transcriÇÃo da sessÃo pÚblica realizada em 21/05/2015

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SECRETARIA DA CASA CIVIL 1 TRANSCRIÇÃO DA SESSÃO PÚBLICA REALIZADA EM 21/05/2015 LOCAL : AUDITÓRIO DO SINDSEP/ PE DEPOENTE: ALANIR CARDOSO

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Page 1: TRANSCRIÇÃO DA SESSÃO PÚBLICA REALIZADA EM 21/05/2015

SECRETARIA DA CASA CIVIL

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TRANSCRIÇÃO DA SESSÃO PÚBLICA REALIZADA EM 21/05/2015

LOCAL : AUDITÓRIO DO SINDSEP/ PE

DEPOENTE: ALANIR CARDOSO

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ÁUREO BRADLEY- Alanir, nós comumente iniciamos os trabalhos com apresentação

do convidado e apesar de nós não acharmos interessante o termo de identificação, não

somos polícia, mas como é gravado aí solicitávamos que você fizesse a sua

identificação plena e posteriormente você terá um tempo disponível para fazer a sua

exposição, ao seu inteiro dispor.

ALANIR CARDOSO - Eu sou Alanir Cardoso, nasci em Goiás, na cidade de Campos

Belos, e minha história é de militância no movimento estudantil a partir do golpe de 64.

Inicialmente sem vinculação partidária e posteriormente me filiei a Ação Popular e

posteriormente a Ação Popular se incorporou ao Partido Comunista do Brasil. Isso vem

de 68 a minha entrada na AP e a incorporação ao PC do B se dá nos anos 72, e milito no

partido nesse tempo, e hoje presido o partido aqui em Pernambuco e sou membro do

Comitê Central. Falar aqui à Comissão da Memória e da Verdade de Pernambuco, Dom

Hélder Câmara, é em primeiro lugar um prazer grande. Em segundo lugar, valorizar a

importância do trabalho que essa comissão vem realizando e que isso representa para

passar a limpo a história recente do nosso país, particularmente a partir do golpe de 64.

Portanto, assim é um trabalho que nós sentimos muito valorizado em função do papel

das possibilidades de que a gente passe a limpo parte, essa parte da história do nosso

país até como forma de consolidar a recente e muito jovem democracia em nossa terra.

O período em que nós vivemos hoje desde o fim da ditadura militar até agora são 30

Alanir Cardoso (terceiro da direita para esquerda)

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anos de democracia. É seguramente o período mais longo da democracia em nossa

pátria. Pode parecer um tempo longo, mas para as sociedades tão antigas como são as

sociedades do mundo, e mesmo a nossa, com mais de 500 anos de existência, é um

tempo relativamente curto, portanto, essa planta tem que ser regada, tratada, por que

ainda é muito tenra, para poder consolidar e a gente abrir caminho para construir aqui

uma sociedade moderna, uma sociedade democrática, plural, que cumpra o papel de

realizar o bem estar do nosso povo com desenvolvimento, distribuição de renda e justiça

social. Eu, no primeiro momento do golpe em nossa terra, que ceifou os sonhos e as

aspirações das transformações pelas quais nosso povo lutava em 64, as bandeiras das

reformas que eram muito caras naquela época, a reforma agrária, a reforma educacional,

a reforma urbana, a reforma da saúde, tudo isso foi ceifado no 31 de março quando as

tropas do general Murici marcharam de Minas pro Rio de Janeiro e se instalou no golpe

militar de 1964. A repercussão disso no estado em que eu nasci, que é Goiás: eu estava

numa assembleia de estudantes pra assistir a uma conferência sobre o marxismo na

noite do 31 de março, que seria proferida por um professor da Tchecoslováquia, quando

chegou a notícia de que o professor não viria e que havia uma movimentação golpista

em curso na cidade, no país. Uma comissão de estudante se dirigiu ao Palácio do

Governo de Goiás, que na época o governador era Mauro Borges Teixeira, pra saber que

posição tinha o governador acerca do golpe. Mauro Borges era um governador

progressista, aliado do governo de João Goulart, que realizava reformas importantes no

governo de Goiás, inclusive reforma agrária num município em que residia a minha

família que é a cidade de Arraias, hoje no Estado do Tocantins. E pra nossa surpresa não

tivemos a opinião do governador naquela noite, mas sim do seu secretário de governo,

dizendo que apoiava aquela movimentação golpista. E de fato aconteceu, o governador

Mauro apoiou o golpe, só que isso, além de ter sido um banho de água gelada nas forças

progressistas que davam sustentação ao seu governo e que ali tentava construir uma

nova realidade, mas não só foi isso, foi também um engano do governador Mauro

Borges, porque as forças golpistas em Goiás, que aceitaram seu apoio no primeiro

momento, passaram a contestá-lo e a lutar para botar fim ao seu governo. Isso ocorre

durante todo ano de 64 e, em novembro de 64, há intervenção federal em Goiás, quando

o general Meira Matos é nomeado interventor. Há muitas cassações de mandatos

parlamentares de deputados estaduais, para mudar a correlação de forças na assembleia

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legislativa e em seguida essa assembleia é mutilada. Elegeu o marechal Emílio Ribas Jr.

como governador biônico do meu estado. No entanto, isso culmina em novembro de 64.

Isso foi também um ano também de muita resistência em Goiânia e no estado. Vem daí

minha militância política. Participei ativamente daqueles movimentos porque acreditava

que era preciso lutar contra a ditadura e ter perspectiva de abrir caminho novo pra o

nosso país. Nessa quadra, quando da intervenção, meu pai morava no interior e veio a

Goiânia e me disse: “Olha você está numa lista de pessoas que podem ser presas e eu

vim aqui lhe tirar daqui de Goiânia”. Sai de Goiânia, passei um ano fora, e tornei a

Goiânia em 66, retomei os meus estudos; o movimento estudantil já com muitas

manifestações e luta contra o acordo MEC/USAID, contra a esterilização de mulheres

na Amazônia, pela reorganização dos grêmios estudantis, a reorganização da UBES e da

UNE. Eu me elejo diretor do grêmio do colégio que eu estudava, o Rui Barbosa, quando

em 68 o assassinato de Edson Luiz no Rio de Janeiro, foi como uma explosão do

movimento de massa de protesto aqui no Brasil. Manifestações contra o assassinato de

Edson Luiz ocorreram no país inteiro, em todos os estados, em todas as capitais em

grande parte das cidades brasileiras. Era como uma explosão de uma coisa contida

contra o regime repressor de 64. Em Goiânia, essas manifestações logo em seguida ao

28 de março, foram duramente reprimidas na nossa cidade, lá no estado de Goiás; e

tivemos o assassinato de um lavador de carro chamado Ornalindo Ferreira, que foi

confundido com um líder estudantil. Terminamos essa manifestação na catedral de

Goiânia e a polícia invadiu a catedral, atirou, quebrou pescoço e braço de santos e feriu

dois estudantes, Lúcia Jaime na perna, que era diretora da UEE de Goiás, e Telmo

Farias, estudante de direito, atirado no braço. O arcebispo de Goiânia nessa época era

Dom Fernando Gomes dos Santos. A casa do arcebispo era de frente a catedral. Em

função dessa repressão, esse arcebispo sai de sua casa, vai a catedral, protesta contra o

comando da polícia e nós lá vamos juntos com ele, segurando no braço a companheira

Lúcia Jaime, para a casa oficial do arcebispo e ela foi atendida por médicos ali, porque

a polícia queria levá-la presa. Bom, depois disso tem o Congresso da... O XX Congresso

da UBES, em Belo Horizonte, no final de abril de 68. Eu sou um dos delegados de

Goiás ao Congresso e nesse Congresso sou eleito, com outros companheiros, para a

direção da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, para a gestão 68/69. Nessa

condição de diretor da UBES, percorri muitos estados do Brasil, tive... Participei do

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movimento estudantil em Brasília, estive em São Paulo no mês de julho de 68 e ali

participei de alguns movimentos muito marcantes naquele período. Por exemplo,

quando estreou no teatro Rute Escobar a peça Roda Viva, de Chico Buarque, o teatro foi

invadido pelo CCC e todo o teatro foi quebrado. Em seguida teve uma manifestação,

uma assembleia dos intelectuais e dos artistas de São Paulo no teatro Maria de Della

Costa e eu participei dessa assembleia junto com o presidente da UNE, o companheiro

Luiz Travassos, ele representando a UNE e eu representando a UBES. E ali, das 8 da

noite às 2 horas do dia seguinte, realizou-se uma assembleia com enorme protesto

contra atos de vandalismo, contra atos de repressão, contra atos de obscurantismo contra

a cultura brasileira. Era assim que as coisas ocorriam naquele período. Em 68 tivemos,

portanto, assim um crescimento geral do movimento estudantil no país inteiro e também

algumas manifestações importantes que ocorreram naquele período que foi a greve, a

primeira greve operária depois do golpe, dos operários de Belo Horizonte e Contagem.

Depois tivemos a greve dos trabalhadores canavieiros aqui no Cabo de Santo Agostinho

e, no mês de julho, a greve dos operários de Osasco. Todas elas duramente reprimidas,

com intervenção nos sindicatos e cassação dos mandatos da direção desses sindicatos,

além de prisões e perseguições daqueles que comandaram a greve. Era assim que as

coisas ocorriam naquele período. Nessa época tomamos uma resolução da direção da

UNE e da direção da UBES de realizar, no sete de setembro de 68, a luta pela

verdadeira independência do Brasil e contra a ditadura. Isso fazia parte dos preparativos

do congresso da UNE, que veio ocorrer em Ibiúna em outubro de 68. Nessas

manifestações nos tínhamos o objetivo de tentar impedir os desfiles militares que se

realizavam em todas as capitais do país. Eu fui pra Goiânia junto com o diretor da UNE,

fizemos uma grande mobilização e no sete de setembro conseguimos criar enorme

dificuldade pra o desfile militar. Fizemos uma passeata antes do desfile, chegamos a ter

alguns milhares de pessoas, próximo ao palanque onde estavam o governador da época

e as autoridades militares e no entusiasmo de ter cumprido aquele papel, alguém propôs

e, evidentemente, isso não correspondia à realidade, que nós tomássemos de assalto o

palanque das autoridades. E terminaram me escalando, como eu era de Goiás, como eu

era uma liderança do movimento estudantil, que eu subiria num banco e faria a

proposta. Eu cheguei a subir no banco, fiz a proposta, mas saí do banco carregado já no

braço da polícia, me colocaram numa Kombi; há uma reação dos estudantes, quebram

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os vidros da Kombi, abrem a Kombi, eu não tinha pra onde ir, eu subi na Kombi, tentei

continuar falando, mas aí sou carregado, já assim, por cima, os policiais com os braços

pra cima, eu deitado, me botaram noutro veículo e saí escoltado imediatamente daquela

localidade. Naquele dia em Goiana houve cerca de 200 prisões de estudantes e de

populares. De tal maneira que nós fomos pra uma delegacia e depois fomos pra polícia

federal, houve uma triagem, a grande maioria desses estudantes e populares foram

libertados, mas algumas lideranças ficaram presas, entre elas, eu. Eu, o presidente da

UEE na época, o companheiro Wellington Cortes, o ex presidente da UEE Waldir

Rodrigues mais outro estudante secundarista. No dia seguinte fomos pra Penitenciária

de Goiás, passamos um mês presos e fomos soltos com habeas corpus e já processados

pela Justiça Militar, enquadrados na Lei de Segurança Nacional. Saímos da prisão às

vésperas da realização do Congresso da UNE. Eu saio, vou para uma assembleia no

Liceu, aí, quando termina a assembleia, recebo o recado de dirigir a uma residência

próxima do Liceu e quando cheguei me encontrei com um companheiro que diz: “Olhe

você deixou de ir pro Congresso da UNE por causa de meia hora. Nós esperamos no

limite”, o carro saiu, levou esses outros companheiros que estavam comigo presos e eles

terminaram, portanto, presos no Congresso de Ibiúna. Nós todos conhecemos a história

do Congresso de Ibiúna; prenderam de 700 a 800 estudantes do Brasil inteiro e isso foi

um grande golpe no movimento estudantil. Grande parte das lideranças ficou presa,

algumas só saem num plano de 69, quando há o sequestro do embaixador americano,

trocado por alguns prisioneiros políticos do Brasil; entre eles estava Luiz Travassos,

presidente da UNE, José Dirceu que era presidente da UEE de São Paulo e Wladimir

Palmeira, que era uma liderança do Rio de Janeiro, saído naquela troca. Então aquilo foi

um baque no movimento estudantil, o Congresso não elegeu a nova direção da UNE e

essa direção da UNE passou a ser pra nós uma tarefa importante, para os estudantes

universitários e secundaristas, e fomos organizar congressos regionais para eleger a

nova direção da UNE, que teve o companheiro Jean Marc do Rio de Janeiro como

presidente e como vice presidente o companheiro Honestino Guimarães, que era

presidente do DCE da UNB. Nessa quadra realizamos também o Conselho da UBES,

em Salvador. Nós tínhamos realizado um congresso em Belo Horizonte, um congresso

pequeno, clandestino, com cerca de não mais do que 35, 40 delegados e convocamos

um conselho da UBES, naquele movimento de ascensão das lutas estudantis do país, pra

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Salvador. Chegamos a Salvador com mais de 200 delegados, portanto um conselho mais

representativo do que o congresso que nós tínhamos sido eleitos, para preparar a

realização do novo congresso, o XXI Congresso, em abril de 69. Instalamos esse

congresso em Salvador, estava marcada sua instalação para 14 de dezembro. No dia 13

de dezembro ocorre o ATO 5, o Ato Institucional Nº 5, que é um golpe dentro do golpe,

e a direção da UBES, particularmente a fração da AP, nós nos reunimos com o

companheiro Haroldo Lima, que dirigente da AP, na época, que foi deputado federal e

até recentemente presidente da Agência Nacional de Petróleo, e ao reunir com o

companheiro Haroldo, ele diz: “Olhe, vocês, tudo muito bem, os delegados estão aí,

estão chegando, agora vocês não vão poder realizar o conselho como vocês estavam

pensando, porque o ATO 5 é um golpe dentro do golpe. Seguramente vocês não vão

conseguir uma plenária. Nós íamos realizar na Universidade Federal, na Faculdade de

Filosofia. Não vão conseguir realizar esse conselho com tantos delegados, a repressão

vai...” Então tomamos a seguinte decisão, propomos abrir o conselho, e propor dividir o

conselho em 4 comissões. E nos dividimos em vários lugares de Salvador para realizar o

conselho. Eu fui pra uma casa de praia, próximo da lagoa do Abaeté com meus

companheiros. Essa seção do conselho se realizou até o fim. Uma outra seção também

se realizou, mas duas delas tiveram que ser interrompidas por problemas de segurança.

Bom, terminado o conselho, nós estamos com duzentas lideranças do Brasil em

Salvador, com pouca grana e tendo que mandar de volta essas lideranças pros seus

estados. O primeiro problema: onde alojá-los e onde alimentá-los. Como o movimento

estudantil de Salvador era forte, o pessoal da Universidade Federal, os companheiros do

DCE, da UEB, conseguiram, isso era dezembro, que a gente fosse, pelo menos uma

parte, fazer as refeições no restaurante universitário. Fizemos no primeiro dia; no

segundo um companheiro de São Paulo, na hora do almoço, resolve subir na mesa e

dizer que os estudantes secundaristas do Brasil derrotaram a ditadura ao realizar o seu

conselho e ali foi o término de utilização do restaurante, porque a polícia passou a

cercar, mas ficamos e conseguimos mandar de volta o conjunto desses delegados. Nesse

conselho nós fizemos um balanço das lutas secundaristas de 68 e do movimento no

geral e tiramos um plano de luta, prevendo que 69 seria um ano de grandes

mobilizações. O Ato5 ocorreu ali, não deu tempo da ficha cair, portanto nós

terminamos aprovando um plano de luta que já não correspondia à realidade política

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nova, criada, e esse plano de luta, portanto, não podia ser praticada no início do ano de

69, pelo contrário, aí há uma radicalização do regime, há uma dificuldade geral de todo

tipo de mobilização. Vem o decreto 477, são cassadas as lideranças das universidades

mais participativas, cassa-se muitas lideranças do movimento secundarista e muitos

ficam em listas, proibidos de matricular em qualquer colégio público. Então era uma

nova realidade e nós tivemos que conduzir a UBES até 69 para um congresso também

pequeno, fechado e clandestino, realizado em Piracicaba para eleger a nova diretoria.

Isso é um pouco da realidade daquele período. Diante do Ato5 e da radicalização do

regime, passou-se a ter um debate no conjunto das forças políticas que atuavam no país,

que eram muitas, há uma radicalização grande. Vai todo mundo, de modo geral, se

convencendo de que não tem outra saída que não seja enfrentar o regime por caminhos

outros que não os caminhos da mobilização de rua, o caminho da mobilização nas

universidades e das mobilizações nas fábricas. Não tinha ambiente pra isso, a repressão

era muito forte e é, portanto, aí que vão surgindo e se fortalecendo e desenvolvendo a

resistência armada ao regime militar, que tem vários caminhos, de várias formas. Muita

gente fez a guerrilha urbana, a resistência nas cidades, eram concepções que ali se

apresentavam. Algumas correntes como a Ação Popular que evoluíram seu pensamento,

pensavam de outra maneira. Nós apostávamos noutro caminho. A Ação Popular passou

a definir que o caminho da luta armada no Brasil seria o caminho da resistência no

campo, da ligação do campo com a cidade. Era também a posição adotada pelo Partido

Comunista do Brasil. O PCdoB realizou a sua VI Conferência em 1966 e lançou um

documento chamado “União dos Brasileiros Para Tirar o País da Crise da Ditadura e da

Ameaça Neocolonialista”, e esse documento propunha a possibilidade de um governo

amplo que pusesse fim à ditadura, se instalasse uma Assembleia Constituinte, se

organizasse a vida política do Brasil, já que a nossa vida jurídica estava profundamente

comprometida com essa edição de Atos Institucionais contínuos e desrespeito total a

constituição daquela época. E o PCdoB também propunha esse caminho da luta armada

do campo, da resistência no campo. Desse ponto de vista o partido também tomava suas

providências, portanto, quando surge a guerrilha do Araguaia em 72 não surge por

acaso. O partido foi consequente com aquelas resoluções, e começou a deslocar seus

militantes, quadros, para aquela região do Araguaia, região do norte de Goiás, na época,

sul do Pará, e deu preparativos à ligação com os camponeses daquela região. Bom,

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nesse período, saído da UBES, eu milito em Minas Gerais pra ajudar a reconstruir o

trabalho da AP. Naquela época a AP tinha uma política chamada de integração na

produção, para se aproximar dos trabalhadores da cidade e do campo. Como era uma

organização que tinha origem no movimento estudantil e na intelectualidade, muitos dos

seus militantes e quadros foram trabalhar em fábricas. Aqui só pra situar rapidamente,

por exemplo, em Minas, um companheiro chamado, hoje médico, José Lopes da Silva

do Paraná, foi trabalhar na Belgo Mineira como operário de fábrica. E outro

companheiro, que é nascido aqui em Pernambuco, Eduardo Collier Filho, foi estudante

de Direito na Bahia, foi trabalhar conosco em Minas Gerais, era militante da AP. O

companheiro Duda, com outro nome, outra documentação foi trabalhar na Mannesmann

e um trabalho duro. Ele foi trabalhar no turno da noite, das 10 as 6 da manhã,

alimentando com carvão os altos-fornos da Mannesmann, que é a indústria metalúrgica

de Minas Gerais. Com algum tempo nesse trabalho, eu e os companheiros lá, tinha o

companheiro Duda e outro companheiro metalúrgico que tinha vindo de São Bernardo e

outros trabalhadores, começaram a achar estranho que um dos trabalhadores daquele

turno, quando terminava o trabalho às 6 da manhã como todo mundo, tinha esperando

por ele na porta da fábrica, uma senhora bem arrumada e de carro. Aquilo chamou a

atenção e com o tempo se descobriu que aquele era um agente do SNI. O que fazer?

