução, uma relação de igualdade ou desigualdade

(superior ou inferior) de uma grandeza, a partir dessa mesma grandeza em outros

dois (ou mais) objetos (MESTRINHO; OLIVEIRA, 2008).

Moura (1995) ressalta ainda que ao se comparar dois objetos com a

intensão de medi-los nem sempre é possível fazê-lo por sobreposição. É necessário

estabelecer algo comum e comparável entre os objetos, sem que seja preciso

transpô-los uns sobre os outros.

Evidenciando os procedimentos necessários à realização da medição,

Caraça (1963) salienta que é preciso estabelecer um estalão ou padrão único de

comparação para todas as grandezas de mesma espécie. Esse padrão chama-se

unidade de medida da grandeza com a qual se está tratando. Além disso, é preciso

responder à questão “quantas vezes?”, o que se faz dando um número que

expresse o resultado da comparação com a unidade. Esse número chama-se a

medida da grandeza com relação à unidade. O autor salienta que no problema de

medir é possível considerar três fases e três aspectos distintos: a escolha da

unidade, a comparação com a unidade e a expressão numérica do resultado dessa

comparação.

Caraça (1963) enfatiza que existe uma interdependência entre os três

aspectos descritos anteriormente, sendo que o primeiro e o terceiro estão

intimamente ligados e um condiciona o outro, estabelecendo-se assim uma relação

dialética entre a escolha da unidade e o número que resulta da comparação. A

unidade pode ser escolhida arbitrariamente, mas, na prática, o número a ser obtido

como resultado da medição condiciona a escolha da unidade. Isso depende da

natureza das medições a serem realizadas. Uma mesma grandeza possui, portanto,

tantas medidas quantas forem as unidades com as quais será medida.

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Quanto à escolha da unidade de medida, Caraça (1963) afirma que é

importante que seja considerada a partir de sua praticidade, comodidade e

economia. Pode-se escolher a unidade como quiser, mas, na prática, o número que

resulta da medição está condicionado à escolha da unidade. Como exemplo de

seleção da unidade, o autor afirma que “seria tão incômodo tomar como unidade de

comprimento de tecidos para vestuário a légua5, como tomar para unidade de

distância geográfica o milímetro” (CARAÇA, 1963, p. 31).

Sobre essa questão, é fundamental refletir sobre a unidade de medida

que acompanha um número que indica a quantidade, pois apenas o número é

insuficiente para representar a grandeza. A discussão sobre a relação entre número

e unidade de medida é essencial, pois, por exemplo, o número 300, apesar de

representar maior quantidade que o número 3 em termos de contagem de objetos,

representa uma menor quantidade de produto se compararmos 300 gramas de arroz

com 3 quilogramas do mesmo alimento. Dessa forma, a unidade de medida compõe

a quantidade juntamente com o número.

Outro aspecto importante a ser destacado no que se refere ao ato de

medir, é que no processo de medição de um objeto são necessários dois tipos de

operação: uma de caráter geométrico, que aplica a unidade ao longo da grandeza a

ser medida, e outra de caráter aritmético, que calcula quantas vezes é possível

repetir a operação anterior. Deste modo, fica evidente “a existência de uma estreita

relação entre ambas, o que produz uma nova operação: medir” (MOURA, 1995, p.

47). Na mesma perspectiva, Catalani (2002) ressalta que, para realizar a medição de

uma grandeza, seja ela uni, bi ou tridimensional, é necessário aplicar-lhe certa

unidade de medida e calcular quantas vezes é possível repetir a operação de

sobrepor a unidade de medida à grandeza, sendo que o cálculo de quantas vezes se

aplica a unidade de medida à grandeza refere-se ao aspecto aritmético da operação,

e a escolha da unidade de medida da mesma espécie que a grandeza, o

conhecimento geométrico.

É relevante salientar que os conceitos de Grandezas e Medidas e o ato

de medir também se constituem em conexões para a elaboração do conceito de

5 Légua: Légua era a denominação de várias unidades de medidas de itinerários (de comprimentos

longos) utilizadas em Portugal, Brasil e em outros países até à introdução do sistema métrico. As várias unidades com esta denominação tinham valores que variavam entre os atuais 2 a 7 quilômetros. Informação obtida por meio do site: https://pt.wikipedia.org/wiki/Légua. Acesso em 24/09/2015.

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fração. No processo de medir, quando a unidade escolhida não está contida em um

número inteiro de vezes na grandeza a ser medida, é necessário fracionar a unidade

para expressar exatamente a dimensão da grandeza em partes da unidade, fazendo

emergir a necessidade da utilização de números racionais. Catalani (2002) salienta

que nessa tentativa de resolver o problema de medir as “sobras”, quando ocorre a

necessidade da subdivisão da unidade de medida, é que se estabelece o nexo entre

medida e fração.

As observações sobre as operações envolvidas no processo de medir e a

forte relação deste tema com diferentes conceitos matemáticos e com outras áreas

do conhecimento enfatizam a relevância do trabalho com Grandezas e Medidas, a

partir de vivências, experiências, explorações, brincadeiras e jogos desde a

Educação Infantil, possibilitando que a criança construa intuitivamente noções

matemáticas importantes.

Buscando esclarecer como se desenvolveu a linguagem das grandezas,

Hogben (apud Cunha, 2008) indica que, a princípio, nossos órgãos sensoriais eram

capazes de perceber espécies distintas a grandes distâncias, mas eram incapazes

de perceber essa distinção quando se tratava de tamanhos. Desse modo, quando os

olhos não eram suficientemente aptos para realizar essa tarefa, foi necessária a

construção de novos “órgãos sensoriais”, extracorpóreos, que os substituíssem.

Para Catalani (2002) a capacidade humana de invenção criou a unidade de medida

que, quando transportada para os instrumentos de medição, torna-os

extracorpóreos.

Ao buscar um aprofundamento nos estudos sobre Grandezas e Medidas,

é relevante ressaltar que o conceito de grandeza tem sido discutido a partir de

diferentes olhares que envolvem algumas de suas características específicas. Nesse

sentido, são apresentadas algumas classificações das grandezas trazidas pelos

autores considerando um ou mais de seus aspectos.

Moura (1995), com base em Rouche (1990), discute a noção de grandeza

evidenciando que:

[...] pode-se comparar aquela qualidade que os objetos têm em comum, e que dividem com exclusividade com todos aqueles que lhes são declarados iguais do ponto de vista desta qualidade. Mas como descobrir esta qualidade que não é a cor, nem a forma, nem o material de que é feito? Será que num objeto alongado existe um comprimento falante, que fala por si só? A noção de comprimento só é possível a partir de um conjunto de objetos, a grandeza é considerada como propriedade deles. A noção de grandeza pode ser dissimulada, pela experiência com os objetos, por trás

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de uma regra evidente: em todas as comparações de dois objetos, pode-se, sem alterar o resultado da comparação, substituir cada um dos dois objetos por um objeto equivalente (MOURA, 1995, p. 49).

Esclarecendo ainda a concepção de grandeza, a autora ressalta ser ela

comum aos objetos, não existindo sozinha em um único. Ela só existe em

comparação com outros objetos. Para a autora o valor de uma grandeza pode ser

estabelecido apenas quando comparada com outra grandeza de mesma natureza.

“As grandezas variam uma em comparação com a outra” (MOURA, 1995, p. 50).

Em sua tese de doutorado, Perez (2008) apresenta a classificação das

grandezas a partir das propriedades físicas da matéria identificando-as como

extensivas ou intensivas. As grandezas extensivas são aquelas cuja medida pode

ser feita de um modo direto como o comprimento, a superfície, o volume e a massa.

Nessas grandezas o todo é igual à soma das partes. As grandezas Intensivas são

as que podem ser medidas apenas de uma forma indireta como a temperatura, ou

grandezas derivadas, definidas a partir de outras grandezas como densidade,

velocidade, são grandezas independentes da quantidade de substância que constitui

o corpo e não se pode definir pela soma, e exigem procedimentos mais sofisticados

para serem medidas.

Brolezzi (1996) afirma que unidades discretas e contínuas se referem

respectivamente a duas das ações básicas na elaboração da Matemática: contar e

medir. Para o autor, as grandezas chamadas contáveis, que são objeto de

contagem, são denominadas discretas. Já as grandezas passíveis de medição são

chamadas contínuas. No ensino elementar, muitas vezes, observa-se a tendência de

se optar em cada assunto a ser trabalhado pelo aspecto contínuo ou discreto da

grandeza, sem se explorar a relação existente entre ambas. Segundo o autor,

abordar esses aspectos como realidades disjuntas, pode gerar consequências

graves para o ensino e perde-se muito da riqueza da Matemática. O autor destaca

ainda que é importante trabalhar a ideia de discreto e contínuo na construção dos

conceitos matemáticos explorando a interação entre eles.

Cunha (2008), apoiada em Aleksandrov (1978), afirma que o discreto e o

contínuo são duas classes contraditórias. Para a autora, a classe das grandezas

discretas refere-se àquelas que podem ser divididas e a das contínuas às que são

indivisíveis. De acordo com a autora, a concepção de discreto e contínuo para

Aleksandrov (1978) difere da concepção de Brolezzi (1996). Cunha (2008) esclarece

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que Aleksandrov destaca uma concepção dialética na qual discreto e contínuo são

características que vêm sempre unidas, já que não existem na natureza objetos

infinitamente divisíveis e nem completamente contínuos. “Dada à existência real de

tais características, uma predomina sobre a outra. A denominação ‘ser discreto’ ou

‘ser contínuo’ é uma questão de predominância, dependendo do isolado que cria

para fim de conhecimento” (CUNHA, 2008, p. 31).

A partir do exposto, é possível ressaltar que não existe uma única

definição para grandeza e que os aspectos de quantificação estão presentes nessas

diversas definições. É fundamental salientar que a definição de grandeza não é algo

tão necessário ao professor que trabalha com a Matemática na infância para que

seja inserido enquanto conceito. Entretanto, refletir e compreender seu significado

são aspectos importantes que podem contribuir com o planejamento e com a prática

de sala de aula.

É relevante ressaltar que, diante da necessidade de quantificar aspectos

contínuos dos objetos, a humanidade fez uma reelaboração do princípio da

correspondência biunívoca, criou a unidade de medida à semelhança das unidades

naturalmente separadas. Essa nova unidade artificialmente criada possibilitou o

reestabelecimento da relação biunívoca para a relação dos conjuntos dos números

naturais com as unidades de medida contidas na dimensão a ser quantificada

(CATALANI, 2002).

Para exemplificar a utilização do número natural no contexto das

grandezas, Catalani (2002) enfatiza que, para grandezas discretas, o número natural

utilizado é considerado para cada elemento da contagem. Assim, para contar um

rebanho de bois, presume-se que cada boi constitui qualitativamente à mesma

espécie de indivíduo que seu vizinho, que está separado por uma camada de

atmosfera. No contexto das grandezas contínuas, de modo totalmente diferente, o

número natural é usado para expressar o resultado da comparação de uma unidade

de medida com a grandeza a ser medida, observando que estamos expressando o

resultado da contagem de um objeto que não apresenta “separações” naturalmente.

Cunha (2008) destaca que nas escolas de Ensino Fundamental, a

grandeza não é trabalhada como algo que resulta da comparação das qualidades

comuns entre objetos. A autora exemplifica que as atividades que requerem que

alunos identifiquem qualidades de objetos dentre um conjunto não permitem a

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conclusão de que não existem qualidades intrínsecas aos objetos, pois estas

surgem da comparação entre as qualidades comuns dos objetos no conjunto dado.

Nesse sentido, a autora afirma que não existe objeto pesado nem objeto pequeno,

mas sim um objeto que é mais pesado ou mais leve na comparação das qualidades

comuns a vários outros. Consequentemente, o mesmo ocorre com o ensino de

medida.

Para Cunha (2008), as atividades de medição de grandezas

desenvolvidas pelas escolas focam mais diretamente na medição do tempo e de

grandezas padronizadas como comprimento, superfície e volume. Raramente são

trabalhadas as medições no sentido de comparar as grandezas de mesma espécie.

Ainda no que se refere aos aspectos relativos à grandeza, Perez (2008)

traz considerações sobre comensurabilidade das grandezas. Para a autora,

grandezas comensuráveis são aquelas nas quais cabe exatamente um inteiro de

vezes uma unidade, por menor que seja. Já as grandezas incomensuráveis são

aquelas nas quais não cabe um número inteiro de vezes uma unidade, por menor

que seja. Quaisquer segmentos AB e CD são incomensuráveis quando nenhuma

unidade de medida cabe um número exato de vezes em AB e em CD. Segundo a

autora as grandezas incomensuráveis deram origem aos números irracionais.

As grandezas podem ainda ser classificadas em modulares, escalares e

vetoriais. Para Perez (2008, p. 52):

As grandezas modulares são aquelas cujos valores são dados por meio de número aritmético absoluto. Resulta da comparação da grandeza medida com a unidade adotada e é grandeza essencialmente positiva. Exemplos: o comprimento (no sentido de extensão linear de um corpo), a área, o volume, a massa, a quantidade de calor. As grandezas escalares são aquelas cujo valor é dado por meio de número algébrico relativo, depende do sinal, o qual pode ser positivo ou negativo. Exemplos: a temperatura – de 25 °C pode ser contada acima ou abaixo do ponto de origem ou de referência da escala, como +25°C ou –25°C; a diferença de nível: altitude e profundidade como +50m acima do nível do mar e –50m abaixo do nível do mar; o tempo: negativo para acontecimentos do passado -200 A. C e positivo para acontecimentos depois de Cristo + 1500 D. C. As grandezas vetoriais são aquelas cujos valores se caracterizam por um número e também por uma direção e um sentido. Exemplos: força, velocidade vetorial, aceleração vetorial.

Observando as classificações das grandezas como indicadas por Perez

(2008) e por Ponte e Quaresma (2011) é possível afirmar que o trabalho com

Grandezas e Medidas requer uma ampla compreensão desse tema matemático, e

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independentemente do nível escolar que se trabalhe, é importante conhecer os

aspectos envolvidos no seu ensino.

1.3 O ensino e a aprendizagem das Grandezas e Medidas na infância

Ao estudar o trabalho com a Matemática na Educação Infantil, Lorenzato

(2006) enfatiza que o conceito de medida é abrangente e complexo. O autor salienta

que o campo conceitual da medida é composto de aspectos relacionados às

grandezas e ao vocabulário; aos objetos e suas características; às unidades de

medida; aos quantificadores e à Matemática.

Para que as crianças compreendam todos os aspectos da medida, é

necessário que percorram um longo caminho, que começa pela comparação,

baseando-se na percepção visual e na estimativa (LORENZATO, 2006). O autor

salienta que esse caminho é organizado em algumas fases que podem contribuir

para a compreensão do desenvolvimento do conceito de medida pela criança e,

consequentemente, com o planejamento didático. Tais fases favorecem a

compreensão desse conceito.

A primeira fase pressupõe o trabalho com a comparação direta por meio

da qual as crianças deslocam um objeto sobre ou junto ao outro, e admitem que eles

possam mudar de tamanho. A comparação é direta e sem unidade de medida

(LORENZATO, 2006).

Na segunda fase as crianças conseguem fazer a medição direta a partir

de um terceiro objeto, ou seja, descobrem as diferenças entre dois objetos A e B,

comparando-os com um objeto C. Nessa fase, as crianças ainda acreditam que a

medida de um objeto não se conserva, aceitando naturalmente diferentes resultados

de distintas medições realizadas sobre um mesmo objeto com a mesma “unidade de

medida”, como se a medida não fosse uma propriedade do objeto medido, e sim de

quem mede ou do modo de medi-lo (LORENZATO, 2006).

Na terceira fase, as crianças percebem a necessidade da utilização de

uma unidade de medida padronizada, pois já adquiriram a ideia de conservação da

medida. Ao medir distâncias, as crianças deslocam corretamente a unidade sobre o

objeto, realizando a partição do objeto, e conseguem compreender o significado de

contar quantas vezes a unidade cabe “sobre” o objeto medido. Segundo o autor,

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essa é uma medida operatória visto que nas fases anteriores a medição era

concebida apenas como ato de movimentar a unidade sobre o objeto a ser medido.

A última fase que completa o domínio do processo de mediação pelas

crianças ocorre quando elas conseguem integrar a medição com as operações de

multiplicar e dividir números inteiros, percebendo que esses números não servem

para toda e qualquer medição, surgindo então a necessidade dos números

fracionários (LORENZATO, 2006).

Todo esse processo descrito por Lorenzato (2006) tem início na Educação

Infantil e se amplia para o Ensino Fundamental, pois com as crianças de até cinco

anos não é possível observar alguns aspectos descritos na terceira ou quarta fases.

Na terceira fase, algumas experiências mostram que as crianças identificam a

necessidade da utilização de medidas padronizadas como, por exemplo, o passo de

uma única criança para medir uma distância entre dois pontos no pátio da escola.

As crianças pequenas, a partir de experiências do seu meio cultural,

conseguem identificar alguns instrumentos de medida como régua, trena, balança, e

relatar aspectos de sua utilização considerando sua própria vivência: o uso da

balança para se pesar em situações de consultas médicas, a utilização de uma fita

métrica pela mãe que é costureira, o uso de uma trena por um pedreiro. O fato de

terem algum conhecimento sobre esses instrumentos não significa que as crianças

compreendam as unidades de medida marcadas por esses instrumentos e tampouco

que elas adquiram esse conhecimento na Educação Infantil. Nesse sentido, como

afirma Moura (1995), é essencial que nas instituições educacionais as atividades

propostas não reduzam as ações das crianças ao que elas já conhecem, mas que

sejam oportunizadas vivências que solicitem a reelaboração do nível em que estão

para um mais elaborado.

Outra questão considerada relevante no ensino e na aprendizagem da

medida, especialmente no que se refere ao trabalho com esse tema na educação

formal, reside em compreender que existe diferença entre “fazer medida” e “pensar

medida”. Nesse sentido, Cunha (2008) destaca que:

Quando fazemos medida, agimos de forma mecânica: usamos instrumentos de medidas, medimos simplesmente, sem refletirmos sobre os conceitos matemáticos envolvidos nessa ação. A medida, neste caso, é apenas uma técnica e saber usá-la mecanicamente não significa entender seu significado. [...] quando ‘pensamos’ sobre a medida estamos pensando nas qualidades e nas relações desta com o objeto a ser medido. Pensamos nos nexos conceituais da medida e isso significa entender tanto as relações

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internas, como as relações externas do conceito de medida e estabelecer relações entre elas (p.29).

A consideração apresentada por Cunha provoca a seguinte questão: será

que nas escolas são propostas atividades que possibilitem pensar sobre a medida,

sobre suas relações e seus nexos, ou são desenvolvidas atividades desprovidas de

significado, que promovem a repetição de procedimentos mecânicos sem que o

estudante compreenda, de fato, o porquê utiliza determinada técnica ou unidade em

uma situação de medição? A partir de minha experiência profissional e do contato

com professores de diferentes redes e níveis de ensino, acredito que,

possivelmente, o tema Grandezas e Medidas seja desenvolvido de modo muito

tímido na Educação Infantil, e trabalhado numa perspectiva do “fazer medida” nos

anos iniciais do Ensino Fundamental.

Sobre esse mesmo aspecto, Silva (2011) observa que, em algumas

situações, quando se trata de Grandezas e Medidas, os conteúdos são trabalhados

apenas no 4º e 5º anos do Ensino Fundamental e são deixados para os últimos

bimestres do ano letivo. Para a autora, os recursos utilizados são instrumentos de

medida padronizados direcionados à unidade padrão de medida e centrados na

transformação de unidades.

No que se refere aos aspectos do trabalho com medidas para futuros

professores em formação no curso de Pedagogia, Muniz, Batista e Silva (2008)

evidenciam a importância de que o estudo das medidas seja decorrente da

percepção espaço/temporal do estudante, considerando suas experiências e

vivências em seu contexto social, evitando iniciar o estudo a partir de conceitos

científicos fechados ou de transformação das unidades de medida. Os autores

defendem doze princípios que devem permear o estudo das Grandezas e Medidas

com crianças nos anos iniciais de educação.

1º Princípio — O ponto de partida do estudo de medidas é a percepção. Não podemos conceber, de forma alguma, trabalhar uma medida sem trabalhar a percepção desta medida; 2º Princípio — O estudo das medidas deve perpassar todo o espaço curricular, deve estar presente do primeiro ao último dia de aula. 3º Princípio — Todas as medidas devem iniciar com as unidades arbitrárias. 4º Princípio — A transferência da unidade arbitrária para a unidade padrão deve ser uma decorrência de uma relação social do grupo em questão. A escola deve provocar e promover situações de medidas com as unidades arbitrárias para que, por meio do conflito, surja a necessidade da padronização. 5º Princípio — A transferência da unidade padrão para a unidade legal deve estar vinculada à história da civilização (de acordo com o nível de ensino).

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6º Princípio — É de fundamental importância que a escola estabeleça a relação entre as unidades legais com as unidades culturais, caso não queira alijar sua função social. A escola deve tornar-se um espaço legítimo para a discussão da diversidade cultural a partir das diferenciações das medidas. 7º Princípio — No estudo de medidas é importante que conheçamos a real função da manipulação de material concreto. É inconcebível trabalhar medidas na escola e no currículo sem MEDIR. 8º Princípio — É preciso trabalhar a real dimensão do sistema de medidas adotado pela nossa cultura. 9º Princípio — Ao trabalhar com medidas, o professor deve ficar especialmente atento a esta fragmentação curricular. Sua atitude deve ser no sentido de tentar vincular as medidas, especialmente quando se trata de medidas de capacidade, de volume, de comprimento, de superfície e de massa. 10º Princípio — Nós temos que aceitar e explorar a inter-relação entre medidas e Geometria. Quando trabalhamos com medidas, estamos tocando diretamente na essência da GEO-METRIA – medida da forma. O estudo de medidas é espaço privilegiado de estudo da Geometria e isto é possibilidade de construção de um trabalho integrado. 11º Princípio — A escola deve ser o espaço de trabalhar o sistema legal de medidas, pois é, por excelência, espaço de socialização e de compreensão das relações estabelecidas na sociedade. 12º Princípio — Este último princípio deve direcionar não só o estudo de decimais, como de qualquer outro conteúdo e de qualquer área do conhecimento. A escola deve estar atenta à capacidade do estudante de criar situações-problema e propor soluções para os impasses e conflitos gerados por estas situações vinculadas à sua vida cotidiana. Em se tratando de medidas, estas situações devem se relacionar ao mundo do trabalho, dos jogos, das ciências e do comércio. O estudo de medidas deve pulsar sobre a dinâmica da vida cotidiana (MUNIZ, BATISTA e SILVA, 2008, p. 59-65).

Os princípios apresentados pelos autores buscam romper com o ensino

das Grandezas e Medidas centrado no ensino das unidades de medidas e

transformações em seus múltiplos e submúltiplos. Sugere que o trabalho deve partir

da percepção da criança sobre a medida, da utilização de medidas arbitrárias, e

pressupõe a valorização das experiências e das vivências das crianças sobre esse

assunto, para possibilitar a ampliação das aprendizagens sobre o tema na escola.

Outro aspecto importante apresentado por Muniz, Batista e Silva (2008)

na definição dos princípios citados anteriormente é que na perspectiva da Educação

Matemática, o estudo das Grandezas e Medidas deve perpassar todo espaço

escolar, sendo trabalhado durante todo o ano letivo, pois esse eixo curricular

possibilita uma articulação entre a noção de número, as figuras geométricas, a

utilização de instrumentos, e o uso social da Matemática nos jogos e brincadeiras.

Para os autores, o estudo das medidas possibilita uma ponte entre a Matemática

como ferramenta cultural e o rigor da Matemática, possibilitando uma passagem

curricular importante entre a cultura e a ciência.

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As considerações apresentadas nos princípios destacados possibilitam

um olhar diferenciado sobre o ensino e a aprendizagem das Grandezas e Medidas

na escola, enfatizando a importância da compreensão dos estudantes sobre o tema.

É relevante ressaltar que os princípios apresentados por Muniz, Batista e

Silva (2008) foram ampliados por Silva (2011) a partir de sua pesquisa realizada com

o intuito de “analisar indícios de formação de conceitos no campo das Grandezas e

Medidas comprimento, massa e capacidade de alunos do 4º ano do Ensino

Fundamental” (p. 31). Após a realização do estudo, a autora propôs o acréscimo de

oito novos princípios aos já mencionados anteriormente, com o intuito de contribuir

com a formação dos conceitos de Grandezas e Medidas, especialmente para

comprimento, massa e capacidade, que são apresentados a seguir.

14º Princípio - propor situações-problema interessantes e significativas que permitam que os alunos desenvolvam suas lógicas próprias e assim construam diversos conceitos acerca de Grandezas e Medidas. 15º Princípio - a mediação pedagógica entre alunos e professor é essencial no processo de aprender-ensinar as Grandezas e Medidas comprimento, massa e capacidade para formação e novos conceitos. 16º Princípio – não basta apenas fazer receitas em sala de aula sem que os alunos possam estabelecer uma relação das unidades de medida com suas medidas, ou seja, deve ser possível que eles façam o uso de equivalência. Exemplo, uma xícara de farinha equivale a x gramas, um copo de leite equivale a y mililitros, etc. Isso, sim, proporciona a construção de vários conceitos de Grandezas e Medidas. 17º Princípio – o trabalho em sala de aula com tema Grandezas e Medidas proporciona a transposição de um conhecimento construído anteriormente para outro em construção, à medida em que os alunos percebem a relação estabelecida entre as grandezas. 18º Princípio – a comunicação entre os envolvidos no processo de aprender e ensinar Grandezas e Medidas proporciona o aparecimento de ideias que geram a construção das terminologias das unidades de medidas, sejam elas construídas no espaço social e cultural ou pelos próprios alunos. 19º Princípio – mais do que conhecer nomenclaturas, é importante estar atento aos conceitos já construídos pelos alunos e às suas dificuldades de verbalização durante a aprendizagem das Grandezas e Medidas; e 20º Princípio – a linguagem – significantes e significados – é elemento importante na construção dos conceitos de Grandezas e Medidas (SILVA, 2011, p. 198-199).

Considero que os oito princípios acrescidos aos indicados por Muniz,

Batista e Silva (2008) apresentam contribuições interessantes para o ensino e a

aprendizagem tanto das Grandezas e Medidas quanto de outras áreas da

Matemática. Porém, os mesmos não ampliam significativamente o que já foi

proposto inicialmente, principalmente a partir do detalhamento dos princípios

descritos no texto elaborado pelos autores.

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Acredito que os aspectos relativos à proposição de situações-problema

significativas e à importância da mediação do professor para que os estudantes

aprendam a medir são aspectos já presentes na discussão dos princípios definidos

anteriormente. Contudo, é relevante destacar que as indicações evidenciadas pela

autora apresentam contribuições para o trabalho com Grandezas e Medidas na

escola.

1.4 O lugar das Grandezas e Medidas nos currículos de Matemática da

Educação Infantil e anos inicias do Ensino Fundamental

A organização curricular das escolas do Brasil é pautada em documentos

oficiais que apresentam objetivos e princípios norteadores para o ensino de todas as

áreas de conhecimento. Nesse texto serão abordados os documentos que orientam

os currículos para o ensino da Matemática na infância. Inicio esta sessão com as

publicações oficiais destinadas à Educação Infantil e posteriormente aos anos

iniciais do Ensino Fundamental.

No Brasil, os principais documentos que orientam a organização curricular

para a Educação Infantil são as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação

Infantil - DCNEI- Resolução Nº 5/2009 CNE/MEC (Brasil, 2009) e os Referenciais

Curriculares Nacionais para a Educação Infantil – RCNEI (BRASIL, 1998).

As DCNEI estabelecem exigências a serem observadas pelas propostas

pedagógicas das instituições de Educação Infantil, e reúnem princípios,

fundamentos e procedimentos que orientam as políticas públicas para esse nível

educacional. Quanto ao currículo, o documento o concebe como um conjunto de

práticas que devem articular as experiências e os saberes das crianças com os

conhecimentos cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, promovendo o

desenvolvimento integral das crianças de 0 a 5 anos de idade. As diretrizes

evidenciam também que a criança enquanto sujeito histórico e de direitos deve ser o

centro do planejamento curricular.

Quanto à Matemática, o documento destaca que as práticas pedagógicas

presentes nas propostas curriculares da Educação Infantil devem garantir

experiências que “recriem, em contextos significativos para as crianças, relações

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quantitativas, medidas, formas e orientações espaço temporais” (BRASIL, 2010a, p.

25).

É relevante ressaltar que a publicação elaborada pelo Ministério da

Educação com o intuito de disseminar as DCNEI destaca que as propostas

pedagógicas das instituições de Educação Infantil devem prever formas para garantir

a continuidade do processo de aprendizagem e desenvolvimento das crianças,

respeitando as especificidades etárias, sem antecipação de conteúdos que serão

trabalhados no Ensino Fundamental. Esta indicação é importante porque existem

ainda discussões e dúvidas sobre essa questão, e em algumas situações a

“preparação” ou “treino” para o Ensino Fundamental é uma prática presente na

Educação Infantil.

O RCNEI estabelece objetivos para a educação de crianças em idade de

creche (0 a 3 anos) e para crianças em fase pré-escolar (4 e 5 anos, a partir da Lei

Nº 11.274/2006) e estabelecem como blocos de conteúdos a serem trabalhados na

escola: Números e Sistema de Numeração Decimal, Espaço e Forma, e Grandezas

e Medidas, sendo este último o foco de atenção do presente trabalho.

Ao realizar uma análise crítica da organização do ensino de Matemática

presente no RCNEI com base na teoria histórico-cultural, Araújo (2010) evidencia

que esse documento, mesmo não se constituindo em uma legislação obrigatória,

estabeleceu-se como tal para muitas instituições, a despeito de desconsiderar as

realidades regionais, locais e, sobretudo, a possibilidade apresentada pela Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional de que a instituição educacional deve

organizar sua proposta pedagógica. Para a autora:

[...] seu uso é frequentemente justificado porque, apesar das inúmeras críticas ao RCNEI, este pode ser, de certa forma, considerado um avanço, por tratar-se de um documento que se diz voltado especificamente para a Educação Infantil. Ainda que possamos ter muitas reservas em relação a ele, seja pela forma pouco participativa com que foi elaborado; pela visão em relação ao processo de ensino e aprendizagem; pela compreensão cosmopolita presente nas atividades sugeridas, ele foi uma primeira tentativa de conferir uma sistematização curricular à Educação Infantil, mérito que não pode ser desprezado (ARAUJO, 2010, p. 139-140).

O tema Grandezas e Medidas está apresentado no RCNEI considerando

que esse assunto se insere no universo infantil:

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As medidas estão presentes em grande parte das atividades cotidianas e as crianças, desde muito cedo, têm contato com certos aspectos das medidas. O fato de que as coisas têm tamanhos, pesos, volumes, temperaturas diferentes e que tais diferenças frequentemente são assinaladas pelos outros (está longe, está perto, é mais baixo, é mais alto, mais velho, mais novo, pesa meio quilo, mede dois metros, a velocidade é de oitenta quilômetros por hora etc.) permite que as crianças informalmente estabeleçam esse contato, fazendo comparações de tamanhos, estabelecendo relações, construindo algumas representações nesse campo, atribuindo significado e fazendo uso das expressões que costumam ouvir. Esses conhecimentos e experiências adquiridos no âmbito da convivência social favorecem a proposição de situações que despertem a curiosidade e interesse das crianças para continuar conhecendo sobre as medidas (BRASIL, 1998, p. 225).

Especificamente com relação ao eixo Grandezas e Medidas, Araújo

(2010) enfatiza que o documento não considera a questão fundamental para a

aprendizagem das medidas, que é a criação de uma unidade padrão, e também não

menciona que o ensino da medida deve considerar os três aspectos distintos do

medir: a escolha da unidade; a comparação com a unidade; a expressão numérica

do resultado dessa comparação por um número, mantendo a ênfase no

conhecimento cotidiano, como se ele fosse suficiente para a criança apropriar-se

desse conteúdo. A autora salienta ainda que o documento não menciona as

relações existentes entre as medidas e a Geometria e “não destaca o percurso da

humanidade em relação à numeralização do espaço e assume a posição de defesa

da aprendizagem pela experiência” (ARAUJO, 2010, p. 164).

Lorenzato (2006) evidencia que as crianças convivem cotidianamente

com situações relacionadas à comparação de grandezas apresentadas por

expressões como: mais baixo, mais alto, muito quente, grande demais, correndo

muito, é perto, entre outras. O autor argumenta ainda que essas noções antecedem

o ato de medir e são fundamentais à construção do conceito de medida, sendo

importante que professores de Educação Infantil dediquem parte de suas atenções

ao desenvolvimento das noções de medições.

Moura (1995) salienta ainda que, embora o tema Grandezas e Medidas

esteja impregnado de sentidos sociais e culturais, quando ele é trabalhado na

escola, tais aspectos nem sempre são explorados. A autora, fundamentada em

Dugas (1991), afirma que:

Todos esses aspectos, no entanto, não estão presentes quando a medida é ensinada na escola. Na sala de aula, é considerada um componente curricular, um conhecimento isolado dos significados da realidade sociocultural do aluno, justificado pela lógica de sua estruturação dentro da área do conhecimento matemático, como pré-requisito a outros

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conhecimentos compartimentalizado em disciplinas. Desta forma, a aprendizagem deste conteúdo não se tornaria árida como subtrai à criança a oportunidade de apropriar-se de um instrumento intelectual que lhe possibilite a compreensão da realidade social em que vive (MOURA, 1995 p. 43).

Diante do exposto, é possível afirmar que o trabalho com Grandezas e

Medidas, a partir do cotidiano e do universo infantil, pode contribuir para que os

objetivos gerais de Matemática na Educação Infantil sejam atingidos. Nesse sentido,

um ambiente orientado para o trabalho com essa área do conhecimento, nessa

etapa educacional, pode contribuir para a aprendizagem de novos conhecimentos,

desde que esteja voltado para as necessidades pessoais e sociais da criança, a

partir de seu interesse e curiosidade. É importante também que as atividades

envolvendo medidas sejam intencionalmente planejadas pelos professores e

priorizem a exploração de situações reais do cotidiano das crianças. Para Moura

(1995),

[...] a medição na escola deve possibilitar uma exploração ativa do mundo real. À proporção que a criança adquire a capacidade de usar ferramentas apropriadas para medir objetos partindo do que ela já sabe, ela poderá ampliar seus conhecimentos aplicando-os à novas situações de medir (p. 43).

Ainda a respeito do que ocorre com o ensino da medida, Moura (1995)

destaca a sala de aula como um ambiente no qual a medida é considerada um

componente curricular, um conhecimento isolado dos significados da realidade sócio

cultural das crianças justificado pela lógica de estruturação dentro da área de

conhecimento matemático, como pré-requisito a outros conhecimentos

compartimentalizados em disciplinas.

Outro documento que está em construção no Brasil e, possivelmente, irá

orientar a construção dos currículos da Educação Infantil no país é a Base Nacional

Comum Curricular (BNCC), que apresenta os Direitos e Objetivos de Aprendizagem

e Desenvolvimento que devem orientar a elaboração de currículos desde a

Educação Infantil ao Ensino Médio. Durante o processo de escrita desta tese, o

documento estava sendo elaborado, tendo uma versão preliminar disponibilizada

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para consulta pública e contribuições em setembro de 2015, e uma segunda versão

revisada publicada em abril de 20166.

A BNCC que trata da Etapa da Educação Infantil (Brasil, 2016) estabelece

as interações e a brincadeira como eixos estruturantes das práticas, e a organização

do currículo a partir dos conteúdos de experiência da criança. No documento são

destacados os direitos de aprendizagem das crianças, fundamentados na DCNEI:

conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se.

Em que pesem os processos políticos envolvidos na elaboração da

BNCC, o lançamento do documento tem gerado acalorados debates e se configura

como um desafio para a educação nacional, tanto em aspectos legais quanto

teórico-metodológicos, dividindo a opinião de educadores e pesquisadores da área

de Educação. Para Freitas (2015), a base para a Educação Infantil ficou restrita

apenas e tão somente a uma lista de objetivos destinados a serem convertidos em

matriz de referência para a avaliação. Em contraposição, Campos e Barbosa (2015)

enfatizam que as indicações presentes no documento defendem uma concepção de

educação e de Educação Infantil da qual deve ser o currículo privilegiado.

Para Campos e Barbosa (2015), a BNCC apresenta limites e possibilidades,

entretanto as autoras acreditam que o documento pode definir de modo mais

propositivo a organização das atividades cotidianas; ampliar as discussões e ser

apropriado como “currículo base” nas instituições; possibilidade de superação da

escolarização pragmática e utilitarista direcionada a resultados imediatos; aliá-lo à

defesa da Educação Infantil como lócus constituído a partir de diferentes referências,

ultrapassando as indicações endógenas à educação e às teorias e indicações que

se pautam na teoria de mercado, competição e preparação para o futuro. Para as

autoras:

[...] nessa arena de disputa, a defesa da Educação Infantil a partir dos princípios elencados, tanto nas diretrizes quanto no documento da BNCC para a Educação Infantil, parece ser o “mapa” para não se perder no processo. De igual modo, defender e acreditar na possibilidade de desenvolver uma educação infantil que supere as concepções economicistas e não aceitá-la como política compensatória são alguns dos aportes a partir dos quais poderemos continuar lutando pelo direito das crianças e de suas famílias (CAMPOS; BARBOSA, 2015, p. 362).

6 As etapas de elaboração da BNCC, o acesso às contribuições e outras informações sobre o

documento podem ser obtidos na página http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/inicio. Consulta realizada em 02 de junho de 2016.

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As preocupações de uma base para a Educação Infantil recaem também

sobre os desdobramentos decorrentes de sua implantação. Entre elas destaco a

possibilidade desse documento regular os currículos e criar condições para

escolarização das crianças, favorecendo o desenvolvimento de exames

padronizados nessa etapa educacional e a inserção ou ampliação nas redes

públicas de “sistemas de ensino” como disseminadores ou determinadores das

ações e dos conhecimentos a serem trabalhados na Educação Infantil, (FREITAS,

2015; CAMPOS; BARBOSA, 2015).

Um dos aspectos que considero importante nesse processo de

elaboração base é que a Educação Infantil tem sido colocada em destaque. Acredito

que discutir as possiblidades e direitos de aprendizagem das crianças com os

professores, educadores e especialistas da área, bem como as outras questões que

envolvem uma educação pública de qualidade para crianças pequenas, pode ser

uma oportunidade de ampliação da luta em defesa dos seus direitos, da

compreensão de que as instituições que atendem essas crianças fazem, sim,

Educação e de que os profissionais que nelas atuam precisam ser valorizados.

Destaco ainda que, se professores e profissionais das escolas, se

apropriarem desse debate, pode haver a ampliação de estudos sobre a

aprendizagem e desenvolvimento das crianças e discussões das ações pedagógicas

desenvolvidas nas instituições, favorecendo a disseminação de práticas

interessantes para o cotidiano da Educação Infantil. Porém se, ao contrário, a base

vier a ser implantada numa perspectiva rígida, de etapas a serem cumpridas e de

objetivos a serem atingidos, sem que sejam levados em consideração os diferentes

contextos, as culturas e saberes locais, as condições específicas de cada instituição,

exclusivamente como um currículo unificado com vistas à avaliação externa, pouca

contribuição oferecerá ao trabalho com a infância. A determinação de metodologias

que engessam a ação do professor e prescrevem práticas e atividades para o

docente que atua nessa etapa educacional, influenciando os processos de formação

inicial e continuada dos professores, vem contrariar a hipótese de trabalho que

defendo nesta tese: as práticas e experiências de ensino-aprendizagem de

Matemática na Educação Infantil não devem ser prescritas e ensinadas em cursos

de formação docente; elas podem ser aprendidas, desenvolvidas e incorporadas

colaborativamente em um contexto de análise de situações de práticas de ensinar-

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aprender em sala de aula, envolvendo professores e formadores, a partir das

experiências/vivências com as crianças.

A BNCC ainda está em elaboração. As defesas, os ataques e as

controversas a respeito das questões políticas, teórico-metodológicas e ideológicas

que envolvem esse processo ainda estão em campo, e nesta tese não será possível

discutir o documento final. Na sua segunda versão é possível observar que a

Matemática perpassa todos os campos de experiências, especialmente se nos

atentarmos aos aspectos relacionados aos jogos, à exploração e comunicação.

Entretanto os campos “Traços, Sons, Formas e Imagens” e “Espaços, Tempos,

Quantidades, Relações e Transformações” apresentam objetivos mais direcionados

à Matemática, sendo possível observar objetivos relacionados às Grandezas e

Medidas também em diferentes campos de experiência.

No que se refere aos anos iniciais do Ensino Fundamental, o Ministério da

Educação definiu as Diretrizes Curriculares Nacionais – DCN (BRASIL, 2010b) -

considerando a ampliação desse nível de ensino de oito para nove anos, conforme

Lei nº 11.274/2006 (BRASIL, 2006). Esse documento estabelece que o currículo do

Ensino Fundamental seja constituído pelas experiências escolares que se

desdobram em torno do conhecimento, permeadas pelas relações sociais,

articulando vivências e saberes dos estudantes com conhecimentos historicamente

acumulados que contribuem na construção das identidades dos mesmos. A

Matemática é um dos componentes obrigatórios do currículo escolar desse nível de

ensino, porém o documento não explicita detalhes de como esta ou outra disciplina

deve estar presente nos currículos escolares.

A organização dos currículos escolares de Matemática nessa etapa

educacional tem sido orientada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN

(BRASIL, 1997) -, que são coleções de documentos destinadas à orientação dos

anos iniciais, que compreendiam da 1ª a 4ª séries, mas que após a implantação da

Lei nº 11.274/2006 (BRASIL, 2006), passaram a ser estruturados em cinco anos.

Atualmente esta etapa está organizada do 1º ao 5º ano. Da mesma maneira, as

coleções para a 5ª a 8ª séries, a partir da mesma legislação, foram reorganizadas

com a denominação de anos finais, 6º ao 9º ano. Como o foco desta pesquisa está

voltado para a educação na infância, serão abordados os volumes relativos aos

anos iniciais.

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Nos PCN que orientam os anos iniciais do Ensino Fundamental, os temas

matemáticos são organizados em quatro blocos de conteúdos: Números e

Operações, Espaço e Forma, Tratamento da Informação e Grandezas e Medidas.

Para esses grupos de conteúdos, o documento apresenta objetivos, orientações

didáticas e sugestões para o trabalho com a Matemática considerados adequados

para cada etapa de ensino.

No bloco Grandezas e Medidas, o documento destaca a mesma

perspectiva apresentada no RCNEI, afirmando que as crianças têm contato com

experiências de marcação de tempo e com medidas de diferentes grandezas desde

cedo, mas que é fundamental que a escola ofereça diferentes oportunidades e

situações de ensino para o trabalho com as medidas, tendo o intuito de construir

novos conhecimentos. O documento enfatiza a importância do trabalho com esse

tema devido à sua forte relevância social e ao seu caráter prático e utilitário

presentes em quase todas as atividades realizadas, o que possibilita ao aluno

perceber a utilidade do conhecimento matemático no cotidiano.

Para o primeiro ciclo do Ensino Fundamental, que compreende

atualmente os três primeiros anos dessa etapa, os PCN indicam como objetivos

específicos a serem alcançados pelos estudantes no que tange ao bloco Grandezas

e Medidas:

● Reconhecer grandezas mensuráveis como comprimento, massa e capacidade, e elaborar estratégias pessoais de medida.

● Utilizar informações sobre tempo e temperatura. ● Utilizar instrumentos de medida usuais ou não estimar resultados e

expressá-los por meio de representações não necessariamente convencionais (BRASIL, 1997, p. 47).

De acordo com o mesmo documento, os primeiros anos do Ensino

Fundamental não devem ter como objetivo a formalização de sistemas de medidas,

mas possibilitar que a criança compreenda o procedimento de medir, a partir de

estratégias pessoais e da utilização de alguns instrumentos de medida, além do

início de uma aproximação do conceito de tempo e exploração do significado de

indicadores de temperatura.

Para os anos subsequentes do Ensino Fundamental (4º e 5º anos), os

objetivos dos PCN ampliam os conhecimentos previstos na etapa anterior:

● Construir o significado das medidas, a partir de situações-problema que expressem seu uso no contexto social e em outras áreas do conhecimento e possibilitem a comparação de grandezas de mesma natureza.

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● Utilizar procedimentos e instrumentos de medida, usuais ou não, selecionando o mais adequado em função da situação-problema e do grau de precisão do resultado.

● Representar resultados de medições, utilizando a terminologia convencional para as unidades mais usuais dos sistemas de medida, comparar com estimativas prévias e estabelecer relações entre diferentes unidades de medida (BRASIL, 1997, p. 56).

Os objetivos previstos nesse documento indicam que as noções de

medidas precisam ser construídas com significado e relacionadas ao contexto social

de sua utilização; o emprego de instrumentos e de unidades de medida e a

expressão dos resultados das medições também precisam ocorrer a partir das

necessidades que surgem nas atividades propostas às crianças. Outra questão

importante com relação a essa temática é que, embora os PCN estejam organizados

em torno de “blocos de conteúdos”, é indicado que tanto Grandezas e Medidas

quanto outros temas, sejam trabalhados em situações de ensino-aprendizagem que

privilegiem as relações entre si e se articulem com as demais áreas do

conhecimento.

Enfatizo ainda que, embora tragam informações e propostas com objetivo

de auxiliar os professores para uma nova reflexão sobre a pertinência e relevância

dos conteúdos e conceitos relativos ao tema Grandezas e Medidas a serem

ensinados nos anos iniciais, não é possível deixar de destacar que esses

documentos trazem formulações muito genéricas, e que, por vezes, não influenciam

diretamente nas práticas docentes.

Indicando a importância do estudo de Grandezas e Medidas na

escolarização inicial, Perez (2008) considera ser fundamental a aprendizagem desse

tema não apenas pela sua articulação com os diferentes conceitos matemáticos e

pela sua relação com outras ciências, mas também devido à sua relevância social,

uma vez que auxilia uma leitura mais adequada de mundo e proporciona o

desenvolvimento de competências necessárias ao exercício da cidadania.

Considerando a aprendizagem da Matemática no início do Ensino

Fundamental, o ministério lançou um documento denominado “Elementos

conceituais e metodológicos para definição dos direitos de aprendizagem e

desenvolvimento do ciclo de alfabetização (1º, 2º e 3º anos) do Ensino Fundamental”

(BRASIL, 2012). Para o Ministério da Educação, o documento tem como objetivo

“subsidiar, em âmbito nacional, os sistemas e redes de ensino na elaboração de

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seus currículos, no que tange aos Direitos e Objetivos de Aprendizagem e

Desenvolvimento para o Ensino Fundamental” (BRASIL, 2012, p.11).

Essa publicação destaca os direitos e objetivos em Linguagem (Língua

Portuguesa, Educação Física e Arte); Matemática; Ciências Humanas (História e

Geografia); Ciências da Natureza. Em relação à Matemática, o documento discute

brevemente aspectos sobre a alfabetização e letramento matemático; a resolução de

problemas e situações-problema, observando diferenciações entre esses dois

termos; estabelece cinco tópicos mais gerais sobre o que os estudantes têm direito

de aprender nessa área e indica os objetivos de aprendizagem relativos a cada eixo

organizado em torno dos blocos de conteúdos já presentes nos PCN: Números e

Operações, Espaço e Forma/Geometria, Grandezas e medidas, Tratamento da

Informação, e insere um elemento novo que é o eixo Pensamento Algébrico.

Na sequência, apresento uma tabela que estrutura os objetivos de

aprendizagem para o eixo Grandezas e Medidas, o foco central desta pesquisa. A

tabela está organizada de modo a indicar os objetivos de aprendizagem para o eixo,

apresentando aspectos do grau de profundidade de cada um deles na sequência

dos anos escolares que compõem o ciclo de alfabetização, conforme legenda: I –

introduzir; A – aprofundar e C – consolidar.

Tabela 1 – Objetivos de aprendizagem para o eixo Grandezas e Medidas

EIXO ESTRUTURANTE GRANDEZAS E MEDIDAS Objetivos de Aprendizagem

1º Ano

2º Ano

3º Ano

Compreender a ideia de diversidade de grandezas e suas respectivas medidas

Experimentar situações cotidianas ou lúdicas, envolvendo diversos tipos de grandezas: comprimento, massa, capacidade, temperatura e tempo.

I I/A A/C

Construir estratégias para medir comprimento, massa, capacidade e tempo, utilizando unidades não padronizadas e seus registros; compreender o processo de medição, validando e aprimorando suas estratégias.

I I/A A/C

Reconhecer os diferentes instrumentos e unidades de medidas correspondentes.

I I/A A/C

Selecionar e utilizar instrumentos de medida apropriados à grandeza (tempo, comprimento, massa, capacidade), com compreensão do processo de medição e das características do instrumento escolhido.

I A C

Comparar grandezas de mesma natureza, por meio de estratégias pessoais e uso de instrumentos de medida conhecidos — fita métrica, balança, recipientes de um litro etc.

I A/C C

Ler resultados de medições realizadas pela utilização dos principais instrumentos de medidas: régua, fita métrica, balança, recipiente graduado.

I I/A

Produzir registros para comunicar o resultado de uma medição. I A/C C

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Comparar comprimento de dois ou mais objetos de forma direta (sem o uso de unidades de medidas convencionais) para identificar: maior, menor, igual, mais alto, mais baixo etc.

I A/C C

Identificar a ordem de eventos em programações diárias, usando palavras como: antes, depois etc.

I/A/C

Reconhecer a noção de intervalo e período de tempo para o uso adequado na realização de atividades diversas.

I I/A A/C

Construir a noção de ciclos por meio de períodos de tempo definidos através de diferentes unidades: horas, semanas, meses e ano.

I I/A A/C

Identificar unidades de tempo — dia, semana, mês, bimestre, semestre, ano - e utilizar calendários e agenda.

I I/A A/C

Estabelecer relações entre as unidades de tempo — dia, semana, mês, bimestre, semestre, ano.

I A C

Leitura de horas, comparando relógios digitais e de ponteiros. I A/C

Estimar medida de comprimento, massa, capacidade, temperatura e tempo.

I A/C

Comparar intuitivamente capacidades de recipientes de diferentes formas e tamanhos.

I A/C

Identificar os elementos necessários para comunicar o resultado de uma medição e produção de escritas que representem essa medição.

I A C

Reconhecer cédulas e moedas que circulam no Brasil e de possíveis trocas entre cédulas e moedas em função de seus valores em experiências com dinheiro em brincadeiras ou em situações de interesse das crianças.

I I/A A/C

Fonte: BRASIL, 2012, p. 82

Considero relevante salientar que os conteúdos conceituais para

Grandezas e Medidas previstos no PCN para o primeiro ciclo do Ensino

Fundamental foram incorporados pelo documento que trata dos direitos de

aprendizagem. Porém, essa publicação amplia os objetivos, com destaque para

aspectos da experienciação de situações e utilização de estratégias pessoais para a

medição de grandezas. Além disso, fica explícita certa gradação que indica uma

ampliação progressiva dos objetivos ao longo do ciclo, o que pode favorecer a

organização pedagógica do professor que ensina Matemática nesse nível escolar.

A partir de 2014, outro conjunto de ações governamentais passou a

orientar a organização das aulas de Matemática das crianças em início de

escolarização, especialmente nas redes públicas de ensino: o Pacto Nacional pela

Alfabetização na Idade Certa (PNAIC). Ele se constituiu em um compromisso formal

assumido entre Governo Federal, Estados, municípios e sociedade, com o intuito de

assegurar que todas as crianças estivessem alfabetizadas até os 8 anos de idade,

ao final do 3º ano do Ensino Fundamental. Saliento que é importante trazer a

discussão sobre esse documento nesta tese por se tratar de uma política de nível

nacional e também pelo fato de que o GEProMAI estudou e discutiu dois

documentos, relativos à formação de professores, vinculados à essa política: o

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Caderno 6, que trata das Grandezas e Medidas (BRASIL, 2014a), e o Caderno 5,

que aborda a Geometria (BRASIL, 2014b).

Nas informações presentes no documento de apresentação do programa,

as ações do Pacto apoiam-se em quatro eixos de atuação: 1) formação continuada

presencial para professores alfabetizadores e seus orientadores de estudo; 2)

materiais didáticos, obras literárias, obras de apoio pedagógico, jogos e tecnologias

educacionais; 3) avaliações sistemáticas; 4) gestão, controle social e mobilização

(BRASIL, 2014c, p. 8).

A formação continuada dos professores é realizada a partir de uma

organização definida pelo ministério da educação constituída por três grupos. No

caderno de apresentação do Pacto, assim encontramos:

Essa estrutura é composta, inicialmente, por dois grupos de professores: formadores e orientadores de estudo. A ação destes incide sobre um terceiro grupo, o dos Professores Alfabetizadores, que trabalha diretamente com as crianças que são o objetivo maior do programa. O Professor Formador, profissional selecionado por universidades públicas brasileiras, realiza a formação dos Orientadores de Estudo. O Orientador de Estudos, por sua vez, selecionado pelos municípios, a partir de critérios estabelecidos pelo MEC, organiza, com base nos mesmos princípios formativos, a formação dos Professores Alfabetizadores, atuantes nos três primeiros anos, em escolas públicas de diversas regiões do País. Esse tripé, formado pelos três grupos de professores, mobilizará diferentes saberes que se materializarão em práticas escolares que devem resultar em conhecimentos efetivos para as crianças (BRASIL, 2014c, p. 11).

Para o processo de formação continuada de professores, o Ministério da

Educação organizou oito cadernos com os temas a serem trabalhados nos

encontros de formação. Esses materiais abordam a organização do trabalho

pedagógico; quantificação, registros e agrupamentos; construção do sistema de

numeração decimal; operações na resolução de problemas; Geometria; Grandezas e

Medidas; educação estatística; e saberes matemáticos e outros campos do saber.

Além destes, também são disponibilizados aos professores um caderno de

referência sobre educação inclusiva, um sobre educação matemática do campo e

ainda um outro sobre jogos.

Nesta pesquisa pretendo observar o caderno sobre o tema Grandezas e

Medidas, uma vez que o PNAIC é uma política de âmbito nacional e pretende

direcionar o trabalho com a Matemática no chamado “ciclo de alfabetização” em todo

o país. O documento orientador das ações de formação em 2014, publicado pelo

Ministério da Educação, indica que nas ações relacionadas à Língua Portuguesa no

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ano de 2013 o programa envolveu participantes do eixo de formação continuada de

professores alfabetizadores, assim distribuídos: 53 coordenadores estaduais, 5424

coordenadores municipais, 78 coordenadores e 170 supervisores no âmbito das

instituições de Ensino Superior, 645 formadores das instituições de Ensino Superior,

15.950 orientadores de estudos e 317.462 professores alfabetizadores das redes

estaduais e municipais de ensino. A partir das informações apresentadas, é possível

acreditar que, embora os dados referentes à abrangência da formação em

Matemática ainda não tenham sido divulgados, o número de pessoas envolvidas não

foi muito diferente do aqui apresentado.

O caderno 6 do PNAIC Matemática aborda o tema Grandezas e Medidas.

Constitui-se num material de formação e apoio ao professor e apresenta diferentes

possibilidades do trabalho com o tema no ciclo de alfabetização. O objetivo do

material é oferecer subsídios aos professores para que planejem modos de levar

seus alunos a atingirem os resultados previstos no documento “Diretos de

Aprendizagem” (BRASIL, 2014a).

A publicação tem como autores estudiosos da área da educação

matemática e também professores que apresentam relatos sobre experiências

vivenciadas com os estudantes em contextos educacionais, o que, em minha

opinião, valoriza a produção, uma vez que as atividades foram efetivamente

realizadas pelos docentes e estudantes, sendo que alguns apresentam inclusive os

diálogos e as verbalizações das crianças, trazendo a escola, a sala de aula, o

professor e o aprendiz para o processo formativo docente.

Em termos gerais, o caderno apresenta aspectos teóricos sobre o ensino

e a aprendizagem das Grandezas e Medidas, descreve a importância do ensino

desse tema na escola e sua articulação com o cotidiano, com outros temas

matemáticos como Geometria, Sistema de Numeração, Proporção entre outros e

com diferentes áreas do conhecimento. O texto destaca também que a falta de um

trabalho sistemático com as medidas pode gerar problemas de compreensão do

assunto na continuidade do processo escolar.

Como citado anteriormente, no material encontram-se também os relatos

de experiência de professores que trabalham com Grandezas e Medidas em suas

aulas. Nos depoimentos, os professores apresentam as atividades desenvolvidas, as

intervenções realizadas e as aprendizagens dos estudantes. Os cadernos trazem

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também sugestões de atividades, de leituras e outros materiais para ampliar a

compreensão do tema.

Como afirmei anteriormente, também está em discussão a elaboração da

Base Nacional Comum Curricular para o Ensino Fundamental. Para essa etapa

educacional, os debates gerais são em realizados em torno de temas amplos como:

a metodologia utilizada pelo Ministério da Educação para a elaboração do

documento, especialmente no que se refere à escuta de especialistas e pouco

debate público sobre o assunto; a existência de uma necessidade real ou apenas

legal de sua elaboração, se as DCN são consideradas suficientes para orientar a

produção dos currículos nas redes e escolas; a definição de quais são de fato os

conteúdos, objetivos e direitos de aprendizagem considerados imprescindíveis que

devem ser contemplados no documento; a ampliação de novas formas de controle

da autonomia do professor em seu trabalho; a instauração ou ratificação de uma

visão do professor como operador de programas e conteúdos que tem sua eficiência

ligada à eficiência de métodos padronizados e a compreensão da docência ao ato

concreto de ensinar, como uma competência meramente técnica; o que de fato se

entende por “comum” nesse documento - se a seleção de conteúdos do currículo

não exclui saberes, culturas e diferenças étnico-culturais que não correspondem à

cultura dominante, e também legitima a produção hegemônica de lógicas de valores

da economia e do mercado (GARCIA; FONTOURA, 2015).

Em uma palestra sobre aspectos históricos e filosóficos relacionados à

elaboração da BNCC, Curi (2016) enfatiza que a base se fundamenta em dois

aspectos principais: um recente, que remete à sucessão de avaliações externas a

que são submetidas à Educação Básica e o Ensino Superior, que têm reduzido o

currículo aos conteúdos priorizados pelas matrizes dessas avaliações; o outro

remoto, que é observado pela dispersão de conteúdos que são estudados em

escolas e redes de ensino que não favorecem a realização de avaliações

educacionais mais ricas e efetivas.

Para o autor, a discussão sobre a elaboração e a implementação da base

é uma oportunidade rara que temos para inserir a avaliação como um processo e

não só como um produto final. Em uma entrevista publicada na Revista e-

Curriculum (DURLI; COSTA; SANCHES, 2015), Curi salienta que a base tem relação

com a homogeneização de conhecimentos válidos para que as pessoas possam

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operar na sociedade, o que requer igualdade de oportunidades e o acesso comum

aos conhecimentos. Para ele, a base “visa corrigir o que a igualdade de

oportunidade, por si só, não dá conta, ou seja, tem a ver com a correção das

desigualdades advindas do próprio sistema capitalista” (p. 915). Curi indica que as

diretrizes curriculares foram muito bem elaboradas, feitas com muito cuidado, com a

expectativa de que os Projetos Políticos Pedagógicos estabelecessem a relação

entre o nacional e o local. Entretanto o autor previa muitas dificuldades para que as

redes obtivessem êxito nessa proposta. Diante disso, a BNCC pode ser entendida

como um caminho intermediário (DURLI; COSTA; SANCHES, 2015).

Em contraposição à ideia de imposição de um currículo comum, Garcia e

Fontoura (2015) enfatizam que, por meio da associação entre um currículo nacional,

uma avaliação centralizada e a formação de professores, pode-se validar

determinados conhecimentos e mascarar conflitos de ordem cultural, favorecendo a

lógica de uma globalização hegemônica, justificando a exclusão da diferença e a

hierarquização da diversidade como legítima. Concordo com as autoras quando

afirmam que:

[...] Considerando que como os currículos circulam e são produzidos conhecimentos na/da sociedade nas escolas; é necessário que os professores tenham garantidos espaçostempos de formação coletivos para interrogar os currículos e seu papel nas ideologias vividas e transmitidas, bem como compartilhar e produzir novos-outros saberes. Aprendendo com os saberes docentes e a pensar cotidianamente as escolas, é possível considerarmos de forma mais fértil as relações entre formação de professores e currículos e investir em lógicas mais coletivas e democráticas de pensar os currículos e as escolas (GARCIA; FONTOURA, 2015, p. 768).

As afirmações de Garcia e Fontoura (2015) vêm apontando a urgência de

espaços e tempos para que os professores possam questionar os currículos de

modo amplo e produzir novos saberes a partir dessas discussões. Penso que esse

modo de elaborar os currículos considerando os contextos e culturas em que estão

inseridos, produzindo novos saberes e compartilhando os sentidos da docência e da

escola por eles vivenciados podem fazer emergir alternativas criativas de ensino e

aprendizagem das diferentes disciplinas.

Ainda que a BNCC não esteja finalizada e aprovada neste momento pelo

Conselho Nacional de Educação (CNE), não se configurando ainda como uma

“orientação oficial” para a organização dos currículos, considero importante destacar

que na área da Matemática o documento em estudo possui uma articulação com as

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DCN e com os PCN, sendo organizada em torno dos Números e Operações,

Geometria, Grandezas e Medidas, Estatística e destacando o eixo Álgebra e

Funções como um tema amplo a ser trabalhado nessa etapa educacional, o que não

era previsto de modo explícito em outras orientações.

A segunda versão base apresenta os objetos gerais de formação em

Matemática relacionados à letramentos e capacidade de aprender; leitura de mundo

natural e social; ética e pensamento crítico, solidariedade e sociabilidade. Esses

eixos estão previstos também em outros componentes curriculares dos anos iniciais

do Ensino Fundamental. No documento, os eixos são comentados e exemplificados

num texto de orientação e os objetivos para cada ano escolar são descritos de modo

detalhado.

Especificamente no que se refere às Grandezas e Medidas, as

orientações são pautadas na resolução e elaboração de problemas pelos

estudantes, na ampliação dos conceitos em conexão com temas sociais e contextos

significativos, na articulação com os outros eixos como números e Geometria. O

documento apresenta de modo bem detalhado as aprendizagens esperadas das

crianças sobre cada tema em cada etapa. Por exemplo, em Grandezas e Medidas

está descrito em que momento do percurso educacional as crianças utilizam

medidas não padronizadas e recursos não usuais para medir, e em que momento é

esperado que utilizem instrumentos e medidas padronizadas. Acredito que essas

informações detalhadas podem contribuir para que o docente tenha uma noção do

horizonte matemático a ser perseguido ao longo dos cinco anos que comtemplam

essa etapa educacional. Entretanto esses objetivos não podem se tornar uma

“camisa de força” para que o professor cumpra o estabelecido de modo linear,

desconsiderando seus saberes sobre sua turma, sua escola e as condições

concretas de aprendizagem dos estudantes.

1.5 Revisão das pesquisas sobre Grandezas e Medidas na educação da

infância

Ao refletir sobre o ensino das Grandezas e Medidas na infância, observei

a existência de diferentes aspectos específicos da abordagem desse tema na

literatura educacional. As pesquisas versam sobre a problemática do ensino e da

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aprendizagem desse bloco de conteúdos em diferentes níveis de ensino, a avaliação

do tratamento do tema em livros didáticos e aspectos relativos aos conhecimentos

específicos e pedagógicos relacionados às Grandezas e Medidas em processos de

formação inicial e continuada de professores. Essa multiplicidade de olhares

possibilitou que essa temática se constituísse em objeto de investigação de diversos

estudos. Diante disso, considerei importante conhecer mais profundamente como

esse tema tem sido investigado por pesquisadores brasileiros.

É relevante ressaltar que o processo de ensino e aprendizagem de

qualquer conceito é complexo e multilateral. Por esse motivo busquei compreender o

que vem sendo estudado sobre - e como se dá esse estudo – a respeito do o tema

Grandezas e Medidas relacionado à Educação Infantil e aos anos iniciais do Ensino

Fundamental, e também à formação de professores que ensinam a Matemática

nessas etapas educacionais.

Sem a pretensão de fazer uma análise extensiva sobre o assunto, realizei

um levantamento das pesquisas desenvolvidas no período de dez anos, de 2001 a

2011 no Brasil, para que fosse possível configurar uma visão geral do que tem sido

investigado sobre o tema. Essas informações foram obtidas a partir de uma busca

na sessão da revista Zetetiké que apresenta a relação de dissertações e teses

relativas ao Ensino/Educação Matemática produzidas no Brasil.

A revista Zetetiké é uma publicação institucional da Faculdade de

Educação da Universidade Estadual de Campinas em parceria editorial com a

Universidade Federal Fluminense e possui como objetivos contribuir para o

desenvolvimento da pesquisa na Área da Educação Matemática e para a formação

de pesquisadores dessa Área. No levantamento realizado nesse intervalo temporal,

foram encontradas onze pesquisas que focaram o ensino e a aprendizagem das

Grandezas e Medidas na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, e

sete estudos que focaram esse mesmo tema relacionado à concepção,

representações sociais e formação de professores. Na tabela que se segue

apresento os estudos desenvolvidos diretamente com estudantes dos anos iniciais.

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Tabela 2 - Pesquisas brasileiras envolvendo o tema Grandezas e Medidas e anos iniciais do Ensino Fundamental

Ord. Autor / Ano / Nível / Universidade

Foco/ Resultados

01 Érica Maria Toledo Catalani (2002) Mestrado UNICAMP

Este estudo analisa ações de alunos do 4º ano do ciclo I (10 e 11 anos de idade) submetidos às atividades que problematizam o aspecto contínuo das grandezas quanto à enumeração, com o propósito de perceber “como suas elaborações sobre o conceito de fração estão relacionadas à proposta do desenvolvimento conceitual tratado sob o enfoque da dialética forma e conteúdo”. As análises evidenciam que em suas ações de contar e medir os alunos elaboram pensamento e linguagem matemática. Formalizando juízos e definições de maneira própria, as crianças recriam para si o movimento da forma, enquanto síntese da fração e do conteúdo: ações de medir aspectos contínuos dos objetos.

