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Escritório Regional de Educação para a América Latina e o Caribe PRELAC, UMA TRAJETÓRIA PARA A EDUCAÇÃO PARA TODOS PANORAMA SÓCIO-EDUCACIONAL: Cinco visões sugestivas sobre a América Latina e o Caribe educação para todos revista prelac / Ano 1 / N° 0 / Agosto de 2004 projeto regional de educação para a américa latina e o caribe

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Escritório Regional de Educaçãopara a América Latina e o Caribe

PRELAC, UMA TRAJETÓRIA PARA A EDUCAÇÃO PARA TODOS

PANORAMA SÓCIO-EDUCACIONAL: Cinco visões sugestivas sobre a América Latina e o Caribe

educação para todos

revista prelac / Ano 1 / N° 0 / Agosto de 2004projeto regional de educação para a américa latina e o caribe

educação para todos

projeto regional de educação para a américa latina e o caribe

revista prelac / Ano 1 / N° 0 / Agosto de 2004

Escritório Regional de Educaçãopara a América Latina e o Caribe

revistaprelac

É permitida a tradução total e parcial do texto publicado, desde quese indique a fonte.

Os autores são responsáveis pela seleção e apresentação dos fatoscontidos nesta publicação, assim como pelas opiniões nela expressas,as quais não são, necessariamente, as da UNESCO e nãocomprometem a Organização.

As denominações empregadas nesta publicação e a apresentaçãodos dados que nela figuram não implicam, de parte da UNESCO,nenhuma tomada de posição com respeito ao estatuto jurídico depaíses, cidades, territórios ou zonas, ou de suas autoridades, nemcom respeito ao traçado de suas fronteiras ou limites.

Publicado pelo Escritório Regional de Educação da UNESCO para aAmérica Latina e o CaribeOREALC/UNESCO Santiago

Diagramação:Wacquez&O’Ryan

Tradução: Leda Beck

ISSN: XXXXXXXXXXXXX

Impresso no Chile por Andros Ltda.Santiago, Chile, XXXXXXX 2004

revistaprelac / No 0

apresentação

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 3

Ana Luiza MachadoDiretora

Escritório Regional de educação da UNESCOpara América Latina e o CaribeOREALC/ UNESCO Santiago

CColocamos em suas mãos a nova revista do PRELAC, Projeto Regional de Educação

para a América Latina e o Caribe, publicada pela OREALC/UNESCO Santiago.

Como toda abertura, vem acompanhada de celebração e desafios.

A revista marca uma linha de continuidade com esforços anteriores. Pretende manter

ativas e enriquecer as linhas de debate abertas pelo boletim sobre o Projeto Principal

de Educação na América Latina e no Caribe, cujo ciclo concluiu-se no ano 2000 com

a edição número 50.

Pretende, além disso, dar conta de novas realidades e perspectivas. Insere-se num

contexto diferente que interpela a educação e seu papel para o desenvolvimento

humano com perguntas e provocações diversas. Se enquadra, além disso, no olhar

renovado do Projeto Regional para Educação da América Latina e do Caribe, PRELAC

2002-2017, carta de navegação da OREALC/UNESCO Santiago orientada para o

cumprimento das metas de qualidade e igualdade da Educação Para Todos.

Pela transcendência do PRELAC como marco estratégico, abrimos a revista com

uma síntese dos principais conteúdos do projeto e uma referência a seu significado

e articulações. Esta edição também inclui cinco palestras apresentadas na Primeira

Reunião Intergovernamental do PRELAC, realizada em Havana, Cuba, em novembro

de 2002, que contribuíram para o debate de temas educativos do novo Projeto Regional.

As exposições abordam, a partir de diversos pontos de vista, os desafios da região:

situação social e educação; igualdade e exclusão; aprendizagem e conhecimento;

reformas educacionais e qualidade; situação e importância dos docentes; e gestão e

participação social.

A partir do próximo número, contaremos com a orientação e a contribuição de um

Conselho Editorial formado por Fernando Reimers, Martin Carnoy, José Joaquín

Brunner, Aignald Panneflek, Álvaro Marchesi, Guiomar Namo de Melo e Ana Luiza

Machado.

Esperamos que a revista contribua com elementos significativos para o debate e para

a tomada de decisões sobre as políticas e novas práticas educacionais demandadas

pela região para conseguir a liberdade, o bem-estar e a dignidade de todos, por toda

parte.

3/ APRESENTAÇÃO

7/ PRELAC. UMA TRAJETÓRIA REGIONALEM DIREÇÃO À Educação para Todos

13/ SITUAÇÃO SOCIAL ATUALNA AMÉRICA LATINA E NO CARIBE E SUA INFLUÊNCIANO DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO.Rolando Franco.

25/ EDUCAÇÃO 2000. SOBRE CONHECIMENTOE APRENDIZAGEM PARA O NOVO MILÊNIO.Roberto Carneiro.

43/ MAIOR acesso, igualdade e qualidadeNA EDUCAÇÃO DA AMÉRICA LATINA.Martín Carnoy.

65/ POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DOCENTEna Comunidade do Caribe.Errol Miller.

85/ Algumas dimensõesda PROFISSIONALIZAÇÃO dos docentes.Emilio Tenti.

Conteúdo

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revistaprelac / No 0

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Escritório Regional de Educaçãopara a América Latina e o Caribe

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200

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PRELAC, UMA TRAJETÓRIA PARA A EDUCAÇÃO PARA TODOS

PANORAMA SÓCIO-EDUCACIONAL: Cinco visões sugestivas sobre a América Latina e o Caribe

Escritório Regional de Educação para a América Latina e o Caribe

revista prelac / Ano 1 / N° 0 / Agosto de 2004projeto regional de educação para a américa latina e o caribe

revistaprelacprojeto regional de educaçãopara a américa latina e o caribe

revistaprelac

“La Educación ha de eliminar o compensar la desigualdad, pero no la diferencia”.Proyecto Regional de Educación para América Latina y el Carib

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 5

Um cenário inquietante O começo do novo século encontra aAmérica Latina e o Caribe com dois problemas preocupantes:os níveis de desigualdade mais altos do mundo e um grauelevado de vulnerabilidade das instituições mais importantes.

Os prognósticos otimistas sobre a situação econômica nãose realizaram. Os níveis de pobreza (211 milhões de pessoas)e de indigência (80 milhões) do final dos anos 90 mostraramsinais de agravamento. Aumentaram as disparidades entrepaíses e no interior de cada país.

A pobreza e a desigualdade mostraram seu rosto maisdesumano na distribuição da riqueza. A renda dos 10% maisricos supera, em muitos países, em até 20 vezes a renda dos40% mais pobres. Cerca de 70% dos habitantes da regiãoreside em domicílios com uma renda inferior à média. Aspolíticas sociais não cumpriram o papel redistribuidor que seesperava delas.

A Declaração qualifica as

propostas do PRELAC como

“...prioridades básicas e

compromissos para os países da

região, [que] demandam a adoção

pelos governos das medidas

legislativas e acordos educativos

nacionais que garantam sua

sustentabilidade…”

O PRELAC dá continuidade aosesforços encetados pelo Projeto Principalde Educação (1980-2000) e constitui umapoio aos planos de ação da Educaçãopara Todos adotados no Fórum Mundialde Dakar (2000) e na Reunião Regionalpreparatória de Santo Domingo. Seuantecedente imediato é a Reunião deMinistros da Educação realizada emCochabamba (2001), que encarrega aUNESCO da preparação de um novoProjeto Regional para orientar o saltoqualitativo requerido pela região emtermos educacionais.

O Projeto Regional de Educação paraa América Latina e o Caribe –PRELAC-foi aprovado na Primeira ReuniãoIntergovernamental realizada na cidadede Havana, Cuba, entre 14 e 16 denovembro de 2002. Os ministros daEducação presentes e os representantesde 34 países aprovaram-no, assim comoo seu Modelo de Acompanhamento.Todos firmaram a Declaração de Havana,que ratifica a vontade política de apoioao Projeto, cujo horizonte de realizaçãoé de 15 anos.

PRELACA educação é o único provedor

de uma prosperidade humana sustentável

Uma trajetória regional em direção àEducação para Todos

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 7

O cenário em que nasce o PRELAC também apresentacondições que vão além da região. Essas condições estãorelacionadas com a vertiginosa evolução do conhecimento, aruptura de espaços e tempos com as novas comunicações,as mudanças em padrões de conduta e de valores e osmovimentos migratórios, entre outros, que oferecem à sociedadee, portanto, à educação novas interpretações, novos desafios.

Um mundo cheio de conquistas mas também de inquietudestranscendentes exige re-significações para o próprio sentidoda educação. Um mundo em permanente transformação econsciente da riqueza de sua diversidade demanda esforçosinegáveis para encontrar respostas criativas e integradas àeducação.

Olhar renovadosobre velhos problemas Além de considerar

o contexto, o PRELAC valoriza osesforços desenvolvidos na região noquadro do Projeto Principal de Educaçãoe na implementação de programas dereforma e melhoria da qualidadeeducacional. Reconhece, porém, que osresultados obtidos ainda são insuficientese que um conjunto importante decarências ainda precisa ser enfrentadona região.

No balançø que o PRELAC realizasobre estes aspectos pendentes, figuramtemas cruciais como o analfabetismo esua persistência no mundo, e as tarefaspor cumprir na universalização daeducação básica, cujos índices derepetência, abandono e atraso escolarcontinuam sendo preocupantes.

O Projeto chama a atençãoigualmente para a desigualdade nadistribuição das oportunidadeseducacionais e seu impacto em gruposexcluídos de pessoas com necessidadesespeciais, povos nativos, zonas rurais

isoladas, zonas urbanas marginais. Comrelação à qualidade educacional, advertepara o longo caminho que ainda faltapercorrer.

O diagnóstico também destaca aausência de políticas integrais paraformação e carreira docente. Citam-se,além disso, as carências com relação atempo efetivo para aprendizagem,formação científica e papel das novastecnologias. O Projeto enfatizaadicionalmente as limitações na gestãoeducacional, o financiamento e aalocação de recursos, e a ampliação dofosso entre a escola privada e a pública.

A partir da leitura do contexto, dasproblemáticas educativas e docompromisso dos países em alcançaruma Educação para Todos em 2015, oPRELAC desenvolve três abordagensrelevantes, que marcam seu novo olhare compromisso. Eles se expresam emseus objetivos, princípios e focosestratégicos.

revistaprelac

A situação de desemprego e subemprego é uma dasexpressões mais visíveis da pobreza e da exclusão. O saldoé, sem dúvida, negativo: redução do emprego de massa,diminuição da qualidade do trabalho, subutilização dapopulação qualificada, incremento do trabalho informal,precariedade das remunerações, instabilidade no trabalho. Asmais afetadas continuam sendo as populações indígenas, asmulheres, os jovens e as pessoas de baixa renda.

Além dos problemas causados pelo desemprego e suaincidência em todas as instâncias da vida, a região tambémassiste a mudanças produzidas pela tecnologia e pelos meiosde comunicação, à degradação do meio-ambiente, à violênciae ao aumento dos conflitos, aos problemas de governabilidade,à discriminação racial e cultural e ao enfraquecimento daintegração regional.

8

PRELAC. Uma trajetória regional em direção à Educação para Todos

Princípios

Os quatro princípios que nutrem oProjeto constituem uma contribuiçãooriginal. Eles sugerem novas esignificativas pautas para a análise e aavaliação de iniciativas. Em cada umdeles, estão subjacentes importantesavanços sobre a compreensão depolíticas e práticas educativas.