Tomamos a decisão; a atividade clandestina exigia que a gente tomasse posição pra não

comprometer o trabalho, então conversamos com o companheiro Duda o seguinte:

“Você não vai sair do trabalho e nós vamos lhe monitorar diariamente”. E começamos

a monitorá-lo. Essa tarefa ficou comigo, eu monitorei o companheiro Duda, saímos da

Mannesmann às 6 horas da manhã, meses seguidos, e nós nos cruzávamos na linha

férrea; era só pra ter certeza de que ele saiu do trabalho. Ficamos meses assim, mas aí

depois veio um processo de repressão em Minas Gerais e nós resolvemos, portanto, tirar

o companheiro Duda daquela fábrica. Estou dizendo isso porque esse companheiro é um

desaparecido político, que desapareceu no Rio de Janeiro junto com Fernando Santa

Cruz, junto com Honestino Guimarães, junto com Umberto Câmara Neto e Paulo

Wright. Então estou falando de pessoas, de experiências que nós vivemos, e esses

companheiros todos que estou falando, nós militamos juntos. Nessa época de Minas,

também nós tivemos uma relação estreita com o ex deputado federal Dr. Edgar da Mata

Machado. Foi deputado federal e eu o conheci no Congresso, como diretor da UBES,

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em 68, e ele foi cassado depois do Ato 5. Esse Dr. Edgar da Mata Machado, que foi

deputado cassado, era professor da Universidade Federal de Minas Gerais, era o pai de

um companheiro nosso chamado José Carlos da Mata Machado que foi assassinado aqui

em Recife, no DOI CODI, junto com outro companheiro, Gildo Lacerda. Esse

assassinato não pôde ficar escondido, a repressão montou uma farsa de que eles tinham

trocado tiros na Avenida Caxangá e entregaram o corpo de José Carlos Mata Machado

lacrado, no caixão, com a proibição da família abrir; e a polícia acompanhou o caixão

até o enterro. Eu estou falando, portanto, de coisas daquela época e que faz parte desse

trabalho de reconstrução da verdade, da reconstrução de passar a limpo a vida brasileira.

Após as prisões em Minas, são fatos também para chamar atenção um pouco da

experiência daquela época. Estou falando daquele médico do Paraná, José Ferreira

Lopes. Na repressão de 71, em Minas, esse companheiro vai preso. Ele trabalhava na

Belgo, terminou por alguma razão sendo preso e um dia eu me encontrei com o

companheiro Simão Almeida, que é aqui da Paraíba e militava conosco, naquela época,

em Minas Gerais. Nos encontramos tipo seis, seis e meia da manhã, a gente se

encontrava normalmente nesses horários e caminhando pela rua Rio de Janeiro para sair

na Av. do Contorno, isso é um pouco fora do centro de Belo Horizonte. Mas naquele

período estavam havendo muitas prisões e nós chegamos na esquina da rua, tinha uma

veraneio parada com três pessoas no banco traseiro, um passageiro no banco do carona

e a porta do motorista aberta, sem o motorista. Tinha uma barraca de venda de cigarro e

de algumas coisas do gênero, isso eram seis, seis e meia da manhã; quando nós

passamos o passageiro do banco do meio, do banco traseiro, era o companheiro José

Ferreira Lopes, esse médico de Belo Horizonte. Nós o vimos, ele nos viu, nós

atravessamos a rua, quando chegou do outro lado o Simão me perguntou: “Você viu o

que eu vi?”. Eu digo “Vi sim”, aí nós pegamos um taxi e saímos daquela área. Muitos

anos depois, depois da Anistia, nós encontramos esse companheiro, ele nos relatou que

naquele dia, ele estava voltando do Rio de Janeiro, que tinha sido levado pro DOI-

CODI do Rio de Janeiro, além de ter sido torturado em Minas, foi torturado no Rio de

Janeiro e, naquele dia, estava sendo trazido de volta. Já tinham passado no presídio

feminino e deixado uma companheira chamada Jussara Lins, que era uma arquiteta do

Espírito Santo, que também militava conosco lá em Belo Horizonte e levaram ele pro

DOPS. Então, são acontecimentos daquele período. Seguindo isso, nós avaliamos que

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alguns de nós, não dava mais pra continuar em Minas depois daquelas quedas, porque

estavam identificados lá no Estado e eu fui pra São Paulo. A direção... Discutindo com a

direção da Ação Popular, nós tínhamos realizado, no final de semana que culminou com

o sete de setembro de 1971, a Reunião Ampliada da Direção Estadual da Ação Popular

em Minas Gerais exatamente com a pauta de discutir a incorporação da AP ao PCdoB.

Nessa reunião participou conosco o companheiro Renato Rabelo que é hoje o presidente

nacional do PCdoB e, naquela época, era um dos principais dirigentes da Ação Popular.

Eu vou pra São Paulo e, naquela época, você é militante, você cumpre tarefas e vai pra

onde tem necessidade. E em São Paulo nós discutimos a minha ida para o Rio Grande

do Sul. Antes de viajar para o Rio Grande do Sul, chega em São Paulo uma

companheira que militava aqui no Recife, chamada Loreta Valadares, que tinha ido a

são Paulo por problemas de saúde e não podia voltar pra Recife. Precisava ser

substituída no trabalho aqui em Pernambuco, particularmente aqui no Recife. Aí os

companheiros disseram “Olhe, em vez de ir pra o Rio Grande do Sul, você vai para

Pernambuco”. Assim era a vida, naturalmente! Chego aqui em março de 72 e por

coincidência, no ônibus que eu viajei de São Paulo até Recife, viajei com duas moças, a

nossa cadeira era próxima, eu viajava só e uma delas pediu para sentar comigo para que

a irmã pudesse dormir no outro banco. Essas duas pessoas não eram... Só depois eu vim

saber, já numa situação trágica, que eram Soledad Barrett Viedma e Pauline Reichstul.

Viajamos dessa maneira, conversa muito pouca, eu clandestino indo pra um lugar que

eu conhecia pouco, eu tinha passado em Recife em 68, de passagem não é? Eu de pouca

conversa e, seguramente, elas também; se passavam como irmãs e numa certa altura da

viagem a Soledad que ficava mais do meu lado, chegou a comentar que estavam vindo

pra Recife pra casa de um tio delas que era major do Exército, então, imagine, a

possibilidade de conversa de outra natureza... (risos). Nos despedimos ali, no Cais de

Santa Rita, naquela rodoviária velha, chegamos aqui numa madrugada: “Bom, quem

sabe numa hora dessas a gente não se encontra na praia de Boa Viagem”. Bom,

quando no começo de 73, eu abro o jornal de manhã e vejo aquela ação de assassinato

que disseram que foi numa granja de Paulista, estava o retrato das duas. Eu estava com

um companheiro que estava conosco que militava aqui e se chamava Raimundo

Osvaldo Barroso, ele ficou tão impressionado, ele é um companheiro de muita

sensibilidade, ele então fez um poema em homenagem a Soledad. Eu cheguei aqui em

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março de 72 e o assassinato delas se dá parece que em janeiro de 73. De março a janeiro

de 73. Parece que é isso, janeiro de 73, se a memória não me falha. Essa poesia nós

publicamos num jornalzinho que nós editávamos aqui na região, que era chamado

Resistência Popular no Nordeste. Era um jornal editado pela direção da Ação Popular e

depois do PCdoB; o nosso editor desse jornal era Luciano Siqueira, que se encontra aqui

entre nós. Era um dos principais redatores e editor desse nosso jornal que circulava aqui

naquela época, era assim que se fazia. Ao chegar aqui no Recife, eu vim com tarefas,

além de incorporar a direção do partido aqui. Naquela época, a situação era de tal

maneira grave, as liberdades de tal maneira difíceis, a perseguição era de tal maneira,

numa escalada ascendente. Nós já tínhamos tido, naquela época, o assassinato de

Marighela em São Paulo, o assassinato de muita gente na tortura e nessas farsas

montadas de tiroteio na rua, a situação era de tal maneira que, por onde o movimento

democrático, por onde o movimento de resistência ter saída? Tinha sido criada em São

Paulo a Comissão de Justiça e Paz, na Arquidiocese de São Paulo, presidida por Dom

Paulo Evaristo Arns e aquela comissão cumpriu um grande papel. A direção do nosso

partido avaliava naquela época que criar comissões dessa ordem em outras regiões do

país tinha enorme importância e nós listávamos que tinham alguns bispos progressistas

capazes de assumir essa proposta, e nós listávamos Dom Helder Câmara, aqui de Recife

e Olinda, Dom Adriano Hipólito na Baixada Fluminense, Dom Pedro Casaldáliga no

Mato Grosso e Dom Fragoso no Crateús, no Ceará. Então cheguei aqui no Recife, com

uma das tarefas; nós tínhamos ligação aqui com a igreja, tínhamos ligação com setores

amplos da igreja, e nós tínhamos uma tarefa que era tentar junto a Dom Hélder montar a

Comissão de Justiça e Paz de Olinda e Recife. Cheguei aqui, nós tínhamos muitas

relações, conheci Cristina Tavares, que na época não era parlamentar, era jornalista,

correspondente da Revista Visão, e uma pessoa muito progressista. Cristina era amiga

de Dom Hélder. Através de Cristina, tive vários contatos com Dom Hélder, na casa dela,

conversas longas, eram conversas muito arrumadas. Dom Hélder era muito avançado,

muito progressista, mas a comissão andava devagar. Além dessa relação direta com

Dom Hélder, nós nos apoiávamos aqui em companheiros da Igreja Católica e de outras

Igrejas. Nós tínhamos relação com Frederick Birten Morris, pastor da Igreja Metodista,

com padre Marcelo Barros, beneditino, com duas freiras, uma chamada Peggy e outra

irmã Dolores, que faziam parte do grupo ecumênico e eram pessoas que tinham acesso a

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Dom Hélder e muita influência sobre ele. Eu me reunia com Dom Helder e tratava do

assunto, eu me reunia com eles e tratava do mesmo assunto. Nem eles sabiam que eu

tinha contato com Dom Hélder, e muito menos Dom Hélder sabia que eu tinha contato

com eles. Eram exigências daquela realidade. Então vivemos muitas construções

políticas daquela natureza. Me lembro também que no ano de 72, quando aqui cheguei,

ocorreu um fato importante na Assembleia Legislativa de Pernambuco. O MDB fez

uma aliança com parte da bancada da Arena pra eleição da mesa da Assembleia

Legislativa e derrotou o candidato do governo elegendo o deputado Ênio Guerra

presidente da Assembleia Legislativa. Com que compromisso de Ênio Guerra com a

bancada do MBD? O compromisso era fazer uma homenagem a Dom Hélder Câmara na

Assembleia Legislativa, porque Dom Hélder era censurado. Jornal nenhum publicava

qualquer linha, por mais importante do acontecimento que ele realizasse ou missa que

ele celebrasse ou casamento que ele fizesse; jornal não registrava nada. E esse

compromisso Ênio Guerra cumpriu: Dom Hélder foi a Assembleia e fez um

pronunciamento, e esse pronunciamento de Dom Hélder o PCdoB tomou em suas mãos

a tarefa de reproduzir, de mimeografar e distribuir na cidade, à noite, botando por baixo

das portas das pessoas. Só que Ênio Guerra pagou um preço em seguida. Ele foi

apertado e o regime disse: “Ou você renuncia à presidência da Assembleia ou a gente

cassa seu mandato”. Ênio Guerra, então, foi obrigado a renunciar ao mandato de

presidente da Assembleia Legislativa de Pernambuco. Bom, outro fato dessa época, nas

nossas relações políticas, foi a eleição de Olinda. Teve eleição municipal de 72, Roberto

Freire foi candidato a prefeito de Olinda, contra uma chapa de duas candidaturas da

Arena, naquela época era permitido isso, sublegenda. Então Roberto Freire foi

candidato. Eu cheguei a ir com outros companheiros a algumas atividades de campanha

em Olinda, clandestino, meio de longe. Mas ele, ali, fazia um discurso combativo etc.

etc., mas perdeu a eleição pra essa sublegenda da Arena. Nesse período, a jornalista

Cristina Tavares, que tinha ligação com o ex governador Miguel Arraes que estava

exilado na Argélia, fez uma viagem a França e nessa viagem ela nos disse que tinha o

compromisso de encontrar Miguel Arraes. Nós mandamos fotografados naquele filme

Kodak, vários documentos que circulavam aqui na nossa atividade política. Mandamos

vários textos, não é? Mandamos dois filmes. Eram muitos textos nesses dois filmes sem

revelar, evidentemente; se houvesse alguma dificuldade era só puxar a ponta daquele

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filme que o filme queimava. Então, Cristina fez essa viagem e levou esses documentos

para o ex governador Miguel Arraes; chegou às mãos dele, e ele mandou de volta, na

volta dela, uma carta também por esse mesmo caminho fotografada, que aqui nós

reproduzimos. Era a chamada Carta da Argélia, ou Carta... Eu não lembro o título com

exatidão. Este documento aqui, nós revelamos o filme, ampliamos a fotografia,

datilografamos e está aqui a minha companheira Maria das Neves, que era uma boa

datilógrafa e foi capaz de reproduzir muitos desses textos, além de outros, de

datilografar em estêncil pra que a gente rodasse em mimeógrafo a óleo os textos que

circulavam entre nós. Era assim que funcionava a nossa imprensa, não tinha outra

forma, era assim que funcionava. Aqui nós desenvolvemos atividade com o

companheiro Luciano Siqueira. Bom, 72. Estou falando isso em 72, depois vem 73...

Logo, cheguei aqui em março, quando é abril, surge a notícia do início da Guerrilha do

Araguaia. Havia portando naquela época, um esforço, quando surge a Guerrilha do

Araguaia, surge, portanto, do ponto de vista da nossa compreensão, da nossa orientação,

uma coisa concreta, daquele sentido da resistência armada no campo. Ao surgir a

guerrilha do Araguaia, o PCdoB vira, já era muito perseguido, mas a partir do início da

guerrilha o PCdoB passou a ser o alvo da repressão no país inteiro. Tentativa de

desorganizar a sua direção para evitar que mobilizações na cidade dessem apoio a luta

guerrilheira do Araguaia. Nesse período então há uma repressão grande. Nosso partido

teve assassinado em São Paulo em 73, vários dos seus dirigentes: Carlos Nicolau

Danielle, Lincoln Cordeiro Oest, Lincoln Bicalho Roque, Luiz Guilhardini, foram

presos e assassinados sob tortura em São Paulo. Isso, portanto, foi um golpe na direção

do partido, eram dirigentes experientes. E aqui nós fomos tomando medidas, sob

orientação do partido, de como, com o início da guerrilha, abrir caminho, no sentido de

tentar abrir outras frentes de guerrilha, como forma de não deixar o Araguaia isolado em

uma frente só. Por que ali se concentrava todo o combate da repressão brasileira. Houve

um esforço de interiorização de nossa atividade. O companheiro Luciano Siqueira foi

morar no interior com a companheira Luci Siqueira, foram morar no interior de

Alagoas. Aqui... Veio uma proposta pra eu sair daqui do Recife e ir para o interior do

Ceará. Nós tínhamos o companheiro Bosco Rolemberg, que atuava aqui na zona

canavieira, nós tínhamos um trabalho aqui na zona canavieira. Incorporou a essa nossa

direção nesse período, o companheiro Rui Frazão, que foi destacado para cumprir

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tarefas em Fortaleza e eu fui deslocado daqui, com a companheira Nevinha, pra ir morar

no interior do Ceará, na cidade de Juazeiro. Evidentemente que nós não fomos pra

Juazeiro para ser romeiros, nós fomos com tarefas. E qual era a tarefa? A tarefa era em

função da localização, nesse esforço geral de mobilização pra abrir alguma nova frente

guerrilheira, num esforço, portanto, de interiorização e muitos outros quadros que

atuavam tinha sido também deslocados para atuar em regiões do interior. Então ao sair

daqui do Recife, só pra situar, minha companheira, que é Maria das Neves, antes

trabalhava na SUDENE. Eu cheguei aqui clandestino e nós passamos a nos encantar,

(risos) e como medida teve que Nevinha sair da SUDENE, por que ela tinha militância

dentro do movimento estudantil e a SUDENE era um lugar muito vigiado. A SUDENE

tinha uma agência do SNI instalada perto da sala de trabalho dela. Portanto, para

conviver com uma pessoa clandestina não dava. Ela saiu da SUDENE e trabalhou um

tempo no CTC, Centro de Trabalho e Cultura, aqui nos Coelhos, com os cursos de

formação de operários. Então, em seguida, nós nos deslocamos para cumprir tarefa lá no

Juazeiro do Padre Cícero. Ao sair daqui, a companheira Nevinha vendeu um

apartamento que ela tinha, um carro que tinha tirado no consórcio e uma farmácia.