02 Pedro Ribeiro Barbosa (2002) Mestrado Universidade Federal de Pernambuco

A pesquisa buscou analisar os efeitos de uma sequência de atividades para uma fase inicial da construção dos conceitos de comprimento e perímetro. Os sujeitos observados foram alunos de uma turma de 4ª Série do 2º Ciclo do Ensino Fundamental (alunos de 9 - 12 anos), de uma escola pública municipal da cidade de Campina Grande, Paraíba. A hipótese central do trabalho provém de pesquisas em didática da Matemática e indica que é necessário, no ensino, construir o conceito de comprimento como uma grandeza. Em particular, o perímetro sendo o comprimento do contorno de uma figura plana deve ser construído como uma grandeza. Em torno desse eixo principal, foi elaborada e aplicada uma sequência: estratégias utilizadas, erros e outros fenômenos didáticos ocorridos. A parte experimental do trabalho foi realizada em sala de aula, no decorrer de quatro sessões, dirigidas pelo professor da turma e observadas pelo professor pesquisador/responsável.

03 Nanci L. Branquinho (2006) Mestrado Universidade Cruzeiro do Sul

A pesquisa teve por objetivo diagnosticar, as dificuldades das crianças de uma 3ª série do Ensino Fundamental em lidar com o dinheiro ou entender seu significado numérico nas situações que envolvam o sistema monetário. O diagnóstico evidenciou a necessidade de a família realizar, junto com a criança, atividades significativas envolvendo o sistema monetário, e também ressaltou a importância do papel da escola em oferecer o nível de ajuda necessário para a criança se desenvolver, ser autônoma e independente.

04 Vera Lúcia Gouvêa de Camargo Rodrigues (2006) Mestrado Universidade Estadual de Maringá

Com a intenção de investigar a relação entre a aprendizagem de conceitos matemáticos e o desenvolvimento dos estudantes, foram elaboradas e analisadas atividades de ensino e de aprendizagem do conceito de volume em uma turma de 3ª série do Ensino Fundamental. As atividades de ensino organizadas e desenvolvidas permitiram observar que as ações das crianças são reveladoras do seu desenvolvimento intelectual na medida em que evidenciam a utilização dos conceitos geométricos como instrumentos orientadores na busca de soluções diante de situações desafiadoras. Quando isso ocorre, uma nova relação entre sujeito e objeto se estabelece, o educando deixa de agir por tentativa e erro ou repetição de procedimentos sem compreensão e suas ações passam a ser permeadas pela reflexão e análise.

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05 Pedro Ribeiro Barbosa (2007) Doutorado Universidade Federal de Pernambuco

O propósito do trabalho foi investigar, por meio de uma sequência de atividades, os eventos visuais a partir de comparações de comprimentos entre pares de linhas abertas. O experimento foi desenvolvido numa turma de 4ª série do EF. A análise das produções dos alunos confirmou que os efeitos visuais ocorrem mesmo que as comparações se efetuem apenas entre pares de linhas abertas e outras modalidades de eventos de visualização foram detectadas. Os resultados sinalizaram que os alunos, ao compararem comprimentos entre linhas abertas, evocam conhecimentos influenciados por fenômenos visuais, os quais interferem nas respostas indicadas e que estão delimitados como integrantes da operação cognitiva de visualização.

06 Mônica Maria Campelo de Melo (2009) Mestrado Universidade Federal de Pernambuco

O trabalho se propôs a investigar os efeitos de uma sequência didática na construção do conceito de perímetro enquanto grandeza comprimento. O experimento foi desenvolvido com 28 alunos, e se baseou em um estudo comparativo entre 14 alunos do 4º ano e 14 alunos do 5º ano do Ensino Fundamental, interagindo em duplas. Os resultados da pesquisa revelaram que houve avanço significativo relativo à construção do conceito de perímetro enquanto grandeza comprimento nas duas turmas. Os alunos mobilizam estratégias articuladas com seus conhecimentos prévios e demonstram uma evolução gradual de conhecimento relativo ao conceito trabalhado.

07 Rosita Marina Ferreira Batista (2009) Mestrado Universidade Federal de Pernambuco

A pesquisa teve por objetivo investigar o sentido de número em crianças em relação a diferentes tipos de medida (volume, tempo, massa, distância e comprimento) e aos princípios apontados na literatura como importantes na formação da noção de medida. Participaram da pesquisa 40 crianças, divididas em dois grupos: alunos do 1º ano (crianças com 6 anos) e alunos do 3º ano (crianças com 8 anos) de escolas públicas da cidade de Recife. Os resultados indicaram que entre os princípios investigados, o que foi avaliado pela tarefa 1 é um princípio geral especialmente para as medidas de Comprimento, Massa, Distância e Volume, sobre as quais as crianças conseguem explicitar verbalmente as razões de suas justificativas, indicando um sentido numérico elaborado para esta capacidade. Já o princípio investigado na tarefa 3 foi o que representou maior dificuldade para os dois grupos investigados. Os dados derivados deste estudo geram implicações importantes para a Educação Matemática em crianças das séries iniciais do E.F.

08 Viviane Raquel Backendorf (2010) - Mestrado Universidade Federal do Rio Grande do Sul

O objetivo do trabalho foi elaborar, aplicar e analisar uma sequência didática com o tema medidas de comprimento e área numa turma de quarta série (quinto ano) do Ensino Fundamental. Os resultados, indicaram que é possível promover a compreensão e construir o conceito de medida com alunos quarta série do Ensino Fundamental.

09 Cília Cardoso Rodrigues da Silva (2011) Mestrado UnB

O trabalho apresenta discute o processo de aprendizagem e ensino da Matemática relacionado às Grandezas e Medidas e formação de conceitos nesses temas. A pesquisa foi desenvolvida numa sala de aula de 4º ano do EF, tendo como objetivo analisar a formação de conceitos no campo das Grandezas e Medidas: comprimento, massa e capacidade. O estudo indicou a importância da aprendizagem das Grandezas e Medidas nos anos iniciais; permitiu um possível rompimento com o ensino de medidas baseado em unidades e padrões estabelecidos, transformações mecânicas de múltiplos e submúltiplos e permitiu novos saberes para o ensino de Grandezas e Medidas nos anos iniciais; apontou novas estratégias pedagógicas e didáticas para o “fazer matemático” no que se refere às Grandezas e Medidas, acrescentou aos doze princípios propostos por Batista, Muniz e Silva (2002) outros oito que podem contribuir para a formação desses conceitos. Destacou a importância da formação continuada aos profissionais da educação dos anos iniciais.

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10 José Messildo Viana Nunes (2011) Doutorado PUC - SP

Esta pesquisa trata da prática da argumentação como método de ensino, focalizando os conceitos de área e perímetro de figuras planas. Este trabalho responde à seguinte questão: em que medida a prática da argumentação pode se apresentar como método que favoreça a compreensão de conceitos em Matemática, tomando como referência o caso da área e perímetro de figuras planas? Como resposta o autor propôs uma sequência didática modelada e analisada com base nas fases que compõem o processo argumentativo segundo Toulmin (1996). A intervenção foi realizada com alunos do quinto ano do Ensino Fundamental. As análises das atividades evidenciaram que a prática da argumentação favoreceu a compreensão dos conceitos de área e perímetro de figuras planas, habilitando essa prática como método de ensino. As competências argumentativas adquiridas pelos discentes, a partir das interações com os colegas e pesquisador sobre o assunto em questão, possibilitaram-lhes ter mais autonomia para comunicar e defender suas ideias, respeitando a opinião do colega no decorrer das discussões, ficar atentos à funcionalidade e à validade ou não de seu argumento, além de apreender símbolos e linguagem específicos da Matemática.

Fonte: tabela elaborada pela pesquisadora.

A partir da tabela anterior é possível observar que no período de 2001 a

2011 foram realizadas oito pesquisas de mestrado e duas de doutorado que

abordaram o tema Grandezas e Medidas, tais investigações foram vinculadas ao

desenvolvimento de atividades com estudantes dos anos iniciais do Ensino

Fundamental. Tiveram por objetivo conhecer como as ações propostas contribuíam

para a aprendizagem de diferentes noções e conceitos relacionados ao tema nessa

etapa educacional.

A maior parte dos estudos investigou noções ou conceitos relacionados a

comprimento, perímetro e área, e apenas uma pesquisa abordou o significado do

sistema monetário e o uso do dinheiro. Os resultados das pesquisas destacaram a

importância do ensino e da aprendizagem das Grandezas e Medidas e indicaram

que as situações didáticas propostas propiciaram aprendizagens aos estudantes no

que se refere às noções ou conceitos objetivados pelos pesquisadores.

Ainda relacionada a essa etapa de ensino, destaco a pesquisa de

mestrado desenvolvida por Santos (2011) que analisou as propostas de livros de

Matemática do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental quanto ao uso dos contextos de

caráter socioambiental na abordagem das Grandezas e Medidas. Os resultados da

pesquisa confirmaram que esse bloco de conteúdos proporciona uma articulação

com os demais, especialmente com os Números e o Sistema de Numeração

Decimal e com o tratamento da informação, favorecendo o ensino e a aprendizagem

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dessas noções matemáticas. O estudo identificou que as noções mais exploradas

nos livros didáticos são: comprimento, capacidade, massa, área e sistema

monetário. Os conteúdos socioambientais mais utilizados são: água, resíduos

sólidos e desflorestamento.

No levantamento bibliográfico realizado - de 2001 a 2011 - foi encontrada

apenas uma pesquisa sobre Grandezas e Medidas na Educação Infantil,

desenvolvida por Cavalcanti (2010). O estudo teve como objetivo caracterizar, na

Rede Municipal do Recife no nível da Educação Infantil (grupo V), a Relação

Institucional na posição do professor com dois objetos: a Matemática e o campo das

Grandezas e Medidas. Os dados da pesquisa foram obtidos a partir de três etapas e

contaram com a participação de três professoras. Na primeira etapa, as professoras

analisaram um conjunto de atividades envolvendo comprimento, massa, capacidade

e tempo; na segunda foi realizada uma entrevista com as professoras; e, na terceira

etapa, a pesquisadora fez a análise dos registros realizados no diário de classe. Os

resultados apontaram para uma conformidade parcial entre a relação institucional

dos sujeitos na posição de professor e a relação institucional com os objetos

descritos, Matemática e Grandezas e Medidas, na Rede Municipal do Recife. Dentre

as grandezas trabalhadas o estudo identificou a prioridade dada para tempo e

comprimento. Dentre os campos da Matemática, o dos Números e Sistema de

Numeração foi o mais explorado, mas as professoras destacaram a importância e a

necessidade do trabalho com Grandezas na Educação Infantil, como também a

intenção de explorar mais este conteúdo. Os resultados mostraram ainda que a

Matemática foi o componente curricular mais trabalhado, depois de Língua

Portuguesa.

A partir do levantamento bibliográfico foram identificados seis estudos que

tiveram como participantes estudantes dos cursos de licenciatura em Pedagogia e

docentes da Educação Básica que atuam na Educação Infantil e anos iniciais do

Ensino Fundamental: Teixeira (2004), Ignácio (2006), Perez (2008), Cunha (2008),

Silva (2010) e Paula (2010). Essas pesquisas buscaram explicitar aspectos

relacionados às concepções e representações sociais de professores sobre os

temas que envolvem Grandezas e Medidas. Entre eles, quatro referem-se à

formação dos professores ou propõem algum tipo de intervenção no processo

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formativo de docentes que ensinam ou ensinaram Matemática na/para infância.

Esses estudos estão descritos brevemente a seguir.

Em sua dissertação de mestrado, Teixeira (2004) realizou uma pesquisa

com o objetivo de investigar as concepções de alunos de Pedagogia sobre os

conceitos de comprimento e perímetro. Os dados foram obtidos a partir de sete

atividades de comparação e produção aplicadas em uma única sessão a 92

estudantes de 2º e 8º períodos do curso de Pedagogia. O estudo é fundamentado

teoricamente nas pesquisas de Règine Douady e Marie-Jeanne Perrin Glorian

(1989) que estabelecem, no estudo sobre o conceito de área, três quadros: o

geométrico, constituído pelas superfícies planas; o das grandezas, constituído pela

classe de equivalência de superfícies de mesma medida; e o quadro numérico,

estabelecido pelas medidas das superfícies expressas por números reais positivos.

Os resultados do estudo revelaram que os futuros professores apresentaram

concepções diferenciadas, dependendo da atividade realizada, sendo algumas

situadas no quadro das Grandezas, outras no quadro geométrico. A autora conclui

como importante que sejam realizadas outras investigações sobre o tema

Grandezas e Medidas com futuros professores.

Ignácio (2006) realizou um estudo com o intuito de identificar as

concepções dos professores das séries iniciais do Ensino Fundamental sobre área e

perímetro e analisar em que medida essas concepções se relacionam com as

concepções dos alunos desse nível. Os dados foram obtidos a partir de uma

entrevista semiestruturada realizada com 20 professores de duas escolas, para

identificar o perfil acadêmico e profissional dos mesmos, suas concepções sobre

área e perímetro, e qual é o significado atribuído por eles a esses conceitos. Após a

entrevista foram propostas algumas questões relacionadas aos conteúdos de área e

perímetro para que os professores respondessem de acordo com suas concepções

relacionadas a esses conceitos. Os resultados indicaram a tendência de uma

concepção numérica relativa a perímetro e área. Apenas três professoras

declararam que ensinaram esses conteúdos em suas salas de aula; outras cinco

afirmaram que já ensinaram esses conteúdos alguma vez durante sua atividade

docente. Para o autor esses resultados demonstram uma ambiguidade. As

professoras que consideram relevante o estudo de área e perímetro são as mesmas

que afirmam que nunca ensinaram esses assuntos em sala de aula. Quanto às

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dificuldades que as professoras enfrentam para ensinar área e perímetro, a falta de

maturidade dos alunos foi apontada como o principal fator que prejudica essa

aprendizagem.

Perez (2008) realizou um estudo com o intuito de identificar

representações sociais dos professores do Ensino Fundamental com respeito ao

tema Grandezas e Medidas. A investigação buscou a existência de diferenças e

semelhanças entre as representações sociais de professores licenciados e não

licenciados em Matemática atuantes nos anos iniciais e anos finais do Ensino

Fundamental. Os dados foram obtidos a partir de um questionário de livre

associação aplicado a 120 professores organizados em três grupos, sendo 40

atuantes nas séries iniciais do Ensino Fundamental; 40 professores licenciados em

Matemática e/ou área afins, atuantes nesta disciplina nas séries finais do Ensino

Fundamental com até dez anos de experiência e 40 professores licenciados em

Matemática com mais de dez anos de atuação. Os resultados indicaram que as

representações sociais de Grandezas e Medidas de professores do Ensino

Fundamental se mostram equivalentes no caso dos três grupos de professores

investigados. Também apresentaram alguns polos representacionais importantes

como: a relação entre as Grandezas e Medidas e o cotidiano das pessoas, o

trabalho em sala de aula com enfoque nas atividades do dia-a-dia do aluno e na

utilização de recursos didáticos para o ensino.

Quanto aos estudos que discutem aspectos relativos à formação de

professores, destaco a tese de Cunha (2008) que investigou as elaborações de

professores relacionadas ao conceito de Medida a partir do desenvolvimento de

atividades em aulas da disciplina “Fundamentos do ensino da Matemática”. As

atividades foram realizadas durante cinco encontros de um curso Pedagogia. Os

professores em formação realizaram atividades que enfocaram os nexos conceituais

da Medida como: qualidade-quantidade, grandeza, discreto-contínuo e unidade.

Dentre os resultados encontrados a autora evidencia que para a maioria dos

participantes houve um avanço quanto aos conhecimentos de medida. Além disso, a

formação propiciou o entendimento quanto a objetos enumeráveis e qualidades

comuns a eles passíveis de enumeração; a construção do conceito de Grandeza; a

distinção entre grandezas organizadas em unidades naturais e grandezas contínuas,

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e também a mudança de opinião das professoras com relação à importância do

trabalho com Grandezas e Medidas com as crianças.

Outra pesquisa que envolveu uma intervenção no processo de formação

inicial de professores foi desenvolvida por Silva (2010). Em sua dissertação de

mestrado a autora investigou as possibilidades de trocas de conhecimentos entre

licenciandos em Pedagogia e em Matemática no que se refere ao tema Grandezas e

Medidas, a partir da integração entre os mesmos durante a formação inicial. Para

tanto foram operacionalizados momentos de trabalho com dois grupos de quatro

formandos de cada uma dessas licenciaturas que, em sessões de trabalho

abordando o tema em questão, partilharam produções durante oito encontros. Os

resultados da pesquisa indicaram que as trocas e discussões entre os professores

dos dois grupos propiciaram, além da conscientização sobre a necessidade de que o

professor possua conhecimentos pedagógicos e do conteúdo na formação inicial, a

ruptura com alguns preconceitos relacionados a esses conhecimentos. Os dados

mostraram também que as integrações curriculares entre os cursos de Matemática e

Pedagogia poderiam operar mudanças significativas no sentido de propiciar aos

licenciandos o abandono de algumas crenças cristalizadas nesses cursos de

graduação e a construção do conhecimento pedagógico do conteúdo.

Em sua dissertação de mestrado, Paula (2010) realizou uma pesquisa

com o objetivo de verificar se o curso de formação intitulado Pró-Letramento

Matemática contribuiu para a formação continuada dos professores das séries

iniciais do Ensino Fundamental em Matemática, no que diz respeito ao trabalho com

Grandezas e Medidas a partir da inserção dos Temas Transversais/ Político-Sociais.

Participaram da pesquisa os professores tutores do Pró-Letramento e professores

cursistas. Os dados foram obtidos por meio de respostas a questionários aplicados

no início e ao término do curso de formação e de entrevistas realizadas ao final do

programa de formação. Os resultados evidenciaram uma melhora nos conceitos

referentes à abordagem do bloco Grandezas e Medidas estudado com os alunos.

Um aspecto que considero relevante destacar é que das dezoito

pesquisas citadas neste levantamento bibliográfico, sete foram desenvolvidas pela

Universidade Federal de Pernambuco, pelo grupo de pesquisa “Pró-grandeza:

Ensino-aprendizagem das Grandezas e Medidas”. Segundo informações presentes

no site CNPq “os trabalhos desenvolvidos pelo grupo visam aprofundar a

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compreensão de fenômenos didáticos dentro da linha da didática de conteúdos

específicos” (visualizado em 12 de agosto de 2016). A partir do exposto, é possível

considerar que esse grupo tem contribuído significativamente com a produção

acadêmica sobre o tema Grandezas e Medidas no Brasil.

Saliento também que uma das referências mais utilizadas pelos autores

que pesquisaram o tema Grandezas e Medidas foi a tese de Moura (1995), que

investigou as ações de medir de crianças pré-escolares em situações interativas de

ensino, o que possibilitou observar a relevância dessa pesquisa sobre o ensino e à

aprendizagem das Grandezas e Medidas na Educação Matemática para infância. No

entanto, é importante destacar que a parte empírica dessa investigação foi realizada

com crianças de seis anos de idade, o que no sistema educacional atual

corresponde ao primeiro ano do Ensino Fundamental e não mais à Educação

Infantil.

A partir do levantamento realizado foi possível observar que existe um

número considerável de pesquisas que aborda o tema Grandezas nos anos iniciais

do Ensino Fundamental, em especial na interação direta com as crianças no

contexto escolar, entretanto, o mesmo não ocorre com a Educação Infantil. Nesta

revisão não foi localizado nenhum estudo que utilizasse uma interação direta com

crianças dessa etapa educacional, foi encontrada apenas uma dissertação de

mestrado que tomou como material de análise as informações apresentadas por

professoras em momentos de apreciação de atividades e entrevista, e em registros

em diário de classe. Esse levantamento possibilita afirmar que o eixo Grandezas e

Medidas é ainda pouco pesquisado na perspectiva da Educação Infantil e, diante

disso, as discussões sobre o ensino e aprendizagem desse tema com crianças

pequenas merece maiores investigações.

Quanto às seis pesquisas que tiveram como participantes professores ou

futuros professores que ensinam ou ensinarão Grandezas e Medidas na infância, foi

possível observar que estudos tomaram como objetos de investigação as

concepções, representações sociais, elaborações, possibilidades de trocas de

conhecimentos e contribuições de um curso relacionados a este tema. Quanto aos

instrumentos de pesquisa e contexto de investigação, quatro estudos obtiveram as

informações para compor o corpus de análise a partir de respostas a questionários,

a atividades, ou a entrevistas realizadas em um único momento (Teixeira, 2004;

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Ignácio, 2006; Perez, 2008), ou em dois momentos distintos da realização de um

curso (Paula, 2010), e ainda em alguns encontros de cursos licenciatura.

A partir da revisão das pesquisas, foi possível observar que esta tese se

diferencia das pesquisas já realizadas tanto no que se refere ao objeto de

investigação - indícios de aprendizagem e de desenvolvimento profissional de

professores que ensinam Matemática na infância e que participam de um grupo

colaborativo que teve as Grandezas e Medidas como um dos temas de estudo -

quanto em aspectos metodológicos, pois os participantes, o contexto da pesquisa e

o corpus de análise também são distintos dos apresentados nos estudos já

realizados.

Considerando esses aspectos específicos da tese, no próximo capítulo

discuto as concepções teóricas deste, conceituando a aprendizagem docente, o

desenvolvimento profissional do professor e grupo de estudos colaborativos que

configuram o objeto de estudo desta tese.

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2. A APRENDIZAGEM E O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DO

PROFESSOR

Para compreender o objeto de estudo desta tese busquei, a partir da

revisão da literatura, compor um mosaico para discutir conceitualmente alguns

tópicos que se inter-relacionam. De maneira mais específica: a formação de

professores que ensinam Matemática na infância, a aprendizagem docente e o

desenvolvimento profissional do professor.

Neste capítulo, busco também articular aos tópicos citados temas como a

participação de professores em grupos de estudos com características colaborativas

e fronteiriços, uma vez que estes se configuram como adjetivações que atribuímos

ao GEProMAI, contexto de produção de dados desta tese.

2.1 A formação dos professores da infância

Inicio este capítulo tecendo considerações relativas à formação de

professores que lecionam no início da Educação Básica, pois estes são os docentes

responsáveis pelo ensino e pela aprendizagem da Matemática na Educação Infantil

e anos iniciais do Ensino Fundamental. No Brasil, a habilitação necessária para que

o professor possa atuar no início da Educação Básica é a graduação em Pedagogia,

embora em outros momentos tenha sido possível que sua formação se desse por

meio de cursos como o Ensino Médio – Magistério7 e Normal Superior8.

No Brasil, os cursos de graduação em Pedagogia, além de habilitar para a

docência em turma de início da Educação Básica e da Educação de Jovens e

Adultos (EJA), têm como prerrogativa promover a formação para a gestão

educacional. Diante da multiplicidade de possibilidades de atuação dos pedagogos,

há uma grande complexidade na organização curricular desses cursos e uma

dispersão de disciplinas em decorrência do número de horas prescrito para eles,

bem como dos objetivos de formação a que estes se propõem (GATTI, 2010).

7 A habilitação específica de 2º grau para o exercício do magistério de 1º grau (HEM) foi instituída

pelo parecer MEC n. 349/72 (BRASIL, 1972). Em 1982, foi lançado o projeto de criação dos Centros de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério (CEFAM) que também habilitavam para o magistério em 2º grau (SAVIANI, 2009).

8 De acordo com o Parecer CNE 115/999, o Curso Normal Superior foi criado com o intuito de formar profissionais para atuarem no magistério da Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental (BRASIL, 1999).

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Para conhecer as características gerais dos cursos de Pedagogia no

Brasil, Gatti e Nunes (2009), realizaram um estudo a partir de informações

encontradas no Ministério da Educação e em documentos disponibilizados por

instituições de ensino que oferecem esse tipo de graduação. Ao analisar o conteúdo

das ementas das disciplinas dos cursos, as autoras observaram diversos aspectos

que merecem atenção no que se refere à formação desse profissional,

especialmente para o trabalho com o ensino e a aprendizagem nos anos iniciais da

Educação Básica.

Gatti (2010) sintetiza a análise das ementas de disciplinas dos cursos de

Pedagogia no estudo citado anteriormente, e destaca que:

A análise das ementas revelou que, mesmo entre as disciplinas de

formação específica, predominam as abordagens de caráter mais descritivo e que há menor preocupação em relacionar adequadamente as teorias com as práticas;

As disciplinas referentes à formação profissional específica apresentam ementas que registram preocupação com as justificativas sobre o porquê ensinar; entretanto só de forma muito incipiente registram o que e como ensinar;

A proporção de horas dedicadas às disciplinas referentes à formação profissional específica fica em torno de 30%, deixando 70% para outro tipo de matérias oferecidas nas instituições formadoras; cabe a ressalva já feita na análise das ementas, segundo a qual, nas disciplinas de formação profissional, predominam os referenciais teóricos, seja de natureza sociológica, psicológica ou outra, com associação em poucos casos às práticas educacionais;

Os conteúdos das disciplinas a serem ensinadas na Educação Básica (Alfabetização, Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia, Ciências, Educação Física) comparecem apenas esporadicamente nos cursos de formação e, na grande maioria dos cursos analisados, eles são abordados de forma genérica ou superficial, sugerindo frágil associação com as práticas docentes;

Poucos cursos propõem disciplinas que permitam algum aprofundamento em relação à educação infantil (GATTI, 2010, p. 1371-1372)

Para a autora, essas constatações possibilitam inferir que a parte

curricular que propicia o desenvolvimento de habilidades profissionais específicas

para a atuação na sala de aula é bem reduzida nos cursos de Pedagogia de maneira

geral, e que há certa insuficiência formativa para o desenvolvimento do trabalho da

docência. Essa multiplicidade de possibilidades de atuação a partir de um único

curso de graduação coloca em evidência a problemática da formação inicial do

professor e o desafio em se organizar um currículo que contemple todas essas

questões.

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Diante do cenário sobre a graduação em Pedagogia descrito por Gatti e

Nunes (2009) e Gatti (2010), é relevante considerar que a formação inicial dos

professores para o trabalho com a Matemática na Educação Infantil e nos anos

iniciais do Ensino Fundamental tem sido insuficiente para suprir as demandas de

ensino presentes no contexto das escolas.

Para exemplificar essa situação, citamos a pesquisa de Almeida (2009)

que procurou investigar a formação inicial matemática de alunos concluintes de um

curso de Pedagogia de uma universidade pública, e analisar se a formação ofertada

teria condições de preparar os estudantes para o exercício da docência em

Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Os resultados desse estudo

indicaram que o curso oferece uma única disciplina de 68 horas destinada à

Matemática, o que equivale a 2% da carga horária total da formação. Verificou ainda

que os aspectos relacionados à Geometria, às Grandezas e Medidas e ao

Tratamento da Informação foram pouco abordados na disciplina. O estudo apontou

também que a formação pedagógica para o ensino da Matemática pareceu estar

restrita à utilização de materiais concretos. Numa atividade de resolução de

problemas, a autora verificou ainda que os futuros professores apresentaram

dificuldades nos conteúdos que terão de ensinar aos seus alunos, com destaque

para: cálculo de áreas de superfícies planas, trabalho com frações, porcentagens,

cálculo de volumes de sólidos, interpretação e resolução de problemas simples

envolvendo adição e multiplicação de números naturais e racionais.

Outro estudo envolvendo a formação matemática de futuros professores

que atuarão com crianças em início de escolarização foi realizado por Costa e Poloni

(2012). O objetivo do estudo foi investigar percepções de alunos concluintes do

curso de Pedagogia em relação ao preparo para a docência de Matemática nos

anos iniciais do Ensino Fundamental. Os resultados indicaram, entre outras

questões, que os formandos dos cursos pesquisados não se sentem preparados no

que diz respeito a alguns conteúdos matemáticos, a saber: Operações com Frações,

Geometria, Grandezas e Medidas e Tratamento da Informação.

Estudiosos da área da Educação Matemática também vêm indicando

aspectos preocupantes relacionados à formação matemática nos cursos de

Pedagogia, tanto com relação à carga horária de estudos destinada à disciplina

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quanto ao modo como algumas disciplinas da área têm sido trabalhadas nesses

cursos.

Nessa perspectiva, Nacarato, Mengali e Passos (2011) afirmam que os

estudantes de Pedagogia têm tido poucas oportunidades de ter uma formação em

Matemática que os permita enfrentar as atuais exigências da sociedade, e que,

quando ocorre formação, ela é pautada apenas em aspectos metodológicos.

Corroborando essa afirmação, Grando e Torricelli (2012, p. 68) ressaltam que

“existem poucas discussões sobre a Matemática necessária à formação do

pedagogo e, geralmente, tais discussões ficam pautadas na resolução de exercícios,

sem reflexões sobre seu ensino, sobre seus fundamentos e sua filosofia”. É possível

compreender que os cursos de graduação não conseguem suprir todas as

necessidades que o professor terá no desenvolvimento da docência. Porém

considero essencial que estes possibilitem ao futuro professor o contato com o maior

arsenal de aprendizagens consistentes que venham a auxiliá-lo em sua prática

futura, tanto no que se refere aos aspectos teóricos, quanto às reflexões e

abordagens metodológicas e práticas.

De outra parte, é importante afirmar que, se existe clareza de que a

formação inicial é de fato inicial, finalizar um curso de graduação não é suficiente,

embora necessário, para uma boa prática profissional (DAY, 2005). A partir daí se

observa a importância de novos e diferentes momentos e espaços em que

professores possam aprender e se desenvolver profissionalmente, fato que faz

emergir a necessidade da formação continuada.

Entretanto considero importante ressaltar que a formação continuada não

pode ser compreendida numa perspectiva de acúmulo de conhecimentos ou de

complementariedade do sujeito, como cursos de aperfeiçoamento ou atualização

que possam vir a fazer. O professor aprende a profissão em contextos formais e não

formais de ensino (DAY, 2001). Os diferentes sentimentos, afetos e valores que são

agregados ao ser professor também são impregnados das interações com as

pessoas em diferentes comunidades (CRECCI, 2016).

A perspectiva de sujeito neste trabalho está ancorada na concepção de

Bakhtin (2003), para quem “o sujeito como tal não pode ser percebido e estudado

como coisa, porque, como sujeito e permanecendo sujeito, não pode tornar-se

mudo; consequentemente, o conhecimento que se tem dele só pode ser dialógico”

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(p. 400). Nesse sentido, é fundamental dar voz ao sujeito, o que significa trabalhar

com suas linguagens, suas expressões de sentidos e, como afirma o autor,

pressupor um processo dialógico.

Axt (2008) entende a formação numa perspectiva dialógica que

pressupõe dar voz ao sujeito da linguagem, o qual pode ser entendido também

como o sujeito da educação, trabalhando com suas linguagens, suas expressões de

sentidos, e “também com os sentidos produzidos nos contextos historicizados, em

que os sentidos se produzem enquanto efeito das misturas nos coletivos e no

entrecruzamento com outros sentidos” (p. 97).

Nessa perspectiva, o processo formativo do professor é decorrente das

diferentes oportunidades em que o conhecimento sobre ensinar e aprender seja

produzido também por ele, num processo dialógico, o que possibilitará que aprenda

e se desenvolva profissionalmente.

2.2 Aprendizagem Docente

A natureza do ensino exige que os docentes se comprometam com sua

própria aprendizagem, formação e desenvolvimento profissional durante sua carreira

(DAY, 2005). Porém as necessidades concretas e as formas de chegar à prática

desse compromisso variam segundo as circunstâncias, as histórias pessoais e

profissionais e as disposições vigentes em cada momento.

Como destaquei no início deste capítulo, a aprendizagem e o

desenvolvimento profissional do professor se constituem em aspectos que se inter-

relacionam, e que se apresentam como processos contínuos ao longo da vida do

professor. Para Day (2005), o desenvolvimento profissional traz à aprendizagem um

sentido amplo, como algo que pode ocorrer em diferentes contextos, de modo

espontâneo ou intencional, proporcionando um benefício direto ou indireto ao

docente e contribuindo para o seu desempenho junto aos estudantes.

A partir do exposto, optei por iniciar a discussão teórica apresentando

compreensões relativas à aprendizagem docente, considerando um aspecto

específico da aprendizagem do professor: o aprender a ensinar. Concordo com

Cochran-Smith (2012) no sentido de que “aprender a ensinar é um processo, não um

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evento” (p. 109). Nesse sentido, é fundamental compreender que os professores

aprendem a ensinar ao longo do tempo e que a formação docente é inacabada.

Conchran-Smith e Lytle (1999) apresentam três concepções relativas à

aprendizagem do professor com relação às práticas de ensinar e aprender. Tais

concepções indicam diferentes compreensões sobre a produção e a aprendizagem

de conhecimentos e sobre a prática profissional e a relação entre essas dimensões.

A primeira concepção trazida pelas autoras é denominada de

“conhecimento e aprendizagem – para – a prática”. As autoras compreendem que,

nesta concepção, os conhecimentos formais e teorias são produzidos por

pesquisadores da universidade para que os professores utilizem ou apliquem em

suas escolas com o intuito de melhorarem sua prática profissional. Nessa

perspectiva, os professores são usuários e não geradores de conhecimentos

(CONCHRAN-SMITH; LYTLE, 1999).

A segunda concepção, “conhecimento e aprendizagem – na – prática ou

conhecimento prático” pressupõe que grande parte dos conhecimentos essenciais

para o ensino são produzidos na própria prática docente, a partir da reflexão dos

professores sobre suas próprias ações, o que indica uma formação ativa no

processo de ensinar que evolui com o tempo. Nessa perspectiva o aprender a ser

professor ocorre mediante

[...] agir e pensar sabiamente na imediatez da vida em sala de aula: tomar decisões em fração de segundos, escolher entre maneiras alternativas de transmitir conteúdo, interagir apropriadamente com estudantes, e selecionar e focar dimensões específicas dos problemas da sala. Para fazer isto, professores excepcionais se baseiam na experiência da prática ou, mais precisamente, nas suas experiências e ações prévias, bem como em suas reflexões sobre tais experiências. (COCHRAN-SMITH; LYTLE, p. 262, 1999, tradução GEPFPM).

Nessa concepção, a construção do conhecimento dos professores ocorre

de maneira tácita e presume que eles aprendam sobre a docência numa perspectiva

pragmática, quando selecionam e utilizam diferentes estratégias, organizam a rotina

de aula, tomam decisões, interagem adequadamente com os estudantes, e quando

refletem sobre essas questões (CONCHRAN-SMITH; LYTLE, 1999).

Na terceira concepção, denominada “conhecimento – da – prática”,

presume-se que não existe uma separação entre o conhecimento teórico/formal e o

conhecimento prático. Pressupõe-se que a produção de conhecimentos se dê a

partir de investigações ou análises intencionais do professor sobre a sua própria

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prática, considerando também teorias e conhecimentos produzidos por outras

pessoas, acadêmicos ou não, mas que são questionados e (re)interpretados ou

(re)significados pelos próprios docentes.

Para Gama (2013), isso pressupõe que os professores aprendam ao

desafiar suas próprias conjecturas; ao identificar e problematizar questões

importantes da prática; ao estudar seus próprios estudantes, suas salas de aula e

suas escolas; ao elaborar e reelaborar o currículo; e ao assumir papéis de liderança

e de protagonistas com o intuito de promover a transformação das salas de aula, das

escolas e das sociedades.

Diferentemente da concepção da aprendizagem para a prática, em que o

professor era concebido como usuário do conhecimento produzido por outros, na

aprendizagem da prática o professor é produtor de conhecimentos, gerados a partir

de investigação e teorização de seu trabalho (CONCHRAN-SMITH; LYTLE, 1999).

As três concepções de aprendizagem e produção de conhecimentos

apresentados pelas autoras configuram-se como importantes no processo de

formação docente. Entretanto, de modo geral, especialmente no que se refere às

políticas públicas, a concepção do conhecimento para a prática ainda prevalece nos

cursos e nas formações oferecidos aos professores.

Fiorentini (2013a), ao comentar sobre a aprendizagem e a produção de

conhecimento para a prática de ensinar e aprender Matemática na escola básica,

enfatiza que:

Esses conhecimentos são, na sua maioria, produzidos a partir de pesquisas e estudos geralmente distanciados da complexidade e da cultura das práticas profissionais de ensinar e aprender Matemática na escola básica. Esses conhecimentos ao serem transpostos didaticopedagogicamente em saberes a serem ensinados, apresentam geralmente uma natureza técnica, formal, proposicional e prescritiva e, portanto, são pouco reconhecidos como objetos do mundo da prática e da cultura escolar. Daí a dificuldade de os professores aplicarem essas prescrições em suas práticas, mesmo quando passam por um processo sistemático de treinamento (p. 65).

As perspectivas de aprendizagem apresentadas por Conchran-Smith e

Lytle (1999) são fundamentais para esta investigação, uma vez que no GEProMAI,

assim como na teoria, esses conhecimentos não ocorrem de modo isolado.

Constituem-se em aspectos que se complementam no processo formativo do grupo

e nas práticas desenvolvidas por ele, o que é discutido no quarto capítulo desta tese.

Tais ações me permitem afirmar que a aprendizagem da prática é

destacada pelas ações e produções do grupo. Os processos formativos que

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propõem ou impõem intervenções nas práticas docentes de modo

descontextualizado, a partir de visões simplistas e reducionistas sobre o que

realmente ocorre no contexto escolar, e que desconsideram os saberes que os

professores produzem e mobilizam em suas práticas, não têm contribuído para a

qualidade de ensino tão almejada pela nossa sociedade.

Outro modo de compreender a aprendizagem do professor é a partir da

ressignificação de seus saberes, fazeres, ideias, práticas, entre outros processos por

ele vivido. A ressignificação é um termo que tem sido utilizado como um processo de

produção de (novos) significados e (novas) interpretações sobre o que sabemos,

fazemos, dizemos, conhecemos. Num contexto de formação que possibilita a

interação com o outro, as trocas sobre diferentes pontos de vista, a conversa a

respeito de experiências e saberes docentes, o professor pode produzir um novo

significado e uma nova interpretação sobre o que sabe, faz, diz. Nesse sentido, é

possível afirmar que ressignificar é aprender.

Para Jimenez-Espinosa (2002), o processo de ressignificação atua sobre

as experiências e saberes em ação que vêm sendo produzidos pelos sujeitos que se

encontram para falar deles. A ressignificação pode ser percebida no interdiscurso

produzido na partilha, troca e interação com o(s) outro(s), como um processo

experienciado pelos sujeitos, que pode ser consciente ou inconsciente. O mesmo

autor salienta que quando os professores se colocam abertos para trocas com os

outros – colegas, alunos, formadores e mesmo com as leituras - é possível aprender

com os saberes dos outros, e nesse processo se produz novos significados para o

que se sabe e se faz. “É esse processo de ressignificação que nos faz mudar; que

nos faz sair de nós mesmos... que nos faz buscar com outro a superação de nós

mesmos” (JIMENEZ-ESPINOSA, 2002, p. 95).

As discussões a respeito da aprendizagem docente “para”, “na”, “da”

prática e também da ressignificação de saberes evidenciam que o professor aprende

e se desenvolve profissionalmente numa perspectiva diacrônica, e consideram que

as interações com as pessoas em diferentes contextos são essenciais a esse

processo contínuo e inacabado.

A compreensão de que o conhecimento do sujeito que aprende se produz

numa interação dialógica pressupõe, necessariamente, a alteridade, pois o outro é

imprescindível para essa concepção. Nessa perspectiva, Axt (2008) enfatiza que “a

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amplitude desse contexto dialógico pode incluir tanto um diálogo real entre dois

interlocutores concretos (outrem), quanto um diálogo entre teorias, obras, épocas,

culturas, paradigmas (a figura do Terceiro como ele denomina, ou de outrem)” (p.

101).

O processo dialógico e a presença do outro ou de outrem são

fundamentais, pois cada sujeito da linguagem e da educação é único, condicionado

pela singularidade e pela insubstitutibilidade do seu lugar no mundo, o que se

relaciona ao conceito de excedente de visão, estabelecido por Bakhtin (2003). O

autor explica esse conceito partindo do pressuposto de que quando contemplamos

uma outra pessoa, situada fora e diante de nós, nossos horizontes concretos

efetivamente vivenciáveis não coincidem:

Em qualquer situação ou proximidade que esse outro que contemplo possa estar em relação a mim, sempre verei e saberei algo que ele, da sua posição fora e diante de mim, não pode ver: as partes do seu corpo inacessíveis ao seu próprio olhar [...] o mundo atrás dele, toda uma série de objetos e relações que, em função dessa ou daquela relação de reciprocidade entre nós, são acessíveis a mim e inacessíveis a ele (BAKHTIN, 2003, p. 21).

O excedente de visão relaciona-se, portanto, à condição de o sujeito ter,

na interação, possibilidades de visão mais amplas e/ou diferentes do que as que o

outro pode ter de si mesmo. Isso está condicionado à exotopia, ou seja, a noção de

que cada sujeito ocupa um lugar singular e insubstituível no mundo. De acordo com

o que afirma Bakthin (2003, p. 21): “nesse momento e nesse lugar, em que sou o

único a estar situado em um dado conjunto de circunstâncias, todos os outros estão

fora de mim”.

Os conceitos de exotopia, dialogia e excedente de visão, discutidos por

Bakhtin destacam a importância do outro para a constituição do sujeito. Por mais

que não tenha consciência da importância do outro em sua vida, uma pessoa

aprende, produz sentidos e significações a partir das relações estabelecidas com os

outros.

No GEProMAI, a ação de aprender com o outro é percebida nos

momentos em que, ao discutir sobre os textos lidos, os participantes comentam que

não haviam percebido a importância de um aspecto que o colega ressaltou. Ainda,

ao conversar sobre as práticas desenvolvidas com as crianças, vários professores

ressaltam que não pensariam em determinada intervenção em sala se não fosse

pela apresentação do colega. Demonstram, também, interesse em desenvolver uma

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prática com os mesmos objetivos, mas sentem necessidade de problematizar o

assunto ou conteúdo no grupo e pedem o auxílio dos colegas para adaptação ou

reelaboração das atividades de modo a contemplar as características e a cultura das

crianças de sua turma. Esses momentos demonstram a construção coletiva e um

processo de negociação de significados, que desencadeiam no desenvolvimento de

ressignificações que ocorrem pelo diálogo e compartilhamento de experiências.

Nesses momentos, cada participante, de acordo com suas experiências e saberes,

produz significados para si, que se diferenciam daqueles produzidos pelos outros, “o

que resulta do processo de ressignificação é, ao mesmo tempo, plural e singular”

(JIMENEZ-ESPINOSA, 2002, p. 100).

Do mesmo modo, a aprendizagem da prática também é observada por

meio dos estudos realizados, da análise e problematização das questões que os

professores trazem das escolas, da interlocução com referenciais teóricos que

contribuem para a compreensão dessas questões e da busca por alternativas para o

ensino e aprendizagem da Matemática, considerando as características de cada

turma. Nesse contexto, a prática docente se torna objeto de investigação do grupo

dando ênfase ao processo dialógico teoria-prática.

Ao discutir aspectos sobre a aprendizagem e o desenvolvimento

profissional do professor, Cochran-Smith (2012) destaca aspectos que interferem

nesses processos, tais como a formação inicial, as condições de trabalho e o

contexto escolar em que atuam os professores.

Para tanto, a autora narra uma história sobre a experiência de duas

professoras, a qual foi produzida a partir de dois estudos diferentes nos quais ela

esteve envolvida. No texto, a autora destaca quatro aspectos relacionados ao curso

de licenciatura e ao contexto escolar de atuação das professoras pesquisadas que

podem fazer a diferença entre o sucesso e o insucesso na profissão: a

desprivatização da prática; o estabelecimento de altas expectativas para todos os

alunos e para si mesmo como professor; a investigação como postura no trabalho de

ensino; e a oportunidade de fazer parte de múltiplas comunidades de aprendizagem

que se sobrepõem. Essas são características que podem fazer diferença no

processo de aprender a ensinar.

A desprivatização da prática é a primeira característica apresentada por

Cochran-Smith (2012) que favorece a aprendizagem do professor para ensinar. Para

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a autora, por muitos anos o ensino tem sido considerado um trabalho privatizado.

Em outras palavras, o ensino é algo que ocorre principalmente por trás das portas

fechadas de sala de aula, na solidão e no isolamento dos professores. Essa

desprivatização é entendida como a interrupção do ensino como um ato isolado,

sendo compreendida como uma variedade de processos que abrem o ensino aos

outros e permite a colaboração de outras pessoas que também estão envolvidas no

processo de tornar seu trabalho público e aberto à crítica (COCHRAN-SMITH, 2012).

Para a autora, o fim do isolamento do professor, o apoio colegial, a construção

conjunta do conhecimento e o trabalho mútuo de colaboradores nas comunidades

são aspectos destacados como benéficos à desprivatização da prática. Entretanto

em certos contextos e circunstâncias, a desprivatização também pode ser

ameaçadora e possibilitar o aumento da ansiedade e vulnerabilidade.

A segunda característica destacada por Cochran-Smith (2012) que pode

contribuir com o processo de aprendizagem docente é ter altas expectativas para

todos os estudantes, o que consiste em atuar no pressuposto de que todos eles são

produtores de significados e capazes de lidar com situações complexas, sendo

importante proporcionar oportunidades para que todos aprendam conhecimentos e

habilidades academicamente desafiadoras. Além de altas expectativas para os

estudantes, é fundamental que os professores também possuam grandes

expectativas para si mesmos e se reconheçam como produtores de conhecimento,

como capazes de tomar decisões, e como agentes de mudança nos contextos

educacionais onde estão inseridos.

A investigação como postura é a terceira característica que pode

contribuir com o processo de aprendizagem docente. O conceito de investigação

como postura foi desenvolvido por Cochran-Smith e Lytle (1999). As autoras

relacionam esse conceito às formas com as quais os professores coletivamente

teorizam, estudam e agem sobre os problemas e contextos da prática docente com o

intuito de atender aos interesses de aprendizagem e oferecer melhores

oportunidades aos estudantes e às suas comunidades. Cochran-Smith (2012)

salienta que o questionamento do professor é uma visão de mundo, um hábito crítico

da mente e uma maneira de saber sobre o ensino. Para a autora o fundamental da

investigação como postura é a ideia de que a prática educativa não é simplesmente

instrumental, no sentido de descobrir como encontrar soluções, mas também, e

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igualmente importante, é social e política, no sentido de deliberar sobre o que deve

ser feito, sobre porque fazê-lo, quem decide e quais interesses são atendidos.

A quarta característica indicada por Cochran-Smith (2012) que pode fazer

diferença na aprendizagem do professor refere-se às oportunidades de ser parte de

múltiplas comunidades. A autora evidencia que existem diversos estudos sobre a

aprendizagem docente em comunidades. Salienta, entretanto, que o simples fato de

congregar professores em um grupo não é necessariamente uma coisa boa, ou que

algo mágico aconteça apenas em virtude do encontro entre as pessoas. O objetivo

essencial dessas comunidades é promover a aprendizagem dos professores ao

longo da vida e unir profissionais no esforço de promover a mudança social e escolar

(COCHRAN-SMITH, 2012). A autora enfatiza ainda que aprendizagem por meio da

investigação significa que os membros das comunidades trabalhem em conjunto de

modo a questionar seus próprios pressupostos e a expor problemas da prática que

requerem que os docentes estudem, tanto sobre seus alunos quanto sobre as suas

escolas.

É relevante enfatizar que as quatro características observadas por

Cochran-Smith (2012) nos processos de aprendizagem da docência são altamente

inter-relacionadas e acontecem ao mesmo tempo no processo de aprender a ensinar

ao longo do tempo, e não se constituem como fatores discretos ou independentes. A

autora enfatiza também que a forma como esses fatores se comportam nas

experiências dos professores depende do indivíduo e também dos diferentes

contextos sociais e culturais nos quais estão inseridos.

2.3 Desenvolvimento Profissional do Professor

Na sessão anterior, discuti a importância da aprendizagem do professor e

trouxe em destaque algumas características desse processo com base em autores

que reconhecem que aprender continuamente é fundamental à profissão docente

(CONCHRAN-SMITH; LYTLE, 1999; COCHRAN-SMITH, 2012; JIMENEZ-

ESPINOSA, 2002). Na continuidade das discussões teóricas que fundamentam esta

pesquisa, trago pressupostos a respeito do desenvolvimento profissional do

professor, os quais se configuram como essenciais para a compreensão desta

investigação.

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É relevante evidenciar que o conceito de desenvolvimento profissional

não possui uma compreensão única, e se constitui em um termo polissêmico, sendo

muitas vezes utilizado em documentos oficiais e em textos como sinônimo de

formação continuada, e outras vezes utilizado de forma distinta (PASSOS et al.,

2006). Alguns cursos ou momentos formativos se valem do termo desenvolvimento

profissional como objetivo, justificativa ou princípio da proposta formativa, no entanto

a forma como são organizados os distanciam do real sentido desse conceito. Os

processos formativos planejados e desenvolvidos numa perspectiva de modelar algo

ou alguém de acordo com um determinado padrão que se julga como ideal,

realizados num movimento que pressupõe a ação de um sujeito (formador) sobre um

objeto de formação (futuro professor ou o professor), nos quais o protagonismo da

ação de formar é do formador e não do formando, não se constituem em processos

que possibilitam o desenvolvimento profissional docente (PASSOS et al., 2006).

Passos et al. (2006) enfatizam que há pesquisadores que compreendem

a formação em um sentido oposto ao citado anteriormente. Ancorados em Bondia-

Larrosa (1998), indicam que a formação pode ser concebida como um processo em

que o formando se constitui como protagonista da ação formativa e de seu

desenvolvimento, embora necessite de instituições e da interlocução com outros

sujeitos educativos. Essa concepção considera a formação não atrelada à prescrição

de modelos normativos para sua realização (PASSOS, et al., 2006, p. 194). Para

Bondia-Larrosa (1998), o desenvolvimento profissional do professor é um processo

complexo, que envolve aprendizagem e mudança, e que só ocorre a partir do desejo

dos docentes e possui uma forte relação com o trabalho realizado em sala de aula.

A formação que ocorre após a graduação, na perspectiva indicada por

Passos et al. (2006), se apresenta como algo contínuo que ocorre ao longo da vida e

de modo integrado às práticas sociais e cotidianas de cada professor. Os autores

consideram a formação docente:

[...] numa perspectiva de formação contínua e de desenvolvimento profissional, pois pode ser entendida como um processo pessoal, permanente, contínuo e inconcluso que envolve múltiplas etapas e instâncias formativas. Além do crescimento pessoal ao longo da vida, compreende também a formação (teórico-prática) da formação inicial — voltada para docência e que envolve aspectos conceituais, didático-pedagógicos e curriculares — e o desenvolvimento e a atualização da atividade profissional em processos de formação continuada após a conclusão da licenciatura (PASSOS et al., 2006, p. 195).

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A formação docente na concepção dos autores é compreendida numa

perspectiva ampla: ocorre durante a vida profissional, vai além das atividades

acadêmicas dos cursos e ocorre também a partir das interações entre os

profissionais na escola, das reflexões sobre a prática pedagógica, das pesquisas

para o desenvolvimento das aulas, da participação em encontros e discussões em

grupos em diferentes momentos.

Um exemplo de política de formação que tem como referencial o

desenvolvimento profissional do professor, mas que, no entanto, não se configura

efetivamente como uma possibilidade real desse desenvolvimento, é o Horário de

Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC), instituído pela rede estadual de ensino de

São Paulo. Fiorentini e Crecci (2012), a partir da análise da perspectiva de

professores de Matemática que lecionam na rede estadual paulista na região de

Campinas, sobre práticas de desenvolvimento profissional que vivenciam em cursos

de formação continuada promovidos pela Secretaria Estadual de Educação do

Estado de São Paulo (SEESP), observaram que os momentos de HTPC têm sido

pouco aproveitados para se constituir em um espaço-tempo efetivo de

desenvolvimento profissional dos professores.

Diante da relação estreita existente entre o desenvolvimento profissional e

a formação docente e da polissemia desse conceito, Fiorentini e Crecci (2013)

realizaram um estudo com o intuito de discutir o conceito de Desenvolvimento

Profissional Docente (DPC), tendo por base os usos e significados que têm sido

estabelecidos na literatura e na pesquisa. Observaram que esse conceito “tende a

ser associado ao processo de constituição do sujeito dentro de um campo

específico” (p. 13), estando relacionado a um processo de transformar-se ao longo

do tempo ou a partir de uma ação formativa.

Para Fiorentini e Crecci (2013), o termo desenvolvimento profissional

docente é polissêmico, porém há concordância entre autores brasileiros e

estrangeiros sobre aspectos relacionados ao conceito:

Embora não exista um conceito único de desenvolvimento profissional, há estudos nacionais e internacionais que concordam sobre a necessidade de participação plena dos professores, seja na elaboração de tarefas e práticas concernentes ao próprio desenvolvimento profissional, seja na realização de estudos e investigações que tenham como ponto de partida as demandas, problemas ou desafios, que professores trazem de seus próprios contextos de trabalho na escola (p. 15).

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Os mesmos autores, discutindo ainda os usos contraditórios do termo

desenvolvimento profissional por parte dos formuladores de políticas de formação

docente em Estados e Municípios brasileiros, destacam, ancorados em uma

pesquisa realizada por Davis et al. (2011), que grande parte das instituições

investigadas pelas autoras focam suas políticas em cursos de formação planejados

por especialistas com o intuito de aprimorar os saberes docentes. Tal aspecto é

questionado pela literatura, que considera esse modelo de formação basicamente

instrumental, não sendo coerente com os pressupostos que fundamentam a

formação na perspectiva do desenvolvimento profissional.

Uma vez esclarecida a ideia de que os termos formação continuada e

desenvolvimento profissional às vezes são utilizados como sinônimos, mas na

realidade são conceitos com características distintas, é possível afirmar que o

desenvolvimento profissional possui uma forte relação com a formação continuada.

No entanto, nem todo processo de formação continuada possibilita efetivamente o

desenvolvimento do professor. Considerando o exposto, importa esclarecer

algumas compreensões sobre o desenvolvimento profissional, relevantes para esta

tese.

Para Imbernón (2002), o desenvolvimento profissional se configura como

“toda a tentativa sistemática de melhorar a prática laboral, as crenças e os

conhecimentos profissionais, com o propósito de aumentar a qualidade docente,

investigadora e de gestão” (p. 19). Para o autor, a formação é um elemento

importante do desenvolvimento profissional, porém não é único e talvez não o

decisivo. Evidencia que desenvolvimento profissional e a formação contínua docente

são duas faces de uma mesma moeda. Para o autor, a ideia de desenvolvimento

profissional está relacionada à concepção de que o professor é um profissional do

ensino e ao reconhecimento de que os professores estão em um processo de

crescimento pessoal e profissional que não se reduz à aprendizagem de

conhecimentos e competências propiciadas por cursos de formação dos quais

participam.

Para Imbernón (2002), aceitar o desenvolvimento profissional como

equivalente à formação contínua, seria concordar com uma definição de

desenvolvimento profissional muito restritiva, pois a formação passaria a ser a única

via para o desenvolvimento profissional. Para o autor, além da formação, é essencial

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acrescentar nesse processo os aspectos funcionais e laborais que facilitam ou

condicionam o desenvolvimento profissional. São eles: a remuneração, o ambiente

de trabalho, a estabilidade, promoções funcionais, estrutura organizativa e de

gestão, contexto cultural, entre outros aspectos.

O desenvolvimento profissional é discutido também por Day (2005), como

um processo que envolve as experiências espontâneas de aprendizagem, naturais e

evolutivas, planejadas e conscientes. Para o autor:

O desenvolvimento profissional consiste em todas as experiências de aprendizagem natural e em atividades conscientes e planejadas que pretendem fornecer um benefício direto ou indireto ao indivíduo, grupo ou escola e que, através destes, contribui com a qualidade da educação em aula. É o processo pelo qual, individual ou coletivamente, os professores revisam, renovam, e ampliam seu compromisso como agentes de trocas com os fins morais do ensino, e adquirem e desenvolvem criticamente os conhecimentos, destrezas e inteligência emocional essenciais para a reflexão, planejamento e práticas profissionais adequadas com crianças, jovens e colegas, em cada fase da vida docente (DAY, 2005, p. 17).

Day (2005) indica ainda que o desenvolvimento profissional dos

professores é compreendido como um processo contínuo de constituição do sujeito.

Nele se inserem a formação inicial e continuada e a interação com os pares e com

outras pessoas envolvidas com a educação, assim como a aprendizagem em

contextos formais e não formais. Trata-se, portanto, de um processo de “vir a ser, de

transformar-se ao longo do tempo” (CRECCI, 2016, p. 58).

Saraiva e Ponte (2003) compreendem o desenvolvimento profissional

como um processo complexo em que o professor intervém como um todo, e não em

apenas uma ou outra faceta no contexto escolar. Para esses autores, numa

sociedade e numa escola em mudança, é necessário que o professor se reconheça

permanentemente como um aprendiz, como um agente ativo no seu ambiente de

trabalho e disposto a colaborar com seus colegas, seja com relação à prática letiva,

seja nos problemas educacionais mais amplos.

O desenvolvimento profissional do professor é estudado também por

Fiorentini (2013a), que o concebe como um processo contínuo que se estende ao

longo de toda vida pessoal e profissional do docente, com início antes do ingresso

na licenciatura e que ocorre em múltiplos espaços e momentos da vida de cada um,

envolvendo aspectos pessoais, familiares, institucionais e socioculturais. Para o

autor, este é um processo complexo que envolve o professor como uma totalidade

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humana, permeada de sentimentos, desejos, utopias, saberes, valores e

condicionamentos sociais e políticos.

A partir das considerações apresentadas é possível considerar que o

desenvolvimento profissional pressupõe três dimensões importantes: uma vinculada

à formação em diferentes perspectivas, que ocorre como um processo contínuo de

transformação e constituição do sujeito ao longo do tempo; outra relacionada às

aprendizagens que englobam os processos formais e informais, individuais e

coletivos, e que podem ocorrer em diversos contextos; e uma mais, relacionada com

as condições concretas em que o professor exerce a docência e percebe sua

valorização profissional.

É relevante ressaltar que, diante dos desafios encontrados no contexto

escolar e da necessidade de aprendizagem ao longo da vida, diferentes autores têm

estudado e identificado elementos que potencializam o desenvolvimento profissional

do professor (DAY, 2005; PONTE, 1998; PONTE; OLIVEIRA, 2002; SARAIVA;

PONTE, 2003; PASSOS et. al, 2006; FIORENTINI, 2013a).

O desenvolvimento de práticas como o estudo em contextos

colaborativos, o desenvolvimento de investigações sobre a prática docente e a

elaboração de narrativas são aspectos apontados como potencializadores da

aprendizagem para a docência e serão abordados na sequência deste texto.

2.4 Aprendizagem e desenvolvimento profissional em grupos de estudos

colaborativos

Para analisar a aprendizagem e o desenvolvimento profissional de

professores no GEProMAI é relevante esclarecer o que compreendemos por grupos

de estudos colaborativos, por ser esta uma adjetivação que eu e os demais

participantes atribuímos ao grupo a que pertencemos. Assim sendo, considero

importante conhecer como esses coletivos são constituídos e o seu papel nos

processos de aprendizagem e desenvolvimento profissional dos professores.

Ao escrever sobre grupo, a primeira palavra que me vem à mente é

colaboração, que remete inicialmente ao sentido de trabalhar junto, com uma ou

mais pessoas. No entanto, nem todas as possibilidades de trabalho coletivo podem

ser caracterizadas como colaboração. Hargreaves (2001) faz uma distinção entre

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duas formas de trabalho em conjunto - a colegialidade e a colaboração -, quando se

tem como contexto a escola. Em ambas existe o trabalho em conjunto, entretanto há

diferenças pelo tipo de controle e intervenção administrativa que ocorrem em uma e

em outra.

Para o autor, na colegialidade – à qual acrescenta o termo “artificial” – há

princípios de cooperação. Entretanto as relações são reguladas administrativamente,

sendo organizadas a partir de uma ação administrativa impositiva; são compulsivas,

tornando o trabalho conjunto uma obrigação; são orientadas para implementação de

ordens de gestores da própria escola ou de outros órgãos como, por exemplo, a

implantação de um novo currículo nacional; são fixas no tempo e no espaço,

possuem definição administrativa de datas e locais de realização de encontros entre

os docentes; são previsíveis. Ainda, o resultado de seu trabalho possui um grau de

previsibilidade elevado, decorrente do controle administrativo de suas finalidades,

espaços e tempos (HARGREAVES, 2001). A partir dessas características da

colegialidade artificial, é possível perceber, em casos como os destacados pelo

autor, não existir de fato um trabalho colaborativo entre os professores, e sim

situações pontuais e impostas de trabalho coletivo. Para Hargreaves (2001), a

colegialidade artificial tem como consequências a inflexibilidade e a ineficiência, o

que compromete o desenvolvimento dos professores.

Já na cultura de colaboração, Hergreaves (2001) salienta que as relações

de trabalho entre os docentes tendem a ser espontâneas, partindo dos próprios

professores; são voluntárias, não sendo resultantes de constrangimentos ou

coerções, mas sim do valor atribuído pelos docentes ao trabalho em conjunto; são

orientadas para o desenvolvimento, possibilitando que os professores trabalhem em

conjunto com o intuito de desenvolver iniciativas próprias ou externas, nas quais

estão intensamente empenhados; são difundidas no tempo e no espaço, e não

necessariamente possuem um cronograma fixo administrativamente, os encontros

entre os docentes geralmente ocorrem de modo informal, quase imperceptíveis,

breves, mas frequentes, e articulados à vida profissional dos participantes; são

imprevisíveis e os resultados da colaboração são geralmente incertos.

Os modos de organização para o trabalho conjunto em grupos de estudos

ou em colegiados, criados como contexto para desenvolvimento de pesquisas,

também podem assumir as características descritas por Hargreaves (2001). Nesse

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sentido, Fiorentini (2004) discute diferentes modalidades e sentidos de colaboração

em contextos e metodologias de investigação.

Fiorentini (2004) enfatiza que os grupos de estudos colaborativos

possuem características fundamentais que orientam sua constituição e seu modo de

organização. Para o autor, algumas das principais características de um grupo

colaborativo são a voluntariedade, a participação espontânea de seus participantes

em trabalhar junto com outros professores e pelo desejo de fazer parte de um grupo.

Essa voluntariedade pode ocorrer por diversos motivos como, por exemplo: buscar

apoio e parceria que auxiliem na compreensão e enfrentamento de problemas

complexos do contexto de atuação, desenvolver novos projetos, pesquisar a própria

prática, entre outros. Para Fiorentini (2004), os aspectos citados estão presentes na

literatura sobre o tema, entretanto não devem ser compreendidos como fórmula ou

receita para a criação de um grupo colaborativo. O autor afirma ainda que as

investigações têm apontado que os grupos de estudos se iniciam com uma prática

mais cooperativa, e que alguns destes, após um longo período de trabalho conjunto,

à medida que seus integrantes vão se conhecendo, podem vir a se tornar

colaborativos.

No Brasil, diversas pesquisas enfatizam a importância das comunidades

e/ou dos grupos de estudos como fator importante para a aprendizagem e

desenvolvimento profissional do professor (FIORENTINI, 2012; FIORENTINI, 2013b;

FIORETINI; CARVALHO, 2015; SOUZA; OLIVEIRA, 2013). Fiorentini (2013a)

argumenta que o professor aprende e se desenvolve profissionalmente por meio da

participação em diferentes práticas, processos e contextos, intencionais ou não, que

possibilitam a formação ou a melhoria do trabalho docente. Diante disso, é

importante que os professores tenham diferentes oportunidades de aprendizagem,

que compreendam também outras concepções de aprendizagem como na e da

prática, teorizadas por Conchran-Smith e Lytle (1999). Nesse sentido, os estudos em

grupos com características colaborativas são considerados uma alternativa para a

aprendizagem e produção do conhecimento pelo professor.

Na presente tese, os grupos de estudos colaborativos são assumidos

como contextos formativos que potencializam a aprendizagem docente, e a

colaboração é compreendida na perspectiva apresentada por Fiorentini (2004, p.52):

Na colaboração, todos trabalham conjuntamente (colaboram) e se apoiam mutuamente, visando atingir objetivos comuns negociados pelo coletivo do

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grupo. Na colaboração, as relações, portanto, tendem a ser não hierárquicas, havendo liderança compartilhada e corresponsabilidade pela condução das ações.

O conceito de grupo colaborativo descrito por este autor é muito familiar a

mim e aos demais participantes do GEProMAI. O valor atribuído pelo grupo à

colaboração pode ser observado na citação a seguir, que foi publicada em um texto

produzido colaborativamente por oito componentes do grupo em virtude da

participação em um seminário de educação no ano de 2014:

[...] a importância e o diferencial do GEProMAI são evidentes, já que ele se constitui a partir de dinâmicas de colaboração entre todos os envolvidos para definição de temas de estudo, do formato das reuniões, da flexibilidade em compartilhar experiências profissionais e pessoais que ocorre num ambiente de muito respeito onde todos são ouvidos e sentem liberdade para expor suas fragilidades geradas por uma formação que não dá conta de abarcar todos os conteúdos de tantas disciplinas envolvidas na função de um professor polivalente. A partir das discussões e ações realizadas ao longo dos encontros, tem-se constituído o GEProMAI, que se pauta em quatro elementos fundamentais: o foco no ensino e aprendizagem da Matemática; a organização do grupo colaborativo; a discussão das práticas pedagógicas; e a escrita de narrativas (ALMEIDA, et al., 2014).