• Dos insumos e da estrutura às pessoas.Este princípio implica desenvolver asmotivações das pessoas e suascapacidades para que utilizemadequadamente os insumos e secomprometam com a mudançaeducacional e seus resultados. Supõeuma passagem da visão de atores à deautores dos processos educativos, dasdecisões individuais à cooperação entresujeitos.

• Da mera transmissão de conteúdos aodesenvolvimento integral das pessoas.Propõe assumir plenamente a condiçãodos estudantes como sujeitos de direitosque necessitam uma educação quepotencialize ao máximo seudesenvolvimento como pessoas em suas

múltiplas dimensões, e lhes permitainserir-se na sociedade e nela influir.Demanda superar a aprendizagemcentrada unicamente em conhecimentospara considerar também aspectosafetivos, relações, capacidades deinserção e atuação social,desenvolvimento ético e estético.

• Da homogeneidade à diversidade.Demanda alcançar o difícil equilíbrio deuma oferta que proporcione uma culturacomum, que asegure a igualdade deoportunidades e considere, ao mesmotempo, as diferenças culturais, sociais eindividuais, dada sua grande influênciana aprendizagem e na construção daidentidade de cada pessoa e de cadagrupo social.

• Da educação escolar à sociedadeeducadora. Reconhece que os âmbitosde aprendizagem são cada vez maisnumerosos e que nem todos passam pelaeducação escolarizada. Estimula o saltoem direção a uma sociedade educadora,com múltiplas oportunidades paraaprender e desenvolver capacidades daspessoas ao longo da vida.

Objetivos

O PRELAC procura “...promovermudanças nas políticas e práticaseducacionais, a partir da transformaçãodos paradigmas educacionais vigentes,para assegurar aprendizagens dequalidade, voltadas para odesenvolvimento humano, para todos aolongo da vida. As políticas educacionaisdevem ter como prioridade tornarefetivos, para toda a população, o direitoà educação e à igualdade deoportunidades, eliminando as barreirasque limitam a plena participação e aaprendizagem das pessoas...”

O Projeto encontra seu sentido namobilização e articulação da cooperaçãodentro e entre os países, para propiciaro sucesso dos objetivos de Dakar (2000-2015). O PRELAC pretende constituir umfórum técnico e político que promova odiálogo e a construção de alternativasentre todos os atores da sociedade.Aspira alimentar políticas educacionaisinovadoras, que diminuam asdesigualdades na região e tornemrealidade uma educação de qualidadepara todos e todas.

Focos estratégicos A incorporação de focos estratégicos no PRELAC propicia visões melhorpriorizadas, mais integradoras e transcendentes para a reflexão. Constituem temascentrais, que cada país está convidado a considerar para cumprir as metas daEducação para Todos.

Implica contribuir para discernir qual é o sentido da educação num mundo deincerteza e mudança. É preciso agregar, às aptidões que oferece a educação atual,abordagens para o exercício da cidadania e para a construção de uma cultura depaz. Os quatro pilares de aprendizagem do Informe Delors são um guia excelentepara interrogar-se sobre os sentidos da educação; aprender a ser, a conhecer, afazer e a viver juntos. O PRELAC explicita, por sua importância, um pilar adicional:aprender a empreender.

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 9

Foco nos conteúdos e práticas da educação, para construir sentidos sobre nós mesmos,

os outros e o mundo em que vivemos.

1.

revistaprelac

10

Demanda apoiar políticas públicas que reconheçam a função social do docente evalorizem sua contribuição para a elaboração de políticas e para a transformaçãoeducacional. Demanda formação em aptidões novas para encarar os desafios doséculo XXI e o compromisso com a aprendizagem dos alunos.

Melhorar a qualidade e igualdade passa pela transformação da cultura e dofuncionamento da escola. Implica construir novas relações marcadas pela vivênciacotidiana dos valores éticos e democráticos, para formar cidadãos competentes.Supõe a adoção de processos de participação na tomada de decisões nos váriosníveis do sistema educacional.

Pressupõe a transformação da organização e das normas rígidas dos atuais sistemaseducacionais, para oferecer propostas diversificadas, que reconheçam aheterogeneidade das necessidades educativas e atribuam maior grau de autonomiaàs escolas. Enfatiza, além disso, a necessidade de colocar a gestão a serviço daaprendizagem dos estudantes.

Sugere políticas públicas que consigam que o sistema educacional, a comunidadeescolar e a sociedade em geral se responsabilizem pela educação. É preciso vontadepolítica para gerar condições e mecanismos de participação e de prestação decontas da cidadania em todos os níveis.

Foco nos docentes e fortalecimento de sua importância na mudança educacional,

para que respondam às necessidades de aprendizagem de seus alunos.

Foco na cultura das escolas para que estas se convertam em comunidades de

aprendizagem e participação.

Foco na gestão e flexibilização dos sistemas educativos para oferecer oportunidades

de aprendizagem efetiva ao longo da vida.

Foco na responsabilidade social pela educação para gerar compromissos com

seu desenvolvimento e resultados.

2.

3.

4.

5.

Continuidadee novas contribuições Como já se afirmou,

o PRELAC marca uma linha decontinuidade com esforços anteriores anível regional e mundial. De um lado,com o Projeto Principal de Educação,que conseguiu estabelecer prioridadese enfoques comuns nas decisões deâmbito educativo da América Latina edo Caribe; de outro, com o movimentomundial da Educação para Todos (EPT),eixo ordenador do trabalho da UNESCO

e cujos seis objetivos estabelecidos emDakar são obrigatórios para os países.

O PRELAC não é uma nova entidade;foi concebido e desenvolvido comosuporte e em estreita articulação comesse movimento pela educação dequalidade para todos ao longo da vida.Este Projeto representa um fórum a partirdo qual se reflita sobre como alcançaras metas da EPT, analisandocriativamente as opções de política

O texto do PRELAC

e outras informações complementares

podem ser encontrados em: www.unesco.cl

educacional mais adequadas para osdiferentes contextos da região. OPRELAC se converte, assim, numconjunto de estratégias regionais paraapoiar a construção efetiva de umaeducação de qualidade para todos naAmérica Latina e no Caribe.

Destacam-se três qualidadesespeciais do PRELAC. A primeira refere-se ao fato de que seu enfoque é críticomas também faz propostas diante dosníveis de sucesso alcançados emeducação. A segunda está relacionadacom a incorporação de elementosparticulares da realidade da AméricaLatina e do Caribe (em alfabetização,diversidade cultural, desigualdade, etc.).E a terceira, de caráter estratégico, refere-se à sua contribuição com respeito ao“como” avançar em direção às metas daEPT.

“É indispensável que o desenvolvimento de políticas educacionais

se inscreva num processo amplo de transformação social e num

projeto político” (PRELAC)

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 11

PRELAC. Uma trajetória regional em direção à Educação para Todos

Finalmente, é importante insistir nacontribuição trazida pela inclusão dessesprincípios e focos estratégicos: sãoolhares para comprender velhos e novosproblemas, para tecer visõesintegradoras e sistêmicas.

Difundir as contribuições do PRELAC,posicioná-las e debatê-las com os atores-chave da região constitui uma tarefainadiável.

Rolando Franco1

SITUAÇÃOSOCIAL ATUAL

na América Latina e no Caribe e sua influênciano desenvolvimento da educação

Quero agradecer à UNESCO pelo convite que me fez para intervir nesta sessão.Mas tenho sentimentos ambígüos com relação à minha participação aqui,especialmente porque me vem à memoria o destino que sofriam na antigüidade osmensageiros de más notícias. E esta, creio, é minha função nesta ocasião, quandose me pede que fale sobre a situação social atual na América Latina e a influênciaque ela pode ter no desenvolvimento da educação.

Em resumo, a situação econômica, social e política atual na América Latina épreocupante. Quebrou-se a tendência dos primeiros sete anos da década de 90,durante os quais houve um crescimento relativamente importante, que gerou muitasexpectativas otimistas sobre o futuro da América Latina e do Caribe. A crise asiáticamudou a tendência, trocando-a primeiro por um desaceleramento e, posteriormente,até por taxas negativas no início do novo século em vários países importantes daregião. Isto levou a que se fale de uma nova “meia década perdida”, o período 1997-2002, que se agrega aos dez anos negativos dos 80.

1 Intervenção realizada na Primeira ReuniãoIntergovernamental do Projecto Regional deEducação para a América Latina e o Caribe,Habana, Cuba, 14-16 de novembro de 2002.

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 13

Doutor en Direito e Ciências Sociais e PesquisadorSocial, Diretor da Divisão de DesenvolvimentoSocial da Comissão Econômica para a América

Latina e o Caribe (CEPAL).

revistaprelac

Para exemplificar a deterioraçãopode-se mencionar o que ocorreu emmatéria de “emprego”, que é o elementoque articula o econômico com o social.Normalmente, o crescimento econômicose traduzia na geração de postos detrabalho, que permitiam às pessoas obterum salário e satisfazer assim, de maneiraautônoma, suas necessidades e as desuas famílias. Na década de 90, pareceque crescimento e geração de empregose dissociaram (ver gráfico 1) 2. Pertode 32 milhões de pessoas seincorporaram à população urbanaeconomicamente ativa. Só 9,1 milhõesdelas conseguiram empregos formais,enquanto quase 20 milhões partirampara o setor informal (gráfico 2). Os maisafetados pela incidência do desempregocontinuaram sendo as mulheres, osjovens e as pessoas de renda baixa emédia (gráfico 3). Ou seja, o balanço emmatéria de emprego é especialmentenegativo.

Setor informal

Setor formalEmpregados

10,8 milhões de pessoas, dasquase 40 milhões que seincorporaram à força detrabalho entre 1990 e 1999,não encontraram um empregoou perderam o seu

E quase 20 milhões dos 29milhões de novos empregosgerados entre 1990 e 1999corresponderam ao setorinformal

Fonte: CEPAL, tabulações especiais das pesquisas dedomicílios dos respectivos países.

9,1 milhões19,9 milhões

Desempregados

29,0 milhões

10,8 milhões

2 Toda a informação estatísticaprovém de diversas edições doPanorama Social da América Latina,publicação periódica da CEPAL.

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Taxa

s de

des

empr

ego

6.65.8

7.8 8.3

5.5

3.7

2.0

13.1

11.3

15.5

24.8

27.8

15.6

11.2

8.0

4.6

14.015.8

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

Ambosos sexos

Homens Mulheres Jovens15-24anos

Quintil 2 Quintil 3 Quintil 4 Quintil 5

1994 1999

Fonte: CEPAL, tabulações especiais das pesquisas dedomicílios dos respectivos países.

Perfil do desemprego urbano nos países mais afetadospelo desemprego entre 1994 e 1999

ArgentinaBrasilChile

ColombiaEcuador

ParaguayUruguay

Venezuela

6,65,8

7,8 8,3

5,5

3,72,0

13,111,3

15,5

24,8

27,8

15,6

11,2

8,0

4,6

14,015,8

1994 1999Argentina

BrasilChile

ColômbiaEquadorParaguaiUruguai

Venezuela

Quintil 1

A INSUFICIENTE GERAÇÃO DEPOSTOS DE TRABALHO ELEVOU ODESEMPREGO E A INFORMALIDADENAS ZONAS URBANAS.