Porque nós estávamos indo para tarefas que a ideia não era voltar por esse caminho. Nós

estávamos indo pra tarefa com aquela ideia, convencidos de que pra pôr fim ao regime

militar era a luta armada, então nós estávamos indo pra uma frente pra dar sustentação

ao trabalho dessa natureza. Qual era o projeto lá no Juazeiro? Era um projeto de, como

na cidade do Juazeiro tinha uma movimentação permanente, de muita gente, de muitos

veículos, em função das romarias em torno da crença de Padre Cícero, etc., era uma

movimentação grande. Era uma cidade que, você chegar em Juazeiro, ser estranho, não

era novidade. A maior parte de quem circulava em Juazeiro era gente de fora, então isso

não chamava atenção. Segundo, o fato de ter muita movimentação de carros, de

caminhões, de ônibus e etc., poder-se-ia ali instalar uma área de retaguarda para

alimentar... Esse era o projeto: que a gente pudesse alimentar uma área de armas, de

alimento, de medicamentos, de roupas etc. etc. e tínhamos também um projeto de ali

construir um hospital de retaguarda, não era um hospital físico, era ter condições de ter

um hospital de retaguarda pra tratar de guerrilheiros feridos, de... Bom, era esse o

projeto. Isso tinha consistência, esse projeto estava sustentado na instalação de uma

granja de criação de aves, que era a fachada legal para se utilizar uma área fora da

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cidade, e realizar essa atividade comercial como atividade legal, e ali você instalar essas

necessidades; esse era o projeto. E lá fomos pra lá, pra cumprir essa tarefa. Pra

sobreviver na cidade e poder viver legal na cidade, nós vendíamos confecções;

passamos a vender confecções. Bom, pra você ter uma ideia, chegar a Juazeiro e se

instalar em Juazeiro naquela época não era fácil. Primeiro que para conseguir uma casa

para alugar era uma dificuldade enorme por que a demanda de procura e oferta, era

inversamente proporcional. E as condições para alugar uma casa em Juazeiro, diante da

grande procura e da pouca oferta, é que você tinha que pagar um ano de aluguel

adiantado. Essa era a regra do mercado. Depois de algum tempo nós conseguimos

alugar uma casa e nos instalar, mas não demoramos muito tempo. Não demoramos, nós

ficamos em Juazeiro poucos meses. Mas nos instalamos lá, mudamos pra lá etc. e já

circulando pela cidade quando essa ofensiva repressiva sobre o partido faz uma ofensiva

grande, pegando vários estados do Nordeste. Nós tivemos prisões de companheiras e

companheiros do Maranhão, tivemos prisões no Piauí, tivemos prisões no Ceará, prisões

em Pernambuco e prisões na Paraíba e em Alagoas. O companheiro Luciano Siqueira

foi preso no Crato, a companheira Luci foi presa depois, em Alagoas. Nós tivemos uma

prisão lá em Fortaleza... Lá em Juazeiro... Do companheiro Judas Tadeu de Lira

Gabriel e da sua companheira Solange Almeida de Souza. Eles estavam conosco,

moravam lá e foram presos. Tivemos lá a prisão de Eudoro Santana. Eudoro era um

militante do nosso partido que tocava uma empresa ou mais de uma empresa lá, ele

tinha a CECASA, que era a Cerâmica do Cariri SA, em Barbaria e uma outra empresa

de fabricação de bolsas que Solange e Tadeu tomavam conta, e estava reativando uma

fábrica de sapatos. E tivemos então a prisão da companheira Címia Sobreira. Era uma

professora e anos depois, só agora, quarenta anos depois, é que eu soube que a casa que

nós moramos, que foi ela que conseguiu nos alugar, era de uma irmã dela, nós

estivemos em Juazeiro no ano passado, e a casa já não existe mais. Eudoro Santana é o

pai do atual governador do Ceará, Camilo Santana, que na época dessas prisões tinha 4

ou 5 anos de idade. Essa companheira Címia mora hoje em São Paulo. Tivemos também

outras prisões. Prisão de Valdir Araújo Dantas, tivemos prisão na... Estou dizendo isso,

companheiros, pra mostrar, isso hoje é uma recapitulação, que na época não era simples.

Quando essas prisões começaram, eu tinha um encontro marcado com o companheiro

Luciano e ele não apareceu. A alternativa que nós tínhamos de se encontrar era um mês

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depois. Um mês depois eu vou ao encontro e ele não aparece, mas eu não tinha

informação da prisão, tinha informação de algumas prisões, porque a imprensa não

publicava essas prisões. Eram sequestros, na verdade, levados para câmaras de torturas

e a imprensa não noticiava nada aqui no país. Ou tinha noticiário que viesse pelas rádios

do exterior, que a gente ouvia naquela época; rádio Tirana, rádio Pequim, rádio de

Havana, rádio de Moscou, a rádio de Londres, BBC de Londres. Era assim que muitas

vezes nós nos informávamos de coisas que aqui aconteciam, essa era a realidade. Eu sei

que, eu me movimentei no início dessas quedas, andando por vários estados, deslocando

companheiros e companheiras de um lugar para outro, tomando medidas com aqueles

que não tinham sido presos e tentando levantar esse quadro das prisões. Eu só tenho

uma ideia mais completa dessas prisões numa ida a Campina Grande. Vou a Campina

Grande, encontro uma companheira que tinha sido sequestrada, tinha vindo pro DOI

CODI do Recife, e ela então me dá um quadro descritivo das pessoas que, quando ela

esteve lá, estavam presas no DOI CODI: eram mais de 30 pessoas, mas dão a extensão

do tamanho das prisões daquela época. Eu saio de Juazeiro, com essas prisões não dá

pra ficar na cidade, tive que sair. Pra sair, não podia deixar rastros. Por acaso, quando

nós nos instalamos lá nessa casa em Juazeiro, uma vizinha nos propôs, era só eu e

Nevinha, trocar a casa que nós morávamos pela casa de uma sobrinha dela, que era

relativamente perto. A casa que nós alugamos, era uma casa grande, com dois quartos,

sala, etc., etc. e a sobrinha dela era casada e tinha dois filhos. A casa era menor. Ela

disse: “Não, mas a casa é melhor, mais arrumada e aí, a gente faz a troca e a minha

sobrinha vem morar aqui vizinha comigo”. Dona Alcira, era uma senhora lá de outra

cidade do Ceará. Bom, não dava para fazer esse negócio, por que tinha que contar uma

história que eu tinha chegado, mas que vinham outros parentes meus, etc., etc. pra não

ter dificuldade. Quando nós tivemos que sair, tomamos a decisão de ir embora, eu não

queria deixar rastro e não podia ir atrás do dono da casa que eu não sabia exatamente

quem era, porque foi com intermediário. Aí propus então a dona Alcira, eu disse: “Olha

dona Alcira, por alguma razão eu não vou poder ficar aqui agora, a senhora quer botar

a sua sobrinha aqui. Essa casa está com um ano de aluguel pago, eu só fiquei aqui dois

meses, a senhora põe sua sobrinha aqui”. Ela disse: “Mas eu não posso pagar isso ao

senhor agora”. - “Não tem problema, eu volto aqui e a gente se acerta.” E nessa, tirei o

essencial e vendi, entre aspas, todos os móveis que nós tínhamos: cama, mesa, fogão.

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Porquê? Para não deixar rastro. E vendi fiado, ou seja, vendi, entre aspas, mesmo. Eu

estava sabendo que estava dando, mas não podia dizer que estava, então “vendi”, pra

receber depois. Só voltamos a Juazeiro 40 anos depois. Não sei como esse problema se

desenvolveu. Bom, saí de Juazeiro, nós fomos pra... Tentamos nos instalar em Petrolina,

estava dentro da área de ação política nossa e resolvemos ir pra Petrolina, uma cidade

maior, uma cidade grande e, portanto, fomos à Petrolina e a atividade era vender

confecções. Petrolina tinha uma feira pública que, provavelmente, hoje não exista mais

daquela forma. Uma feira grande, dividida em várias áreas, você tinha a feira de

verdura, a feira de frutas, a feira de carne, a área de carne, e tinha a área de confecções;

as barracas que vendiam confecções. No começo de junho a feira abre numa segunda

feira. Nós chegamos na primeira barraca, uma barraca bem grande, assim com bastante

confecções, paramos e oferecemos a mulher que nós estávamos trazendo umas

confecções muito bonitas de Fortaleza. Com a mala fechada, ela não deixou que a gente

abrisse a mala. Ela disse: “Hoje faz uma semana, que foi preso aqui, nessa barraca, um

senhor chamado Luiz, muito alto, um homem muito educado, uma pessoa muito boa e

ele foi preso exatamente aqui. E ao ser preso ele disse que não era bandido, que ele era

um homem direito, que ele era um homem trabalhador. As pessoas saíram e defesa

dele, mas ele foi algemado e colocado numa veraneio. Num carro grande e a polícia

saiu com ele da feira”. Ela disse, tem umas confecções dele que ficaram aqui. Eu vou

procurar a mulher dele pra entregar. A gente se olhou, atravessamos a feira, chegamos

do outro lado da rua e dissemos: aqui não dá pra gente ficar. Fazia uma semana que o

Rui havia sido preso. Então tomamos um outro caminho. Examinamos então e

resolvemos mudar pra Feira de Santana, ficamos numa área mais distante. Aí nos

mudamos pra Feira, nos instalamos em Feira em condições bem mais desarrumadas, e

ficamos em feiras e fazendo as viagens pelos estados, contatando companheiros,

tentando levantar o conjunto das informações e que caminho dar a nossa atividade

política. Nessa quadra... Então era isso a atividade. Então eu venho a Recife, eu tenho

um encontro, eu tenho um encontro marcado aqui em Recife no dia 30 de setembro,

aqui no começo da Av. Caxangá, com um militante nosso que morava em Alagoas, um

militante médico. Nós tínhamos recebido no final de semana lá em Feira, nós

distribuíamos confecções para outras pessoas revenderem e naquele final de semana nós

recebemos um pagamento e parte do pagamento veio em cheque. E eu tinha que sair de

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lá no domingo, pra estar aqui na segunda feira de manhã. Então, eu saí de Feira, a

companheira Nevinha ficou, pra na segunda feira descontar os cheques e chegar aqui na

terça, porque nós, além de fazer atividade política, íamos fazer novas compras, porque

era assim que a atividade se desenvolvia. Eu vou a Recife e chego aqui na madrugada

da segunda feira. Me hospedo aqui na rua da Concórdia, numa hospedaria que eu já

tinha hospedado outras vezes. Aí, saio pela manhã, vou até a Caxangá, onde eu tinha um

encontro, o companheiro não aparece e eu só tinha a alternativa de vinte e quatro horas

depois. Estava com a manhã livre, Nevinha só chegaria no dia seguinte de manhã. Não

só a manhã, eu estava com o resto do dia livre e resolvi tomar um ônibus na Caxangá e

ir até Camaragibe. O companheiro, o pastor Fred Morris era, na época, gerente de uma

fábrica de blocos e de tubos de concreto ali em Camaragibe, quando você passa o trevo

que vai para o centro de Camaragibe, antes de subir para Aldeia. Então ali tinha um

terreno grande, tinha uma fábrica de blocos de concreto, essa fábrica era cercada de

arame, portanto, de longe, você dava pra ver o movimento da fábrica, fora da fábrica.

Eu tomei um ônibus e fui até ali pra ver se Fred estaria na fábrica, eu conhecia o carro

dele. Desci uma parada antes, tinha saído bem cedo da hospedaria e numa barraca

estava tomando um café, pra me dirigir até a fábrica observar se o carro dele estava ali.

Quando eu estou tomando café, eis que Fred vai passando no sentido contrário, vindo da

fábrica, me vê, buzina, eu entro no carro com ele, fazia tempo que a gente não se

encontrava e aí a gente foi atualizando informações, não é? Nós tínhamos relações

políticas estreitas já de muito tempo, e era um companheiro que mobilizava muitos

apoios e fomos conversando. Ele disse que estava indo pra cidade, pra mim também

valia, eu também ia pra cidade. Quando chegamos ali na altura da Torre ele disse, “Olha

Lula”, era assim que ele me conhecia, “eu vou passar em casa pra dar dois telefonemas

pra pedir matéria prima, porque o telefone da fábrica está quebrado”. Ele morava

nessa época no Espinheiro, na Rua Vicente Meira, um prediozinho de três andares e ali

nós entramos, paramos no prédio, subimos, ele deu uns telefonemas, e dona Cristina,

que trabalhava com ele, perguntou se queria que fizesse um café, ele disse: “Não, não

dá tempo, nós estamos saindo”. Quando nós saímos, não ficamos mais do que 10

minutos nesse apartamento, na saída... Esse prédio, a entrada dele era lateral, você saia

lateralmente e vinha até a rua; quando nós saímos do prédio, passou por nós, dois

homens, duas figuras, e quando a gente para no carro, eu fico do lado do carona e ele

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vai abrir o carro, nisso para uma veraneio, desce um monte de homens armados de

metralhadora de grosso calibre e esses que estavam andando voltaram também. Ou seja,

aí “Mãos ao alto!” e nós fomos algemados, encapuzados e jogados naquela veraneio. Aí

os caras fazem uma comunicação: “A operação foi um sucesso! Abram os portões

porque estaremos chegando em pouco tempo”. Isso de fato ocorreu. Então o meu

sequestro se dá na manhã de 30 de setembro de 74, nessas condições, e somos, portanto,

levados pra sede do DOI CODI ali perto do Hospital do Exército; as instalações hoje já

não existem mais. Ao chegar no DOI CODI, tive a roupa tirada, fiquei só de cueca e

inicia-se sessões de torturas. Lá as primeiras perguntas eram: “Quem é você?” - “Eu sou

Luiz Soares Lima”, era o documento que eu tinha no bolso, eu tinha a identidade de

Luiz Soares Lima. “Quem é você”? - “Sou Luiz Soares Lima”. - “Quem é você?” – “Sou

Luiz Soares Lima”, e depois eles passaram a dizer claramente: “Você é Alanir Cardoso,

dirigente do PCdoB aqui na região e nós queremos saber, onde você mora, os contatos

e como chegar à direção do partido”. Então as torturas... Aí essas torturas começam

com o pau de arara, afogamento, pancada de todo tipo; isso, eu sou torturado por dois

dias consecutivos, direto. Completamente direto, de manhã, de tarde, de noite; já estava

muito alquebrado de tanta pancada e no segundo dia, eles passam a torturar Fred no

mesmo local que eu estava. Ele devia estar sendo torturado em outro lugar e passaram a

torturar no mesmo lugar que eu estava. E, eu encapuzado, seguramente ele também

estava, e ele disse: “Luiz, estão me torturando pra querer saber onde você mora e eu

não sei onde você mora. E estão dizendo que você tem uma chave no bolso. E de onde é

essa chave? E, portanto, estão dizendo isso...”, etc. etc. Eu que até então sustentava o

nome de Luiz Soares Lima, ao fazer essa acareação com Fred, resolvi, portanto, assumir

meu nome. E dar uma saída porque, na verdade, ele estava preso com Alanir Cardoso e

ele não sabia quem era Alanir Cardoso. E a gente se conheceu, tivemos relação durante

um tempo longo. Aí eu assumi e disse: “Fred, você me conhece como Luiz, mas na

verdade, eu não sou Luiz, eu sou Alanir Cardoso, um estudante perseguido e passei a

usar esse outro nome para evitar ser preso, mas infelizmente isso terminou ocorrendo e

você também está nessa circunstância; se você sair daqui, pode dizer que você foi preso

com Alanir Cardoso, um estudante perseguido”. O torturador que era o major Augusto

Fernandes Maia, ele percebeu o que eu fiz e ele ficou enfurecido. Além de me bater

muito, assim, muita pancada, ainda... (alguém faz uma pergunta inaudível) É Augusto

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Fernandes Maia, o major; era o chefe do DOI CODI. Maia, Augusto Fernandes Maia.

Era o chefe do DOI CODI. Então ele percebeu o que eu fiz. E ele ficou exasperado:

“Filho da puta, está fazendo proselitismo”, etc., etc., ele percebeu exatamente o que eu

fiz naquele momento, que foi assumir a minha identidade e ainda disse, “Essa chave que

eles estão falando é da hospedaria da Rua da Concórdia onde eu estou hospedado”.

Não tinha nenhum perigo de um encontro com Nevinha, que era um encontro de rua.

Ela nem sabia que ninguém tinha se hospedado naquele lugar. Esse processo de tortura

era um processo contínuo, prolongado no tempo, repetido nas formas, dessa natureza

era levada a outra. Depois de um tempo de pau de arara, de afogamento, pendurado em

argolas eu sou colocado na cadeira do dragão. Já não tinha mais forças físicas pra...

Então passaram a me botar na cadeira do dragão. Você fica sentado numa cadeira,

abrem os braços e as pernas e, aí, choque elétrico. Sessões prolongadas, muito

prolongadas. No terceiro dia me levaram, me botaram num banheiro, abriram o

chuveiro, eu ali, tomei um banho, me deram um pedaço de pão seco e me botaram numa

cela, vestiram uma máscara, em seguida voltam as torturas de novo. Durante um tempo,

quando eu não estava na sala de tortura, que ia pra cela ou que passava pro banheiro, eu

sempre cantarolava algum tipo de música pra dar sinal que eu estava vivo e estava bem.

E Fred respondia, citando os salmos, recitava salmos, salmos positivos, salmos de

quem está bem, apesar do emocional, apesar das torturas ali que ele também devia estar

passando. Depois de um tempo na cela eu repetia o gesto de fazer esses cânticos, não

tinha voz. Às vezes eu cantava: “Se entrega Corisco! Eu não me entrego, não, eu não

sou passarinho pra viver lá na prisão...” etc. E não tinha resposta. E passei a ver que

todas as celas do DOI CODI estavam de portas abertas, a não ser a que eu ficava e tinha

entendido que Fred, daquele dia em diante, desapareceu de lá de dentro. Bom, um belo

dia, um belo dia nada, não há belo dia num lugar desses, não é? Um dia apareceu um

interrogador dizendo que tinha vindo de longe e que eu era muito difícil, era cabeça

dura e que ele tinha vindo de muito longe pra me derrubar. Eu sabia que ele não ia me

derrubar. Não aconteceu nada que não acontecia com os outros interrogadores. E ele

disse: “Como você é cabeça dura, você vai fazer uma viagem que não tem retorno”. E

desapareceu essa figura, essa voz eu não ouvi mais por ali. Certo dia um carcereiro

chamado Vandek... Valdeck, tinham 3 carcereiros que ficavam de plantão

ininterruptamente: Valdeck, Peres e Jair. E esse Valdeck um dia chegou, abriu a

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portinha, a grade era fechada por fora, tinha uma portinhola na altura dos olhos, ele

abriu e disse: “Olha, eu vou botar um jornal aí dentro, você vê e me devolva

rapidamente porque eu posso ser punido”. E me passou por baixo da porta um Jornal

do Comercio. No Jornal do Comercio a manchete era a seguinte: “Pastor americano

preso com terrorista é expulso do Brasil”. E aí tinha uma matéria dizendo que o pastor

Fred Morris, foi preso com o terrorista Alanir Cardoso etc etc, foi expulso do Brasil por

decreto assinado pelo ministro de Geisel, Antônio Falcão, o ministro da Justiça. Aí

quando eu leio aquela matéria, digo, “Ôpa!” Até então, a minha avaliação pessoal era de

que eu morreria, que eu seria assassinado. Naquele quadro de tortura, não enxergava

outra saída. Muita gente tinha sido assassinada e eu não seria o primeiro, evidentemente.