Outra característica comum entre os grupos que congregam professores

que ensinam Matemática na Educação Básica e acadêmicos (professores

universitários, mestrandos e doutorandos), e que também é comum ao GEProMAI, é

a heterogeneidade (FIORENTINI, 2013a). Nesses contextos, os professores da

escola manifestam interesse em estudar, refletir e investigar sobre o ensino nessa

etapa educacional, bem como buscar compreensões sobre as práticas

desenvolvidas com os estudantes. Já os acadêmicos têm como objetivo investigar a

formação contínua, a aprendizagem e o desenvolvimento profissional de professores

em um contexto colaborativo.

Para Fiorentini (2013a), essa heterogeneidade é vista como um elemento

que agrega qualidade ao grupo, pois:

[...] não é vista de maneira hierárquica ou desigual, mas com diferentes conhecimentos e excedentes de visão entre os participantes (Bakhtin, 2003). Os professores da escola básica, por exemplo, trazem como excedente de visão, em relação aos formadores e futuros professores, um saber de experiência relativo ao ensino da Matemática nas escolas e conhecem as condições e as possibilidades de determinadas tarefas e práticas letivas. Os conhecimentos que mobilizam e produzem são situados na complexidade de suas práticas, sendo esta a principal referência nos processos de negociação de sentidos e significados durante a elaboração de tarefas, de análise de episódios ou situações de ensino-aprendizagem, da apropriação ou validação dos saberes da prática escolar e também daqueles oriundos da pesquisa acadêmica.

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Os formadores da universidade, por sua vez, têm como excedente de visão as teorias e metodologias a partir das quais produzem análises, interpretações e compreensões das práticas escolares vigentes, com o propósito de problematizá-las e desnaturalizá-las (p. 68-69).

Uma qualificação que Fiorentini (2013b) tem atribuído à uma comunidade que

congrega professores da Educação Básica e pesquisadores que não possuem

vínculos institucionais, e na qual o GEProMAI também se insere, é a característica

de fronteiriça, pois se situa na fronteira entre a universidade e a escola. Esse lugar

de fronteira permite uma organização livre do grupo, as agendas podem ser

conciliadas entre os participantes a partir do trabalho a ser realizado, os encontros

podem ocorrer em diferentes locais, os cronogramas de trabalho são definidos pelo

próprio grupo e as ações não são controladas institucionalmente pela escola ou pela

universidade. Para Fiorentini (2013b, p. 5), “a fronteira é um lugar livre onde podem

se reunir interessados de comunidades diferentes que se aventuram na construção

e problematização do conhecimento, podendo ser também investigativa”.

Ao afirmar que o GEProMAI se configura também como um grupo de estudos

fronteiriço, não me remeto a linhas que delimitam dois territórios diferentes entre si,

mas sim do “espaço fronteiriço que se forma no encontro de dois mundos diferentes”

(CRECCI, 2016, p. 107). Para Fiorentini (2013b), a fronteira, por ser um espaço onde

as diferenças se encontram, também se configura como um lugar de perigo, de

transgressão do que é instituído tanto pela escola quanto pela universidade. Uma

vez que as origens dos participantes são diferentes, o espaço fronteiriço tende a ser

entremeado por narrativas de fatos e episódios que acontecem nas comunidades de

origem de cada um. No entanto, “o que se produz e se aprende nessa comunidade

tem forte impacto na vida pessoal e profissional de cada participante” (FIORENTINI,

2013b, p. 5).

No grupo de estudos colaborativo e fronteiriço GEProMAI, há encontro de

pessoas e culturas, especialmente escolares e acadêmicas. Mas existe também a

reunião de ideias e ideais, de sonhos e de desejos, de alegrias, de possibilidades.

Os encontros são realizados inspirados inicialmente nos planejamentos que

estabelecemos, mas vivenciados na intensidade de cada momento, a partir das

experiências subjetivas e das histórias de vida de cada participante.

A literatura tem mostrado que participar de comunidades como os grupos

de estudos possibilita a aprendizagem e o desenvolvimento profissional do professor

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que ensina Matemática na infância. Para corroborar esta afirmação, descrevo a

seguir duas pesquisas realizadas com professores que lecionam na Educação

Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental.

Martins, Tortella e Grando (2010) realizaram uma pesquisa em um grupo

de trabalho colaborativo de iniciação matemática, composto por professores de

Educação Infantil, alunas da graduação do curso de Pedagogia e professores

formadores, focando no conteúdo matemático de Grandezas e Medidas. Os

resultados da pesquisa evidenciaram que as práticas compartilhadas e as atividades

desenvolvidas no grupo colaborativo repercutiram na aprendizagem dos professores

em relação aos conhecimentos geométricos, o que lhes possibilitou condições para

desenvolver os conceitos geométricos com as crianças nas instituições. Aprender e

ensinar Geometria também propiciou uma (re)significação do próprio campo de

conhecimento.

Azevedo (2012), ao realizar uma pesquisa com o intuito de investigar

quais conhecimentos matemáticos e metodológicos são produzidos, reconhecidos e

ressignificados por professores de Educação Infantil quando se reúnem em um

grupo de estudos sobre a Educação Matemática na Infância, e quais os indícios de

desenvolvimento profissional são manifestados pelos participantes do grupo em

processo de formação continuada, observou, entre outros aspectos, que os

conhecimentos matemáticos e metodológicos podem ser produzidos e

ressignificados por uma formação continuada em grupo de estudo colaborativo.

Além disso, os indícios de desenvolvimento profissional apareceram, embora os

participantes tenham apresentado dificuldades no debate conceitual relacionado à

Matemática. A pesquisa mostrou, também, que os saberes metodológicos dos

professores, o conhecimento da didática, da disciplina e o conhecimento

epistemológico do conteúdo podem ser ressignificados a partir da reflexão sobre a

própria prática, norteada pela construção coletiva do conhecimento em um grupo

colaborativo.

A partir do exposto, é possível afirmar que o GEProMAI, que se configura

como contexto de nossa pesquisa e será melhor apresentado adiante, pode ser

considerado um grupo colaborativo situado na fronteira entre a universidade e a

escola, apresentando semelhanças com a literatura descrita anteriormente.

Entretanto possui aspectos singulares que lhe atribuem identidade própria, que vem

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sendo construída ao longo tempo por meio das interações entre os participantes. No

GEProMAI, desenvolvemos algumas práticas formativas que consideramos

importantes para a aprendizagem docente, como produção de narrativas individuais

e colaborativas e a investigação sobre prática docente de seus participantes. Tais

práticas serão descritas no capítulo 4.

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3 ASPECTOS METODOLÓGICOS: OS PERCURSOS DESTA PESQUISA

NARRATIVA

Neste capítulo, detalho o percurso e a opção metodológica desta

investigação, narrando os procedimentos para a definição do tipo de pesquisa, a

constituição do grupo de estudos que se configura no contexto investigativo da

pesquisa e os textos de campo utilizados para a produção das informações desta

investigação. Na sequência, apresento os procedimentos para a análise das

informações produzidas.

3.1 Construção das questões investigativas e dos objetivos desta pesquisa

Retomo, aqui, as inquietações suscitadas a partir das vivências como

educadora no exercício de diferentes papéis e da formação acadêmica, que me

despertaram o interesse em pesquisar a aprendizagem e o desenvolvimento

profissional de professores participantes de um grupo de estudos colaborativo. O

ambiente formativo do GEProMAI, grupo do qual os professores participam

voluntariamente, sem possuir vínculos institucionais, e que consiste em um espaço

onde há liberdade de ação, em que todos são propositores de temas para estudos,

de práticas a serem desenvolvidas e que possui uma forte relação com as escolas

de Educação Básica, foi essencial para a construção das questões norteadoras

desta pesquisa. Tais questões já foram apresentadas anteriormente e são assim

enunciadas: que aprendizagens a participação em um grupo colaborativo de

estudos, mediado pela produção de narrativas individuais/colaborativas, pode

trazer a professores que ensinam Matemática para crianças, de maneira mais

pontual no que se refere ao bloco “Grandezas e Medidas? Quais indícios de

desenvolvimento profissional são percebidos, ao longo do tempo, tomando

como foco de análise os relatos dos professores participantes?

Para buscar respostas a essas questões constituímos um grupo de

estudos, o GEProMAI, que ao longo do tempo se configurou como um grupo

colaborativo. Junto a ele desenvolvi, ao longo de dois anos, uma pesquisa de campo

com docentes que atuam na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino

Fundamental. Esse tempo do trabalho é justificado “em função da natureza dos

processos formativos, os quais são mais bem percebidos e compreendidos a partir

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de uma perspectiva diacrônica do que de uma perspectiva apenas sincrônica”

(MEGID, 2009, p. 48).

A respeito da temporalidade da pesquisa cabe destacar as diferenças

entre diacronia e sincronia. Para Abbagnano (2012), esses termos foram

introduzidos por Ferdinand de Sausurre na Linguística e usados depois em outros

campos. A sincronia denota o eixo da simultaneidade, no qual se exclui a

intervenção do tempo e as sucessões. Já a diacronia corresponde ao eixo ao longo

do tempo e das sucessões, “no qual é possível considerar apenas uma coisa por

vez, mas onde estão situadas todas as coisas do primeiro eixo [sincrônico] com suas

mudanças, ao longo do tempo” (p. 1112).

Considerando o exposto, o objetivo desta pesquisa, como já apresentado,

assim se configura: analisar indícios de aprendizagem que a participação em um

grupo de estudos sobre a Educação Matemática para/na infância, especialmente

relacionada ao trabalho com Grandezas e Medidas, permeado pela escrita de

narrativas, proporciona a docentes. Buscar ainda compreender o como o processo

de desenvolvimento profissional de professores que participam desse grupo se

configura.

Para alcançar o objetivo principal da pesquisa, elaborei objetivos

específicos que possibilitam maior compreensão do objeto de investigação:

Descrever e analisar os processos formativos produzidos no Grupo

de Estudos Professores Matematizando nos Anos Iniciais

(GEProMAI);

Identificar e analisar indícios de aprendizagem dos professores no

processo de estudo no grupo colaborativo;

Identificar e analisar indícios de desenvolvimento profissional de

duas professoras que participam do grupo.

Descrever e analisar indícios de reverberação dos conhecimentos

na prática e/ou outras interações entre professores envolvidos a

partir do estudo no grupo.

Para que os propósitos do estudo fossem concretizados, optei por

desenvolver uma pesquisa qualitativa buscando valorizar a descrição detalhada do

contexto, dos participantes, das interações e da trajetória vivenciada pelo grupo,

evidenciando de modo mais aprofundado os indícios de aprendizagens dos

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99

participantes e de desenvolvimento profissional de duas professoras. Considero

relevante destacar que, embora esta pesquisa busque conhecer as aprendizagens

produzidas no contexto de um grupo colaborativo, esta não é uma pesquisa

colaborativa, pois a autoria, a escrita e o processo de análise são reservados a uma

única pessoa, a pesquisadora (FIORENTIN, 2004).

3.2 A busca de um caminho metodológico

O contexto da pesquisa, as reflexões e as leituras realizadas contribuíram

muito para que eu compreendesse o que queria buscar. Os dados eram muitos: as

vivências de 41 encontros realizados até julho de 2016, devidamente documentados;

as interações entre os participantes; as práticas desenvolvidas; as narrativas orais e

escritas. Todos esses elementos demonstravam que esse contexto era altamente

formativo para todos. No entanto dúvidas se configuravam: como buscar as

aprendizagens e o desenvolvimento profissional dos professores? Que metodologia

adotar nessa investigação?

Essas questões me fizeram buscar caminhos metodológicos de

investigação que melhor se adequassem às características da experiência de

formação que estávamos vivenciando no GEProMAI. A partir das leituras realizadas,

dos momentos de orientação e especialmente da interlocução com os participantes

do PRAPEM e do próprio GEProMAI, considerei que, para construir compreensões

sobre as aprendizagens dos participantes e o desenvolvimento profissional de duas

professoras do grupo de estudos, o enquadramento metodológico e os

procedimentos de análise adotados deveriam estar ancorados na “pesquisa

narrativa como uma forma de compreender a experiência” (CLANDININ E

CONELLY, 2011, p. 51). Nesse sentido, busco compreender a experiência vivida

conjuntamente com os participantes desse grupo colaborativo.

É relevante destacar que a escrita de narrativas possui potencialidades

para a realização deste trabalho de pesquisa, e pode ser compreendida como um

método de investigação na educação. Ela se constitui numa perspectiva a ser

detalhada neste capítulo e também como um processo de reflexão pedagógica e de

formação docente, aspecto que será discutido no capítulo 5, sessão em que

apresento as práticas formativas no GEProMAI.

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Clandinin e Conelly (2011) indicam que a experiência é um termo central

em pesquisa narrativa. Para os autores, a perspectiva apresentada por John Dewey,

de que a experiência é pessoal e social, permite um melhor entendimento da vida no

campo da Educação, pois estabelece como fundamental que as pessoas precisem

ser entendidas não apenas como indivíduos, mas percebidas em interação, inseridas

em contexto social. Outro aspecto considerado relevante para Clandinin e Conelly

(2011) é o critério de continuidade da experiência, enfatizado por Dewey: “é a noção

de que a experiência se desenvolve a partir de outras experiências e de que

experiências levam a outras experiências” (p. 30). Para os autores:

[...] experiências são as histórias que as pessoas vivem. As pessoas vivem histórias e, no contar dessas histórias, se reafirmam. Modificam-se e criam histórias. As histórias vividas e contadas educam a nós mesmos e aos outros, incluindo os jovens e os recém pesquisadores em suas comunidades (CLANDININ; CONELLY, 2011, p. 27).

Bondía-Larrosa (2002, p.21) afirma que “a experiência é o que nos passa,

o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o

que toca”. Para o mesmo autor:

[...]se a experiência não é o que acontece, mas o que nos acontece, duas pessoas, ainda que enfrentem o mesmo acontecimento, não fazem a mesma experiência. O acontecimento é comum, mas a experiência é para cada qual sua, singular e de alguma maneira impossível de ser repetida. O saber da experiência é um saber que não pode separar-se do indivíduo concreto em quem encarna (BONDIA-LARROSA, 2002, p. 27).

As compreensões de experiência apresentadas por Clandinin e Conelly

(2011), ancorados em Dewey, e por Bondía-Larrosa (2002) me permitem

compreender a minha própria experiência como pesquisadora, num contexto de

interação com os participantes do GEProMAI. Essas concepções possibilitam

também narrar histórias de aprendizagem e de desenvolvimento profissional de

professores que compartilham e expõem diferentes vivências que se cruzam nesse

cenário de formação.

Clandinin e Conelly (2011, p. 51) afirmam que a pesquisa narrativa se

ancora em “histórias vividas e contadas”. Para os autores, esse modo de pesquisar

se configura como:

[...] um tipo de colaboração entre pesquisador e participantes, ao longo de um tempo, em que um lugar ou séries de lugares, e em interação com milieus”. Um pesquisador entra nessa matriz no durante e progride no mesmo espírito, concluindo a pesquisa ainda no meio do viver e do contar, do reviver e recontar, as histórias de experiências que compuseram as vidas

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das pessoas, em ambas perspectivas: individual e social (CLANDININ e CONELLY, 2011, p. 51).

Esse modo de entender a pesquisa narrativa como a possibilidade de

contar histórias vividas e, no caso desta tese, considerando o contexto do

GEProMAI, contribuíram para esta investigação fosse desenvolvida a partir da

experiência de interlocução que se constituiu com os participantes desse grupo ao

longo de dois anos, período em que busquei focar-me no trabalho de campo. Mas

acredito que não seja possível contar essa experiência com enredos lineares e

tampouco deixar de considerar as interações realizadas com os professores do

grupo em outros tempos e espaços de convívio. Nesse sentido, me identifico com a

perspectiva de compreender e traduzir neste texto a complexidade da experiência

vivenciada no e com o GEProMAI num processo de viver, contar, reviver e recontar.

Considero importante destacar ainda que para Clandinin e Conelly

(2011), a pesquisa narrativa se desenvolve em um espaço tridimensional que

envolve os termos pessoal e social (interação); passado, presente e futuro

(temporalidade), combinados à noção de lugar (situação). Para os autores, o espaço

tridimensional da pesquisa narrativa “cria sentido contínuo de deslocamento,

enquanto ela se move de um passado rememorado a um lugar para o momento

presente em outro, todos construindo imaginativamente uma identidade de futuro” (p.

91). Para Marquesin e Passos (2009, p. 223), essa perspectiva da

tridimensionalidade da pesquisa narrativa possibilita observar que “a complexidade

da narrativa se amplia quando os relatos revelam as múltiplas vozes entrelaçadas

durante a narração, devendo explicitar sua estrutura através da descrição do cenário

e da trama, localizados em um tempo e em um espaço”.

Nesse sentido, considero relevante trazer aqui as afirmações de Freitas

(2006) e Crecci (2016), com as quais concordo, colocando em destaque as

aproximações da metáfora tridimensionalidade da pesquisa narrativa com a

perspectiva de chronotope de Bakhtin (1988). Na perspectiva de Freitas (2006, p.

96), o autor:

[...] elegendo a linguagem como centro de suas preocupações, se servia do chronotope como uma “ponte” explicitando a necessária eliminação de barreiras para compreender o mundo. Para este autor, o “tempo” e o “espaço” parecem ser essenciais para a compreensão do conhecimento advindo de uma experiência. Assim, ele nos diz que associa o termo “chronotope” (literalmente, “tempo-espaço”) à ligação intrínseca das relações temporais e espaciais que são artisticamente expressas na literatura.

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102

Para Freitas (2006), o conceito de chronotope desenvolvido por Bakhtin

“parece operar em dois níveis: primeiro, como meio pelo qual o texto representa

história; e segundo, como a relação entre imagens de tempo e espaço no texto, pela

qual a representação da história deve ser construída” (FREITAS, 2006, p. 96).

Ainda sobre a tridimensionalidade da pesquisa narrativa, Clandinin e

Conelly (2011) trazem uma reflexão importante para o pesquisador narrativo sobre a

sua própria confrontação entre o passado, o presente e o futuro. Para os autores,

são histórias que contamos sobre nós mesmos, histórias passadas e atuais, que

fornecem roteiros possíveis para nossos futuros. Esses pontos de vista me mostram

o envolvimento do pesquisador com as pessoas com que trabalha, neste caso, com

todos participantes do GEProMAI, em diferentes momentos e espaços de interação.

A perspectiva de tridimensionalidade da pesquisa narrativa e de

chronotope, destacadas anteriormente, me possibilitaram escrever narrativas de

aprendizagens dos professores no grupo a partir da seleção encontros ou episódios

e das diferentes interlocuções a respeito dos mesmos.

As narrativas de desenvolvimento profissional foram produzidas de modo

a contar as histórias de duas professoras numa trajetória ao longo do tempo, numa

perspectiva diacrônica, e consideram os fatos que ocorreram em espaços

presenciais e virtuais ao longo do tempo. Entretanto sem a preocupação de uma

linearidade, de uma sequência encadeada de situações cronológicas, as idas e

vindas são permitidas na tessitura de cada história a ser contada.

Um aspecto que considero relevante destacar ao trazer a pesquisa

narrativa como metodologia de investigação refere-se ao papel do pesquisador

nesse contexto, pois a partir da minha vivência no GEProMAI, como participante e

também como pesquisadora, me foi possível uma imersão no grupo, o fortalecimento

de relações pessoais que vão além da pesquisa. Para Clandinin e Conelly (2011), no

campo de pesquisa os pesquisadores narrativos

[...] se estabelecem, vivem e trabalham ao lado dos participantes, e chegam a experimentar não somente o que pode ser visto e contado diretamente, mas também as coisas não ditas e não feitas, que moldam a estrutura narrativa das suas observações e das conversas (p. 104).

Também merece atenção, no percurso de uma investigação como esta, o

envolvimento da pesquisadora no campo de pesquisa. É importante considerar a

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tensão existente entre a completa proximidade com os participantes e o

distanciamento necessário à objetividade para produzir o texto da pesquisa a fim de

que seja considerado um trabalho científico. Nesse sentido Clandinin e Conelly

(2011) evidenciam que a pesquisa narrativa é relacional, e que mais importante que

identificar essas tensões é preocupar-se com a forma como lidamos com elas. Os

autores enfatizam ainda que o receio da perda da objetividade não é algo tão sério,

e que os textos de campo, registros e gravações ajudam o pesquisador a adentrar

uma observação e análise dos eventos de modo não tão apaixonado.

Em se tratando desta pesquisa, além das considerações evidenciadas

pelos pesquisadores, um aspecto essencial a ser destacado é que a interlocução

constante com a Professora Dora, que é docente universitária e participante do

GEProMAI. A discussão em parceria sobre os episódios e narrativas contribuiu para

um olhar mais frio dos eventos e para a objetividade das histórias a serem contadas.

3.3 Os professores participantes do grupo de estudos

Para constituirmos o grupo de estudos, eu e a Professora Dora, docente

da universidade onde o grupo de estudos se reúne, enviamos um convite por e-mail

para estudantes egressos do curso de Pedagogia dessa mesma instituição, e

fizemos o convite pessoalmente aos professores participantes do CECIM - turma

ingressante em 2013, pois naquele momento eu estava atuando como monitora das

disciplinas de Matemática.

Alguns professores responderam rapidamente ao convite e iniciaram sua

participação no grupo logo no primeiro encontro, em maio de 2014; outras pessoas

chegaram posteriormente, a partir do contato com alguns dos participantes. Nesse

período de dois anos de constituição do Grupo de Estudos Professores

Matematizando nos Anos Iniciais (GEProMAI), algumas pessoas permaneceram e

outras, por diferentes motivos, deixaram de participar de nossas reuniões. Diante

disso, optei por apresentar o grupo considerando apenas os professores que

participaram dos encontros com certa regularidade em pelo menos dois semestres.

Embora não tivéssemos o objetivo de controlar a presença num sentido de

fiscalização, optamos por manter um registro de assiduidade com o intuito de

realizar um acompanhamento do grupo.

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A seguir, trago uma tabela na qual apresento os professores que

constituem o GEProMAI. Alguns como Karina, Laís, Ana Paula, Gislaine, Dora e eu

participamos do grupo desde o primeiro encontro. Os demais foram chegando ao

longo do tempo e outros, como já mencionei, deixaram de participar. Diante disso,

na tabela são apresentados os docentes participantes que estiveram presentes em

pelo menos 75% dos encontros de dois semestres. A descrição relativa a cada

participante foi elaborada pelos próprios professores, que se autodescreveram do

modo como gostariam de ser apresentados nesta tese.

Tabela 3 – Relação de professores que participam do grupo

Alessan-dra

Graduada em Ciências, com habilitação em Matemática, há 20 anos. Mestre em Avaliação Psicológica Educacional e, atualmente, doutoranda em Ensino de Matemática pela Universidade Estadual de Campinas. Já atuou como professora dos anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio e Técnico, bem como nas disciplinas de Matemática na formação de pedagogos. Além de exercer a docência, também atuou como assessora técnica em educação e como Secretária de Educação numa rede municipal de ensino. “A formação de aprendizagem de professores que lecionam Matemática na infância é meu foco de pesquisa. Contribuir para a constituição GEProMAI e fazer parte desse grupo é algo realmente especial, é fazer educação do modo que acredito, a partir do estudo, do diálogo, da discussão de práticas, da reflexão coletiva”.

Ana Paula

Em 2013, concluiu a graduação em Pedagogia, pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. No ano de 2015, iniciou seu Mestrado em Educação, na mesma Universidade. Trabalhou nos anos iniciais do Ensino Fundamental I e, atualmente está desenvolvendo um trabalho com a Educação Infantil e uma sala de 1º ano do Ensino Fundamental, na rede privada de Campinas. "Anseio pelo desafio de ser professora”. E é com muito afeto que nos dedicamos a estudar e aprender sempre mais pelos nossos alunos, neste grupo de estudos, o “GEProMAI”.

Daniel Graduado em Geografia pela UNESP, UNAR, há 6 anos, e em Pedagogia pela Rede Anhanguera, há 5 anos, Especialista pelo CECIM - Curso de Especialização em Ensino de Ciências e Matemática, pela UNICAMP. Já atuou na rede pública do Estado de São Paulo como professor de Geografia e, hoje, é professor polivalente da rede municipal de Campinas, lecionando para o 3º ano do Ensino Fundamental, bem como professor de Geografia, da mesma rede, lecionando para os anos finais do Ensino Fundamental. "Minha participação no GEProMAI está relacionada à oportunidade de ver, literalmente, a Matemática acontecer da forma na qual é: concreta".

Diego No ano de 2014, concluiu a graduação em Pedagogia, pela PUC-Campinas e, já adentrou o mestrado em Educação, pela mesma Universidade. Sua linha de pesquisa é a Formação de Professores e Práticas Pedagógicas. Possui experiência como auxiliar de classe, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, em uma escola da rede privada de Campinas. Sua função atual é agente de Educação Infantil na rede municipal de Campinas, trabalhando com crianças do Agrupamento II (1,6 anos a 3 “nos). "Para mim, GEProMAI é o lugar onde somamos saberes, subtraímos dúvidas, dividimos experiências e multiplicamos conhecimento”.

Dora “Sou professora há muito, muito tempo. Já trabalhei com a Educação Infantil, com os anos iniciais e finais do Ensino Fundamental, de maneira mais próxima com o ensino de Matemática e atualmente atuo como professora de Matemática no curso de Pedagogia da PUC-Campinas. Formação de Professores é hoje meu foco de trabalho e pesquisa. Contribuir na construção deste grupo, o GEProMAI é a realização de um sonho. Há mais de dez anos ele vem sendo alimentado pelos tantos alunos que contracenam comigo e hoje se materializa com a contribuição de todos esses parceiros”.

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Gislaine Graduada em Pedagogia, há 10 anos, pela UNESP - Marília. Especialista em Ensino de Ciências e Matemática, pela Universidade Estadual de Campinas. Possui experiência na Educação Infantil como docente de crianças de 2,5 a 6 anos, também como alfabetizadora nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Atualmente está na Educação Infantil, sendo professora de um Agrupamento Misto (II e III), na rede municipal de Campinas. "Trabalhei em Marília-SP como alfabetizadora por dois anos numa experiência desafiadora e árdua onde me questionava: Como trabalhar os conteúdos programáticos da série com as crianças respeitando esse momento de transição entre educação infantil e o Ensino Fundamental? Ao mesmo tempo, já trabalhava com as crianças da primeira infância cuja experiência me ajudou a levar alguns jogos e brincadeiras para as crianças do 1º ano. A partir daí, veio outra dúvida: E como aguçar a vontade das crianças em descobrir o mundo propondo atividades com clareza de intencionalidades? Faço parte do GEProMAI, grupo de estudos que permite o diálogo entre vários educadores, onde dúvidas e inquietações são discutidas e refletidas. O grupo me estimula a estudar e a inquietar-me a cada encontro, fazendo dos meus momentos com as crianças sempre uma nova descoberta".

Karina Graduada em Pedagogia, pelo Centro Universitário Salesiano, há sete anos. Especialista em Ensino de Ciências e Matemática, na Universidade Estadual de Campinas. Possui experiência em Educação Infantil, com crianças de 3 a 6 anos e, atualmente, é professora na rede municipal de Campinas, "O que mais me motiva na docência é a possibilidade de sempre aprender, de descobrir, e de construir um caminho que é único e diferente com cada turma, em busca do ensinar/aprender. E, neste sentido, o GEProMAI constitui-se num espaço de compartilhamento de experiências, dúvidas, angústias, alegrias e contribui muito para a construção de uma identidade profissional".

Lais Cursou Licenciatura Plena em Pedagogia, na PUC Campinas, concluída em 2013. Atuou por um pequeno período na rede privada do mesmo município, em uma escola de Educação Infantil, com crianças de 4 e 5 anos. Desenvolveu pesquisa de Iniciação Científica na linha de Formação de Professores e Trabalho Docente, avaliando a utilização do Programa Ler e Escrever, por professores e alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental, de uma escola pertencente à rede estadual da cidade de Campinas. Atualmente, é professora da rede municipal de Campinas. “[...] o GEProMAI tem me ajudado a sonhar... a aprender como ensinar a Matemática. Uma Matemática que vá além das ‘continhas armadas’, da memorização de algoritmos e da resolução mecânica de exercícios”.

Rita Graduada em Terapia Ocupacional e Pedagogia e possui especialização em Educação Especial Inclusiva. Começou a atuar na área da Educação somente em abril/2013, como Agente de Educação Infantil na rede municipal de Campinas e posteriormente como professora de Educação Infantil na rede municipal de Hortolândia. “Acredito que o professor/educador deve, constantemente, se capacitar, buscar compreender de que forma se dá o aprendizado da criança e ter domínio do que se pretende ensinar. Assim, sua intervenção pedagógica será efetiva e contribuirá para a formação completa da criança. Foi com essa convicção que ingressei no GEProMAI, visando buscar e compartilhar experiências, aprendizados, desmistificar a temida Matemática e encará-la de forma confiante e segura. Dessa forma, se tornará prazeroso e produtivo o ensino da Matemática às crianças”.

Tatiane Há 5 anos, cursou Ciências Econômicas e, posteriormente, Pedagogia, pela PUC-Campinas. Também é mestre em Educação, pela mesma Universidade. Fez estágio na Educação Infantil com crianças de 3 anos e possui experiência com crianças surdas de 4 a 7 anos. Atualmente, desenvolve trabalho como pedagoga em Educação Especial, no interior da PUC Campinas, atuando com diversas faixas etárias de crianças pertencentes aos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental.

Fonte: elaborado pela pesquisadora.

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Figura 1: Participantes do GEProMAI

Fonte: Arquivo da pesquisadora

Na tabela a seguir, apresento a relação dos professores que participaram

dos encontros durante o período de recolhimento das informações do trabalho de

campo, considerando a presença em pelo menos em 75% dos encontros realizados

no semestre.

Tabela 4 - Presença dos participantes em relação ao semestre

Participante 1º sem. de 2014

2º sem. de 2014

1º sem. de 2015

2º sem. de 2015

1º sem. de 2016

Karina F. X X X X X

Ana Paula X X X X

Daniel X X X X

Gislaine X X X

Laís X X X X X

Tatiane X X X

Diego X X

Rita X X

Graça X

Tamires X

Cibele X

Karina C. X

Alessandra X X X X X

Dora X X X X X

Fonte: Elaborado pela pesquisadora

O GEProMAI é constituído por mim, que em decorrência da realização

desta investigação me autodenomino pesquisadora, pela professora Dora, que atua

como docente e pesquisadora na Universidade em que o grupo se reúne, e pelos

professores que atuam na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental,

sendo que alguns destes são também mestrandos em Educação. Acredito que essa

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heterogeneidade dos participantes quanto à formação, experiências e atuação

profissional compõe um ambiente interessante de formação para estudar e investigar

as práticas de ensinar e aprender Matemática na infância, e configura um contexto

no qual os professores podem aprender e desenvolver-se profissionalmente.

3.4 Os procedimentos do trabalho de campo

Após a constituição do GEProMAI, iniciei o trabalho de campo na

perspectiva da formação continuada de professores em um grupo de estudos que se

configurou como colaborativo situado na fronteira entre a universidade e a escola.

A possibilidade de realizar esta pesquisa tendo o grupo como contexto foi

negociada com os participantes desde o início. Nesse cenário, a professora Dora já

era conhecida dos docentes que vieram para o grupo num primeiro momento e era

referência para eles, especialmente em relação ao trabalho com Educação

Matemática na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, o que

considero como um aspecto fundamental para a constituição e para a consolidação

do GEProMAI.

Eu, a pesquisadora, conhecia apenas uma das participantes do primeiro

encontro, a Karina. Entretanto procurei integrar-me ao grupo adotando uma postura

“colaborativa, vagarosa e silenciosa, mansa na escuta” (FRANCO, 2005, p. 493). À

medida que o tempo foi passando e as interações foram ocorrendo, minha relação

com as pessoas foi se aprofundando e se tornando mais familiar. Depois de alguns

encontros, minha impressão era a de que já conhecia aqueles professores há muito

tempo.

Buscando planejar a atividade de campo no processo de formação dos

professores, o grupo iniciou o trabalho e organizou um cronograma para a realização

dos encontros negociando as datas, as atividades a serem realizadas e os textos a

serem estudados. Esse planejamento inicial foi compreendido como uma forma de

organizar trabalho de campo e a participação dos professores. Porém nem tudo

transcorreu como planejado inicialmente. Em alguns momentos, optamos por

aprofundar a discussão sobre um determinado tema e utilizamos mais encontros que

o previsto para realizar uma atividade. Entretanto essas situações não nos causaram

transtornos, pois como nos constituímos enquanto grupo de estudos e não como

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participantes de um curso, essas alterações foram consideradas necessárias para

atender aos interesses de aprendizagem dos professores.

Nesse contexto, eu e os demais participantes estabelecemos um

ambiente de diálogo, o qual possibilitou diferentes estudos teóricos, discussões e

investigações sobre as práticas de ensinar e aprender Matemática na infância, e o

envolvimento em diferentes ações consideradas relevantes por todos, tais como:

participação em eventos, produção de trabalhos sobre o grupo, participação em

encontros de formação em escolas. Desenvolvemos estas ações pautando-nos em

princípios de colaboração, especialmente no que se refere à voluntariedade na

participação e no engajamento das ações coletivas do grupo.

Com o objetivo de apresentar uma visão mais detalhada dos encontros,

apresento uma tabela que situa temporalmente as ações do grupo desde o início de

sua constituição até a última reunião realizada em julho de 2016, período em que

busquei focar o processo de produção de dados para essa pesquisa. Entretanto é

relevante afirmar que o grupo mantém suas atividades com diferentes perspectivas

de estudos da matemática na infância, tendo como componentes professores vários

que já o integravam e novos docentes.

Nessa tabela destaco o número de encontros com as respectivas datas

de realização; as principais atividades desenvolvidas e o nome dos textos

estudados; o nome do participante que elaborou a narrativa sobre os

acontecimentos do encontro, que inicialmente era individual, e a partir de março de

2015 passou a ser produzida de modo colaborativo; e o número de participantes de

cada encontro.

Cabe salientar que, quando a narrativa foi escrita de modo colaborativo,

o nome do participante que produziu o texto inicial está destacado com a fonte em

negrito. Os nomes das demais pessoas que fizeram interferências no texto,

contribuindo com sua elaboração encontram-se em fonte normal.

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Tabela 5 - Relação dos encontros realizados durante o trabalho de campo

Encontro Data Atividades Realizadas Relato

Narrativo

Nº de participante

s

E1 10/05/2014

Constituição do grupo. Definição de cronograma. Sugestões iniciais de organização.

Narrativa Individual:

Laís 05

E2 20/05/2014

Discussão do texto: MOURA A. R. L.; LORENZATO, S. O medir de crianças pré-escolares. ZETETIKÉ. v.9, n. 15-16, jan/dez, 2001, p. 7-41. Estabelecimento de combinados sobre realização de atividades em escolas.

Narrativa individual:

Laís 12

E3 03/06/2014

Relato de atividades realizadas nas escolas e medidas na Educação Infantil e Ensino Fundamental.

Narrativa individual:

Karina 6

E4 10/06/2014

Discussões sobre o trabalho com Matemática e medidas na Educação Infantil.

Narrativa individual: Adriana

4

E5 24/06/2014

Discussão dos textos: LORENZATO, S. O Senso de Medida ou diferentes interpretações da medição. In: LORENZATO, S. Educação Infantil e Percepção Matemática. Campinas (SP): Autores Associados, 2006. GODOI, L. C. O.; FIGUEIRÔA, S. F. M. Dois pesos e duas medidas: uma proposta para discutir a natureza do sistema de unidades de medidas na sala de aula. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 25, n. 3, 2008, p. 523-545.

Narrativa individual: Gislaine

8

E6 05/08/2014

Planejamento do semestre. Definição do nome do grupo: GEProMAI. Indicação de participação no Seminário da PUC Campinas, em outubro, enquanto grupo. Organização das experiências de sala de aula das professoras também para apresentação.

Narrativa individual: Alessandra

4

E7 19/08/2014

Apresentação da balança de origem francesa pela Profa. Dora. Discussão de uma proposta para provocar as narrativas de aprendizagem. Apresentação da página virtual do GEProMAI pela Laís. Discussões a respeito da Matemática na escola: Educação Infantil e Ensino Fundamental.

Narrativa individual: Alessandra

6

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E8 02/09/2014

Produção coletiva do resumo: Discutindo a Matemática em um grupo colaborativo: o caso GEProMAI a ser apresentado no IX Seminário da Faculdade de Educação da PUC-Campinas. Discussão sobre envio de outros trabalhos pelos participantes. Divisão de textos para fundamentação teórica do trabalho para produção do texto completo.

Narrativa individual: Alessandra

6

E9 16/09/2014 Produção coletiva do texto para ser publicado nos anais do evento da PUC-Campinas.

Narrativa individual: Alessandra

6

E10 23/09/2014

Finalização do texto coletivo: Discutindo a Matemática em um grupo colaborativo: o caso GEProMAI para publicação nos anais do evento da PUC-Campinas.

Narrativa individual: Alessandra

7

E11 21/10/2014 Trabalho no Laboratório de Informática. Exploração da página do GEProMAI.

Narrativa individual: Alessandra

6

E12 04/11/2014

Discussão do capítulo 1 do livro: PONTE, J. P.; BROCARDO, J.; OLIVEIRA, H. Investigações matemáticas na sala de aula. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2003. Comentários sobre os registros das atividades.

Narrativa individual: Alessandra

7

E13 18/11/2014

Realização de atividade exploratório-investigativa sobre área e perímetro utilizando malhas hexagonais.

Narrativa individual: Rodrigo

8

E14 02/12/2014

Avaliação do Semestre. Comemoração e sugestões para o planejamento de 2015.

Narrativa individual: Alessandra

8

E15 24/02/2015

Planejamento do semestre. Definição de cronograma e temas para estudos. Início de atividade exploratório-investigativa com o Tangram. Discussão do texto: CRISTOVÃO, E. M. Pelos caminhos de uma nova experiência no ensino de Geometria. In: FIORENTINI, D.; MIORIM, M. A. (Org.). Por trás da porta, que Matemática acontece? Campinas: Gráfica FE/Unicamp, p. 45-82, 2001.

Narrativa individual: Alessandra

14

E16 10/03/2015

Apresentação das informações e ferramentas para a configuração do site do GEProMAI. Definição das responsabilidades de cada integrante do grupo em relação à construção e manutenção do site. Implantação das narrativas coletivas como registro do encontro.

Narrativa colaborativa:

Daniel e Adriana

9

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111

E17 17/03/2015

Continuidade das atividades com Tangram por meio de dobradura. Exploração de aspectos relativos à Geometria e à medida.

Narrativa colaborativa: Élica, Laís,

Karina e Alessandra

14

E18 26/03/2015

Discussão sobre práticas pedagógicas em Matemática: calendário, Tangram, relatos sobre a utilização da escrita nas aulas de Matemática por uma das participantes. Discussão de propostas a serem apresentadas no SHIAM.

Narrativa colaborativa: Karina, Laís e Alessandra

8

E19 09/04/2015

Apresentação de experiências sobre o curso de formação do PNAIC por Joelma. Início das discussões sobre o material do PNAIC – Grandezas e Medidas com base no texto: BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Pacto nacional pela alfabetização na idade certa: Grandezas e Medidas. Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. Brasília: MEC, SEB, 2014a.

Narrativa colaborativa: Karina, Laís e Alessandra

11

E20 23/04/2015

Continuidade das discussões relativas ao texto: BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Pacto nacional pela alfabetização na idade certa: Grandezas e Medidas. Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. Brasília: MEC, SEB, 2014a.

Narrativa colaborativa:

Gislaine, Karina e

Alessandra

10

E21 07/05/2015 Participação da Profa. Vanessa Crecci, conversas sobre aprendizagem docente em grupos colaborativos.

Narrativa colaborativa:

Tatiane e Alessandra

11

E22 21/05/2015

Discussões sobre Geometria com base no texto: BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Pacto nacional pela alfabetização na idade certa: Geometria. Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. Brasília: MEC, SEB, 2014b. Organização para desenvolver uma atividade sobre triângulos presente no material do PNAIC.

Narrativa colaborativa:

Karina, Gislaine e Alessandra

8

E23 11/06/2015

Discussão sobre as atividades relativas aos triângulos desenvolvidas em diferentes turmas, inclusive no Ensino Superior. Continuidade das discussões sobre o texto: BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Pacto nacional pela alfabetização na idade certa: Grandezas e Medidas. Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. Brasília: MEC, SEB, 2014b.

Narrativa colaborativa:

Luciana, Gislaine e

Laís

13

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112

E24 25/06/2015

Avaliação sobre o que foi importante durante esse tempo, nossas aprendizagens individuais e coletivas, e também sobre o que é importante melhorar ou corrigir para o semestre seguinte.

Narrativa individual: Alessandra

06

E 25 13/08/2015

Início do semestre com indicação de datas para encontros. Comentários sobre aprendizagens e experiências compartilhadas nos eventos SHIAM e EEMAI. Organização inicial de grupos temas para possível apresentação no Seminário da PUC.

Narrativa colaborativa:

Karina e Alessandra

09

E26 27/08/2015

Indicação do tema Geometria como estudo do semestre, comentários sobre a importância desse assunto no currículo e na sala de aula. Sugestão de textos para estudos.

Narrativa colaborativa:

Laís e Alessandra

08

E27 03/09/2015

Apresentação de narrativas dos grupos sobre os temas a serem apresentados no I SIPRAEM pelos grupos. Comentário e contribuições dos presentes para os textos.

Narrativa individual: Alessandra

07

E28 17/09/2015

Conversa sobre o texto indicado pela Joelma: SENNA, A. M. Possibilidades pedagógicas com Geometria nos anos iniciais. Revista Eletrônica Sala de

Aula em Foco, v. 3, n. 1, 2015. Apresentação do trabalho “Alfabetização Cartográfica: Práticas Pedagógicas nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental” por Joelma e Daniel.

Narrativa colaborativa:

Karina e Alessandra

05

E29 01/10/2015

Conversa sobre o texto indicado pela Laís: GOMES, A. P. S. Investigando Geometria: processos e desafios de profissionais Da educação infantil, 2011. Elaboração de unidade didática sobre Geometria para o trabalho na Educação Infantil aos anos iniciais do Ensino Fundamental. Conversas sobre as diretrizes para Educação Infantil e Ensino Fundamental de algumas redes em que os professores do grupo trabalham.

Narrativa colaborativa: Alessandra

e Laís

08

E30 05/11/2015

Socialização das atividades envolvendo Geometria desenvolvidas com as crianças nas escolas durante o mês de outubro.

Narrativa colaborativa: Gislaine e Alessandra

08

E31 26/11/2015

Oficina com massa de modelar realizada com a participação da convidada Vanessa Crecci.

Narrativa Individual: Alessandra

10

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113

E32 25/02/2016 Apresentação dos novos participantes, definição do cronograma e planejamento do semestre.

Narrativa Colaborativa:

Lais, Alessandra, Karina F. e

Daniel

09

E33 09/03/2016

Discussões gerais a respeito da Matemática da infância, discussão de prática utilizando Material Dourado e Ábaco.

Narrativa Colaborativa:

Cibele, Alessandra e

Diego

09

E34 30/03/2016

Discussão do texto: LOPES, C. A. E.; MOURA, A. R. L. Encontro das crianças com o acaso: as possibilidades, os gráficos e as tabelas. Campinas: FE/UNICAMP, 2002.

Narrativa Individual: Tamires

09

E35 13/04/2016

Discussões sobre práticas envolvendo Estatística e Probabilidade. Apresentações de práticas pelos professores.

Narrativa Colaborativa:

Diego e Alessandra

13

E36 27/04/2016

Continuidade das discussões sobre práticas envolvendo Estatística e Probabilidade e das apresentações pelos professores.

Narrativa Individual:

Graça 12

E37 11/05/2016 Jantar em comemoração aos dois anos do GEProMAI.

Registro por fotos - Diego

16

E38 17/05/2016 Discussão de atividades exploratório-investigativas e apresentação de novas práticas pelos professores.

Narrativa Individual: Alessandra

12

E39 24/05/2016 Atividade no laboratório de informática explorando o Geogebra.

Narrativa oral -

avaliação no encontro

11

E40 15/06/2016 Realização de atividades investigativas sobre probabilidade no grupo.

Narrativa Colaborativa:

Diego, Karina F. e

Laís

08

E41 22/06/2016

Discussão do texto: LOPES, C. E. O ensino da estatística e da probabilidade na educação básica e a formação dos professores. Caderno Cedes, Campinas, v. 28, n. 74, 2008, p. 57-73. Avaliação do Semestre

Narrativa Colaborativa: Paula e Laís

11

Fonte: elaborado pela pesquisadora

A partir da tabela, é possível afirmar que, como citamos anteriormente,

alguns professores tiveram pouco tempo de participação no grupo e por isso não

foram citados nas tabelas 4 e 5. Entretanto, enquanto estiveram presentes, se

envolveram nas práticas, produzindo inclusive as narrativas sobre os encontros.

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114

3.5 Construção das narrativas de campo

Para Clandinin e Connelly (2011), os textos de campo de uma pesquisa

narrativa podem ser constituídos por várias fontes como textos autobiográficos,

diários, notas de campo, cartas, conversas, histórias de vida, histórias de família,

fotografias, entrevistas, artefatos pessoais, entre outros. Entretanto é fundamental

compreender que “os dados tendem a carregar uma ideia de representação objetiva

de uma experiência de pesquisa, é importante notar quão imbuídos de interpretação

são os textos de campo” (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 134). Para os autores,

o pesquisador deliberadamente seleciona determinados aspectos que aparecem nos

textos de campo, bem como valoriza um ou mais aspectos em detrimento de outros,

e nesse sentido, todos os textos de campo são inevitavelmente interpretados pelo

pesquisador.

Destacar essa característica da pesquisa narrativa é essencial, pois a

com base nos textos de campo que compõem esta tese, serão contadas histórias a

partir de minha perspectiva enquanto pesquisadora e participante do GEProMAI.

Nesse sentido cabe ressaltar que se outro pesquisador, ainda que tenha participado

dos mesmos encontros, e acessado as mesmas informações que eu sobre o grupo,

possivelmente teria outras interpretações e narraria histórias diferentes das minhas,

pois seus textos seriam modelados pelos seus próprios interesses ou desinteresses

(CLANDININ; CONNELLY, 2011).

Nesta pesquisa, os textos de campo compreendem narrativas orais

captadas em vídeogravações dos encontros do grupo, que foram realizadas desde a

segunda reunião ocorrida em 20 de maio de 2014, a partir da autorização dos

participantes; narrativas individuais sobre os encontros, elaboradas pelos

componentes do grupo; narrativas colaborativas sobre os encontros, produzidas

pelos participantes em ambiente virtual (Google Docs); narrativas escritas pelos

participantes em diferentes momentos em que essa prática fez parte da dinâmica do

encontro; material produzido e compartilhado pelos participantes; textos produzidos

pelos integrantes do grupo para participação em eventos e/ou para publicação,

notas de campo da pesquisadora.

É relevante ressaltar que diante de minha participação no grupo, atuando

algumas vezes como formadora e como coordenadora do encontro, e diante das

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115

intensas discussões com as quais me envolvi nesse processo, especialmente nos

momentos iniciais, não foi possível produzir um diário reflexivo e o registro de muitas

informações durante os encontros. Assim, realizar o registro por meio das

vídeogravações, possibilitou-me revisitar, sempre que necessário, os diálogos, as

interações entre os participantes, e registrar os acontecimentos de modo mais

reflexivo, não como uma mera descrição de fatos.

Como já citado, as gravações em vídeo foram realizadas a partir do

segundo encontro, após a autorização dos participantes. Inicialmente os

consentimentos foram orais e posteriormente solicitei-os por termo escrito. Para

realizar as filmagens, a câmera foi instalada sobre um tripé e colocada em um local

estratégico na sala, na tentativa de registrar as imagens e vozes do grupo todo.

Algumas vezes não foi possível registrar as imagens de todos devido ao número de

participantes. Obtive apenas o registro oral dos professores em determinados

momentos. É importante ressaltar que, diante da dinâmica dos encontros, eu não

tinha condições de operar a filmadora e buscar closes dos participantes e tampouco

havia no grupo um participante designado para essa função.

O fato de que minha interação com o grupo ocorria numa perspectiva de

participação ativa nas discussões, na proposição e desenvolvimento de atividades e

não numa posição de pesquisadora a observar passivamente as interações

ocorridas no ambiente, pode ter comprometido um pouco a recolha dos dados nas

videogravações. Entretanto as limitações nesse modo de obter dados são previstas

por pesquisadores que se valem dessas ferramentas. Entendo, ainda, que deixar a

câmera de vídeo ligada em um canto da sala e interagir com o grupo, permitiu que

os participantes agissem de modo natural e que, muitas vezes, se esquecessem de

que nossas interações estavam sendo registradas em vídeo.

Durante os encontros sempre lembrávamos aos participantes das

filmagens. Porém, o fato de estarmos registrando as discussões e as dinâmicas do

grupo por meio das videogravações, em nenhum momento, causou constrangimento

ou timidez aos participantes. Pelo contrário, eles sempre foram muito favoráveis a

esse procedimento por entenderem que essas filmagens contribuiriam para esta

pesquisa e também para a composição de um histórico do grupo. Algumas vezes até

solicitavam informações do vídeo para elaborarem o relato dos encontros

presenciais.

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116

Essas ações corroboram o enunciado por Powell, Francisco e Maher

(2004, p. 86) no sentido de que “o vídeo é um importante e flexível instrumento para

coleta de dados oral e visual”, embora exista a compreensão da incompletude desse

modo de recolha de dados devido às limitações mecânicas, incapacidade de

discernir o conteúdo subjetivo do comportamento que está sendo gravado e da

incapacidade de carregar o contexto histórico do comportamento capturado (IDEM,

2004).

Outro aspecto importante relativo às limitações das gravações em vídeo

como instrumento de pesquisa destacado por esses autores refere-se às

perspectivas teóricas do pesquisador, que podem compelir e moldar o registro dos

dados. Os autores ancorados em Hall (2000) enfatizam que os dispositivos para

capturar informações visuais e orais podem ser planejados e organizados para

gravar a atividade humana de modo a selecionar as interações em desenvolvimento,

gerando dados que, enviesados, mostram apenas partes das interações

consideradas interessantes pelo pesquisador.

Reconheço que os registros em vídeo possuem limitações, mas é

importante enfatizar que as videogravações se constituem em importante

instrumento de pesquisa que forneceu informações relevantes para a configuração

desta investigação. Entretanto, para a produção dos textos de pesquisa, foram

consultadas outras informações de campo, mencionadas anteriormente, que se

configuraram como os instrumentos para a produção de dados desta tese.

3.6 Os participantes da pesquisa

Como em todas as investigações que são desenvolvidas numa

perspectiva qualitativa, nesta pesquisa narrativa também é necessário justificar

algumas escolhas.

Para identificar e analisar indícios de aprendizagem dos professores no

processo de estudo no grupo colaborativo, busquei selecionar alguns episódios que

indicaram aprendizagens ocorridas no grupo, considerando a participação dos

presentes nos encontros, as interações virtuais e os outros textos de campo, sem

focar, entretanto, em um ou outro participante, mas buscando o caráter coletivo

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dessas aprendizagens, embora muitas vezes seja possível observar o protagonismo

de alguns integrantes nessas situações.

Para identificar e analisar indícios de aprendizagem de duas professoras

participantes do GEProMAI, busquei selecionar para a presente pesquisa duas

professoras de Educação Infantil: a professora Karina por participar do grupo desde

o primeiro encontro, por ser uma das responsáveis pela constituição do grupo e

também por ser a participante mais frequente, e por estar atuando na docência há

vários anos; a professora Laís foi selecionada, também, por estar conosco desde o

primeiro encontro, ser uma participante assídua e uma das responsáveis pela

constituição GEProMAI, e também por ser uma “professora novata”, uma vez que

ingressou no magistério em agosto de 2015. Acredito que o fato de essas duas

professoras terem tempos diferentes de atuação na docência possibilita uma

compreensão do desenvolvimento profissional em momentos distintos da carreira

docente.

3.7 Procedimentos de Análise

Para analisar as aprendizagens que ocorreram no ambiente colaborativo

do GEProMAI, produzi narrativas entrelaçando as experiências vivenciadas no grupo

e a interlocução com os autores estudados que fundamentam teoricamente esta

investigação. O processo analítico dos textos de campo esteve presente ao longo da

pesquisa, mas se tornou mais sistemática após o encerramento da sua coleta.

Os eixos que nortearam as análises não foram definidos a priori, foram

construídos à medida em que emergiam do processo analítico do material de campo,

dos estudos teóricos realizados, das indicações dos professores que compuseram a

banca de qualificação e dos momentos de orientação. As interações constantes com

os participantes do grupo também foram essenciais nesse processo de definição dos

eixos de análise, pois, como já citei anteriormente, o GEProMAI mantém seus

encontros e atividades, sua existência não ficou vinculada à esta investigação.

Para realizar as análises que compõem esta tese, inicialmente fiz uma

leitura cuidadosa dos textos de campo: narrativas individuais e colaborativas sobre

os encontros; narrativas escritas pelos participantes em diferentes momentos; textos

produzidos pelos integrantes do GEProMAI para divulgação em eventos e/ou para

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118

publicação; mensagens via WhatsApp enviadas pelos participantes ao grupo e

minhas notas de campo. Nesses textos busquei encontrar elementos e/ou

características relacionadas ao GEProMAI que eram destacados pelos professores

em suas produções e encontrei aspectos como: os estudos e a problematização de

textos teóricos e documentos curriculares; as produções de narrativas (individuais e

colaborativas) em diferentes situações; a análise de aulas e a investigação sobre

práticas desenvolvidas; a utilização do WhatsApp para registro e compartilhamento

de atividades, ideias, vídeos e imagens; a inserção ou alteração de atividades e

práticas em sala de aula a partir das discussões, problematizações e estudos em

grupo; e a colaboração como um elemento característico do GEProMAI, que

permeou todas essas situações.

Numa segunda etapa, após as leituras desses documentos, e tendo em

conta o levantamento desses aspectos iniciais, passei a rever os vídeos gravados

dos encontros e fiz a transcrição dos trechos que envolviam, além desses

elementos, o aspecto matemático das grandezas e medidas, e que evidenciassem

algum indício de aprendizagem dos professores. Também nesse processo busquei

desenvolver um olhar mais atento para a participação das professoras Karina e Laís,

tomadas como interlocutoras privilegiadas na pesquisa para a análise do

desenvolvimento profissional.

Esse processo de análise dos textos de campo e a interlocução com a

professora Dora, com as contribuições dos professores no exame de qualificação, e

com os autores estudados, me permitiram definir quatro eixos analíticos que

possibilitaram a interpretação e análise dos indícios de aprendizagens ocorridas no

grupo de estudos, assim elencados: 1) aprendizagem docente ancorada em

interações apoiadas na tríade GEProMAI-Escola-Autores (referenciais estudados); 2)

Aprendizagens a partir de investigações e produções de narrativas sobre a própria

prática; 3) A colaboração no grupo como potencializadora da aprendizagem docente;

4) Reverberações dos estudos em grupo nas práticas dos participantes.

O primeiro eixo está relacionado com as práticas formativas

desenvolvidas cotidianamente no interior do GEProMAI que busca problematizar

coletivamente no grupo prática desenvolvida na escola e articula-la às teorias que

ajudam a compreendê-la estabelecendo um movimento tridimensional que envolve o

grupo GEProMAI, a Escola e os Autores estudados.

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119

O segundo eixo se relaciona com a ação de investigar as práticas

docentes e de produzir narrativas reflexivas sobre as mesmas num movimento que

permite ao professor compreender sua própria experiência na interlocução entre o

vivido, o discutido no grupo e a teoria sobre o tema.

O terceiro eixo traz em destaque a colaboração que se configura como

uma característica valorizada pelos participantes que permeia todas as ações do

grupo.

O quarto eixo explora o modo como as experiências de participação no

GEProMAI reverberam na sala de aula e na escola. Nesse eixo são destacadas

situações nas quais as diferentes práticas do grupo ajudam a promover mudanças

no processo de ensinar e aprender matemática na infância.

É relevante esclarecer que os quatro eixos que estabeleci para analisar a

aprendizagem não podem ser observados como unidades isoladas, eles se inter-

relacionam, considerando as ações advindas do GEProMAI.

Nesta tese apresento três narrativas de aprendizagem:

Aprendizagem Sobre Medidas de Comprimento na Educação

Infantil e Ensino Fundamental.

Aprendizagens sobre Medidas e Geometria: Tangram e Meli-Melô.

Outras Aprendizagens Sobe Medidas.

Essas narrativas foram escritas a partir de encontros do GEProMAI que

envolvem estudos e problematizações a respeito das Grandezas e Medidas.

Entretanto, no texto procurei não me fixar apenas nas interações presenciais, mas

trazer elementos de diferentes interlocuções entre os participantes como mensagens

virtuais por meio do WhatsApp, narrativas colaborativas por meio do Google Docs,

além de outras situações de comunicação nas quais nos envolvemos.

Além das narrativas de aprendizagem citadas anteriormente, com o intuito

de analisar o indício de desenvolvimento profissional do professor, produzi as

narrativas de desenvolvimento profissional das professoras Karina e Laís,

participantes do GEProMAI. Para a produção dessas narrativas foram explicitadas

minha relação com cada participante, destacados elementos da formação

acadêmica de cada uma delas desde o início da educação básica, bem como o

interesse, o caminho e a constituição como docentes na educação da infância.

Nessas narrativas também faço alusão aos episódios da participação no GEProMAI

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120

que as próprias professoras consideraram relevantes para suas aprendizagens e

desenvolvimento profissional.

É relevante salientar que, tanto nas narrativas de aprendizagem quanto

nas de desenvolvimento profissional, busquei captar e trazer ao leitor não apenas o

que ficou explícito, mas os indícios de aprendizagem e desenvolvimento profissional

dos professores (GINZBURG, 1999). Quando menciono “indícios”, refiro-me ao

paradigma indiciário enunciado por este autor, que auxilia metodologicamente na

investigação, a partir da observação de pistas, indícios, marcas, sinais, que nem

sempre são perceptíveis de imediato.

Considero pertinente ressaltar, ainda, que após a finalização das

narrativas de desenvolvimento profissional as análises foram enviadas a essas

professoras, protagonistas desta investigação, para que tivessem oportunidade de,

antes da entrega versão final, discutir, alterar e validar, ou não, os sentidos

expressos pela minha interpretação de suas histórias. Após as considerações

dessas professoras a tese como um todo foi compartilhada em um encontro do

GEProMAI com todos os participantes, momento no qual a pesquisa foi validada

pelo grupo.

É importante salientar que compartilhar o texto produzido com os

participantes do grupo que tornaram essa investigação possível, além de ser uma

atitude ética, faz parte do movimento da pesquisa narrativa: “[...] pedimos aos outros

que leiam nosso trabalho e que respondam de maneira a auxiliar-nos a ver outros

sentidos que poderiam levar a outras recontagens” (CLANDININ e CONNELLY,

2011, p. 96).

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121

4 GEProMAI: UM CAMINHO E UM CONTEXTO PARA ESTUDAR GRANDEZAS

E MEDIDAS COM PROFESSORES

Neste capítulo, narro como se deu a constituição do grupo e a criação do

nome GEProMAI, marcos importantes na história dele. Relato também aspectos da

dinâmica dos encontros e os elementos que sustentam as práticas desenvolvidas e

que se relacionam com os interesses de estudo desta tese.

4.1 A constituição do GEProMAI: entrelaçamento de sonhos e inspirações

Para iniciar uma descrição sobre o trajeto que percorri para organizar o

delineamento da pesquisa, considero relevante ressaltar que foi um processo que

envolveu diferentes influências e inspirações. Destaco neste momento que, a partir

daqui, o texto virá escrito ora na primeira pessoa do singular (quando indicar uma

narrativa da pesquisadora) ora na primeira pessoa do plural (quando indicar ações

da pesquisadora com a professora do Ensino Superior, ou do grupo como todo, ou

ainda a interlocução da pesquisadora com pessoas em diferentes contextos como,

por exemplo, com o grupo de pesquisa Prática Pedagógica em Matemática -

PRAPEM). Com isto, pretendo garantir a voz de todas pessoas envolvidas neste

trabalho.

Inicialmente, de acordo com a minha preocupação com o tema Grandezas

e Medidas a partir das experiências pessoais como docente e como gestora, já

relatadas anteriormente, o que eu havia imaginado para o trabalho com os

professores era a organização de um “curso de formação” ou “curso de

capacitação”, com propostas de estudos teóricos, desenvolvimento de atividades em

sala e sua posterior discussão, com o intuito de verificar o que poderia (ou não)

contribuir com o trabalho na escola. Acredito que a concepção de formação que eu

tinha em mente naquele momento estava próxima do modelo clássico, na

perspectiva discutida por Megid Neto, Jacobucci e Jacobucci (2007), pois eu havia

pensado em propor “atividades idealizadas, elaboradas e realizadas sem incluir o

professor aluno do programa de formação na discussão das mesmas” (p. 78). Ou

ainda, possibilitar uma formação numa perspectiva colonizadora, como denominam

Fiorentini e Carvalho (2015), buscando cooptar professores da escola básica para

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122

fazer parte um projeto de pesquisa, propondo a apropriação de conhecimentos

acadêmicos, e na sequência sua aplicação na prática escolar.

A partir do diálogo constante nos momentos de orientação e também da

participação no grupo de pesquisa PRAPEM, comecei a estudar sobre outros modos

de conceber e realizar a formação dos professores que ensinam Matemática na

Educação Básica. Essa interação com a literatura e com os pesquisadores me

instigou. Aquelas convicções iniciais cederam lugar à dúvida e passaram a ter outro

sentido, ou mesmo começaram a fazer sentido e a dialogar com a experiência que

eu tinha até então.

Tais inquietações me fizeram refletir sobre os modelos de formação que

eu conhecia e questionar se os cursos planejados e desenvolvidos por agentes

externos à escola - em que uma ou duas pessoas definem os textos a serem

estudados, propõem as atividades a serem realizadas, determinam a forma como

cada tema é abordado - atendem às necessidades e aos interesses dos professores.

Essas questões me fizeram pensar que, se esse fosse o melhor modelo de

formação, várias dificuldades no ensino da Matemática já teriam sido superadas,

pois nas redes de ensino, inclusive aquela na qual atuei como gestora, os

professores “recebiam” ou “passavam” por programas de capacitação, e às vezes as

práticas de sala de aula eram mudadas apenas em decorrência da solicitação do

formador, ou da tarefa a ser apresentada para o curso. Terminada a formação,

alguns professores inseriam em maior ou menor grau algum elemento do curso no

seu dia-a-dia na escola, enquanto outros retomavam suas práticas anteriores.

Todavia é importante enfatizar que não tenho a intenção de desqualificar

ou desconsiderar a importância dos cursos, seminários, congressos e outros eventos

como parte integrante do processo de formação docente. Porém, acredito ser

necessário que o professor conheça os objetivos dos mesmos e que estes estejam

alinhados aos seus interesses e necessidades, a partir de seus próprios desejos de

aprendizagem e de sua própria voz, não sendo impostos.

As interlocuções realizadas, tanto com o PRAPEM quanto com outros

contextos de formação vivenciados no curso de pós-graduação, me fizeram pensar

que os diversos cursos de formação desenvolvidos durante minha gestão na

Secretaria de Educação podem ter sido pouco significativos para grande parte dos

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123

professores. Possivelmente os docentes sustentavam suas práticas de ensinar

elementos já conhecidos, o que talvez lhes trouxesse maior segurança.

Participando do PRAPEM, em 2013, já nos primeiros encontros, observei

por diversas vezes que ao comentarem sobre a formação ou atuação dos

professores na escola básica, os participantes, tanto os formadores da universidade

quanto os pesquisadores em formação como eu, indicavam alguma experiência do

Grupo de Sábado (GdS). Comecei a ficar intrigada e a pensar sobre o que seria

esse grupo. O que existiria de tão especial nesse grupo que era sempre exemplo

positivo para tanta coisa? Quem eram essas pessoas e o que elas tinham de tão

interessante?

Para melhor entender esse espaço, busquei a literatura produzida pelo e

sobre o GdS. A partir das leituras, percebi que este se constitui em um grupo de

estudos, formado em 1999, que congrega professores de Matemática de escolas

públicas e particulares, acadêmicos (professores universitários, mestrandos e

doutorandos) oriundos de comunidades diferentes e que possuem interesses

diversos, mas que têm em comum a prática pedagógica em Matemática (Fiorentini,

2010).

Conhecer um pouco da trajetória do GdS, conversar com alguns

participantes e ter contato com algumas de suas práticas me trouxeram um certo

encantamento e me fizeram refletir sobre os propósitos da minha pesquisa. Assim

considerei que, ao invés de propor um curso com referenciais e atividades já

formatados, seria mais interessante e apropriado organizar um grupo de estudos, no

qual as pessoas se voluntariassem a participar e pudessem, juntamente comigo,

pensar aspectos relevantes sobre o ensinar e o aprender Matemática, em especial

as Grandezas e Medidas, considerando o contexto de sala de aula e suas

necessidades, e valorizando também o embasamento teórico que fundamenta esse

processo.

A partir dessas minhas aprendizagens e do meu entusiasmo com esse

modo diferente de conceber o processo formativo docente baseado no diálogo, na

participação e na negociação de significados, numa perspectiva de

desenvolvimento profissional do professor, eu e a Professora Dora, que leciona no

Ensino Superior e possui experiência em pesquisa e docência na formação inicial e

continuada de professores, começamos a planejar e organizar meu trabalho de

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campo, que saiu de uma perspectiva de formação para os professores para um

trabalho de formação com os professores.

Depois de dialogarmos sobre essas questões, e considerando que as

concepções que Dora possuía com relação à formação docente e ao ensino e à

aprendizagem da Matemática na/para infância se aproximavam das minhas, recém

descobertas, começamos a pensar como poderíamos reunir professores e/ou futuros

professores para estudar Matemática, tendo como um dos focos o tema Grandezas

e Medidas.

4.2 Constituição de um grupo de estudos: um sonho compartilhado

A constituição do grupo de estudos, que se configurou no contexto desta

pesquisa, se deu a partir do compartilhamento do desejo que diversas pessoas que

se empenharam para que este sonho (sim, sonho de professores, como indicarei

adiante) fosse concretizado.