GRÁFICO 2

O DESEMPREGO DISSOCIOU-SE DO CRESCIMENTOECONÔMICO. O PROBLEMA É PARTICULARMENTEAGUDO NA AMÉRICA DO SUL.

GRÁFICO 1

O DESEMPREGO CONTINUA AFETANDORELATIVAMENTE MAIS AS MULHERES,OS JOVENS E AS PESSOAS DE BAIXA

E MÉDIA RENDA

GRÁFICO 3

ISTO GEROU NOVOS DESAFIOS EMTERMOS DE PROTEÇÃO SOCIAL

Taxa de variação anual

-1

0

1

2

3

4

5

Empregoassalariado

Trabalho porconta própria

Indústria demanufatura

México e América Central América do Sul

Taxa de desempenho

-2

2

6

10

14

1990 1999

Some-se a isto alguns aspectosvinculados com a educação, que é otema que hoje nos reúne, que tambémforam negativos. Nos anos 90, houveuma melhoria importante na formaçãode recursos qualificados da região(gráfico 4), onde se destacam osavanços conseguidos pelas mulheresmais qualificadas (gráfico 5). Isto exigiu,sem dúvida, um notável esforço dassociedades latino-americanas ecaribenhas. Apesar disso, os avançosconseguidos em educação secundáriae universitária mostram um atrasocrescente com relação aos paísesdesenvolvidos membros da OCDE e aospaíses industrializados da Ásia (gráfico6). O progresso alcançado na AméricaLatina não permite sequer acompanharo crescimento que nessas áreas se dãonesses outros dois grandesconglomerados de países.

SITUAÇÃO SOCIAL ATUAL na América Latina e no Caribe e sua influência no desenvolvimento da educação

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 15

3,12,6

8,8

6,7

3,32,8

7,3

6,3

0,0

1,0

2,0

3,0

4,0

5,0

6,0

7,0

8,0

9,0

10,0

População entre 25e 59 anos

População semqualificação

Técnicossuperiores

Profissionaisuniversitários

Total nacional Zonas urbanas

Taxa

méd

ia a

nual

de

varia

ção

A COBERTURA EDUCACIONALAUMENTA, MAS SE ATRASA EMRELAÇÃO À ÁSIA E À OCDE

GRÁFICO 6

Evolução da população urbana de 25 a 59 anos de idadecom qualificação técnica ou profissional segundo o sexo, 1990-1999

(taxa média anual de variação)

0,0 5,0 10,0 15,0 20,0 25,0 30,0

Total países

UruguayBrasil

ArgentinaCosta Rica

PanamáChile

ColômbiaParaguai

GuatemalaVenezuela

EquadorHonduras

MéxicoEl SalvadorNicaragua

Homens

Mulheres6,48,7

AS MULHERESQUALIFICAM-SE MAIS

GRÁFICO 5

RÁPIDO AUMENTO DA OFERTADE RECURSOS HUMANOSQUALIFICADOS

GRÁFICO 4

Educação secundária

0

50

100

150

América Latina ERI da Ásia OCDE

1985 1997

Educação superior

0

20

40

60

80

América Latina ERI da Ásia OCDE

1985 1997

Taxa

s br

utas

de

mat

rícu

laTa

xas

brut

as d

e m

atrí

cula

Além disso, a América Latina não consegue oferecer uma inserção adequadano mercado de trabalho aos que alcançaram esses níveis de formação na região.Nos anos 90, um quarto dos que se incorporaram ao mercado de trabalho tinhamcerta qualificação (4,3 milhões de tipo técnico e 3,6 milhões, profissional). Pode-sedistinguir três fontes principais da sub-utilização da população qualificada. Emprimeiro lugar, cabe mencionar o desemprego aberto, cujas taxas elevadas porperíodos prolongados refletem a incapacidade das economias da região para fazerum uso cabal do acervo de conhecimentos e aptidões da população. Assim, houvemuitas pessoas qualificadas que não conseguiram sequerinserir-se no mercado de trabalho. As sociedades latino-americanas continuam mostrando uma grande incapacidadepara utilizar adequadamente sua população dotada deconhecimentos e aptidões.

Em segundo lugar, muitos desses profissionais e técnicosque procuravam pela primeira vez o mercado de trabalho, sóconseguiram empregos que não lhes permitem pôr em práticaos conhecimentos que adquiriram em sua etapa formativa.Portanto, recebem remunerações que são inferiores às quecorresponderiam a seu nível de formação e que não retribuem oinvestimento educativo em sua educação, feito por eles mesmos,suas famílias e a sociedade. Finalmente, este grupo, assim comooutros postulantes, desanima e abandona a busca de trabalho. São,definitivamente, “desempregados desanimados”, que saem da populaçãoeconomicamente ativa. Assim, há uma inatividade involuntária que afetaprincipalmente as mulheres que carecem de redes de apoio suficientespara compatibilizar o cumprimento de atividades assalariadas e as tarefasdomésticas, que continuam sob sua responsabilidade, apesar das mudançasculturais que se produziram nessas sociedades.

Em conclusão, a escassa geração de postos de trabalho de qualidadeé talvez o principal obstáculo para conseguir maior igualdade na distribuiçãodos frutos do crescimento. Ela impede a absorção do aumento da oferta derecursos humanos com qualificação técnica e profissional.

Quais são as conseqüências, no âmbito social, deste estancamento nageração de empregos? O desemprego é o principal fator determinanteda pobreza. Nos períodos em que há crescimento econômico geram-seempregos e, como resultado, reduz-se a proporção da população latino-americana abaixo da linha de pobreza. Essa tendência cessou em1997 e, no final de século, estabilizou-se a proporção de pobres emrelação à população total. Houve uma leve melhoria em 2000, eem 2001 e 2002 voltou a crescer o número absoluto de pobres.As projeções da CEPAL indicam que 43% da população latino-americana é pobre e 18,6%, indigente (gráfico 7), isto é, maisde 214 milhões de pessoas estão abaixo da linha de pobreza(gráfico 8). Em 2002, acrescentaram-se a esse número outros10 milhões de pobres.

revistaprelac

16

48,343,5 43,8 42,1 43,0

0

10

20

30

40

50

1990 1997 1999 2000 a/ 2001 a/

Porcentual de pessoas pobres e indigentes

Indigentes Pobres não indigentes

Por

cent

ual

22,519,0 18,5 17,8 18,6

a/ As cifras para 2000 e 2001 são estimativas.

GRÁFICO 7

ENTRE 1997 E 2001, NÃO HOUVE MELHORANOS NÍVEIS DE VIDA DA POPULAÇÃO DA

AMÉRICA LATINA…

GRÁFICO 8

… E O NÚMERO DE PESSOASPOBRES NA REGIÃO AUMENTOU

EM MAIS DE 10 MILHÕES.

1990 1997 1999 2000 a/ 2001 a/

Volume de população pobre e indigente

Indigentes Pobres não indigentes

Milh

ões

200,2 203,8 211,4 206,7 214,3

0

200

250

300

93,4 88,8 89,4 87,5 92,8

50

100

150

a/ As cifras para 2000 e 2001 são estimativas.

Paíse

É importante destacar que tambémcom relação à incidência da pobreza hásituações muito diferentes na AméricaLatina (gráfico 9). Pode-se distinguir trêstipos de situações nacionais, no momentoatual. Alguns países, no início do novoséculo, viram agravada a situação depobreza. Outros conseguiram manter asituação pré-existente. E, finalmente, umterceiro grupo conseguiu, apesar docontexto internacional adverso, diminuira pobreza.

Note-se, também, que o impacto queproduz o crescimento econômico naredução da pobreza varia segundo ospaíses. Para igual taxa de crescimento,alguns são mais eficazes em reduzir apobreza (gráfico 10).

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 17

Cabe assinalar que a metodologiade medição utilizada pela CEPAL baseia-se no estabelecimento de uma linha depobreza que é equivalente ao custo deduas cestas básicas de alimentos (emáreas urbanas). Isso está baseado nofato de que os domicílios que recebemrenda próxima à linha de pobrezadestinam metade de sua renda asatisfazer necessidades alimentares e aoutra metade a cobrir outrasnecessidades básicas. Considera-seindigentes as pessoas cuja renda éinferior ao custo da cesta alimentar.

SITUAÇÃO SOCIAL ATUAL na América Latina e no Caribe e sua influência no desenvolvimento da educação

-8

-6

-4

-2

0

2

4

-2 0 2 4 6 8Variação porcentual do PIB per capita

América Latina (14 países): variação média anual do PIB per capitae da incidência de pobreza, 1990-1999 (porcentuais)

Costa Rica

Argentina

ChileUruguai

Panamá

BrasilEl Salvador

MéxicoColômbia Nicarágua

Guatemala

Venezuela

EquadorHondurasAMÉRICA LATINA

Var

iaçã

o po

rcen

tual

da

inci

dênc

ia d

e po

brez

a

Efeitos fracos deredução da pobreza

Efeitos fortes deredução da pobreza

Por

cent

ual

América Latina (15 países): taxas de pobreza 1997 e 2001

0102030405060708090

Méx

ico

R. D

omin

ican

a

El S

alva

dor

Pan

amá

Chi

le

Bol

ívia

Cos

ta R

ica

Hon

dura

s

Ven

ezue

la

Bra

sil

Uru

guai

a/

Equ

ador

a/

Col

ômbi

a

Arg

entin

a a/

Par

agua

i

Países

1997 2001a/ Zonas urbanas

GRÁFICO 10TAXAS SIMILARES DECRESCIMENTO PRODUZIRAMDIFERENTES VARIAÇÕES NOSNÍVEIS DE POBREZA

GRÁFICO 9

A EVOLUÇÃO DA POBREZAAFETOU OS PAÍSES

DE MANEIRA DESIGUAL.

revistaprelac

A nota de otimismo no panoramasombrio que está vivendo a região vemjustamente de duas boas notícias: pode-se reduzir mais a pobreza quando hácrescimento, se se fazem boas políticaspúblicas, e também se pode reduzí-laou não aumentá-la em períodos de crise.Isto permite sustentar que a globalizaçãocondiciona o que se passa na AméricaLatina, sem dúvida alguma, mas não odetermina. Há graus de liberdade paraque as políticas públicas implementadaspelos governos produzam resultadosdiferentes em indicadores-chave, comoo crescimento, a geração de empregose a redução da pobreza. Ou seja, nemtudo deriva do quadro exterior. Muito éconseqüência do que se faz em cadapaís.

Qual é a situação dos países latino-americanos com relação aos avançospara atingir a principal meta queaceitaram na Cúpula do Milênio, isto é,reduzir à metade, em 2015, a pobrezaextrema que existia em cada um delesem 1990? A CEPAL sustentou que setrata de uma meta demasiado modestapara os países da América Latina e que,dado o nível médio de desenvolvimentoda região, deveria propor-se como metareduzir à metade a pobreza, não aindigência.

Se se considera a meta fixada pelaCúpula (redução à metade daindigência), há países da região, comoChile e Panamá, que já a teriamalcançado; também a RepúblicaDominicana está perto de conseguí-lo,enquanto o Brasil e o Uruguai estão umpouco mais longe (gráfico 11). Emcompensação, se se aceitasse a metamais exigente proposta pela CEPAL,nenhum país latino-americano a teriaalcançado até agora e muitos deles aindaestão bem longe dela (gráfico 12).

18

GRÁFICO 11

REGISTRARAM-SE GRAUSDIFERENTES DE AVANÇO NO SENTIDODE ATINGIR A META DE REDUZIR APOBREZA EXTREMA À METADE.