Com aquela notícia a situação já não é a mesma. Porque me deram uma informação

absolutamente importante e seguramente não deram essa informação de graça. (trecho

com áudio incompreensível) Tanto assim que dois dias depois eu embarco pra Brasília.

Me tiram da cela, me vestem a roupa, fazem pressão para que eu assine um documento

dizendo que eu estava recebendo as minhas coisas. Eu nunca assinei nada, nunca dei

depoimento e disseram: “Não, mas outro que vai sair já assinou o documento dele”, e

falava de uma pessoa que se chamava Manoel Severino Ramos. Bom, fui pro

aeroporto, me transportaram até o aeroporto, me embarcaram numa aeronave,

algemado, encapuzado. Eu queria saber pra onde eu estava indo, protestando, xingando,

não é? Com aquela informação e, portanto, essa avaliação que de minha parte ali tinha

um custo político maior. E esse avião levanta voo e a uma certa altura, na aeronave, o

capitão que estava pilotando a aeronave chamou o rádio e perguntava “Alô, Barreiras?

Barreiras, alô Barreiras?”. Bom, responderam lá e tal, então teríamos saído de Recife

pra Barreiras e de lá seguido pra Brasília, é a rota. Pra completar, Barreiras era uma

cidade que eu tinha adotado como a minha cidade natal para Luiz Soares Lima, eu era

Luiz Soares Lima, nascido em Barreiras, na Bahia, e que era próximo da região que eu

tinha nascido em outro Estado, mas que eu conhecia e com alguma dificuldade menor

eu teria uma saída. A realidade era outra. Bom, chegando, aterrissa, e passei horas

dentro dessa aeronave, dentro do avião. Eu sou retirado já à noite e sou levado pra um

quartel. Quando chego no quartel me entregam e aí o cara tira o capuz. Era um cabo do

Exército, tinha uma insígnia de cabo, conheci pela lapela. Aí ele olhou e disse: “Seu

nome?” Eu disse: “Alanir Cardoso”. – “E seu nome falso?” Eu disse: “Eu não tenho

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nome falso”. – “E seu nome de guerra?” - “Eu não tenho nome de guerra! Guerra é o

que vocês estão fazendo contra mim. Eu estou sequestrado e torturado, eu não sei onde

estou. Então guerra é essa! E você, qual é o seu nome? Porque não tá aí na lapela,

você é cabo, eu sei, mas qual é o seu nome?” Ele olhou assim e disse: “Você quer saber

o que?” “Eu quero saber onde eu estou”. Ele disse: “Você sabe onde está?” Eu disse:

“Sei. Eu estou em Brasília”. Ele disse: “Não. Você está no Rio de Janeiro”. Digo:

“Nada, eu estou em Brasília”. Em seguida eu perguntei a ele: “Você sabe quem ganhou

a eleição do senado em Pernambuco?” Esse cara ficou uma arara. Isso era 20 de

novembro, a eleição tinha ocorrido antes. Aí quando eu perguntei a ele, aí ele

respondeu: “Você quer saber por quê?” Eu digo: “Por nada.” - “Você quer saber

demais...” e etc. e etc. Ai me encapuzou de novo, e me levam por uma sala, um corredor

e tal e terminam me botando numa cela e tiram o capuz, tiram as algemas, eu estou

numa cela fechada, com uma outra cela na frente e um corredor mais adiante. Quando

tiram o capuz naquela cela, eu digo, bom, pelo menos para onde estão me levando nesse

momento está melhor. Uma cama forrada, um banheiro com chuveiro dentro da cela,

cela forrada, direitinho, e aquela mala, uma maleta que eu tinha, que estava na

hospedaria, estava ali do lado. A essa altura eu estava vestindo uma cueca a cerca de 50

dias. Seguramente; só estava de cueca, era só aquela. Eu tomava banho aqui de vez em

quando e só com sabão amarelo, nunca escovei os dentes nesse período. Aí quando eu

vejo aquele cenário, com alguma dificuldade, aí eu peguei aquela mala. Eu tinha dentro

da mala, sabonete, escova de dente, pasta, roupa limpa e, (incompreensível). Peguei ali

a pasta, escovei os dentes então tomei um banho com sabonete, etc., vesti uma cueca

limpa, uma bermuda e uma camiseta. Depois de um tempo, bati na cama e dormi. Essa

era uma forma de recuperar energia. Quando eu não estava numa sala de tortura, eles

me botavam numa cela e a providência era dormir. Então podia ali dormir, me acordo

de madrugada ali, num clarão, uma janela, era redonda, no alto da cela, acordo e finco

um pé na cama, e finco pé na pia, que era do lado da cama e alcanço aquela janela. Só

que o policial, o soldado de plantão de fora, “Desça dai!” Eu disse: “Desço nada”. Aí

alcancei aquela janela e vi que era um pátio aberto de um quartel. Aí ele chamou um

outro cara e tal e veio, aí eu disse que já tinha visto o que queria. Bom, mais tarde me

trouxeram o café, me trouxeram almoço, numa bandeja militar. A noite não veio

comida, eu digo, bom, vai começar tudo de novo. Porque não veio o jantar, então vai

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começar tudo de novo. Não deu outra. Lá pras 10 da noite, esse mesmo cabo vem com

um soldado, pede pra eu tirar a bermuda e botar a calça: “Eu não vou tirar, pra quê?” –

“Tira! Tira!” Eu: “Não, não tiro”, ficou naquilo, tira, não tira, pa, pa, pa, etc., mas aí ele

me algema com a mão pra trás, tira a bermuda põe a calça que eu estava vestido, me põe

o sapato, me encapuza e eu saio dali, com aquela camiseta. Saí dali, me tiram corredor a

fora, me entregam numa veraneio a um pessoal e me mandam numa veraneio, deitado

atrás, (trecho inaudível). Aquele carro começa rodar no asfalto, rodou no asfalto, rodou

no asfalto, muito tempo depois vai pra uma estrada de terra. Rodou bastante na estrada

de terra, muito tempo numa estrada de terra. A essa altura parou e ao parar, eles abriram

a parte traseira dessa veraneio e começaram a fazer cair lentamente umas correntes. Era

a queda de umas correntes, lentamente caindo, propositadamente, caindo de uma

maneira lenta. As correntes caem depois ouço vozes, eles tinham descido do carro, ouço

vozes e um cara diz pro outro: “Olhe, trouxe aqui aquele presente que te prometi”. –

“Ah! Aquele de Recife?” - “Esse mesmo. Tá aqui, agora é seu”. Em seguida os caras me

tiram da veraneio. Ao me tirar, um dos que praticavam esse ato, reclamou que eu tinha

quebrado o relógio dele. “Eita poxa, ele quebrou o meu relógio!” E aí me jogou no

chão, saiu me arrastando, foi me chutando e terminaram me levando e botando sentado,

ainda encapuzado, sentado no chão num colchonete de palha, sei lá, aí tiraram o capuz;

era um cara moreno forte e o outro era um moreno magrinho, mais novo. Aí me tiraram

a roupa, prenderam minhas pernas, acoplam a uma catraca, tiraram a camiseta, voltaram

a botar as algemas pra trás e tinha uma luz acesa e um barulho de motor, um motor

diesel funcionando próximo; era num ponto baixo. Isso era novembro de 74, era a

primeira chuva daquela região de Brasília e Goiás. E daqui a pouco se formou uma

nuvem de inseto em torno da luz. Então alguém apagou a luz e aqueles insetos que

estavam exatamente de baixo da luz, caíram todos em cima de mim e ficaram ali; eu

com a mão algemada para trás, só fechava os olhos pra os insetos não entrarem. Depois

de um tempo voltaram botaram meu braço pra cima, já tinham acendido a luz, apagaram

de novo. Assim quando fizeram isso cai no sono. (...?...) Eu acordei com rajadas de tiro

passando por cima daquele casebre, daquele ponto baixo. Mas eram tiros de vários

calibres, como se fosse muita gente dando rajadas de tiro. Acordei assim. Eu disse

“Ôpa, o negócio aqui tá mais complicado”. Depois de um tempo, aqueles dois que eu

tinha visto, esse moreno e esse mais magro abriram a porta, entraram, me encapuzaram

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de novo, passaram as algemas pra trás, tiraram a catraca das pernas e me tiraram dali pra

fora. Andaram comigo assim (...?...) uns 50 metros e me deitaram no chão. Levantaram

meu capuz e tinha um buraco na minha frente. Aí um deles diz: “Olha, é aqui que você

vai ser enterrado”. Em seguida me botaram um capuz de novo e me fizeram subir

alguns degraus de uma escada, e me postaram sentado no chão da mesma forma, com

as pernas atracadas, algemado com as mãos pra trás e com capuz; só de cueca. Depois

de um tempo, passou a serem ouvidas algumas vozes... Uma voz. Aí diz, “Oi, está

reconhecendo a minha voz?” Eu digo: “Não!” – “Se lembra que eu estive no Recife e

lhe disse que você ia fazer uma viagem e essa viagem não tinha retorno? A viagem é

essa!” E fez muitas provocações, inclusive, digamos assim, subestimando, um pouco,

tirando um tipo de onda com os torturadores do Recife: “Ah, aqui não é aquela moleza

do Recife, não. Aqui você vai ver o que é tortura científica. Aqui, a nossa; aplicamos

tortura científica e lhe digo mais, você sabe, você não é uma pessoa qualquer. Os

jornais de Recife, hoje, publicam a matéria que você evadiu-se. Você sabe o que isso

significa. Portanto, para todos os efeitos você fugiu e nós temos aqui todo o tempo do

mundo para lhe arrancar as informações que você tem e que nós precisamos tê-las.

Não tenho nada de pessoal contra você”. Aí me tirou o capuz, (...?...). Era um quarto

grande com várias correntes penduradas no teto. Um beliche de ferro, de aço, colocado

no meio, dois cavaletes, cano de ferro, duas maquininhas de choque, um negócio desses

de pendurar soro, de ferro, e cinco pessoas na minha frente, sentados em tamboretes de

madeira razoavelmente altos. E ao tirar o capuz, continua a conversa daquele do meio,

que é esse cara que eu disse que tinha vindo aqui e que eu tinha feito a viagem, etc. Aí,

passei a encarar cada um deles e eles baixavam o olho, e ele continuava a pregação dele:

“Você está aqui num aparelho do MAC. Esse aqui é um aparelho do MAC, Movimento

Anti Comunista. Nós funcionamos do mesmo jeito que vocês funcionam. Nós temos as

nossas organizações, isso aqui é um aparelho nosso. Aqui a tortura é científica, nós

temos todo tempo do mundo e você não vai sair daqui com vida. Nós não permitiríamos

que você nos visse, se nós não tivéssemos a certeza de que você não vai ter a

possibilidade de nos ver de novo. E vai pro cheque, vai pro pau de arara”. Diferente

daqui, eu ia pro pau de arara com algemas, eles enrolavam tiras de pano nos punhos,

muito difícil de cortar, enrolavam tiras no pano, amarravam com uma corda de linha

(...?...) Além do choque, uma garrafa pet com água, como se fosse um soro, você no

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pau de arara, fica de a cabeça pra baixo e aquilo fica encostado justamente na altura da

narina e o pingo de água no nariz, então, além do choque você ia recebendo pingo de

água no nariz até perder o fôlego. Aí tortura, tortura, um tempo grande, manda retirar,

aí, o cara vem e, desses cinco, aparece um médico. O cara veio, me auscultou, mandou

dar massagem nos braços, pra voltar de novo pro pau de arara. Isso começa bem cedo e

vai até o meio da tarde, lá pras quatro horas da tarde. Com essa fuga, meu diálogo com

os torturadores e com aquela informação que eu tinha ao me mostrarem aquilo da

expulsão de Fred, eu fazia leitura de que aquilo era quase que um ato de desespero do

lado deles. Parecia isso. Então eu me comportava dessa maneira. Eles diziam: “Você vai

morrer, você não vai sair daqui”. Eu dizia: “Vocês têm todo o poder de me matar, mas

quem vai acabar é o regime de vocês, quem não vai perdurar é o regime de vocês.

Vocês são fracos. Vocês são poderosos dessa maneira, dessa forma, mas o regime de

vocês é fraco, ele vai desaparecer e vocês todos vão acabar com ele”. Então por isso,

os caras iam... Aparentavam tranquilidade, mas revelavam um nervosismo porque eles

queriam a todo custo arrancar algum tipo de informação. A todo custo. Como eu

resistia, então era choque elétrico, choque elétrico, choque elétrico, desaforo,

xingamento, do tipo “vai morrer”, etc. No meio da tarde, ele suspende a sessão de

tortura. Esse cara que ficava no meio dos cinco, disse: “Eu vou sair agora, pra fazer os

meus contatos, mas você não vai descansar não. Tem uma turma, eu vou sair com esses

daqui, mas tem uma turma que vai me substituir”. Cinco minutos depois entraram mais

quatro diferentes, fora aqueles dois que manipulavam o pau de arara e as máquinas de

choque e permanecendo o médico. Havia o médico e mais quatro deles... O negócio

estava se complicando, por que a essa altura eu já tinha visto dois, mais cinco, e aí

chegaram mais quatro novos. E isso toca até a noite. Então eles pararam de me torturar,

me deram um pequeno prato de comida e me levaram de volta pra aquele lugar onde eu

estava amarrado e algemado no chão. No dia seguinte de novo volta aquela primeira

equipe do primeiro dia de manhã. Aí vai também até o meio da tarde, quatro, e é

substituído pela terceira equipe. Então ali em Brasília, eu terminei conhecendo, 12, 13,

15 pessoas. Era uma tentativa de dizer, “olha, não vai sair mesmo. Conhecendo tanta

gente”. Mas isso não me impressionava, pelo contrário, quanto mais gente aparecia,

mais eu me convencia de que aquilo não era a batalha de quem ia pra morte, aquilo ali

era a batalha para sair daquela situação. Aí, dois dias seguidos nessas circunstâncias. No

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dia seguinte, fiquei lá o dia todo, me deram o café de manhã e a noite me levaram de

volta para o quartel. Ao me entregarem no quartel eles disseram: “Amanhã a noite, nós

viremos buscar o outro”. Como tinha vindo... Na minha ideia, a pessoa que estava

comigo, que tinha vindo na aeronave comigo pra Brasília, que tinha ido pra Brasília, na

minha cabeça não existia. Eu fiz o protesto e a pessoa não se manifestava. Bom, por via

das dúvidas ao chegar na minha cela, eu reúno as forças que eram possíveis e grito

muito alto, naquilo que fosse possível gritar: “Atenção Manoel Severino Ramos, se você

existe e está aqui, e veio de Recife, no avião com outro preso, se prepare porque

amanhã eles virão lhe tirar daqui e lhe levar pro meio do mato e lhe torturar muito”.

Bom, eu não tive resposta. Eu voltei pra aquele local, comecei a me arrastar pelo chão

devagarzinho. Aquela minha camiseta limpa que eu tinha usado, estava toda melada de

barro e rasgada. Aí me entregaram outra e tal. Aí eu me molhei, comi, não tomei banho

nem nada e vou dormir. Sei lá o que é que vai acontecer depois? Então fui pra cama,

dormi e no dia seguinte de manhã me trouxeram o café e passaram a ter uma

preocupação pra eu tomar banho. O soldado, o cabo também: “Vai tomar banho! O

chuveiro tá ali. Como é que você fica com essa roupa suja? Toma banho, rapaz!” – “Eu

não, vou ser torturado de novo!” – “Rapaz, vai tomar banho!” - “Vou nada!” E passou

o dia inteiro e os caras com essa conversa, querendo me convencer a tomar banho.

Aquilo me dizia pra não tomar, um sexto sentido, o cara prisioneiro e já há um tempo lá,

você vai desenvolvendo um certo sentido e eu estava profundamente lúcido. Eles

tentaram nesse processo de tortura, tentaram me fazer confundir o dia com a noite.

Então ficava tudo ou escuro ou então a luz ficava acesa na cela a noite inteira pra tentar

confundir dia e noite. Eu nunca perdi essa ideia de dia e noite ou os dias que iam

passando. Eu nunca perdi. Eu tinha noção exata de cada dia que atravessava. Então

fiquei ali, insistiram muito e eu não tomei banho. Comi e tal, mas não tomei. No dia

seguinte a mesma coisa; não tomei banho. Tomei café de manhã, mas eu sentia um certo

nervosismo. Passavam militares pelo corredor. E quem passava, olhava sempre pras

celas. Eu plantado ali na grade. Eu via que tinha um movimento, pessoas limpando o

corredor como se estivesse passando pano. Eu disse, há alguma coisa de movimento

aqui. Na hora do almoço trouxeram uma bandeja farta. Uma bandeja farta de comida.