Iniciamos nossa história a partir da decisão de que gostaríamos de

organizar um grupo de professores para estudar a Matemática desenvolvida na

Educação Básica inicial, que compreende Educação Infantil e anos iniciais do

Ensino Fundamental, como relatado na abertura desta sessão. Este era um desejo

antigo da Professora Dora, enquanto formadora de docentes. Essa intenção já havia

sido comentada com alunas(os) de diferentes turmas do curso de Pedagogia da

universidade onde leciona, por diversas vezes, momentos esses em que foi possível

observar o interesse na participação por parte das estudantes. Essa situação veio ao

encontro de minha motivação para investigar a aprendizagem e o desenvolvimento

profissional dos professores que ensinam Matemática na infância em um contexto de

grupo de estudos. Diante das possibilidades que emergiam ao encontrar pessoas

com interesses comuns, consideramos que seria o momento de materializar esse

desejo.

Para constituirmos o grupo, fizemos um contato inicial por e-mail com

estudantes egressos do curso de Pedagogia da universidade onde a Professora

Dora, que atua como docente e pesquisadora. Também convidamos pessoalmente

os professores que participavam do CECIM (Curso de Especialização em Ensino de

Ciências e Matemática) no qual atuei como monitora das disciplinas relacionadas à

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Matemática. Depois do contato inicial, recebemos retorno de algumas professoras

que manifestaram interesse em participar do grupo, o que nos motivou a marcar o

nosso primeiro encontro.

No dia 10 maio de 2014, em um sábado, no período da manhã, ocorreu o

primeiro encontro do grupo. Lá estiveram presentes duas professoras egressas da

Pedagogia, uma terceira que cursava o CECIM, a professora Dora e eu. Após as

apresentações iniciais, conversamos sobre nosso interesse em estudar e refletir

sobre o ensino e a aprendizagem da Matemática na Educação Infantil e nos anos

iniciais do Ensino Fundamental. Consideramos que os encontros seriam

importantes, tanto para pesquisar e buscar compreender como vem se

desenvolvendo o ensino da Matemática na escolarização inicial, quanto para

problematizar as práticas de ensinar e aprender, buscando desenvolver uma

maneira de lecionar Matemática que fosse significativa para professores e alunos.

Naquela ocasião, explicamos também que o grupo se constituiria num

contexto de investigação sobre a aprendizagem e desenvolvimento profissional

docente para a pesquisa de doutorado desenvolvida por mim, vinculada ao

programa PECIM Unicamp. Na sequência, definimos o cronograma dos encontros.

Combinamos de reunirmo-nos quinzenalmente às terças-feiras das 19h às 21h, e

que iniciaríamos os estudos a partir do tema Grandezas e Medidas.

No primeiro encontro com as pessoas que seriam participantes do

GEProMAI, observei que, daquele grupo inicial, eu conhecia apenas a Professora

Dora e a Professora Karina, esta última por cursar o CECIM. Fui então apresentada

às outras docentes presentes. Naquele momento percebi que todas as professoras,

inclusive eu, tínhamos a Professora Dora como referência importante em nosso

processo formativo, especialmente no que se referia à Matemática. Sua presença no

grupo conferia uma seriedade àquela proposta e se configurava como uma

possibilidade real de que as aprendizagens seriam muitas.

No encontro inicial, e em alguns subsequentes, o grupo era formado

apenas por professoras, e pude observar que já existia uma forte relação de respeito

entre a Professora Dora e as demais participantes que já haviam sido suas alunas, e

alguns vínculos de amizade entre as professoras. Percebi que eu, enquanto

pesquisadora, era um elemento novo naquele contexto. Minha aproximação deveria

ser gradual, seriam necessários tempo e espaços de participação para minha

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integração e para aprofundar minha relação com o grupo. Essa sensação inicial me

remeteu ao que diz Clandinin e Conelly (2011) sobre a entrada do pesquisador no

campo da pesquisa: “a vida dos participantes, no sentido de que os estreitamentos

não começam no dia em que chegamos, nem termina quando partimos” (p. 99).

Ficou acordado no grupo que não pretendíamos oferecer um “curso

fechado”, formatado. Salientamos que, embora houvesse um tema geral inicial

sugerido por nós, as práticas do grupo seriam construídas coletivamente, a partir das

contribuições de todas. Consideramos que muitas ações poderiam ser

desenvolvidas, tais como: leitura de diferentes textos, discussões, reflexões e

problematizações sobre as práticas docentes, planejamento de atividades para

Educação Infantil e anos inicias do Ensino Fundamental para serem desenvolvidas

com as crianças, além de outras situações ou possibilidades que se configurassem

como elementos que poderiam desencadear nossa aprendizagem.

Outro aspecto importante negociado com as participantes foi o de que,

embora estivéssemos atuando num espaço fronteiriço entre universidade e escola, a

participação seria totalmente voluntária, pois não seria possível, ao menos a

princípio, a emissão de certificados pela universidade. Também salientamos que

necessitaríamos das autorizações das participantes e de suas assinaturas no

“Termo de consentimento livre e esclarecido” por respeito aos procedimentos éticos

da pesquisa. Obtivemos essas autorizações, a princípio, oralmente e,

posteriormente, por escrito.

Conversamos com as integrantes do grupo sobre o modo como os

encontros seriam realizados, enfatizando que teriam um caráter aberto, podendo

contar com a participação de outros professores convidados por elas, e que a

frequência e a permanência no grupo também seriam voluntárias. Esclarecemos que

tínhamos a intenção de que os participantes se envolvessem de modo ativo nas

ações propostas, que fôssemos parceiros na aprendizagem, buscando desenvolver

características de colaboração, compreendendo que nesse processo cada indivíduo

participa da maioria das decisões, define metas, estratégias, tarefas e avalia o

resultado delas tendo consciência de que a participação é algo importante para cada

um e para o grupo como um todo (FERREIRA, 2003).

Coletivamente, decidimos que os acontecimentos dos encontros deveriam

ser registrados a partir de um relato escrito de um dos participantes. Não havia um

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modelo, cada professora poderia destacar os aspectos que considerasse

importantes, colocar suas opiniões a respeito dos assuntos discutidos, suas

aprendizagens (ou não aprendizagens), dúvidas, as decisões tomadas, indicações

de leituras e atividades, recados para o encontro seguinte, enfim, tudo aquilo que,

em sua perspectiva, era considerado relevante. Dessa forma teríamos um texto ao

qual poderíamos recorrer sempre que precisássemos e que traria os caminhos

percorridos pelo grupo no decorrer do tempo. Esse registro também contribuiria

para que os futuros participantes pudessem acompanhar nossa trajetória. No

primeiro encontro, uma das participantes, a Professora Laís, se voluntariou a

organizar esse registro, e nesse início percebemos seu entusiasmo ao assumir uma

tarefa relevante.

A partir daquele momento, em maio de 2014, demos início à história do

nosso grupo. Como já indiquei, o GEProMAI teve uma participação flutuante desde a

sua criação, e um grupo que inicialmente era exclusivamente feminino, depois de

alguns encontros passou a contar com também com a participação de professores.

A cada semestre, tivemos alterações no grupo com relação à composição e ao

número de participantes. Alguns professores participaram ativamente em um dos

semestres, mas não puderam participar dos encontros no período seguinte. Há

também pessoas que estiveram presentes em apenas dois ou três encontros, mas

que, ainda assim, participaram ativamente das discussões realizadas.

Além do momento de constituição propriamente dito, que teve seu marco

inicial em maio de 2014, outra ocasião importante para o grupo foi quando decidimos

que deveríamos adotar um nome. Criar um nome que representasse quem éramos,

em que acreditávamos e o que fazíamos foi fundamental para diversas práticas do

grupo, que serão comentadas mais adiante. Na sequência, destaco o momento da

escolha do nome.

4.3 GEProMAI: este é o nome que nos representa

Considero relevante trazer, em destaque, como ocorreu a escolha do

nome GEProMAI para o grupo, porque ter um nome foi marcante para os

participantes, ter um nome nos aproximou e fortaleceu os vínculos de amizade,

ampliou nosso sentimento de pertencimento a essa comunidade.

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No primeiro encontro do segundo semestre de 2014, dia 05 de agosto, a

Professora Laís sugeriu que o nosso grupo deveria receber um nome. Todos

concordarmos com a proposta, pois consideramos que participar de um grupo de

estudos que possuísse um nome nos auxiliaria na constituição de uma identidade

coletiva, que favoreceria nosso sentimento de pertencimento a ele e possibilitaria

uma referência significativa para muitas situações. Surgiram várias propostas como:

Grupo de Estudos em Educação Matemática, Matemática na Educação Infantil e

Ensino Fundamental, Grupo Matematizar e, por fim, Grupo de Estudos: Professores

Matematizando nos Anos Iniciais – GEProMAI, o nome que adotamos.

A ideia de colocar “anos iniciais” no nome se deu com o intuito de

contemplar estudos relacionados à Educação Infantil e ao Ensino Fundamental I,

pois são os anos iniciais de Educação Básica. Mas antes de tomarmos o nome como

definitivo, combinamos de consultar os demais professores, ausentes no dia, para

saber se aprovavam ou se teriam alguma outra sugestão. Essa consulta foi realizada

por e-mail e todos concordaram que GEProMAI seria o nome que representaria o

nosso grupo.

A adoção de um nome possibilitou a constituição de uma identidade pelos

participantes e serviu como referência para situações como localização dos

participantes no espaço da universidade, para que outras pessoas pudessem nos

encontrar e interagir conosco, e para nossas apresentações em eventos dos quais

participamos. Possuir um nome nos permitiu, ainda, criar um site específico do grupo

e dizer “quem somos”, como está escrito na página inicial, em texto produzido por

uma participante e aprovado por todos em um dos encontros, que transcrevo a

seguir:

O GEProMAI (Grupo de Estudos: Professores Matematizando nos Anos Iniciais), nasceu em maio de 2014, como fruto de um sonho antigo das alunas do curso de Pedagogia da Pontifícia Universidade Católica, de Campinas. Tal sonho se reafirmou nos anseios de outras professoras, da Educação Infantil e do Ensino Fundamental que, buscando sempre o conhecimento e novas formas de ensinar às suas crianças, também incentivaram as professoras de Matemática, Maria Auxiliadora (Dora) e Alessandra, a tornarem este sonho coletivo uma realidade. (Excerto extraído da página inicial do site http://gepromai.wix.com/gepromai, inscrito nele em 02 de abril de 2016).

Acredito que, com o passar do tempo, o nome GEProMAI tem se

consolidado e vem sendo assumido pelos participantes como um espaço de

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formação continuada, de aprendizagem e de desenvolvimento profissional de

professores que ensinam Matemática na/para a infância.

Durante os encontros do GEProMAI, desenvolvemos estudos e ações que

foram se tornando características do grupo. A necessidade e a importância da

escrita de narrativas sobre as aprendizagens, as narrativas individuais e

colaborativas sobre os encontros, a produção de saberes por meio de investigações

e discussões sobre as práticas do contexto escolar, a socialização de nossas

aprendizagens, saberes e ações em um site próprio e em eventos educacionais,

eram aspectos valorizados por todos os participantes, e são destacados na

sequência deste texto.

4.4 Os encontros do GEProMAI

Durante os dois primeiros anos de existência do GEProMAI, até o

encerramento do primeiro semestre de 2016, tivemos 41 encontros com duração

aproximada de duas horas e 15 minutos, totalizando, aproximadamente, 90 horas de

estudos e interlocuções presenciais. Muitas vezes nossas reuniões ultrapassavam o

número de horas estabelecido. As conversas sobre a Matemática, a educação, a

escola, as crianças, se estendiam em tempo e em espaço. Os encontros eram

quinzenais e realizados às terças-feiras, das 19h às 21h15min no ano de 2014 e às

quintas-feiras, no mesmo horário, durante o primeiro e segundo semestres de 2015.

No primeiro semestre de 2016, passamos a nos reunir às quartas-feiras, no mesmo

horário. As alterações nos dias do encontro ocorreram em virtude dos compromissos

dos professores com suas escolas, como os horários de trabalho pedagógico, ou de

outras atividades assumidas pelos participantes a cada semestre.

Habitualmente, no primeiro encontro de cada semestre, elaborávamos o

cronograma de estudos. A partir das questões que os professores traziam das

escolas e de seus interesses, os encontros eram organizados. Geralmente eram

planejadas reuniões que possibilitassem a problematização da complexidade das

práticas docentes e a busca de alternativas ao ensino e à aprendizagem da

Matemática na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental. A partir do

que emergia das práticas e da indicação dos participantes, procurávamos

estabelecer interlocuções com referenciais teóricos da Educação Matemática. Desde

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o momento do planejamento das ações, a participação de todos era valorizada,

evidenciando indícios de colaboração na prática do grupo.

Embora tivéssemos uma agenda definida inicialmente, o cronograma era

flexível, possibilitando que um assunto fosse estudado por um período maior que o

previsto inicialmente, ou que fossem inseridos assuntos ou temas emergentes, como

a produção coletiva de um texto para participação em um evento. A agenda se

configurava como uma referência para nossa organização, não como um plano

rígido a ser cumprido.

Nos primeiros encontros do GEProMAI, a Professora Dora e eu atuamos

na coordenação das ações, indicando textos para leituras, sugerindo atividades a

serem adaptadas ou criando propostas a serem desenvolvidas com as crianças e

problematizadas no encontro. Entretanto essa prática foi rapidamente substituída por

uma dinâmica em que os participantes iniciavam os encontros com propostas,

relatavam espontaneamente suas práticas, sugeriam textos para leitura e

compartilhavam informações sobre eventos passíveis de participação.

Consideramos que, logo no final do primeiro semestre de 2014, o grupo começou a

desenvolver uma liderança compartilhada, na perspectiva apresentada por Fiorentini

(2004, p. 57) que ocorre “quando o próprio grupo define quem coordena

determinada atividade, podendo haver um rodízio nessa tarefa, entre os membros do

grupo”.

Após alguns encontros, devido ao respeito, ao diálogo, à participação e às

interações com os participantes em diferentes momentos e espaços, presenciais e

virtuais, eu comecei a desenvolver um sentimento de pertencimento ao GEProMAI,

era como se eu também conhecesse aquelas professoras há muito tempo.

Como já mencionado, o GEProMAI é um grupo que foi sonhado por

diferentes pessoas, com interesses diversos, mas com um objetivo comum: estudar

Matemática para que fosse possível ensiná-la de um modo melhor, que tivesse

sentido e significado para as crianças. Nessa direção, enfatizo que, embora esse

grupo se configure como o contexto investigativo da presente pesquisa, sua

existência não está atrelada à realização deste estudo. O grupo tem se dedicado a

estudar outros temas matemáticos, não mais Grandezas e Medidas, e se mantém

firme em sua prática, buscando novas alternativas para os desafios de ensinar e

aprender Matemática, que emergem dos interesses de seus integrantes.

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É relevante ressaltar que os docentes do GEProMAI não foram apenas

participantes do nosso estudo. A intenção era a de que os professores participassem

de um processo significativo de formação, que possibilitasse aprendizagens e

contribuísse com o desenvolvimento profissional deles. Também era nosso desejo

que, de algum modo, os estudos e as práticas discutidos e vivenciados no grupo

favorecessem as práticas de sala de aula e atingissem os alunos.

Da maneira como tem ocorrido os trabalhos do grupo, é possível inferir

que as crianças nas escolas estejam sendo afetadas pelo GEProMAI por meio das

transformações das práticas dos professores que o integram, em consequência da

dinâmica e das práticas de formação desenvolvidas no e pelo grupo, e que serão

detalhadas na sequência desta sessão.

4.5 A dinâmica dos encontros e as práticas desenvolvidas no GEProMAI

O GEProMAI vem se constituindo como um grupo colaborativo à medida

que percebemos semelhanças dele com a literatura sobre o tema, como o fato de

que os participantes são dispostos a compartilhar espontaneamente algo de

interesse comum, apresentando olhares e entendimentos diferentes sobre os

conceitos matemáticos e os saberes didático-pedagógicos, e sobre experiências

relativas ao ensino e à aprendizagem da Matemática (FIORENTINI, 2004). Ao lado

disso, o grupo possui uma dinâmica que possibilita uma agenda de trabalho e

estudos alinhada aos interesses dos professores da escola básica.

O GEProMAI, enquanto grupo de estudos, vem sendo construído pelos

seus participantes ao longo do tempo e se caracteriza também pelo seu

inacabamento e incompletude. Não é possível descrevê-lo como é, mas sim como

está. Nos dois anos de minha participação no grupo, desenvolvemos práticas

formativas que emergiram do contexto da escola básica e que mobilizaram a

aprendizagem e o desenvolvimento profissional dos professores que realizaram tais

práticas e dos formadores desses professores, segmento no qual me insiro e

também incluo a Professora Dora, que participa do grupo.

Sobre as práticas desenvolvidas pelo GEProMAI ao longo desses dois

anos, é relevante destacar que o grupo foi também lócus de produção de

conhecimentos, não apenas no que se refere ao desenvolvimento de diferentes

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práticas de ensinar e aprender Matemática na infância, mas também nos modos de

interação e comunicação entre os participantes, na utilização de diferentes

ferramentas que possibilitam a formação docente e até mesmo da produção desta

pesquisa. Nesse sentido, destaco no diagrama a seguir, os elementos constitutivos

de formação e produção GEProMAI desenvolvidos ao longo desses dois anos.

A compreensão de que é importante planejar intencionalmente práticas

educativas que possibilitem a aprendizagem e o desenvolvimento da criança,

propiciando que estas se apropriem ao máximo das qualidades humanas,

respeitando as condições biológicas, psíquicas e a cultura infantil, sem a intenção de

acelerar o desenvolvimento infantil e de escolarizar as crianças pequenas, se

constitui num dos princípios fundamentais das ações do GEProMAI.

Figura 2 - Elementos que constituem o GEProMAI

Fonte: elaboração da pesquisadora

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Inicio o diagrama com o nome do grupo. Logo a seguir, destaco

elementos fundamentais para a organização das práticas iniciais do grupo, que

começou suas atividades a partir das discussões relacionadas aos currículos da

Educação Infantil e anos Iniciais do Ensino Fundamental, e quais práticas docentes

eram utilizadas para trabalhar Matemática nessas etapas educacionais. O bloco

Grandezas e Medidas foi destacado no currículo em decorrência da relação com

esta pesquisa, e por ter sido o tema inicial de formação e produção de

conhecimentos pelos participantes do grupo.

A palavra “narrativas” foi inserida num quadro maior como envolvendo

todos os elementos do GEProMAI em decorrência de sua importância na

consolidação das práticas desenvolvidas pelo grupo. As narrativas tornam possíveis

e materiais o significado das experiências vivenciadas individual e coletivamente.

É relevante destacar que, para a representação neste diagrama, optei

por organizar as práticas em elementos constitutivos de produção e de formação.

Tais elementos se encontram em áreas pontilhadas e interseccionadas com o intuito

de evidenciar que não existe uma separação real entre eles, não são dois polos

distintos. Essas práticas podem ser compreendidas como complementares, pois

todas as que são descritas como elementos de produção podem contribuir para a

aprendizagem e o desenvolvimento profissional do professor. De outra parte, os

elementos de formação constituem-se em práticas que sustentam a produção de

conhecimentos pelo grupo.

Por exemplo, para os participantes do grupo preparem um trabalho a ser

apresentado em um evento, que habitualmente refere-se a uma prática desenvolvida

em sala de aula, é necessário estudar referenciais teóricos relacionados ao tema,

conhecer materiais utilizados para desenvolvê-la, analisar as aprendizagens

produzidas e, por fim, elaborar um texto para ser avaliado pela comissão do evento.

Todo esse processo, embora se materialize em um texto, uma produção, mobilizou

diferentes aspectos do processo formativo (estudos, análise da prática docente,

exploração de material) constituindo-se também em um exercício altamente

formativo.

Entre esses dois blocos estruturados pelas práticas, encontram-se os

meios pelos quais o GEProMAI se estabelece como um centro de convergência – de

interlocução - que capta as informações desses elementos e também fornece

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subsídios para que se efetivem enquanto ação. Nesse centro, destacamos os

encontros presenciais do grupo realizados quinzenalmente, as comunicações via

redes sociais (quase diárias), especialmente o WhatsApp9 - que tem sido uma

ferramenta importante de comunicação entre os participantes -, a criação e

atualização do site do grupo, que concentra grande parte das informações sobre as

ações nele vividas, tais como: apresentação dos participantes, os registros dos

encontros, a participação dos professores do grupo em eventos com a

apresentação de trabalhos, os textos estudados ao longo do tempo. Todos esses

aspectos sintetizam a dinâmica de encontros presenciais e em ambientes virtuais

que edificam o GEProMAI.

Como elementos constitutivos de produção, elegi as ações do grupo que

se materializaram concretamente em textos escritos com diferentes finalidades.

Nesse sentido, destaquei as narrativas individuais, as narrativas colaborativas, as

atividades elaboradas a partir das discussões coletivas e também as propostas que

um ou mais participantes tenham desenvolvido com suas crianças e trazido para

serem problematizadas no grupo. Evidenciei neste bloco, ainda, os textos

elaborados para serem apresentados em eventos e artigos a serem publicados.

Essas produções regularmente relacionam-se aos assuntos ou propostas que

emergiram dos encontros.

Os elementos constitutivos de formação foram organizados de modo a

destacar as ações de estudo realizadas pelos participantes. Neste bloco são

evidenciadas as leituras críticas de textos teóricos e documentos oficiais

relacionados à Matemática na infância; a exploração de materiais concretos,

atividades e as discussões sobre as potencialidades delas para o ensino e a

aprendizagem da Matemática, e as análises dos registros de práticas realizadas no

contexto educativo seguido da problematização das mesmas.

Na sequência, detalho as práticas formativas desenvolvidas pelo grupo,

que se configuram também como um processo de produção de dados importantes

para a elaboração dos textos desta pesquisa.

9 WhatsApp Messenger é um aplicativo de mensagens multiplataforma que permite trocar mensagens

pelo celular sem pagar. Para maiores informações consulte: https://www.whatsapp.com/?l=pt_br

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4.6 As narrativas como práticas de aprendizagem e desenvolvimento

profissional do professor

A escrita de narrativas foi uma das primeiras práticas de formação

desenvolvidas no GEProMAI. A proposta de escrever sobre os acontecimentos dos

encontros e as aprendizagens pessoais e a de produzir relatos reflexivos sobre

situações de ensinar e aprender Matemática com as crianças nas escolas partiu da

professora Dora, pela experiência decorrente de sua pesquisa de doutorado

(MEGID, 2009), e também de sua atuação como formadora de professores que

ensinam Matemática em cursos de graduação e pós-graduação.

Para Megid (2009), inserir as narrativas no percurso formativo de

professores é importante devido a dois aspectos principais: o primeiro decorre da

possibilidade de fazer aflorar dos envolvidos suas situações interiores,

possibilitando-os rememorar momentos de frustração e angústia, considerando que

o fato de fazê-los emergir facilita a retomada de antigas lacunas decorrentes da

aprendizagem anterior; o segundo aspecto refere-se à importância de descrever as

ações realizadas no curso das atividades, pois para elaborar narrativas do que foi

vivenciado, é necessário desembaralhar os procedimentos, considerar cada nuança

do processo usado para chegar a uma resposta ao problema que se apresenta.

Nessa perspectiva, a escrita de narrativas possibilita a aprendizagem docente por

meio da ressignificação, pois, ao escrever sobre as questões destacadas por Megid

(2009), os professores podem estabelecer um novo significado, uma nova

interpretação dos conteúdos matemáticos e outros conhecimentos necessários à

profissão docente.

As narrativas escritas coletivamente, desenvolvidas em ambiente de

colaboração online, embora menos investigadas que as narrativas produzidas

individualmente, também têm se mostrado importantes no processo de

aprendizagem. Para Axt et al. (2001) as ferramentas de produção em colaboração

têm propiciado condições favoráveis à negociação de sentidos, à cooperação no

trabalho, ao respeito às individualidades, aos tempos de cada um, possibilitando

novas produções. O narrador (autor), ao mesmo tempo em que escreve seu próprio

texto, se mantém imerso no contexto de formação em virtude da interlocução com os

demais autores usuários da tecnologia.

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Diversos autores destacam a escrita de narrativas como um modo

bastante fecundo e apropriado de os docentes produzirem saberes ligados à

experiência e de transmiti-los aos seus colegas. Nesse sentido, Connelly e Clandini

(1995) evidenciam que:

[...] nós seres humanos somos organismos contadores de histórias, organismos que, individualmente e socialmente, vivemos vidas relatadas. O estudo da narrativa, portanto, é o estudo da forma como os seres humanos experienciam o mundo (CONNELLY; CLANDININ, 1995, p. 11).

Para Galvão (2005), a narrativa se constitui como elemento importante no

processo de reflexão pedagógica e de formação docente. Para a autora:

A narrativa como processo de reflexão pedagógica permite ao professor, à medida que conta uma determinada situação, compreender causas e consequências de atuação, criar novas estratégias num processo de reflexão, investigação e nova reflexão. A narrativa é também um processo de interação com o outro, e nessa medida ajuda-nos a compreender qual o papel de cada um de nós na vida dos outros [...]. A narrativa como processo de formação evidencia a relação investigação/formação, pondo em confronto saberes diferenciados, provenientes de modos de vida que refletem aprendizagens personalizadas (GALVÃO, 2005, p. 343).

No Brasil, diversos pesquisadores têm dado ênfase à escrita de narrativas

nos processos de formação inicial e continuada do professor que ensina Matemática.

Essa prática vem se configurando como um modo de promover a aprendizagem

docente. Nesse sentido, Freitas e Fiorentini (2007), destacam que é natural adotar a

narrativa para procurar dar sentido a uma experiência educativa. Os autores

salientam que as experiências de contar e narrar ao outro podem ajudar na

aquisição do conhecimento matemático, e que as narrativas desempenham um

duplo papel no processo de formação do professor, vendo:

[...] primeiramente, a narrativa como um modo de refletir, relatar e representar a experiência, produzindo sentido ao que somos, fazemos, pensamos, sentimos e dizemos. [...] e a narrativa como modo de estudar/investigar a experiência, isto é, como um modo especial de interpretar e compreender a experiência humana, levando em consideração a perspectiva e interpretação de seus participantes (FREITAS; FIORENTINI, 2007, p. 63).

Especificamente com relação à elaboração de narrativas por futuros

professores de Matemática, Freitas (2006), a partir da experiência vivenciada

quando realizou sua pesquisa de doutorado, acompanhando uma disciplina com

uma proposta que privilegiava o registro escrito de pensamentos e ideias pelos

estudantes da licenciatura, observou que, ao escrever sobre práticas vivenciadas no

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passado e no presente, os futuros professores perceberam mudanças em suas

concepções sobre a Matemática e seu ensino, especialmente quando a resolução

com símbolos e fórmulas passava a exigir uma maior compreensão, a qual poderia

ser expressa por meio de linguagem discursiva. Para a autora, essa abordagem

pedagógica permitiu aos participantes da pesquisa a oportunidade de se atentarem

para outras possibilidades de práticas, em que formas diversas de expressão de

ideias podem complementar e produzir significados no ambiente de ensino e

aprendizagem.

A aprendizagem da docência em Matemática de estudantes de um curso

de Pedagogia é destacada por Megid e Fiorentini (2011) a partir da experiência da

realização de atividades exploratório-investigativas e da escrita de narrativas pelos

futuros professores sobre seu processo de aprender. Para os autores, as narrativas

de aprendizagem propiciaram aos participantes do estudo o conhecimento de si, a

problematização e a reconstrução de saberes relacionados aos conteúdos

matemáticos abordados no curso, bem como a diversificação dos modos de ensiná-

los. Além disso, possibilitam também autoconfiança e uma relação mais positiva com

a Matemática pelos estudantes. A aprendizagem por meio da escrita de narrativas é

assim destacada por Megid e Fiorentini (2011):

As reflexões sobre nossas experiências proporcionam aprendizagens. Entretanto, a experiência por si só não apresenta conhecimento; precisa estar acompanhada de atos mentais, da reflexão, pois assim será passível de atribuição de sentidos e significados, tornando-se objeto de conhecimento. O processo de escrita pode ser visto como uma experiência que proporciona reflexões sobre as ações mentais, abrindo espaço, para o estudante, à construção de caminhos novos, mais produtivos e próprios para aprender.

A escrita de narrativas é compreendida também como um modo de

possibilitar o desenvolvimento profissional do professor. Nessa perspectiva, Lopes

(2014) destaca o papel dessa abordagem no processo de formação continuada de

professores que ensinam Matemática:

Os professores, quando contam histórias sobre algum acontecimento do seu percurso profissional fazem algo mais do que registrar esse acontecimento; acabam por alterar formas de pensar e de agir, motivam-se para modificar suas práticas e mantêm uma atitude crítica e reflexiva sobre seu desempenho profissional. Por meio da construção de narrativas, os professores reconstroem suas próprias experiências de ensino e aprendizagem e os seus percursos de formação (LOPES, 2014, p. 855):

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Os estudos apresentados colocam em evidência as potencialidades das

narrativas para a aprendizagem e o desenvolvimento profissional de professores e

futuros professores. Para os autores das investigações citadas (FREITAS e

FIORENTINI, 2007; FREITAS, 2006; MEGID e FIORENTINI, 2011; LOPES, 2014), a

escrita de narrativas se constitui em um modo importante de produzir significados

sobre a Matemática e sobre a docência. Nesse sentido, é importante que seja

integrada aos processos de formação inicial e continuada dos professores, inclusive

dos docentes que ensinam Matemática, pois ao narrar os acontecimentos de sala de

aula, as experiências diversas vivenciadas no contexto da escola, a sua relação

pessoal com a área, o professor interpreta acontecimentos e detalha aspectos de

sua própria aprendizagem, produz sentidos e ressignifica a experiência vivida,

aprendendo e desenvolvendo-se profissionalmente.

A partir do exposto, a escrita de narrativas foi introduzida no GEProMAI

como uma prática dialógica no processo formativo dos participantes, sendo

desenvolvida em diferentes momentos e de modos diversos no contexto do grupo,

como detalharei na sequência deste texto. Coletivamente, optamos por escrever

narrativas como uma das práticas de formação no grupo, com o intuito de propiciar a

aprendizagem e o desenvolvimento profissional dos participantes.

4.7 As narrativas individuais: aprendizagens no/com o grupo

As narrativas individuais sobre os encontros consistiam em registros

produzidos por um dos participantes, que relatava o que ocorria no dia da reunião,

questões debatidas, as aprendizagens pessoais, recados e outras informações que

o autor da narrativa considerasse interessantes. Esses registros eram socializados

através do e-mail coletivo do grupo. As narrativas escritas produzidas abordavam

especialmente as aprendizagens dos participantes a partir da realização de uma

atividade ou de um assunto discutido no encontro.

A importância de elaborar narrativas descrevendo ações realizadas no

decorrer das atividades do processo formativo é destacada por Megid (2009) ao

afirmar que a ação de escrever propicia a aprendizagem de muitos aspectos

relacionados à linguagem e também à Matemática. Ao escrever cada narrador

escolhe seu estilo, suas palavras e seus modos de expressar-se, e possibilita que

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sejam detectadas as aprendizagens e/ou dificuldades na compreensão de temas,

conceitos, entre outros.

No caso dos encontros do GEProMAI compreendo que para narrar as

vivências do grupo fazia-se necessária uma organização dos procedimentos, uma

tomada de posição com relação aos acontecimentos e uma produção escrita que

fosse compreensível e familiar ao grupo e que possibilitasse a aprendizagem

individual e coletiva. Além de formativos, esses textos constituíram-se em

importantes instrumentos de coleta de informações, pois neles estão descritos os

aspectos considerados relevantes para os participantes. Vale destacar que cada

autor enfatizou o que foi marcante para si no encontro.

4.8 Narrativas individuais: práticas de ensinar e aprender Matemática na/com

escola

As narrativas das práticas sobre ensinar a aprender Matemática na escola

constituem-se em relatos elaborados pelos professores, muitas vezes

acompanhados de imagens fotográficas e registros desenvolvidos pelas crianças,

que possibilitam reflexão e análise sistemática. Essas narrativas são oriundas de

práticas desenvolvidas a partir do planejamento individual de cada professor, ou de

planejamentos discutidos colaborativamente no grupo. Tais planejamentos,

posteriormente, são organizados como atividades de intervenção na prática,

considerando cada contexto escolar. Esses documentos se configuram como objeto

de reflexão e investigação pelos participantes do grupo.

4.9 As narrativas colaborativas

Produzir e fazer a leitura relatos narrativos sobre os encontros do grupo,

escrever, apresentar e analisar narrativas sobre as práticas de ensinar e aprender

Matemática para/com as crianças, registrar por meio de narrativas orais e escritas as

aprendizagens pessoais desenvolvidas decorrentes da participação e das

interlocuções com colegas e com os textos estudados, compuseram um modo

próprio de nossa organização no decorrer do processo formativo no GEProMAI.

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Entretanto, os participantes regularmente comentavam sobre o desejo de que os

encontros do grupo fossem mais frequentes, que nossas interlocuções fossem mais

intensas. Mas a escassez de tempo dos professores para participar de outros

momentos presenciais se constituiu em um limite e um desafio. Essa situação nos

mobilizou a buscar novos caminhos para conversar sobre aprender e ensinar

Matemática na infância, e diante disso buscamos nas ferramentas tecnológicas

novos modos de interação. Em decorrência disso, a escrita colaborativa e a rede

social WhatsApp passaram a fazer parte das nossas práticas de formação.

É importante destacar que a potencialidade formativa da produção de

textos colaborativos por professores é um assunto pouco explorado nos estudos que

abordam a escrita de narrativas em seu processo de formação. No presente

trabalho, denominamos “narrativas colaborativas” os textos que receberam a

interferência de outros participantes.

Como já mencionado, durante os encontros um dos participantes se

voluntariava a produzir a narrativa inicial sobre suas aprendizagens e assuntos

discutidos presencialmente no grupo e, posteriormente, disponibilizava-a na WEB

(Google Docs). Após avisar os demais participantes, cada um, em seu tempo e

disponibilidade, acessava o texto, fazia a leitura, complementava, tecia outros

comentários e/ou indicava acréscimos, deixava recados aos colegas e sugeria

leituras de outros textos. Ao editar o texto, o participante inseria seu nome e fazia

suas observações na narrativa produzida, porém ninguém podia excluir ou corrigir o

que fora escrito por outro colega. Se houvesse algo escrito de modo equivocado, os

outros participantes indicavam ao autor daquela parte do texto o que sugeriam como

alteração. Houve episódios em que o ocorrido no encontro foi compreendido de

modo diferente daquele indicado pelo primeiro narrador, oferecendo dúvidas sobre a

necessidade de alteração do texto. Nesses casos, o assunto voltava a ser discutido

em encontro posterior, para que fosse alterado, especialmente no que se referia a

conceitos matemáticos e pedagógicos. Certamente, este também é um processo

que permite avanços, tanto no que se refere à docência, quanto à aprendizagem de

conteúdos matemáticos e, para além, no trato com a escrita de texto.

Enfatizo que essa possibilidade de editar o texto do colega era uma ação

já combinada entre os participantes do grupo. Constituiu-se em ação voluntária, não

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havendo obrigatoriedade dessa prática, o que também se configura num processo

colaborativo.

No grupo, entendemos que essa escrita era colaborativa porque os

participantes se propunham a expressar e a compartilhar suas ideias, dúvidas,

sugestões, compreensões, no sentido de detalhar e aprofundar as discussões sobre

os assuntos tratados, de modo a colaborar explicitamente com o participante

responsável pela escrita da narrativa inicial e com os demais participantes do grupo,

pois as interferências de um participante contribuíam para a aprendizagem dos

demais.

O diagrama que apresento a seguir pretende mostrar o movimento da

escrita colaborativa no grupo.

Figura 3 - Organização da interlocução das narrativas colaborativas

Fonte: elaboração da pesquisadora

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Considerando o modo como se organiza a produção da narrativa

colaborativa pelos participantes do GEProMAI, elaborei o diagrama destacando o

aspecto formativo dessa prática, que viabilizava que os participantes narrassem as

aprendizagens individuais e coletivas ocorridas nos contextos dos encontros ou nos

momentos individuais de reflexão sobre o vivido. Essas ações se materializavam na

escrita inicial do primeiro autor de cada texto, ou na interferência no texto já

produzido e disponibilizado no Google Docs. As narrativas viabilizavam também o

registro de um percurso histórico do grupo, o que potencializava a realização de

investigações sobre, no e com o grupo de estudos. A colaboração nas narrativas

possibilitava a aprendizagem com a escrita do outro e uma interlocução ágil entre os

participantes em contextos que ultrapassavam, como já destacado, o momento

presencial do encontro. Todos esses elementos articulados uns aos outros

interferiram positivamente na manutenção da dialogicidade e na autoria coletiva pelo

grupo.

Ao buscar na literatura estudos sobre a produção de narrativas, de modo

coletivo ou colaborativo, que utilizassem ferramentas tecnológicas de interação via

internet no processo de formação docente, encontrei nos estudos desenvolvidos

pela professora Margareth Axt, docente da Universidade Federal do Rio Grande do

Sul, aspectos teóricos e metodológicos que me ajudaram a compreender as

possibilidades formativas dessa prática desenvolvida no GEProMAI.

O primeiro texto que tive contato sobre os estudos dessa autora tem

como título “Uma singular pragmática do escrever: um diário coletivo

(LAZZAROTTO; AXT, 2012). Nele, me chamou a atenção a descrição de uma

situação em que as autoras comentam sobre a necessidade de escrever um diário

coletivo, que parece aproximar-se muito dos nossos sentimentos ao produzirmos

nossas narrativas colaborativas e também às interações via WhatsApp no grupo

GEProMAI:

(...) ao invés de ficarmos sós com nossas perguntas e experiências, ou nos remetermos somente a um diário de campo individual, ou ainda a um arquivo solitário no computador que aguarda o dia da reunião presencial, o caminho é marcado pelo incessante acesso a uma lista de discussão (LAZZAROTTO; AXT, 2012)

Essa experiência de escrever e aguardar uma resposta, de provocar uma

interação com os demais participantes antes do encontro presencial, permitiu uma

discussão em rede, que expandiu o processo de escrita pela possibilidade de

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conectar os participantes do grupo compartilhando algo comum: o ensinar e

aprender Matemática na infância.

A interação entre pessoas em ambientes virtuais, como, por exemplo, a

escrita de diários coletivos, edição de mídias diversas, escrita em listas de

discussões, produções coletivas por meio da utilização de ferramentas

computacionais de trabalho em grupo, elaborações coletivas em hiperdocumentos, é

permeada, entre outros aspectos, pela polifonia e pelo dialogismo (LAZAROTTO;

AXT, 2012; AXT et al., 2003; AXT, 2008), conceitos esses fundamentados em

Bakhtin.

Como já comentei anteriormente, o dialogismo coloca em destaque a

importância da presença do outro ou de outrem no diálogo:

[...] essa alternância dos sujeitos falantes que traça fronteiras estritas entre os enunciados nas diversas esferas da atividade e da existência humana, conforme as diferentes atribuições da língua e as condições e situações variadas da comunicação (BAKTHIN, 2003, p. 295).

A polifonia é definida pela “interação de personagens no autor, uma

multiplicidade de vozes numa relação dialógica” (LAZAROTTO; AXT, 2012, p. 178).

A dialogia e a polifonia se fizeram presentes nas produções colaborativas dos

participantes do GEProMAI, tanto pela interferência direta nos textos, quanto pela

utilização da ferramenta “comentar” que compõe o Google Docs, o que permitiu um

diálogo entre os autores, sem a interferência direta no texto.

A partir da experiência com o diário coletivo, Lazzarotto e Axt (2012)

salientam que a escrita possibilita a construção de grafias inventivas e estéticas para

expressar a multiplicidade dos modos de aprender e de praticar a psicologia.

Acredito que, do mesmo modo, a produção de narrativas colaborativas também

permite a expressão de múltiplos modos de aprender Matemática e desenvolver seu

ensino com as crianças.

Outro aspecto que considero importante enfatizar é que a escrita coletiva

ou colaborativa em um ambiente virtual remete “a um lugar de interseção com as

tecnologias digitais que possibilitam diferentes modos de produção e de vivência,

não apenas da narratividade, mas da experiência em Educação” (AXT et al., 2001,

p. 13). Ao abordar as possibilidades da escrita colaborativa em ambiente virtual, os

autores enfatizam que estes:

[...] compuseram um conjunto de condições favoráveis à negociação, à cooperação, ao respeito às individualidades, tempos e limites de cada um, a tomadas de decisão voltadas para a inclusão e auto-inclusão na atividade,

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caracterizando assim uma metodologia/prática educativa, a distância, comprometida com princípios éticos-estéticos de reciprocidade, autonomia e autoria (AXT et al., 2001, p. 136-137).

As considerações apresentadas por Axt et al. (2001) evidenciam que a

escrita colaborativa das narrativas, mediada por ferramentas tecnológicas, contribui

para o processo educativo. Ressaltam ainda que o ambiente virtual poder ser

acessado independentemente do tempo e do espaço, o que favorece a inclusão e

auto-inclusão nas atividades.

Ao realizarmos a prática de escrever, ler, complementar com outras

aprendizagens, inserir comentários a serem esclarecidos por outros participantes do

grupo nessa narrativa coletiva, observarmos uma continuidade dos encontros e do

processo formativo em outros espaços e tempos que ultrapassavam o cronograma e

o local físico onde nos reunimos. Como afirmam Lazzarotto e Axt (2012) “a conexão

em rede com a matéria escrita de acesso permanente possibilita o contato em

qualquer tempo com o que está sendo produzido-escrito” (p. 125). A escrita

colaborativa das narrativas evidencia ainda o processo dialógico que reflete a

postura dos autores que possibilita que as produções sejam enriquecidas e

transformadas, processo este que é valorizado também nos encontros presenciais.

4.10 Interações virtuais – WhatsApp

Enquanto participantes do GEProMAI, regularmente buscávamos nos

comunicar sobre questões cotidianas do grupo como: informar a sala de realização

do encontro, justificar atrasos e ausências, ratificar algum recado do encontro

anterior, ou para compartilhar qualquer outra informação que considerássemos

necessárias. Essas comunicações muitas vezes ocorriam na data do encontro. No

entanto, alguns participantes, por diferentes motivos, não tinham condições de ler os

e-mails na data postada e não acessavam a informação em tempo oportuno. Diante

dessa situação, novamente recorremos à tecnologia para ampliar nossa interação e,

em novembro de 2014, optamos por criar um grupo no WhatsApp com o intuito de

agilizar nossa comunicação.

O WhatsApp Messenger é definido na Wikipédia como um aplicativo

multiplataforma de mensagens instantâneas e chamadas de voz para smartphones,

que permite também aos usuários enviar imagens, vídeos e documentos em PDF e

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de fazer ligações gratuitas por meio de uma conexão com a internet. A partir da

nossa necessidade de comunicação rápida, consideramos que o WhatsApp

possibilitaria um acesso instantâneo e facilitado às informações do grupo.

A ideia inicial de facilitar o contato para acesso a informações breves e

rotineiras relativas ao GEProMAI ultrapassou a perspectiva para o qual foi criado e

passou a se configurar também como um “espaço” para compartilhar informações a

respeito das escolas e práticas pedagógicas. Nessa perspectiva, a ferramenta

novamente oferece:

[...] suportes para a escrita coletiva, neste momento contemporâneo, cria um espaço privilegiado para a pesquisa com foco na formação, um locus para a problematização da ação, um locus para a interlocução dialógica, para a produção de sentido” (AXT, 2008, p. 99).

É importante destacar que esses encontros virtuais via WhatsApp

apresentaram dupla potencialidade para o nosso grupo: os problemas, dúvidas e

sugestões comentados nessas interações eram alimentados continuamente nos

encontros presenciais; e os tópicos levantados, as possibilidades de práticas de

ensinar e aprender Matemática discutidos presencialmente tinham ampla

continuidade nesses encontros virtuais, permitindo aprofundamento de diferentes

questões e a reflexão sobre novas possiblidades de estudos e atividades,

decorrentes da participação intensa dos professores nesse processo.

As partir de suas investigações, com respeito à autoria coletiva em

ambientes virtuais, Axt et al. (2003, p. 270) ressaltam que:

A experiência de viver, na aprendizagem, o devir em se produzindo, o possível em aberto - sem caminhos a serem trilhados, fixos a priori, nem significações previamente determinadas ou resultados pré-estabelecidos a serem atingidos - traduz-se como proposta de vivência de uma processualidade, ao mesmo tempo coletiva e privada: uma proposta que adquire visibilidade, através dos registros constantes feitos pelos próprios autores participantes, à medida que palavras-falas-textos são escritos-lidos-vividos, estando expostos no espaço virtual tecnológico durante todo o decorrer do trabalho e podendo, mesmo, ser resgatados a qualquer momento, tanto por quem os escreveu/leu/viveu, quanto por quem, sendo "de fora", os quiser ler.

Esse “viver na aprendizagem”, sem que se defina o que irá se aprender

no processo, configura-se como um aspecto interessante desse novo modo de

interação, pois, à medida que alguém lê, comenta ou sugere algo sobre o que foi

postado, ele aprende com o que foi apresentado, e reflete para poder intervir,

considerando aquele contexto inicial, o que possibilita novas produções de sentidos

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sobre o veiculado. Para Axt et al. (2003), no ambiente virtual a contingência,

instabilidade, incerteza e dispersão abrem possibilidades para a produção de

sentidos nos processos construtivos de sistemas conceituais e para a criação de

(novas) relações com o conhecimento. Ao finalizar suas considerações sobre a

aprendizagem em ambientes virtuais, os autores enfatizam:

Em suma, os lugares ocupados pelos participantes não são fixos, mas se constituem nos entrelaçamentos advindos das conexões que vão sendo produzidas no interior do grupo no decorrer do processo, a partir de relações de tensão geradas pela multiplicidade disjunta e heterogênea de termos/proposições/textos em cruzamento, entrecruzados (AXT et al., 2003, p. 271).

No sentido apresentado pelos autores, a interação virtual se constitui

também como um espaço-tempo de aprendizagem, mesmo que os participantes

estejam distantes geograficamente, e o tempo para o acesso e a interlocução sejam

diferentes para cada um. Essas diferenças espaciais e temporais não se constituem

em distâncias, mas novas formas de proximidade.

Na sequência, apresento um exemplo de interlocução via WhatsApp

realizada entre participantes do GEProMAI, destacando uma das primeiras

experiências vivenciadas por Tatiane como professora substituta em uma turma de

crianças, sendo esta a primeira vez que compartilhou uma atividade no grupo virtual.

Vale ressaltar que Tatiane exerce atividades como professora de Educação

Especial, e atua em um colégio particular, fazendo a adaptação de materiais e a

interação direta com crianças com deficiência.

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Figura 4: Interlocuções via WhatsAPP

Arquivo da pesquisadora Fonte:

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Fonte: Arquivo da pesquisadora

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Fonte: Arquivo da pesquisadora

As imagens das telas do celular - print screen - mostram a interação do

grupo a partir de fotos de atividades desenvolvidas no trabalho sobre “medidas” e

postadas pela Professora Tatiane no grupo do WhatsApp. As demais professoras

comentaram e postaram mensagens de apoio ao trabalho. Essas interações em

diferentes espaços e tempos eram possibilitadas por esse espaço-tempo virtual que

se configurou como uma prática para os participantes do grupo.

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4.11 A produção de conhecimentos no GEProMAI

No GEProMAI procuramos refletir e realizar investigações sobre a prática de

ensinar e aprender Matemática no contexto da escola e produzir textos colaborativos

que são apresentados pelos participantes em diferentes eventos de Educação e

Educação Matemática. Para a realização dessas investigações nos fundamentamos

nas considerações de Ponte (2002), ao salientar que a investigação dos professores

sobre sua prática não precisa assumir características idênticas às das pesquisas

realizadas em outros contextos. Porém, para se qualificar como investigação, um

trabalho deve “produzir conhecimentos novos, ter uma metodologia rigorosa e ser

público” (p.4).

As investigações realizadas pelos professores do GEProMAI vêm ao

encontro da perspectiva descrita por Ponte (2002) de que produção de

“conhecimento novo” pode ser observada quando uma investigação é realizada e

produz soluções e um conhecimento original para o próprio autor, ainda que já

possa ter sido realizada por outra pessoa. Quanto ao rigor da metodologia e

sistematização do estudado, destaco que as informações eram produzidas e

registradas por meio de narrativas, gravações de vídeo ou áudio, e analisadas no

grupo, tais procedimentos favoreceram sistematizações rigorosas dos estudos

realizados. Quanto à publicação, as informações sobre as investigações eram

comunicadas em eventos e os textos de sistematização eram publicados em anais

ou artigos, o que indica que foram submetidos a apreciação e avaliação.

Tabela 6 – Produção de publicações dos participantes do GEProMAI

Autores Título do trabalho Evento

Alessandra R. de Almeida; Anna Angélica R. Ferreira; Élica M. Kovalski; Gislaine C. Bonalumi Karina L. S. Fernandes; Lais H. Besseler; Liliane C. S. Paulino Maria Auxiliadora B. A. Megid

Discutindo a Matemática em um grupo colaborativo: o caso GEProMAI

“IX Seminário Faculdade de Educação “Educação Básica Brasileira: Contexto e Perspectiva” - PUC 2014

Karina Luiza S. Fernandes Liliane Caroline S. Paulino

Passo do curupira? Trabalhando medidas na educação infantil

“IX Seminário Faculdade de Educação “Educação Básica Brasileira: Contexto e Perspectiva” - PUC 2014

Karina L. S. Fernandes Alessandra R. de Almeida Gislaine C. B. Ferreira

Conhecendo e Explorando o Meli-Melô: O trabalho com Espaço e Forma na Educação Infantil

V SHIAM - Seminário Nacional de Histórias e Investigações de/em Aulas de Matemática. Unicamp – 2015

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Alessandra R. de Almeida Lais H. Besseler Rita de Cássia A. Prado

Contribuições de um grupo colaborativo para a prática docente de professores que ensinam Matemática

I SIPRAEM “Simpósio Sobre Investigações e Práticas em Educação Matemática. UFABC – Campus Santo André (SP). Setembro de 2015

Alessandra R. de Almeida Gislaine C. B. Ferreira Karina L. S. Fernandes Maria Auxiliadora B. A. Megid

Aprendizagens em grupo colaborativo e a abordagem da Geometria na educação infantil

VIII Seminário do PPGE X Seminário da Faculdade de Educação “Produção do conhecimento em educação: tensões da/na escola: homogênea? singular?” - PUC 2015

Laís H. Besseler Luciana P. S. Lopes Rita de Cassia A. Prado Tatiana C. M. Andrietta –

As contribuições de um grupo colaborativo para professores iniciantes

VIII Seminário do PPGE X Seminário da Faculdade de Educação “Produção do conhecimento em educação: tensões da/na escola: homogênea? singular?” - PUC 2015

Ana Paula Faria Lais Helena Besseler Adriana Maria Leite Campos

O GEProMAI como espaço de formação continuada: ressignificação da matemática e aprimoramento da prática docente

V SHIAM - Seminário Nacional de Histórias e Investigações de/em Aulas de Matemática. Unicamp – 2015

Alessandra R. de Almeida Tatiane C. M. Andrietta Rita de Cássia A. Prado

Aprendizagem em grupo colaborativo: o episódio de exploração do Tangram

V SHIAM - Seminário Nacional de Histórias e Investigações de/em Aulas de Matemática. Unicamp – 2014

Lais Helena Besseler Narrativas na formação em Educação Matemática: a experiência de uma professora com a Geometria

20º COLE - Congresso de Leitura do Brasil. Unicamp 2016

Karina L. S. Fernandes Maria Auxiliadora B. A. Megid Alessandra R. de Almeida Gislaine C. B. Ferreira

O trabalho com espaço e forma na Educação infantil: experiências em colaboração

Revista Eletrônica de Educação, v. 10, n. 3, p. 433-445, 2016

Fonte: elaborado pela pesquisadora

Escrever os textos, expor nossas produções e apresentar o GEProMAI,

foram também momentos importantes de aprendizagem. Nesse sentido, trago um

excerto de uma mensagem enviada pela professora Gislaine no WhatsApp, após a

participação de várias pessoas do grupo no V SHIAM - Seminário Nacional de

Histórias e Investigações de/em Aulas de Matemática -, realizado na Unicamp em

julho de 2015:

Bom dia!!! Amei estar com vocês nesses três dias. Ter a possibilidade de ver a comunicação de vocês enriqueceu meu olhar para a minha própria prática, além de colocar alguns tijolos na construção de vínculos entre nós.

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Obrigada pela parceria e experiência. Foi bom demais!!! (Mensagem de WhatsApp do dia 09/07/2015)

Considero relevante ressaltar que a importância e o diferencial do

GEProMAI está nas dinâmicas de colaboração entre todos os envolvidos para a

definição de temas de estudo, no formato das reuniões, nos vínculos de confiança

estabelecidos, na flexibilidade em compartilhar experiências profissionais e pessoais

que ocorrem num ambiente de muito respeito onde todos eram ouvidos e sentiam

liberdade para expor suas fragilidades, geradas por uma formação que não dá conta

de abarcar todos os conteúdos de tantas disciplinas envolvidas no trabalho de um

professor polivalente.

Na produção desta tese, numa perspectiva narrativa eu, como

pesquisadora, me coloco simultaneamente em dois movimentos, o de implicar-me

vivencialmente com o campo empírico, o GEProMAI, em seu processo de

constituição, nas interlocuções, visando contribuir com a formação de professores

que ensinam Matemática na infância, num processo de dobrar-me para dentro,

num movimento de implicação-vivenciação desse contexto; e no movimento de o

explicar, no sentido interpretativo (não literal) das aprendizagens e do

desenvolvimento profissional de participantes desse grupo, ao dobrar-me para fora,

transbordando as fronteiras do dentro, buscando afastar-me num movimento de

distanciação-explicação. A partir dessa perspectiva, no próximo capítulo, trago as

narrativas de aprendizagem dos participantes deste estudo.

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5 ANÁLISES NARRATIVAS SOBRE APRENDIZAGENS DOS PROFESSORES

NO GEPROMAI

Mire, veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando (Guimarães Rosa).

Como citado anteriormente, para realizar as análises que compõem esta

tese, inicialmente fiz uma leitura cuidadosa dos textos de campo: narrativas

individuais e colaborativas sobre os encontros; narrativas escritas pelos participantes

em diferentes momentos; textos produzidos pelos integrantes do GEProMAI para

divulgação em eventos e/ou para publicação; mensagens via WhatsApp enviadas

pelos participantes ao grupo e minhas notas de campo. Numa segunda etapa, após

as leituras desses documentos, passei a rever os vídeos gravados dos encontros e

fiz a transcrição dos trechos que, considerando os objetivos desta pesquisa,

indicavam indícios de aprendizagem dos professores participantes e de

desenvolvimento profissional das professoras Karina e Laís, tomadas como

interlocutoras privilegiadas na pesquisa.

A análise dos textos de campo, as conversas com a professora Dora e as

contribuições dos professores do exame de qualificação auxiliaram na definição de

eixos que me permitiram interpretar e analisar as aprendizagens ocorridas no grupo

de estudos que oportunizaram o desenvolvimento profissional, a saber: 1)

aprendizagem docente ancorada em interações apoiadas na tríade GEProMAI-

Escola-Autores (referenciais estudados); 2) Aprendizagens a partir de investigações

e produções de narrativas sobre a própria prática; 3) A colaboração no grupo como

potencializadora da aprendizagem docente; 4) Reverberações dos estudos em

grupo nas práticas dos participantes.

O primeiro eixo está relacionado com as práticas formativas

desenvolvidas cotidianamente no interior do GEProMAI. Analisarei aqui as situações

em que uma prática (que pode ou não ter sido planejada colaborativamente) era

desenvolvida na escola, depois contada no grupo, sofrendo interferências como

questionamentos, elogios, críticas e sugestões e sua relação com textos teóricos

estudados.

Fiorentini e Carvalho (2015, p. 23) enfatizam que “a aprendizagem

acontece com mais frequência e intensidade no próprio processo de trabalho

docente ou em encontros de planejamento e análise de práticas de ensinar e

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aprender com outros professores”. Nesse sentido, busco seguir a coerência da

conceituação de grupo colaborativo e das práticas que possibilitam ao professor

aprender sobre sua profissão.

O segundo eixo — Aprendizagens a partir de investigações e produções

de narrativas sobre a própria prática — está relacionado com a ação de investigar e

elaborar narrativas sobre a própria prática. Aqui me refiro às produções textuais mais

sistematizadas, que apresentam reflexões sobre intervenções com as crianças,

evidenciando suas aprendizagens, a partir de uma análise teórica. Normalmente

essas produções são colaborativas, pois embora algumas vezes as práticas com as

crianças na escola sejam realizadas por um dos professores, outros participantes

auxiliam na sistematização, na compreensão da experiência e na interlocução entre

o vivido, o discutido no grupo e a teoria sobre o tema. Esse eixo analítico se

relaciona com a compreensão, já mencionada nesta pesquisa, de que a investigação

como postura contribui para a aprendizagem docente (Cochran-Smith, 2012).

Quanto ao terceiro eixo — A colaboração no grupo como potencializadora

da aprendizagem docente —, trago as análises dos indícios de colaboração que se

constituíram em uma característica do grupo. Adjetivar o GEProMAI como um grupo

colaborativo é um motivo de orgulho aos participantes. A possibilidade de contribuir

com o colega e com o grupo de um modo geral, de conversar sobre os momentos de

alegrias, de aprendizagens, trazer as experiências de sucesso, mas também ser

possível compartilhar angústias, incertezas e equívocos em um ambiente acolhedor

e com pessoas dispostas a ouvir e não a julgar, é uma especificidade deste grupo,

estimada por todos os participantes.

No quarto eixo, — Reverberações dos estudos em grupo nas práticas dos

participantes —, analiso o modo como as experiências de participação no GEProMAI

reverberam na escola. A reverberação é um conceito que tem origem na Física,

sendo compreendido como a persistência de um som audível após a cessação

desse mesmo som em sua fonte produtora. Nesta tese, utilizo o termo ancorada nas

compreensões de Crecci (2016), que relaciona a reverberação “ao fenômeno que se

propaga ou à ação de refletir” (p. 276). Nesse sentido, busco identificar situações de

aprendizagem que possibilitam mudanças ou que são incorporadas às práticas de

ensinar e aprender Matemática pelos participantes do grupo, ou em situações em

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que as discussões realizadas em encontros presenciais reverberam em outras

situações, como nas interações virtuais entre os participantes.

Além das análises desses eixos, trago as narrativas de desenvolvimento

profissional das professoras Karina e Laís, professoras participantes do GEProMAI

que mais diretamente contribuíram com a configuração desta tese, qual seja, a de

que os grupos colaborativos são potencializadores de aprendizagens e que

professores de infância, na colaboração, podem desenvolver um trabalho com

significado relacionado à Matemática, que produz conhecimentos para quem ensina

e para quem aprende.

Nas narrativas que fiz a respeito da trajetória no grupo dessas professoras

a partir de suas narrativas orais e escritas em diferentes momentos em que

estivemos em interação, busquei destacar aspectos relativos à formação e à

constituição docente. As interferências do GEProMAI nesse processo são analisadas

como reverberações da participação intensa, ativa e propositiva de ambas no grupo,

de suas aprendizagens ao longo desse tempo de participação.

É relevante esclarecer que esses quatro eixos que estabeleci para

analisar a aprendizagem se inter-relacionam, considerando as ações advindas do

GEProMAI. Nos textos de campo, esses eixos se sobrepõem, não permitindo uma

análise exclusivamente de um eixo ou de outro. Assim, as narrativas analíticas não

foram escritas de modo cronológico e nem considerando episódios específicos de

um ou outro encontro. Isso porque geralmente as discussões sobre uma prática, um

texto ou uma experiência, ultrapassavam o espaço-tempo do encontro, se

ampliavam pelo corredor, pelo estacionamento da universidade, pelas interações

virtuais e retornavam no encontro seguinte. Nesse sentido, destaco novamente a

importância desta tese se configurar como uma pesquisa narrativa, pois esse modo

de compreender a experiência vivenciada no GEProMAI me permite escrever, ir e

voltar para narrar a aprendizagem e o desenvolvimento profissional de professores,

mostrando a complexidades desses processos.

Ressalto que, diante de tantas experiências vividas no GEProMAI ao

longo de 41 encontros presenciais, diversos momentos de interações virtuais, não foi

simples selecionar apenas três para compor as narrativas de aprendizagem do

grupo. Ao rever os vídeos e retomar os registros escritos, optei por analisar nesta

tese aqueles que se relacionam mais diretamente com a abordagem das medidas e

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que possibilitaram a análise de situações da interlocução entre os participantes tanto

presencial quanto virtualmente.

Sendo assim, neste capítulo me reporto aos textos de campo destacados

no capítulo 3 desta tese. Nesta narrativa, analiso o grupo de modo coletivo, trazendo

indícios de aprendizagem de diferentes participantes em momentos presenciais e

também em interações virtuais.

A primeira narrativa descrita neste capítulo foi elaborada a partir da

observação e descrição do vídeo do encontro do dia 03 de junho de 2014. Esse

encontro foi protagonizado por Karina, que elaborou uma narrativa individual sobre

essa reunião, e também produziu uma narrativa sobre as atividades práticas

realizadas com crianças. A professora Anna Angélica que, embora não tenha

elaborado uma narrativa escrita sobre seu trabalho com medidas na escola, produziu

algumas anotações pessoais e apresentou uma narrativa oral sobre o mesmo. Esses

materiais foram analisados com base no referencial teórico que fundamenta esta

investigação.

Cabe destacar que a Anna Angélica não consta nos quadros que

apresentam os participantes do GEProMAI, no capítulo 3 desta tese, por não

resguardar o critério que utilizei para configurar o quadro, ou seja, ter frequentado

pelo menos 75% dos encontros do grupo em algum dos semestres que foram

tomados como foco de análise neste estudo. No entanto, essa professora participou

ativamente das reuniões em que esteve presente, especialmente nos momentos

iniciais de constituição do grupo. Essas observações me fizeram considerar

importante compartilhar e analisar suas práticas neste estudo.

As conversas sobre medidas de comprimento na Educação Infantil e

Ensino Fundamental e os episódios de sala de aula “passo do Curupira” e

“comprimento da largura da quadra” foram selecionados para este tópico da análise

por se configurarem nas primeiras práticas de sala de aula trazidas pelas

professoras para serem compartilhadas e discutidas no GEProMAI. Considero

relevante salientar ainda que a concepção de prática que assumo nesta tese se

baseia na acepção de prática social ou práxis, fundamentada por Fiorentini e Crecci

(2013),

[...] a qual inclui linguagens, conhecimentos, instrumentos, regulações, convenções, normas escritas ou não, valores, propósitos e pressuposições - isto é, teorias - explícitas e implícitas. Nesse contexto de significação, quando usamos a palavra “prática(s)”, não a utilizamos no sentido oposto a

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de teoria, mas no sentido de que as práticas sociais são múltiplas, porque são diversas as formas de atuar e significar o mundo, de estabelecer relações com ele (FIORENTINI e CRECCI, 2013, p. 67-68).

É importante destacar que, embora o foco das análises possa partir de

episódios de sala de aula compartilhados em um dos encontros, algumas vezes se

fez necessário recorrer a outros momentos formativos para explicar alguns de seus

aspectos.

Nos primeiros encontros do GEProMAI, as discussões sobre textos e

práticas pedagógicas relacionadas às Grandezas e Medidas se constituíram como

foco de nossas discussões. A ideia de analisar as práticas foi discutida e muito bem

aceita pelos participantes, como destacou a Laís:

[...] então, a gente estava conversando aqui de tentar trazer atividades que possam ser trabalhadas mesmo, mas relacionadas a diferentes tipos de medida, montar grupinhos pra fazer atividades. (Arquivo de vídeo da pesquisadora. Encontro de 20/05/2014. Intervalo de tempo 0:07:00: a 0:07:10).

Selecionei as situações da medida área e comprimento, destacando a

utilização do Tangram e o Meli-Melô para discutir a aprendizagem docente, pelo fato

destas terem se configurado como momentos que mobilizaram diversas

investigações pelos participantes do grupo. As discussões sobre esses quebra-

cabeças se estenderam por dois encontros de modo mais específico, entretanto

foram assuntos que permearam nossas discussões em outros momentos. Tivemos

interações virtuais pelo WhatsApp e voltamos a conversar sobre o tema em

momentos de produção colaborativa para apresentação em eventos.

Na terceira narrativa de aprendizagem, trago em destaque considerações

sobre um encontro no qual demos continuidade aos estudos do Caderno 6 do

PNAIC - Grandezas e Medidas (BRASIL, 2014a) -, e realizamos atividades

(experimentações) sobre medidas de capacidade e volume. Esse episódio foi

destacado em virtude das interações no encontro e também da narrativa

colaborativa elaborada posteriormente, situação que propiciou aprendizagens aos

participantes.

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5.1 Aprendizagens sobre medidas de comprimento na Educação Infantil e

Ensino Fundamental

No nosso terceiro encontro, numa noite fria de junho de 2014, tivemos a

oportunidade de conversar sobre atividades realizadas pelas professoras com suas

crianças. Apesar do frio intenso daquela noite, estávamos em seis pessoas, um

número que considero bom para uma experiência formativa iniciada praticamente no

final do semestre letivo. As propostas surgiram inicialmente a partir das discussões

realizadas anteriormente e do estudo dos textos “O medir de crianças pré-escolares”

(MOURA; LORENZATO, 2001) e “A Nossa Lenda do Curupira” (Anexo 1), uma

pequena história que eu elaborei a partir da experiência discutida pelos autores e de

pesquisas na internet, com o intuito de incentivar os participantes a realizarem

atividades a respeito de medidas de comprimento com crianças.