Uruguay

Rep.Dominicana

Perú

Panamá

Nicaragua

México

Honduras

Guatemala

El Salvador

Costa Rica

Chile

Brasil

Bolivia

Argentina

América Latina

Colombia

Ecuador

Paraguay

Porcentual de cumprimento da meta entre 1990 e 2000

UruguaiRep.Dominicana

Peru

PanamáNicarágua

MéxicoHonduras

GuatemalaEl Salvador

Costa Rica

ChileBrasil

BolíviaArgentina

América Latina

Colômbia

Equador

Paraguai

-60% -40% -20% 0% 20% 40% 60% 80% 100%

Venezuela

-100% -80% -60% -40% -20% 0% 20% 40% 60% 80% 100%

Uruguay

Rep.Dominicana

Perú

Panamá

Nicaragua

México

Honduras

Guatemala

El Salvador

Costa Rica

Chile

Brasil

Bolivia

Argentina

América Latina

Colombia

Ecuador

Paraguay

UruguaiRep. Dominicana

Peru

PanamáNicarágua

MéxicoHonduras

GuatemalaEl Salvador

Costa Rica

ChileBrasil

BoliviaArgentina

América Latina

Colômbia

Ecuador

Venezuela

Paraguai

Porcentual de cumprimento da meta entre 1990 e 2000

GRÁFICO 12

NENHUM PAÍS CONSEGUIUATINGIR NO ANO 2000 A META

MAIS EXIGENTE DE REDUZIR PELAMETADE A POBREZA TOTAL

As taxas de crescimento econômicoque os países deveriam alcançar até2015 para poder cumprir essas metas daCúpula do Milênio variam de acordo como país. Os que têm maior pobrezadeveriam crescer em torno de 7% ao ano,o que parece dificilmente alcançável,dado o panorama atual. Emcompensação, os países com menorpobreza na região poderiam cumprir estanova meta sem dificuldade, mantendo ataxa à qual cresceram durante algunsanos da década passada (gráfico 13).

Já que em 2001 e 2002 o crescimentoregional foi negativo, essas projeçõesdeveriam ser corrigidas para que ocrescimento nos próximos anoscompensasse a perda produzida nessesanos. Isto exigiria que o conjunto daregião crescesse a 3,2% ao ano parareduzir a pobreza à metade (meta CEPAL)e a 2,7% para gerar essa redução daindigência, segundo estabelece a Metado Milênio (gráfico 14).

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 19

SITUAÇÃO SOCIAL ATUAL na América Latina e no Caribe e sua influência no desenvolvimento da educação

América Latina Países commaior pobreza

Países compobreza média

Países commenor pobreza

GRÁFICO 13

O DESAFIO DE CRESCIMENTOECONÔMICO PARA ALCANÇAR AS DUASMETAS NÃO É EXCESSIVO PARA AREGIÃO, EMBORA SEJA PRATICAMENTEINALCANÇÁVEL PARA OS PAÍSES CONALTOS NÍVEIS DE POBREZA.

0

1

2

3

4

5

6

2,7

5,7

2,7 2,5

4,0 4,1

2,9

7,0

012345678

América Latina Países commaior pobreza

Países compobreza média

Países commenor pobreza

PIB PER CAPITA

PIB TOTAL

América Latina: taxas de crescimento do PIB necessáriaspara reduzir o nível de pobreza de 1990 à metade, 2000-2015

(média anual)

1,4

3,5

1,4 1,3

2,6 2,8

1,7

4,8

Pobreza Extrema Pobreza Total

Taxa

de

cres

cim

ento

Taxa

de

cres

cim

ento

0,0

1,0

2,0

3,0

4,0

5,0

6,0

Gini constante Redução Gini 2% Redução Gini 5%

0,0

0,5

1,0

1,5

2,0

2,5

3,0

3,5

4,0Pobreza Extrema

2,6

4,8

2,8

1,72,2 2,4

1,31,7

4,2

1,9

0,8

4,5

1,4 1,4 1,3

0,9 0,90,6

0,3

2,4

0,4

3,5

3,0

0,0

América Latina: taxas de crescimento do PIB per capita necessárias para reduziro nível de pobreza de 1990 à metade até 2015, com e sem mudanças

na distribuição da renda

Taxa

de

cres

cim

ento

Taxa

de

cres

cim

ento

MESMO ASSIM, PEQUENAS MELHORASNA DISTRIBUIÇÃO DA RENDA TORNAM

MENOS EXIGENTES OS REQUISITOSPARA CONSEGUIR ALCANÇAR AS

METAS DE REDUÇÃO DA POBREZA

GRÁFICO 14

Pobreza Total

América Latina Países conmaior pobreza

Países compobreza média

Países commenor pobreza

América Latina Países conmaior pobreza

Países compobreza média

Países commenor pobreza

revistaprelac

Em terceiro lugar, a educaçãotambém determina a distribuição derenda. E sobre este tema voltaremos afalar mais adiante.

Em quarto lugar está o fatorocupação. Os domicílios pobres têmmenos receptores de rendas e têm maismembros; ou seja, sua densidadeocupacional é especialmente baixa.Estes domicílios têm perto de cincomembros e, no melhor dos casos, háuma pessoa que é remunerada por seutrabalho. Em compensação, os domicíliosnão pobres têm tamanho mais reduzido– são compostos por três membros – e,em muitos deles, há duas pessoas queobtêm uma remuneração do trabalho.Estas diferenças de densidadeocupacional influem notoriamente nadistribuição de renda. Um fatoragravante, que alguns vinculam àglobalização, é que o fosso entre asremunerações dos qualificados e dosnão qualificados tende a crescer.

Em segundo lugar, a concentraçãode renda é muito influenciada pelademografía dos domicílios. Na AméricaLatina, cada vez mais a reproduçãodemográfica da população ficou a cargodos domicílios pobres. Ali nascem muitomais crianças que nos domicílios declasse média e alta. Uma alternativa,então, seria alterar estas tendências, oque levaria, por um lado, a conseguirque as famílias de extratos médios ealtos voltem atrás com relação a seucomportamento reprodutivo atual eaumentem seu número de filhos. Isto nãoparece de fácil realização. Por outro lado,seria necessário – como complementodo anterior ou como alternativa –implementar políticas de paternidaderesponsável, planificação familiar etc,entre as famílias pobres. À parte o fatode que os resultados dessas políticasrequerem muito tempo de maturação,não há dúvida de que também existemdificuldades de implementação. Nemtodos os atores sociais e políticos dassociedades latino-americanasconsideram que essa idéia seja aceitávelem termos de valores.

Fonte: CEPAL, com base em tabulaçõesespeciais das pesquisas de domicílio nosrespectivos países.

a/ Domicílios do conjunto do paísordenados segundo sua renda per capita.

b/ Grande Buenos Aires.

c/ Total urbano.

20

Insiste-se em que o cumprimentodessas metas seria muito mais fácil se,além de voltar a crescer, se avançasseem matéria de redistribuição. Nessesentido, sempre se recorda que aAmérica Latina é a região do mundo quetem a pior distribuição de renda e umdos traços mais destacados é a elevadaparticipação dos 10% mais ricos, quesupera, em muitos países, em 20 vezesou mais os 40% mais pobres (gráfico15). Por sua vez, perto do 70% doshabitantes da região reside em domicílioscom rendas inferiores à média. Tudo issotorna, então, mais justificável que oobjetivo seja não só conseguir crescer,mas também alterar, paulatinamente, demaneira positiva, a atual má distribuiçãode renda.

Ninguém pode discordar dessaproposta. O problema consiste em comoo fazer. Não é fácil alterar a distribuiçãode renda, porque há certos fatoresdeterminantes que são difíceis demanejar através de políticas públicas.

O primeiro fator que influi nadistribuição de renda é a própriadistribuição do patrimônio, o qual seencontra ainda pior distribuído que arenda. Uma das possibilidades, então,de melhorar a distribuição de rendapassa por introduzir modificações namaneira como se está distribuindo opatrimônio. Cada sociedade deveráavaliar se há condições políticas paraavançar nesse sentido.

América Latina (17 países):participação na renda total dos 40%de domicílios mais pobres e dos10% mais ricos, 1999 a/(em porcentuais)

GRÁFICO 15

0

10

20

30

40

50Argentina b/

Bolívia

Brasil

Chile

Colômbia

Costa Rica

Equador c/

El Salvador

GuatemalaHonduras

México

Nicarágua

Panamá

Paraguai

Rep. Dominicana

Uruguai c/

Venezuela

40% mais pobres 10% mais ricos

Então, para melhorar a distribuiçãode renda, há problemas que derivam dadificuldade para modificar os fatoressubjacentes à distribuição e tambémporque os recursos públicos para o socialtampouco têm o impacto redistributivoque deveriam ter.

Voltando ao tema da educação. Naregião há consenso em considerar queela tem um papel crucial tanto para ocrescimento econômico como para amelhoria das condições de bem-estar e,até, para os avanços na construção dacidadania democrática. Poder-se-iamoderar o otimismo, afirmando que aeducação é uma condição necessária,mas não suficiente. Por um lado, contribui

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 21

SITUAÇÃO SOCIAL ATUAL na América Latina e no Caribe e sua influência no desenvolvimento da educação

Finalmente, sempre se menciona ogasto social como um instrumentoatravés do qual pode-se melhorar adistribuição. Convém destacar que,durante os anos 90, o gasto socialaumentou notávelmente na região,embora haja uma enorme dispersão entrepaíses. Isso se aprecia tanto no indicadorgasto educativo como porcentual doproduto interno bruto (gráfico 16), comono gasto por habitante (gráfico 17).Alguns destinam 1.600 dólares porpessoa, enquanto outros gastam só 100.Deixando de lado essas diferenças,todos os países analisados – salvo um– aumentaram seu gasto social nadécada de 90. Isto sucedeu também emeducação. Mas, quando se analisa quemleva quanto do gasto social, pode-seapreciar que o quintil mais rico dadistribuição recebe, através das políticassociais, um porcentual similar ao doquintil mais pobre (gráfico 18). Isto indicaque o gasto social, as políticas sociais,não cumprem na realidade o papelredistributivo que se espera dele (delas).É redistributivo se não se considera aprevidência social e se se toma só ogasto em educação, saúde, habitaçãopopular.

para criar as condições para melhoraro desempenho econômico, ao dotar decapital humano os agentes e permitirsua incorporação aos processosprodutivos, utilizando novas tecnologias,o que tornaria a economia maiscompetitiva. Mas isso não basta; énecessário que se dêem outrascondições – alheias à educação – paraque o desenvolvimento possaconcretizar-se e para que se aproveitedevidamente a contribuição educacional.

0,0 1,0 2,0 3,0 4,0 5,0 6,0 7,0

AMÉRICA LATINA b/Peru

GuatemalaEl Salvador a/

Rep. DominicanaUruguai

ParaguaiMéxico

VenezuelaChileBrasil

HondurasCosta Rica

ArgentinaColômbia

NicaráguaBolívia a/Panamá

1990-19911998-1999

Fonte: CEPAL, Divisão de Desenvolvimento Social,base de dados sobre gastos sociais.a/ A cifra inicial corresponde à média 1994-1995.b/ Média simples dos países, excluídos Bolívia e El Salvador.