Muita comida, aí eu peguei a bandeja e botei do lado interno da cela, em cima de um

bloco de cimento. “Rapaz, não vai comer?” Eu digo: “Vou não. Não estou com fome

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agora, não”. – “Não, mas daqui a pouco a gente vai recolher”. – “Se você for recolher,

pode recolher, mas eu não estou com fome.” Eu estava com o pressentimento de que

alguma coisa ocorreria ou estava pra ocorrer. Aí aquela insistência tal, eu não estava

comendo nada e tal. Certa hora eles param. E entram no corredor para a parte das celas,

essa parte de fora. Para um oficial, um coronel com roupas de campanha. O coronel

Buglia e outros oficiais com roupas não de campanha, mas sem nome e um cidadão de

terno e gravata. Cabelo bem penteado, de óculos, quando param, eu vou pra cima do

coronel: “Coronel, eu quero saber por que eu estou sequestrado há 55 dias. Fui

sequestrado em Recife com o pastor norte americano Fred Morris, estou torturado esse

tempo todo, não sei por quem, que órgão, quem responde por isso, já que você

apareceu aqui e é coronel, eu quero saber pelo senhor.” Ele tomou um susto, outros

ficaram meio tensos. Ele disse: “Mas aqui você não foi torturado!’ Eu disse: “Mas eu

saí daqui, olha aqui a roupa rasgada, suja de barro, saí daqui pra ser torturado fora e

voltei pra cá. Você tem toda autoridade sobre os que estão torturando, e eu quero saber

que quartel é esse, quem foi que me torturou...” etc., etc. Isso num confronto bastante

rápido, eles rapidamente saíram e saíram de porta afora pelo corredor. Eu fiquei então

protestando, xingando o regime de tortura, regime fascista, regime contra o povo, vocês

vão se acabar etc., etc. Bom, passado esse episódio, peguei aquela comida, comi, tomei

banho, troquei de roupa. Agora já tá ficando melhor, agora tem coronel na história. Mais

tarde o alto falante daquele quartel anunciou: “Esteve em visita hoje ao nosso quartel o

senador Eurico Rezende, líder da ARENA no Senado”. Era o senador Eurico Rezende,

do Espírito Santo, que depois virou governador biônico daquele Estado. Por que o

senador Eurico Rezende passou naquele quartel naquele dia, justo na cela que eu estava

preso? (trecho inaudível) possivelmente, isso só pode ser visto na conjuntura política e

por outros elementos. Eu queria aqui fazer um esforço, eu sei que todo mundo está

cansado já... (inaudível) Certo! Certo! Só pra dizer que isso são informações que eu só

vim a ter depois. (inaudível) ... Quando eu estive em Itamaracá eu recebi, na Revista

Time, uma matéria de capa de 5 páginas. E tive outras informações depois, muito

depois, inclusive quando sai da cadeia. É que houve uma movimentação da diplomacia

americana, nesse episódio da prisão de Fred muito grande. Tinha mudado o embaixador

americano no Brasil. Tinha acabado de assumir a Embaixada Americana no Brasil um,

um embaixador chamado Crimmins, e a primeira viagem que ele fez saindo de Brasília

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foi pra Recife. E teve uma recepção do Consulado Americano aqui no Recife. E Fred

tinha relações com o consulado. Foi convidado pra essa recepção. Esteve na recepção, e

isso eu só soube muito tempo depois quando eu me encontrei com Fred, e ele foi

apresentado ao embaixador. E o embaixador fez muitas perguntas a ele sobre o Nordeste

sobre a realidade daqui e ele falou da miséria, falou da repressão, falou de muitas coisas.

O embaixador não dialogou com nenhuma questão que ele colocou. Mas quando ele foi

sair da festa, foi embora, foi se despedir do embaixador. Ao se despedir o embaixador

disse pra ele, “Gostei muito da nossa conversa”. Ele saiu e ficou impressionado. Puxa,

tinha falado coisas… e o cara disse, “Eu gostei muito da nossa conversa”. Outro

elemento, Fred, o pai de Fred é pastor da Igreja Metodista Americana. E mais, era como

se fosse, na época, Dom Evaristo Arns da igreja brasileira... Do Brasil. Esse era o pai de

Fred nos Estados Unidos. Então isso teve repercussão. Fred foi entrevistado em duas

emissoras de televisão dos Estados Unidos, mais ouvidas em horário nobre da televisão,

como se fosse o Jornal Nacional aqui, a NBC e ABC. A Embaixada do Brasil pediu

direito de resposta a essas emissoras de televisão americanas. A NBC, a NBC disse à

embaixada: “Nós lhe daremos, damos, o mesmo tempo que Fred teve na televisão para

o governo brasileiro responder, se defender, mas nós imporemos uma condição: que

um repórter da NBC vá ao Brasil e ouça 4 pessoas. Entreviste 4 pessoas”. Quem eram

as 4 pessoas? O coronel Armando Meziat, chefe da 2° seção; major Augusto, chefe do

DOI CODI; Luiz Miranda, outro torturador, e Alanir Cardoso, que estava preso. Nunca

mais que a Embaixada Brasileira tratou desse assunto. Eu sei que o assunto morreu.

Bom...

NADJA BRAYNER - Essa entrevista que ele deu (inaudível)

ALANIR CARDOSO - Eles negociaram com a revista Time, saiu essa matéria e ainda

mais, ele fez conferências em várias universidades americanas relatando as torturas dele

e pedindo para as pessoas fazerem cartas para a embaixada brasileira falando sobre a

minha vida. Então existiu um movimento nos Estados Unidos, em defesa da minha vida,

que eu não tinha acesso e essas coisas repercutiram. E além do mais, naquela época,

pela primeira vez na história da relação diplomática dos Estados Unidos com o Brasil, a

Embaixada Americana emite uma nota e deu antes a imprensa, antes de entregar ao

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Itamaraty. Isso pela primeira vez ocorreu nesse episódio do sequestro e tortura de Fred

Morris aqui em Pernambuco. Então tiveram esse gradiente todo pelo meio. Então isso...

PLATÉIA - (Pergunta inaudível)

ALANIR CARDOSO - Seguramente! Eu tenho noção disso. Que se não tivessem eles

cometido o erro de me sequestrar junto com Fred, dificilmente eu estaria aqui hoje

relatando essa história, vivo. Acho que isso me valeu ou isso foi o que salvou a minha

vida. Pra encerrar, porque já temos 10 perguntas. Bom, nisso eu volto pra Recife, num

avião, e esse avião faz um pouso em Petrolina. Ao pousar em Petrolina eu, encapuzado

e algemado, eu disse, quando o avião taxiou, pousou, eu disse: “Eu vou urinar aqui. Eu

to com a bexiga cheia”. Aí o cara diz, “Não! Espera aí.” E eu digo: “Não, o senhor tem

que me levar pra o banheiro”. Aí eles me tiraram da cadeira, me tiraram pra entrar no

banheiro que era uma área pequena. Quando ele fez isso, eu com as mãos livres, eu tirei

o capuz e vi as figuras que estavam na aeronave: Um... Um deles, esse que estava me

empurrando era um daqueles oficiais que passaram ali em frente a cela e tinha, de fato,

outra pessoa dentro da aeronave, com uma venda, um óculos escuro grande no rosto e

algemado. Era uma pessoa de cara redonda, etc., etc., etc. Esse companheiro, de fato,

era um companheiro militante nosso, Manoel Severino Ramos, chamado Jerônimo,

tinha feito curso na China e ao chegar aqui ele saiu do DOI CODI e foi pra Itamaracá e

lá encontrou com o companheiro Luciano Siqueira. E relatou pra ele esse episódio, que

tinha viajado no avião, que tinha outro companheiro que protestava muito e ele não se

manifestou porque ele tinha contado uma história que... os caras o prenderam e

perguntaram se ele tinha ido a China e ele disse que tinha ido e que tinha muitas

informações e que tinha ido a China sim. E que quando chegou na China, é ele foi pra lá

e fez um curso, mas ele disse o seguinte, que quando ele chegou na China os chineses

disseram, intelectual pra lá e camponês pra cá e de camponês só tinha ele. Só que não

era verdade, Manoel da Conceição foi nessa turma e não teve essa separação. E como

ele contou essa história, como ele não sabia falar espanhol, colocaram ele primeiro pra

aprender espanhol. Quando terminou de aprender espanhol, terminou o curso. Então ele

não fez o curso. Então ele contou uma história, que ele não podia se manifestar. Mas

esse companheiro é um cara extraordinário, tanto que quando ele foi solto, ele foi pra

Bahia e se tornou presidente do sindicato dos trabalhadores rurais de Itabuna; e foi o

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reorganizador da FETAG da Bahia. Morreu a uns 3 anos atrás. Um cara extraordinário.

É daqui de Água Preta. Militante muito valorizado, companheiro de muita capacidade.

Bom, volto pra cá, chegando aqui, voltei pra sala de tortura, com ameaças. Muitas

ameaças, etc., os caras querendo saber como tinha sido a viagem. E eu vou relatar

viagem nada, para torturador! “Como é que foi a viagem?” e tal, pá, pá, pá. Aí fui pra

tortura. Bom, essa batalha da vida eu estava seguro que estava ganha, mas eu pensava: E

agora? Eu tenho que sair daqui. Eu não vou sair daqui do DOI/CODI pedindo aos

torturadores pra me tirar. Que movimento eu vou fazer? Aí eles queriam... Num período

eu resolvi fazer greve de fome. Aí eu faço uma greve de fome; com 8 dias, uma semana

de greve de fome, eu sou retirado do DOI/CODI. Ali, abrem a cela, fica ali me veste a

roupa, me encapuza, saem, eu vejo umas conversas. Um cara que estava lá fala com um

coronel: “Tá certo coronel, tá certo coronel”. E sou botado no banco de trás numa

veraneio, deitado no chão, com dois... Uma pessoa pisando em cima e esse carro saiu.

Saiu andando razoavelmente devagar. Você percebe, tem noção. Isso era noite e numa

certa hora me tiram o capuz e me põe sentado no banco. Eu estava no lado traseiro do

banco de trás de uma caminhonete só de duas portas. Então tinha um cara do meu lado,

um cara no banco do carona e o motorista. Todos de terno e gravata. Arrumadinhos,

terno e gravata etc. Aí eu sento, tiro o capuz, começam a andar e o carro andando

lentamente, eu pergunto, tomo satisfação, quem são eles, pra onde é que estão me

levando: “Quem são vocês? Qual o nome de vocês? De que lugar vocês são? De que

órgão da repressão vocês são? Pra onde estou indo?” Aí um deles, o que estava no

banco da frente do carona diz, “Olhe nós sabemos que você está muito machucado, que

você tá muito sofrido, que você tá em greve de fome, mas nós não temos nenhuma

responsabilidade sobre isso. Nós estamos aqui pra te levar”. – “Estão me levando pra

onde?” Também não respondiam. Eu percebi que nós estávamos... Isso era 13 de

dezembro, uma sexta feira a noite, aniversário do AI5 e era uma avenida muito

iluminada. E com o tempo eu percebi que era a Avenida Norte, andando no sentido dos

bairros. Aí eu me localizei: Eu estou saindo de Recife, pela Avenida Norte, eu estou

indo pra algum lugar, sei lá, João Pessoa, Rio Grande do Norte, Ceará ou quem sabe

Itamaracá, não tinha certeza absoluta. Depois os caras continuam, devagar, começam a

puxar conversa e dizem, “Olhe, nós não temos nada a ver com essa coisa com você. No

primeiro restaurante que a gente encontrar, vamos parar. Vamos tirar sua algema,

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vamos entrar no restaurante você vai comer o que quiser e nós vamos nos comportar

como se você não fosse um prisioneiro”. Eu digo, “Meu problema não é comer, eu

quero saber quem são vocês e pra onde é que estou indo”. E assim foram, pararam em

vários restaurantes daqui do fim da Avenida Norte até Itapissuma. Quando chegou em

Itapissuma eles pararam, tinha uma lanchonetezinha lá perto da ponte e disseram, “O

ultimo lugar para comer alguma coisa é esse. E não tem... Você vai chegar no presídio

e não vai ter comida numa hora dessas”. Eu digo, “Eu não quero comer, eu quero

saber pra onde eu estou indo, eu quero saber...” etc., etc. O cara parou e disse “Vou

comprar sanduíche, refrigerante”, etc. Eu não aceitei. Aí terminaram chegando comigo

em Itamaracá, sei lá 10 horas da noite por aí e assim eu cheguei em Itamaracá. Eu fiquei

no pavilhão dos presos políticos. Como tem perguntas, essa parte de Itamaracá, se

aparecer perguntas aí eu falo nela. (aplausos)

ÁUREO BRADLEY - Eu passo a palavra ao comissionado Humberto Viera de Melo

que é relator do caso de Ruy Frazão.

HUMBERTO VIEIRA - Veja Alanir, como nós dividimos aqui o trabalho da

Comissão por relatorias, no meu caso, a minha relatoria é de Ruy Frazão. Então eu vou,

diante da colocação no seu depoimento, eu vou me cingir a pedir informações sobre

Ruy Frazão. Na sua fala você coloca que tomou conhecimento da prisão de Ruy

Frazão... Que tomou conhecimento da prisão de Ruy Frazão quando saiu de Juazeiro e

você pretendia se instalar em Petrolina, e na feira você tomou conhecimento da prisão

de Ruy Frazão. A prisão de Ruy Frazão foi em maio de 74. Você confirma isso? Você

disse que a moça disse que teria dito que tinha sido há uma semana antes.

ALANIR CARDOSO - A feira de Petrolina era na época numa segunda feira e ele foi

preso exatamente na feira anterior a que eu cheguei. Que foi no mês de junho quando eu

cheguei, teria sido 25, 27 de maio!

PLATÉIA - Vinte e sete de maio!

ALANIR CARDOSO - Ele foi preso em 27 de maio.

HUMBERTO VIEIRA – Vinte e sete de maio. E no tempo que você esteve preso,

você teve alguma referência de Ruy? O problema no caso de Ruy é que a gente só tem a

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certeza da prisão. Ninguém viu Ruy, nenhum dos militantes presos esteve na prisão pra

onde Ruy foi levado. Ninguém! A única informação que a gente tem é de que Ruy foi

preso no dia 27 de maio. Enquanto você esteve preso, alguma vez você tomou

conhecimento do destino de Ruy, alguém se referiu a Ruy, algum dos torturadores?

ALANIR CARDOSO - Sim! Eu tinha... (Trecho incompreensível), Luiz Miranda me

levantou o capuz, mostrou o retrato de Ruy, um retrato de perfil, assim de lado e disse

“Esse você conhece!”, e em outro momento ele disse ''O comprido já virou presunto''.

Comprido era o apelido com que a gente se referia a Ruy. Então essa informação é...

Veio do torturador Luiz Miranda. Ele me mostrou a foto afirmando: “esse você

conhece” e em outro momento ele afirmou ''O Comprido já virou presunto''.

HUMBERTO VIERA - Alanir, a gente tomou um depoimento, e depois ele deu um

depoimento público, mas para a Comissão foi um depoimento privado, de um coronel

PM que se reconhece como tendo atuado no DOI/CODI. Nega que tenha participado da

tortura, não nega que tenha havido tortura, mas diz que participava da equipe de buscas.

Então, ele hoje mora em Olinda e ele deu esse depoimento para nós. E assegura, embora

as datas não batam, de que houve uma ação na feira em Petrolina, as datas não batem,

ele dá uma data aproximada, que seria um ano ou um ano e meio, antes da prisão de

Ruy, mas ele diz taxativamente que houve uma ação na feira de Petrolina e em todo o

nosso levantamento o único caso que ocorreu na feira de Petrolina foi o de Ruy; e que

teria sido uma ação, realizada pelo DOI/CODI de São Paulo. Você acha que isso é

possível?

ALANIR CARDOSO - Olhe, é possível. O aparato repressivo daquela época, ele era

muito compartimentado. Nesse caso especifico de Ruy, eu enxergo mais a possibilidade

da prisão pelo DOI/CODI daqui. É, agora, se isso era possível sim. Porque havia uma

compartimentação e uma disputa por informações e por prisões. Se você pegar aquela

ação que matou o pessoal da VPR aqui em Recife, foi praticado por Fleury, vindo de

São Paulo. Essa é a versão que se apresenta. E todos os estágios indicam isso. Então

tinha uma disputa, o aparato repressivo daquela época tinha que informação era poder.

Eu me lembro que numa viagem que eu fui a Fortaleza, eu cheguei em Fortaleza e

passei, antes de chegar na cidade, por um acidente automobilístico. Um carro tinha

batido e as pessoas tinham morrido. Isso eu passei de madrugada, chegamos em

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Fortaleza quando clareou, tinha muitos carros parados e etc. Cheguei em Fortaleza e

relatei pra um companheiro com quem eu me encontrei, que tinha me deparado com

aquele acidente, que tinha morrido gente etc., etc. A informação eu dei de manhã e tal.

Quando foi a tarde eu encontro com ele de novo e ele diz: “Ah, rapaz aquela

informação que você deu do acidente, quem morreu no acidente foi o delegado da

polícia federal do Ceará, que era catarinense e tinha saído de férias com a família de

carro e morreu naquele acidente”. E havia comentários do aparato repressivo que com

ele morreu muitas informações. Que ele tinha muitas informações que ele não

compartilhava nem mesmo com outros delegados da polícia federal. Então tinha muito

disso no aparelho repressivo; então, essa possibilidade não é excluída, apesar de que

todas as indicações que nós temos é de que Ruy tenha sido preso pelo DOI CODI de

Pernambuco. Essa questão da data, de repente, pode ser uma forma de disfarçar a

operação realizada. Se ele fala numa operação noutra data que não existiu, é uma forma

de encobrir porque essa operação de Ruy levou ao assassinato de Ruy. E isso, pode ser

que nenhum torturador queira assumir esse fato, e aí dão uma outra versão dessa

natureza. E isso é uma forma de fugir, de disfarçar a operação realizada, e não assumir o

problema, não assumir as reponsabilidades. Isso é possível porque a operação foi

mesmo uma operação...

HUMBERTO VIEIRA - Só uma outra pergunta, que não é sobre Ruy. Uma outra

apenas por questão de data. A sua prisão que você narrou com Fred Morris foi quando?

ALANIR CARDOSO - 30 de setembro de 74.

HUMBERTO VIEIRA - Portanto quatro meses após a prisão de Ruy Frazão.

ALANIR CARDOSO - Isso! Essas prisões nessa época, as prisões contra nosso partido

ocorreram a partir de fevereiro, final de fevereiro. A primeira prisão ocorreu no

Maranhão, depois naquela região do Cariri e de lá elas foram, foram por um período...

Eu sou o ultimo a ser preso depois de um período longo de prisões de companheiros do

PCdoB aqui do Nordeste.

HUMBERTO VIEIRA - Então esse seu... Você passou quanto tempo aqui no DOI

CODI antes de ir para Brasília?

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ALANIR CARDOSO - Eu cheguei no DOI CODI trinta de setembro e saí pra Brasília

no dia vinte de novembro. E voltei dia vinte e seis de novembro e fiquei até três de

dezembro.

HUMBERTO VIEIRA - Esse diálogo com Miranda se deu na primeira estadia?

ALANIR CARDOSO – Isso, no primeiro estágio, na primeira parte do primeiro

estágio das torturas aqui.

HUMBERTO VIEIRA - A gente sabe que a prisão de Ruy Frazão decorreu de uma...