A história do Curupira apresenta um problema como foco central para

propor ações de medir às crianças: o Curupira encontra na floresta um anão e um

gigante e os convida para jantar em sua casa, que fica a trinta passos do lugar onde

estavam. No entanto, os dois amigos deram os trinta passos na direção indicada

pelo Curupira, e não conseguiram chegar casa dele. E agora? A proposta é que as

crianças discutam porque isso aconteceu e conversem sobre o que o gigante e o

anão deveriam ter feito para chegar à casa do Curupira.

Karina, que trabalhava à época com crianças de Educação Infantil com

idades entre 3 e 6 anos, foi a primeira professora relatar ao grupo a experiência com

medidas desenvolvida na escola. Ela sistematizou as atividades, os

questionamentos e as expressões orais das crianças em um texto narrativo:

Eu fui escrevendo o que fui fazendo e retomando o texto que a gente leu. Procurei também aquele livro do Sérgio Lorenzato (referindo-se à obra de Lorenzato, 2006, Educação Infantil e Percepção Matemática), quando ele fala também um pouco sobre medidas. Posso ler? (Arquivo de vídeo da pesquisadora. Encontro de 03/06/2014. Intervalo de tempo 0:10:10 a 0:10:20).

Já no início de sua fala, ao remeter-se aos seus escritos, é possível

perceber que Karina inicia um processo de análise de sua prática ao buscar

compreendê-la na interlocução com um texto estudado no grupo e com outro que

buscou por iniciativa própria, reconhecendo que os aportes teóricos auxiliam na

compreensão e interpretação da prática de ensinar e aprender Matemática na

infância, estabelecendo uma interlocução entre GEProMAI-Escola-Autores. Essa

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professora deu início às práticas que se configurariam como essenciais para o

GEProMAI: a produção de narrativas sobre a prática docente, a qual é considerada

um modo bastante fecundo e apropriado do professor analisar sua aprendizagem

(FIORENTINI; CARVALHO, 2015) e à investigação como postura que se aproxima

dos estudos de Cochran-Smith e Lytle (1999).

Karina comenta no grupo que inicialmente ficou apreensiva com a

realização da proposta com medidas:

Pensei que seria um tema difícil para crianças pequenas. Porém, através da leitura do texto "O Medir de Crianças Pré-Escolares" e dos diálogos com o grupo no encontro anterior, fiquei entusiasmada e imaginando qual seria a reação das crianças. (Arquivo de vídeo da pesquisadora. Encontro de 03/06/2014. Intervalo de tempo 0:10:58 a 0:11:17).

É importante destacar que Karina já teve contato com o texto “O medir de

crianças pré-escolares” no Curso de Especialização em Ciências e Matemática do

qual estava participando na época desse encontro. Porém, a disciplina daquele

contexto formativo não a mobilizou a organizar uma unidade didática e a refletir

criticamente sobre tal prática. Entretanto, o diálogo com o grupo a entusiasmou a

trabalhar com o tema.

Mesmo declarando certa insegurança inicial, Karina desenvolveu na escola

diversas atividades relacionadas às medidas de comprimento e à história do

Curupira durante seis dias. Nesse período, organizou diferentes propostas: contou a

história do Curupira diariamente, conversou sobre as características dos

personagens, realizou atividades com desenho e dramatização e buscou diversos

modos de incentivar as crianças a pensarem para resolver o problema. Instigava

seus alunos a partir de questionamentos: por que eles não conseguiram chegar à

casa do Curupira? Como podemos ajudá-los a encontrar a casa do Curupira.

Em seu texto narrativo, Karina nos traz algumas hipóteses das crianças

sobre o porquê de nem o anão nem o gigante encontrarem a casa do Curupira: eles

se perderam; foram pelo caminho errado; eles não tinham mapa; eles precisariam de

um telescópio, entre outras. Ao contar sobre sua prática no encontro do grupo, a

professora enfatizou que a atividade proposta e as hipóteses levantadas pelas

crianças foram muito interessantes e criativas. Todos nós, participantes do grupo,

concordamos com tal afirmação. No entanto Karina destaca que nenhuma das

crianças demonstrou preocupação com questões matemáticas, como as

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relacionadas ao comprimento do passo do Curupira e à necessidade dos 30 passos

para chegar à sua casa.

Isso levou a professora a se questionar sobre quais outras propostas

poderiam ser desenvolvidas com as crianças a fim de que pensassem sobre as

medidas para resolver o problema proposto, sem apresentar diretamente a solução.

O que apresentou em sua narrativa oral no grupo, e também na narrativa escrita,

deixa evidente que Karina procurou escutar as crianças e entender suas ideias

sobre o que poderia ter causado o problema do desencontro entre os personagens.

Esse modo de agir do professor de Educação Infantil é enfatizado por Lorenzato

(2006) quando afirma ser interessante que o professor observe e anote algumas

falas das crianças, pois estas são surpreendentes e reveladoras.

Karina nos conta que fez um desenho, com o auxílio das crianças, para

representar os personagens da história e novamente problematizar a questão inicial:

nem o gigante nem o anão chegaram à casa do curupira. Esse novo recurso

possibilitou que algumas crianças dissessem que o anão e o gigante precisariam

contar os 30 passos. Todos nós, participantes daquele encontro, estávamos

aguardando o momento no qual ela contasse que alguma criança fizera a contagem

dos 30 passos. Quando Karina nos disse que isso aconteceu, todos vibramos como

se fosse um gol da seleção brasileira na copa do mundo. Foi o ápice da atividade

proposta para aquele dia com as crianças.

Ao refletir sobre sua prática, Karina salientou que teve a impressão de que no

texto de Moura e Lorenzato (2001) as crianças falam a respeito da contagem já num

primeiro momento, e se questionou porque isso foi diferente com sua turma. Logo

em seguida se recordou de que, no artigo, a atividade foi realizada com crianças de

seis anos. Já, em sua turma, a maior parte das crianças tinha entre quatro e cinco

anos, o que pode explicar a necessidade de ampliação e adaptação de atividades e

estratégias didáticas para atingir o mesmo objetivo, qual seja, identificar a

quantidade de passos necessários para se chegar à casa do Curupira,

reconhecendo a necessidade da expressão numérica resultante da medição. Esse

comentário demonstra novamente uma interlocução da professora com o texto lido e

com os participantes do GEProMAI, e ainda uma preocupação em ter a teoria como

um meio de problematizar, compreender e transformar sua prática docente

(FIORENTINI; CARVALHO, 2015).

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Após o progresso em relação a contagem dos 30 passos, outro momento

ansiosamente aguardado por Karina era o da percepção da diferença no

comprimento dos passos dos três personagens: Curupira, Anão e Gigante. Isso

ocorreu no terceiro dia de atividade, a partir de uma indicação de uma das crianças

turma, ela relata:

[...] e então meu aluno teve essa grande ideia: “por que não pegamos três crianças, uma para ser o anão, outra o gigante e outra o Curupira?” Essa criança que deu a ideia já se levantou e disse: eu sou o gigante. Uma outra colega apontou para outro menino e falou: você é o anão! Abaixa! O menininho levantou e ela repetiu: abaixa! (risos) - pra ficar menor. Na sequência outra criança fala: agora é só dar 30 passos. O passo do gigante tem que ser assim, ele mostrou como deveria ser o passo do gigante, e afastou os pés o máximo que conseguia (Arquivo de vídeo da pesquisadora. Encontro de 03/06/2014. Intervalo de tempo 0:17:48 a 0:18:25).

Após relatar que uma das crianças propôs um modo de solucionar o

problema a partir de uma dramatização e que elas próprias têm a iniciativa de

desenvolvê-la com o apoio da professora, os participantes do grupo novamente se

encantaram com as possibilidades apresentadas pelas crianças de evocar a relação

entre os tamanhos dos passos dos personagens, mas também pela gestão que

Karina fez de sua sala. Embora a professora tivesse um plano para o trabalho

daquele dia, após uma sugestão apresentada por uma criança, a qual estava

totalmente de acordo com o tema matemático a ser trabalhado, a professa alterou

sua proposta, e desenvolveu a dramatização considerando as indicações das

crianças.

Ao representar os personagens, assim como na atividade descrita por

Moura e Lorenzato (2001), é possível compreender que, para as crianças, a história

tornou-se real, os personagens verdadeiros e o problema também. A história

permitiu que assumissem o episódio como um problema deles, tanto que, para

resolvê-lo, foi necessário que os personagens estivessem “presentes”. “Nesse

momento, o imaginário e o real se fundem. É através da alternância do real e do

imaginário que a criança vai construindo, gradativamente, o conhecimento do real”

(MOURA; LORENZATO, 2001, p. 18).

Karina escutou suas crianças e viabilizou o desenvolvimento da atividade

proposta por elas. Para Serrazina (2014), escutar a criança é essencial ao trabalho

docente, pois nessa interação, a professora não apenas desenvolve concepções

mais elaboradas de como se dá o pensamento matemático, mas também constrói

estratégias de como lidar com os conceitos ou noções que quer ensinar-lhes.

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Durante o encontro, Karina levantou uma questão para o grupo, a partir

da análise de uma das atividades desenvolvidas com as crianças:

[...] uma coisa que eu não soube interpretar ou entender. Quando o menino interpretava o gigante, ao afastar as pernas para dar um passo grande, outra criança chegou e começou a contar 1, 2, 3, 4, 5 - utilizando o dedo indicador e apontando o espaço entre os pés do colega. É, ele contava esse espaço, com o indicador. (Arquivo de vídeo da pesquisadora. Encontro de 03/06/2014. Intervalo de tempo 0:18:28 a 0:18:48).

A partir dessa colocação da professora, o grupo iniciou uma discussão na

tentativa de compreender a atitude das crianças. Alguns participantes retomaram o

conceito de medida que é comparar e verificar quantas vezes uma unidade caberia

no comprimento a ser medido para expressar um número, o resultado. Levantaram a

hipótese de que talvez eles tivessem intuído a quantidade de pés necessária para

dar um passo grande, de gigante, no caso cinco pezinhos. Outros comentavam que

talvez as crianças pudessem pensar que um passo de gigante seria igual a cinco

passos de anão. Laís, questionou ainda se essas crianças teriam uma percepção

mais aguçada da medida para pensar em tais comparações.

Posteriormente, Karina comentou que as crianças contaram o tamanho do

passo do Curupira como três (1, 2, 3) e do anão como “um”. Coletivamente,

significamos essa atitude como uma possibilidade de evocação da relação entre os

tamanhos pequeno, médio e grande pelas crianças, e permanecemos com essa

perspectiva até sermos incomodados novamente pela questão do encontro seguinte,

a partir do relato da Karina sobre um novo episódio.

É relevante destacar que esse contar o comprimento do passo, uma

grandeza contínua, com unidades discretas, era algo novo, que surgiu da

experiência compartilhada e que não fora mencionado diretamente nos textos que

estudamos sobre medidas até aquele momento. No artigo estudado pelo grupo,

Moura e Lorenzato (2001) destacam que as crianças inicialmente fazem uma

adaptação de seu modo de contar objetos discretos no contínuo do espaço.

Entretanto, naquele momento inicial, não conseguíamos compreender em que se

baseavam as compreensões das crianças para contar como unidades discretas um

espaço, sem qualquer tipo de marcação horizontal ou divisão que pudessem usar

como referência para fazer essa contagem.

Como indiquei, essa conversa surgiu novamente no encontro seguinte,

quando Karina colocou um novo problema de medida para as crianças. Ela

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comentou que considerou o trabalho com medidas importante, que as crianças se

envolveram com as atividades do Curupira e que, diante disso, trouxe para as

crianças a seguinte situação: “pessoal, agora está fazendo muito frio e eu pensei em

colocar um tapete na nossa sala. Como eu poderia fazer para saber o tamanho de

um tapete para cobrir a sala toda?”

Diante do problema proposto, Karina comentou que uma das crianças

sugeriu que ela colocasse uma fita na sala, contasse e fosse marcando os números.

A professora salientou que colocou uma fita crepe numa das extensões da parede e

na sequência as crianças aproximaram-se dessa marcação realizaram o

procedimento de contagem (1, 2, 3, 4, 5, 6,...), da mesma maneira realizada

anteriormente. Karina nos disse que trouxe essa nova situação para o grupo porque

não compreendeu essa questão da contagem, ou seja, ela não ficou satisfeita com

as compreensões elaboradas no encontro anterior.

A colocação de Karina, novamente, nos provocou a reflexão e a busca do

sentido dessa contagem para as crianças. Dora colocou que todos os instrumentos

que utilizamos para medir comprimento apresentam, basicamente, uma fita com

números (régua, fita métrica, trena...) e que possivelmente eles poderiam fazer

relações entre os instrumentos e ações de medir, ao que todos concordamos. Eu

também salientei que isso poderia ser sim uma referência às ações de medir que

fizessem parte do repertório cultural dessas crianças, como o caso de ter alguém da

família que trabalha com costura, ou mesmo a vivência de situações de medir um

espaço para se colocar um móvel ou um objeto.

Essas compreensões se consolidam ao observarmos que no texto de

Moura e Lorenzato (2001) os autores evidenciam que as situações de medir são

familiares às crianças, e que elas enunciam valores de medida de seu cotidiano com

naturalidade, especialmente porque podem lê-los em algum instrumento de medida

do mesmo modo que veem os adultos fazê-lo. A partir dessa discussão

ressignificamos a situação de contagem discreta do comprimento dos passos e da

sala e ampliamos nossa compreensão ficando com as duas possibilidades: poderia

ser uma adaptação do modo de contar objetos discretos ao contínuo do espaço e

também uma questão relacionada às experiências das crianças com situações de

medir vivenciadas em diferentes contextos, não necessariamente na escola.

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Outra questão que Karina propõe para discussão no grupo sobre a prática

como professora de Educação Infantil refere-se à possibilidade, ou não, do professor

fazer intervenções sugerindo diretamente algumas ações. A professora nos contou

que após as crianças estabelecerem o tamanho dos passos pequeno, médio e

grande, discutirem as comparações e chegarem à solução do problema do Curupira,

ela perguntou a elas o que poderiam fazer para que todos pudessem se lembrar,

posteriormente, o "tamanho passo" combinado para cada personagem. Após algum

tempo de conversa, as crianças não chegaram a um acordo sobre o que fazer. Ela

então sugeriu que utilizassem um pedaço de barbante para materializar o tamanho

de cada passo, ou seja, cada unidade de medida construída. Karina levanta para

nosso grupo o seguinte:

[...] eu não sei até onde eu deveria ter sugerido, mas achei que, como não surgiu deles uma proposta, seria válido que eu sugerisse”. (Arquivo de vídeo da pesquisadora. Encontro de 03/06/2014. Intervalo de tempo 0:21:24 a 0:21:33).

Karina, mesmo trabalhando há vários anos como professora na Educação

Infantil, ao narrar suas dúvidas quanto a uma decisão tomada em sua prática, se

autoquestionou diante do grupo. Essa atitude me remeteu à afirmação de Fiorentini

(2004) quando indica que o desejo dos professores de “trabalhar e estudar e em

parceria com outros profissionais resulta de um sentimento de inacabamento e

incompletude enquanto profissional e da percepção de que sozinho é difícil dar

conta desse empreendimento” (p. 58).

Essa situação nos colocou a discutir qual é a “medida” da interferência

direta do professor na atividade e o quanto precisa esperar para que as propostas

partam das próprias crianças. Visando contribuir com essa questão Dora pontua que

é importante ter diálogo com as crianças e que é desejável que as intervenções

ocorram à medida que se observe sua necessidade, ou seja, o professor intervém

quando percebe que sua colocação irá provocar novas situações de reflexão e

possibilitar novos modos de pensar na resolução do problema.

Dora afirmou ainda que é importante que nos afastemos de um ensino

totalmente fechado e prescritivo. Em uma proposta totalmente direcionada, a

professora já traria a solução para o problema do Curupira dizendo que o passo do

Gigante é o maior, o do Curupira é o médio e do Anão, o pequeno, e que por isso

eles não se encontraram. Numa situação dessas, a professora não daria o tempo

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necessário às crianças para que encontrassem a solução do problema e não

alteraria seu plano em virtude uma proposta que emergiu de uma criança da sala.

Todos nós participantes comentamos que vimos na prática da Karina uma

gestão de sala de aula na qual ouvir as crianças, propor questionamentos, incentivar

a resolução de problemas, aguardar o tempo necessário para que elas possam

pensar e propor soluções, alterar o plano em decorrência de uma proposta de

atividade de uma criança, entre outras ações, auxiliaram na construção de conceitos

e, por conseguinte, na aprendizagem. Nesse sentido a professora, como mediadora,

é aquela pessoa que tem um excedente de visão, conforme encontramos em

Bakhtin (2003), trazendo uma nova informação, uma nova proposta, o que é muito

importante para que as crianças aprendam.

Sobre essa mesma situação, eu também comentei que as crianças

conseguem pensar sobre outras questões a partir do auxílio do professor, e que há

uma área de desenvolvimento cognitivo que está entre aquilo que a criança

consegue fazer sozinha e o que pode fazer com o auxílio e orientação do professor.

Naquela ocasião, me recordei do conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal –

ZDP, que se configura como:

[...] a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (VIGOTSKY, 1991, p. 58).

Ao refletir sobre sua prática, Karina fez questionamentos que mobilizaram

todo o grupo a pensar, a discutir e a retomar aprendizagens decorrentes de outras

experiências, como o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal, que considero

importante, pois penso que auxilia o professor a pensar a respeito de suas

intervenções com as crianças. As práticas relatadas pela Karina e suas dúvidas

compartilhadas com o grupo demonstraram que ela atua como agente mediador

consciente, promovendo oportunidades lúdicas para que as crianças possam agir e

se apropriar de capacidades humanas externas a elas (MELLO, 2007).

Ao finalizar o relato sobre cinco dias de atividades com as suas crianças,

Karina nos mostrou os desenhos que elas produziram sobre a lenda do Curupira,

nos apresentou fotografias delas realizando as atividades, e, na sequência,

questionou e avaliou sua prática até então. Ela nos trouxe sua percepção de que as

atividades realizadas foram muito boas e propiciaram aprendizagens para grande

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parte das crianças. No entanto observa que aquelas que eram as mais novas de sua

turma ficaram mais como expectadoras e tiveram pouco protagonismo no

desenvolvimento das atividades realizadas durante a semana, com exceção das

propostas do quinto dia. Diante disso, afirmou ainda que iria rever o plano que já

havia organizado para a semana seguinte e propor atividades que abordassem o

mesmo tema, mas que considerava serem mais inclusivas.

Essas colocações de Karina permitem observar que, novamente, ela

questionou sua prática diante do grupo e suscitou novas conversas sobre

estratégias para envolver seus alunos nas atividades, com o intuito de promover

oportunidades de aprendizagem para todos. Com base em Mello (2007), é possível

considerar que Karina, ao se questionar e ao criticar sua própria prática, se coloca

como uma professora da infância que tem como compromisso satisfazer as

necessidades de conhecimento e de atividade da criança, “procurando despertar

nela novos interesses e ensinando-lhe novos modos de agir, e reconhece o seu

papel mediador e a atitude ativa da criança em todos os momentos da rotina diária

da instituição educativa” (MELLO, 2007, p. 26).

Insiro nesta narrativa dois desenhos elaborados pelas crianças da turma da

Karina sobre as atividades com a lenda do curupira, que possibilitaram muitas

situações de aprendizagem para os participantes do GEProMAI.

Figura 5. Desenho sobre a Lenda do Curupira

Fonte: arquivo da pesquisadora

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Figura 6. Desenho sobre a Lenda do Curupira

Fonte: arquivo da pesquisadora

A professora fez o registro escrito da prática realizada, também, por meio de

fotos e desenhos elaborados pelas crianças, com o intuito de favorecer a

compreensão do grupo sobre como as atividades tinham sido desenvolvidas na

escola. Essa atitude demonstra uma preocupação em fazer-se compreender pela/os

colegas e também em possibilitar um diálogo efetivo sobre o trabalho realizado,

tornando o tempo de encontro do grupo o mais produtivo possível (FIORENTINI,

2004).

Considero importante evidenciar ainda que Karina compartilhou com uma

professora da escola, que não participava do GEProMAI, mas que trabalhava com

crianças da mesma faixa etária, seus planos e atividades, e a professora também as

realizou com sua turma. O desenvolvimento das atividades em parceria culminou na

produção de um texto reflexivo sobre as práticas e aprendizagens das crianças e foi

apresentado em um evento no ano 2014: Passo do curupira? Trabalhando medidas

na educação infantil (FERNANDES; PAULINO, 2014).

Ainda discutindo sobre as práticas de sala de aula, Anna Angélica, uma

professora experiente que esteve atuando por muito tempo na gestão e havia

retornado para a sala de aula naquele ano, compartilhou com o grupo a experiência

desenvolvida com seus alunos de quarto ano do Ensino Fundamental. Ela iniciou

seu relato oral contando um pouco da experiência de possibilitar situações para as

crianças que se expressassem durante a aula e sobre sua angústia em não saber

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lidar com tantas possibilidades de aprendizagem que a escuta dos estudantes

permite:

[...] a gente sabe que eles têm muitas coisas represadas para falar, sabe que se eles não falarem não vão ter certeza se as hipóteses de pensamento deles têm alguma coerência. Nós sabemos que temos de trabalhar em direção à construção da autonomia, da autoconfiança e de tantos itens da formação das crianças. Aí você quer ouvir, só que a hora que você começa a ouvir tem que filtrar o que será priorizado. Diante de tantas situações possíveis, como eu não vou perdê-las? Isso me causa muita angústia. (Arquivo de vídeo da pesquisadora. Encontro de 03/06/2014. Intervalo de tempo 0:48:19 a 0:48:47).

Anna Angélica, ao dizer que sabe da necessidade de escutar as crianças,

ainda que isso lhe cause certa angústia por não saber como lidar com tantas ideias,

informações e dúvidas dos estudantes, me remete à importância da escuta no

processo de pedagógico, num processo no qual ensinar exige saber escutar.

“Somente quem escuta paciente e criticamente o outro, fala com ele, mesmo que,

em certas condições, precise falar a ele” (FREIRE, 1996, p. 71). Nesse sentido, a

professora se desafia a:

[...] um escutar que vai mais além da possibilidade auditiva de cada um. Escutar, no sentido aqui discutido, significa a disponibilidade permanente por parte do sujeito que escuta para a abertura à fala do outro, ao gesto do outro, às diferenças do outro. (FREIRE, 1996, p. 75).

Anna Angélica nos conta que desenvolveu uma atividade com medidas

porque as crianças não estavam compreendendo as ideias relacionadas às

unidades de medida como: metro, centímetro, decímetro, mesmo estando no quarto

ano, e utilizando a régua como instrumento de medida em atividades cotidianas.

O comentário da professora me levou a pensar na problemática e nos

propósitos iniciais que me motivaram a desenvolver esta pesquisa: a dificuldade em

trabalhar as Grandezas e Medidas na escola, e a necessidade de retomar conteúdos

sobre o tema previstos para os anos anteriores de escolarização. Minha história com

as dificuldades em trabalhar diretamente com o ensino de noções e conteúdos sobre

Grandezas e Medidas na escola básica era parecida com a de Anna Angélica. A

preocupação da professora em abordar o tema com seus estudantes me fez reviver

aquele momento e compreender porque se sentia angustiada.

Anna Angélica nos contou que buscou problematizar a questão da

medida, e propôs como unidade não padronizada “o passo”, como na história do

curupira. Utilizou, porém, um contexto diferente e outro espaço da escola, a quadra,

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pois acreditava que isso tornaria mais compreensível para os estudantes a

necessidade uma unidade padrão de medida.

A professora nos disse que se dirigiu com seus alunos para a quadra da

escola. Solicitou que eles medissem, com seus passos, a largura da quadra, e

anotassem no caderno a quantidade de passos que tinham dado para realizar a

medição. Ela fez o mesmo e depois ficou observando a atitude dos alunos.

Percebeu que eles fizeram as medições com passos de comprimentos diferentes.

Na sequência, solicitou que cada estudante falasse em voz alta o resultado de sua

medição, com o intuito de que eles percebessem as diferenças nos resultados e nos

modos de medir de cada um.

A proposta tinha como intenção que os estudantes identificassem a

necessidade de um padrão, a definição de uma unidade de medida, o que não

ocorreu imediatamente. Diante da situação, Anna Angélica propôs outras questões e

exemplos para que tal objetivo fosse atingido.

A professora trouxe uma situação hipotética para que as crianças

pudessem pensar. “Imaginem o seguinte: uma pessoa contrata um pedreiro para

construir uma casa e indica que as dimensões são ‘tantos passos por tantos passos’.

O pedreiro, que tem um passo de tamanho diferente do proprietário que o contratou,

resolve fazer a medição desse modo, medindo com seus passos. Como se faz? De

que tamanho será a casa? Será que a construção vai ser nas dimensões pensadas

pelo dono? Será que não fica muito complicado se não houver uma regra?”. Anna

Angélica nos relatou que as questões propostas levaram seus alunos a perceberem

a necessidade do padrão.

A professora afirmou também que as crianças, embora estivessem no

quarto ano, não sabiam utilizar a régua, e salientou que foi necessário ensinar o uso

desse instrumento de medida, salientando especialmente o fato de iniciar a medição

a partir da marcação do zero e a necessidade de desconsiderar a pequena parte do

instrumento anterior a essa referência. Ela afirmou que mais de 70% de sua turma

não estava atenta à esses aspectos.

Tal situação provocou muitas discussões no grupo sobre o uso de

medidas padronizadas e/ou não. Naquele momento, Laís trouxe uma discussão

sobre o uso de materiais em aulas de Matemática:

Tem uma questão do concreto e o abstrato. Nem sempre aquilo que é manipulável, é concreto. Para nós professores isso é tão

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normal e tão comum que a gente acha é fácil para eles entenderem. (Arquivo de vídeo da pesquisadora. Encontro de 03/06/2014. Intervalo de tempo 0:51:37 a 0:51:45).

Conversamos que foi importante Anna Angélica observar que as crianças

não sabiam utilizar a régua, e que seria necessário ensiná-las. Comentamos que é

comum observarmos que as crianças não sabiam algo que era esperado que

tivessem aprendido em anos anteriores. Entretanto é compromisso do professor

ensinar no momento em que observam as dificuldades, e buscar não permitir que

uma situação como essa se reproduza em anos escolares posteriores.

Anna Angélica salientou que, posteriormente, também realizou com os

alunos a medição da quadra com trenas, para que percebessem o resultado

numérico lido no instrumento, e para que aprendessem a utilizar e fazer a leitura de

instrumentos utilizados para medir comprimentos como a trena e a régua.

Na continuidade da discussão sobre essa prática, Anna Angélica

comentou sobre a situação de conflito que muitos professores enfrentam no

cotidiano da escola, que permeia a prática do professor dos anos iniciais do Ensino

Fundamental: a consciência de que é necessário conhecer as dificuldades dos

estudantes e buscar estratégias para saná-las independentemente do ano escolar

em que estudam. Agregada a isso, há a cobrança que os órgãos oficiais exercem

sobre gestores e professores para “cumprir os conteúdos” e pelo uso contínuo de

apostilas e outros materiais que, muitas vezes, não atendem à necessidade de

aprendizagem das crianças. Ainda, algumas vezes, existe a pressão exercida pelas

famílias dos estudantes, que esperam cadernos preenchidos com atividades,

embora, muitas vezes, as crianças apresentem outras necessidades de

conhecimento matemático. Nessa perspectiva, em sua narrativa oral, Anna Angélica

ressalta:

[...] causa muito conflito na gente, saber que algo que é indispensável para que as crianças possam argumentar, para que possam realmente ter confiança de expor suas ideias, mas fica aquele relógio passando dentro da cabeça da gente, e aquelas páginas que você não deu conta, e o mês de junho que já chegou, e aquela impressão de que os outros têm o caderno abarrotado e os seus [alunos] não estão com o caderno repleto de atividades. Então em reunião de pais, você [fala]: gente, todas as vezes que vocês tiverem alguma dúvida venham perguntar para mim. [...] eu preciso conversar com seus filhos, eu preciso ouvir o que eles falam e discutir sobre o que eles pensam. As crianças precisam saber ligar uma coisa que eles viram hoje com outra que eles viram no ano passado, e que tem outra coisa para ver, eles pensam que é tudo separado, então vocês ficam esperando que as folhas estejam cheias, mas eu preciso que as cabeças estejam boas,

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então venham me perguntar. (Arquivo de vídeo da pesquisadora. Encontro de 03/06/2014. Intervalo de tempo 0:54:24 a 0:55:16).

A cobrança acerca da quantidade de conteúdo a ser trabalhado nas

turmas de Ensino Fundamental, a imposição e a cobrança pelo uso contínuo de

apostilas e outros materiais prescritos pelos sistemas de ensino, que buscam

uniformizar o trabalho docente e desconsideram os conhecimentos que os

professores têm sobre os alunos e suas necessidades de aprendizagem, podem ser

decorrentes da ampliação dos programas de avaliação em larga escala

desenvolvidos pelo Ministério da Educação, e também por Estados e Municípios.

Crecci (2016) exemplifica o caso da Secretaria Estadual de Educação de

São Paulo (Seesp), que criou uma política de ampliação do programa de avaliação

em larga escala, distribuiu cadernos apostilados aos professores e aos alunos da

rede, promoveu um curso de formação docente baseado na perspectiva da

racionalidade técnica que trouxe consequências sérias para as escolas, não apenas

na perspectiva pedagógica, mas também em termos de carreira e remuneração. Em

sua tese, Crecci (2016) apresenta alguns questionamentos feitos pelo Professor

Dario Fiorentini ao comentar sobre tal política na segunda edição do SHIAM, dentre

os quais destaco cinco que considero fundamentais:

1) Será que todos os alunos das escolas paulistas se encontram em um mesmo nível de formação e de necessidade de recuperação em conhecimentos e competências matemáticas?

2) A SEESP ouviu os professores, antes de impor esses materiais? 3) Os professores da escola tiveram oportunidade de participar da

elaboração (ou, pelo menos, da discussão) desses materiais? 4) Os professores puderam estudar e discutir os materiais antes de

aplicá-los? 5) Quais as consequências dessa política para o desenvolvimento do

professor, sobretudo para o desenvolvimento de sua capacidade de produzir uma prática curricular que atenda às necessidades de sua escola e de seus alunos? (CRECCI, 2016, p. 150-151).

As considerações de Anna Angélica se relacionam com as discussões

que Crecci (2016) apresenta sobre as consequências que a avaliação em larga

escala trouxe para a rede estadual de São Paulo, as quais penso que podem ser

análogas a outros sistemas de ensino e que precisam permanecer em pauta nas

agendas educacionais. Nesse sentido questiono, que locais e tempos existem para

que esse tipo de discussão seja realizado? Em quais momentos os professores

podem conversar sobre a educação como um compromisso social no qual a

qualidade não seja limitada a escores em testes padronizados?

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Em uma entrevista concedida à Fiorentini e Crecci (2016), Cochran-Smith

salienta que as comunidades investigativas se constituem num dos poucos espaços

nos quais se acredita que as pessoas possam obter apoio para a realização da

educação como compromisso social, porque estão se sustentando em um grupo.

Concordo com tal afirmação e considero que o GEProMAI se constitui em um

contexto colaborativo de investigação e reflexão sobre a prática, onde se discutem

os problemas que emergem das práticas docentes e da escola numa perspectiva da

educação como compromisso social.

A preocupação que Anna Angélica trouxe sobre a necessidade de

conhecer seus alunos, de saber quais são suas dificuldades e de pensar em ações

pedagógicas que possibilitem a aprendizagem da Matemática, em contraposição à

realização mecânica de exercícios ou de um excesso de repetições sem sentido,

apenas para que o estudante tenha seu caderno ou apostila preenchidos, me remete

às considerações de D’Ambrósio e Lopes, (2015) quando afirmam que “a

capacidade de penumbrar numa realidade pode nos conduzir a assumir uma

Educação Matemática que não dialoga com as pessoas com quem assumimos o

compromisso da formação, seja em qual nível de ensino for” (p. 14).

A situação de conflito apresentada pela professora Anna Angélica

evidenciou o importante papel do grupo de estudos como base de apoio para as

ações docentes, ainda que temporariamente. “É preciso apoiar as ansiedades que

acompanham as dificuldades inerentes à mudança e dar tempo para os professores

refletirem” (SARAIVA; PONTE, 2003, p. 4).

Anna Angélica não produziu uma narrativa escrita sobre sua prática, como

fez Karina. Ela anotou pontualmente em seu caderno alguns aspectos que

considerou importante discutir e contou oralmente os detalhes das atividades, suas

compreensões e preocupações para conversarmos no grupo. Entretanto também

agiu numa perspectiva de “desprivatização de sua prática” (Cochran-Smith, 2012).

Anna Angélica trouxe importantes contribuições para os participantes do

GEProMAI: criou e discutiu atividades matemáticas que propiciaram aos estudantes

realizar investigações e argumentações; ela percebeu uma necessidade de

aprendizagem dos estudantes e buscou estratégias didáticas para propiciá-la, como

o uso de instrumentos de medida do modo adequado; e trouxe para os demais

professores que atuam na Educação Infantil, uma experiência da realidade no

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Ensino Fundamental e os conflitos que permeiam a ação do docente que atua nesse

nível de escolarização.

Ao escutar a criança, como nos contaram as professoras Anna Angélica e

Karina, abre-se um espaço para a compreensão da dinâmica da sala de aula, pelo

estudante que aprende e constrói sua subjetividade em interação com colegas, e

docentes, pelos professores que ouvem, observam, investigam, propõem situações

problema para que os estudantes pensem, se expressem, argumentem,

comuniquem, fazendo da escola um ambiente onde a aprendizagem se concretiza.

As situações e conflitos cotidianos das escolas, como o ensino da

Matemática no paradigma do exercício nas aulas de Matemática no Ensino

Fundamental, em contraposição a propostas mais abertas, investigativas,

desenvolvidas num ambiente que “convida os alunos a formularem questões e

procurarem explicações” (SKOVSMOSE, 2000, p. 6) eram debatidos pelo grupo. Da

mesma maneira, considerávamos as dicotomias encontradas também na Educação

Infantil, tida por alguns como um ambiente exclusivo de brincadeiras livres e

independentes, sem qualquer tipo de interferência e intencionalidade do professor

em oposição a escolas totalmente voltadas para o trabalho com os conteúdos

disciplinares, com metas a atingir e propostas de atividades muitas vezes até

prescritas em apostilas. E mais, a antecipação do currículo escolar e acúmulo de

conteúdos segmento de ensino, são assuntos que eram muito debatidos no grupo,

pois não é possível estudar, planejar, refletir sobre a Educação Matemática na

infância, desconsiderando o contexto em que ela acontece.

Ao escrever esta narrativa busquei destacar os indícios de aprendizagem

dos participantes do GEProMAI a partir dos quatro eixos de análise propostos.

Entretanto, acredito que é importante fazer essas referências de modo mais direto

ao encerrar este relato.

A aprendizagem docente ancorada em interações apoiadas na tríade

GEProMAI-Escola-Autores (referenciais estudados) foi destacada quando Karina

enfatizou que pensou em desenvolver atividades com as crianças a partir dos textos

“O medir de crianças pré-escolares” (MOURA; LORENZATO, 2001) e “A Nossa

Lenda do Curupira”, discutidos no grupo, e a partir da leitura de capítulos do livro

“Educação Infantil e Percepção Matemática” (LORENZATO, 2006), que a professora

buscou espontaneamente.

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Nas práticas trazidas por Anna Angélica e Karina, observamos a

interlocução GEProMAI-Escola-Autores que, ao proporem atividades semelhantes

ou não às do texto estudado, “O medir de crianças pré-escolares” (MOURA;

LORENZATO, 2001), mantinham o mesmo objetivo, pois consideraram que perceber

a necessidade da padronização da unidade de medida era uma aprendizagem

importante para que os alunos compreendessem os conceitos matemáticos

relacionados às Grandezas e Medidas.

A mesma tríade - GEProMAI-Escola-Autores (referenciais estudados) - foi

observada nas discussões a respeito dos conflitos vivenciados no Ensino

Fundamental decorrentes da cobrança por conteúdos e de um currículo que

praticamente não abre espaço/tempo para que os estudantes manifestem seus

pensamentos e hipóteses. O grupo apoiou a professora Anna Angélica na

proposição de atividades exploratórias e investigativas e na valorização das

expressões, ainda que essas práticas, embora não fossem proibidas, eram pouco

reconhecidas na escola. O texto teórico estudado também colocava a necessidade

essencial da criança expressar-se em seu processo de aprendizagem.

A partir da teoria estudada, é possível afirmar que Anna Angélica refletiu

sobre sua própria prática na interlocução com o grupo, o que também propiciou a

todos aprendizagem, mudanças de concepções e crenças, e novas compreensões

sobre o que significa ensinar e aprender Matemática, aspectos que possibilitaram

mudanças em suas práticas docentes (SERRAZINA, 1999). Entretanto, essa ação

não foi compreendida como uma investigação sobre sua prática e sim com uma

reflexão na interlocução com os demais professores do grupo.

Quanto ao segundo eixo - indícios de aprendizagem a partir de

investigações e produção de narrativas sobre a própria prática – acredito que

puderam ser percebidos quando Karina compartilhou sua proposta com uma colega

da escola e ambas se tornaram parceiras no desenvolvimento de atividades que

envolviam medidas, a partir da história do curupira. Posteriormente refletiram juntas

sobre as aprendizagens das crianças e escreveram um texto “Passo do curupira?

Trabalhando medidas na educação infantil” (FERNANDES; PAULINO, 2014),

publicado nos anais do IX Seminário Faculdade de Educação “Educação Básica

Brasileira: Contexto e Perspectiva”:

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O presente trabalho decorre das discussões realizadas no Grupo de Estudos: Matematizando nos anos iniciais (grupo colaborativo que se reúne quinzenalmente, com o intuito de estudar e compartilhar a prática pedagógica em Matemática), no qual resolvemos iniciar os estudos e reflexões sobre a Matemática e sobre o trabalho com medidas em duas turmas de agrupamento III (crianças entre 4 e 6 anos) na rede Municipal de Campinas, respeitando-se as especificidades de cada turma (FERNANDES; PAULINO, 2014, p. 190)

Desenvolver as atividades com as crianças e produzir uma narrativa

reflexiva e fundamentada em aportes teóricos, possibilitou tanto à Karina quanto à

sua colega compreender, interpretar e aprimorar suas práticas no ambiente escolar.

As narrativas docentes contribuem para elucidar a complexidade do trabalho de

ensinar, aprender e liderar (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 1999)

Já quanto ao terceiro eixo, a colaboração no grupo como potencializadora

da aprendizagem docente foi observada nas conversas a respeito da escola, sobre o

que seria realmente importante abordar e como trabalhar a Matemática na Educação

Infantil e no Ensino Fundamental, se constitui como um aspecto importante ao

professor que quer aprender mais sobre sua prática e se desenvolver

profissionalmente. Refletir sobre como reagir diante de caminhos extremos é

essencial para que o docente planeje, desenvolva e avalie sua prática pedagógica.

As discussões a respeito do papel da escola e do professor que ensina

Matemática na infância, e pensar sobre o que seria uma “boa medida” para o

trabalho com a Educação Matemática no início da Educação Básica, se constituem

em assuntos importantes que mobilizaram o debate no GEProMAI e se constituem

em aprendizagem para todos os participantes.

Para Anna, o compromisso de discutir as práticas advindas da escola,

embora não seja uma obrigatoriedade para a participação, se configura como um

pacto que possibilita mudanças desejáveis e possíveis da prática docente:

Com os encontros e discussões neste grupo colaborativo, o compromisso com o que nos dispusemos a fazer com os alunos em sala de aula atinge um grau diferente. É como se tivéssemos feito um "pacto" e que, de nossas ações em sala de aula, retirássemos o alimento para o próximo encontro. Então, ficamos bem “desavontade” para descumprir o combinado. E quem ganha com isso são os alunos, que ficam com o resultado do nosso amadurecimento (Anna Angélica em narrativa individual enviada por e-mail em 14/09/2014).

Ao compartilhar suas experiências com o grupo, uma das primeiras

considerações que Karina colocou para o grupo foi sua apreensão em realizar um

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trabalho sobre medidas com as crianças. No entanto, a partir da interlocução com os

textos e com o grupo, ela planejou e desenvolveu atividades que ultrapassaram sua

proposta inicial, propôs diferentes formas de registro pelas crianças, envolveu outros

profissionais da escola em suas atividades, e buscou outros modos de abordar o

tema criando novas problematizações sobre as medidas. Essa atitude demonstrou

que a professora foi aprendendo mais sobre o tema e adquirindo maior confiança na

condução da Educação Matemática de seus alunos. Nessa perspectiva, Serrazina

(2014) fundamentada em Graven (2004) evidencia que a confiança do professor

cresce à medida que amplia seu domínio de novas ideias e práticas, e esta

confiança também é percebida quando o professor tem a expectativa de que seus

alunos são capazes de aprender Matemática.

Ao ouvirmos atentamente e refletirmos sobre as narrativas das práticas

das professoras Anna Angélica e Karina, todos nós do GEProMAI ressignificamos

aspectos conceituais da medida como compreensão de que medir é comparar,

aprendemos que é fundamental negociar os sentidos a respeito das unidades de

medidas tanto com crianças da Educação Infantil quanto dos anos iniciais do Ensino

Fundamental. Para que as crianças possam pensar sobre as medidas e realizar

atividades de medição de modo adequado compreendemos que é necessário propor

práticas que propiciem diferentes situações comparação de grandezas, realizações

de medições e de expressão numérica dos resultados dessas comparações.

Para Saraiva e Ponte (2003) o professor aprende por meio da reflexão

sobre a experiência, e não diretamente a partir dela. Nesse sentido, podemos

aprender a partir das experiências dos outros, desde que devidamente

documentadas e discutidas. Para os autores:

O desenvolvimento profissional realiza-se por um movimento a partir das práticas dos outros para a nossa própria prática, da teoria para a prática, da prática para a teoria. O professor aprenderá nos locais formais nos quais ouve, lê e discute ideias acerca da prática de ensino e das raízes teóricas, quer a partir da própria experiência, devidamente considerada e refletida, quer a partir da experiência de outros profissionais, através de trocas de experiência (SARAIVA E PONTE, 2003, p. 8).

Em concordância com a concepção dos autores, considero que o GEProMAI

veio se constituído em um ambiente colaborativo em que os estudos dos textos

mobilizaram os professores para que desenvolvessem e refletissem sobre sua

prática e compartilhassem com o grupo suas ações e reflexões, o que proporcionou

que todos os demais participantes do grupo aprendessem nesse processo. Refletir

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sobre as práticas ancoradas nos estudos teóricos possibilitou que os professores do

grupo aprofundassem seus conhecimentos sobre o tema medidas e sobre cotidiano

docente em diferentes níveis de ensino.

As conversas sobre o trabalho como a lenda do curupira e da medição da

quadra de esportes manteve o grupo motivado para a continuidade do estudo nos

próximos encontros, como comenta Karina em sua narrativa sobre o terceiro

encontro:

Conversamos sobre as atividades desenvolvidas com as crianças em relação ao trabalho com medidas. Relatei as falas e impressões que obtive no trabalho desenvolvido durante a semana, com uma turma de 27 crianças, com idades entre 3 e 6 anos. A proposta da Lenda do Curupira envolveu as crianças e a riqueza de ideias e hipóteses das crianças me surpreendeu. O meu grupo de crianças ainda não percebeu a necessidade de um padrão de medida. Porém, todo o processo desenvolvido proporcionou vivências variadas às crianças e a oportunidade de diálogo e reflexão em grupo. [...]. O nosso 3° Encontro foi muito instigante e concordamos em continuar o trabalho com medidas (Narrativa sobre o encontro de 03/06/2014 elaborada por Karina).

As reverberações dos estudos em grupo nas práticas dos participantes

ocorreram por meio das atividades realizadas pelas professoras Anna Angélica e

Karina nas escolas em que atuam. A interlocução com os participantes do grupo e

com textos estudados se fizeram presentes nas instituições em que elas trabalham,

não como uma reprodução literal do que foi estudado e discutido, uma replicação

direta de outras experiências, mas como uma elaboração própria de cada

professora, considerando suas aprendizagens pessoais e o contexto de atuação de

cada uma.

Para Karina, o estudo sobre medidas no grupo colaborativo se configurou

como uma oportunidade de mudança nas práticas de trabalhar Grandezas e

Medidas com as crianças, ou seja, a reverberação presente na prática da

professora, nas suas ações na escola. Tal reverberação se deu por meio do trabalho

com a Lenda do Curupira, uma proposta diferente das realizadas sobre o tema:

Minhas tentativas de trabalho com medidas, até então, restringiam-se em medir as crianças com barbante, depois com fita métrica, compará-los e expor as medidas de cada um” (narrativa individual de Karina enviada por e-mail em 12/09/2014).

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Anna Angélica salienta que, no GEProMAI, os professores se dispunham

a melhorar a qualidade de suas aulas, de mudar a educação. O texto estudado, as

discussões realizadas, reverberam no olhar atento para a necessidade de

aprendizagem dos instrumentos de medida e pelas atividades que a professora

desenvolveu com o intuito de alterar essa realidade:

Quando participamos de grupos assim, cujos integrantes se reúnem porque se dispuseram a crescer, a dar um salto qualitativo na própria prática, ficamos com a certeza interior de que o caminho para uma mudança real na Educação é realmente o movimento coletivo e entrosado daqueles que acreditam que é possível educar para a autonomia e intervenção na realidade. Que bom que começamos isso! (narrativa individual de Anna Angélica enviada por e-mail em 14/09/2014).

As aprendizagens e experiências aqui narradas me remetem à ideia de

aliança colaborativa. Essa aliança, termo cunhado por Fiorentini (2013) ao referir-se

às práticas desenvolvidas pelo GdS, acredito que também se estabeleceu no

GEProMAI. Para Fiorentini (2013a), “[...] ao constituir essa aliança colaborativa

entre diferentes profissionais, juntos aprendemos a refletir, analisar e problematizar a

prática docente e pedagógica da escola básica e a negociar as mudanças

desejáveis e possíveis dessa prática” (FIORENTINI, 2013a, p. 69).

É importante enfatizar que para conversar sobre a própria a experiência,

colocar as dúvidas, compartilhar os conflitos vivenciados e criar uma empatia com a

experiência dos colegas, foi essencial a criação de vínculos de amizade e

companheirismo, o que ocorreu de modo natural entre todos participantes.

Nesse sentido é possível afirmar que as participantes do GEProMAI,

desde o início de sua constituição, buscaram respeitar e apoiar os professores tanto

no aspecto intelectual, propiciando momentos de estudos e reflexões teóricas sobre

Matemática, quanto nos aspectos pedagógicos para o seu ensino. Mas, além disso,

também ofereceram apoio afetivo aos seus participantes, propiciando o diálogo,

apresentando sugestões, e evitando emitir julgamentos a respeito da conduta dos

professores.

A atitude de compartilhar no grupo experiências sobre ensinar e aprender

Matemática na infância, sobre o tema medidas, mostra ainda que as professoras

Karina e Anna Angélica optaram por desprivatizar suas práticas (Cochran-Smith,

2012), colocando-as em discussão com o grupo, saindo da situação de isolamento,

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que não é rara nas escolas do nosso país. Para Cochran-Smith (2012) a

desprivatização das práticas e o apoio de outros professores na construção conjunta

do conhecimento sobre a docência em comunidades podem ser benéficos aos

docentes em certos contextos, ou se tornarem ameaçadores em determinadas

circunstâncias, possibilitando o aumento da ansiedade e vulnerabilidade.

No GEProMAI, é possível considerar essa prática como benéfica para todos

os participantes: para os professores que compartilharam suas experiências, para os

que discutiram e aprenderam com a experiência do outro, para o professor que

atuava na universidade e se aproximava da realidade da escola e que, juntamente

com os demais, articulava a teoria à uma prática real, e especialmente para mim,

que encontrei um campo profícuo não apenas para realizar esta pesquisa, mas

também para aprender com professores da Educação Básica e do Ensino Superior.

É relevante ressaltar que, nesta narrativa, trago os episódios que

mobilizaram maior participação do grupo em sua discussão. Comento o

protagonismo das professoras Karina e Anna Angélica por compartilharem no grupo

suas práticas, algumas colocações da Dora, da Laís e minhas nesses momentos.

Entretanto estiveram presentes outros professores que fizeram menos colocações

durante o encontro, mas que também aprenderam com as discussões do grupo.

Ouvir, prestar atenção, concordar com um olhar, um sorriso, um aceno

sutil, também são formas de participar, especialmente se a pessoas não se sentem

tão à vontade para se expressar explicitamente sobre a prática do outro, num início

de interlocução num grupo. Respeitar o modo como cada professor deseja participar

também se configura como um dos nossos modos de “ser um grupo colaborativo”.

5.2 Aprendizagens sobre medidas e Geometria: Tangram e Meli-Melô

Em fevereiro de 2015, retomamos os encontros GEProMAI, depois de um

período de férias. Laís e eu demos as boas-vindas aos presentes. Nesse meio

tempo foi chegando uma pessoa, outra, e outra e passados uns vinte minutos

éramos quinze pessoas na sala, algumas “antigas” como eu, Karina, Laís, Ana Paula

e Élica, outras que retornaram depois de algum tempo como Adriana e Tatiane, e

oito professores “novos”. Ficamos felizes em razão de estarmos entre muita gente

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declarando seu desejo de estudar Matemática e ansiedade por comentar sobre suas

experiências na docência da Educação Infantil e Ensino Fundamental.

Como de costume, os participantes se apresentaram. Em seguida,

comentei que o grupo se configurava como o cenário de pesquisa desta tese, e

expliquei sobre minhas investigações a respeito da aprendizagem e

desenvolvimento profissional de professores do grupo. Na sequência, a Laís se

apresentou e expôs as características do grupo, detalhando com entusiasmo a

perspectiva da colaboração, as nossas práticas e, por fim, mostrou nosso site.

Uma questão que nos chamou a atenção naquele momento foi o fato de

quase todos os professores iniciantes no grupo disseram que pretendiam participar

do GEProMAI porque não gostavam de Matemática e sentiam que precisavam

estudar e aprender mais. Mas, principalmente, afirmaram que gostariam que seus

alunos aprendessem e não tivessem medo da Matemática. Rita declarou sua

insegurança em relação à Matemática ao escrever sua primeira narrativa no grupo:

Ingressei no GEProMAI – Grupo de Professores Matematizando nos anos iniciais (entendendo como anos iniciais a Educação Infantil e Ensino Fundamental) - impulsionada, a princípio, pela dificuldade e resistência pessoal que me acompanhou durante os meus anos escolares e, ainda, pelo receio de que meus alunos tivessem os mesmos sentimentos que eu pela tão temida, polêmica, porém instigante Matemática (excerto da narrativa de Rita, enviada por e-mail em 10 mar. 2015).

Nas falas e atitudes dos professores, observei que todos demonstravam

um desejo muito grande em se tornar profissionais cada vez melhores. Aliás, esta

tem sido uma característica observada como uma “marca” desse grupo. Laís

ratificou essa minha impressão em sua narrativa sobre esse encontro:

[...] todos que aqui chegam e dizem não ser da Matemática, ou

não gostar dessa área de conhecimento. Ledo engano! Não

gostamos da forma como tem sido ensinada na escola de hoje.

Buscamos melhorar a nossa prática e estamos aqui para isso

(narrativa individual, enviada a mim por e-mail em 10 mar.

2015).

Após as apresentações e comentários sobre formação e vida profissional,

conversamos sobre o cronograma dos encontros e estabelecemos

colaborativamente algumas ações para o semestre. Como destaquei anteriormente,

essa agenda era elaborada a partir de questões que os professores trazem das

escolas. A partir da problematização dos contextos e das práticas, buscamos

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estudar e desenvolver propostas alternativas para o ensino e aprendizagem da

Matemática na infância.

Ao encerramos as atividades do grupo em 2014, estabelecemos que para

2015 iríamos articular as Grandezas e Medidas e a Geometria. Em razão disso

optamos por trabalhar com o Tangram, buscando destacar as potencialidades de

seu uso para noções e conceitos matemáticos relacionados às medidas e à

Geometria. Nesse encontro também nos propusemos a estudar e discutir o texto

“Pelos caminhos de uma nova experiência no ensino de Geometria”, escrito por

Eliane Matesco Cristóvão, o qual aborda o trabalho com esse quebra-cabeça com

estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental.

Antes de iniciarmos as atividades com o Tangram eu e a Laís

conversamos a respeito da produção da narrativa sobre o encontro. Laís sugeriu que

cada pessoa escrevesse uma narrativa pessoal para compartilharmos

posteriormente e recomendou que nas narrativas, além dos aspectos afetivos que

sempre colocávamos em nossos relatos, nos dedicássemos a pensar sobre as

aprendizagens conceituais e dos conteúdos discutidos.

Ao convidar cada participante a produzir uma narrativa sobre as próprias

aprendizagens e ao propor que fossem destacados aspectos relacionados ao

conteúdo estudado/aprendido no encontro, Laís colocou em evidência a relevância

que a escrita de narrativas tinha para o GEProMAI. Destacou esse modo de

escrever em uma das perspectivas apresentadas por Fiorentini (2010) considerando

que a “escrita e o conhecimento de si podem levar-nos a produzir conhecimentos e a

construir saberes sobre o modo de ensiná-los” (p. 114).

Após concordarmos em escrever narrativas individuais sobre o encontro,

iniciamos a dobradura do Tangram. Alguns professores comentaram que já

construíram o quebra-cabeça nas aulas de Matemática na graduação ou na

especialização. Entretanto não se recordavam de detalhes de sua elaboração,

tampouco das possibilidades de sua utilização no ensino de noções e conceitos

matemáticos. Tais comentários me permitem afirmar que, embora tivessem

conhecido e explorado a construção do Tangram em algum momento da formação

acadêmica, possivelmente não realizaram essa atividade com suas turmas enquanto

docentes, ou seja, tais aprendizagens não reverberaram em suas práticas.

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Para Serrazina (1999), aprender a criar novas tarefas, usar diferentes

técnicas e materiais é importante, porém não é suficiente para que o professor da

infância mude suas práticas. Para a autora, além de novas estratégias e materiais é

fundamental que o professor tenha tempo para refletir sobre suas crenças quanto ao

ensinar e ao aprender Matemática, para observar seus alunos e tentar compreender

sua forma de pensar, e analisar suas práticas. Tais considerações mostram a

relevância dos ambientes formativos em que os docentes têm oportunidade de

compartilhar experiências, compreender e problematizar a prática, e também os

aspectos conceituais e teóricos que as fundamentam, desvelando sua pertinência,

possibilidades e limitações em relação ao exercício do trabalho decente (FIORETINI,

CARVALHO, 2015).

Durante o encontro, os professores estavam interessados em

confeccionar o Tangram. Após a distribuição de folhas de sulfite coloridas, todos

começaram a construir o quebra-cabeça. Ao iniciar a confecção das peças,

comentei que estávamos recortando as folhas de papel que, mesmo com uma

pequena altura, possuíam três dimensões e não poderiam ser chamadas de figuras

geométricas. Entretanto acordamos que trataríamos as nomenclaturas das peças na

perspectiva plana, bidimensional.

Começamos obtendo o maior “quadrado” possível de ser extraído de uma

folha sulfite e discutimos as características dessa figura; número de lados, número

de ângulos e suas características. Também comentamos as relações entre o

quadrado e o cubo.

As mesmas indagações foram feitas sobre o “retângulo” que resultou do

recorte do “quadrado”. Em seguida, fizemos a divisão do maior “quadrado” em dois

“triângulos” iguais. Na sequência dividimos um desses triângulos em dois outros

iguais.

Continuando com novas dobraduras e recortes no outro triângulo

resultante da divisão do quadrado, encontramos outros dois “triângulos” menores,

um “paralelogramo” e um “quadrado”. Dessa maneira construímos as sete peças do

Tangram.

Durante a confecção do quebra-cabeça, discutimos as características do

formato das peças, conversamos sobre congruência, semelhança de ângulos e

proporção das figuras. A cada peça, fomos comentando sobre suas características,

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lembrando que na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental a

Geometria e as medidas são abordadas de acordo com as características da escola,

da turma, do currículo, entre outras questões específicas.

Após a construção do quebra-cabeça, começamos a conversar sobre

como aquele material poderia ser utilizado pelas crianças dos diferentes anos

escolares e que aprendizagens poderia propiciar, incluindo ainda a apresentação de

algumas lendas sobre o mesmo. As professoras sugeriram que as crianças

pequenas podiam explorar, separar, classificar as peças, e a partir da criatividade de

cada um montar figuras de modo espontâneo. Nesse momento surgiu um diálogo

interessante. A professora Luciana, que atuava em escola pública, disse que em sua

turma as crianças unem as peças do Tangram ou dos Blocos Lógicos e formam

palhaços, animais e outras figuras. Outros professores comentaram que

desenvolviam atividades com o Tangram apresentando modelos para que as

crianças reproduzissem.

Os comentários sobre tais experiências na escola, mobilizaram discussões a

respeito da importância de que as crianças sejam incentivadas a criar livremente, por

meio de desenhos, construções, jogos, brincadeiras e outras estratégias, que

privilegiem a ludicidade nesse nível educacional. Nas palavras de Lima e Mello:

[...] a atividade lúdica torna-se o fazer que mais provoca as aprendizagens propulsoras de desenvolvimento na infância, isto é, a atividade principal dos primeiros anos de vida e um direito da criança, cuja garantia pode elevar os níveis de humanização na infância (LIMA; MELLO, 2006, p. 26).

Assim como comentei na narrativa anterior sobre medidas de

comprimento, os aspectos a respeito do contexto institucional e das práticas

docentes na Educação Infantil se configuraram como um assunto recorrente nos

encontros do GEProMAI, uma vez que com frequência emergiam nos encontros

discussões sobre a complexidade da docência na infância. Ser professor que ensina

Matemática na infância implica o enfrentamento diário de múltiplos desafios, como:

compreender o ensinar e o aprender nestas idades; a formação docente para as

diferentes áreas do saber e em particular na Matemática; compreender que

características ou conhecimentos são necessários para que um professor seja

considerado proficiente para atuar com esta faixa etária (SERRAZINA, 2014). Ao

lado dessas questões, no grupo, consideramos importante também refletir a respeito

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das compreensões de infância, currículo e papel do ensino, da educação e do

professor em cada contexto.

Outro ponto importante da discussão foi o texto que subsidiou nossas

ações naquele dia: Pelos caminhos de uma nova experiência no ensino de

Geometria (CRISTÓVÃO, 2010). No texto a autora apresenta o trabalho que realizou

utilizando o Tangram com estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental. Três

aspectos chamaram a atenção dos professores do GEProMAI nesse texto: a tarefa

que possibilitou aos próprios estudantes construírem seu próprio Tangram, a

exploração de conceitos prévios para negociação coletiva de significados de

conceitos matemáticos e o relato de situações que não ocorreram de acordo com a

expectativa da professora, de experiências que “não deram certo”. De acordo com

Karina:

[...] eu achei legal aquilo que ela falou de negociação de significados. Então tudo era negociado com a turma até eles chegarem num consenso. Ele não chegava dizendo isso é vértice, isso é ângulo (Arquivo de vídeo da pesquisadora. Encontro de 24/02/2015. Intervalo de tempo 0:59:52 a 1:00:04).

O comentário de Karina traz em destaque uma aprendizagem por meio da

tríade GEProMAI-Escola-Autores. Ela colocou em evidência algo novo em aulas de

Matemática, a “negociação de significados”. Durante o encontro, conversamos que

os conhecimentos produzidos por professores e estudantes ocorrem durante o

desenvolvimento das práticas. Se não houver compreensão de um termo ou

conceito matemático, importante para o desenvolvimento da tarefa, esta não terá

sentido para o estudante, não propiciará novas aprendizagens. Diante disso é

fundamental desenvolver uma escuta sensível ao que os estudantes dizem, com

suas respostas e significações, para que o professor consiga fazer a gestão da

aprendizagem e negociar os significados necessários ao bom desenvolvimento das

atividades em classe (FIORENTINI, 2013, b).

Na continuidade do encontro, discutimos brevemente sobre a medida de

área e de perímetro a partir das observações do Tangram, destacando que seria

possível explorar a organização das peças formando diferentes figuras, e que a área

se conservaria. Com relação ao perímetro, poderia haver alteração, entretanto não

exploramos essas questões de modo mais aprofundado. Comentamos ainda que no

texto de Cristóvão (2010) a autora abordou a resolução de problemas e outras

atividades para sistematizar as aprendizagens, e ressaltamos que nos anos iniciais

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trabalhamos com área e perímetro a partir das situações problema, de medições, da

utilização de papéis quadriculados sem a introdução de fórmulas, mas para explorar

a aprendizagem do conceito. Naquele encontro comentei brevemente sobre o

quebra-cabeça Meli-Melô, parecido com o Tangram, mas que possui apenas cinco

peças.

Encerramos o encontro presencial. Entretanto as conversas sobre o

Tangram e o Meli-Melô se mantiveram em pauta ao longo do tempo entre esta e a

próxima reunião, pelo WhatsApp e nas trocas de e-mails. Karina se interessou pelo

Meli-Melô, estudou mais o quebra-cabeças a partir de um texto publicado por Smole,

Diniz e Candido (2003) e me convidou a pensar com ela sobre uma proposta,

também solicitando que a auxiliasse em seu desenvolvimento na escola, pois estava

entusiasmada em trabalhar com as crianças a Geometria e as medidas a partir do

Meli-Melô.

Durante o planejamento das atividades, Karina se manteve focada em

pensar práticas que mantivessem o caráter lúdico, próprio da Educação Infantil.

Buscou ainda confeccionar as peças em papel cartão e de tamanho adequado à

manipulação pelas crianças, e propôs questionamentos e explorações que

propiciassem aprendizagens e também fossem do interesse de sua turma.

Considerando seus objetivos, organizou um plano no qual descreveu atividades,

materiais e questionamentos que poderiam suscitar curiosidade, exploração e

argumentação pelas crianças.

Depois de nossas conversas presenciais e virtuais, Karina apresentou seu

plano no GEProMAI em outro encontro. As atividades propostas envolviam:

exploração livre; classificação das peças a partir de critérios próprios; montagem

livre de figura; montagem de figuras a partir de modelos (silhuetas); realização do

jogo do comprimento (SMOLE, DINIZ E CANDIDO, 2003). Após as discussões, o

grupo acrescentou alguns questionamentos para exploração do quebra-cabeças, o

registro das atividades por meio do desenho e a elaboração coletiva de uma história

a partir das figuras construídas.

As propostas de Karina suscitaram discussões, especialmente a respeito

das possibilidades de que as crianças com até cinco anos conseguissem realizar as

atividades sugeridas por ela. Gislaine disse que acreditava que sim, mas salientou

que era fundamental que a professora observasse o envolvimento e ações das

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crianças, e caso a proposta não estivesse dando certo, seria importante rever o

processo e não insistir em manter o plano. Gislaine enfatizou ainda que elaborar um

registro apontando as dificuldades e os pontos a serem melhorados favoreceria a

avaliação e o replanejamento.

Ao planejar atividades a serem desenvolvidas com a turma e ao ser

questionada pelos participantes do grupo, Karina considerou que podia iniciar a

proposta, interagir com as crianças, observar e registrar suas aprendizagens, com a

perspectiva de mudar a proposta se esta estivesse além das possibilidades das

crianças, ou ainda se percebesse que as mesmas não despertaram o interesse e a

participação do grupo. Tal posicionamento de Karina nos permite observar que ela,

enquanto professora, possui altas expectativas para as crianças de sua turma e

busca proporcionar oportunidades para que elas aprendam noções matemáticas e

realizem atividades desafiadoras. Em relação ao seu trabalho, também a proposta

era desafiadora, mas tinha a percepção de ser uma docente capaz de lidar com uma

situação difícil em sala e que possuía condições de alterar seu plano, caso fosse

necessário, mas com o compromisso de oferecer boas oportunidades de

aprendizagem às crianças. (COCHRAN-SMITH, 2012).

Para auxiliar na compreensão e ampliar as discussões sobre

possibilidades de atividades com os quebra-cabeças na Educação Infantil, Laís

trouxe um exemplar de Meli-Melô e um de Tangran construídos por ela. Contou-nos

as atividades que tinha realizado com seu sobrinho, em casa, explorando o material.

Na época, Laís ainda não estava lecionando numa escola, o que não limitava sua

participação no grupo. Ela encontrou um modo de realizar e compartilhar práticas de

ensinar e aprender Matemática num ambiente não escolar.

Laís comentou também sobre duas atividades que encontrou em um blog

de um Grupo de Estudos de Matemática da UFSCar

(http://educacaomatematicanainfancia.blogspot.com.br/search?q=meli). Nessas

atividades, as professoras utilizaram o Tangran e o Meli-Melô. Chamou a atenção a

maneira como foram construídas as peças do jogo. Nas atividades descritas foram

utilizadas caixas de leite para confeccionar quebra-cabeças tridimensionais e

explorar os conceitos geométricos, além de explorar outros temas como a

reciclagem.

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Na continuidade do encontro, partimos para novas explorações do

Tangram e o Meli-Melô. Dora aprofundou as discussões sobre área e perímetro, algo

que havíamos apenas comentado no encontro anterior, e propôs que formássemos

qualquer figura com o Tangram ou Meli-Melô. Em seguida, solicitou que com um

pedaço de barbante contornássemos as figuras e comparássemos as formas e o

comprimento do barbante utilizado para medi-las. Durante as atividades Dora

instigou-nos a pensar porque os comprimentos dos contornos mudam, se foram

usadas as mesmas peças para compor as diferentes figuras. Após diversas

explorações e comparações os participantes observaram que, quanto mais

agrupadas as figuras, quanto menos lados ficarem expostos, menor será o

perímetro. Na sequência passamos a organizar as peças do Tangram e formar

figuras buscando os maiores e os menores perímetros possíveis.