América Latina (17 países): gasto público socialem educação como porcentual do PIB

1990-1991 e 1998-1999

3,92,22,3

2,72,8

3,33,73,83,83,93,9

4,14,4

4,74,7

5,76,06,0

2,91,3

1,62,0

1,22,5

1,22,6

3,52,6

3,74,3

3,83,3

3,25,0

5,34,7 GRÁFICO 16

GRÁFICO 17

0 50 100 150 200 250 300 350 400 450

AMÉRICA LATINA b/NicaráguaHonduras

GuatemalaEl Salvador a/

Rep. DominicanaPeru

Bolívia a/ParaguaiColômbia

VenezuelaCosta Rica

MéxicoBrasil

PanamáChile

UruguaiArgentina

13726

32

405257

626266

120140

163167

187198

218383

8622

3225

3518

28

5222

63

129115

104162

12587

130226

202

Fonte: CEPAL, Divisão de Desenvolvimento Social,base de dados sobre gastos sociais.a/ A cifra inicial corresponde à média 1994-1995.b/ Média simples dos países, excluídos Bolívia e El Salvador.

GRÁFICO 18

NÃO OBSTANTE A ALTA REPERCUSSÃODO GASTO SOCIAL NOS 20% MAIS

POBRES, OS 20% MAIS RICOS OBTÉMUM VOLUME SIMILAR DE RECURSOS

CEPAL, Divisão de Desenvolvimento Social, base de dadossobre gasto social.A/ Média simples correspondente a Argentina, Bolívia, Brasil,Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador e Uruguai.

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

Quintil I Quintil II Quintil III Quintil IV Quintil V

Gasto social sem previdência social Gasto social com previdência social

América Latina (8 países): distribuição do gasto social,excluída a previdência social e a previdência social nosquintiles de domicílios (volume total de gasto = 100)

21,1% 20,1% 19,8%18,5%

20,5%

15,8%

5,3%

13,0%

7,1%

11,1%

8,7%

8,7%

9,9%

8,8%

11,7%

1990-19911998-1999

Qua

ntia

tota

l de

gast

o so

cial

América Latina (17 países): gasto público social porhabitante em educação. 1990-1991 e 1998-1999(em dólares de 1997)

revistaprelac

Assim, acredita-se que a educaçãoé um canal redistributivo. Mas aeducação é um bem posicional. Asvantagens que derivam dos anos deeducação alcançados estãorelacionadas com os avanços quealcançam paralelamente as outraspessoas que competem no mercado dotrabalho. Isto obriga os sistemaseducativos a mudar suas metastradicionais. O umbral educativo queuma pessoa tem que ter hoje na AméricaLatina, para alcançar uma probabilidadealta de não cair na pobreza em algummomento de seu ciclo de vida, é de 12anos de educação formal. Portanto, jánão é suficiente que os sistemaseducativos se proponham a entregaruma educação primária – comopostulam, por outro lado, as metas domilênio estabelecidas pelas NaçõesUnidas, para o mundo em geral –, masque o desafio está em assegurar oacesso e o término da educação médiapara todos, como se coloca naconvocatória desta reunião da UNESCO.

22

GRÁFICO 21

HOUVE UMA IMPORTANTEREDUÇÃO DA EVASÃO ESCOLAR

NOS ANOS 90

GRÁFICO 22… QUE FOI MAIS

SIGNIFICATIVA NASZONAS RURAIS

LA COBERTURA EDUCATIVAAUMENTA, PERO SE REZAGAFRENTE A ASIA Y LA OCDE

GRÁFICO 20

GRÁFICO 19

GRANDES AVANCES EN LAUNIVERSALIZACIÓN DE LAEDUCACIÓN

50

55

60

65

70

75

80

85

90

95

100

Ambos sexos Hombres Mujeres

Tasas de asistencia escolar entre los 6 y los 13 años de edadsegún sexo, 1990-1999, total nacional

%

88 87 88

93 93 94

1990 1999

51

28

32

36

42

45

46

55

56

57

60

67

76

76

64

56

65

53

59

69

63

65

81

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90

Média simples

Rep. Dominicana

Chile

Brasil

Panamá

Peru

Colômbia

Costa Rica

Paraguai

El Salvador

México

Nicarágua

Guatemala

Honduras

1990

1999

Evasão escolar rural entre os jovens de 15 a 19 anos, 1990-1999(Taxa porcentual calculada em relação ao total de jovens que entraram no sistema educacional)

0 10 20 30 40 50 60

Média simples

BolíviaChilePeru

Rep. DominicanaArgentina

BrasilColômbia

PanamaEcuador

Costa RicaEl Salvador

ParaguaiUruguai

NicaráguaVenezuela

MéxicoGuatemalaHonduras

1990

199929

35

914

1619

2323

2425

283030

3234343535

4047

1721

3640

3028

243332

4037

3244

49

Evasão escolar urbana entre os jovens de 15 a 19 anos, 1990-1999(Taxa porcentual calculada em relação ao total de jovens

que entraram no sistema educacional)

Educação superior

1985 1997

Educação secundária

0

50

100

150

América Latina ERI de Asia OCDE

1985 1997

0

20

40

60

80

América Latina ERI de Asia OCDE

Taxa

s br

utas

de

mat

rícul

aTa

xas

brut

as d

e m

atrí

cula

Cabe reconhecer que se produziramavanços notáveis em direção àuniversalização da educação na AméricaLatina e no Caribe. A cobertura do ensinoprimário subiu de 88% para 93% (gráfico19) e o acesso ao secundário chegou a70%: diminuiram os fossos urbano-ruraise é no âmbito rural que se registrarammaiores avanços (gráfico 20), quefavoreceram por igual homens emulheres. Houve também umaimportante redução da deserção escolar(gráfico 21), que foi mais significativanas zonas rurais (gráfico 22). No entanto,os sistemas educacionais continuammostrando deficiências na capacidadede retenção das crianças no primário(gráfico 23), o que afeta principalmenteos extratos de menores rendas (gráfico24), reforçando a cadeia dedesigualdade que começa na infância(gráfico 25), o que gera altos custos emtermos de rendas futuras (gráfico 26).Sobre isso é necessário agir paraassegurar o sucesso dos novos objetivosda educação.

Num contexto de incerteza no planoeconômico, que tem gravesrepercussões sociais, os desafios parao setor educativo continuam sendoelevados, especialmente porque asmetas conduzem a uma fuga para afrente. Não obstante, o ambiente destaReunião Intergovernamental do Projetode Educação permite ser otimista comrelação ao compromisso e à vontadepolítica de avançar nos assuntospendentes.

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 23

SITUAÇÃO SOCIAL ATUAL na América Latina e no Caribe e sua influência no desenvolvimento da educação

GRÁFICO 26

A EVASÃO GERA ALTOSCUSTOS EM TERMOS

DE RENDAS DOTRABALHO FUTURO

GRÁFICO 23

NO ENTANTO, A EVASÃOCONTINUA CONCENTRADANO CICLO PRIMÁRIO

GRÁFICO 24… E AFETA PRINCIPALMENTEAS CAMADAS DE RENDA MAISBAIXA

GRÁFICO 25

… REFORÇANDO A CADEIADA DESIGUALDADE DESDEA INFÂNCIA

Por

cent

agem

do

tota

l de

dese

rtor

es

zonas urbanas

28,4

36,5

25,6

9,6

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

Durante oprimário

No finaldo

primário

Zonas rurais

50,7

33,1

12,5

3,7

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

Durante oprimeiro

ciclosecundário

Durante osegundo

ciclosecundário

Durante oprimário

No finaldo

primário

Durante oprimeiro

ciclosecundário

Durante osegundo

ciclosecundário

Distribuição total de desertores em diferentes etapas do ciclo escolar, 1999(Porcentuais)

Taxa global de evasão escolar entre os jovensurbanos segundo extratos de renda, 1999

38

1718

23313232

373839

41424243

4748

5259

13

159

413

86

121414

2121

819

99

3522

70 60 50 40 30 20 10 0 10 20 30 40 50 60 70

Média simples

Rep. DominicanaPeruChile

ColômbiaArgentina

BrasilPanamáEquador

El SalvadorVenezuela

ParaguaiCosta RicaNicarágua

MéxicoUruguai

HondurasGuatemala

Quartil I (mais pobre) Quartil IV (mais rico)

Taxa de evasão precoce (durante a primária) entre osjovens urbanos, segundo extratos de renda, 1999

12

34

556677

101313

1820

272829

38

3

0101112

04

211

57

46

816

50 40 30 20 10 0 10 20 30 40 50

Média simples

PeruArgentina

UruguaiPanamáEquador

ChileColômbia

MéxicoParaguai

Costa RicaRep. Dominicana

HondurasNicarágua

BrasilGuatemalaEl SalvadorVenezuela

Cuartil I (más pobre) Cuartil IV (más rico)Quartil I (mais pobre) Quartil IV (mais rico)

19%

33%36%

23%

42%44%

0,0%

10,0%

20,0%

30,0%

40,0%

50,0%

60,0%

70,0%

Países combaixa evasão

Países comevasão média

Países comalta evasão

Homens Mulheres

Perdas de rendas salariais associadas à evasão escolar,segundo o sexo, por grupos de países

Porcentual em que se incrementaria o salário com…

…mais 2 anos deestudo até

completar asecundária

…mais 3 anos deestudo até completaro primeiro ciclo da

secundária

…mais 4 anos deestudo até

completar a primária

“Sem dúvida há profundas semelhanças entre os artefatos da mente e a mente humana. Também há profundas dessemelhanças.

Cremos que a mais profunda delas é a de caráter funcional: como se molda o pensamento para servir nossas intenções e o

ambiente no qual devemos funcionar como seres humanos subordinados a suas culturas”.

J. Bruner y J.J. Goodnow,

A Study of Thinking 1

Roberto Carneiro

Este trabalho começa com oreconhecimento de que a aprendizagemdesempenha um papel central nasociedade moderna. Adicionalmente,proclama a aprendizagem como principalpropulsora do desenvolvimento integral.Para alcançar a sustentabilidade, nossaseconomias impulsionadas peloconhecimento dependem cada vez maisdo sucesso da aprendizagem.

Neste contexto, o tradicional capitalhumano renasce sob o disfarce de teoriasde gestão do conhecimento. Em outraspalavras, as prioridades econômicas aindadominam o cenário educacional. O valordo conhecimento está estreitamentevinculado ao valor das aptidões. Por isso,propusemos uma lista de oito campos deindagação relativos à criação de valores,através da produção e da gestão doconhecimento.

Sob o emergente modelo deaprendizagem, isso poderia ser diferente?

Poderia a aprendizagem erguer-se por simesma e de forma autônoma para alémdo crescimento econômico?

As identidades profissionais emergemcomo princípio regedor da autonomia e daauto-determinação. As organizaçõesdedicadas à melhoria da identidadecombinam-se com a aprendizagemcomunitária numa busca pessoal dosignificado através do trabalho e dasatividades. Além disso, propusemos umaseparação das oito etapas necessáriaspara chegar à evolução consciente.

A flexibilidade exige a capacidade decontar com capacidades de aprendizagemadaptáveis. Mas a aprendizagem geradora,a visão e o manejo das tensões criativasconstituem as forças impulsoras dagerminação. Só as aptidões germinais deaprendizagem podem oferecerdesenvolvimento cultural e nutrir a formaçãoda memória semântica.

EDUCAÇÃO 2000Sobre conhecimento e aprendizagem

para o novo milênio

Síntese

1 Bruner, J.; Goodnow, J.J., e Austin, G.A. (1990), A Study of Thinking, New Brunswick e Londres: Transaction Publishers.