De um companheiro que, em tortura, teria revelado o destino, não é? Ele reconhece no

processo que vocês participaram como testemunhas, ele reconhece isso. E a pergunta,

sendo tão compactadas as informações dentro do partido, esse partido, por questão de

segurança, tinha as informações compartimentadas (...?...). Ruy fazia parte de que setor

do partido no momento?

ALANIR CARDOSO - Olha, Ruy era um dos quadros mais destacados do nosso

partido. Ruy tinha vindo de militância... Ele estudante de engenharia aqui no Recife,

militou aqui, depois do golpe foi preso. Ele fez uma viagem à Nova York, e participou

de uma reunião da ONU onde denunciou as torturas daqui. Ruy volta ao Brasil e

desenvolve um trabalho lá no valo do Pindaré lá no Ceará... quer dizer, no vale do

Pindaré no Maranhão. Participa da atividade e a organização dos camponeses. Manoel

da Conceição se destaca também no mesmo período. Então Ruy era uma pessoa muito

dedicada, muito capaz. Era um quadro comprometido, brilhante, fez curso político na

China. Foi membro do Comitê Central da Ação Popular antes da incorporação ao

partido e era da direção regional do nosso partido aqui. Quando eu me encontrei com

ele, ele estava saindo de uma estrutura igual a nossa e incorporou a essa estrutura em

que participava Luciano Siqueira, Raimundo Osvaldo, João Bosco Rolemberg Côrtes,

ele e eu. Nós fazíamos parte nesse período da estrutura de direção do partido que tinha

uma atividade de trabalho no Ceará, aqui em Pernambuco, no Rio Grande do Norte, na

Paraíba e também em Alagoas. A estrutura aqui era uma estrutura regionalizada.

HUMBERTO VIEIRA - Uma das coisas difíceis da Comissão é exatamente os

desaparecidos. E no caso de Ruy, ele se diferencia um pouco do caso de Collier e de

Fernando porque esses a gente não consegue nem dizer onde foi a prisão. A gente sabe

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dizer que saiu e... E no caso de Ruy, há uma circunstância dos feirantes e da esposa que

estavam com ele e que deram esse conhecimento. Esses quadros desaparecidos são

todos originários da AP. Todos esses quadros são originários da AP. Você poderia, ou

você teria algum entendimento porque esses quadros da AP que se incorporaram ao PC

do B sofreram... Hoje eu não vou falar de desaparecidos, por que existe uma lei e é a

própria lei que os considera mortos. Foram mortos. Olhe só, vocês acham que eles eram

intelectualmente... Que eram pessoas que, intelectualmente, podiam levar a uma

mobilização maior?

ALANIR CARDOSO - A incorporação da AP ao PCdoB, ela se deu da parte

majoritária, amplamente majoritária da AP que se incorporou ao PC do B. Uma parte da

AP, alguns camaradas, com quem eu convivi muito tempo com eles, tenho por eles

muita admiração e privei da amizade pessoal deles, não se incorporaram. Honestino

Guimarães; Mata Machado; Gildo Lacerda; Duda Collier; Fernando Santa Cruz... Essa

foi uma parte da AP que não se incorporou e sustentaram a ideia de manter a

organização AP; eles sustentaram. Então nós ali, nós nos separamos, porque eram

organizações diferentes. Esses companheiros... É que a repressão naquele período, essa

questão da eliminação política, virou politica de Estado. Isso valeu para o conjunto das

organizações. Trataram assim a ALN, trataram assim a VPR, trataram assim o PCBR,

trataram assim o conjunto das organizações e o nosso partido. Seguramente, o PCdoB

foi um partido dos que teve mais quadros assassinados. Então isso se manteve estável

porque era o que? Matar as direções para impedir que as organizações se

desenvolvessem. Essa era uma política seletiva. Tem um livro chamado Anos de

Chumbo, que foi organizado por Celina Amaral, neta de Getúlio Vargas, em que ela fez

uma pesquisa longa e publicou esse livro que foi chamado Anos de Chumbo. E ali tem

história de Burnier, de Meira Matos; e o que eles contam de como a repressão no Brasil

se desenvolveu e como sofisticou. Ele diz, inclusive, que aprendeu mais de métodos

repressivos com o Mossad, de Israel, e com o serviço secreto inglês do que com o

serviço secreto norte americano que é quem mais produzia aula de formação de

militares e torturadores no Brasil. O Brasil fez escola; quando houve o golpe no Chile,

não é, grupo de torturadores brasileiros foram ao Chile pra ajudar a desenvolver a

repressão no Chile, o serviço de informação do Chile e sofisticou. Eles chegaram a isso,

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que aconteceu comigo em Brasília. Eles falaram isso. Que tinham desenvolvido aqui a

tortura científica. Aquela que prolongava a vida do prisioneiro por longo tempo, sem

tirar a vida e no o esforço obter a informação. Então, isso era política de Estado. Na

época de Médici era assim mesmo e com Geisel também. Você pega um caso como

daqueles do Araguaia, é uma decisão de Estado, uma decisão de Estado que ninguém da

guerrilha do Araguaia sobrevivesse. Não era pra fazer prisioneiro. Matar. E quem for

prisioneiro, executar. Não pode sobreviver quem se rebelou, quem pegou em armas, fez

a guerrilha. Isso virou uma política de estado elevada a esse nível.

HUMBERTO VIEIRA - Eu estou satisfeito. Muito obrigado.

ÁUREO BRADLEY - Prosseguindo, como Nadja vai ficar na coordenação depois, ela

fala agora.

NADJA BRAYNER - Obrigada por essa atitude de comparecer a Comissão, de prestar

esse depoimento, porque nós sabemos o custo que é relembrar todo o sofrimento que ele

passou. E que nós pudemos constatar que na verdade ele é um sobrevivente. E a atitude

dele, diante de tudo que ele passou, é corajosa. Em segundo lugar, eu gostaria de

esclarecer o seguinte: na Comissão, nós temos relatorias temáticas, e eu faço parte, junto

com Manoel Moraes, dessa que envolve perseguição feita a religiões, às igrejas e aos

religiosos. E o meu questionamento, estaria muito vinculado exatamente ao reverendo

Morris, Fred Morris. Em primeiro lugar, constatando inclusive a participação do

governo brasileiro através do Ministério de Relações Exteriores e do Departamento de

Estado Americano. Não só em relação ao Fred Morris, mas também com relação ao

caso do Paulo Wrigth. Inclusive pelas informações que a gente tem, o Fred Morris veio

pro Brasil em 64 e ficou quatro anos no Rio de Janeiro. Em 68 ele voltou para os

Estados Unidos, inclusive ele tinha estudos na área de Sociologia Humana, e em 70 ele

foi enviado para o Brasil outra vez, já em uma missão para aqui, junto a Recife e

Olinda, na Arquidiocese. E passou a desenvolver um trabalho ecumênico junto a Dom

Hélder, Alanir já fez um pouco de referência a isso, e através desse trabalho ter sido

criado, eu encontrei uma expressão interessante: Equipe Fraterna. Que envolvia

exatamente católicos, evangélicos e não havia nenhuma restrição à participação das

pessoas. Bom, por que eu estou colocando esses precedentes? Além disso, o Fred

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Morris também, ele era de certa forma, correspondente da Revista Time, e também tinha

uma agência de notícias aqui, não é?

ALANIR CARDOSO - É. Associated Press.

NADJA BRAYNER - Associated Press. Exatamente. E nós também temos uma

informação que a partir de julho de 74, ou seja, junho, julho, agosto, 3 a 4 meses antes

da prisão dele, teria sido publicado um artigo, a Revista Time publicou um artigo sobre

Dom Hélder Câmara, intitulada O pastor dos Pobres. Onde consta um conjunto de

denúncias de Dom Hélder sobre a situação politica e econômica do país e

particularmente sobre a repressão e as torturas. Bom, essa publicação quando foi feita,

ele estava nos Estados Unidos, mas o fato é que tem um relato dele dizendo que ao

voltar ao Brasil, ele foi convidado e ele esteve umas duas ou três vezes no IV Exército,

a convite do coronel Meziat, a quem você fez referência, e ele foi questionado

exatamente sobre essa matéria nesse jornal. Foi chamado por causa dessas denúncias e

foi chamado mais de uma vez. Então eu vou chegar à minha pergunta. O que me parece

é que por esses elementos, e também eu encontrei outra matéria que eu localizei aqui,

que é um site da agência de reportagem de jornalismo investigativo, que faz também

uma comparação entre o caso de Fred Morris e o do Paulo Wright, e o tratamento

diferenciado que eles receberam por ingerência do governo brasileiro e do departamento

norte americano, a aceitação. No caso do Paulo Wright, ele era filho de missionários

norte americanos e tinha dupla nacionalidade. Era brasileiro e norte americano. O Fred

Morris não; tinha apenas nacionalidade norte americana e era interessante porque, nesse

site que eu encontrei, tem uma chamada aqui que diz: “Tão americano quanto João da

Silva”. O que aconteceu? O governo brasileiro considerou que o Paulo Wright... Ou,

vamos dizer assim, (...?...) estaria vinculada à ideia de que pelo fato de Paulo Wright ter

se candidatado aqui no Brasil, ele teria perdido a cidadania norte americana, o que

revela todo um arbítrio existente não apenas com relação aos chamados órgãos da

repressão, os chamados “da pancada”, da violência física, mas em todos os organismos.

A partir daí, ele passou a ser considerado como cidadão brasileiro. E como tal, o

Departamento de Estado Americano “suavizou” a sua, vamos dizer assim, a sua

cobrança ao governo brasileiro com relação ao tratamento que ele teve aqui enquanto

preso. Na verdade Paulo Wright foi... Sabe-se que ele foi preso, ele é um desaparecido

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politico, mas (trecho incompreensível) e que dizem que o tratamento, que ele deveria

ser tratado igual a um João da Silva por conta disso. Isso talvez, parcialmente, explique

o desaparecimento dele ou a morte dele e em contra partida a sobrevivência do Fred

Morris. Porque pelo que você falou, Alanir, eu não sei se você concorda comigo, só

esses fatos e essa preocupação com essa ligação, com o próprio Dom Hélder Câmara,

levam a crer que ele fosse, que ele estivesse sempre seguido nesse período e, na

verdade, sua prisão teria sido uma decorrência de um controle da vida do Fred Morris,

não é? Porque você, na sua fala, você não revelou, em nenhum momento, uma

preocupação ou uma constatação de que viesse sendo seguido, enquanto que o Morris

pelo que eu vi aqui, pelo fato de ter ido comumente lá, estaria sendo olhado, controlado.

E o Fred Morris esteve lá mais de uma vez. E ele, com essa ligação com Dom Hélder e

esse trabalho muito forte, ecumênico, em regiões pobres da cidade, e essa ponte entre a

Arquidiocese, Dom Hélder e lá fora, através da imprensa nessa divulgação, eu acredito

que isso aí, tenha sido um elemento extremamente importante, vamos dizer assim,

houve um elemento fundamental pra prisão dele. E a proteção que ele teve sendo um

cidadão norte americano, aliás, foi um dos primeiros que, não me engano, no Brasil, foi

torturado da forma como ele foi, por que essa proteção ele só recebeu 3 ou 4 dias

depois. Então eu queria que você falasse um pouco sobre isso, porque a compreensão, o

entendimento, que eu fiquei teria sido esse, que Fred Morris estava sendo seguido e a

partir dele você teria sido preso. O que você acha?

ALANIR CARDOSO - Nadja, você levanta questões importantes, (...?...) tem uma

diferença de fundo, que nós precisaríamos avaliar. Qual a diferença de fundo? A

diferença de fundo é que Paulo Wright já estava no Brasil há bastante tempo. Paulo

Wright já tinha sido deputado em Santa Catarina. Foi um dos fundadores da AP, foi um

dos principais dirigentes da AP, fez curso na China e vivia clandestinamente. Paulo

Wright era um companheiro dos mais destacados dirigentes da AP e vivia na

clandestinidade há muitos anos. Então isso é um elemento que distingue. No caso de

Fred, ele era um homem de vida legal, com atividades públicas e com relações estreitas

com a comunidade americana, com a diplomacia americana. Eu relatei aqui a

participação dele numa festa, isso muito pouco antes da nossa prisão. Exatamente na

vinda do embaixador novo para Recife. E a repressão deixou muito rastro da nossa

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prisão. Rastros assim incríveis, não é? Revela que eles não tinham primeiro, nenhuma

preocupação com o que estavam fazendo e nenhuma preocupação com a repercussão

que isso podia ter. A repressão fez coisas incríveis. Nós fomos sequestrados ali, eram 10

horas da manhã, eles levaram presa a empregada de Fred, de nome Cristina, e ocuparam

o apartamento de Fred. Fred, naquele dia, tinha um almoço com uma brasileira casada

com outro norte americano. Um almoço de trabalho no apartamento dele. Nós fomos

presos 10 horas da manhã, meio dia chegou no apartamento uma senhora casada com

um norte americano, toca a campainha, os caras abrem a porta e interrogam a mulher.

Não tinham o que fazer, soltaram e, ela saiu correndo até o marido e disse, “olhe eu fui

almoçar na casa de Freddy e saiu um estranho lá pa pa pa pa pa pa pa pa pa”. A primeira

providência é ir ao Consulado. Então eles correram imediatamente para o consulado.

Houve, portanto, uma ação de defesa. Eles tinham que tentar uma ação muito rápida de

defesa. O que fez o Cônsul? Se comunicou com a Embaixada. Isso são informações que

eu passei a deter depois de muitos anos quando reencontrei com Fred. Aí o Consulado

se orienta e informa a Embaixada e se orienta com a Embaixada. Ele manda que procure

em todos os órgãos de repressão. O Cônsul foi no DOPS, foi na Policia Federal, foi na

Marinha, na Aeronáutica e no Exército; ninguém assumia a prisão de Fred, ninguém. A

Embaixada orientou o Cônsul a ir a Polícia Federal e pedir uma escolta da Polícia

Federal pra acompanhar o Cônsul até o apartamento de Fred porque ele estava

desaparecido e ele tinha informação de que tinham uns homens ocupando o

apartamento; então pediram uma escolta da Polícia Federal. Na hora que botou isso na

mesa, aí as coisas se alteraram. A Polícia Federal começou a dizer, não porque não sei o

quê, mas, mas, mas, tá tá, tá, porque temos... Ou seja, só aí veja, mas isso é 4 ou 5 dias

depois do nosso sequestro. Portanto, então, esse é o primeiro elemento. Esse artigo que

você vai ver aí da Revisa Time, bem, eu não trouxe aqui agora, mas eu vou passar à

Comissão. Há 3 anos atrás, 2 anos atrás, aí me falta a memória, eu não sei se foi a 2 ou 3

anos atrás, Fred estava nos Estados Unidos. Ele tinha um sermão na igreja, no dia 29 de

setembro de 1973, quer dizer, de 2013, nós estamos em 2015, foi em 2013, portanto há

2 anos atrás. Ele começa o sermão dizendo o seguinte, hoje fazem 39 anos que eu devia

está desaparecido, então ele começa o sermão assim. Descreve no sermão a prisão, as

torturas, e descreve essa ida dele ao IV Exército, em função dessa matéria que saiu na

Revista Time e ele afirma que não foi ele que escreveu. Que essa matéria não foi ele que

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escreveu. Então nesse sermão, ele faz exatamente a defesa dizendo isso, que ele foi

chamado ao IV Exército e passou a ser mais perseguido, provavelmente vigiado em

função desse artigo que não foi ele que escreveu. Então ele fala desse assunto. A

possibilidade de ele estar sendo vigiado à época é verdadeira. Nós temos hoje essa

informação. Depois de muitos anos, Fred andou casando com Teresa Carvalho que é

filha de um coronel cassado do Exército, Cel. José Antônio de Carvalho e o coronel eu

só conheci depois que saí da prisão. A repressão botou um vigia no prédio, um dos

trabalhadores do prédio que Fred morava era um agente do DOI/CODI de Pernambuco,

então passaram a ter um controle estreito da vida dele. Então essa informação, ela

aparece muitos anos depois. Então, as diferenças nesse quadro, ela é verdadeira. Eu não

estava sendo seguido. Não estava, nas movimentações que a gente fez, eu tenho

consciência disso, eu não estava sendo seguido, eu estava me movimentando. Então são

os acasos da vida. O fato de eu ter me encontrado com ele naquele dia, naquelas

condições talvez, facilitou esse acontecido. Normalmente eu não iria na casa dele.

Normalmente não iria. A casualidade foi que a gente se encontrou, fazia tempo, sempre

conversando, ele teve que passar em casa pra dá um telefonema, 10 minutos, e isso foi o

tempo suficiente pra o que aconteceu. Eu me lembro disso assim, de um relato de um

grande revolucionário tcheco assassinado, Julio Fuchik em que ele, ele escreveu um

livro na prisão - Julgamento sobre a Forca (refere-se ao livro Testamento Sob a Forca).

E ele relata então o seguinte, que ele foi preso porque ele estava em Praga, fez uma

reunião na casa de uns companheiros. Era uma noite muito fria, terminou a reunião e ele

ia sair. O companheiro da casa disse a ele, espera um pouco que eu vou fazer uma

chávena de chá e ele diz que “esse tempo da chávena de chá, foi o tempo que a polícia

chegou” e isso custou a vida dele. Então o relato dele na prisão que terminou traduzindo

do livro, era uma leitura obrigatória para todos nós. A vida clandestina exigia isso. O

problema da atenção, do cuidado, porque é isso. Um tempo e bastava isso. Por exemplo,

os encontros, você tinha um encontro marcado com 10 minutos de tolerância, se o

companheiro ou companheira não chegou nos 10 minutos, vá embora! Porque 2

minutos, 3 minutos a mais, podem lhe custar a prisão, a tortura, a vida, etc. etc. Então

eram regras da vida clandestina. Então nesse sentido, provavelmente esse acaso de

encontrá-lo daquela forma, naquele dia, naquele momento, pode ter custado a nossa

prisão e tudo isso que a gente experimentou.