Dora propôs que pensássemos se a área das figuras formadas pelas

peças também seria alterada de acordo com seu formato ou se ficariam

conservadas. Todas essas possibilidades foram discutidas também na perspectiva

do trabalho com as crianças. Pensando em como trabalhar a área, Daniel sugeriu o

uso da malha quadriculada. Indicou ser possível colocar a peça sobre da malha e

contorna-la com lápis. Isso facilitaria a observação de quantos quadrados é preciso

para preencher cada figura e também observar se a conservação da área das

figuras se apresenta.

Finalizamos o encontro pensando em uma organização do grupo para

participação no V Seminário Nacional de Histórias e Investigações de/em Aulas de

Matemática (SHIAM), realizado na Unicamp em julho de 2015.

As discussões sobre geometria, medidas, Tangram e Meli-Melô

possibilitaram diferentes aprendizagens aos professores envolvendo aspectos

conceituais relacionados aos conteúdos estudados, e didático-metodológicos sobre

o trabalho com as crianças dos diferentes níveis educacionais.

Aprendemos (ou relembramos) que formas congruentes são aquelas que possuem mesma forma e tamanho explorando as peças do Tangram, que é um jogo composto por 7 peças, sendo duas peças triângulos grandes congruentes e dois triângulos pequenos, também congruentes. Socializamos e discutimos o conceito de área e perímetro, sendo a área a medida total da superfície da forma (a quantidade de papel, como foi dito no texto da Eliana e no encontro) e o perímetro, a soma de todos os lados desta forma (excerto da narrativa da Ana Paula, enviada por e-mail em 09 mar. 2015).

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Para Ana Paula, o conteúdo matemático explorado a partir do Tangram se

configurou como uma ressignificação importante, uma vez que já conhecia o quebra-

cabeça e algumas possibilidades de sua exploração. Entretanto, no contexto de

trocas no grupo, foi possível a produção de novos significados e novas

interpretações sobre o que sabia.

Laís também discorreu sobre suas aprendizagens com o Tangram no

grupo, ressaltando que já conhecia esse quebra-cabeça, mas que os estudos e

discussões realizados no GEProMAI propiciaram novos saberes. A professora

ressaltou também a importância da leitura do texto estudado pelo grupo que enfocou

aspectos teóricos e práticos relativos à exploração do Tangram com estudantes dos

anos finais do Ensino Fundamental (CRISTÓVÃO, 2010), colocando em destaque a

aprendizagem ancorada na tríade GEProMAI-Escola-Autores:

[...] embora já houvesse discutido sobre a utilização do Tangram durante a formação acadêmica, foram muitas as aprendizagens adquiridas ao longo dos nossos encontros no Grupo de Estudos. Entre elas destaco: a história milenar deste quebra-cabeça; a variedade de figuras que podemos formar (cerca de 1700); os conteúdos a serem trabalhados (criatividade e raciocínio lógico, identificação de formas planas, habilidade de leitura de imagem e a observação como percepção visual, a diferenciação e a nomeação de formas geométricas, aplicação de diferentes estratégias para a resolução de problemas e a negociação de significados, a sobreposição de figuras, a criação de figuras livres e dirigidas, a comparação com objetos do dia-a-dia, conceito de área e perímetro). A leitura do texto-base, como também nós sempre fazemos nos encontros, é sempre um meio de clarear tais contextos. Nesse caso, a leitura realizada foi: “Pelos caminhos de uma nova experiência no ensino da Geometria”, de Eliane Matesco Cristóvão. Tal leitura nos levou a refletir sobre diversos aspectos, pois, em sua escrita, a autora narra sobre suas experiências com o ensino da Matemática por meio da aplicação de diversos jogos e brincadeiras, entre eles, o Tangram. O que mais me chamou a atenção foi a importância que ela deu à construção do Tangram pelas próprias crianças e a forma como conduziu essa atividade (fazendo-os refletir sobre as características geométricas de cada peça). No GEProMAI, ao discutir sobre a leitura, também consideramos a importância de deixar com que as crianças façam parte desse processo de construção e de como é essencial o preparo do professor para receber os resultados deste trabalho. Frisamos, mais uma vez, a importância de registrar as angústias e os caminhos assumidos por nós docentes que muitas vezes não dão certo e precisam ser modificados por meio da negociação com a classe (excerto da narrativa da Laís enviada por e-mail em 10 mar. 2015).

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As narrativas de Ana Paula e Lais mostram novas significações de

conceitos matemáticos e didático-metodológicos configuradas a partir da exploração

do Tangram e do Meli-Melô no contexto do GEProMAI. A ressignificação atua sobre

as experiências e os saberes em ação que vêm sendo elaborados pelos sujeitos que

se encontram para conversar sobre tais assuntos, produzidos na partilha, na troca e

interação com o(s) outro(s), como um processo experienciado pelos sujeitos, que

pode ser consciente ou inconsciente (JIMENEZ-ESPINOSA, 2002).

Daniel falou de suas aprendizagens sobre a exploração do Tangram

ressaltando o desafio dos professores em trabalhar os conceitos matemáticos numa

perspectiva próxima à realidade dos estudantes:

Do encontro no qual foi abordado o uso pedagógico do Tangram o que restou de mais significativo em minhas recordações foi o modo lúdico, concreto e espontâneo de como a Professora Dora apropriou-se do material para explorar suas possibilidades de utilização. Durante suas considerações a abordagem acerca das relações entre a área e o perímetro das figuras que compõem o Tangram foi, no mínimo, inspiradora, além de desafiar os educadores a construir em suas práticas cotidianas o encontro dos conceitos matemáticos com a realidade do estudante (excerto da narrativa de Daniel, enviada por e-mail em 08 abr. 2015).

Karina, em sua narrativa, destacou a importância de espaços e tempos

para que o professor possa investigar, dialogar e produzir conhecimentos sobre

ensinar e aprender Matemática, um contexto em que as experiências dos

professores fossem valorizadas e que se configurassem como um contexto de

múltiplas oportunidades de aprendizagem da docência.

[...] as discussões e reflexões reforçaram a ideia de que é fundamental propiciar maior espaço para a investigação, manipulação, construção coletiva e o diálogo. E tudo isso se faz “vivo” e mais consistente em minha formação, porque no GEProMAI vivenciei este processo, em que a fala, as ideias, o lúdico e a troca são valorizados. E isso faz muita diferença. Ter a oportunidade de experimentar o prazer em compreender e atribuir significado, deveria ser um direito, principalmente àqueles que escolheram a docência como profissão. Agora, um “incômodo agradável” me persegue... Como garantir às crianças momentos significativos de aprendizagem? (excerto da narrativa de Karina).

Tanto Daniel quanto Karina, professores que atuam há vários anos na

docência, ressaltaram em suas narrativas reflexões - inspiração e/ou incômodo - que

as discussões e interlocuções com os participantes no grupo propiciaram sobre o

ensinar e aprender Matemática na infância. Essa inspiração e incômodo podem ser

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compreendidos como uma problematização da complexidade das práticas docentes,

considerando seus diversos contextos e a busca por diferentes estratégias para o

ensino e à aprendizagem da Matemática na infância.

Tais reflexões demonstram o caráter altamente formativo das discussões

e das práticas desenvolvidas pelos participantes no GEProMAI, e coloca o contexto

de colaboração do grupo como potencializador da aprendizagem docente e como

elemento propulsor para a mobilização de esforços dos professores na mudança da

prática e da realidade escolar.

As conversas sobre Tangram, Meli-Melô, Geometria e medidas não

terminaram com o fim desse segundo encontro sobre o assunto, muito pelo

contrário.

Numa noite da semana seguinte, após o encontro, por volta das 21h,

recebemos no WhatsApp do grupo uma mensagem da professora “B10” dizendo que

precisava de ajuda, pois iria trabalhar Geometria com suas crianças e não se

recordava da diferença entre o paralelogramo e o trapézio. Depois de alguns

minutos, eu respondi, também por meio de mensagem, que o paralelogramo tinha

dois pares de lados opostos paralelos e o trapézio, apenas um par de lados opostos

paralelos e que ambos eram quadriláteros. Dora, depois de cerca de 40 minutos,

acessou a mensagem e respondeu que já havia visto minha resposta. Na sequência,

“B” questionou se o trapézio pode ter mais de uma reta perpendicular. Eu respondo

que, se tivesse retas perpendiculares, seria um trapézio retângulo e que duas retas

perpendiculares formavam um ângulo reto, “B” agradeceu.

Logo em seguida, Dora complementou que quadrado e retângulo também

são paralelogramos, e Lais também se manifestou: “nossa agora fiquei confusa, no

Tangram então temos dois paralelogramos?” Outras pessoas do grupo também

enviaram mensagens sobre outros assuntos e, na sequência, Dora enviou ao grupo

uma foto de um paralelogramo que havia desenhado e respondeu que,

costumeiramente, não nomeávamos o quadrado por paralelogramo, mas que ele era

um paralelogramo particular, tendo os quatro lados iguais e ângulos de 90º e que

esta última informação o configurava também em um retângulo. Laís interagiu

novamente: “Uau! O quadrado tem muitas propriedades”. Dora desenhou um

trapézio isósceles e outro retângulo e enviou a foto dos desenhos para o grupo com

10 Optei por apresentar essa professora pela inicial “B” para preservar sua identidade porque

participou de poucos encontros no início do semestre.

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o intuito de que percebêssemos as diferenças. Neste ponto da conversa, já era

quase meia noite.

Nessa interação pelo WhatsApp é possível perceber que os participantes

do grupo permaneceram conectados, não apenas com a perspectiva de uso da

internet, mas por uma conexão de ideias sobre a Matemática e sobre a docência. O

GEProMAI se constituiu, naquele momento, em um apoio para a professora, e sua a

dúvida mobilizou discussões relacionadas a conceitos sobre Geometria que

possibilitou aprendizagens de outros participantes do grupo.

Posso dizer que minha aprendizagem nessa interação se situou no modo

de comunicar as ideais aos professores. Enquanto eu respondia os questionamentos

por meio de conceituações, Dora, que atua há muito tempo com a formação

matemática de pedagogos, e que possui uma facilidade maior de comunicação,

enviava fotos das figuras geométricas sobre as quais conversávamos. Creio que

esse modo de esclarecer as dúvidas que emergiram da situação apresentada

favoreceu a compreensão não apenas de “B”, mas também dos outros professores

que acessaram a conversa.

O episódio dessas conversas no WhatsApp foi muito significativo para os

participantes do GEProMAI, tanto que Karina, ao elaborar o relato narrativo do

encontro presencial, que ocorreu na semana seguinte, retomou as interações

ocorridas no ambiente virtual e enfatizou que precisávamos retomar os conceitos de

sólidos geométricos e figuras planas, pois há confusões quando tratamos desses

assuntos.

As conversas sobre Tangram e Meli-Melô e a exploração desses quebra-

cabeças no ensino da Matemática reverberaram nas práticas de alguns professores

do grupo. Como mencionei anteriormente, Karina se sentiu incentivada pelo grupo a

desenvolver atividades utilizando o Meli-Melô com suas crianças. Gislaine, que à

época atuava com uma turma de bebês, também organizou uma proposta para

explorá-lo com sua turma. Diante do interesse das professoras, optamos por realizar

uma investigação sobre práticas de ensinar e aprender Matemática na infância com

a utilização desse jogo. Para tanto, nos constituímos como um subgrupo com o

intuito de aprofundar o estudo e planejar ações, e realizamos alguns encontros em

momentos distintos aos das reuniões do GEProMAI.

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Karina me convidou para participar das aulas em que exploraria o Meli-

Melô com as crianças, me pedindo para auxiliá-la no trabalho, contribuindo com os

questionamentos, encaminhamentos das atividades e com o registro das expressões

manifestadas pelas crianças a respeito de suas aprendizagens. Ela tinha a intenção

de analisar as ações desenvolvidas, buscando realizar efetivamente uma

investigação sobre a prática.

Eu fiquei muito feliz com o convite. Há muito tempo não entrava numa

escola de Educação Infantil. Participar da aula com Karina me permitiu vivenciar a

reverberação das aprendizagens do grupo no contexto da escola, e não apenas

imaginá-la. Isso possibilitou que eu me tornasse uma interlocutora direta de Karina, o

que facilitaria a análise das práticas desenvolvidas utilizando o Meli-Melô. Seguem

alguns registros do trabalho com a classe de Karina.

Figura 7. Fotografia de criança realizando o jogo do comprimento

Fonte: arquivo da pesquisadora

Figura 8. Fotografia de criança montando o barquinho com Meli-Melô

Fonte: arquivo da pesquisadora

Gislaine, que à época trabalhava com uma turma multietária, com 28

crianças que tinham entre 2 e 3 anos de idade, e atuava em parceria com uma

Agente de Educação Infantil, também se interessou por trabalhar o quebra-cabeças

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com suas crianças. Para facilitar o contato com o Meli-Melô, ela confeccionou os

quebra-cabeças em papel cartão coloridos. Por meio das propostas desenvolvidas

por Gislaine, as crianças tiveram diferentes oportunidades de aprendizagem.

Gislaine propiciou situações para que as crianças pudessem brincar e

explorar livremente o material e tentar compor algumas figuras com suas peças de

modo espontâneo. Foi possível a elas realizar observações e manipulações das

peças do jogo e conversar sobre suas semelhanças e diferenças, comparar o

formato das figuras com os objetos da sala de referência, dizer o nome das figuras

geométricas já conhecidas com formato triangular e quadrangular (triângulo e

quadrado) e descobrir o formato trapezoidal (trapézio). Ao explorar as peças para

montagem de algumas figuras com os quebra-cabeças, elas contavam aos amigos e

educadoras sobre suas produções. As crianças também foram convidadas a

escolher uma silhueta (casa, sobrado ou menina), e fazer composições por meio da

sobreposição de peças, valendo-se de movimentos de rotação, translação e reflexão

com as peças do jogo.

A partir das atividades iniciais, Gislaine observou que as peças em papel

cartão não eram fáceis de serem manipuladas pelas crianças, especialmente pelos

mais novos. As peças eram também eram pouco resistentes ao manuseio. Diante

disso, a professora decidiu confeccionar o mesmo jogo em isopor de 2 cm de

espessura, revestindo as peças de cartolina. O Meli-Melô confeccionado neste outro

material possibilitou novas explorações, diferentes das realizadas anteriormente.

Permitiu novas montagens numa perspectiva tridimensional, o que motivou as

crianças para que refizessem suas montagens e realizassem outras observações. A

seguir estão algumas fotos do trabalho realizado por Gislaine com sua turma.

Figura 9. Fotografia de criança fazendo montagens com Meli-Melô em

papel

Fonte: arquivo da pesquisadora

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Figura 10. Fotografia de criança fazendo montagens com Meli-Melô em

isopor

Fonte: arquivo da pesquisadora

As ações com a turma da Karina foram registradas por meio de

videogravações e diário de campo e contaram com meu auxílio para serem

desenvolvidas. Gislaine registrou suas interações com as crianças por meio de

audiogravações e também de diário de campo e teve a contribuição da Agente de

Educação Infantil, sua parceira naquela época.

Nos diários, as professoras relataram os questionamentos, as

argumentações e as hipóteses apresentadas pelas crianças tais como: “com essas

duas peças (uma com o formato de quadrado e outra de triângulo) dá para fazer

uma casa; também dá para fazer aquele outro, o trapézio; essas duas peças (um

trapézio e um quadrado) tem quatro lados, mas elas são diferentes, no quadrado os

lados são iguais no trapézio não”.

Registraram também informações relativas à participação das mesmas

nas atividades e aspectos das propostas consideradas importantes para a

aprendizagem. Esses registros possibilitaram as análises das atividades e das

aprendizagens dos educandos a partir das práticas desenvolvidas.

Para desenvolver as atividades, Karina elaborou alguns quebra-cabeças

grandes em papel cartão de diferentes cores, fixou algumas figuras formadas com as

peças grandes na lousa, e deixou outros exemplares em tamanhão menor

disponíveis para serem manipulados pelas crianças, e para posterior utilização nas

atividades.

As propostas desenvolvidas com as crianças envolveram a observação e

manipulação das peças do quebra-cabeça, conversas sobre as semelhanças e

diferenças entre as peças e a comparação com objetos e desenhos do ambiente, a

nomeação das figuras geométricas com formatos já conhecidos (triangular e

quadrangular). Também apresentamos às crianças o formato trapezoidal e

destacamos o número de lados e de ângulos de cada uma nas figuras. As crianças

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organizaram livremente algumas montagens, utilizando as peças recortadas.

Montaram imagens a partir de silhuetas, realizando sobreposições, construíram

figuras observando um modelo menor que suas peças, sem realizar sobreposição,

participaram do Jogo do Comprimento (SMOLE, DINIZ E CANDIDO, 2003) e

produziram um texto a partir do barco e do peixe montados com o Meli-Melô.

Durante as atividades, as professoras fizeram questionamentos para

conhecer as ideias das crianças sobre a Geometria, ao classificar e caracterizar as

figuras, além de inserir outras palavras, não presentes em seu vocabulário, sem

cobrança de sua utilização. Esse procedimento favoreceu o contato das mesmas

com as figuras geométricas presentes no Meli-Melô e a argumentação sobre o que

pensaram. A realização das atividades com o Meli-Melô em duas turmas possibilitou

um trabalho dinâmico e lúdico com a Geometria, e permitiu que as crianças

pensassem e buscassem diferentes alternativas para realizá-las, especialmente nas

propostas em que eram solicitados a recobrir uma silhueta ou a montar a figura sem

a sobreposição. Além disso, foi possível proporcionar oportunidades para o

desenvolvimento de habilidades importantes na construção da percepção espacial

como a discriminação visual e decomposição de campo (LORENZATO, 2006).

Consideramos que, ao indicar semelhanças e diferenças entre as figuras, ao

recordar objetos do cotidiano e relacioná-los às figuras do jogo, foi possível o

trabalho com a discriminação visual, habilidade importante para diversas atividades.

Já a decomposição de campo, que é a capacidade de perceber as “partes”

presentes no “todo”, foi utilizada ao focalizar as peças do Meli-Melô, identificando

triângulos e o quadrado, a partir do quadrado maior.

Especificamente com relação à turma da professora Gislaine, já no

primeiro momento com as crianças foi observado que elas exploraram as peças do

jogo e logo transformaram tudo numa grande brincadeira. Sommerhalder, (2011)

afirma que:

[...] brincando de ‘como se’ a criança amarra passado, presente e futuro na tentativa de dar sentido às experiências vividas na realidade, ou seja, ao brincar a criança inventa e constrói um cenário onde faz circular seu desejo e dá sentido às experiências vividas por ela (SOMMERHALDER, 2011, p.19).

Ao longo da realização das atividades, foi possível observar que as

crianças mais novas demonstraram curiosidade e envolvimento na exploração do

quebra-cabeça geométrico. Quando reunidas no grande grupo elas se arriscaram a

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nomear as figuras geométricas indicando as já conhecidas por elas, como triângulo e

quadrado. Porém os diálogos e as brincadeiras se tornaram mais ricos quando as

crianças estavam reunidas nos pequenos grupos. Essa análise demonstra a

importância de possibilitar diferentes situações de aprendizagem a partir de diversos

agrupamentos em sala de aula. As perspectivas de criação com o Meli-Melô

construído em isopor trouxeram às crianças condições de montarem quase que em

todas as tentativas, objetos, animais, pessoas, usando as propriedades de

profundidade, largura e altura, ou seja, os elementos tridimensionais. A partir da

observação das ações das crianças percebeu-se que, com esse tipo de material,

ficou mais fácil para elas realizarem suas explorações.

A utilização do Meli-Melô permitiu ainda que as crianças construíssem

uma figura de base quadrangular utilizando duas peças com base triangular, bem

como que criassem uma figura cuja base era um trapézio, a partir de uma peça que

tinha por base um quadrado e uma outra, um triângulo. Foi possível perceber que as

crianças ficaram satisfeitas em realizar e comentar sobre suas construções e

descobertas.

Já com a turma da Karina foi possível observar que a maioria das

crianças não apresentou dificuldades em criar figuras com as peças do Meli-Melô,

embora algumas demonstrassem maior ou menor facilidade. Nesse sentido,

características das figuras foram retomadas, como nomes, quantidade de lados e

ângulos, naquela oportunidade denominados de “pontas”. Além disso, outras

habilidades para percepção espacial foram essenciais na montagem das figuras,

como: discriminação visual, decomposição de campo, coordenação visual-motora e

equivalência por movimento (LORENZATO, 2006), habilidades consideradas

necessárias para a compreensão do estudo das figuras. Para além disso, outras

atividades foram estimuladas, como: ler, escrever, desenhar, andar, jogar. A criação

de uma história a partir das imagens de um barco e um peixe formados com as

peças do quebra-cabeça e fixados na lousa, propiciou a interação e envolvimento

das crianças e atenção a aspectos como estrutura do texto produzido.

A composição de imagens com as partes do Meli-Melô a partir da

observação de uma silhueta menor que as figuras recebidas pelas crianças era mais

complexa, pois necessitava de habilidades de discriminação visual, decomposição

de campo, conservação de forma e tamanho e coordenação visual-motora

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(LORENZATO, 2006). Como esperado, essa atividade se revelou difícil para

crianças dessa idade, sendo que a maior parte delas não conseguiu realizá-la de

acordo com a proposta. Foram elaboradas diferentes composições de figuras,

algumas mais próximas e outras muito diferentes do que havia sido proposto.

Também observamos que essa variação estava relacionada à faixa etária das

crianças.

No “Jogo dos Comprimentos” observamos que algumas crianças tiveram

dificuldades em perceber as medidas dos lados e identificar uma figura que se

encaixasse nesse espaço. Elas eram orientadas a fazer tentativas com as peças que

possuíam até que encontrassem a que se encaixava adequadamente. No grupo com

crianças maiores (5 anos) a relação entre as medidas dos lados e as figuras ocorreu

mais facilmente. As crianças dessa faixa-etária se envolveram melhor na atividade,

se divertiram procurando as peças e manifestaram contentamento ao conseguir

encaixar as peças adequadamente.

Ao conversarmos sobre o “Jogo dos Comprimentos” consideramos a atividade

importante, pois permitiu um trabalho diferenciado com as figuras geométricas e com

algumas noções relacionadas ao senso de medida como: horizontalidade,

verticalidade, comprimento entre peças dispostas na mesa e as peças que as

crianças possuíam para jogar. Também permitiu a compreensão da equivalência dos

comprimentos das figuras, ao realizarem as rotações, quando necessário.

Ao avaliarmos as atividades e buscarmos as compreensões sobre as

aprendizagens das crianças, consideramos que as mesmas possibilitaram a

exploração da Matemática numa perspectiva lúdica que envolveu o jogo e a

resolução de problemas em diferentes situações. Nesse sentido concordamos com

Lorenzato (2006) ao afirmar que a exploração matemática pode favorecer o

desenvolvimento intelectual, social e emocional da criança, sendo importante que as

instituições de Educação Infantil ofereçam oportunidades para que as crianças

brinquem, joguem, realizem experiências e descobertas, façam conjecturas,

conversem e aprendam no ambiente educacional.

As práticas realizadas com as duas turmas e as análises das

aprendizagens das crianças que fizemos colaborativamente foram apresentadas por

Karina e Gislaine em um encontro do GEProMAI. Os participantes estavam curiosos

em saber se as crianças tinham se envolvido nas atividades. Também queriam saber

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o que tinha sido mais fácil e mais difícil de trabalhar e se as expectativas das

professoras e os objetivos foram atingidos, entre outros detalhes a respeito da

prática.

É relevante salientar que quando as professoras apresentaram o que

aconteceu com as crianças para os participantes do GEProMAI, a reflexão partilhada

com os professores sobre a prática, viabilizou a ressiginificação sobre o ensinar e

aprender Matemática na infância.

As práticas realizadas e os registros elaborados permitiram que

conjuntamente realizássemos algumas análises sobre as aprendizagens das

crianças, de modo colaborativo, observando aspectos semelhantes e específicos de

cada turma. Para tanto, revisitamos os registros produzidos e os textos teóricos que

nos possibilitariam compreender tais processos.

Planejar, desenvolver e elaborar registros sistemáticos sobre práticas de

ensinar a aprender Matemática, analisar as aprendizagens das crianças a partir das

mesmas e em interlocução com teorias que as expliquem, produzir conhecimentos

novos para nós mesmos e para o grupo sobre o que foi realizado, se configuravam

como etapas de uma investigação que estávamos realizando. Entretanto, nos faltava

a possibilidade de publicação para que pudéssemos receber as críticas e

contribuições sobre o trabalho. Diante disso e das conversas realizadas no grupo

sobre a participação no V SHIAM, consideramos que seria uma oportunidade

interessante de escrever sobre e apresentar essa experiência.

Para que assim fosse, as professoras sugeriram que os participantes

produzissem uma breve narrativa sobre suas aprendizagens ao refletirem sobre as

discussões realizadas a respeito do Tangram e do Meli-Melô. Como é prática do

grupo, não existe a obrigação de que os participantes executem o que é proposto.

Entretanto a maior parte dos professores respondeu afirmativamente à sugestão, o

que resultou num total de nove narrativas para serem analisadas.

Na continuidade da investigação, Tatiane e Rita me procuraram para que

as auxiliasse na organização do resumo e nas análises das narrativas produzidas

pelos demais professores. Essa circunstância possibilitou a organização de um novo

subgrupo exclusivo para estudos e organização da apresentação no evento. Nessa

situação, trabalhamos mais à distância, sendo ferramentas importantes nesse

processo o WhatsApp, Google Docs e e-mails. Enviamos textos por e-mail, fizemos

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resumos de estudos e iniciamos o resumo em documentos no Google Docs, os

quais eram editados, questionados e passiveis de novas inserções até a produção

final do resumo e dos slides para a apresentação “Aprendizagem em grupo

colaborativo: episódio explorando o Tangram”.

Nesse trabalho procuramos analisar as aprendizagens dos professores

considerando aspectos que se referiam ao conhecimento do conteúdo específico,

conhecimento pedagógico do conteúdo e conhecimento pedagógico geral (Shulman,

1987) como sendo a base do conhecimento para ensinar.

A análise das narrativas nos permitiu observar que os professores não se

sentiam seguros ao abordar aspectos da Geometria e das medidas na educação

inicial e que as discussões sobre os estudos realizados por eles no GEProMAI

estava contribuindo para que se sentissem mais confiantes para abordar esses

assuntos com as crianças.

Tatiane havia concluído o Mestrado e na época atuava como professora

de Educação Especial, desenvolvendo o trabalho pedagógico com crianças que

apresentavam necessidades especiais e já possuía experiências em participação em

eventos. Rita apresentava uma trajetória profissional na área administrativa e

financeira, e há alguns meses estava atuando como docente de Educação Infantil,

afirmando que ser professora era seu sonho. Rita nunca havia feito uma

comunicação de trabalho em evento sobre educação. No dia da apresentação

chegou à universidade um pouco ansiosa, com várias anotações pessoais, textos

grifados e com vários comentários escritos à margem. Era visível o quanto ela havia

estudado e se preparado para aquele momento. Como eu fazia parte também desse

grupo, fiz a abertura da apresentação, deixando que Tatiana e Rita conduzissem as

discussões e respondessem a maior parte dos questionamentos.

Me chamou a atenção ver a alegria e a satisfação de Rita ao apresentar o

trabalho para um grupo de professores de diferentes estados, inclusive para

pesquisadores e docentes universitários que discutiram suas pesquisas na mesma

sala. Ao estudarem e se prepararem para debater as próprias aprendizagens e as

dos colegas no evento, as professoras Rita e Tatiane retomaram os conceitos

matemáticos e as práticas docentes discutidos no grupo, fizeram outras leituras a

respeito da aprendizagem do professor em grupo colaborativo, sistematizaram e

ressignificaram esses conhecimentos para comunicá-los. A busca do auxílio na

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organização de um pequeno texto com características acadêmicas, a conversa com

os colegas para compartilhar propostas e discutir ideias e compreensões para

posterior comunicação em evento, também se configuram como práticas que

potencializam a aprendizagem docente.

Quando o professor se insere em um contexto de formação contínua, ele

agrega não apenas o conhecimento acumulado e a reflexão sobre a prática. Ao

sistematizar e comunicar suas experiências e reflexões, ele torna público os saberes

produzidos, contribuindo para que outros professores tenham acesso a esse

conhecimento e aos avanços nos campos de pesquisa na área da educação.

No decorrer dos encontros, continuamos a discutir as medidas e a

Geometria, explorando outras atividades e materiais, discutindo o PNAIC (Brasil,

2014b) e outros textos sobre tais assuntos. Entretanto, depois de alguns meses,

recebemos fotos e comentários das professoras Luciana e Tatiane a respeito da

utilização do Tangram nas aulas de Matemática nos anos iniciais do Ensino

Fundamental. O fato de que essas professoras exploraram esse quebra-cabeças em

suas aulas e o desejo de compartilhar tais práticas no grupo mostrou como os

estudos a esse respeito foram importantes e reverberaram nas suas práticas. Essa

situação me remete novamente à ideia de ressignificação de conhecimentos, ideias

ou saberes, como característica irreversível desse processo. Nas palavras de

Jimenez-Espinosa, 2003:

[...] a atitude responsiva ativa de cada sujeito, gerada na fala com/do outro, que permite re-significar os conhecimentos, ideias ou saberes. Além disso, quando se re-significa algo (saberes, ideais, práticas, atuações...), não é mais possível retornar ao conceito/ideia/saber... anterior, pois uma nova síntese foi produzida e, nesse processo, não mudaram apenas os conceitos e ideias, os próprios sujeitos não são mais os mesmos. Ou seja, o processo de re-significação é um processo irreversível de aprendizagem humana e, portanto, de educação (JIMENEZ-ESPINOSA, 2002, p. 101).

Nas situações apresentadas nesta narrativa, a ressignificação pode ser

percebida na medida em que avançaram as interlocuções entre os participantes do

GEProMAI, nos encontros presenciais, nas comunicações virtuais e nas interações

nos subgrupos, nos momentos de estudo e organização de textos e slides para

serem apresentados em eventos e nos momentos em que, ao abordar

pedagogicamente algum assunto matemático estudado no grupo, os professores

retomavam as aprendizagens possibilitadas pelas discussões teóricas, pelas

experiências compartilhadas por colegas, para agregar novos conhecimentos à sua

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prática e produzir um novo significado a respeito dessas questões por meio da

própria experiência de ensino.

Considerando especificamente os quatro eixos de análise propostos, é

possível perceber que as práticas que envolveram o trabalho com o Meli-Melô nas

duas turmas de Educação Infantil proporcionaram aprendizagens que podem ser

observadas em todos eles nesta tese: 1) aprendizagem docente ancorada em

interações apoiadas na tríade GEProMAI-Escola-Autores (referenciais estudados); 2)

Aprendizagens a partir de investigações e produções de narrativas sobre a própria

prática; 3) A colaboração no grupo como potencializadora da aprendizagem docente;

4) Reverberações dos estudos em grupo nas práticas dos participantes.

A aprendizagem docente apoiada na tríade GEProMAI-Escola-Autores

(referenciais estudados) é destacada especialmente nos momentos de estudo para

a análise das aprendizagens envolvendo a produção das narrativas analíticas e no

texto elaborado em virtude da participação no V SHIAM. A escrita das narrativas, a

seleção de situações de sala que permitiram análises a respeito das atividades com

o quebra-cabeças como: o engajamento das crianças nas atividades, as expressões

infantis que possibilitaram compreender suas aprendizagens e os aspectos que

mereceram maior atenção ou intervenção do professor, entre outros, permitiram a

escrita de narrativas pelas professoras e deram suporte à investigação sobre a

prática, proporcionando aprendizagens.

Para Cochran-Smith e Lytle (1999), o professor aprende e se desenvolve

profissionalmente mediante participação em grupos ou comunidades que têm como

prática a investigação sistemática e intencional do ensino e da aprendizagem. As

aprendizagens por meio da interlocução GEProMAI-Escola-Autores podem ser

observadas também nas considerações que Karina e Laís apresentaram a respeito

do texto “Pelos caminhos de uma nova experiência no ensino de Geometria”,

(CRISTÓVÃO, 2010). Ao narrar suas vivências, as professoras destacaram aspectos

que consideraram importantes ao ler o texto e evidenciaram que tal leitura

possibilitou diferentes reflexões sobre aspectos como a negociação de significados e

práticas que não ocorreram de acordo com suas expectativas.

Outro indício de aprendizagem a partir da interação GEProMAI–Escola-

Autores é o observado na situação em que a interlocução com os participantes do

grupo no encontro presencial incentivou Laís e Karina a buscarem diferentes

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referenciais teóricos e a pesquisarem outras práticas sobre a utilização do Tangram

e do Meli-Melô no ensino e aprendizagem de Matemática, com o intuito de pensar

maneiras de utilizá-los no trabalho com Geometria e medidas com suas turmas de

Educação Infantil. A necessidade de conhecer mais a respeito do assunto mobilizou

novas pesquisas e ultrapassou as fronteiras do grupo. As professoras discutiram

sobre as estratégias de ensino a partir de outros referenciais teóricos e práticos, e

compartilharam essas novas aprendizagens com os participantes do GEProMAI.

Os momentos de pesquisas para apresentação em eventos também

revelaram aprendizagens que ampliaram as interações na tríade citada,

especialmente no que se refere ao elemento “Autores”. Ao escrever textos e pensar

a organização das apresentações, os professores realizaram novas leituras e

estabeleceram interlocuções com autores ainda não estudados pelos demais

participantes.

A importância da interação com os participantes e a dinâmica de

colaboração praticada no grupo como um elemento fundamental para a

aprendizagem foi valorizada pelos professores e destacada em suas escritas. Nesse

sentido, trago a narrativa de Karina, e na sequência a de Gislaine, ao comentarem

sobre o planejamento e desenvolvimento do trabalho com o Meli-Melô:

[...] ao elaborar a sequência didática, algumas questões acerca do trabalho pedagógico foram por nós pensadas, pois as considerávamos relevantes para o seu desenvolvimento, refletir sobre como propiciar situações significativas com o “Meli-Melô” para as duas turmas, considerando que ambas são multietárias. Além disso verificar como favorecer a participação das crianças através do diálogo, valorizando suas ideias prévias em todo processo de ensino-aprendizagem e perceber o que tal proposta poderia proporcionar a cada grupo de crianças. Já em relação aos saberes que o professor precisa para oportunizar às crianças vivências em Educação Matemática, de modo significativo, ressalto: a necessidade de compreensão do professor polivalente ao lidar com os conhecimentos e especificidades da Matemática, inclusive em relação ao vocabulário utilizado, a reflexão sobre o material oferecido durante a proposta e a reflexão a respeito das habilidades mobilizadas em cada proposta desenvolvida. Acredito que esta dinâmica - reflexão no grupo, elaboração de proposta em “subgrupo”, desenvolvimento da proposta em sala de aula e posteriormente sua discussão e análise no “subgrupo” e no grupo completo - favorece aos professores participantes a consciência do que se realiza e a construção de identidade profissional. E é neste movimento que me sinto motivada e me envolvo na participação no grupo colaborativo (narrativa escrita por Karina em 10 abr. 2015).

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Gislaine, em sua narrativa, também comenta a respeito de suas

aprendizagens a partir da interação com grupo:

[...] enfim, ouvir cada um do grupo colocar suas impressões acerca dessas sete peças [referia-se ao Tangram] que nos fazem quebrar tanto a cabeça, trouxe uma gama de novas histórias, reinterpretações e possibilidades de trabalho. Colocar uma composição pronta para as crianças tentarem fazer igual, oferecer apenas a silhueta da composição para as crianças tentarem compor com as suas peças, mostrar peças já colocadas faltando apenas preencher as demais para completar a composição, enfim, elaborar ações que envolvem a aprendizagem de cores, tamanhos, nomes das figuras, quantidade de lados, ângulos e aquilo mais que a imaginação permitir com essa espécie de jogo/quebra-cabeça, nos oferece tantas possibilidades de trabalho que, às vezes, algo fica esquecido, por falta de afinidade de alguns educadores com o material como eu, por exemplo. Tudo isso porque o grupo também havia conhecido outro jogo/quebra-cabeça semelhante ao Tangram: o Meli-Melô. Com cinco peças – 3 triângulos, um quadrado e um trapézio, esse material também tem diversas formas de exploração. No livro (cujo nome não anotei11) a autora propõe o jogo do comprimento que consiste em colocar as peças pelos lados semelhantes. A imagem do livro mostra por si só a riqueza de uma atividade como essa. Além de ficar lindo visualmente, quantas hipóteses e argumentos são levantados num momento de exploração desse material. [...] sei que aprendo muito com esse grupo, que a cada encontro, em nossos diálogos e trocas de experiências novos percursos se apresentam, já experimentados ou não. Tudo isso me auxilia a construir caminhos em conjunto, com a colaboração de todos que, posteriormente, querem saber como foi que a turma se saiu, qual o caminho tomou, enfim, mais aprendizagem construída a partir de reflexões pessoais e coletivas sobre nossas práticas, que tanto me ajudam a melhorar em meu dia a dia com as crianças (excertos da narrativa escrita por Gislaine em 10 abr. 2015).

Nas narrativas de Karina e Gislaine é possível identificar que a

interlocução com as demais participantes possibilitou aprendizagens quanto ao

conhecimento da matemática, especificamente da geometria, pois as figuras no

formato trapezoidal não são trabalhadas comumente na Educação Infantil, o que

mobilizou estudos a respeito das características desse polígono, especialmente do

trapézio retângulo que se configura como o formato de uma peça do jogo. Também

foi necessário revisitar ou ressignificar conceitos relacionados ao número de ângulos

das faces de cada peça, a observação das medidas desses ângulos, além das

discussões sobre figuras bidimensionais e tridimensionais.

11 Em sua narrativa Gislaine refere-se ao texto: CRISTOVÃO, E. M. Pelos caminhos de uma nova experiência no ensino de geometria. In.: FIORENTINI, D.; MIORIM, M. A. (Org.). Por trás da porta, que Matemática acontece? Campinas: Gráfica FE/Unicamp, p. 45-82, 2001.

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No episódio a respeito das aprendizagens por meio da exploração do

Tangram e Meli-Melô, nas interações e também nas narrativas, essas professoras

expressaram claramente que precisam da interlocução com os colegas e da

colaboração para realizarem mudanças em suas práticas e, por consequência, na

escola.

As aprendizagens a partir de investigações e produções de narrativas

sobre a própria prática são encontradas de maneira mais específica nas situações

em que os professores se organizam para a participação em eventos e produzem

narrativas sobre experiências desenvolvidas. Nesta narrativa, trago especificamente

as atividades, nas quais os professores se estabelecem como protagonistas, ou

seja, Conhecendo e Explorando o Meli-Melô: O trabalho com Espaço e Forma na

Educação Infantil, que se constituiu em uma investigação sobre a prática docente

tendo como referência o contexto escolar e que pode ser compreendida numa

perspectiva mais relacionada ao ensinar; e a “Aprendizagem em grupo colaborativo:

episódio explorando o Tangram” que pode ser entendida como uma pesquisa sobre

as práticas do GEProMAI, tendo como referência o contexto do grupo colaborativo,

abordando uma perspectiva mais relacionada ao aprender.

Como detalhei no decorrer da narrativa, essas produções se configuraram

como investigações na perspectiva apresentada por Ponte (2004), pois produziram

conhecimentos novos, ao menos para os professores envolvidos e para os

participantes do GEProMAI. Nesse sentido, destaco como conhecimento novo para

os autores o fato de que as crianças se envolvem e se interessam pela geometria e

podem aprender algumas noções geométricas, quando esses temas são

trabalhados a partir da exploração e das brincadeiras. Outro conhecimento diz

respeito ao fato de que os jogos, as montagens de cenas, as construções e a

exploração de diferentes objetos se configuram como práticas que podem favorecer

as aprendizagens em geometria.

Elas apresentaram um rigor na metodologia, pois elegeram um problema,

a partir das situações discutidas no grupo, estabeleceram objetivos e se basearam

em diferentes registros para realização das análises. A divulgação dos estudos

ocorreu pela publicação dos resumos nos anais dos eventos e pela comunicação em

eventos de abrangência nacional, sendo que um deles foi reelaborado e foi aceito

para publicação em uma revista de educação, na forma de artigo.

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Para Ponte (2004, p. 3), “a investigação é um processo privilegiado de

construção do conhecimento”, ou seja, investigar possibilita aprender. No processo

de investigação, o professor aprendeu, colaborativamente, a planejar, desenvolver,

refletir e analisar suas práticas. Os professores produziram conhecimentos sobre as

práticas pedagógicas de ensinar e aprender Matemática (FIORENTINI; CARVALHO,

2015).

O trabalho com Geometria e medidas a partir do Meli-Melô possibilitou

que o subgrupo composto por Karina, Gislaine e Alessandra produzisse

conhecimentos sobre como trabalhar esses temas matemáticos com crianças da

Educação Infantil. As narrativas analíticas produziram saberes a respeito das

hipóteses das crianças com relação: ao formato das peças do jogo, aos critérios

utilizados para sua classificação, aos movimentos necessários para a construção e

reprodução das imagens das silhuetas e às possibilidades de exploração dos

quebra-cabeças de acordo com o material em que foi confeccionado. Essa

investigação permitiu conhecer em quais tipos de atividades as crianças se

envolvem e se mantém atentas e em quais as crianças não demonstram interesse

em realizar, e reafirmou que as propostas nesse nível educacional devem manter o

caráter lúdico.

Para Ponte (2004), existem quatro motivos para que os professores

investiguem suas práticas:

(I) para se assumirem como autênticos protagonistas no campo curricular e profissional, tendo mais meios para enfrentar os problemas emergentes dessa mesma prática; (II) como modo privilegiado de desenvolvimento profissional e organizacional; (III) para contribuírem para a construção de um património de cultura e conhecimento dos professores como grupo profissional; e (IV) como contribuição para o conhecimento mais geral sobre os problemas educativos (PONTE, 2004, p. 3).

Ao socializar com significado essas análises no GEProMAI, na

apresentação de trabalhos no SHIAM e a posterior publicação da experiência, os

professores ampliaram a dimensão desse conhecimento para diferentes

comunidades, se inseriram nesses aspectos citados pelo autor e o conhecimento

produzido contribuiu tanto para prática profissional de professores da infância,

quanto para saberes mais amplos relacionados à educação.

Esse modo de produzir conhecimento pode ser compreendido na

perspectiva do conhecimento da prática (CONCHRAN-SMITH; LYTLE, 1999), que

pressupõe uma superação da dicotomia entre o conhecimento prático e o teórico

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formal, e se configura como um conhecimento que expressa a dialética entre teoria e

prática (FIORENTINI; CARVALHO, 2015).

A investigação “Aprendizagem em grupo colaborativo: episódio

explorando o Tangram” possibilitou que os professores escrevessem narrativas

sobre suas próprias aprendizagens e se configurou como uma experiência de

produção escrita reflexiva. Nesse sentido, as narrativas foram importantes pelos

motivos apresentados por Megid (2009), ao afirmar que elas trouxeram a

possibilidade de fazer emergir situações interiores de frustração e angústia que

permitiram a retomada de antigos fios quebrados nas aprendizagens anteriores.

Ainda, pela importância de descrever as ações realizadas no decorrer de atividades,

pois, para elaborar narrativas do que foi vivenciado, foi necessário desembaralhar os

procedimentos, comentar cada nuança do processo usado para chegar a uma

resposta ao problema que se apresentava. Nessa perspectiva, a escrita de

narrativas possibilita a aprendizagem docente por meio da ressignificação de

conceitos, teorias e práticas, pois ao escrever os professores podem estabelecer um

novo significado, uma nova interpretação sobre conhecimentos necessários à

profissão docente.

5.3 Outras aprendizagens sobre medidas

Em um dos encontros que realizamos em 2015, ainda tendo como tema

central de nossos estudos as Grandezas e Medidas, optamos por conversar a

respeito das medidas de capacidade e volume. Nesse encontro estávamos

estudando o Caderno 6 - “Grandezas e Medidas” do Pacto Nacional pela

Alfabetização na Idade Certa — PNAIC — (BRASIL, 2014). Esse encontro foi

realizado no laboratório da Faculdade de Educação da Universidade e utilizamos

alguns materiais disponíveis no local para conversarmos sobre estratégias de como

abordar esse tema na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental.

O estudo do caderno do PNAIC propiciou uma discussão intensa no

grupo a respeito da organização do texto e das atividades descritas no capítulo “As

Grandezas e Medidas do universo infantil” (BRASIL, 2014a, p. 7). Karina iniciou suas

considerações ressaltando que buscou fazer uma leitura crítica do texto, e que

observou que o mesmo descrevia as atividades realizadas com crianças do 3º ano

do Ensino Fundamental. Entretanto não apresentam hipóteses, questionamentos,

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respostas e comentários das crianças a partir das intervenções propostas e Karina

considerou que o texto seria mais rico e auxiliaria mais o docente se tais

informações estivessem presentes.

As propostas descritas a respeito das atividades que pediam que as

crianças estimassem o comprimento da altura da figura de uma girafa, construída

previamente com a turma e das ações relacionadas ao jogo “Batalha das

Grandezas” geraram muitos comentários.

Inicialmente, Karina considerou que deveriam estar explícitas no texto

quais foram as estimativas que as crianças sugeriram para a altura da girafa.

Questionou o fato de a professora entregar um barbante com comprimento da girafa

para que as crianças depois comparassem com instrumentos de medida não

convencionais como canudos e palitos. Considerou que as próprias crianças

poderiam cortar o barbante a partir da estimativa e depois comparar entre si e com a

altura da figura, e procurar solucionar problemas a partir de questionamentos: como

medir a girafa? Qual o comprimento ou altura da girafa?

Na continuidade da conversa sobre a atividade da girafa, Gislaine

evidenciou que embora o texto afirme: “[...] após longo debate, chegaram à

conclusão de que era necessário ter uma mesma - coisa - (unidade) para se chegar

à mesma medida”, não relatou como as crianças chegaram à essa conclusão.

Na continuidade, Daniel fez um comentário importante que amplia o

debate sobre o aspecto “concreto” e social da prática da professora:

Não sei, algumas coisas que eu achei meio estranhas. Se intenção dela [da professora] quando trouxe a girafa para medir é meio que concretizar o negócio. Não sei se estou sendo reducionista, mas se ela quer deixar o negócio concreto, ou ela tem uma girafa de verdade, ou ela mede a altura da porta, certo? Se a intenção é que as crianças estimem a altura da girafa através do diálogo, como elas vão estimar um negócio que não conhecem de perto? Esta atividade [referindo-se ao jogo Batalha das Grandezas achei que esse baralhinho também seria uma espécie de estimativa. Então ela colocou o coelho do mesmo tamanho do gato. Se a criança responder que esse gato é mais pesado que o coelho, no desenho está assim. [...] Então se é para concretizar vamos estimar o peso [massa] desse estojo? Ou então vamos a um zoológico, vamos ver a girafa e estimar o tamanho dela. (Arquivo de vídeo da pesquisadora. Encontro de 23/04/2015. Intervalo de tempo 0:45:34 a 0:46:46). [...] Pelo que eu li, ela [a professora] deu o barbante cortado para as crianças. Era o momento de ela poder criar o procedimento de medida a partir do zero, do visual. [...] E depois, vamos comparar? (Arquivo de vídeo da pesquisadora. Encontro de 23/04/2015. Intervalo de tempo 0:47:35 a 0:48:01).

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Os comentários a respeito do jogo “Batalha das Grandezas” apresentado

no PNAIC (BRASIL, 2014a) também propiciaram um debate sobre o uso de

materiais no ensino da Matemática. Tal jogo era composto por 12 cartas, cada uma

contendo dados sobre um animal (comprimento, peso, tempo de gestação e tempo

de vida). O objetivo da atividade era o de que as crianças comparassem as

características dos animais. A descrição dessa atividade no texto mobilizou outras

discussões, conforme transcrição abaixo:

Laís: [...] sem contar que do centímetro para o metro não foi explicado. Karina: [...] é isso quando falou das cartas, tem aqui o coelho 35 centímetros, hipopótamo 4 metros. Daniel: é, eles vão entender isso? Karina: [...] eu não sei, eu acho que discordo um pouco, Daniel. Quanto aos desenhos do jogo acho que você tem razão, mas eu acho que as crianças sabem que o gato e o coelho são pequenos e o hipopótamo é grandão. Afinal, eles já têm 8 ou 9 anos. Daniel: eu não sei Alessandra: Talvez se ao invés de desenho estivesse escrito nas cartas o nome dos animais – gato, coelho, hipopótamo - e junto aos nomes as informações de peso, comprimento, etc., o jogo ficasse mais interessante e eliminaríamos o problema da proporção das figuras. Gislaine e Karina: ou com fotos mesmo [referiam-se a fotos dos animais]. Laís: sem dúvida o registro ficaria muito enriquecido se a professora trouxesse a discussão dos alunos. Ela coloca que eles questionaram, mas como foi essa discussão? Como eles descobriram a necessidade do padrão de medida? (Encontro de 23/04/2015. Intervalo de tempo 0:48:08 a 0:49:28).

As ponderações de Daniel mobilizaram uma discussão a respeito do que

o professor considera como “concreto” e sobre que tipos de materiais manipulativos,

ou situações concretas são propostas para os estudantes, bem como sobre quais

usos desses materiais e situações estão presentes na prática de ensinar e aprender

Matemática. Este configura-se em um aspecto importante da formação didático-

pedagógica do professor que ensina Matemática na infância, pois o fato do professor

inserir um material diferente em sala nem sempre pode ser considerado como algo

que auxilie na compreensão e na significação da Matemática estudada. É

fundamental conhecer as possibilidades e os limites dos materiais utilizados. Tais

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discussões no grupo me remeteram às reflexões que Nacarato (2005) apresenta a

respeito do “concreto” e aos seus questionamentos referentes aos materiais

manipuláveis para o ensino de Matemática, no sentido de serem facilitadores ou

complicadores do processo de aprendizagem.

Nacarato (2005) considera que o debate a respeito da importância ou não

da utilização de materiais manipuláveis no ensino da Matemática não tem sido

destacado nas pesquisas em Educação Matemática, especialmente porque os

educadores matemáticos têm estudado outras tendências para o ensino da matéria.

Entretanto este é um tema relevante, que merece atenção dos investigadores, pois

tem uma forte relação não apenas com a formação dos professores, mas também

com as práticas de sala de aula. A autora, fundamentada em Matos e Serrazina

(1996, p. 194), evidencia que

[...] materiais são utilizados pelos professores porque na visão deles – adultos e professores – tais materiais têm relações explícitas com o conceito. “Contudo, não há nenhuma garantia que os alunos vejam as mesmas relações nos materiais que vemos”. Os autores apontam ainda duas características das atividades envolvendo materiais concretos que podem trazer resultados negativos: 1) a distância entre o material concreto e as relações matemáticas a serem representadas; 2) o material “toma as características de um símbolo arbitrário em vez de uma concretização natural” (HIEBERT e CARPENTER, 1992, apud MATOS e SERRAZINA,

1996, p. 197); e 2)

O debate ocorrido, a partir das afirmações de Daniel, possibilitou que os

demais participantes do grupo refletissem sobre aspectos da prática que não haviam

percebido. As interlocuções entre os participantes foram essenciais para que

refletíssemos a esse respeito. Considero que tal oportunidade permitiu aos

professores perceberem que “um uso inadequado ou pouco exploratório de qualquer

material manipulável pouco ou nada contribuirá para a aprendizagem matemática. O

problema não está na utilização desses materiais, mas na maneira como utilizá-los”

(NACARATO, 2005, p. 4).

Tais interlocuções trouxeram a aprendizagem por meio da colaboração

entre os participantes do grupo num ambiente onde as questões, as discordâncias,

as dúvidas e os erros eram bem-vindos e compreendidos como indícios de

aprendizagem, sendo todos convidados a questionar seus próprios pressupostos a

respeito dos usos que se faz dos “materiais ou situações concretas” no ensino e

aprendizagem em todas as áreas. Essa situação também possibilitou que os

professores refletissem e estudassem suas próprias práticas.

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A possibilidade de o professor ouvir as crianças, registrar e analisar as

vozes e expressões infantis, e que tais informações estejam presentes nos textos e

materiais destinados à formação docente, foi valorizada pelos participantes do

grupo, especialmente porque propiciaram reflexões sobre a prática pedagógica. Ler,

estudar e conversar sobre como as crianças resolveram um determinado problema,

ou como compreenderam aspectos relacionados ao medir e sobre que

aprendizagens as atividades propiciaram a um grupo de estudantes foi entendido

como um modo dos participantes aprenderem a partir da prática de outro professor,

uma aprendizagem ancorada na tríade GEProMAI-Escola-Autores. Corroborando

isso é possível afirmar que “a leitura, então, não é a soma do sentido das palavras

que compõem um texto, pois o subtexto e seu contexto é que lhe darão o sentido”

(KRAMER, 1998, p. 24).

Nessa perspectiva, é possível afirmar que ao ler os textos em que

professores discorrem suas práticas com as crianças, os demais docentes refletem

sobre suas próprias práticas, criando uma situação que articula o contexto do texto

escrito por outrem com o contexto de sua prática, e estabelecendo significações ou

ressignificações, ou seja, aprendendo. A discussão coletiva incrementou a reflexão e

proporcionou aprendizagens docentes tanto para estimular o diálogo com as

crianças como para a produção de recursos pedagógicos, sendo possível evidenciar

indícios de aprendizagem a partir da tríade GEProMAI-Escola-Autores.

Na continuidade daquele encontro, algumas questões a respeito da forma

como os participantes conversavam sobre o texto me chamaram a atenção: a leitura

crítica do texto, as conversas sobre o cuidado quanto à utilização “dos materiais

concretos” no ensino da Matemática da infância, os comentários recorrentes a

respeito da necessidade de que as expressões infantis estivessem presentes no

texto, os questionamentos a respeito dos objetivos das atividades e as sugestões de

alterações. Todos esses aspectos mostraram como o estudo das Grandezas e

Medidas, ao longo do tempo, proporcionou um modo diferenciado de interlocução

com o texto, e podem ser considerados indícios de aprendizagem e de

desenvolvimento profissional dos professores.

No encontro, chamei a atenção para que os participantes do GEProMAI

percebessem como o modo ler e refletir sobre textos mudou depois de um ano de

atuação no grupo. Naquele momento, observei como o conhecimento vai

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transformando o modo de os participantes enxergarem as ações docentes na escola

e buscarem o desenvolvimento de práticas fundamentadas teoricamente. Ressaltei

também a importância da interlocução com os colegas no processo de

aprendizagem e formação docente. Dora também evidenciou essa transformação na

escrita do grupo e observou que, para o grupo, algumas coisas já ficaram

estabelecidas como princípio, como por exemplo, não ser possível falar das práticas

docentes focando apenas no professor e nas atividades desenvolvidas, mas que se

tornou imprescindível trazer as compreensões e expressões das crianças nesse

processo.

Em sua narrativa sobre o ocorrido no encontro de discussão relacionado

ao texto do PNAIC (BRASIL, 2014a), Gislaine destacou algumas manifestações

emitidas pelos professores, enfocando críticas ao texto estudado. Enfatizou que o

mesmo nem sempre estabelece uma relação teórica com a prática, ou apresenta

conexões entre ensinar e aprender Matemática no início da Educação Básica. A

necessidade de trazer os dizeres das crianças num texto relacionado à uma

experiência de sala de aula era considerada importante pelos participantes. Ao fazer

este destaque em sua narrativa, Gislaine demonstrou que considera fundamental

que o professor tenha como prática ouvir as crianças, questionar sobre como elas

pensaram ou como resolveram determinado problema. Essa escolha mostra a

passagem progressiva de uma concepção particular de prática para uma abordagem

formativa e coletiva de suas ideias de como se constituir professora, a partir de suas

experiências enquanto docente e participante do grupo.

Ainda nesse encontro, discutimos outros aspectos a respeito das

Grandezas e Medidas. Daniel comentou sobre a dificuldade em trabalhar as medidas

de tempo com as crianças. Considerava ser esta uma noção abstrata para elas. O

professor relatou oralmente uma atividade que desenvolvera com suas crianças de

3º ano naquela mesma semana. Ele solicitou às crianças que medissem o intervalo

entre duas aulas, marcassem o tempo da escovação dos dentes, da duração do

intervalo, entre outros momentos da rotina. Pediu ainda que os alunos estimassem

os tempos dessas atividades. Sua intenção era a de que as crianças percebessem a

quantidade de tempo que permaneciam na escola. Ao pedir para socializarem seus

registros, percebeu que algumas crianças chegaram perto da realidade - cinco

horas, ou seja, o período destinado à aula - entretanto algumas estimaram que, no

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total, essas atividades levariam dez ou vinte horas para serem realizadas. Daniel

indicou que gostaria de problematizar essa situação com as crianças.

Ao comentar sobre o trabalho a respeito das medidas de tempo com os

alunos e solicitar auxílio do grupo para problematizar os resultados de sua

investigação inicial, Daniel tornou seu trabalho público e aberto para as críticas dos

colegas, e desprivatiza sua prática (COCRHAN-SMITH, 2012).

Objetivando auxiliar Daniel, Dora sugeriu que ele mostrasse para sua

turma três exemplos de respostas registradas pelos alunos, sem colocar o valor real

de tempo utilizado para esses afazeres, e indagasse: será que ficamos tanto tempo

assim na escola? O que sabemos sobre a duração de um dia inteiro? Quanto tempo

passamos na escola? Considerou que provavelmente as crianças responderiam que

o dia tem 24 horas. E propôs que fizesse outros questionamentos, como: o que

fazemos durante o dia? Seria possível passar 20 horas na escola, caso algumas

dessas respostas estejam certas?

Daniel lembrou ainda do aspecto subjetivo da medida de tempo: o que é

mais prazeroso passa mais rápido, o que é enfadonho, demora mais. Dora sugeriu a

confecção de ampulhetas que auxiliassem na medição do tempo e, posteriormente,

que ele solicitasse que algum aluno contasse quantas vezes a ampulheta seria

virada no espaço de um dia de aula (na sala). Comentou também que seria

interessante aproveitar o tema para informar que antigamente medíamos o tempo

dessa forma. Essa atividade proporcionaria o resgate das maneiras diferentes de

medir o tempo que foram utilizadas ao longo da história.

Com as interações entre Daniel e Dora a respeito da medida de tempo, e

de ser este um tema difícil de ser ensinado, verificamos que ele trata de algo que

não é palpável. A ideia de tempo está relacionada a diferentes perspectivas, entre

elas a Física, a Histórica, a Psicologia e a Matemática. Na Matemática, o tempo

pode ser considerado a grandeza da duração de intervalos de tempo:

Se dois fenômenos começam no mesmo instante, aquele que tem menor duração acaba primeiro. Pode-se também, com a ajuda de instrumentos de medida (um cronômetro, por exemplo), medir a duração do intervalo de Tempo de um acontecimento” (SILVA; BELLEMAIN, 2016, p. 5).

Em seu falar do tempo Daniel trouxe, além da perspectiva matemática, a

ideia psicológica de tempo, da subjetividade que a envolve. Dora sugeriu uma

abordagem matemática numa perspectiva histórica do assunto. Essa interlocução

possibilita um debate amplo do tema, que emerge do contexto da escola, e que

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possibilita aos participantes do GEProMAI refletirem sobre o mesmo a partir de

diferentes perspectivas.

Nesse sentido, ao desprivatizar sua prática, Daniel despertou a

colaboração rápida de outras pessoas do grupo que também estão envolvidas no

processo de melhorar o ensino e a aprendizagem da Matemática (COCHRAN-

SMITH, 2012). Nesse sentido é possível considerar que Daniel, Dora e os demais

participantes do GEProMAI aprenderam por meio da reflexão em grupo e

trabalharam em conjunto a questionar seus próprios pressupostos e expor

problemas de prática que requerem que estudem seus próprios alunos e escolas

(COCHRAN-SMITH, 2012).

Neste episódio também é possível destacar a importância da interlocução

entre participantes com diferentes excedentes de visão como um elemento essencial

para a formação docente. Na dialogicidade nos conhecemos melhor. Nessa

perspectiva o excedente de visão de um participante/autor(a) pode completar o(a)

outro(a) naquilo em que ele(a), do lugar que ocupa, não consegue identificar.

Cabe ressaltar que o modo de interação que ocorria no GEProMAI,

exemplificado pela interlocução entre Dora e Daniel, decorrente ainda das vivências

no grupo denotavam uma formação docente pautada num modelo construtivo, como

o evidenciado por Fiorentini (2008). Este modelo pressupõe a existência de um

processo contínuo de reflexão interativa e contextualizada sobre as práticas

pedagógicas e docentes, relacionando a teoria às práticas pedagógicas e docentes,

articulando as práticas formativas às profissionais. Esse modelo de formação implica

numa relação de parceria entre pesquisadores e professores da Educação Básica,

os quais interagem colaborativamente para compreender os desafios do contexto

educacional atual e buscar soluções conjuntas para os problemas da escola.

Na continuidade do encontro, passamos a conversar sobre as medidas de

capacidade e volume. Dora iniciou a conversa apresentando ao grupo uma série de

garrafas e embalagens com capacidade para diferentes quantidades. Evidenciou

que na escola seria possível solicitar às crianças que levassem alguns recipientes

diferentes para possibilitar a comparação. Dora iniciou a exploração dos materiais

estabelecendo uma garrafa de álcool de um litro como o instrumento de medida com

unidade desejada. Daniel questionou se o professor estabelece isso ou é melhor

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negociar com as crianças qual o instrumento que será definido como padrão. Dora

esclareceu ser interessante combinar isso com os alunos.

Dando sequência ao encontro, Dora apresentou alguns questionamentos

que poderiam ser realizados no trabalho com as crianças, especialmente no que se

referisse à estimativa. Ao mostrar dois recipientes seria possível perguntar aos

alunos: onde vocês acreditam que cabe mais água? E menos água? Entre essas

garrafas, existem duas que podem conter a mesma quantidade de água? E entre

essas três, onde cabe mais?

Dora esclareceu que, dependendo da idade, normalmente as crianças

acreditam que o recipiente “mais alto” tem a maior capacidade. Ela fez o

transvasamento da água para o recipiente mais alto com o auxílio de um funil, o

grupo observou que não pode despejar toda a água que estava na garrafa utilizada

como instrumento de medida. Dora comentou que esse procedimento de transvasar

precisaria ser realizado pelas próprias crianças. Ou, como destaca Nacarato (2005,

p. 3), possibilitar uma “verdadeira ação por parte da criança e não uma simples

reprodução do que foi dito pelo professor”. Destacou ainda a importância de repetir a

mesma ação, com diferentes objetos, para que elas possam estimar e comparar os

resultados de suas hipóteses. Evidencia ainda ser importante que as crianças

realizassem as estimativas e medições por várias vezes, com diferentes materiais

para então propiciar a elas oportunidades para desenvolver as ações de medir

(MOURA, 1995).

Na sequência, Dora sugeriu como instrumento de medida um copo

graduado, objeto corriqueiramente utilizado na cozinha. Enfatizou que seria

importante que o professor conversasse com as crianças a respeito das diferentes

unidades de medida graduadas que constavam naquele instrumento. Numa das

listas desse utensílio há uma gradação em xícaras ou copos - unidades não

convencionais. Há ainda a relação dos copos e xícaras com os mililitros e/ou gramas

inscrita nesse recipiente. Depois dessa descrição, prosseguiu com a atividade

explorando outras questões. Apontou um determinado lugar do marcador do

recipiente e questionou: esta é a marca do meio litro, vocês acreditam que nessa

garrafa (dirigindo-se a um dos recipientes) cabe mais ou menos que meio litro?

Muito mais ou muito menos? E se eu despejar a água dessa garrafa no recipiente

graduado, quantos mililitros vocês acreditam que irá medir? O grupo considerou que

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tais atividades, que mobilizam a comparação e a expressão numérica dos resultados

das medições, também precisariam ser muito exploradas com as crianças.

Dando continuidade à possibilidade da utilização de materiais para

trabalho com medidas, Dora nos apresentou dois “cubos abertos” iguais,

confeccionados em acrílico transparente, com as dimensões de 10 cm x 10 cm x 10

cm (1000 cm³ ou 1 dm³). Ela comentou que normalmente as crianças não acreditam

que cabe 1 litro naquele recipiente. Dora também nos mostrou uma garrafa de

refrigerante cuja capacidade era de 500ml, e que normalmente as crianças

acreditavam conter 600 ml pelo fato de terem mais contato com garrafas com essa

capacidade.

Dora salientou que essa questão de conversar com as crianças a respeito

das medidas, sobre a comparação de onde cabe mais ou menos era importante

também para problematizar as propagandas mostradas na televisão, nos folhetos de

supermercados e outros comércios. Destacou que algumas imagens apresentadas

podem enganar o consumidor. Os recursos pelos quais as cores das embalagens

podem distorcer as imagens e levar as pessoas a terem a percepção de que elas

são maiores ou menores do que realmente são. Esses recursos são usados para

que as ofertas no supermercado chamem a atenção do consumidor, não dando

destaque à quantidade de produto da embalagem, ao preço proporcional, à data de

validade.

As ponderações de Dora a respeito das medidas e da relação com uma

Matemática do cotidiano parecem vir ao encontro das considerações apresentadas

por Moura (1995) ao evidenciar aspectos culturais e sociais da medida:

É nas relações do dia-a-dia que a medida aparece impregnada de significados culturais das relações humanas que representa e comunica, assim como: a beleza na arte e arquitetura, o equilíbrio na engenharia, a comunicação de fenômenos sociais na estatística. Do ponto de vista educacional é interessante observar que, como fonte de comunicação, ela pode servir e meio de manipulação da verdade de fenômenos sociais (p. 43).

Quanto à importância do conhecimento relacionado às medidas e às

relações que estabelecem com a Matemática que utilizamos no cotidiano, os

professores comentaram que, algumas vezes, na comparação de preço e

quantidade de um determinado produto, uma embalagem maior, se comparadas as

proporções, custa mais barato que esse mesmo produto comercializado em uma

embalagem menor. Entretanto, seu prazo de validade é menor. Nesse caso, a

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necessidade e/ou o uso que se faz desse produto deve ser um fator para ponderar

qual deles é mais interessante de ser adquirido. Quando se trata de um produto

pouco utilizado, ou comprado exclusivamente para um determinado fim, sem que se

venha a consumir toda a quantidade, o que inicialmente parece ser vantajoso, pode

gerar desperdício e mais gasto.