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 25

Consultor do Banco Mundial, da OCDE, daUNESCO e do Conselho da Europa. Professor da

Universidade Católica Portuguesa.

Em seguida, o documento examina ostrês novos arquétipos do conhecimento: ocaos, a complexidade e a conciliação*. Estesconceitos podem ajudar a identificar eventosdecisivos num clima de ordem e desordem.O objetivo de conseguir uma distribuição maisigualitária do conhecimento a nível global nosleva a recomendar cinco mutações na construçãoda inclusividade.

Posteriormente, o documento examina odelinear de uma visão panorâmica que aborda ofuturo da aprendizagem. Identificam-se possíveis cenários atravésda interação sistêmica de três variáveis-chave: mudanças deparadigma, modalidades de entrega e forças impulsoras. Namesma ordem de idéias, o tempo é objeto de um enfoquetridimensional: o passado, o presente e o futuro. A percepçãotransitória das novas trajetórias de aprendizagem começa numestado de “Laranja Mecânica”, que gradualmente evolui emdireção à Idade do Conhecimento. A eventual consecução daunidade e da igualdade de aprendizagem gera a Sociedade daAprendizagem.

A armadilha vital está representada pela palavra grega hubris,nome que descreve a fatídica arrogância humana, pecado queacarreta severo castigo. Desta forma, o crescimento do

conhecimento deve ser acompanhado poruma melhor capacidade de aprendizagem

e um sentido de ética global. A maiorinterdependência do conhecimento ou o sonho

da aldeia global da aprendizagem dependemde nossa habilidade para Aprender a Viver

Juntos em harmonia.A aprendizagem ao longo da vida – uma

proposta amplamente aceita – requer um novoimpulso para nutrir as legítimas culturas da

aprendizagem e as aptidões metacognitivasproativas. O trabalho faz alusão a quatro orientações de políticae, específicamente, ao desafio de colocar o educador na vanguardada Sociedade da Aprendizagem. Em termos organizativos, asescolas da aprendizagem comprometeram-se a adotar um novoprofissionalismo docente, fomentando sólidos hábitos deaprendizagem por parte da faculdade.

A Educação como um Direito tenta unir-se à Aprendizagemcomo um Dever de maneira a subscrever um novo Contrato Socialpara o Novo Milênio. A aprendizagem e as instituições responsáveispor nossa sociabilidade foram convocadas para tirar o máximoproveito possível da propensão humana para celebrar contratosa longo prazo, que evoluem, através da cultura e do consentimentodemocrático, para preceitos morais e leis sociais implícitas.

Só em raras ocasiões ahumanidade compartilhou tão profundosentido de urgência.

Diante de um patrimônio de notávelprogresso, confrontamo-nos com umacrescente carga de assuntos quediáriamente indignam a humanidade: oconflito étnico, a guerra, a pobrezaendêmica, a super-exploração do meio-ambiente, os continentes castigados porpestes, o crime organizado e a anomia nocoração das cidades modernas.

Por certo, há um acervo de sucessoshumanos que foi sólidamentedocumentado. Orgulhamo-nos deles: oavanço da ciência e da tecnologia; oprogresso em matéria de direitos humanos,a liberdade e a democracia; os novosmodelos de criação de riqueza; asprolongadas expectativas de vida. Porconseguinte, as janelas de oportunidadeparecem estar abertas de par em par.

Introdução

revistaprelac

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Aprender aviver emharmonia

* N. da T.: o termo “consiliencia”, usado na tradução para oespanhol, na qual esta se baseou, ainda não está dicionarizado;optou-se por traduzi-lo como “conciliação”, o mais aproximadodos sinônimos do vocábulo em inglês (“consiliency) que lhedeu origem.

No entanto, paradoxalmente, aspessoas sentem-se cada vez maisaprisionadas num labirinto de inquietudeglobal. O drama de nossos concidadãosdo mundo ocupa segmentos cada vezmaiores das notícias diárias. Os perigosque enfrenta a governabilidade mundialreforçam nossa generalizada incredulidadena política. A volatilidade da economia edos mercados de capital gera umainquietude generalizada. A sociedadeatacadista do risco está marcada porintensos sobressaltos. Ela exerceimplacáveis pressões sobre nossa vidacotidiana.

Embora existam profundos desacordossobre quais seriam os remédios de políticaapropriados ou a melhor direção que asociedade deveria tomar, uma poderosaforça parece unificar as posições díspares.Em grande medida, a aprendizagem foireconhecida como o atributo essencial decomunidades e indivíduos desenvolvidos;assim, a educação é o único provedor deuma prosperidade humana sustentável.

Tudo opera como se o princípio

perfeccionista tivesse recuperado suaconfiança: não importa quão incerto eperigoso seja o contexto, a qualidade davida humana e os limites da compreensãohumana podem melhorar de formaindefinida.

Num mundo impulsionado peloconhecimento, onde a própria economiatransformou-se em ecognomia, asdesigualdades da inteligência humana eas oportunidades dissímeis deaprendizagem definiram um fossofundamental entre os povos e entre ospaíses. Nosso acossado mundo é umavitrine de ferozes competições deconhecimento. O valor do conhecimentopatenteado, seja no âmbito da pesquisaavançada ou no da tecnologia de defesade última geração, cresce de formadesmesurada.

Será possível identificar um só domíniodo emprendimento humano que escape aeste paradigma? Pode-se separar ocrescimento econômico dodesenvolvimento humano e da acumulaçãode ativos intangíveis? Se não se transformar

em algo de manejo mais fácil, não seafundará a tecnologia em melhoriascumulativas da geração X à geração X+1?Não é verdade que, na análise final, odestino das culturas continuará associadocom sua capacidade de aprender eevoluir? Podem as instituições sociais –assim como as organizações corporativas– conseguir assimilar as funções avançadasde aprendizagem adaptável e geradora?

Nossa nova agenda está repleta decondicionamentos de aprendizagem.

A geração e a sustentabilidade dascomunidades da aprendizagem, ascidades da aprendizagem, os governosda aprendizagem, as organizações daaprendizagem, as pessoas que aprendemao longo de suas vidas e as escolas quenão deixam de aprender representam oprincipal desafio a ser assumido no iníciodo novo milênio.

O conhecimento e a aprendizagemapenas começaram a operar juntos.Espera-se que sua associação se reforce,com o fim de determinar nossa situaçãode angústia comum.

O simples fato de que o discurso sobrecapital humano – que prevaleceu durante as cinco décadaspassadas – tenha adquirido um segundo impulso é em sisignificativo. O auge da economia impulsionada pelo conhecimentoe o plus* que foi atribuído aos ativos intangíveis ampliaram odebate sobre a educação e a capacitação; estas instituiçõescontinuam sendo a principal fonte de formação de capital humanoe de produção e disseminação de conhecimento em nossa eraglobal.

Nossas sociedades desenvolvidas nunca antes estiveramfundamentadas em níveis tão altos de educação. Ironicamente,também é justo destacar que raramente na história presenciamossinais tão importantes de descontentamento com os resultadosobtidos por nossos sistemas de educação. Que está acontecendo?

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 27

A gestão do capitalhumano e o conhecimentoo domínio dopensamento econômico

EDUCAÇÃO 2000. Sobre conhecimento e aprendizagem

* N. da T.: O termo latino plus, usado na tradução para oespanhol, não está nem no dicionário dessa língua nem no deportuguês. Na ausência da versão original do texto, manteve-se a expressão latina, cuja melhor tradução no contexto poderiaser “supervalorização”.

Esta última pergunta não é só um exercício abstrato para odeleite dos intelectuais. Pelo contrário, o valor do conhecimentoestá – não surpreendentemente – estreitamente vinculado com ovalor das aptidões. O saber é uma condição necessária, emborasó o “saber como” proporcione o complemento requerido por umasociedade aplicada e prometéica.

A Comissão de Educação para o Século XXI da UNESCO2

associa esta tendência com a intensa demanda pelas aptidõesmais avançadas em todos os níveis:

“Em lugar de exigir uma destreza, que ainda percebem

como estreitamente vinculada à idéia do conhecimento

prático, os empregadores buscam competências –

uma mescla específica para cada pessoa – de aptidões

no sentido estrito do termo. Entre elas, contam-se as

de comportamento social, a aptidão para o trabalho

em equipe, a iniciativa própria e a disposição para

correr riscos, todas elas adquiridas através de uma

capacitação técnica e profissional.”

Como parte da herança utilitária que nos deixara a sociedadedo século XX impulsionada pela resolução de problemas e ainovação, o critério imperante na avaliação do conhecimento é acriação de valores. Sob esta perspectiva, a produção e a gestãodo conhecimento aborda uma série de inquietudes complexas,alheias às veneradas tradições do âmbito educacional. Vale apena destacar, entre outros, os seguintes domínios atualmenteem exploração:

1. Acesso ao conhecimento já existente e apropriação de fluxoscríticos de conhecimentos novos (gestão de inventário e fluxo).

2. Desenvolvimento de indicadores objetivos para medir os efeitosdo conhecimento na criação da riqueza.

3. Determinação da influência das Tecnologias de Informação eConhecimento (TIC) na formação e disseminação deconhecimentos novos.

4. Gestão da tríade relacionada com o processamento e circulaçãodo conhecimento: Educação, Pesquisa e Desenvolvimento eInovação.

5. Medição e acreditação de aptidões adquiridas no sistema nãoformal (aptidões ocupacionais).

6. Sintonia fina das estratégias associadas com a noção deaprender e desaprender, adaptadas com o propósito deequilibrar o conhecimento ativo com o conhecimento inerte.

Os pais, os estudantes, os professores, os empregadores, ossindicatos, os políticos e os meios de comunicação costumamqueixar-se da deterioração de nossos padrões ou expressar suainquietude com relação à qualidade desigual de nossas escolas.Nossas sociedades ditas desenvolvidas manifestam de diversasmaneiras sua crescente preocupação pela desídia dos sistemasde educação por alcançar mais altos padrões de sucesso,relevância e resultados. As avaliações comparativas revelaram aexistência de profundas disparidades entre os sistemas e ospaíses. Não entraremos na análise de quão justas ou injustaspossam ser essas críticas. Em todo caso, os desacordos tendema tornar-se mais complexos quando a discussão gira em tornoaos remédios ou quando se formula a justificação para umareforma estrutural.

Um fato ineludível é que, durante a maior parte do séculopassado, as prioridades econômicas tenderam a subsumir tantoas empresas de educação e aprendizagem como sua composiçãointerna.

O capital humano – ou o conceito pós-moderno pelo qual foisubstituído, a gestão do conhecimento – representa a poderosaexpressão desse enfoque utilitário. A economia da educaçãoproporcionou grande parte da justificação vital das ambiciosasreformas que proliferaram em nossos sistemas de educaçãodurante a maior parte do século XX. Algumas proeminentesorganizações internacionais lideraram o novo debate sobre ocapital humano.

“O conhecimento, as aptidões, as competências e

outros atributos encarnados nas pessoas que têm

relevância na atividade econômica”

OCDE, Investimento em Capital Humano - Uma Comparação Internacional, 1998

Por conseguinte, o ressurgimento do conhecimento como umfator-chave da produção, dentro do novo léxico da economia,contribuiu para “endurecer” o que sempre fora considerado oativo mais relevante, tanto para a sociedade como para o mundocorporativo. Como resultado, a teoria do conhecimento sustentaum período febril de pesquisa criativa: onde e como se produz?Qual é a melhor forma de disseminá-lo? Como podemoscaracterizar os entornos mais favoráveis? Quais são os fatores-chave que merecem uma oportuna aplicação do novoconhecimento e sua exploração no mercado? Quais são oselementos que permitem converter o conhecimento emcompetências e aptidões de resolução de problemas?

revistaprelac

2 Delors, et al. (1996), Learning: The Treasure Within (Informe à UNESCO elaborado pelaComissão Internacional de Educação para o Século XXI).