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ROBERTO FRANCA - Bom, eu assumi aqui a coordenação da mesa porque Nadja e

Manoel são relatores e vão fazer perguntas, mas queria fazer uma observação, é que o

depoimento de Alanir, nós estamos vendo, ele é útil para várias relatorias, não apenas de

pessoas, de partidos, mas também as relatorias temáticas da Comissão. A questão da

repressão, como eles agiam. Essa coisa de você dar depoimentos, informações, que

algumas coisas a gente já sabia, é claro, mas a verdade de como eles atuam, a forma de

torturar, os procedimentos, os métodos e na cultura, na educação no movimento

estudantil, dentro dos partidos, de forma que eu pessoalmente, temo que nós, ou

fiquemos aqui até muito tarde, mais tarde do que seria razoável ou a gente prejudica o

depoimento. Eu acho que, certamente, Alanir vai precisar voltar aqui, pode não ser em

audiência pública, pode ser em audiência reservada para nos ajudar nessa relatoria,

porque eu temo que ele, que já foi muito torturado, torne-se aqui mais uma vez

torturado, e nós já vimos que quando ele é torturado, ele fica muito malcriado. Eu não

gostaria, já que eu estou aqui na coordenação (risos)... Vocês viram no depoimento,

muito malcriado. E aí, eu temo que, eu estou próximo e não gostaria de passá-lo por

mais esse momento. Eu sei que é muito doloroso, Nadja se referiu, é muito doloroso

tudo o que ele passou. Eu já conheço uma parte desse depoimento, porque Alanir é um

militante disciplinado. Ele caminha na Jaqueira e eu já ouvi em algumas voltas, uma

parte desse depoimento. Mas é um depoimento rico que ainda poderá ser útil na parte

das religiões. Eu conheci o Fred Morris e na parte da religião, Fred teve um jornal na

Costa Rica, Meso-América; é um jornal que circulava com uma visão crítica de

esquerda impressionante e facilitava à ida de brasileiros a Nicarágua na época dos

sandinistas. Eu fui um beneficiado pela ação de Fred, que fui conhecer a Nicarágua, mas

então, eu pediria aos relatores que examinassem essa possibilidade, se tiverem muitas

perguntas, perguntassem o essencial e a gente depois voltaria a ouvir Alanir, porque eu

temo que ele tem muito a dizer ainda, nos próximos 30 minutos.

NADJA BRAYNER - Eu vou concluir, Franca, é rápido, você tem razão. Realmente

envolve muitas relatorias, inclusive, não é Manoel, essa ingerência em relação ao

Ministério do Exterior, em relação a Dom Helder, as outras igrejas, isso também está

presente. Por isso que eu queria, só pra concluir, reafirmar exatamente isso. É

importante que a gente diga, porque a gente faz muita referência à igreja progressista e

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ao que ela sofreu. Mas não foi só ela, quando eu digo igreja progressista, eu digo

religiosos. Porque na verdade não houve uma perseguição especifica, diretamente a

igreja tal ou qual, mas sim a religiosos progressistas que integravam essas igrejas e a

Igreja Metodista foi uma delas. E foi fortemente reprimida, ela teve inclusive, em São

Paulo, o seu centro, a sua federação se não me engano, invadida. Enfim, e reafirmar

exatamente o papel dos civis, do Judiciário, por exemplo, em legitimas uma série de

arbitrariedades, que foram implementadas pelo governo brasileiro, pela ditadura

brasileira. E nesse sentido, a própria extradição dele foi algo arbitrário porque,

inclusive, ele não poderia ser extraditado. Ele tinha um filho menor, dependente dele e

que pelas leis, pela legislação havia impedimento nesse sentido. Mas isso não teve

problema, quer dizer, todo o Sistema Judiciário, se juntou, se articulou pra favorecer,

pra criar as condições para o governo Geisel e o ministro Armando Falcão; E todos

lembramos de outros momentos, onde também a extradição, foi outra forma de

violência contra ele. Então era essa questão que eu queria destacar e agradecer mais

uma vez a sua contribuição.

MANOEL MORAES – Alanir, eu também já tive a oportunidade de conversar com

você e até por conta do adiantado da hora, como disse Roberto, eu vou não fazer

comentários, mas fazer perguntas que nos ajudam em algumas investigações que nós

estamos fazendo. Você conheceu esse núcleo da AP que é esse núcleo histórico, tanto

por isso ele é perseguido. Você esteve com Fred Morris, quer dizer, com Paulo Stuart

Wrigth, depois de sua cassação em função de uma gravata? Ele comentou essa cassação,

o que representou isso pra vida dele? A expulsão dele da Igreja Presbiteriana?

ALANIR CARDOSO - Eu conheci o camarada Paulo Wrigth, entre nós, na época, se

chamava de João. Isso era nome de, sei lá, o nome de guerra, nome de partido. Era da

direção central da AP. Eu convivi com ele em condições de clandestinidade. Você

nunca tem possibilidades de conversas mais largas, por exemplo, tipo essa da expulsão

da Igreja. Tiveram muitas conversas políticas mesmo, sobre assuntos candentes da vida

política e da atividade partidária. Estive com ele várias vezes. Estive com ele várias

vezes, mas assim, com pautas próprias da atividade do partido.

MANOEL MORAES - E a cassação dele da Igreja Presbiteriana, onde ele era

presbítero, ele não comentou com você?

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ALANIR CARDOSO - Não! Não tive essa possibilidade, porque a gente sempre

participou de reuniões clandestinas ou de contatos clandestinos.

MANOEL MORAES - A ida dele, você acha, como você conheceu bem a AP, naquele

movimento de construção da guerrilha do Maranhão, do qual também participou Oldack

Miranda, Paulo Wright teria passado pelo Recife, teria ido pro Maranhão, teria

participado dessa construção da guerrilha do Maranhão?

ALANIR CARDOSO - Olhe, Paulo Wright era um dos dirigentes da AP e o núcleo

central de AP viajava muito pelo país inteiro. A AP funcionava em São Paulo, seu

Comitê Central, o núcleo dirigente, alguns membros nos estados, e o núcleo que dirigia

vivia em São Paulo e, naturalmente, esses dirigentes viajavam muito e eram viagens que

não eram, digamos assim, avisadas com o conjunto da organização. Essas viagens eram

feitas junto ao secretariado, a comissão política, eram viagens compartimentadas,

porque eram viagens clandestinas. A gente pega, por exemplo, assim só pra citar, na

época que eu convivi com Paulo Wright em São Paulo, quando eu estava em Minas, ele

foi a Minas. Antes de eu vir pra cá, eu estive com ele em São Paulo, exatamente pra ver

esse balanço das quedas de Minas, da nossa atividade partidária, porque nós estávamos

num momento de luta interna grande, que era exatamente a luta pela incorporação ao

PC do B e os companheiros que não eram favoráveis à incorporação. Paulo Wright era

desses. Então, antes de eu vir pra cá, ele pediu um contato comigo em São Paulo, mas

pra tratar especificamente dessas questões, da luta interna que se desenvolvia na AP

naquele momento. Por aqui estiveram muitos dirigentes, por exemplo, pra cá, veio pra

aqui Duarte Pereira que também depois não se incorporou e nem ficou na AP, mas era

dirigente nacional da AP. Já estava aqui. E o processo de incorporação nosso já estava

avançado e Duarte esteve aqui, esteve conosco. Haroldo Lima vinha aqui, então essas

viagens eram frequentes, eram naturais porque o funcionamento partidário funcionava

dessa maneira. Provavelmente Paulo Wright tenha ido ao Maranhão, sei lá, talvez até

mais de uma vez.

MANOEL MORAES – Provavelmente?

ALANIR CARDOSO - Provavelmente que sim.

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MANOEL MORAES - Ótimo! Isso é importante. Agora veja, numa documentação que

foi encontrada pela Comissão e apresentada em Santa Catarina, o teatro da Caxangá tem

um terceiro envolvido, no teatro da repressão. Nessa documentação de repercussão

interna da repressão, o terceiro seria Paulo Wright. Portanto, isso bateria com também o

depoimento de Mércia Albuquerque: “Antônio”. Você acha viável essa tese? Ele teria

morrido aqui em Recife?

ALANIR CARDOSO – Olhe, esse teatro montado tem esse caráter. O caráter é esse! É

que houve o encontro, a troca de tiros e que morreu José Carlos Mata Machado e Gildo

Lacerda e que o terceiro fugiu que seria o Antônio. Era o nome que Paulo Wright estava

usando na época.

MANOEL MORAES - Isso!

ALANIR CARDOSO - Agora se foi assassinado aqui ou não... Por que esse teatro, ele

era montado com muita frequência e foi montado inclusive em outros casos para

encobrir outras coisas. Não é verdade? Como no caso da VPR.

MANOEL MORAES - Vamos chegar lá! Vamos chegar lá! Me diga uma coisa Alanir,

nesse sentido, você conheceu muito Edgar da Mata Machado. Existe nos memoriais

dedicados à Mata Machado, uma passagem de um encontro dele com Cúrcio Neto em

Minas Gerais. Você já ouviu falar desse encontro? Do velho Edgar com Cúrcio Neto?

ALANIR CARDOSO - Tem data disso?

MANOEL MORAES - Sim! É em 65, alguma coisa assim.

ALANIR CARDOSO – Não, eu não tenho essa informação.

MANOEL MORAES - Você não tem essa informação, mas está nos memoriais dele.

Me diga uma coisa, existe uma possibilidade, você acha possível ou viável, porque

segundo essa hipótese, Cúrcio Neto teria gerenciado a morte dessas pessoas de AP aqui

em Recife, como uma desforra desse confronto com Edgar da Mata Machado, inclusive

a morte do filho, o Mata Machado, que é filho do Edgar. Você já ouviu falar nisso?

ALANIR CARDOSO - Não! Essa informação eu não domino. Eu não tenho.

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MANOEL MORAES - Não teria essa informação.

ALANIR CARDOSO - Não sei nada sobre isso. Não posso opinar sobre isso, seria...

MANOEL MORAES - Claro! Claro! Alanir, você tem um passagem importante sobre

essa articulação com Fred. Fred vem aqui pelo Conselho Mundial de Igrejas, e tem

como objetivo dar um suporte pra Igreja Latino Americana. Inclusive ele tirava muitas

fotos. Você lembra do episódio, do carro dele que é encontrado com dejetos? Você

lembra dessa história? O carro dele que foi encontrado, você se lembra disso, o carro de

Fred?

ALANIR CARDOSO – O carro? Não!

MANOEL MORAES - Certo! Você lembra que Fred, por ser americano e por tirar

muitas fotos, algumas pessoas achavam que ele era agente da CIA? Já ouviu falar disso?

ALANIR CARDOSO - Não! Nunca ouvi. Essa informação eu também não tenho.

MANOEL MORAES - Certo! Você ouviu falar de cabo Anselmo?

ALANIR CARDOSO - Sim!

MANOEL MORAES - Como foi a passagem de cabo Anselmo em Recife e qual a

relação sua e de Fred Morris em relação a essa investigação sobre cabo Anselmo?

ALANIR CARDOSO - Olhe só, primeiro vamos fazer uma consideração, não tem

relação Fred Morris / Cabo Anselmo.

MANOEL MORAES - Sim, mas não tem o laboratório?

ALANIR CARDOSO – Sim, aí é outra coisa!

MANOEL MORAES - Sim, então, é isso que eu quero!

ALANIR CARDOSO – Isso é outra coisa, mas vamos por partes. Quando eu cheguei

aqui em Recife, por acaso, eu viajei com essas duas companheiras que aqui foram

assassinadas. Quando cheguei aqui nosso partido tinha relações com outras

organizações. Relações! Com outras organizações que atuavam aqui no Recife, no

Nordeste e evidentemente que, nessas relações, havia trocas de informações, trocas de

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documentos as vezes, e quando eu cheguei aqui nós tínhamos relações através de um

militante nosso, que chegava a um cidadão, sei lá, um homem desse não é cidadão! Era

um cara chamado Daniel. Daniel! Então essa relação existia. De que natureza? Esse

nosso companheiro namorava uma moça que é irmã da mulher de Jarbas que trabalhava

numa livraria no Recife. Jarbas tinha relação com Daniel e apresentou Daniel a esse

companheiro, porque eles se encontravam na casa dos pais da mulher de Jarbas que era

a casa da namorada desse companheiro.

PESSOA DA PLATÉIA - Alfredo!

ALANIR CARDOSO - Alfredo! Acho que ele já prestou algum depoimento a vocês. E

ao saber que Alfredo tinha ligação com o PC do B, Daniel tentou por várias vezes ter

contato com a direção do PC do B. Numa delas passou uns documentos com as políticas

deles, que era uma organização, tal. Passou, nós lemos os documentos, achamos a

linguagem dos documentos, não uma linguagem usual da esquerda em geral, mesmo

com as suas diferenças de opinião e isso nos botou um pé atrás. Vamos ver o que é isso!

E fomos abordados N vezes em N situações, tais como, ele dava a informação de que

era um grupo de pessoas que tinham voltado do exterior, que tinham armas, tinham uma

estrutura e propunham fazer uma ação conjunta conosco; mas nós nunca topamos e

fomos sentindo, e passamos a ter uma desconfiança, porque nós tínhamos umas

informações de que Daniel frequentava a Livro7. Não era aquela grande livraria, mas

quando ela foi aberta, ali na Rua Sete de Setembro, numa galeria, era uma lojinha

pequena e que as pessoas progressistas frequentavam. Quando eu cheguei aqui, no

primeiro contato com a direção do partido, foram me passados um conjunto de

orientações sobre como se conduzir no Recife. Eu não conhecia a cidade, por exemplo,

nós devíamos evitar tomar ônibus ali nos Correios, porque era a sede do SNI no prédio

dos Correios. Tinha uma recomendação explícita: que ninguém clandestino fosse a

Livro7. Porque como era uma livraria que vendia livro naquela quadra, provavelmente

era um local observado. E nós tivemos a informação de que Daniel frequentava essa

livraria. Ora, um cara clandestino, que voltou do exterior, frequentar, no centro da

cidade uma livraria dessa natureza, não era uma conduta, digamos assim, mais justa.

Tivemos informação de que ele circulava com um veículo com a metralhadora debaixo

do banco. Também não é uma conduta muito acertada numa cidade como Recife, de

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uma repressão grande. O cara andar com, em qualquer uma parada policial, o cara com

uma metralhadora vai fazer o quê? Ou seja, então essas informações nos chegaram e nós

fomos tendo ali uma atitude de não... Não é? Chegou um momento em que nós fomos

abordados com uma oferta tentadora, dessas que o cara tem que contar três vezes pra

saber que não pode fazer uma coisa errada. Num certo dia, Daniel mandou propor ao

nosso partido que eles tinham um mimeógrafo a óleo, Gestetner, naquela época isso era

uma gráfica moderna, que estava num local, que eles tinham que tirar, não tinha onde

colocar esse mimeógrafo e nos daria, desde que nós fossemos com um carro pegar o

mimeógrafo. Isso era uma armadilha, mas a gente percebeu que era uma armadilha.

Olhe, bom, o uso desse mimeógrafo, nós não queremos; só que nesse processo e em

virtude de Daniel frequentar a Livro7, dizem que lá tinha uns fotógrafos que tiravam

fotografias e faziam uns binóculos. Um belo dia chega as nossas mãos um binóculo com

uma foto de Daniel: “Olhe, esse é o Daniel! Está aqui no binóculo!” Aí, eu participei

diretamente disso. Esse binóculo chegou a minha mão, Fred Morris era um excelente

fotógrafo, tinha um laboratório de fotografia na casa dele, antes de ir pra esse

apartamento e depois dele. Eu aprendi fotografia e até certo grau conheço...

MANOEL MORAES - Na casa dos Coelhos, não é?

ALANIR CARDOSO - Não!

MANOEL MORAES – Não era na ilha do Leite?

ALANIR CARDOSO - Era uma casa na Estrada dos Remédios.

MANOEL MORAES - Certo!

ALANIR CARDOSO - Perto da Estrada dos Remédios, ali próximo à Estrada dos

Remédios e ele era um excelente fotógrafo. Eu aprendi fotografia com ele. Eu já tinha

iniciativa e fui, digamos assim, tive a habilidade de passar por fotógrafo. Tipo “dá uma

máquina aí que eu faço fotos, sei fazer, e tal”. Então nós pegamos esse binóculo,

projetamos na parede e Fred fez uma foto. Fez uma foto do tamanho grande e essa foto

nós mandamos pra São Paulo, pra um companheiro nosso lá em São Paulo. A gente

tinha essa desconfiança e mandamos essa foto pra São Paulo. O companheiro ao voltar

de São Paulo disse... Entregou à direção, ficou lá uns dias e quando voltou, veio com a

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seguinte notícia: “Aquela foto é do Cabo Anselmo! Longa distância de qualquer

articulação!” Cabo Anselmo já tinha uma história pregressa de muitas interrogações.

MANOEL MORAES - Qual é o ano dessa informação, Alanir?

ALANIR CARDOSO - Essa foto é de 72. Com precisão, 72. Então essa foto nós

projetamos, mandamos lá pra São Paulo e era a foto do cabo Anselmo.

MANOEL MORAES - Você podia dizer se alguma dessas imagens é a dele nessa

época?

ALANIR CARDOSO – Minha vista é bem complicada...

MANOEL MORAES - Essa aqui é ele bem mais jovem, não é? Essa aqui é ele bem

mais jovem.

ALANIR CARDOSO – Veja só, assim, comparativamente, é um pouco mais difícil,

agora na foto ele estava com o cabelo comprido. Nessa foto que nós mandamos pra São

Paulo, ele estava com o cabelo comprido.

MANOEL MORAES - Mais ou menos assim?

ALANIR CARDOSO - Mais ou menos assim! Com uma fita amarrada. Ele, na foto,

aparece com uma fita amarrada, passando pela testa e prendendo o cabelo atrás. A foto

era essa. Tem alguma semelhança com essa, não digo que é exatamente isso.

MANOEL MORAES - Claro! Mas era mais ou menos essa imagem.

ALANIR CARDOSO - Tinha semelhança! Tinha semelhança!

MANOEL MORAES - O diálogo com Diógenes Arruda, por que não tem também esse

encontro, não é?

ALANIR CARDOSO - Sim! Olhe só, aí já é outra passagem.

MANOEL MORAES – Isso.