Dora evidenciou que pensar na questão custo-benefício não está

vinculada apenas à relação preço-quantidade, mas também ao uso do produto, ao

tipo de embalagem e às condições de armazenamento que o consumidor possui

para que o produto se mantenha adequado ao consumo durante o prazo de

validade.

Na continuidade do encontro, Dora nos mostrou o cubo de 1000 cm³ e

questionou se toda a água da garrafa de álcool (1 litro) caberia totalmente dentro

dele. Como todos já sabiam das dimensões do cubo, a resposta foi afirmativa. No

entanto, se tal experiência fosse realizada com as crianças nas escolas,

possivelmente elas responderiam de modo diferente. Diante disso, Dora sugeriu que

os professores, após escutarem as respostas e as explicações das crianças

justificando suas escolhas afirmativa ou negativamente, que uma criança fosse

convidada a fazer o transvasamento e verificar as hipóteses.

Dora retomou as dimensões do cubo de 1000 cm³ e explicou que isso

fundamentaria a ideia do centímetro cúbico, metro cúbico. Evidenciou que aquele

era um cubo com 10 cm de aresta, e que 10 cm é o mesmo que 1 decímetro. Sendo

assim, aquele cubo tinha 1dm³ de volume, o que corresponde a 1 litro. Assim, 1 litro

é igual a mil mililitros e equivale a 1 dm³. Nesse momento, os participantes

solicitaram que ela escrevesse na lousa essas informações para que pudessem

compreender melhor o que estava sendo explicado, o que foi prontamente realizado,

e as dúvidas foram esclarecidas.

Após as conversas conceituais sobre comparações e transformações,

Dora mostrou-nos uma pedra disforme e disse gostaria de conhecer seu volume, e

questionou-nos sobre como obter aquela informação. Como fazer para medi-la?

Daniel, por sua vez, questionou se seria possível medir os quadrantes, ao que Dora

retornou que poderia ser, no entanto mostrou-nos um procedimento diferente.

Ela colocou a pedra em um dos cubos de 1000 cm³ e despejou nele a

água do outro cubo que estava cheio. Os professores observaram que, ao completar

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com água o cubo em que estava a pedra, sobrou um pouco do líquido no outro cubo.

Na sequência, Dora colocou a água que sobrou no copo graduado e mediu a

quantidade de água que correspondia ao volume da pedra. Laís verbalizou o

resultado: 90 ml, ou 90 cm³.

Após essa experiência, os participantes comentaram como o trabalho com

a Matemática pode ser interessante e criativo e que essas atividades despertariam o

interesse das crianças, permitindo que elas pensassem a respeito das medidas e da

Matemática. Os participantes consideraram essa experiência muito interessante,

como destacado por Karina na narrativa colaborativa sobre o encontro:

Neste encontro, trabalhamos muitos conceitos importantes. Além de ricos momentos de diálogo, observamos a realização de atividades com materiais diversificados (garrafas diferentes, caixas com várias formas, copos, pedra, funil, etc.) que estavam disponíveis para nossa manipulação. O problema relativo ao volume da pedra foi muito interessante. Sinceramente, eu não estava imaginando aquele tipo de resolução. Apesar de saber que precisamos buscar diversas maneiras de resolver um problema e que estas não precisam envolver fórmulas, ainda tenho dificuldade de pensar a Matemática de diferentes maneiras. Deixo ainda uma contribuição: “O termo volume pode ser usado para se referir à capacidade de um recipiente, mas também é usado para o tamanho de objetos sólidos; as unidades de volume são expressas em termos de unidades de comprimento, tais como polegadas cúbicas ou centímetros cúbicos; um método simples de comparar capacidade é encher um recipiente com algo líquido e então verter essa quantidade no recipiente de comparação [...] as crianças nas séries iniciais devem ter muitas experiências de comparar diretamente as capacidades de diferentes recipientes” (VAN DE WALLE, 2009). Que bom participar deste grupo! (excerto da Karina na narrativa colaborativa do encontro de 23 ab. 2015).

Em sua narrativa colaborativa, Karina enfatizou a importância da

diversidade de atividades realizadas para o ensino do conceito de medida de volume

e capacidade, destacando o aspecto metodológico utilizado no encontro para

trabalhar o conceito de volume. Relatou sua aprendizagem pessoal com as

atividades e discussões realizadas no encontro e apresentou ainda uma contribuição

para o grupo, introduzindo na narrativa outros conceitos relativos à medida de

volume e capacidade apresentados pelo autor Van De Walle (2009), que não foram

estudados diretamente pelos participantes, mas que estavam em consonância com

as atividades e discussões ocorridas no encontro. Em sua narrativa Karina colocou

em evidência novamente a interlocução com os textos em seu processo de

aprendizagem.

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Na continuidade do encontro, Dora comentou que aquelas experiências

vivenciadas no grupo eram possíveis de serem feitas com as crianças em sala e

com materiais simples, com exceção do cubo acrílico que era mais difícil de ser

encontrado, mas que poderia ser substituído por qualquer outro recipiente cúbico de

10 cm de aresta, utilizando uma pedra que coubesse dentro dele. Mas também seria

possível utilizar outro recipiente de que se conhecesse a capacidade.

Em seguida, Dora nos apresentou alguns frascos bem pequenos e

comentou que poderiam ser utilizados para conversar sobre as “medidas pequenas”,

sobretudo nos remédios e venenos. Evidenciou ainda que era possível conversar

com as crianças a respeito da dosagem de medicação, que tem relação com o peso

(massa) da pessoa, em especial para crianças, salientando a importância de se

respeitar as dosagens recomendadas pelos médicos.

A possibilidade de abordar a medida na escola considerando aspectos

sociais de seu uso é importante porque, como afirma Moura (1995), na sala de aula

a medida é entendida apenas como um componente curricular, um conhecimento

isolado dos significados da realidade sociocultural da criança, o que torna sua

aprendizagem árida e subtrai à criança a oportunidade de apropriar-se de um

instrumento intelectual que lhe permita compreender a realidade social em que vive.

Ainda no encontro, Laís fez um comentário a respeito da relação entre

massa e volume, e questionou se 250 gramas de açúcar é o mesmo que 250

gramas de arroz. Eu comentei que eram produtos diferentes com o mesmo peso

(massa), mas que os volumes que os alimentos ocupariam numa embalagem, por

exemplo, poderiam ser diferentes.

Ao finalizarmos, foi possível observar que as atividades com medidas de

capacidade e volume se configuraram como vivências importantes no encontro

presencial. Os participantes comentaram sobre a satisfação em ressignificar

conteúdos sobre medidas de modo prazeroso e lúdico, e salientaram que a

aprendizagem do grupo poderia ser desenvolvida também com as crianças na

escola.

Ao narrar este episódio sobre as medidas de volume e capacidade é

possível observar um protagonismo maior de Dora, que apresentou ao grupo os

materiais e alguns modos de explorá-los com as crianças no ensino e aprendizagem

das medidas de capacidade e volume. Foi um dos poucos encontros em que a

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pesquisadora da universidade coordenou mais diretamente uma atividade no

GEProMAI, atuando explicitamente como formadora no grupo. Isso ocorreu porque

Dora tem experiência como docente tanto na Educação Básica quanto no Ensino

Superior, e porque era quem havia trabalhado com esse tema em diferentes

situações, tendo saberes a compartilhar conosco.

A atenção do grupo, os questionamentos, a preocupação com os registros

pessoais e o olhar de novidade dos professores ao manipularem uma garrafa com

um formato diferente ou o cubo de 10 cm de aresta ocorreram, possivelmente,

porque os participantes tiveram poucas (ou nenhuma) vivências daquele tipo em sua

jornada enquanto alunos e/ou enquanto professores. Ao rever o vídeo desse

encontro observei que nenhum professor comentou como trabalhava esse tema com

as crianças, ninguém trouxe exemplos da vida pessoal ou profissional naquela

perspectiva. Me pareceu que realmente aquela se constituía em uma aprendizagem

nova.

Essa situação vem ao encontro da ideia de colaboração que vivenciamos

no grupo, ao tornar públicos os saberes individuais, e também no sentido da

colaboração entre a universidade e a escola num grupo que se situa na fronteira

entre esses dois espaços. Nessa perspectiva, a universidade se aproxima da prática

pedagógica das escolas e auxilia os professores em diferentes questões

relacionadas ao ensino e à aprendizagem em sala de aula, e à sua própria

formação, ao mesmo tempo em que atende ao interesse dos professores que

buscam o apoio teórico-metodológico da academia para lidar com os desafios do

cotidiano escolar (Tanaka; Passos, 2015). De outro lado, a colaboração entre

universidade e a escola contribui para ultrapassar a separação entre a prática

profissional do professor e a investigação educacional, e contribui para a superação

da dicotomia entre teoria e prática, possibilitando a produção de conhecimentos

importantes para ambos.

Ao escrever esta narrativa, observei que comecei tratando das leituras e

comentários a respeito do caderno “Grandezas e Medidas” (BRASIL, 2014a) o qual

propiciou um debate importante a respeito da utilização de materiais manipulativos

para o ensino e aprendizagem das medidas no Ensino Fundamental. No encontro

vivenciamos a exploração de materiais manipulativos com esse mesmo objetivo, e

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os consideramos importantes e necessários no ensino e aprendizagem das medidas

de volume e capacidade. Mas o que diferenciou uma experiência da outra?

Inicialmente é relevante salientar que, colaborativamente,

compreendemos e defendemos que “nenhum material didático – manipulável ou de

outra natureza – constitui-se na salvação para a melhoria do ensino de Matemática.

Sua eficácia, ou não, dependerá da forma como o mesmo for utilizado”

(NACARATO, 2005, p. 5). Esse é o ponto central de nossos questionamentos: que

materiais utilizar? Como? Quando utilizá-los? Que significados podem ser

produzidos a partir de sua utilização?

A vivência narrada neste episódio não me permitiria responder a essas

questões definindo um modelo ideal de utilização de materiais estruturados, ou não,

na sala de aula, tampouco prescrever modos de utilizá-los. Entretanto, tal

experiência permitiu que eu e outros participantes do GEProMAI observássemos

alguns aspectos importantes a esse respeito. O fato de pensar o uso dos materiais

que estavam disponíveis no ambiente, a partir do manuseio, da leitura dos rótulos,

da comparação empírica das capacidades de vários deles, propiciou que

explorássemos o material como as crianças o fariam.

Outro ponto importante foi conversar com o grupo a respeito das

questões que poderiam mobilizar reflexões e elaborações do conceito de

capacidade e volume pelos estudantes. A interlocução com outros professores foi

fundamental, pois enriqueceu as possibilidades de questionamentos que poderiam

suscitar investigações e aprendizagens. Destaco como relevante também que da

interação entre os participantes emergiu a articulação entre a Matemática escolar,

cujas aprendizagens poderiam ser facilitadas pela utilização dos materiais, com a

Matemática do cotidiano, destacando aspectos sociais de seu uso, bem como

algumas elaborações mais conceituais como as transformações de unidades, que

são usuais no ensino desse conteúdo.

Nesse encontro não tivemos apresentação ou discussão a respeito de

uma situação investigada por um participante do grupo. Entretanto a reunião

propiciou discussões sobre a prática em diferentes momentos, especialmente a

partir da articulação entre as situações relatadas no Caderno do PNAIC – Grandezas

e Medidas (BRASIL, 2014a), e a experiência de cada participante. Nesse sentido,

como já afirmei, fundamentada em Saraiva e Ponte (2003), a reflexão sobre uma

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experiência de outros professores, o movimento de lê-la, discuti-la, articulá-la com a

prática pessoal e com a teoria, também propicia a aprendizagem docente. Para os

autores:

O professor aprenderá quer nos locais formais nos quais ouve, lê e discute ideias acerca da prática de ensino e das suas raízes teóricas, quer a partir da sua própria experiência, devidamente considerada e reflectida, quer a partir da experiência de outros profissionais, através de trocas de

experiência (SARAIVA; PONTE, 2003, p. 8).

Ao finalizar a narrativa sobre este episódio, é relevante considerar que,

assim como os demais encontros do grupo, as interlocuções sobre o encontro

reverberaram nas interações virtuais. A respeito deste dia, destaco a escrita

colaborativa iniciada por Gislaine, e que teve participações minha e da Karina em

sua produção. Alguns excertos da narrativa colaborativa foram inseridos neste texto,

entretanto considero importante apresentar outros trechos que evidenciam indícios

de aprendizagem docente. Para tanto, trago o trecho da narrativa em que Gislaine

destaca as aprendizagens conceituais sobre a medida de capacidade e volume:

Dora afirma que medir é comparar. É preciso identificar uma unidade de medida e compará-la com o que se pretende medir para chegar a uma expressão numérica [...]. Em seguida Dora apresenta, no quadro branco, algumas equivalências:1 dm³ = 1 L = 1000 mL 1 dm³ = 1000 cm³ = 1000 mL Essas são correspondências de medidas de capacidade com medidas de volume. E continua: O que fazer, por exemplo, para determinar o volume de uma pedra? Uma possibilidade é colocar a pedra num cubo (caixa acrílica de 10 cm X 10 cm de dimensões) e completar o espaço vazio do cubo com água. Retirar então a pedra e, medindo o espaço que se mantém com água, calcula-se o volume da água no recipiente. O que falta ali para completar é o volume da pedra. Ao retirar esse volume de 1 dm3, ou seja, de 1000 cm3 (10 cm x 10 cm x 10 cm), obteremos o volume da pedra. O laboratório onde as reuniões se realizam tem esse cubo transparente disponível (excerto da narrativa de Gislaine sobre o encontro de 23 abr. 2015).

Ao narrar sobre o aspecto conceitual relacionado ao ato de medir e os

processos nele envolvidos, Gislaine organizou informações e fez sistematizações

sobre esse conteúdo. Nesse sentido, a produção e compartilhamento de narrativas

sobre a experiência de formação docente podem se configurar em modo fecundo e

apropriado de produção de saberes (CONNELLY; CLANDININ, 1995).

Considero importante evidenciar que, ao produzirmos as narrativas

colaborativas, no movimento de escrever e editar os textos coletivamente,

observamos que cada participante colocou em evidência o que considerou relevante

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para si e percebemos a dialogicidade que o contexto e essa prática possibilitam,

buscando “um sentido respondendo ao outro, dando conta da inserção ativa dos

interlocutores na construção textual coletiva” (AXT et al., 2001).

As reverberações do encontro presencial são observadas nas narrativas

colaborativas, tanto pelas colocações de Gislaine que evidenciou, entre outras

questões, uma atenção para os aspectos conceituais da medida, quanto nas

considerações de Karina, quando destacou o problema do volume da pedra e

acrescentou o conceito de volume, ancorada em Van De Walle (2009). Tais

reverberações ajudam na compreensão de conteúdos matemáticos e pedagógicos

importantes para o professor que “ensina-aprende” Matemática na infância, e

possibilita mudanças nas práticas com as diferentes turmas, tornando-as mais

exploratórias, problematizadoras e lúdicas.

Considero relevante ressaltar, também, que na interação para a produção

da narrativa, Gislaine utilizou o mecanismo “comentários”, presente no Google Docs,

que permite um diálogo entre os autores, sem interferência no texto. Nesse campo

da ferramenta, Gislaine assim escreve:

“Alê” e “Ka”, vocês complementaram de maneira clara as informações e conteúdos discutidos nesse encontro que, pelo andar das discussões, não foi possível anotar... Queria falar, elaborar tudo aquilo, mas precisava registrar... Ai que difícil! (rs). Obrigada pela ajuda! (comentário inserido por Gislaine na ferramenta Google Docs).

O agradecimento de Gislaine ao final do relato enfatizou o ambiente de

respeito e de colaboração característico do GEProMAI. A produção colaborativa, por

meio do Google Docs, além de se apresentar como uma oportunidade de interação

e de produção de sentidos sobre o ensino e a aprendizagem da Matemática, se

configurou como novo modo de colaboração.

Nesse sentido, o uso da ferramenta tecnológica virtual de interação permitiu

ao nosso grupo de estudos a produção de escritas e trocas de experiências

frequentes entre os participantes, possibilitando a aprendizagem e a produção de

conhecimentos de forma colaborativa. Tais ferramentas vêm se configurando como

novos espaços de oportunidades pedagógicas para formação decente,

proporcionando maneiras inéditas de interagir, de ensinar e de aprender, como já

dito, numa perspectiva dialógica.

Retomo aqui que as narrativas de aprendizagem docente indicam que o

GEProMAI vem se configurando como um ambiente privilegiado de estudos, de

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compartilhamento de experiências, de problematização e produção de práticas de

ensinar e aprender Matemática na infância. As práticas desenvolvidas pelos

participantes no grupo têm resultado na produção de conhecimentos pelos próprios

docentes da escola, em parceria com pesquisadores da universidade.

5.4 Narrativas de Desenvolvimento Profissional

Para Fiorentini (2013b), o investigador que tem interesse em pesquisar

como os professores aprendem e se desenvolvem profissionalmente precisa focar

sua análise, ora em momentos pontuais e situados na aprendizagem, ora no

movimento diacrônico do processo de desenvolvimento profissional ao longo do

tempo, considerando contextos, práticas e interações que podem ter contribuído

para sua constituição enquanto professor. Levando em consideração que o

desenvolvimento profissional docente é compreendido como um processo contínuo e

inconcluso e envolve aspectos pessoais, familiares, institucionais e socioculturais

(FIORENTINI, 2013), para escrever a narrativa das professoras Laís e Karina tomei

como referência: o portfólio de formação de Laís e uma entrevista realizada com ela,

o memorial de Karina, as narrativas produzidas pelas professoras, narrativas

individuais e colaborativas dos encontros do GEProMAI, transcrições de vídeos dos

encontros, diferentes produções das professoras.

Na sequência, trago a narrativa da experiência de desenvolvimento

profissional de Laís. Apresento aspectos de sua trajetória como estudante e como

professora, destaco sua participação no GEProMAI e alguns episódios que

evidenciam sua relação com o grupo.

5.4.1 NARRATIVA DE DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DE LAÍS

Em maio de 2014, no primeiro encontro do nosso grupo de estudos,

conheci Laís, uma professora recém-formada e entusiasmada por estar novamente

na universidade onde há pouco havia concluído o curso da graduação. Desde então

tenho acompanhado seu compromisso com a constituição e consolidação do

GEProMAI como um ambiente para formação do professor que ensina Matemática

na infância. Nossas interações me possibilitaram observar e escutar as histórias

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sobre seu sobrinho, sobre as crianças da escola e do catecismo na igreja católica,

conhecer sua ação voluntária numa Organização Não Governamental que acolhe

pessoas adultas e doentes, e ainda conversar a respeito de outras questões do

cotidiano.

Quando a conheci, Laís não estava lecionando. Seu ingresso como

professora na rede municipal de Campinas se deu em julho de 2015, no concurso de

professores da Educação Básica, no qual optou pela Educação Infantil. Atualmente

leciona em um Centro de Educação Infantil (CEI) com uma turma de crianças com

idades entre 3 e 5 anos. Para nós do GEProMAI, Laís é uma participante muito

importante porque é alguém que sonhou com esse grupo:

Lembro-me de quando, ao final da graduação de Pedagogia, algumas de minhas companheiras de classe e eu, sugerimos à professora Dora algo que ela já tinha em mente: a criação de um grupo de estudos de Matemática. Um grupo no qual pudéssemos discutir os melhores caminhos para o ensino da Matemática às crianças nos anos iniciais de escolarização. Felizmente, depois de concluir a graduação, recentemente, posso ver e ser parte deste desejo concretizado (excerto da narrativa de Laís, 01 set. 2014).

Além de perspectivar a criação do grupo, Laís é uma professora que se

preocupa com a aprendizagem da Matemática pelas crianças. Quando não estava

atuando na escola, compartilhava conosco algumas práticas desenvolvidas com seu

sobrinho. Esta foi uma maneira que ela encontrou de significar sua participação no

GEProMAI e de compartilhar suas experiências com a Matemática da infância.

5.4.1.1 Trajetória como estudante e professora

Ao entrar em contato com o portfólio de formação de Laís, elaborado

como trabalho final para uma de suas disciplinas do curso de Pedagogia, pude

observar que aos quatro anos de idade Laís teve seu primeiro contato com a escola,

na Educação Infantil. Se recorda que aquela vivência não lhe fora agradável, pelo

contrário! Foram momentos de angústia e sofrimento, e diante disso sua mãe optou

por não mantê-la na escola. No ano seguinte, com outra professora e outras

interações, a pré-escola tornou-se uma experiência positiva no universo da

educação.

Nos anos iniciais do Ensino Fundamental a escola se constituiu como um

espaço de interações, amizades e aprendizagem. A instituição em que estudava era

bem-conceituada e no terceiro ano teve sua primeira experiência como líder,

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tornando-se representante da turma e atuando como tal, mobilizava os colegas para

os eventos da classe e da escola.

Para cursar a 5ª série, Laís precisou matricular-se em outra escola, pois a

anterior não oferecia os anos finais do Ensino Fundamental. Tal mudança a afetou.

O prédio era malconservado, os estudantes maiores eram bem mais agitados, a

escola não era considerada “das melhores”. Entretanto, mesmo com dificuldades em

adaptar-se, tinha consciência da importância de estudar e aprender naquele

ambiente. Esforçou-se e acostumou-se, tornando-se, em pouco tempo, uma das

melhores alunas da turma. Fez novas amizades e a escola, que a princípio lhe

parecera um espaço hostil, passou a se configurar também em um ambiente de

muitas aprendizagens e ótimas recordações.

Enquanto se preparava para concluir o Ensino Fundamental, as

atividades extraescolares ganhavam destaque na vida de Laís. Tem recordações de

que o engajamento em um grupo de jovens na igreja que frequentava era o mais

significativo dentre eles. Aos 15 anos, junto com outros três amigos, tornou-se

coordenadora do grupo. Aos finais de semana, desenvolvia atividades para os mais

de 40 jovens participantes do grupo, tornando-se, em breve, missionária cristã. As

atividades religiosas possibilitaram experiências na coordenação de eventos e ações

sociais, o que novamente fez com que Laís se destacasse, ocupando posição de

liderança, planejando e executando ações em parceria com outras pessoas. Suas

experiências escolares iniciais e a maneira como as descreve em seu portfólio de

formação já evidenciam o seu desejo de ser professora. Contudo foi no período de

atuação como liderança jovem que o viu crescer:

Foi neste momento que reafirmei o meu desejo de ensinar ao outro, coisas boas, coisas novas, e também aprender com as pessoas, construir esse conhecimento coletivamente, enfim, de ser realmente uma educadora! (excerto do portfólio de formação de Laís, 2013).

Diante de seu desejo de tornar-se professora, Laís havia decidido que no

ano seguinte cursaria o Ensino Médio com habilitação para o Magistério. Entretanto,

justamente naquele ano, para sua tristeza, a escola que oferecia o Magistério não

abriu novas turmas para o curso, em decorrência das determinações da Secretaria

de Estado da Educação (SEE). Tal situação obrigou-a a fazer novas escolhas. Como

ela e a família consideravam importante que seu Ensino Médio tivesse uma

formação profissionalizante, optou pelo curso de Nutrição e Dietética, ofertado por

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uma conceituada escola da rede privada. Prestou uma seleção para obtenção de

bolsa e foi aprovada.

Esta seria a primeira experiência de Laís em uma escola privada. O

ambiente era diferente e o ritmo de estudos para dar conta das disciplinas também

era muito mais acentuado. Embora não fosse sua primeira opção, o curso em

Nutrição e Dietética lhe proporcionou diferentes aprendizagens, muitas amizades e o

início de uma importante vivência profissional, além da sensação de autonomia e

amadurecimento:

[...] ia me apaixonando cada dia mais pelas disciplinas técnicas. Fiz excelentes amizades, cumpri o estágio em uma conceituada empresa multinacional automotiva – Eaton –, na cidade de Valinhos (SP), onde pude ampliar os meus conhecimentos sobre a área e também amadurecer no sentido pessoal. Eu me via saindo da “barra da saia” de minha mãe, criando a minha autonomia, enfrentando o centro da cidade de Campinas, pegando dois ônibus com parada na Rodovia Anhanguera, para chegar até o local do estágio (excerto do portfólio de formação de Laís, 2013).

Após concluir o curso técnico, Laís começou a trabalhar numa cafeteria

localizada dentro de uma livraria e colocou em prática profissional os conhecimentos

aprendidos até então. Naquele local teve contato com várias pessoas, sentindo-se

feliz. Entretanto ainda mantinha o sonho de tornar-se professora.

Certo dia, comentou com uma cliente assídua da cafeteria que seu sonho

profissional era ser professora. A cliente comentou que sua mãe era proprietária de

uma escola privada, e a indicou para participar de um processo de seleção na

unidade. Diante de seu desejo e de sua aprovação na seleção, Laís optou por

demitir-se da cafeteria e enfrentar um novo desafio, mais próximo da profissão que

almejava. Tornou-se recreadora educacional. Tal experiência confirmou que sua

escolha profissional seria mesmo o Magistério.

[...] trabalhei durante um ano [no colégio] e aprendi muitas coisas com as professoras e os alunos e, mais uma vez, pude confirmar em mim a paixão pela educação. Ali tive a oportunidade de lidar com crianças autistas e com deficiências motoras, o que foi um grande desafio. Além disso, uma boa parte de alunos tinham pais adotivos e me traziam assim novas experiências, algumas boas e outras nem tanto assim (excerto do portfólio de formação de Laís, 2013).

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Depois de atuar por um ano como recreadora na Educação Infantil, Laís teve

experiência como atendente em um curso pré-vestibular, sendo responsável pelas

matrículas, pelo esclarecimento das dúvidas dos estudantes e pais.

Em 2009 Laís ingressou, pelo vestibular social, no curso de Pedagogia da

Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) e conseguiu uma

bolsa de estudos que concedia 50% de desconto no valor da mensalidade, o que

tornou concreta a possibilidade de tornar-se professora.

[...] faria o curso com o qual eu havia sonhado e desejado desde a infância e, o melhor de tudo, não seria realizado em qualquer faculdade. Era na Pontifícia Universidade Católica, que possuía (e ainda possui) o Ensino Superior privado mais bem-conceituado da região de Campinas. Que felicidade! Eu, finalmente, me tornaria uma professora! (excerto do portfólio de formação de Laís, 2013).

Em 2010, passou a cursar a graduação em Pedagogia. Durante aquele

ano, Laís se dedicou aos estudos, ao trabalho no Curso Pré-Vestibular, obteve

ótimas notas acadêmicas e se sentia satisfeita com suas vivências. Entretanto, no

ano seguinte um problema de saúde afetou o ritmo de suas atividades. Precisou

demitir-se do trabalho e afastar-se da universidade por três meses para dedicar-se

ao tratamento, realizando as atividades domiciliares para compensação da

frequência e dos conteúdos.

O quarto semestre do curso de Pedagogia, no final de 2011, previa a

realização dos estágios, uma etapa fundamental da formação docente, pois se

configura como “uma oportunidade de articulação entre a dimensão teórica e a

dimensão prática, ambas indispensáveis à formação do futuro professor” (LÜDKE,

2009). Diante da nova situação em que se encontrava, Laís optou por realizar seu

primeiro estágio de Educação Infantil na mesma instituição que duas amigas, pois

assim teria parceria, interlocução e apoio nessa etapa de sua formação.

Superado o problema de saúde, Laís retomou as atividades normais da

Universidade e se tornou monitora na disciplina de Psicologia da Educação, na sala

do 2º período de Pedagogia, no período noturno.

Foi um momento extremamente importante, no qual desenvolvi o gosto em atuar dentro da Universidade, visto que, auxiliava a professora a expor os conteúdos durante as aulas. Era uma oportunidade de rever os conceitos da disciplina e assimilá-los de forma mais ampla e profunda (excerto do portfólio de formação de Laís, 2013).

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No sexto semestre de Pedagogia, Laís assume outro compromisso com a

Universidade, o de realizar uma iniciação científica, desenvolvendo, sob a orientação

da professora Elvira Cristina Martins Tassoni, a pesquisa “A leitura e a escrita em

sala de aula dos anos iniciais do Ensino Fundamental e o material do programa ler e

escrever: a experiência no bloco inicial de alfabetização”. O resultado dessa

pesquisa foi publicado em 2015 na revista Quaestio. A pesquisa realizada discutiu

[...] a implantação do Programa Ler e Escrever, política de Estado de São Paulo para os anos iniciais do Ensino Fundamental, em uma escola estadual em Campinas (SP). Teve por objetivo observar como o material didático do Programa tem sido explorado nas classes que compõem o bloco inicial de alfabetização. Por meio de observações realizadas nas classes de 1º, 2º e 3º ano foi possível confrontar os encaminhamentos dados em sala de aula e as orientações contidas no material do Programa. As análises evidenciam divergências na forma de encaminhar as atividades quando consideradas as orientações do Programa. Os resultados apontam para a necessidade de se promover o fortalecimento da escola como um espaço legítimo de discussão e produção de conhecimento sobre o fazer docente (BESSELER; TASSONI; TORTELLA, 2015).

Em 2013, Laís concluiu a Pedagogia, encerrou seus estágios e entregou

o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Considero importante salientar que a

experiência dos estágios em Didática na Educação Infantil mobilizou Laís a

estabelecer uma parceria com sua amiga Ana Paula (que também participou do

GEProMAI). A partir da análise de suas práticas, publicaram na revista Nuances:

estudos sobre Educação, o artigo “A avaliação na educação infantil: fundamentos,

instrumentos e práticas pedagógicas”. A seguir, apresento o resumo dessa

produção.

O artigo apresenta fundamentos, instrumentos e práticas acerca da avaliação pedagógica no âmbito da Educação Infantil, bem como o relato de experiências avaliativas vivenciadas pelas autoras, em seus estágios supervisionados, durante a graduação em Pedagogia, em duas escolas da rede municipal de Campinas. A pesquisa tem como referência metodológica a abordagem qualitativa de pesquisa e teve como principais referências teóricas Hoffmann (2000), Bondioli (2004) e Micarello (2010). Estes estudos nos permitem considerar que o processo avaliativo realizado em sala de aula deve ser entendido como elemento essencial do planejamento docente, por revelar as principais necessidades e avanços dos alunos, nas suas relações com o ensino e a aprendizagem. Esperamos, com este estudo, reafirmar a importância da avaliação na primeira infância na busca pelo sucesso da educação escolar na sociedade contemporânea (FARIA; BESSELER, 2014, p. 155).

Quanto ao TCC, Laís o elaborou a partir da experiência investigativa

possibilitada pela Iniciação Científica, e desenvolveu a pesquisa “A alfabetização

sob a ótica construtivista e o material didático do programa ler e escrever”.

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A pesquisa teve como foco investigativo o Programa Ler e Escrever, que se trata de uma política pública do estado de São Paulo, visando discutir como o material didático do referido programa tem sido utilizado no 3º ano do Ensino Fundamental e de que forma a professora tem compreendido as atividades de Língua Portuguesa propostas em sala de aula, contidas no material analisado. Os estudos são um aprofundamento de uma pesquisa realizada anteriormente pela autora, no âmbito da Iniciação Científica (IC). Neste sentido, foi utilizada como metodologia, a análise documental do diário de campo da própria IC, composto pelos dados coletados por meio de observação realizada durante a pesquisa, em uma escola estadual do município de Campinas, SP, com aprofundamento no 3º ano. Quanto aos objetivos específicos buscou-se: a) identificar a concepção de alfabetização explicitada no material didático do Programa Ler e Escrever; b) descrever as práticas alfabetizadoras identificadas nos diários de campo; c) relacionar as práticas da docente, em relação ao ensino da leitura e da escrita com as propostas trazidas pelo material do Ler e Escrever. Os resultados apontaram que há divergências entre as propostas trazidas pelo material do Ler e Escrever e as práticas realizadas pela docente. Consideramos a necessidade de se promover o fortalecimento da escola como um espaço legítimo de discussão e produção de conhecimento sobre o fazer docente para que assim seja possível ampliar a compreensão dos sujeitos da instituição acerca das propostas trazidas pela teoria Construtivista, predominante nos Projetos Pedagógicos das escolas paulistas. Tal estudo se faz relevante para fomentar discussões em torno da alfabetização por meio da incorporação de políticas educacionais, bem como, motivar professores a respeito do material do Programa Ler e Escrever, como uma contribuição para o processo de ensino-aprendizagem da leitura e da escrita (BESSELER, 2013, p. 7).

A trajetória acadêmica de Laís me permite afirmar que ela se destacou no

contexto da universidade, ao realizar atividades de docência nos estágios

desenvolvidos nas escolas, exercer monitoria na disciplina de Psicologia, dedicar-se

à pesquisa e publicar seus trabalhos em parceria com professores e colegas.

Acredito que, a partir do que apresentei até aqui, é possível afirmar que Laís

concluiu a graduação compreendendo a importância da investigação na formação

docente, e que valoriza a parceria e a discussão sobre prática nesse processo como

um modo de contribuir para a aprendizagem dos estudantes. O último parágrafo de

seu TCC ratifica essa minha impressão:

[...] concluímos desejando que os espaços de trabalho coletivo e as reuniões pedagógicas existentes nas instituições escolares possam fomentar discussões mais eficientes, gerando um processo de ação-reflexão-ação que contribuirá para o sucesso dos nossos alunos (BESSELER, p. 72).

Tendo realizado o sonho de cursar Pedagogia numa universidade

conceituada, concluído seus estudos com êxito, se dedicado e encantado com a

pesquisa, estando apta a atuar na Educação Infantil, no Ensino Fundamental, na

Educação de Jovens e Adultos, Educação Especial e Gestão Educacional, o

próximo desafio seria iniciar a carreira profissional como professora.

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No ano seguinte à conclusão da graduação, Laís atuou por períodos

curtos em duas instituições de Educação Infantil, sendo uma privada e outra

conveniada com a Prefeitura de Campinas. Nesse período dedicou-se muito a

estudar para o concurso da Rede Municipal de Campinas, e diante de sua

classificação foi convocada para assumir o cargo de professora de Educação Infantil.

No GEProMAI, acompanhamos a trajetória de Laís e de outras

participantes que estavam prestando aquele concurso. O resultado em cada etapa

da seleção, as listagens de classificação publicadas no Diário Oficial do município,

tudo era compartilhado em grupo. Comemoramos muito o ingresso de Laís na

escola. Agora sim, professora!

5.4.1.2 Geometria e Medidas: significando conhecimentos e práticas com as

crianças

Inicialmente Laís compartilhava conosco as práticas desenvolvidas com

seu sobrinho ou até mesmo a observação atenta de algumas crianças com quem

trabalhava na catequese. Após seu ingresso na rede municipal, já era possível que

ela apresentasse as práticas de ensinar e aprender a Matemática, desenvolvidas

com a sua classe.

Em 2015, uma das temáticas privilegiadas de estudo no GEProMAI, como

já indicado, foi a Geometria e sua relação com as medidas. Estabelecemos como

textos para estudo o Caderno de Geometria do PNAIC (BRASIL, 2014b), um artigo

indicado pela Joelma (SENNA, 2014) e um resumo de trabalho de conclusão de

curso que explorava atividades do Tangram com crianças, indicado pela Laís

(GOMES, 2011). A partir dos estudos e discussões, elaboramos no grupo um

conjunto de atividades para o trabalho com a Geometria e medidas, considerando o

nível de ensino de cada professor participante do grupo. Após a realização dessas

atividades com suas turmas, os professores as apresentaram no GEProMAI para

serem discutidas.

Laís iniciou sua fala comentando como tem observado, a partir de sua

experiência na rede, que a Matemática era pouco explorada na Educação Infantil,

observa que o letramento na língua materna e as artes que constam nas atividades

são criativas, mas em Matemática, as propostas focam o trabalho nos numerais até

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nove. Com relação à Geometria, é como se não existisse a possibilidade de

trabalhar com ela. Salienta que não tem clareza se isso ocorre porque de fato as

professoras não percebem a Matemática como importante na Educação Infantil,

porque não gostam dessa área de conhecimento, ou ainda porque não sabem como

trabalhar com ela. A esse respeito a professora destaca:

[...] quando eu falo que faço parte de um grupo que estuda Matemática elas me falam que isso não vai fazer falta para Educação Infantil” (excerto da transcrição do encontro do GEProMAI, 01 out. 2015).

Laís trouxe para o grupo a narrativa sobre o seu trabalho com Geometria

e Medidas, e comentou sobre as atividades realizadas com as crianças. Ela explorou

peças confeccionadas em papel cartão em formatos de retângulos, triângulos,

quadrados e círculos e também a construção de um palhaço a partir de um modelo

utilizando as peças em papel. Realizou a montagem de um trem com sequências de

peças que possuíam formatos geométricos. Utilizou-se para isso das peças dos

Blocos Lógicos, que eram confeccionadas em madeira e possuíam três cores, três

espessuras e três tamanhos diferentes. Fez ainda a comparação de objetos da sala

com os blocos geométricos, a comparação das dimensões das peças e classificação

em pequeno, médio e grande.

Em sua narrativa Laís apresentou também a exploração da “História do

Pirata”, adaptada de uma atividade discutida em um dos encontros do GEProMAI a

partir do artigo “Possibilidades Pedagógicas com Geometria nos Anos Iniciais”,

(SENNA, 2014). A história apresentava como problema a dificuldade em abrir o baú

do tesouro de um pirata, cuja chave foi perdida em decorrência de uma tempestade.

Para abrir o baú cada criança escolhia uma das peças dos blocos, e à medida que a

história era narrada, as crianças deveriam observar sua peça e mostrá-la, de acordo

com a classificação solicitada pelo narrador da história (cor, tamanho, espessura e

forma).

Ao realizar as atividades, Laís observou que, dentre as peças, o bloco de

base triangular demorou mais para ser reconhecido pelas crianças. Acredita que isso

ocorreu porque, na primeira atividade, a peça apresentada tinha o formato de um

triângulo isósceles. A professora acredita que isso se deu em razão de que, nos

jogos, brinquedos e materiais pedagógicos que crianças utilizavam na escola e fora

dela, normalmente as peças possuem por base triângulos equiláteros.

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232

Observou que quando realizava algumas atividades com as crianças elas

se dispersavam. Diante disso, mudou de estratégias e passou a incentivar as

crianças a explorarem os materiais da sala e questionava, nessas atividades, sobre

os formatos das peças. As crianças faziam questões como: a mesinha é um

quadrado? A porta e o armário também são quadrados? Tudo que tem três retas e

três pontinhas é um triângulo? (as crianças consideravam o lado exposto desses

objetos).

Laís ressaltou que as próprias crianças começavam a responder algumas

questões dos colegas: a mesinha não é “quadrado” porque não tem pontas, o canto

é redondo; as retas do armário não são do mesmo tamanho. Laís propôs que as

crianças medissem as laterais da mesa, da porta, do armário e fizessem

comparações para verificar se eram do mesmo tamanho e se o lado medido tinha

características de um quadrado ou um retângulo. Essas atividades possibilitaram às

crianças observar outros objetos, compará-los e nomeá-los.

A situação apresentada por Laís destaca aspectos de sua gestão da sala.

Quando percebia que a continuidade de uma atividade não mobilizava a atenção

das crianças, imediatamente inseria outras propostas que permitiam uma maior

interação das crianças entre si e com a professora. Esse modo de conduzir sua ação

docente é condizente com uma atuação de mediador consciente, promovendo

oportunidades lúdicas para que as crianças possam agir e se apropriar de

capacidades humanas externas a elas (MELLO, 2006).

Laís comentou que as perguntas das crianças lhe fizeram pensar sobre

seus conhecimentos em Geometria:

[...] eles compararam as figuras dos triângulos diferentes e me perguntaram: então isso é um triangulo? Eles contaram que tinham três pontinhas e disseram: é um triangulo. Uma aluna me perguntou: então tudo que tem três pontas é triângulo? Aí eu fiquei pensando, e falei: sempre que tiver três retas a gente consegue formar um triângulo. Depois eu lembrei, falei errado, se as duas retas forem menor que esta não dá para formar. Se a soma de dois lados de um triângulo for menor que o outro lado, não dá para formar triângulo [vimos isso em um encontro do GEProMAI com uma atividade dos canudos]. Depois eu falei: se a gente conseguir juntar três retas e formar três pontas a gente consegue montar um triângulo[...]. Quando cheguei em casa pensei, fiz tudo errado, e agora? (Arquivo de vídeo da pesquisadora. Encontro de 05/11/2015. Intervalo de tempo 0:38:09 a 0:39:32).

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Ao fazer esse comentário, Dora questionou “por que quando o professor

está trabalhando com alfabetização não fica nesse desespero quando percebe que

disse algo conceitualmente equivocado?” Laís respondeu que acredita que isso era

decorrente das experiências que teve desde pequena, em Matemática: ou estava

certo ou errado, e precisava ser certo.

Laís comentou também que utilizou alguns objetos para que as crianças

observassem o tamanho: pequeno, médio e grande. Em sua fala:

[...] iniciei perguntando para as crianças se esse bloco (triangular) é grande ou pequeno. Logo percebi que minha pergunta estava incompleta: é grande com relação a quê? Comparado com o que se estou mostrando apenas uma peça sem ter outra para comparação? Já conversamos aqui, no GEProMAI, que medir é comparar (excerto da transcrição do encontro do GEProMAI, 01 out. 2015).

O comentário de Laís me remete à citação de Cochran-Smith (2012) que

as comunidades de aprendizagem dos professores devem ser contextos onde as

perguntas e incertezas sejam entendidas como sinais de aprendizado, e não

indicativos de falha.

Ao compartilhar suas práticas com o grupo, a professora possibilitou que

revisitássemos alguns conceitos matemáticos, como por exemplo, que os quadrados

são retângulos com uma característica especial - todos os lados têm a mesma

medida; que para medir é necessário escolher uma unidade e compará-la à

grandeza a ser medida, expressando numericamente o resultado dessa

comparação; que embora muitas vezes o professor foque o trabalho com Geometria

nos polígonos regulares, existem outras figuras geométricas que podem ser

exploradas com as crianças.

Os questionamentos de Laís propiciaram uma discussão de conteúdos

matemáticos. Para Saraiva e Ponte (2003), o conhecimento do professor a respeito

dos conteúdos matemáticos ao ensinar, de como os estudantes podem aprender ou

compreender o que é ensinado, de quais métodos ou estratégias de ensino podem

ser utilizados, podem se constituir em obstáculos para o professor. É fundamental

que o docente desenvolva a confiança e consolide seu conhecimento sobre os

conteúdos matemáticos e sua didática, e conheça diferentes modos de abordá-los.

Para os autores “este obstáculo poderá ser vencido mais facilmente com a

observação e discussão de aulas de outros colegas” (SARAIVA; PONTE, 2003, p.

5).

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A interação com os participantes do grupo possibilitou que Laís

ressignificasse os conteúdos matemáticos relacionados à docência. Ao escutar as

crianças, a professora analisa seus conhecimentos matemáticos e demonstra

preocupação em aprender mais para poder ensinar melhor. Essa postura de uma

professora que precisa aprender me remete à afirmação de Cochran-Smith (2012),

de que aprender a ensinar é um processo que ocorre ao longo da carreira docente, e

não um evento, circunscrito em um determinado tempo.

É importante destacar que as reflexões sobre a prática compartilhada por

Laís foram potencializadas pela narrativa escrita. A professora, ao produzir sua

narrativa, selecionou as informações que considerou importantes, destacou

questões das crianças que permitiram uma análise pessoal dos conhecimentos

matemáticos e organizou suas reflexões individuais sobre a prática. Ao compartilhá-

la com o grupo, outros questionamentos foram destacados, o que proporcionou a

ocorrência de reflexões coletivas a respeito das aprendizagens das crianças e da

gestão das intervenções da professora.

Laís afirmou que muitas vezes estamos acostumados com os objetos e

materiais pedagógicos com os quais trabalhamos, sem nos atentarmos para

aspectos da Matemática, como, por exemplo a indicação de que “medir é comparar”.

Outras reflexões foram possíveis. Comentamos que as figuras como triângulos,

quadrados e retângulos são formadas por linhas retas. Mas existem figuras

irregulares, existem figuras com curvas (o círculo, por exemplo, não tem linhas retas

e nem lados). Dora diz que as crianças podem fazer desenhos tentando formar

figuras com linhas onduladas, com um formato parecido, e que mesmo que os lados

não sejam retos, assemelham-se com um triângulo.

Durante o encontro, ressaltamos que existem conhecimentos que são

essenciais para o professor, ou seja, os conhecimentos para a profissão. Nesse

sentido Dora afirmou que, se perguntarmos aos professores a “regra do vai um”,

normalmente eles dizem que conhecem a regra. Entretanto se pedirmos explicações

mais detalhadas sobre essa regra, sobre o seu significado, nem todos conseguem

explicar, uma vez que a assimilaram a partir de um processo mecanizado.

A análise coletiva desse episódio contribuiu para que não apenas Laís,

mas também os outros participantes, aprendessem a respeito de conteúdos

matemáticos e sobre como abordá-los na Educação Infantil.

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Tal situação nos mostrou, ainda, que a interlocução de Laís com os

participantes do grupo, interessados em compreender a prática de ensinar e

aprender Matemática na infância, e especialmente com Dora, que possui um

excedente de visão (Bakhtin, 2003), sobre os professores da escola em relação aos

modos de ensinar e aprender Matemática, foi fundamental para o seu

desenvolvimento profissional, como reconhece a própria professora:

O grupo me ajuda em muitas coisas com relação ao conteúdo da Matemática que vai ser ensinado na sala de aula. Em relação à formação deficiente, eu ainda estive muito presa em relação ao uso da “folhinha” [refere-se ao trabalho com propostas prontas de copiadas para as crianças], em reduzir a formação matemática inicial à questão dos números, à aprendizagem da escrita dos números, da sequência numérica [...]. O grupo me ensinou que a gente não precisa esperar chegar ao quarto ou quinto ano para trabalhar noções de Geometria e Grandezas e Medidas, e que a gente não precisa se prender à folhinha de exercícios (excerto da entrevista realizada com Laís, 29 set. 2016).

O episódio do trabalho com medidas e Geometria, o questionamento e a

problematização da Matemática na Educação Infantil, a desnaturalização do que se

ensina e se aprende na escola, especialmente nesse nível de ensino, e a busca

sistemática por uma compreensão dos acontecimentos e formas de alterar a

realidade, podem ser considerados como indícios do desenvolvimento profissional

de Laís. Esse episódio evidencia o desenvolvimento de uma postura investigativa e

questionadora das práticas docentes.

5.4.1.3 A contribuição do GEProMAI para formação matemática de uma professora

novata

Como observado, Laís é uma professora questionadora, que possui a

investigação como postura (Cochran-Smith e Lytle, 1999). Como já mencionado, a

professora concluiu a graduação em Pedagogia com dois artigos produzidos a partir

de pesquisas desenvolvidas a partir das experiências no interior do curso, e que

foram publicadas posteriormente.

Ao refletir sobre suas próprias aprendizagens, a partir da interlocução com

o GEProMAI, Laís enfatizou que o grupo se configura como um importante espaço

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para aprendizagem e desenvolvimento profissional docente, especialmente para o

professor iniciante. Destaco que a maior parte dos pesquisadores que estudam o

ciclo de vida profissional, em especial Huberman (1997), consideram o professor

como iniciante ou novato quanto este atua na docência há menos de três anos,

como é o caso de Laís.

Em suas interlocuções com o grupo, a professora constantemente

convida os participantes a discutirem sobre tais aprendizagens. As sistematizações

de tais investigações auxiliaram na composição de textos e resumos apresentados

em eventos da área de educação: As contribuições de um grupo colaborativo para

professores iniciantes (BESSELER et al., 2015); Contribuições de um grupo

colaborativo para a prática docente de professores que ensinam Matemática

(ALMEIDA, BESSELER; PRADO, 2015); O GEProMAI como espaço de formação

continuada: ressignificação da Matemática e aprimoramento da prática docente

(FARIA; BESSELER; CAMPOS, 2015).

Laís considera que, ao sair do espaço da Universidade, reconhecido

como ambiente em que são privilegiados aspectos teóricos da educação, o professor

recém-formado em Pedagogia, se vê distante da prática idealizada e desafiado a

encarar o espaço real e singular da sala de aula. Esse comentário demonstra o

sentimento de Laís ao deparar-se com suas crianças na escola. Embora ela já

conhecesse o contexto educacional por ter trabalhado como recreadora educacional

numa escola privada, e também pelas experiências nos momentos de estágio

acadêmico, julho de 2015 se configurou como o marco temporal do início de sua

carreira como docente. As crianças, nesta nova experiência, faziam parte de sua

turma e era responsabilidade dela planejar, desenvolver e avaliar as ações

educativas desse grupo.

O sentimento de que a formação em Pedagogia não era tão próxima da

realidade quanto gostaria, se avizinhava ao sentimento de sobrevivência resultante

do choque de realidade, como salientam Gama e Fiorentini (2009) fundamentados

em Veenman (1984). Para os autores:

Esse sentimento é decorrente do distanciamento entre a teoria socializada nos cursos de licenciatura e o dia-a-dia escolar marcada por dificuldades de relacionamento com alunos, com a direção, com pais e com colegas mais experientes; dificuldades na gestão de classe e no ensino de conhecimentos (GAMA, FIORENTINI; 2009, p. 442).

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Laís evidenciou ser fundamental que o professor não permaneça isolado,

que busque apoio com colegas, no momento de início de carreira. Para ela,

participar do grupo colaborativo se configurou como uma oportunidade de sair do

isolamento, de aprender e de se desenvolver profissionalmente.

Além do aprendizado de novos conceitos e do aprofundamento de outros conteúdos já conhecidos por nós professoras, neste grupo tem sido possível o enriquecimento profissional a partir das experiências vivenciadas e compartilhadas por nós. Compreendemos que somos profissionais em formação a todo o tempo, já que nosso conhecimento nunca está pronto e acabado (excerto da entrevista realizada com Laís, 29 set. 2016)

Ao observar que o conhecimento do professor nunca termina, ao

perceber-se permanentemente como aprendiz (SARAIVA; PONTE, 2003) Laís

compreende que a formação do professor não se reduz à graduação e que a

constituição profissional docente não é uma trajetória linear, mas se configura como

um processo contínuo, inconcluso, “permeado por dimensões subjetivas e

socioculturais que influenciam o modo de vir a ser de cada professor” (ROCHA;

FIORENTINI, 2005 p. 2). A professora considera o GEProMAI como um lócus, no

qual é possível aprender e desenvolver-se profissionalmente.

Como já destaquei nesta tese, a colaboração se configura como uma

característica do GEProMAI estimada pelos participantes. Laís também reconhece a

colaboração como um aspecto que mobiliza a participação do professor,

especialmente daquele em início de carreira, como indica em uma publicação:

[...] o grupo existe como espaço de formação e de diálogo do qual participam professores do Ensino Superior e da escola básica e que tem como objetivo principal o ensino e a aprendizagem matemática a partir da discussão de práticas pedagógicas, escrita de narrativas, estudo de textos, (re)significação de conceitos, planejamento de atividades, reflexões e registros sobre tais ações e investigações sobre a prática docente. Salientamos que no grupo conversamos abertamente sobre nossa prática, nos colocamos receptivas para enxergar a diversidade de alunos e respeitando suas especificidades. O diálogo, o trabalho em equipe, o respeito mútuo e a inexistência de relações hierárquicas são elementos valorizados pelas professoras e aspectos motivadores da participação. (BESSELER et al., 2015, p. 145).

A respeito da colaboração, considero relevante evidenciar, como

destacado por Hargreaves (1998), que a cultura da colaboração é sustentada pela

ação de lideranças que ajudam a promovê-la. Um olhar mais acrítico dessa

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perspectiva permite incorrer em modos colaborativos limitados ou restritos, como a

partilha de recursos e atividades, consideradas seguras pelos professores, tomando-

as por rotineiras e sem reflexão sobre o valor, o propósito e as consequências das

proposições. Por vezes essas ações não desafiam as práticas, os pressupostos e

perspectivas, e se consolidam em uma cultura de grupo confortável e complacente.

Entretanto, pelos estudos, discussões e práticas desenvolvidas no

GEProMAI e a partir dele, a colaboração tem sido sustentada no sentido de

compartilhar, criticar e aprender na interlocução com o outro. As evidências desta

pesquisa mostram que eu, Laís, e os demais participantes do GEProMAI,

entendemos que temos estabelecido uma cultura de grupo que possibilita a

pesquisa e o desenvolvimento de práticas que visam melhorar a aprendizagem dos

professores e das crianças com as quais trabalham, proporcionando a confiança

coletiva para a promoção de mudanças nas práticas de ensinar e aprender

Matemática na infância.

Ao refletir sobre suas próprias aprendizagens, ao conversar com os

colegas e fazer a leitura das narrativas produzidas, e ainda, estudar aspectos

teóricos a respeito da formação de professores iniciantes, Laís assim destaca em

outra produção divulgada:

Os estudos, as discussões, socialização de atividades de sala de aula, entre outras ações realizadas de modo colaborativo no GEProMAI constituem-se aspectos importante da formação e desenvolvimento profissional dos professores envolvidos, e promovem mudanças nas práticas de ensinar/aprender Matemática dos docentes envolvidos (ALMEIDA, BESSELER; PRADO, 2015).

Ao observar que os professores promovem mudanças em suas práticas a

partir da participação no grupo é possível perceber que os estudos do GEProMAI

reverberam na vida e na escola de Laís, e que as práticas da escola reverberam no

grupo, especialmente nos momentos em que são compartilhadas nos encontros por

meio de narrativas orais e escritas. Também são consideradas nas situações em

que fotos e comentários a respeito de uma pratica desenvolvida e postada como

mensagem no WhatsApp do grupo.

Para Laís, o grupo contribui para que participantes analisem suas práticas

e desenvolvam propostas e atividades fundamentadas, contextualizadas e que

tenham significado para estudantes, de acordo com cada contexto. Ao participar do

GEProMAI, Laís revê, renova e amplia seus compromissos com os propósitos do

ensino, e amplia de forma crítica os conhecimentos matemáticos e pedagógicos

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essenciais a uma prática profissional de qualidade com as crianças na escola

(SARAIVA; PONTE, 2003).

A professora ressaltou ainda que o modo como o professor aborda a

Matemática no início da Educação Básica pode contribuir com o modo que os

estudantes se relacionam ou relacionarão com a Matemática ao longo do tempo.

[...] a análise das narrativas, as trocas de experiências, movimentos constantes no grupo, possibilitam a contínua reflexão, avaliação e reavaliação das práticas docentes, impulsionando e instigando cada participante a ousar, de forma consciente e criativa, nas práticas de sala de aula, visando estimular e despertar em seus alunos, desde a mais tenra idade, o interesse e a paixão pela tão temida Matemática (excerto de narrativa de Laís, set. 2015).

Para a professora, a escrita de narrativas individuais e coletivas também é

compreendida como elemento que potencializa a aprendizagem docente. Esta

prática é destacada por Laís em um evento da área de educação no diagrama a

seguir.

Figura 11. Diagrama elaborado por Laís a respeito das aprendizagens a

partir das narrativas

Fonte: Arquivos da pesquisadora

No diagrama que elaborou, Laís compartilhou com educadores de

diferentes lugares, em um evento nacional sobre Educação Matemática, o que

aprende ao escrever narrativas e a partir das interlocuções dessas narrativas com o

grupo. Coloca em evidência que a escrita de narrativas é uma prática educativa que

contribui para a aprendizagem de professores em formação e representa um modo

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bastante fecundo e apropriado de docentes produzirem saberes ligados à

experiência e de transmiti-los aos colegas (CONNELLY; CLANDININ, 1995).

Considero relevante salientar que Laís foi acometida por um problema de

saúde e, a partir de maio de 2016, não pôde mais participar do grupo

presencialmente, passando por um período de licença-saúde. Entretanto continuou

ativa na participação via WhatsApp, comentando as postagens dos colegas e

contribuindo com as narrativas colaborativas.

Um exemplo dessa participação virtual pode ser observado em uma

narrativa colaborativa do encontro de 01 de junho de 2016, elaborada inicialmente

por mim. No texto comento que uma participante nos apresentou o software de

Matemática dinâmica GeoGebra que reúne recursos de Geometria, álgebra e

cálculo, e pode ser baixado gratuitamente. Entretanto não inseri na narrativa

informações mais detalhadas a respeito do programa. Ao fazer a leitura Laís insere

no corpo do texto:

Eu Laís, acredito que pode ser acrescentado no texto o caminho para que o aplicativo/programa seja baixado. Fiquei curiosa para conhecê-lo. Pensei até mesmo na possibilidade de indicar para os pais como uma ferramenta para ser instalada no computador de casa, como uma forma de as crianças desenvolverem sua capacidade motora de exploração do computador e ainda aprenderem sobre as figuras geométricas (excerto da Laís na narrativa colaborativa do encontro de 01 jun. 2016)

As interações de Laís com o grupo permaneceram constantes, mesmo

sem sua participação presencial nos encontros. Suas sugestões e comentários

sobre o desejo de participar eram frequentes. Diante disso, consultamos se ela

gostaria de participar do grupo virtualmente, via Skype e sua resposta foi imediata:

SIM! Desse modo, Laís inaugurou um novo modo de participar do GEProMAI. Lia os

textos, fazia questionamentos, apresentava propostas, citava exemplos, o que

configurava sua participação virtual como tão intensa quanto a presencial. Em

entrevista, a partir de um questionamento meu, Laís comentou como se sente a

respeito dessa forma de participação:

[...] eu sou muito grata por participar, por ver o meu rosto nas inovações, e nós temos nos constituído como grupo a cada dia. Creio que nada substitui a participação presencial. É obvio que minha participação é muito feliz pelo Skype, mas, poder participar junto com o grupo das atividades, [...] experienciar tudo ao vivo é muito mais gostoso. Lógico que a gente tem que utilizar as tecnologias a nosso favor. Acho importante essa ferramenta estar presente no nosso grupo, mas tenho um

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pouco de medo com relação às tecnologias, porque nós temos uma vida muito corrida, e a tendência, quando vamos utilizando essas novas formas de comunicação, é a de que as pessoas se distanciem cada vez mais e se afastem do compromisso pessoal de estar presente nos encontros sempre. A tecnologia tem que fazer parte sim, mas não pode ser a prioridade. O grupo tem que ser presencial mesmo, tem que existir, para que todos possam colocar suas contribuições, participar das apresentações, das discussões sobre as leituras dos textos, nas atividades mais dinâmicas. Essa possibilidade pode ser para outras pessoas que não possam estar presentes. Para isso utilizar as ferramentas como o site, o Facebook, como complementos da nossa prática[...]. As tecnologias nos deixam com a sensação de estar distante, mas dentro ainda do grupo. Esse é o ponto positivo. Mas quando as pessoas precisam se ausentar, quando não há outra alternativa, assim é possível continuar colaborando com o grupo de outras formas, mas esse não pode ser o nosso foco. A questão da presença é importante para que nós possamos celebrar juntos os avanços que temos obtido com a Matemática (Excerto da entrevista realizada com Laís, 29 set. 2016).

A participação de Laís no GEProMAI, o compromisso com a realização

das leituras, contribuições nas narrativas colaborativas, questionamentos a respeito

de textos e práticas, posicionamento crítico a respeito de diferentes situações, ainda

que à distância, constitui mais um indício de seu desenvolvimento profissional.

Eu agradeço muito pela participação no Skype, isso me faz sentir importante. Sentir que não somos mais um número, como as pessoas são vistas numa pós-graduação ou em outros cursos. Sinto-me importante, protagonista nesse grupo, e tenho certeza de que cada participante não é mais um, é protagonista também (Excerto da entrevista realizada com Laís, 29 set. 2016).

Ao finalizar a narrativa de desenvolvimento profissional de Laís, escrevi o

que considerei como indícios de seu desenvolvimento profissional, a partir de suas

interlocuções com o grupo, de suas narrativas, postagens na rede social WhatsApp

do grupo, de suas produções e das interações pessoais e virtuais que tivemos em

diferentes momentos ao longo do tempo que nos conhecemos. Destaco, entretanto,

que essas escolhas foram minhas. Como pesquisadora, eu selecionei eventos e

escrevi esta narrativa de desenvolvimento profissional de Laís, mas também fiquei

curiosa para saber o que ela teria a destacar a esse respeito, depois de um tempo

maior de participação no GEProMAI e também de sua atuação como professora. A

entrevista me permitiu conhecer suas considerações a esse respeito.

Solicitei que me contasse a respeito do que escreveu sobre as

contribuições do GEProMAI para o professor novato, com pouco mais de um mês de

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rede e relacionasse com o que sente no momento desta finalização da pesquisa, ou

seja, professora há mais de um ano. Pedi que indicasse se havia alguma situação

ou aprendizagem no grupo que a marcou profundamente nesse tempo de

participação, algo que considerasse não saber com relação ao conteúdo matemático

ou outro aspecto e que tenha feito a diferença na sua prática com as crianças na

Educação Infantil.

[...] entre outras coisas, um aspecto que tenho observado muito no grupo e que tem me ajudado com relação ao trabalho com a Matemática com as crianças é o olhar para o erro, para o fato de não ficarmos tão presas aos nossos erros como professores novatos. Poder fazer as narrativas e olhar para aquilo que não foi tão legal e adaptar, fazer novamente de uma forma diferente, melhorar as atividades, mesmo que seja depois, com outras crianças. Também a importância de dar espaço para que as crianças falem sem menosprezar aquilo que elas sabem. Eu creio que é muito importante, não apenas eu dizer, ensiná-las, mas também ouvir o que elas trazem e unir as propostas para possibilitar o conhecimento. [...] O grupo tem me ajudado muito como nova docente na área. Consigo perceber o quanto evoluí nesse percurso todo do GEProMAI e isso é observado também pelas minhas colegas de trabalho. É muito bom poder compartilhar. O grupo tem essa característica de ser multiplicador, de contagiar as pessoas ao nosso redor. A gente tem ainda muita visão daquela Matemática difícil, complicada, de uma Matemática chata que é só decoreba. A gente sabe que as pessoas que chegam no grupo têm essa visão. E o grupo tem essa característica linda de poder quebrar todo esse preconceito e ressignificar a Matemática e nos levar a reflexões que anteriormente a gente não teria aparato para poder pensar e reformular algumas coisas (Excerto da entrevista realizada com Laís, 29 set. 2016).

Os comentários de Laís a respeito de como tem visto a Matemática, sua

postura de professora que problematiza e investiga a própria prática, seu

posicionamento na escola como uma profissional que compartilha suas

aprendizagens com as professoras da escola, e de como percebe seu

desenvolvimento profissional, ratifica a posição de autores como Day (2005),

Cochran-Smith (2012), Fiorentini (2013b), no sentido de que aprender a ensinar é

algo que acontece ao longo do tempo, quando novos professores trabalham na

companhia de professores e pesquisadores mais experientes e que também

continuam aprendendo a ensinar.

Neste texto busquei, a partir das problematizações e investigações da

própria Laís, compreender como o GEProMAI tem contribuído para a formação

matemática de uma professora novata. As interlocuções com a professora, ao longo

tempo, me permitiram afirmar que a cultura colaborativa do GEProMAI favorece o

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desenvolvimento profissional do professor iniciante, especialmente no que se refere

à sua prática pedagógica.

Este estudo corrobora os resultados de pesquisa de Gama (2007) ao

considerar que o contexto colaborativo promove um processo de reflexão individual

e coletivo sobre a prática docente, oferece apoio para o enfrentamento de desafios e

dificuldades encontrados pelo professor iniciante em virtude da complexidade da

prática e do contexto educacional e contribuem para que o docente seja protagonista

no próprio grupo e na escola onde atua e em outros contextos.

5.4.2 NARRATIVA DE DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DE KARINA

Tive o primeiro contato com Karina em 2013, quando atuei como monitora

das disciplinas de Matemática no CECIM – Curso de Especialização em Ciências e

Matemática/UNICAMP. Naquele ambiente formativo, que congregava outros 39

professores da Rede Municipal de Campinas, Karina realizava as atividades à

distância, as quais eu tinha o compromisso de corrigir. Fazia as provas e tinha boas

notas. Entretanto não era uma estudante que comentava a respeito de sua prática

ou que participava com frequência, apresentando comentários, nos momentos de

discussão de textos do curso.

No final de um módulo, Dora, que era professora do curso, comentou que

gostaria de organizar um grupo com o intuito de estudar teorias e práticas da

Matemática da Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, e que iria

enviar um convite aos estudantes que desejassem dele participar. No semestre

seguinte, quando retomei a monitoria da disciplina de Matemática, tendo outra

profissional como docente, Karina passou a me questionar a respeito da criação do

grupo. Falei com Dora a respeito do interesse de Karina e, depois de acertarmos

alguns detalhes, marcamos nosso primeiro encontro. Como já mencionado no

capítulo 3, Karina estava presente.

Karina é uma professora que leciona na Educação Infantil há dez anos, já

trabalhou em uma escola privada, e desde 2010 atua na rede municipal de

Campinas. Assim como Laís, Karina é uma participante muito importante para o

grupo. Sua persistência, ao me perguntar sobre o grupo todos os dias em que atuei

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no segundo módulo de Matemática do CECIM, foi essencial para a criação do

GEProMAI.

Karina é uma participante bastante ativa no grupo de estudos. Como

destaque, dos mais de quarenta encontros realizados até o final da escrita desta

tese, a professora esteve ausente em apenas um. Além da frequência assídua,

Karina constantemente se dispõe a elaborar a narrativa sobre o encontro, produz

narrativas pessoais, apesenta seus questionamentos, compartilha suas práticas,

elabora textos em colaboração com os demais participantes, coordena estudos e

discussões e está sempre preocupada em aprender a ensinar.

Nas narrativas de aprendizagem docente descritas no capítulo anterior

desta tese foi possível perceber o protagonismo de Karina em diversas situações.