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Aprofundando este tema, agora épossível elaborar uma teoria sobre aemergência das identidades profissionais,uma espécie de híbrido – homo sapienset faber. Cada repertório humano em jogonecessariamente incluiria algumas dascaracterísticas a seguir, ou todas elas,dando espaço a diferentes combinações.Cada combinação particular revela umaetapa específica no desenvolvimento doeu profissional.

1. Uma base de conhecimentos (ogenoma cognitivo).

2. Uma carteira de competências.3. Uma preferência em direção às

estratégias de aprendizagem.4. Um caminho discernível em direção ao

fortalecimento da identidade(construção do eu).

5. Uma fundação de estabilidadeemocional e de auto-estima.

6. Um jogo de estratégias para melhoraros ativos pessoais.

7. Um compromisso tanto com a visãocomo com as prioridades dasorganizações relevantes, consideradascomo oportunidades de aprendizagem.

8. Uma evolução consciente, incluindo adimensão social da formação daidentidade.

7. Relação de identidades pessoais e profissionais com caminhosalternativos ao conhecimento.

8. Equilíbrio da aprendizagem adaptável e geradora.

Em termos da agenda sobre o conhecimento e sua funçãosocial e individual, este listado implica bastante mais quesimplesmente pagar tributo à nova euforia sobre a nova economia.Examinemos os dos últimos pontos.

Nutrindo asidentidades profissionais Quem sou?

Quais são minhas aptidões? Sou“proprietário” do conhecimentopatenteado? Independentemente de ondee de como trabalho, existe continuidadeem minha carreira? Onde posso buscarnovas experiências de aprendizagem? Soucapaz de formular uma aspiração deconhecimento? Entendo as redes sociaisque agregam valor a meu arsenal deconhecimentos? Conto com algumaestratégia que reforce o eu laboral? Emminha qualidade de educando ao longoda vida, que características valorizo?

Uma desmesurada volatilidadecaracteriza o nosso contexto laboral. Omercado premia as aptidões múltiplas e amobilidade. A proliferação dasmodalidades de trabalho cibernético (tele,e-work) exige novas aptidões deautogestão. Assim, o princípio regedor daautonomia e da auto-determinação recorreao tema crítico da identidade pessoal eprofissional.

Estas perguntas nos ajudam acompreender a formidável tarefa querepresenta fazer o mapa de uma identidadeprofissional completamente desenvolvida.A menos que as organizações se tenhamdedicado ao melhoramento da identidade,deverão lutar para encontrar o caminhoefetivo em direção ao conhecimentocoletivo e à aprendizagem comunitária.

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 29

EDUCAÇÃO 2000. Sobre conhecimento e aprendizagem

revistaprelac

Segundo conclusões de estudos depesquisa sobre o cérebro, a consciênciagira em torno a complicados mecanismosde processamento de conhecimentos e deseleção baseada em valores, realizadosnos dois componentes de nossoproencéfalo: o sistema límbico e o córtexcerebral. A conduta intencionada implicaajuda da memória semântica, da motivaçãoe do conhecimento.

No processo de formação daidentidade profissional, a EvoluçãoConsciente prepara o caminho para aautonomia e a construção de significados.Situado na cúspide de uma longa cadeiaevolutiva pessoal, ela se origina num nutrido

A nova economia e a constante adaptabilidade se transformam emsinônimos cada vez mais próximos.

Ciclos de destruição criativa progressivamente mais curtos comprimem a dimensãotemporal das vantagens competitivas produzidas pela inovação. A descriçãoschumpeteriana dos ciclos comerciais aplicada à idade da Internet proporciona a telade fundo para um acelerado ritmo de sucessos produtivos que prosperam num entornode competência extrema e inóspita. A instantaneidade vai na vanguarda da nova aplicaçãodo conhecimento e das exigências sem precedentes impostas ao engenho humano. Omote nos setores de ponta é “chegou a hora de participar no mercado”; isto é, a velocidadeem que as idéias se transferem aos modelos comerciais, a prontidão para aplicar osresultados de pesquisa e os novos conhecimentos a inovações corporativas.

Neste cenário instável, as novas teorias de aprendizagem amiúde capitulam dianteda flexibilidade conjuntural. Este discurso foi enfaticamente elogiado pela opinião queatualmente predomina com respeito às instituições de aprendizagem.

No entanto, em nosso dinâmico, obnubilado e cada vez mais imprevisível mundo, jánão é possível depender de alguém que possa “decifrá-lo todo da cúspide”. A potenciaçãodo educando individual e do agente de mudança constitui o verdadeiro desafio. Aflexibilidade e a capacidade geradora, a nível de instituição e de pessoas, convertem-se em elementos cada vez mais críticos.

cenário de consciência3, luta com os maisprofundos e ineludíveis dilemas associadoscom a identidade e a profissão, tornando-se cada vez mais cautelosa diante doativismo superficial.

Na ausência de consciência eidentidade profissional, a aprendizagemcarece de finalidade, o trabalho associa-se remotamente com o desenvolvimentopessoal e a motivação para aprender éerrática.

O propósito é a conseqüência diretada identidade profissional. A realizaçãoprofissional é seu principal resultado.

A aprendizagem adaptávele geradora

3 Temos utilizado a brilhante distinção que fazJerome Bruner em sua análise da condiçãohumana entre dois cenários críticos: aconsciência e a ação. Bruner, J. (1986), ActualMinds, Possible Worlds, Cambridge,Massachusetts: Harvard University Press.

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P. Senge4 o descreve elegantemente:

“A visão predominante das instituições de aprendizagem faz finca-pé

numa maior adaptabilidade... No entanto, uma maior adaptabilidade é

somente a primeira etapa da trajetória que conduz às organizações de

aprendizagem. Nas crianças, o impulso de aprender vai mais além do

desejo de responder e de se adaptar mais eficientemente às mudanças

do entorno. O impulso de aprender, em sua essência , é um impulso de

ser gerador, de expandir nossas capacidades. Isto explica o fato de que

as empresas líderes se concentrem tanto na aprendizagem geradora,

vinculada com a criação, como na aprendizagem adaptável, vinculada

com a capacidade de superar obstáculos....

A aprendizagem geradora, em contraposição à aprendizagem adaptável,

exige novas formas de olhar o mundo...”.

O exposto não representa uma prosaornamentada para o consumo interno deuns poucos privilegiados.

Os seres humanos foram projetadospara aprender. As crianças vêmplenamente equipadas com uma irredutívelforça, que os impulsiona a explorar eexperimentar, em lugar deconservadoramente evitar cometer erros.Ao contrário, nossas principais instituiçõesde educação foram projetadas para ensinare controlar. O mesmo raciocínio se aplicaaos nossos atuais sistemas de gestão, que,com freqüência, se encontramfavoravelmente dispostos a premiar aobediência medíocre e a conformidadecega às normas.

O instinto de sobrevivência costumaser proporcional à capacidade deaprendizagem adaptável, isto é, com areação aos estímulos externos, fazer frentea ameaças e se comportar de acordo comcritérios de flexibilidade.

Os visionários, embora também os quecontinuam comprometidos com a mudançaefetiva, enxergam mais além daadaptabilidade. A tensão criativa – medidapelo fosso entre a visão e a realidade atual– expande as capacidades, elabora formas

de encapsular fortes inferências e abordamúltiplas hipóteses rivais.

Aprendizagem adaptável

• Resposta a mudanças no entorno• Fazer frente a ameaças• Reagir ante sintomas• Capturar as tendências e incorporar

os sinais precoces de mudança• Gerar flexibilidade como um valor

primordial.

Aprendizagem geradora

• Expandir as capacidades• Melhorar a criatividade• Novas formas de olhar o entorno• Abordar as causas subjacentes• Pensar de forma diferente• Prever os futuros.

A melhor mescla de aprendizagemadaptável e geradora continua sendomatéria de polêmica em círculosacadêmicos. As aptidões adaptáveis sãoúteis dentro de um contexto de mudançaconstante, embora contínuo ou incremental;as capacidades geradoras definem oslíderes nas respostas que se dão àsinovações radicais, enquanto que os

sistemas se distanciam rapidamente desituações conspícuas de desequilíbrio parabuscar um novo estado de equilíbrio.

Em todo caso, um resultado foievidente. Se nossas escolas hão de evoluiraté converter-se em legítimas instituiçõesde aprendizagem, a adaptabilidademecânica não deveria ensombrar asinquietudes próprias da aprendizagemgeradora. A compreensão de um universomultidimensional e as aptidões necessáriaspara desenmaranhar complexos sistemasdependem de um estado mental fresco,que permaneça aberto ao raciocíniodescontínuo e preparado para dargigantescos saltos em direção aodescobrimento.

A aprendizagem criativa, mais quesimplesmente adaptável, exige um maiorinvestimento na dimensão germinal. Avalorização de idéias criadoras de novosparadigmas representa o mecanismo paracircunvalar o instinto binário da máquinahumana (Claude Lévi-Strauss). Os padrõesgerminais do pensamento tenderão a evitaro raciocínio linear; estes, no momento deabordar o complexo ou o inesperado,sempre privilegiarão os processosalternativos de raciocínio ou os enfoquesnão tradicionais.

4 Peter M. Senge, “The Leader’s New York: Building LearningOrganizations”, em: Mintzberg, H. e Quinn, J.B. (1996), TheStrategy process–Concepts, Contexts, Cases, New Jersey:Prentice Hall International.

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 31

EDUCAÇÃO 2000. Sobre conhecimento e aprendizagem

revistaprelac

Embora reconheçamos aonipresença das considerações econômicas que rodeiam asteorias de gestão do conhecimento, não se deveriam ignorarcertos sinais poderosos de inquietude. Na atualidade, é comumobservar-se uma profunda corrente na busca pela mudança deparadigma: distanciar-se do ensino entregue através de grandesmaquinarias educacionais; dar passagem a uma “aprendizagemdinâmica”, distribuída e impulsionada pela demanda, e recorrera redes descentralizadas de instituições.

Três arquétipos do novo conhecimento configurarão as próximasetapas da teoria do conhecimento. Estes formam uma rede detrês pontas: caos, complexidade e conciliação. Refiramo-nos aelas brevemente como fontes primordiais do novo pensamento.

“A organização matemática que Newton fizera do mundo do meio– das moléculas às estrelas – revela graves deficiências em váriosaspectos.”

É assim que Van Doren6 introduz a análise do caos, como umenfoque de alta sensibilidade ante ligeiras variações nos estadosiniciais. A teoria do caos tem seu próprio léxico: fractals, estranhoselementos atraentes, conjuntos de Mandelbrot, sistemas de corposmúltiplos. Nas próprias palavras de Einstein, esta nova ciência foiconcebida para operar no mundo de um deus sutil – até de umdeus indiferente –, mas nunca de um deus malicioso. A desordemnão é necessariamente contrária à construção de um novo estadode ordem. Amiúde, o primeiro representa um requisito prévio parao segundo.