ALANIR CARDOSO - Essa passagem já é depois de minha prisão, depois de eu sair

da cadeia. Nós tivemos um trabalho fora do país, do nosso partido e, por um tempo, o

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camarada Diógenes Arruda morou no Chile. Quando ele saiu da cadeia, o partido

mandou ele pra fora porque não podia, um cara com a história dele, saiu da cadeia,

como é que você bota na clandestinidade imediatamente? Não era uma coisa simples de

fazer. Então quando Diógenes saiu, ele cumpriu a pena dele em São Paulo, quando saiu

da cadeia o partido orientou a saída dele pro Chile e ele ficou fazendo o trabalho. Era a

época do governo de Allende, ascensão do movimento, o Chile tinha muitos exilados de

vários lugares e era por onde passava muita gente. Aí Diógenes foi pro Chile e teve um

período em que trabalhou com Diógenes no Chile outro camarada chamado Dinéas

Aguiar, do Comitê Central do nosso partido e morava também no Chile junto com o

companheiro Diógenes. Quando houveram essas quedas, esses assassinatos na granja, o

nosso partido sustentou junto a outras figuras do Chile, que o responsável por esses

assassinatos tinha sido o cabo Anselmo. Nesse período então, essa informação circulou

entre várias organizações que tinham pessoas atuando no Chile. O sargento Onofre que

era, na época, o principal dirigente da VPR, pelo menos era essa a informação que se

tinha, vivia no Chile e, um dia, o sargento Onofre abordou o camarada Arruda e o

camarada Dinéas Aguiar, cobrando deles, de que eles estavam dizendo ou informando,

entre outras coisas que Anselmo era um agente da CIA. Essa conversa foi uma conversa

tensa, o sargento Onofre estava armado, mas tanto Arruda quanto Dinéas sustentaram

perante ele e o companheiro que o acompanhava, que nós tínhamos essa opinião que

Anselmo era agente da CIA e tinha sido responsável por esses assassinatos que

houveram aqui em Pernambuco. Então esse episódio é verdadeiro, isso eu ouvi de

Arruda e ouvi de Dinéas Aguiar; todos dois são mortos, o Dinéas morreu agora, faz um

ano e meio dois anos atrás.

MANOEL MORAES - Hoje na literatura já se sabe que Onofre Pinto dava plena

cobertura a cabo Anselmo. Você teria alguma avaliação sobre isso?

ALANIR CARDOSO - Não! Não! Eu não tenho. Eu não conheci Onofre. Sei só de

informação, de ouvir dizer, desse episódio. Mas não tenho nenhuma opinião.

MANOEL MORAES - Você teria alguma informação da organização ou depois da

organização, do processo de... Por exemplo, há quem defenda que cabo Anselmo teria

sido infiltrado a partir de 71 e há quem defenda que ele já teria sido desde essa época

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aqui da revolta dos marinheiros. Você teria alguma avaliação ou alguma informação que

desses alguma pista sobre isso?

ALANIR CARDOSO – Olha, informação assim, precisa não tenho. Agora tenho a

opinião de que não é em 71 que ele vira infiltrado. Eu acho que isso é anterior.

MANOEL MORAES - Anterior. Ok.

ALANIR CARDOSO – Assim, pra materializar isso, essa coisa não é simples. Quando

eu cheguei em Itamaracá, cumpria pena em Itamaracá um ex marinheiro, Claudio

Ribeiro, que tinha sido da Associação dos Marinheiros com Anselmo. Quando eu

cheguei em Itamaracá, foi depois desses episódios. Quando eu vou preso é bem depois

desses assassinatos, e em conversa lá com os presos, eu conhecia... Quando eu cheguei

lá em Itamaracá eu só conhecia o companheiro Luciano Siqueira que estava lá. Todos os

outros presos, e eram mais de 40, eu conheci a partir da minha chegada ali. Então fomos

conversando trocando ideias. Num certo momento, falando desse assunto, eu expressei

essa ideia que cabo Anselmo era agente da repressão e que tinha responsabilidade

naqueles assassinatos. Claudio Ribeiro tomou-se de uma defesa do cabo Anselmo,

assim sem limites, dizendo que era uma calúnia, que eu estava praticando uma calúnia

contra um revolucionário, pa pa pa pa pa. A gente se conheceu, estava se conhecendo de

pouco, mas eu sustentei diante dele que não era calúnia, que eu estava falando na

condição de um dirigente comunista que tinha essas informações com precisão, portanto

não estava fazendo especulação, eu estava fazendo uma afirmação. Por um tempo a

minha relação pessoal com o Claudio ficou um pouco estremecida, tal, com o tempo ele

terminou, com outras informações que foram chegando, ele terminou se convencendo

exatamente dessa posição de que cabo Anselmo era um agente da repressão.

MANOEL MORAES - Alanir, só pra terminar esse bloco da granja, a morte de

Pezzuti, na Europa.

ALANIR CARDOSO - Quem?

MANOEL MORAES - De Pezzuti, Ângelo Pezzuti, que era um dos dirigentes da VPR,

e quando ele foi trocado pelo embaixador ele foi pra Europa. Ele morre num acidente,

na Europa, de moto. Você ouviu falar, ou a organização teve alguma notícia de que isso

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teve alguma coisa a ver com ação do Estado brasileiro fora do Brasil, como a operação

Condor?

ALANIR CARDOSO - Não, não tenho. Essa informação eu não tenho. Nunca ouvi

falar.

MANOEL MORAES - E da Operação Condor? Vocês mapeiam, enquanto

organização, alguém do PC do B morto pela Operação Condor?

ALANIR CARDOSO - Não! Assim de memória não tenho, assim rápido, nenhuma...

MANOEL MORAES - Certo. Meu ultimo bloco de perguntas, são três perguntas

rápidas, é sobre a guerrilha do Araguaia. A guerrilha se (...?...) em três operações, não

é? Por parte do Estado brasileiro. E essas operações se desdobram em Marinha, Exército

e Aeronáutica, mas comandada pelo Exército, principalmente o Exército, que estava em

Brasília. Bandeira teve, num primeiro momento, um papel proeminente. Qual as

informações que você teria ou, se é verdade, que a repressão também tinha a leitura de

que vocês estariam organizando, digamos, guerrilhas em vários lugares? Então as

operações que vão acontecer, operação cacau, a operação radar, a operação... São

operações que vão mapear para que os guerrilheiros não sejam, digamos assim,

arregimentados. Vocês têm esse mapeamento dessas operações? E quem vai ser preso

por cada uma delas?

ALANIR CARDOSO - Olhe só, da guerrilha é isso que você diz. Houveram três

operações. Nós fizemos um balanço, inclusive tem várias publicações do partido a cerca

da guerrilha e como ela se desenvolveu, etc.

MANOEL MORAES - Era importante a gente receber, se o partido puder nos fornecer,

eu até tinha lhe falado isso.

ALANIR CARDOSO – Sim, você tinha. Eu estou lhe devendo isso. Estou devendo à

Comissão. Eu vou providenciar. É só um balanço.

MANOEL MORAES - Escute uma coisa, é só um complemento. Nós temos dois

guerrilheiros pernambucanos, que foca a nossa relatoria da guerrilha, que é a morte do

Cazuza e do Alfaiate. Você teve notícias deles ou os conheceu?

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ALANIR CARDOSO - Não! Não conheci.

MANOEL MORAES - Porque um é na Bahia, não é? É pernambucano, mas a

militância dele foi na Bahia.

ALANIR CARDOSO - Isso! Isso! Dos guerrilheiros do Araguaia eu conheci

pessoalmente poucos. Eu conheci, militei com Helenira Rezende, ela foi da UNE em 68

era de São Paulo. Militei com Ribas Junior, que foi presidente da UBES, em São Paulo,

era do Partido e militei com ele. E militei com Walquíria Afonso e com Idalízio Aranha,

que eram mineiros, são mineiros de nascimento. Militei com eles, esses dois inclusive

eram de origem de AP, como Helenira Rezende também. Helenira foi de AP no

primeiro momento e depois ingressou no partido, Idalízio e Walquíria eram de AP e

ingressaram no partido e foram para o Araguaia e Ribas que já era militante mesmo, do

partido, foi presidente da UBES como do partido. Outros, não conheci.

MANOEL MORAES – Ok, Alanir, muito obrigado. Eu queria mais uma vez agradecer

a Alanir e só lembrar também a presença de Lucinha Moreira, que é presidente do

Instituto Dom Helder Câmara, do qual tanto Roberto como eu fazemos parte, mas é uma

presença mais que ilustre porque tem colaborado muito e Luiz Felipe, que é um

pesquisador sobre a granja de São Bento e vai lançar um livro sobre a granja, é um

jornalista, e acho que, aqui, também representa a UOL, não é? Essa parte de jornalismo

da UOL. Agradecer a Filipe também pela presença. Obrigado, presidente!

ROBERTO FRANCA - Eu agora queria fazer uma...

MANOEL MORAES - Eu queria esclarecer só uma coisa, porque talvez Alanir não

tenha entendido a minha pergunta. É o seguinte, Fred Morris esteve aqui com Alanir em

uma jornada teológica promovida pela Igreja Nova e, nesse dia, ele deu um depoimento,

e ai ele falou que o carro dele foi de fato fragmen... Na verdade sujo de fezes. Fizeram

uma operação e depois se descobriu naquela noite na jornada teológica, que uma das

pessoas que tinham feito isso, estava lá. Na verdade era um adolescente que fazia parte

do movimento estudantil e que achava que Fred era um agente da CIA. E por que esse

grupo de movimento estudantil achava isso? Porque ele tirava fotos. Ele tirava muita

foto do Coque e esse menino morava no Coque e via Fred Morris lá, tirando foto. Então

eles achavam que uma forma importante de combater os Estados Unidos era depredar o

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carro de Fred. Então isso foi só um parêntesis, que eu acho que você não lembra, mas

isso foi dito com você presente. Mas é só um aspecto. Ele nunca foi agente da CIA, ao

contrário, foi torturado como todos nós sabemos e perseguido.

NADJA BRAYNER - Acrescentar inclusive que ele diz num depoimento dele que eles,

os policiais, os torturadores disseram: “Você escolhe: você pode assumir ser agente da

CIA”. (...?...)

MANOEL MORAES - Era muito interessante, era muito comum pastores protestantes

serem... Porque eles vieram também da Aliança pelo Progresso. Aliança pelo Progresso

tinha um grande projeto e eram trazidas personalidades desse tipo. Então era só pra

esclarecer uma pergunta, pra não ficar a dúvida aqui na plenária de que Fred era agente

da CIA. Ele não era agente da CIA, ao contrário. Mas algumas pessoas imaginaram,

nessa criatividade, que também era muito comum naquela época, o contexto era muito

grave, mas aconteceu. Mais uma vez quero agradecer a Alanir por seu depoimento.

ALANIR CARDOSO - Eu queria só fazer um comentário. Esse, digamos assim, esse

problema da pessoa ser americano, norte americano e de um país imperialista, levanta

essas, digamos suspeitas, desconfiança etc. Mas o povo norte americano é um povo

valoroso, é um povo de luta. É diferente do império, é diferente dos exploradores, é

diferente disso e nos temos passagens muito bonitas; a revolução chinesa tem um texto

de Mao Tsé Tung que ele diz o seguinte: “Em memória de Norman Bethune”, era um

médico norte americano que foi pra China e morreu lá. O Mao escreveu o texto “Em

memória de Norman Bethune” dizendo o seguinte, aquele cidadão norte americano

deixou seu país, veio se juntar ao povo chinês, lutar aqui e aqui morrer, veio dar sua

vida. Então é um texto de homenagem. Nós temos que fazer essa separação do

imperialismo e do povo, por que senão... Nós temos que apostar é que o povo norte

americano, mais dia menos dia, também fará as mudanças que o mundo precisa, lá.

Realizarão o socialismo e a sociedade do futuro, que é o sonho de todos os povos do

mundo. Então o povo americano seguramente, também realizará essa proeza, mais dia

menos dia.

ROBERTO FRANCA – Agora, Alanir, embora eu concordando, eu concordando com

as palavras de Alanir, mas eu quero dizer que dentro daquele contexto, eu quero dar um

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depoimento meu. Eu mesmo me surpreendi muito quando eu conheci Fred Morris e vi

as publicações que ele fazia com o jornal Meso-América. Eu nunca tinha visto um norte

americano de esquerda. Escrevendo o que ele escrevia para toda América Latina. O

jornal circulava, era um jornal impresso muito grande, circulava e era surpreendente. Eu

nunca tinha visto uma espécime dessa, foi em 82. Isso foi em 82. Pois é, mas você falou

muito aqui na... Veja, a Comissão da Verdade da Memória, ela resgata uma série de

aspectos desses últimos anos da repressão e aqui se falou muito de mimeógrafo. E eu

vou dar um depoimento que não tem a ver com Alanir, mas é muito interessante a

respeito do mimeógrafo. Quando o padre Veloso, o padre Reginaldo Veloso foi

processado na Lei de Segurança Nacional, foi preso e ele foi condenado, inclusive, pela

Auditoria Militar, porque ele escreveu aquele poema contra a expulsão do padre Vitor

Miracapillo e responsabilizando o Supremo Tribunal Federal. Era o coito venal, o

Supremo Coito Venal. E eu acompanhei o padre Reginaldo no primeiro depoimento na

Audiência Militar, e orientei Padre Reginaldo dizendo: olha o que a Lei de Segurança

pune não é escrever a poesia, é divulgá-la. De forma que você pode assumir que foi

você, mas não fale sobre a divulgação, porque isso é o que tipifica. E quando o auditor

perguntou ao padre Reginaldo: “Foi o senhor que escreveu o poema?” Ele disse: “Foi!”

- “E o senhor tem cópias do texto que foi distribuído lá na igreja em Ribeirão?” Ele

disse: “Cópia do impresso, não. Eu tenho o stencil que foi usado”. (risos) Então todo

jornal que se trabalhava na época com jornalzinho, era tudo feito com stencil e tinha um

que não valia nada, era de álcool, e outro que era de tinta, não é? De forma que nós

usávamos muito o stencil. Então no depoimento, Alanir, eu sei que você está muito

cansado, não precisaria ser agora, mas você mencionou um aspecto que não é da minha

relatoria, mas que tem preocupado muito a Comissão. Entre outras coisas, quatro

membros nós estamos com muito poucas informações: dois deles é Eduardo Collier e

Umberto Câmara. Mesmo que a gente não possa esclarecer, elucidar as circunstâncias

da morte, não temos elementos, mas você citou uma coisa que eu pessoalmente

desconhecia, embora não seja o relator, mas desconhecia que Eduardo Collier foi

trabalhar em Minas, na Belgo Mineira.

ALANIR CARDOSO - Na Mannesman, ele foi operário na Mannesman.

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ROBERTO FRANCA - Na Mannesman. Nós pretendemos também publicar alguma

coisa da biografia desses militantes que morreram. Mesmo que a gente não saiba das

circunstâncias. Você saberia mais alguma coisa sobre Eduardo e Umberto? Umberto,

quer dizer, Eduardo foi pra Minas, mas tem mais alguma informação sobre eles, quer

dizer, Eduardo desapareceu no Rio ou supõe-se que foi no Rio, Umberto foi visto no

ônibus, mas são coisas muito primárias. Você teria mais alguma?

ALANIR CARDOSO - Não. Veja, olhe só, sobre Duda, Eduardo, eu militei com ele

por um tempo largo. Nós militamos em Minas, ele chegou por lá em meados de 69, final

do ano, e foi até 71. Nas quedas, aí nós nos apartamos assim, aí não tive mais notícias

dele. Soube depois que ele tinha ficado na corrente que ficou a minoria. Durante o

tempo que ele ficou em Minas, tem passagens interessantes. A gente conviveu, não foi

só esse negócio de eu monitorar ele sair do trabalho. Nós nos encontrávamos, tínhamos

reunião. Não sei se é uma coisa conhecida mas, nessa época, ele tinha uma relação

pessoal e afetiva com uma companheira do Espírito Santo que eu falei dela aqui, Jussara

Lins. Era uma estudante de arquitetura no Espírito Santo. O pai dela tinha sido reitor da

Universidade Federal do Espírito Santo. Uma pessoa assim, muito talentosa, capaz e

como estavam atuando, militando lá um período, eles se relacionavam, mas Jussara foi

presa nessas quedas que houveram em Minas, não sei se eles se reencontraram depois,

não é? A gente podia tentar ver. Ele era uma pessoa extraordinária, um cara capaz,

dedicado, talentoso. Esse negócio de ter assumido ser operário, porque Eduardo é filho

de uma família de empresários daqui de Pernambuco, foi estudar na Bahia, foi militante

do movimento estudantil, foi estudante de Direito, foi da UEB. E ele topou ser operário

pra pegar no pesado, não era um operário qualquer. Era operário pra trabalhar botando

carvão, a noite, pra alimentar as caldeiras. E isso com muita disposição e como uma

forma de se ligar aos trabalhadores, muito preocupado com isso, de se ligar de fazer

relações e etc. e etc.

NADJA BRAYNER - Eu só queria dizer, acrescentar, uma questão. O que nós não

temos, de fato, nada, informação nenhuma no momento é sobre Umberto Câmara. De

tudo o que a gente levantou no caso, por exemplo de Honestino, tem alguém que viu,

que deu alguma informação. O próprio caso de Eduardo Collier e de Fernando Santa

Cruz, foi encontrado algum documento em tal local que tinha lá escrito: “falecido” ou

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alguma informação. Só que de Umberto a gente não tem nada! Só o que a gente sabe de

Umberto é que, como a gente fez todo, tem feito, aliás, por que continua, é um

rastreamento a partir do Prata, do Gilberto. A gente sabe que teria sido dia 8 de outubro,

quando ele saiu pra um encontro com Mata Machado, e a partir daí, como a gente tem

as informações de Mata Machado, que não foi preso nessa data, ele foi preso 10 dias

depois, mas ele teria esse encontro com Mata Machado, e ele saiu de um determinado

local, que se sabe de onde foi, e não voltou. É a única coisa, mais nada. De todos os

papéis que Lília Gondim, Rafael, os nossos pesquisadores que foram para Brasília,

pegar documentos no Arquivo Nacional, e enfim, de tudo que foi de arquivo, nada a

gente encontrou assim que desse uma mínima pista com relação a ele. A gente continua

a tentar, até concluirmos o trabalho, mas é complicado também porque a gente não teve

e não tem acesso a família dele. Eu não sei se vocês teriam... Ocorreram muitas coisas

com relação à família, no momento que ele militava, enfim e pra nós está muito difícil

esse caso por que a gente não tem absolutamente nada até o momento.

ROBERTO FRANCA - Eu gostaria de encerrar, inicialmente agradecendo a presença

de todos. Eu estou vendo muitas autoridades importantes desse partido disciplinado que

é o PC do B que está aqui e quero fazer um pedido ao depoente, que quando ele...

Certamente irá voltar, em outros fóruns, aqui também, pra contribuir e em outros fóruns

contando essa dolorosa experiência que é histórica, que é importante, pra se conhecer a

ditadura que os jovens não sabem, e hoje às vezes, reclamam das coisas, mas que não

tem ideia de como foi, mas eu pediria ao depoente que não incluísse a vinda ao

SINDSEP, como mais um local de tortura, de forma que eu declaro encerrada essa

sessão. (aplausos) ------------------------------------------------------------------------------------

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