Diante disso, para escrever sobre seu desenvolvimento profissional, reli as

narrativas sobre os encontros, selecionei trechos de vídeos em que sua participação

é destacada, analisei nossas conversas no WhatsApp, tanto no grupo como em

nossas interações pessoais, revisitei seus relatos, e optei por trazer em destaque

aspectos que reverberaram do GEProMAI na sua atuação como docente, não

apenas para o trabalho com sua turma de Educação Infantil, mas para a instituição

educacional em que atua, como um todo.

5.4.2.1 Trajetória como estudante e professora

Karina nasceu na cidade de Americana e mora em Sumaré. Ao recordar

de sua trajetória escolar na infância, considera que o incentivo dos pais sempre foi

fundamental para sua dedicação aos estudos desde criança e para sua opção pelo

magistério enquanto profissão.

Meus pais, apesar da falta de oportunidades que vivenciaram, eram enfáticos quanto à valorização da educação: “a educação como maior herança, maior legado que poderiam deixar”. E referiam-se à educação em sentido amplo, a educação dada por eles e a educação formal na escola. [...] as afirmações de meus pais sempre foram muito fortes para mim. Acredito que esta importância e atenção à educação, influenciaram minha escolha pela profissão docente (excerto do memorial formativo de Karina, abr. 2016).

Karina ingressou na Educação Infantil com cinco anos, em uma instituição

pública do município onde residia. Suas recordações da Educação Infantil são

relacionadas às brincadeiras e interações com os colegas, especialmente no parque

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(pega-pega, esconde-esconde, gira-gira, balanço), às rodas de conversa, aos

momentos de ouvir de histórias, às atividades em grupo, aos momentos de refeição

em que as crianças realizavam o autosservimento e à amoreira que havia ao lado da

escola. Karina considera que a rotina da Educação Infantil, o ambiente, os

professores, as atividades e, principalmente, os amigos, tornavam a escola um local

agradável, no qual se sentia bem.

Ao ingressar no Ensino Fundamental, com 7 anos, também em escola

pública, desta vez estadual, grande e cheia de grades, Karina evidencia que se

deparou com um contexto escolar totalmente diferente da Educação Infantil.

Naquele ambiente presenciou algumas situações de violência entre alunos.

Entretanto considera que os amigos a ajudaram em sua adaptação àquele ambiente

e a gostar da escola.

Outras questões chamam a atenção de Karina quando se recorda

daquela escola, como as crianças enfileiradas, uma atrás da outra, a constante

necessidade de silêncio para ouvir as explicações dos professores e a obrigação em

fazer os exercícios. Mas se recorda de alguns professores que buscavam

metodologias diferenciadas para ensinar e que se preocupavam com os processos

de ensino/aprendizagem oportunizados pela escola. Tais experiências são

consideradas importantes para Karina, ainda que não se configurem como exemplo

para sua prática:

Algumas posturas aprendidas foram superadas com a reflexão a partir de suportes teóricos. Outras, aliadas hoje à prática, ao dia-a-dia, necessitam da construção de “pontes” para sua superação, como por exemplo, a ideia de que as crianças não podem falar, ou falar apenas quando o professor deseja ouvi-las. Hoje isso é muito marcante para mim: as crianças devem ser ouvidas, suas perguntas e curiosidades mostram o que elas pensam, aprendem e sentem em relação à escola (excerto do memorial formativo de Karina, abr. 2016).

Karina fez a opção pelo magistério já no Ensino Médio, tendo realizado

um processo de seleção e sendo aprovada. Naquele espaço que tinha uma estrutura

física de melhor qualidade que a sua escola anterior, a professora considera que

começou a se apaixonar pelo magistério, pelo ensino. As aulas do curso lhe eram

prazerosas, e o estágio docente também foi marcante em sua formação e seu

desejo de tornar-se professora:

As aulas aconteciam de maneira dialogada, realizávamos muitas leituras, apresentávamos seminários em diversas disciplinas, inventávamos teatros, apresentações de histórias com fantoche para crianças na biblioteca

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municipal e também eram muito apreciados por mim os eventos esportivos. [...] durante o magistério, várias colegas relatavam a insatisfação e falta de

motivação com o curso. Elas demonstravam que estavam ali por pressões familiares ou falta de opção. Diferentemente destas opiniões, eu ingressei no curso com interesse pela profissão e pela carreira docente. Com o início das matérias mais específicas do curso, a cada dia meu interesse, envolvimento e identificação com a educação aumentavam. Então, antes de concluir o magistério, já tinha uma certeza: Eu seria professora! (excerto do memorial formativo de Karina, abr. 2016).

Enquanto cursava o último ano do Magistério, Karina ingressou na

licenciatura em Pedagogia em um Centro Universitário privado, tendo uma bolsa de

estudos integral. Nesse período cursava o magistério de manhã, realizava os

estágios à tarde e cursava o primeiro ano de Pedagogia à noite.

Ao concluir o magistério, Karina considerou que seria importante começar

a trabalhar e teve sua primeira experiência como auxiliar de classe de Educação

Infantil em uma escola privada. A professora considerava que as condições de

atendimento das crianças e de trabalho dos educadores naquele local eram

precárias. Essa experiência fez com que Karina se questionasse, pela primeira vez,

se realmente queria ser professora.

Eu sabia que não conseguiria me realizar profissionalmente num ambiente como o daquela escola. Mas queria sim, continuar com o sonho de ser professora e vivenciar novas experiências em escolas diferentes (excerto do memorial formativo de Karina, abril, 2016).

No ano seguinte, Karina ingressou, a partir de concurso da Prefeitura

Municipal de Americana, como Professora na Educação Infantil, e iniciou uma nova

experiência na Educação Infantil:

Comecei com uma turma de aproximadamente vinte e sete crianças, que tinham entre quatro e cinco anos. Foi um período difícil. A inexperiência causava muita ansiedade. Tudo era novo. Com o auxílio de companheiras de trabalho mais experientes, fui encontrando o meu caminho e buscando minha identidade profissional (excerto do memorial formativo de Karina, abril, 2016).

Os comentários a respeito dos primeiros anos de docência de Karina vão

ao encontro dos resultados de pesquisas sobre a aprendizagem para ensinar:

[...] muitos pesquisadores em diversos contextos e países indicam que a maioria dos novos professores luta com as dificuldades no início da carreira, e muitos professores experientes que olham para seu primeiro ano reconhecem abertamente que o seu trabalho naquela época estava longe de ser ideal (COCHRAN-SMITH, 2012).

Em sua experiência inicial como professora, Karina contou com parceiros

que lecionavam no mesmo nível que ela e que foram generosos ao compartilhar

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materiais e ideias, o que contribuiu para que ela encontrasse sua identidade

profissional. O comentário de Karina mostra que, desde o início de sua carreira

docente, ela se colocou como aprendiz no contexto da escola. Tal postura se

configura como um importante indício de desenvolvimento profissional. Para Day

(2001, p. 20), o desenvolvimento profissional é visto como um processo que envolve

múltiplas “experiências espontâneas de aprendizagem” e participação em atividades

planejadas conscientemente e “realizadas para benefícios, direto ou indireto, do

indivíduo, do grupo ou da escola e que contribuem, através deste, para a qualidade

da educação na sala de aula”.

Depois de três anos atuando em escolas na cidade de Americana, Karina

ingressou como professora de Educação Infantil na Rede Municipal de Campinas,

encontrando uma realidade diferente da que estava acostumada, com classes

multietárias de crianças com idade entre 3 e 6 anos - os agrupamentos.

Esse novo modo de organização das crianças trouxe a ela novos desafios

de como organizar e oportunizar às crianças situações de aprendizagem para

atender a heterogeneidade e o número de crianças. Outra novidade que encontrou

diz respeito às múltiplas oportunidades para a formação continuada e à possibilidade

de uma melhor remuneração, o que facilita ao professor realizar algum curso. Além

da remuneração, havia a possibilidade de cinco dias de dispensa para formação em

datas coincidentes com o horário de trabalho. Além disso, os espaços formativos

ofereciam melhores condições para a discussão coletiva que as vivenciadas

anteriormente por ela.

Esse novo ambiente e as possibilidades de formação contribuíram para

que Karina se interessasse pelo trabalho por meio de projetos, pois considerava que

esse modo de organizar sua prática pedagógica possibilitava uma maneira dinâmica

e significativa para as crianças.

Nessa perspectiva o que a criança pensa é valorizado, além de perceber-se como participante de todo processo de ensino-aprendizagem. [...] as crianças pequenas me surpreendem a cada dia. É preciso um olhar atento e sensível aos desejos, gostos, sensações e interesses que as crianças demonstram. Desde que comecei a interessar-me pelo trabalho com projetos e a inseri-los em minha prática pedagógica, percebo que o interesse e a participação das crianças aumentaram muito (excerto do memorial formativo de Karina, abr. 2016).

Lecionando na rede municipal de Campinas, Karina teve a oportunidade

de participar e realizar sua pós-graduação lato sensu no CECIM. Karina considera

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que, por meio do curso, foi possível ampliar a visão e a compreensão que tinha

sobre o trabalho com Ciências e Matemática na Educação Infantil, e pensá-los de

forma integrada entre as diferentes áreas do conhecimento. Ressalta que tal

formação mostrou novos caminhos e abriu diversas perspectivas de trabalho com as

crianças. Ao referir sobre a importância dessa formação para seu desenvolvimento

profissional Karina assim registra:

Hoje me sinto instigada e estimulada a conhecer mais destas áreas e proporcionar às crianças vivências e práticas significativas, em que seja oferecido às crianças o acesso ao conhecimento e a práticas que oportunizem sua expressão por meio de diferentes linguagens. [...]. A participação no CECIM me trouxe inúmeras aprendizagens, além das amizades que foram construídas na partilha das dúvidas diárias sobre a profissão, nas angústias sobre erros e acertos, no enfrentamento diário de nossas limitações (excerto do memorial formativo de Karina, abril, 2016).

Karina evidencia ainda, como marco em seu processo formativo, a

participação no GEProMAI. Em suas palavras:

Acredito que a participação no grupo foi outro marco em meu percurso formativo, contribuindo para a ocorrência de aprendizagens relativas ao registro de minhas aulas, à reflexão sobre minhas práticas e à valorização de diferentes formas de expressão e estratégias das crianças no processo de ensino/aprendizagem. Aprendi que é essencial estar atenta ao que as crianças falam e assim, realizar mediações através de perguntas mais abrangentes. No grupo busco tais aprendizagens enquanto professora (excerto do memorial formativo de Karina, abril, 2016).

5.4.2.2 Geometria e Medidas: aprendizagens e produção de conhecimento

Em 2015, após diversas discussões a respeito das Grandezas e Medidas,

os participantes elegeram, como um tema importante a ser estudado, a Geometria.

Moura e Lorenzato (2001), ancorados em Caraça, evidenciam que:

[...] a medida de uma grandeza unidimensional pode representar a fusão de conceitos aritméticos e geométricos. Para medir o comprimento de um objeto, faz-se necessário dois tipos de operação: um de caráter geométrico, que aplica a unidade ao longo da grandeza a ser medida; o outro de caráter aritmético, que calcula quantas vezes é possível repetir a operação anterior. Uma está estritamente relacionada à outra, dando lugar a uma nova operação: a de medir (MOURA, LORENZATO, 2001).

Para iniciarmos os estudos em Geometria, sem perder de vista a ideia da

medida, os professores optaram por dar continuidade à leitura dos materiais do

PNAIC. Selecionamos o Caderno 5 que tem como foco a Geometria (BRASIL,

2014b). Entre os comentários a respeito do texto, os participantes do grupo

consideraram que o Caderno de Geometria apresentava uma preocupação maior

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com a discussão dos conceitos geométricos, enquanto o Caderno sobre Grandezas

e Medidas, estudado anteriormente, trazia como destaque o relato de atividades

realizadas com os estudantes.

O Caderno de Geometria do PNAIC chama muito a atenção para o vocabulário utilizado pelo professor. Um exemplo que consideramos muito significativo foi a utilização das palavras figura e formato, no lugar de “forma” das figuras geométricas. Em Geometria a palavra “forma” é um tipo especial de relação que há entre figuras semelhantes. No caderno de Geometria os autores exemplificam esse tipo de situação afirmando que é correto dizer “forma quadrada”, pois todos os quadrados são semelhantes entre si, mas é incorreto “forma retangular”, pois nem todos os retângulos são semelhantes. Assim, falar em “figura retangular” ou “formato retangular” é mais aceitável e evita incorrer em erro matemático. Outro aspecto que os autores do caderno de Geometria consideraram importante evidenciar, e com o qual concordamos, é que enquanto professores temos que ir corrigindo nossas colocações e nosso vocabulário nas aulas de Matemática. Mas esse aspecto não deve ser levado em conta nas avaliações ou gerar algum tipo de punição à criança que falar ou escrever forma retangular no lugar de formato retangular. [...] As crianças, em especial na Educação Infantil e anos iniciais, podem ser inseridas de uma maneira mais “natural” e ir negociando o vocabulário que utilizam (excerto da narrativa colaborativa iniciada por Karina – 21 maio 2015).

Em sua narrativa sobre o texto lido é possível perceber que Karina

realizou uma leitura analítica do texto, que foi suportada pela apropriação de

conceitos importantes abordados anteriormente e pelos estudos realizados. Sua

escrita permite ainda observar que ela se posiciona com relação às sugestões do

texto, remetendo-se à sua própria atuação como docente e evidenciando à

importância de que as aprendizagens reverberem na prática pedagógica.

Durante os encontros do GEProMAI, assim como no exemplo anterior,

Karina procura ler os textos que definimos para estudo no semestre, buscando uma

articulação entre a teoria e sua prática como professora de Educação Infantil. Esse

modo contínuo de reflexão pode ser compreendido como com indício de

desenvolvimento profissional, pois tem promovido mudanças no trabalho com a

Matemática com sua turma.

Para Karina, um aspecto fundamental do trabalho sobre Geometria com

as crianças é o desenvolvimento de propostas que favoreçam ações como ver,

manusear, comparar e explorar. Em sua participação no encontro, ela afirma que o

texto apresenta algumas atividades que considera interessantes por possuírem um

caráter mais aberto, investigativo:

Achamos muito interessante a atividade relatada na página 16, do caderno 05, por percebermos a abertura às crianças para diferentes caminhos na resolução do problema, sendo uma proposta de caráter mais investigativo. A atividade sugere a utilização de palitos para a representação de triângulos.

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Desta forma, a criança é questionada se é possível montar um triângulo com três palitos de tamanhos diferentes. Ao participar deste processo as crianças levantam várias hipóteses e são inseridas assim, num processo de investigação que permite explorar as características dos triângulos. Vale lembrar que um triângulo somente poderá ser construído se qualquer um dos lados for menor que a soma dos outros dois. (excerto da narrativa colaborativa iniciada por Karina – 21 maio 2015)

A atividade destacada por Karina, descrita no Caderno de Geometria do

PNAIC (BRASIL, 2014a), consistia em disponibilizar às crianças três palitos de

diferentes tamanhos e questionar se elas conseguiriam representar um triângulo

com três palitos quaisquer. O intuito da atividade era que as crianças observassem

que não era possível construir um triângulo se um lado fosse maior que a soma dos

outros dois. Embora no texto a atividade fosse indicada para crianças do Ensino

Fundamental, Karina considerou-a interessante e comentou que gostaria de

desenvolvê-la com sua turma de Educação Infantil, registrá-la e compartilhá-la com o

grupo em encontros posteriores.

As práticas desenvolvidas pelo GEProMAI valorizam o desenvolvimento

de atividades exploratório-investigativas que possibilitam que as crianças utilizem

suas estratégias pessoais para encontrar soluções para os problemas propostos.

Tais aspectos reverberam nas práticas de Karina, como já aqui apresentado em

relação à proposta das atividades com o Meli-Melô.

Desenvolver o trabalho com esse quebra-cabeça possibilitou ainda outras

aprendizagens importantes ao desenvolvimento profissional de Karina. Planejar,

desenvolver e elaborar registros sistemáticos sobre as práticas desenvolvidas,

analisar as aprendizagens das crianças em interlocução com teorias que as

expliquem. Produzir conhecimentos novos para nós mesmas e para o grupo sobre o

que foi realizado, se configuravam como etapas de uma investigação que estávamos

realizando.

Retomo ainda que a possibilidade de publicação dessas atividades para

que pudéssemos receber as críticas e contribuições sobre o trabalho se deu

inicialmente pela participação no V SHIAM, um espaço acadêmico que

consideramos oportuno para compartilhar e publicar essas experiências. Na opinião

de Karina, de Gislaine e minha, participar do evento seria importante tanto para

conversar com professores de outras regiões não apenas sobre as práticas de

ensinar e aprender Matemática na infância, mas também sobre a importância de

participar de comunidades e/ou grupos de estudos comprometidos continuidade da

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aprendizagem do professor e que se estabelece como um ambiente de reflexão e

problematização das práticas docentes.

Apesar de nossa dedicação na organização da produção para a

participação no V SHIAM, infelizmente não conseguimos produzir o texto no prazo

indicado para a publicação nos anais do evento. Entretanto, posteriormente,

revisitamos as narrativas produzidas e os demais registros, elaboramos novas

interpretações que possibilitaram a produção de um artigo sobre a experiência, que

foi aceito e publicado no final de 2016 na Revista Eletrônica de Educação.

O texto é o primeiro artigo publicado por Karina e marca sua trajetória

como uma professora que investiga a própria prática e produz conhecimento sobre

ensinar e aprender Matemática na Educação Infantil. Insere-se numa perspectiva

que defende a existência de uma intenção de se propiciar a aprendizagem e o

desenvolvimento das crianças desse nível educacional, por meio da brincadeira e do

jogo, porém contrária à ideia de acelerar o desenvolvimento psíquico das mesmas,

transformando-as em pequenos escolares (MELO, 2007).

Ao investigar, escrever e publicar suas experiências sobre noções

matemáticas, passíveis de serem trabalhadas com as crianças, sobre materiais que

auxiliam nas aprendizagens, sobre momentos e situações que são oportunos para

que sejam realizados questionamentos que possibilitam que as crianças levantem

hipóteses e conversas sobre suas ideias e a busca por estratégias para solucionar

problemas, Karina colabora para a produção de conhecimento sobre os saberes

necessários ou os conhecimentos específicos do professor de Educação Infantil que

ensina Matemática.

A partir do conhecimento relacionado ao desenvolvimento na prática,

situação em que Karina seleciona e utiliza diferentes estratégias e questionamentos

para possibilitar a aprendizagem das crianças, ela realiza investigações, tendo os

participantes do GEProMAI como parceiros nesse processo. Também considera as

teorias e conhecimentos produzidos e estudados no grupo e em outros contextos

sobre Geometria, medida, utilização de quebra-cabeças em aulas de Matemática,

ressignificando seus saberes e produzindo um conhecimento da prática que será

compartilhado em outras comunidades (CONCHRAN-SMITH; LYTLE, 1999).

Ao lado disso, é importante evidenciar que os professores que estão em

exercício e desenvolvem a investigação como postura, possuem ideias altamente

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relevantes e importantes sobre o que é necessário acontecer em escolas específicas

e nas salas de aulas, de forma a melhorar a educação dos estudantes (COCHRAN-

SMITH; LYTLE, 1999).

Para Fiorentini e Crecci (2012) os professores que possuem uma postura

de estudo e buscam parcerias para analisar e discutir suas práticas apresentam

fortes indícios de que almejam uma participação mais ativa, contínua e autônoma e

são protagonistas dos processos de mudança na escola e de seu processo de

desenvolvimento profissional.

A importância da produção de conhecimentos por professores que

participam de comunidades investigativas ou de grupos colaborativos, como

adjetivamos o GEProMAI, é assim destacada por Fiorentini (2013, p. 162):

[...] os professores aprendem e se desenvolvem profissionalmente, conforme Cochran-Smith e Lytle (2009), quando geram conhecimentos locais da prática através do trabalho em comunidades investigativas e teorizam e constroem seu trabalho em articulação com o contexto social, cultural e político mais amplo (FIORENTINI, 2003).

A experiência de produzir um artigo em colaboração foi marcante para

Karina. Ponderando que no grupo a escrita de narrativas é uma prática considerada

importante para dar sentido a uma experiência educativa e um modo de ajudar-nos a

compreender o papel de cada um de nós na vida dos outros, ela considerou

essencial escrever uma narrativa sobre como foi desenvolver esse trabalho, e que

julgo relevante apresentar nesta tese.

A participação em um grupo colaborativo proporciona experiências formativas muito significativas. A partir dos estudos no GEProMAI sobre Geometria conheci o “Meli-Melô” e pude pensar nas possibilidades que este jogo poderia proporcionar às crianças. O trabalho em colaboração com as professoras Alessandra e Gislaine potencializou a proposta, agregando novos olhares em diferentes perspectivas. Juntas conseguimos refletir, a partir de diferentes pontos de vista, sobre as formas de utilizar o “Meli-Melô”, pensando sobre os possíveis desdobramentos de cada atividade planejada e sua contribuição para o desenvolvimento do pensamento geométrico. Dessa forma, ao elaborar a sequência didática, algumas questões acerca do trabalho pedagógico foram por nós pensadas, pois as considerávamos relevantes para o seu desenvolvimento. Em primeiro, como propiciar situações significativas com o “Meli-Melô” para as duas turmas, considerando que ambas são multietárias? E mais, como favorecer a participação das crianças através do diálogo, valorizando suas ideias prévias em todo processo de ensino-aprendizagem? O que tal proposta poderia proporcionar a cada grupo de crianças? Já em relação aos saberes que o professor precisa para oportunizar às crianças vivências em Educação Matemática, de modo significativo, ressalto: a necessidade de compreensão do professor polivalente ao lidar com os conhecimentos e especificidades da Matemática, inclusive em relação ao vocabulário utilizado; a reflexão sobre o material oferecido durante a proposta; a reflexão a respeito das habilidades mobilizadas em cada proposta

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desenvolvida. Acredito que esta dinâmica - reflexão no grupo, elaboração de proposta em “subgrupo”, desenvolvimento da proposta em sala de aula e posteriormente sua discussão e análise no “subgrupo” e no grupo completo - favorece aos professores participantes a consciência do que se realiza e a construção de identidade profissional. E é este movimento que me motiva e me envolve na participação no grupo colaborativo (narrativa de Karina, setembro de 2015).

Essa sensibilidade de Karina em evidenciar a parceria entre as professoras

na realização da investigação remete à ideia de colaboração numa situação em que as

interações e as negociações de significado por todos os participantes do grupo, mais

especialmente pelos envolvidos diretamente no trabalho, podem ser construídas e

proporcionar a produção de conhecimento que demanda práticas com posturas de

reflexão e investigação (GAMA; FIORENTINI, 2009).

5.4.2.3 Outros temas – novas investigações

Em 2016, retomamos as atividades do GEProMAI no mês de março.

Naquele semestre, estabelecemos como tema de estudo a Estatística ou tratamento

da informação. Para o grupo, esse assunto era desafiador, mesmo porque os

próprios professores apresentavam dificuldades em compreender informações

numéricas sistematizadas em gráficos e tabelas. Entretanto este é um conhecimento

importante para todos, como apresentado em uma das narrativas do grupo: “a

estatística é poderosa e pode influenciar as pessoas” (narrativa colaborativa,

GEProMAI, março, 2016).

Começamos o estudo desse tema a partir do livro “Encontro das crianças

com o acaso, as possibilidades, os gráficos e as tabelas: desvendando mistérios na

educação infantil”, organizado por Lopes e Moura (2002). Esse livro apresenta

relatos de experiências de professores da infância ao trabalharem ideias e noções

estatísticas e probabilísticas com as crianças. O estudo desse livro e de outros sobre

o tema mobilizou Karina a realizar outra investigação sobre sua prática.

Para realizar essa investigação Karina observou que no calendário da

escola estava prevista uma visita das crianças ao Bosque dos Jequitibás, em

Campinas. Diante disso, planejou uma atividade para trabalhar as possibilidades

com as crianças. Na primeira etapa ela perguntou que animais poderiam ser

encontrados no bosque e quais seria impossível encontrar ali. Neste caso, as

crianças deveriam comentar suas justificativas. Ao apresentar essa ideia no

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GEProMAI, muitas opiniões e sugestões emergiram. A partir da interlocução com o

grupo Karina organizou uma unidade didática que envolveu três etapas iniciadas por

três questões:

1- Que animais seria possível encontrar no bosque? Que animais seria

impossível encontrar no bosque? Por quê?

2- Qual é o animal preferido da turma?

3- O que vemos no gráfico?

Ao compartilhar no grupo a investigação realizada, Karina observou que,

no primeiro momento, foi necessário familiarizar as crianças com as palavras

“possível” e “impossível”, pois estes termos não eram compreendidos por todos.

Nesse comentário ela nos mostrou a sensibilidade em escutar as crianças, perceber

suas necessidades e buscar formas de atender a uma demanda que não havia sido

planejada.

Para ouvir as respostas das crianças, Karina organizou-as em roda e

anotou num cartaz, com caneta azul, os animais que elas acreditavam que poderiam

ser encontrados no bosque e com caneta vermelha os animais que as crianças

acreditavam ser impossível de lá encontrar. Além disso, as crianças foram

orientadas a desenhar e a justificar individualmente o que pensaram. Suas

justificativas foram anotadas pela professora, e posteriormente foram retomadas

coletivamente. As crianças apresentaram respostas como: “Não vai ter girafa, ela

não mora no bosque, ela mora na floresta”. “Vai ter girafa, porque ela come folha.

Não vai ter jacaré, porque ele tem dente afiado e pode morder os outros”; ou ainda

“Não vai ter baleia. Porque ela é grande e mora no mar”.

Os argumentos apresentados pelas crianças quanto aos animais possíveis de

serem encontrados estavam relacionados aos conhecimentos que elas possuíam

sobre o habitat, alimentação e interação do animal com o ser humano.

Karina salienta que no dia seguinte a essa atividade as crianças realizaram a

visita ao bosque. Ela conversou com a turma sobre as hipóteses de animais de

serem encontrados e sobre os que realmente foram observados. No dia seguinte as

crianças foram convidadas a elaborar uma lista com o nome dos animais observados

durante a visita, que eram escritos pela professora num cartaz. Posteriormente

foram convidadas a escolher o animal que haviam mais gostado. Então, uma a uma,

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marcaram, com o auxílio da professora, à frente do nome do animal, a letra inicial do

mesmo, representando sua escolha, montando uma tabela.

No dia seguinte Karina trouxe para a sala um cartaz com ilustrações dos

animais que foram escolhidos por pelo menos uma criança. Depois de um momento

de conversa para retomar a lista dos animais do bosque e as escolhas do dia

anterior, a professora entregou a cada criança um pedaço de papel vermelho (que

representaria a escolha/voto) e solicitou que colassem no cartaz, ao lado de seu

animal favorito. Dessa maneira, retomou o cartaz inicial e realizou outra forma de

representação. Posteriormente realizou explorações sobre o gráfico elaborado.

Para Karina um aspecto importante a respeito da realização do trabalho

foi a exploração de um tema de interesse das crianças, aliada a uma atividade

realizada anualmente pela instituição – o passeio no bosque. Entretanto as

propostas da professora permitiram a problematização do “passeio”. A partir dessa

ação ela criou oportunidades para que as crianças conversassem sobre o que

gostavam, o que pensavam a respeito dos animais, sem preocupações com erros ou

acertos.

Ao realizar essas atividades, considerando o contexto de visita ao

bosque, é possível observar que Karina desenvolve-as em situações concretas nas

quais as práticas têm uma forte relação com o contexto sociocultural em que as

crianças estão envolvidas, contrapondo-se a uma prática em que:

[...] a preocupação com a formação de conceitos isolados e pontuais, caracterizados, por exemplo, pela aprendizagem de formas, cores e tamanhos isolados de situações concretas, nas quais essas características dos objetos fazem sentido (MELLO, 2007, p. 94).

Ao propor as diferentes situações de aprendizagem para sua turma,

Karina demonstrou que possui altas expectativas para as crianças e para si mesma

como professora, e atua numa perspectiva de que as crianças são produtoras de

significado, sendo capazes de lidar com ideias complexas (COCHRAN-SMITH,

2012), sem, entretanto, acelerar a escolarização na Educação Infantil.

Considero importante salientar também que Karina envolve diferentes

linguagens ou áreas do saber em sua proposta, conversando com as crianças sobre

as características dos animais, sua alimentação e habitat, sobre a escrita de seu

nomes, os aspectos sobre altura e massa (peso), entre outras questões,

desenvolvendo uma proposta “intencionalmente organizada para provocar

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experiências de novo tipo, para favorecer o domínio de novos procedimentos na

atividade e para a formação de novos processos psíquicos” (MELLO, 2007, p. 94).

As práticas desenvolvidas por Karina, compartilhadas e sustentadas com

o apoio do GEProMAI, possibilitaram observar que ela desenvolve propostas

educativas nas quais:

Cada vivência, cada nova experiência da criança exige o trabalho coordenado de todos os mecanismos psicofisiológicos – a atenção, as percepções, os sentimentos, o pensamento, a imaginação, a memória, a fala –, que transformam as percepções que a criança vai fazendo do seu entorno em novos níveis de relação com o mundo (MELLO, 2007, p. 94).

É relevante evidenciar ainda que concordo com a afirmação de Mello

(2007) no sentido de que não há como tratar as experiências infantis de forma

fragmentada, como se percebe na educação que busca escolarizar as crianças de 3

a 6 anos. As narrativas sobre as práticas criadas, executadas e investigadas por

Karina, que foram apresentadas ao longo desta tese, demonstram que a professora

busca, de modo intencional, propiciar a aprendizagem e o desenvolvimento das

crianças. Ao lado isso, nos diferentes momentos em que Karina desprivatiza sua

prática no GEProMAI, ela obtém o apoio dos demais participantes e contribui para a

aprendizagem e para a produção do conhecimento de modo colaborativo, como

indicado por Cochran-Smith (2012).

5.4.2.4 Outras reverberações da participação do GEProMAI na escola

Durante a escrita das narrativas de aprendizagem e do desenvolvimento

profissional de Karina, eu trouxe para esta tese diferentes situações em que a

participação no GEProMAI tem reverberado em suas práticas profissionais,

especialmente em suas propostas com as crianças. Entretanto essa reverberação

ultrapassa o espaço físico da sala de aula e se estende para a escola como todo.

Em decorrência das atividades que Karina desenvolvia com as crianças,

de suas conversas com as demais professoras e com os gestores da unidade nos

horários do Trabalho Didático Coletivo (TDC) e em reuniões pedagógicas, em

setembro de 2015 ela foi convidada, pela Orientadora Pedagógica da CIMEI, para

compartilhar suas práticas e auxiliar na formação dos professores. Esse foi um

momento importante para Karina, pois ela era a professora mais nova da unidade.

Havia entrado na unidade naquele ano por meio de “processo de remoção” e ainda

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estava se inteirando da cultura da escola. Entretanto já passava a se destacar no

grupo pelas práticas que desenvolvia com as crianças e se sentiu valorizada com a

possibilidade de compartilhar suas experiências em um momento institucional de

formação na escola.

A organização das discussões de Karina na escola envolveu apresentar o

GEProMAI, as práticas e princípios do grupo, ouvir as professoras a respeito da

Matemática e sobre suas práticas de ensinar e aprender Matemática com as

crianças e apresentar as experiências com Grandezas e Medidas a partir da Lenda

do Curupira e do trabalho com o Meli-Melô. Após finalizar o encontro de formação na

escola, Karina comentou que o trabalho foi muito produtivo:

Eu até escrevi algumas coisas que elas falaram e outras que eu pensei a partir dessa conversa. Foi uma experiência boa pra mim. Fez com que refletisse de novo sobre o trabalho que fizemos, o que poderíamos fazer diferente, sobre o trabalho com as crianças durante o ano letivo. [...] A Diretora assistiu. Quando ela chegou fiquei com mais vergonha..., mas foi bom. Ela falou comigo depois, disse que gostou muito, que temos que pensar na Matemática sim, porque quando as crianças chegam ao Ensino Fundamental e Médio, muitas vezes elas não conseguem aprender. Disse também que os trabalhos devem ser compartilhados na escola, e elogiou bastante o trabalho realizado. [...] foi gostoso ver que elas estavam interessadas em ouvir e falar também [...] foi muito bacana mesmo. Vou fazer uma narrativa dessa experiência (mensagens enviadas por Karina via WhatsApp, out. 2015).

Karina estava naquela escola há pouco tempo, mas sua atuação como

docente a fez se destacar entre os profissionais. A participação no GEProMAI

ofereceu o suporte para que se sentisse mais segura em realizar uma atividade de

formação de professores, com base em seus estudos e práticas em Educação

Matemática. Sua postura de ouvir as professoras durante a formação, assim como

faz com as crianças de sua turma no cotidiano, demonstrou que ela se sentiu capaz

de ampliar os horizontes de reverberação do GEProMAI para além de sua sala de

aula, demonstrando novamente que possui altas expectativas sobre si como

professora. Esse modo de atuar e interagir com as colegas me remete às

considerações de Cochran-Smith (2012) quando afirma que, ao ter grandes

expectativas para si mesmos, os professores trabalham a partir de um senso de sua

própria eficácia como decisores, geradores de conhecimento e agentes de mudança.

As investigações realizadas por Karina no GEProMAI e seu modo de

atuar como professora de Educação Infantil tem contribuído para que ela se torne,

também como destaca Cochran-Smith (2012), uma “agente de mudança”,

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comprometida em rever, renovar e ampliar o seu compromisso com a aprendizagem

das crianças e com transformações em sua própria escola e em outros espaços dos

quais participa.

5.4.2.5 Continuidade dos estudos, a opção pelo Mestrado em

Ciências

Em 2014, ano em que o GEProMAI foi criado, Karina cursava a

especialização do CECIM. Para elaborar seu trabalho de conclusão de curso (TCC)

ela realizou uma pesquisa relacionada ao tema “Água”, a partir do desenvolvimento

de um projeto envolvendo diferentes linguagens, com enfoque na aprendizagem de

conhecimentos relativos à Matemática e às ciências, tendo como meta acompanhar,

durante o projeto, uma possível evolução conceitual das crianças (FERNANDES,

2014).

Como tem sido possível observar nas investigações realizadas por Karina,

sua pesquisa de TCC relacionou-se com o contexto de escassez de água vivido pelo

país que preocupou e afetou vários setores da economia e as diversas instituições,

inclusive a escola em que trabalhava em 2014, o que incentivou a escolha da

temática naquele momento:

[...] além de estar diretamente relacionado ao cotidiano dos sujeitos da pesquisa – crianças, professores, comunidade escolar e de entorno poderiam ser exploradas não apenas as abordagens interdisciplinares, mas também na perspectiva de educação ambiental (FERNANDES, 2015, p.14).

Durante a realização da pesquisa, os textos teóricos estudados e as

atividades investigativas desenvolvidas com as crianças chamaram sua atenção,

bem como a utilização do desenho e da argumentação no ensino de ciências. Ela

percebeu que poderia desenvolver diferentes práticas que permitissem às crianças o

contato com novas ideias, uma perspectiva que possibilitaria ainda oferecer

oportunidades de incitar a curiosidade e permitir a produção de novos significados

nessa área.

Diante disso procurou se inserir em uma comunidade que possibilitasse

ampliar seus conhecimentos sobre o ensino e a aprendizagem de ciências na

Educação Infantil. Em 2015, começou a participar do Grupo de Estudos e Pesquisas

em formação de professores da área de Ciências (FORMAR-Ciências), e de um

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projeto relacionado ao Ensino de Ciências para Crianças (ECC), também

coordenado pelos pesquisadores do Grupo FORMAR, reafirmando seu interesse em

estudar e se aprofundar nas questões relativas também ao ensino de Ciências para

crianças.

Para Karina é fundamental que na Educação Infantil as práticas sejam

pensadas e desenvolvidas, envolvendo diferentes áreas do conhecimento. Acredita

que as propostas investigativas, pela sua natureza aberta, permitem valorizar e

incentivar a curiosidade infantil e as ideias que as crianças elaboram. A partir desse

propósito, Karina participou do processo de seleção para o Mestrado na Faculdade

de Educação da Unicamp, mais especificamente no grupo FORMAR, e foi aprovada,

ingressando em 2016. Dessa maneira, participa e está comprometida com diferentes

atividades acadêmicas e práticas no GEProMAI, no FORMAR e no projeto ECC, e

seu engajamento nessas diferentes comunidades contribui para que ela se

desenvolva profissionalmente, produza novos conhecimentos e novas formas de

ensinar e aprender na Educação Infantil.

Ao encerrar esta narrativa sobre o desenvolvimento profissional de

Karina, é possível afirmar que sua história de vida estudantil e profissional

contribuíram para que ela se tornasse crítica em relação às práticas escolares e

desenvolvesse a investigação como postura (COCHRAN-SMITH & LYTLE,1999),

que pode ser evidenciada pelo modo como constantemente questiona, problematiza,

registra, analisa e ressignifica sua própria prática e a de colegas, valorizando a

percepção dos parceiros e aprendendo com o excedente de visão de cada um.

De outro lado, acredito que este texto corrobora os estudos de Fiorentini

(2013) no sentido de que:

[...] o processo de tornar-se professor-investigador em comunidades investigativas é único, singular e complexo, pois depende tanto das práticas promovidas nessas comunidades, quanto das condições e disposições de cada professor em participar e entregar-se a essa experiência formativa de trabalho, estudo e investigação (FIORENTINI, 2013, p. 176).

Ao lado disso é possível observar que Karina permanentemente busca a

interlocução com diferentes comunidades para estudar e conversar sobre ensinar e

aprender, com o intuito de aprofundar a compreensão das problemáticas de sua

prática profissional na Educação Infantil.

Produzir esta narrativa sobre a trajetória de Karina, evidenciando

especialmente sua participação e suas interlocuções com os participantes do

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GEProMAI, me permite afirmar ser possível observar indícios concretos de que tal

participação foi fundamental para a compreensão e transformação de suas práticas

pedagógicas e de seu desenvolvimento profissional e de sua constituição como

docente.

5.5 Desenvolvimento Profissional de Laís e Karina: Convergências e

Interferências

Ao escrever as narrativas de aprendizagens docentes, a partir do

GEProMAI, como um contexto no qual professores e pesquisadores ensinam e

aprendem por meio de diferentes práticas, da colaboração e da interlocução entre os

participantes, se constitui em um elemento primordial desse cenário. Nesse sentido,

a possibilidade de compartilhar saberes e experiências afeta os professores em

processo de desenvolvimento profissional.

A experiência de narrar o desenvolvimento profissional de Laís e Karina,

me permitiu observar que as histórias das duas professoras têm diferenças e

semelhanças, que se tocam em algumas nuances no processo contínuo de aprender

para ensinar, e que se encontram no espaço do GEProMAI.

Laís cursou, no Ensino Médio, o curso Técnico em Nutrição e Dietética;

Karina fez o Magistério. Laís atuou profissionalmente em diferentes funções até

ingressar como professora há um ano e cinco meses aproximadamente, sendo

considerada uma professora novata. A docência é a profissão de Karina, desde que

começou a trabalhar, e pode ser considerada uma professora experiente. Entretanto

ambas compartilham o desejo de ser professora desde a infância, e a ideia de que

precisam aprender continuamente para poder ensinar.

Outra semelhança entre as duas experiências de desenvolvimento

profissional refere-se ao fato de Karina e Laís atuarem na Educação Infantil, e

ambas produzirem conhecimento a partir de suas práticas com as crianças.

O modo como o GEProMAI se constitui enquanto grupo de estudos,

possibilitou que participantes vivenciem a cultura colaborativa que proporciona um

ambiente de iguais entre professores novatos, professores experientes e

pesquisadores, com reflexões compartilhadas e negociação de significados sobre

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ensinar e aprender Matemática na infância, possibilitando convergências e

interferências nas trajetórias de desenvolvimento profissional dos participantes.

A convergência entre as histórias de Laís e Karina ocorre ainda pela

participação ativa de ambas, tanto nos encontros presenciais, quanto nas interações

virtuais estabelecidas pelo grupo, pela dedicação aos estudos propostos e

compartilhados, pelo desenvolvimento da investigação como postura que possibilita

problematizar, questionar e analisar suas práticas de ensinar e aprender Matemática

na infância, e produzir novos conhecimentos e pela valorização do ambiente de

colaboração como potencializador das aprendizagens individuais e coletivas.

A convergência dessas histórias é possibilitada pelo GEProMAI, uma vez

que no grupo são propiciados novos relacionamentos que alteram velhos modelos

de proficiência - experientes-novatos - pela colaboração, pela interlocução com

diferentes pessoas com excedentes de visão, e substituem a busca singular e

individual de melhores práticas, por considerações de prática investigadas no/pelo

grupo e refinadas pelos locais, pelas histórias, culturas, escolas e comunidades

(COCHRAN-SMITH, 2012).

As interferências de Laís nas atitudes de Karina são percebidas nas

situações em que Karina se voluntaria com maior frequência para escrever as

narrativas sobre os encontros do grupo, inserindo seus sentimentos e opiniões a

respeito do ocorrido, e não apenas relatando os fatos, como fazia anteriormente.

Karina também passa a valorizar a narrativa em outras situações, que

ultrapassam as fronteiras do GEProMAI e reverberam em outros contextos, como

um modo de “de reviver, analisar e avaliar suas experiências no tempo e em relação

com outras estruturas de referência mais ampla” (Cochran-Smith e Lytle, 1999, p.

325). Essa valorização da narrativa pode ser considerada uma interferência de Laís

na atitude ou na prática de Karina, porque escrever narrativas era familiar pra Laís,

que já havia experienciado essa escrita durante a graduação e valorizava essa ação

como um modo de atribuir sentido às suas aprendizagens e experiências.

Dora e eu valorizamos a produção das narrativas no processo de

formação docente, acreditando que, para produzir uma narrativa a respeito do que

vivenciamos, é “necessário detalhar os procedimentos, comentar e interpretar cada

evento ou circunstância que o levou a chegar a uma resposta, à produção e um

determinado entendimento ou significado” (MEGID; FIORENTINI, 2011, p. 183).

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Contudo, a valorização de Laís sobre a escrita foi essencial para que as narrativas

individuais e colaborativas se estabelecessem como práticas do GEProMAI.

As interferências de Laís também estão refletidas nas elaborações e

práticas de Karina como docente. As questões e reflexões que Laís constantemente

coloca no grupo, permitem que Karina reflita e desnaturalize algumas práticas. O

olhar da professora novata produz novas problematizações a respeito de situações

consideradas naturais ou consolidadas, as quais muitas vezes precisam ser revistas

ou alteradas.

As interferências de Karina nas atitudes de Laís estão muito relacionadas

às práticas da docência na infância de modo geral, e também, de modo específico,

no trabalho com a Matemática. Nos dias dos encontros frequentemente Laís

questionava Karina a respeito de como atuar com uma turma de crianças com

diferentes idades. Laís perguntava à Karina como ela organizava seus alunos para

contar histórias no grupo coletivo (roda) e o que fazia quando os mais novos

resolviam ficar andando pela sala. Quis saber ainda, em que momentos da rotina,

aquela colega mais experiente desenvolvia as atividades de Matemática, como a

Lenda do Curupira ou o trabalho com o Meli-Melô.

Para Laís, outra interferência em sua constituição como professora se

relaciona com a postura de autoquestionamento constante de Karina sobre sua

prática. Mesmo quando analisa, individualmente ou no grupo, que uma ação poderia

ser mais interessante ou propiciar maiores aprendizagens se realizada de outro

modo, Karina não fica imobilizada diante da constatação, ela se reorganiza para

uma proposta melhor no futuro. Embora seja uma professora experiente na

Educação Infantil ela não se coloca como detentora do saber.

Outro aspecto que marca a interferência de Karina ocorre quando Laís

comenta sobre sua pretensão em desenvolver um projeto na escola onde atua,

propondo atividades práticas que propiciem a aprendizagem da Matemática,

especialmente relacionadas às Grandezas e Medidas e a Geometria, por já terem

sido estudadas no GEProMAI. Salienta que gostaria que eu e Karina auxiliássemos

na estruturação da proposta.

As narrativas produzidas neste capítulo permitem depreender que o

contexto colaborativo favorece a aprendizagem e o desenvolvimento profissional de

professores iniciantes e experientes. A interlocução com pessoas com diferentes

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saberes e excedentes de visão propicia um ambiente fértil para a produção de novos

conhecimentos sobre as práticas de aprender e ensinar Matemática na infância.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta pesquisa busquei analisar indícios de aprendizagem que a

participação em um grupo de estudos colaborativo sobre a Educação Matemática

para/na infância, especialmente relacionada ao trabalho com Grandezas e Medidas,

permeado pela escrita de narrativas, proporciona a docentes e também

compreender como a participação nesse grupo possibilitou o desenvolvimento

profissional de professores.

É relevante salientar que o adjetivo colaborativo foi acrescentado ao

objetivo no decorrer do trabalho, a partir da percepção de que o GEProMAI se

constituiu como um ambiente formativo no qual a colaboração se configurou

efetivamente como uma característica prezada e valorizada pelos participantes.

Para realizar essa investigação, a primeira situação que se configurou

como um desafio foi superar a ideia de que a formação docente ocorre

exclusivamente por meio de “cursos fechados”, com objetivos previamente definidos

e atividades prontas a serem aplicadas com os professores, ou para que estes

aplicassem com suas turmas, para posteriormente serem avaliadas, ou seja, cursos

organizados por especialistas para aperfeiçoar os saberes e as práticas dos

professores (DAVIS et al, 2011).

A formação docente desenvolvida em um grupo de estudos no qual os

professores planejam o que querem estudar, desenvolver e produzir, concilia os

diferentes pontos de vista e estabelecem os planos de modo colaborativo, é algo

inovador desafiador, pois quando os próprios professores exercem descrição e

controle sobre o que desenvolvem, os resultados da colaboração podem ser incertos

e imprevisíveis (HARGREAVES, 1998). Entretanto minha participação em contextos

formativos como o GEProMAI e o PRAPEM, bem como os momentos de orientação,

propiciaram aprendizagens que me permitiram compreender esse movimento, atuar

nessa perspectiva, o que me possibilitou perceber que um contexto no qual

professores, formadores e pesquisadores negociam significados, compartilham e

produzem conhecimentos e práticas, se configura como potencializador de

aprendizagens docentes e de desenvolvimento profissional dos professores.

Para investigar as aprendizagens e o desenvolvimento profissional de

professores que participam de um grupo do qual também fiz (e faço) parte, foi

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necessário reconhecer e administrar situações inicialmente problemáticas, como o

fato de atuar, ao mesmo tempo, como formadora, pesquisadora e participante do

grupo. Nos primeiros encontros eu e Dora atuamos numa perspectiva de formadoras

dos participantes. Mas esse papel ficou diluído no decorrer do tempo e passamos a

atuar mais numa perspectiva da parceria crítica, nos momentos em que

problematizamos e fizemos proposições em diferentes práticas do grupo.

Enquanto pesquisadora, tendo como contexto de investigação o próprio

grupo, foi desafiador elaborar os registros escritos e fazer as filmagens para compor

o corpus da pesquisa e ao mesmo tempo me inserir como participante. A cada

professor novo era necessário relembrar que o GEProMAI se configurava como um

lócus de investigação, entregar a ele o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido,

esclarecer os objetivos da pesquisa, entre outros procedimentos. O papel de

pesquisadora também foi desafiador nos momentos de observar e analisar as

aprendizagens e o desenvolvimento profissional dos professores com quem passei a

ter um relacionamento, que ultrapassou o espaço do grupo. No entanto, rever as

videogravações e o diálogo constante com a professora Dora me auxiliaram a

manter o foco da investigação.

Minha atuação como participante do grupo ao longo do tempo auxiliou na

definição dos episódios e situações que poderiam ser compreendidos como indícios

de aprendizagem e desenvolvimento profissional dos professores, pois vivenciei com

o grupo cada um desses momentos.

Retomo aqui as questões que nortearam o desenvolvimento desta

pesquisa, quais sejam: que aprendizagens a participação em um grupo colaborativo

de estudos, mediado pela produção de narrativas individuais/colaborativas, pode

trazer a professores que ensinam Matemática para crianças, de maneira mais

pontual no que se refere ao bloco “Grandezas e Medidas? Quais indícios de

desenvolvimento profissional são percebidos ao longo tempo, tomando como foco

de análise a participação no grupo e os relatos (escritos e orais) professores

participantes?

A partir dos objetivos e das questões que nortearam o desenvolvimento

desta pesquisa, é possível perceber que, nesta tese, a escrita de narrativas foi

colocada em destaque tanto no processo de formação docente, quanto na

metodologia que fundamentou a produção desta pesquisa. Como elemento que

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contribui para a formação de professores que ensinam Matemática na infância

possibilitou a reflexão sobre as aprendizagens em diferentes situações, de maneira

especial aquelas relacionadas à produção de saberes docentes.

As narrativas ainda se configuraram como um modo de desenvolvimento

desta tese, como metodologia de pesquisa que me permitiu produzir uma versão da

realidade percebida das aprendizagens e do desenvolvimento profissional de

professores que participam do GEProMAI, dando suporte para analisar os resultados

produzidos por esta investigação. Desse modo, nas perspectivas apresentadas, a

narrativa se configurou como uma forma de organizar e entender as experiências

(COCHRAN-SMITH, 2012).

As experiências de participação no GEProMAI e a produção desta tese

contribuíram também para a criação de novos modos de compreender e

compartilhar aprendizagens pelos participantes do grupo, sob duas perspectivas: na

produção de narrativas colaborativas e nas interações via WhatsApp. Esses novos

modos de interagir, compartilhar experiências, esclarecer dúvidas, foram

compreendidos como uma ampliação da dialogicidade e da interlocução entre os

participantes do grupo em diferentes espaços e tempos. Em decorrência disso,

entendemos que o ambiente formativo se expandiu e incluiu novas formas de

produzir sentidos sobre os assuntos estudados, compartilhados, sendo possível

observar que a interação virtual aproximou os tempos de escrita e leitura de

narrativas e promoveu produções coletivas sobre o ensinar e aprender Matemática

na infância.

É relevante destacar que nesta pesquisa e na experiência formativa do

GEProMAI a utilização do ambiente virtual se configurou como um dos modos de

interação entre os participantes, não se estabelecendo, porém, como elemento

central do processo de formação continuada ou de produção de conhecimento. Tal

interação se apresentou como um elemento complementar, uma ampliação do

encontro, da interlocução entre os participantes.

É fundamental que o desenvolvimento de novas pesquisas investigue o

papel da utilização de tecnologias digitais e/ou de ambientes virtuais online como

contextos complementares ou exclusivos de formação, desenvolvimento profissional

e aprendizagem docente. Ao lado disso, é essencial aprofundar os conhecimentos

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sobre ambientes virtuais e redes sociais como produtores de informações para as

pesquisas em educação e Educação Matemática.

Para responder à primeira questão de pesquisa elaborei três narrativas

que evidenciaram as aprendizagens dos participantes, analisando-as a partir dos

quatro eixos que emergiram das narrativas de campo: 1) aprendizagem docente

ancorada em interações apoiadas na tríade GEProMAI-Escola-Autores (referenciais

estudados); 2) Aprendizagens a partir de investigações e produções de narrativas

sobre a própria prática; 3) A colaboração no grupo como potencializada da

aprendizagem docente; 4) Reverberações dos estudos em grupo nas práticas dos

participantes.

Os episódios foram selecionados considerando os quarenta e um

encontros realizados entre os anos de 2014 e 2016, considerando especialmente as

situações que tiveram as Grandezas e Medidas como foco de estudo.

Como mostrado nas narrativas, as vivências no grupo possibilitaram

reconhecer que o ambiente colaborativo propiciou aprendizagens para, da e na

prática, de acordo com a perspectiva de Cochran-Smith e Lytle (1999). As

aprendizagens para a prática foram observadas na medida em que os

conhecimentos formais e as teorias produzidas por pesquisadores foram

reconhecidos pelos participantes como importantes para as práticas docentes; as

aprendizagens na prática foram notadas em situações nas quais as ações

desenvolvidas em sala de aula obrigaram tomadas de decisão e foram destacadas

como importantes para a aprendizagem docente; entretanto, as aprendizagens da

prática, nas quais se presume não existir divisão entre o conhecimento teórico/formal

e o conhecimento prático, e é pressuposta a produção de conhecimentos pelos

professores a partir de investigações e teorizações sobre sua própria prática, se

configurou como a perspectiva que melhor traduz as aprendizagens dos

participantes do grupo, como pôde ser observado pelas narrativas e também pelo

quadro de produções, inserido no capítulo 4 desta tese.

Ainda com relação às aprendizagens docentes, é relevante salientar que

foi possível observar que os participantes aprendessem sobre a docência a partir da

desprivatização de suas próprias práticas as de outros professores (COCHRAN-

SMITH, 2012). Para a autora, por muitos anos o ensino tem sido considerado como

trabalho privatizado. Embora essa visão tenha se alterado em alguns contextos, de

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modo geral, a docência ainda tem sido compreendida como uma atividade individual

e privada, como um trabalho solitário e isolado. Segue indicando que desprivatizar a

prática é colocar fim nesse isolamento e buscar o apoio colegial, a partir da

construção do conhecimento conjunta e do trabalho mútuo de colaboradores nas

comunidades.

Entretanto, em alguns contextos e circunstâncias, a desprivatização

também pode ser ameaçadora e pode aumentar a ansiedade e vulnerabilidade do

professor. A partir das considerações da autora, é possível considerar que o

GEProMAI, assim como ocorreu em outros contextos (FIORENTINI, 2009;

MARTINS; TORTELLA; GRANDO, 2010), se configurou como um ambiente em que

desprivatizar e compartilhar as práticas, se tornou algo produtivo e proveitoso. O

ambiente de respeito e colaboração possibilitou que professores discutissem sobre

as práticas docentes sem receios de julgamentos e aprendessem sobre a docência.

Nessa mesma perspectiva de discussão acerca das aprendizagens

docentes, é possível destacar que as investigações sobre as práticas, apoiadas

pelas reflexões no grupo, foram essenciais para a aprendizagem docente. Tais

ações são consideradas como modos do professor problematizar, rever e teorizar

sobre sua prática, ampliando seus compromissos com o ensino (SARAIVA; PONTE,

2003), o que se relaciona diretamente com as reverberações das aprendizagens nas

práticas dos professores. Para Cochran-Smith e Lytle (1999), a investigação como

postura é fundamentada nos problemas e contextos da prática, em primeiro lugar, e,

em seguida, nas formas com que os professores em exercício teorizam

colaborativamente, estudam e agem sobre esses problemas para atender aos

interesses da aprendizagem e para oferecer melhores oportunidades de vida aos

estudantes e às suas comunidades.

As reverberações da experiência relacionadas à participação no grupo

colaborativo, que se configurou como um espaço privilegiado de problematização e

compartilhamentos de aprendizagens sobre o ensino e a aprendizagem da

Matemática na infância, são reveladas nas situações em que os professores

declaram mudanças em suas atitudes, suas práticas e nas diferentes articulações

com outros professores e gestores na escola e também nas produções de

conhecimento da prática. Tais reverberações ajudam a promover mudanças na

prática de ensinar e aprender Matemática na infância, tornando-a mais exploratória,

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desenvolvida partir de contextos múltiplos, variados e significativos aos educandos e

incentivadora do pensamento e das ações infantis.

Os docentes, ao implementarem mudanças em suas práticas e em sua

escola, revelam seu compromisso com o aprendizado das crianças e com a

transformação das estruturas e locais e até mesmo com políticas educacionais, com

o intuito de ampliar o acesso dos estudantes às diferentes oportunidades.

Outro aspecto relevante a ser destacado nesta tese é quanto ao

desenvolvimento profissional, o qual pressupõe aprendizagens e, por consequência,

mudanças que tem de ser intencionadas e impulsionadas pelo próprio indivíduo,

pelo seu desejo de novas construções e abordagens inovadoras em educação.

Nessa perspectiva, as narrativas de desenvolvimento profissional de Karina e Laís

possibilitaram observar que elas mantinham o desejo de serem professoras cada

vez melhores para suas crianças. A participação no GEProMAI possibilitou

aprendizagens sobre a matemática e sobre seu ensino e aprendizagem na infância

favorecendo alterações graduais em suas práticas com a inserção das Grandezas e

Medidas e da Geometria como temas a serem trabalhados com as crianças, como

observado nas atividades de construções com as peças em formatos geométricos

pela Laís e as propostas com Meli-Melô desenvolvidas pela Karina.

As trajetórias pessoal e profissional das professoras revelam que ambas

mantinham o desejo de mudança, entretanto consideravam fundamental a existência

de um espaço no qual tais mudanças pudessem ser apoiadas e valorizadas. As

atuações de Karina e Laís na criação e na consolidação do GEProMAI, bem como o

modo como participam do grupo evidencia que, diante da insatisfação frente a seus

conhecimentos, sentiam a necessidade de ter um espaço/tempo para dialogar sobre

as práticas docentes do professor da infância.

Nesse sentido, o grupo de estudos se constituiu como um contexto de

apoio às mudanças na prática docente como reverberações das aprendizagens e

contribuiu para o desenvolvimento profissional das professoras. Lá foi possível

problematizar as práticas de ensinar e aprender Matemática na infância, produzir

conhecimentos advindos dessa prática na interlocução com a teoria que a explica, e

desnaturalizar algumas experiências advindas de outros contextos. Tudo isso

contribuiu para que ambas se sentissem seguras a atuassem como agentes de

mudança não apenas em suas salas de aula, mas na escola como um todo.

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Tais resultados de pesquisa corroboram os estudos realizados por Conti

(2015); Crecci (2016); Gama (2009), Passos et al. (2006) ao observarem a formação

docente que ocorre em ambientes colaborativos e em diferentes comunidades de

aprendizagem que são potencializadoras do desenvolvimento profissional do

professor.

Ao longo desta pesquisa, compreendi que, embora o GEProMAI tenha

suas práticas e especificidades como narrei ao longo desta tese, há elementos pelos

quais ele se aproxima de outros contextos nos quais os professores são

protagonistas de seu processo formativo, como relatam Conti (2015); Crecci (2016);

Souza; Oliveira (2013); Azevedo (2012). Nesse sentido, os grupos de estudos com

características colaborativas e as diferentes comunidades de aprendizagem e

investigação podem ser considerados como um espaço privilegiado de formação

docente, no qual os professores estudam, aprendem, obtêm apoio para suas

mudanças e se desenvolvem profissionalmente.

Com a finalização deste trabalho, é possível afirmar que a tese que

defendo nesta investigação, de que os grupos colaborativos são potencializadores

de aprendizagens, pode ser confirmada. Ficou perceptível que os professores de

infância, na colaboração, podem desenvolver um trabalho significativo relacionado à

Matemática, produzindo conhecimentos para quem ensina e para quem aprende.

Também foi possível depreender, a partir das análises e reflexões desta

pesquisa, que é possível aprender, ensinar, produzir conhecimentos, promover

mudanças na escola por meio da investigação e produção de narrativas individuais e

colaborativas. Tais práticas podem constituir-se em estratégias importantes para a

formação docente.

Essas reflexões me fazem pensar que, a partir de minha experiência de

vivenciar diferentes momentos formativos com os participantes do GEProMAI e de

narrar uma versão das aprendizagens e do desenvolvimento profissional de

professores da infância nos dois anos do grupo que eu trouxe para esta

investigação, me engendram nas discussões sobre as políticas de formação

continuada do professor.

As práticas e experiências discutidas nesta tese, podem contribuir para

que os processos de formação docente sejam planejados e desenvolvidos.

Entretanto defendo que não é possível instituir a colaboração entre docentes em

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grupos de estudos ou em qualquer outra situação por decreto, como determinação

ou exigência da escola ou do sistema de ensino. Tal modo de trabalho é

desenvolvido a partir do desejo e da voluntariedade das pessoas, e ocorre ao longo

do tempo. Entretanto considero que é possível incentivar e apoiar iniciativas de

professores que já participam de um grupo ou que desejam se organizar em grupos

ou comunidades, possibilitando que estes se autorregulem. Tal possibilidade

fortalece a concepção de que o professor da Educação Básica pode constituir-se em

pesquisador e produtor de conhecimentos.

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APÊNDICE A

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Grandezas e Medidas: Conteúdos Trabalhados ou Ignorados nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental?

Responsável: Alessandra Rodrigues de Almeida

Orientador: Jorge Megid Neto

Número do CAAE: 31875014.3.0000.5404

Declaro que fui devidamente esclarecido (a) sobre os objetivos e a metodologia de desenvolvimento da pesquisa intitulada “Grandezas e Medidas: Conteúdos Trabalhados ou Ignorados nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental?”, que está sendo realizada sob a responsabilidade da pesquisadora Alessandra Rodrigues de Almeida, doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação Multiunidades em Ensino de Ciências e Matemática – UNICAMP, sob orientação do Prof. Dr. Jorge Megid Neto e Co-orientação da Profa. Dra. Maria Auxiliadora Bueno Andrade Megid.

Fui informado(a) de que:

A pesquisa visa analisar como os professores em formação e professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental em exercício compreendem conceitos relacionados a Grandezas e Medidas e como trabalham com esses conceitos em sala de aula, bem como verificar em que medida a participação em um grupo de estudos sobre esse tema contribui para a (re)construção e (re)significação desses conceitos e conteúdos pelos futuros professores e professores em exercício, e também para a aprendizagem dos alunos.

Meu envolvimento nesse estudo é voluntário, não significando qualquer vínculo ou remuneração pelas informações;

Ao participar do grupo de estudos e fornecer informações e produções para a composição dos dados da pesquisa sobre o referido tema, minha identidade será mantida em sigilo;

As informações que vier a prestar poderão ser utilizadas apenas para os fins de realização do presente estudo;

Tenho a liberdade de desistir da colaboração nesta pesquisa no momento em que desejar, sem necessidade de qualquer explicação, o que não me trará prejuízos de qualquer ordem;

Ficam garantidos pela pesquisadora quaisquer esclarecimentos antes e durante o desenvolvimento da pesquisa sobre seu andamento, assim como sobre minha participação na mesma;

Poderei tomar conhecimento do(s) resultado(s) parcial (is) e final(is) desta pesquisa;

As vídeo-gravações e entrevistas serão transcritas e armazenadas, em arquivos digitais, mas somente terão acesso às mesmas a pesquisadora, seu orientador e sua co-orientadora. Ao final da pesquisa, todo material será mantido em arquivo, por 5 anos e eliminado após esse prazo.

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O projeto em questão foi analisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UNICAMP, que poderá ser contatado para eventuais reclamações e/ou denúncias referentes aos aspectos éticos da pesquisa.

Este termo de consentimento possui duas páginas, sendo que todas serão rubricadas pelo pesquisador e pelo participante da pesquisa.

Este termo de consentimento, assinado em duas vias, uma das quais ficará em meu poder, contém o endereço e telefone para contatos com a pesquisadora e o Comitê de Ética da UNICAMP. ( ) Autorizo a realização de vídeo-gravações. ( ) Não autorizo a realização de vídeo-gravações.

Amparo, _____/_____/_______

Participante da Pesquisa

Nome Completo

Assinatura

Pesquisador Responsável

Alessandra Rodrigues de Almeida

Doutoranda PECIM – UNICAMP

[email protected]

Contato: Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UNICAMP, Rua: Tessália Vieira de Camargo, 126; CEP 13083-887 Campinas – SP; telefone (19) 3521-8936; fax (19) 3521-7187; e-mail: [email protected] (contatar este Comitê somente para reclamações e/ou denúncias referentes aos aspectos éticos da pesquisa) Orientador da Pesquisa: Jorge Megid Neto Av. Bertrand Russell, 801 Cidade Universitária "Zeferino Vaz"; CEP 13083-865- Campinas – SP; telefone: (19) 3521-5695; e-mail: [email protected] Pesquisadora: Alessandra Rodrigues de Almeida Rua Maria Monteiro Merlo, 51 – Parque Modelo – Amparo (SP) Telefone: (19) 99672-9393 E-mail: [email protected]

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APÊNDICE B

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ANEXO 1

A NOSSA LENDA DO CURUPIRA

Um dia o Curupira estava andando distraidamente pela floresta, quando ouviu um barulho parecido com um trovão que vinha do meio da clareira. Saiu correndo e começou a bater nas árvores para que elas acordassem. O Curupira sempre faz isso quando pressente chuva. Ele avisa as árvores para que elas resistam melhor ao mau tempo.

– Puxa! Vem aí um temporal daqueles! - Exclamou o protetor da floresta.

– Acorda, Curupira! Hoje você está no mundo da Lua! Isso não é chuva, ora não é, disse uma das árvores.

Caminhando mais um pouco o Curupira pensou: há alguma coisa diferente por aqui.

Há poucos metros dali, o Curupira viu uma cena muito diferente, um gigante e um anão caminhando juntos pela mata. Ao ver aquelas pessoas, ele ficou muito, mas muito curioso e, ao invés de sair correndo, resolveu perguntar a eles:

– O que vocês querem aqui nessa floresta? Vieram cortar nossas árvores e caçar os animais?

– Não. Ficamos perdidos por aqui e estamos procurando apenas algumas frutas para comer.

– Estamos com muita fome - respondeu o gigante.

– É, estamos com uma fome de leão, será que você sabe onde podemos encontrar algumas frutas? Concordou o anão.

– Ah! Então se vocês não são caçadores ou exploradores que destroem a floresta, podemos ser amigos! - Exclamou o Cupira.

– Indo por esta trilha vocês encontram várias árvores frutíferas, mas, se quiserem, também podem jantar comigo hoje à tarde. Farei uma deliciosa sopa de cogumelos – disse o Curupira muito feliz.

– Mas onde você mora? É, como poderemos encontrar a sua casa? Perguntou o anão já com água na boca.

– Minha casa fica há 30 passos daqui, vocês podem seguir em frente na direção dessa grande castanheira. Dito isto, o Curupira desapareceu pela floresta.

O anão e o gigante ficaram muito contentes com o convite do novo amigo e não viam a hora de saborear o delicioso jantar. No horário combinado, os dois amigos deram os trinta passos na direção indicada pelo Curupira, porém não conseguiram chegar à sua casa. E agora?