A dimensão germinal dá origem àsMeme5, unidades de significado quenutrem as “noções universais da cultura”,que formam parte da monumentalcategorização de George Murdock. Porsua vez, estas são cruciais para a formaçãoda memória semântica, os perduráveispadrões que servem de âncora àinterpretação e de catalizadores àconstrução de significados.

Os novos paradigmas do conhecimento

5 A designação Meme tem relação com o conceito de unidadecultural, o mais elementar componente da memóriasemântica, expressão que foi chamada por diversos autoresnemotipo, idéia, idene, sócio gene, conceito, culturgene etipo.

6 Van Doren, C. (1991), A History of Knowledge, New York:Ballantine Boooks.

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Durante séculos, a educaçãoprosperou baseada num modelo industrial.A aprendizagem, por sua vez, privilegiauma estratégia orientada ao serviço,projetada para maximizar a aquisição deconhecimentos.

Mudar de uma modalidade industrialde ensino para escolas e instituições quefacilitem a aprendizagem, requererá muitomais determinação que o habitual paraproduzir mudanças simples ou através deincrementos.

conhecimento; faz sua a premissa fundamental de que apermanente fragmentação do conhecimento e o caos filosóficodaí resultante não são reflexos do mundo real, mas sim artefatosda erudição. A conciliação resume uma fé positivista noconhecimento científico, capaz de agregar significado e poderexplicativo à intervenção humana no mundo que nos rodeia. Abusca dentro do reino deste universo em evolução leva-nos aidentificar cinco mutações paradigmáticas. Entre outrascaracterísticas essenciais, esta mudança estrutural tenta cruzaro Rubicão da exclusão, uma linha divisória que, durante a idadeindustrial, jamais fora transgredida, apesar das veementesdenúncias de gerações posteriores, no sentido que se perpetuavaa educação de uma sub-classe de indivíduos de baixos sucessose qualificações.

7 Um compêndio de teorias do equilíbrio pode ser encontradoem: Krugman P. (1996), The Self-Organizing Economy,Malden, Massachusetts: Blackwell Publishers.

8 Wilson, E.O. (1998), Consilience–The Unity of Knowledge,New York: Vintage Books.

9 Whewell, W. (1840), The Philosophy of the InductiveSciences.

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 33

O pensamento complexo tenta recuperar seu novo cânonena gestão do pensamento e do conhecimento. Este flui depropósitos por explicar como a complexidade pode seguircaminhos não lineares e descontínuos para chegar a ordenamentossuperiores. Este seria o caso das teorias do equilíbrio dos sistemasauto-organizados7 de P. Krugman e dos modelos NK de biologiamolecular e evolutiva de Kaufman. A complexidade situa-se “àbeira do caos”, a tênue fronteira entre uma ordem interna perfeitae a desordem total, de maneira a rastrear sucessos de importância.

A conciliação é defendida por Edward Wilson8, um cientistareconhecido que resgata o conceito de William Whewell9, quepostula “a súbita unificação” do conhecimento, vinculando fatose teorias baseadas em fatos através de disciplinas, para criar umcampo comum de explicação. Coerente com a Fascinação Jônicados antigos gregos, a conciliação busca a chave da unidade do

EDUCAÇÃO 2000. Sobre conhecimento e aprendizagem

o caminho ao conhecimento inclusivo

ENFOQUE CLÁSSICO

Que ensinar

Educação inicial para toda a vida

Conhecimento fragmentado

Conhecimento vinculadoà condição social

Os que nada têm

NOVO ENFOQUE

Onde aprenderQuando aprender

Aprendizagem flexível ao longo da vida

Conhecimento holístico

Conhecimento inclusivo

Os que têm tudo

revistaprelac

O construtivismo lança uma nova luz sobre o papel da inter-subjetividade frente à aprendizagem social: o conhecimento seeleva à categoria de constructo pessoal e social, inseparável daslimitações culturais e de sua poderosa interação. De maneira queo caminho que conduz ao conhecimento e à cognição dependeda memória, da história, da linguagem, do caráter étnico e doafeto.

A cultura, em si mesma, representa um poderoso indicadorda apropriação e transmissão de conhecimentos. A linguagemsimbólica satura o universo do conhecimento; a linguagem falada– dar nome às coisas – está inter-relacionado com o pensamento.O conhecimento é o resultado da internalização da interaçãosocial. A linguagem representa o fundamento material dopensamento10.

“O conhecimento é amor e luz e visão” – estas são asexpressivas palavras de Helen Keller, uma personalidade admiráveldo século XX. Todo e cada um dos elementos que compõem oconhecimento novo é um tesouro revelado.

Dominar as ferramentas da aprendizagem integral é umaverdadeira aventura cultural – quiçá multicultural –, ilustrada porêxitos democráticos como a liberdade de pensamento e deopinião.

A esta altura, chegamos a uma conclusão muito esperada.As fontes do conhecimento estão mudando aceleradamente; asformas em que entendemos a apropriação do conhecimentotambém estão passando por uma dramática evolução.

Un modelo absolutamente integrallevará em conta a intersecção de trêsvariáveis críticas: mudanças de paradigma;modalidades de entrega; e forçasimpulsionadoras.

Por sua vez, a cada uma destasvariáveis permite-se declinarlongitudinalmente ao longo do tempo. Porconseguinte, permite-se-lhes estender-seem três dimensões: passado, presente efuturo.

Em teoria, no mundo da Internet e das redes globais, adisponibilidade de conhecimentos aumenta de forma exponencial.Apesar de reconhecer este fato, o mundo da aprendizagem aindaconstitui um cenário de importantes diferenças, uma fonte decompetição injusta e de distribuição desigual.

Uma vez estabelecido que a educação constitui o principalmotor do avanço – ou regressão – social, a inclusão passa a sero maior tema de política a ser confrontado num futuro próximo.Tanto o enfoque de igualdade como o de eficiência exigem queos sistemas de aprendizagem contem com uma capacidademelhorada para tratar com os socialmente desfavorecidos e comos grupos de baixa aptidão, a quem a modalidade industrial deeducação sistematicamente exclui dos benefícios organizadosgerados pelo progresso humano.

Numa sociedade influenciada pela dimensão cognitiva, oconhecimento encerra o potencial de se converter numdiscriminador do destino humano, mais poderoso que na anteriorsociedade industrial. Em outras palavras, a especial valorizaçãodada hoje ao conhecimento e às aptidões, exige dar uma melhoratenção aos grupos de estudantes com baixo desempenho escolar,vítimas de vazios em nossos sistemas de educação básica.

A busca de um novo modelo do conhecimento não se podeseparar da meta que persegue uma distribuição mais igualitáriado conhecimento na sociedade.

O futuro da aprendizagemUma visão panorâmica

Estas opiniõescontrastantes assentam as bases de umaampla visão do futuro da aprendizagem.

Partindo da Educação e fluindo atravésda idade impulsionada pelo Conhecimento,chegamos a cenários que apresentam aSociedade da Aprendizagem como umacativante proposta projetada para superaras carências de uma visão burocrática edo domínio econômico sobre a esfera daeducação.

10 Vygotsky, L.S. (1986), Thought and Language, Cambridge,Massachusetts: The MIT Press.

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Minha posição é de que estamos transitando rápidamente deuma educação estilo “Laranja Mecânica” para uma Idade doConhecimento, liderada por uma combinação de ordem global euma segmentação do mercado em canais de distribuição. Estaúltima doutrina nasce da crença no conhecimento prometéico –uma geração do conhecimento capaz de liberar a humanidadeda escravidão e de concretizar uma ordem suprema de riqueza.

A visão panorâmica que privilegiamos não termina aqui. Ateoria econômica, por si mesma, é absolutamente incapaz deabordar um sonho humanístico e social. O fim da história seriademasiado tosco sem outro horizonte ao qual aspirar.

Daí nasce nosso conceito de uma Sociedade da Aprendizagemque representa a materialização da união da aprendizagem. Éuma visão formada por sólidas comunidades da aprendizagem,plenamente habilitadas para levar adiante a educação e acapacitação de acordo com suas identidades comunais11. Umasociedade civil deste calibre exercita suas prerrogativas até osseus limites mais distantes. Isto é, qualquer intervenção do Estadose encontra contida entre os direitos primordiais de comunidadesconscientes e auto-determinadas.

Um resumo das combinações resultantes poderia ser descritona seguinte matriz:

a) Mudanças de paradigma: da indústria (passado), passandopela globalização (impulso presente) e culminando num NovoRenascimento (visão utópica).

b) Modalidades de entrega: desde os sistemas uniformes,mecanizados (passado), passando por uma distribuiçãosegmentada (tendência presente, impulsionada pelo mercado)e abrindo espaço a níveis de personalização cada vez maiores(visão utópica).

c) Forças impulsionadoras: desde regimes orientados por critériosburocráticos (de preferência pelos sistemas controlados anível nacional ou estatal do passado) até aqueles orientadospor critérios de mercado (movimento presente), os quais, porsua vez, deveriam dar lugar a comunidades potenciadas (visãoutópica de uma radical transferência de autoridade à sociedadecivil).

O exorcismo dos demônios do colonialismo utilitário que restringiramum adequado educare – no mais puro conceito grego – é um dogmaessencialmente importante para este sonho. Este é um passo decisivosó comparável, quiçá, ao abismo que separa o conhecimento pré-científico do científico.

A aposta por uma Sociedade da Aprendizagem continua sendoum mysterium tremendu. Constitui um poderoso chamado ao reino davontade e a consciência humana para ir mais além do simplesconhecimento como panacéia e como um novo produto básico deconsumo que forma parte de nossa carteira diária de comodidades.

11 Aqui fazemos referência aos conceitos de identidadescomunais e resistências culturais de M. Castells, que estãodando forma a uma nova ordem internacional. Ver Castells,M. (1997), The Information Age: Economy, Society andCultureVol. I: The Rise of the Network SocietyVol II: The Power of IdentityVol III: End of MilleniumMassachussets, Oxford: Blackwell Publishers Inc.

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 35

EDUCAÇÃO 2000. Sobre conhecimento e aprendizagem

Personalizada

Segmentada

Uniforme

Indústria Globalização Novo Renascimento

Burocracia

Mercado

Comunidades

Laranja

Mecânica

Idade do

Conhecimento

Sociedade da

Aprendizagem

revistaprelac

Entre algumas das prioridades que asorganizações nacionais e internacionaisresponsáveis pela aplicação de políticasde cooperação e desenvolvimentodeveriam adotar encontram-se:mecanismos de permuta de dívidas a favorda educação; um melhor fluxo de cientistase pesquisadores; a reorientação daassistência para o desenvolvimento emdireção à aprendizagem e aodesenvolvimento humanos; ademocratização do acesso à cultura digitale ao uso das TIC; e investimentos emeducação que privilegiem as regiões epaíses mais pobres. Em particular, osconteúdos, serviços e programas demodalidades cibernéticas de educaçãodeveriam ser voltados para a melhoria dasoportunidades educacionais dascomunidades e regiões insuficientementeatendidas, em lugar de estar dirigidos amercados que já se enriqueceram.

A Comissão de Educação para oSéculo XXI12 da UNESCO propôs quatropilares que serviriam de inspiração paraas novas experiências de aprendizagemno século vindouro: Aprender a Ser,Aprender a Conhecer, Aprender a Fazer eAprender a Viver Juntos.

Aprender a viver juntos em harmoniae a nutrir o capital social são açõesequivalentes a forjar a interdependência –um constructo natural num planeta que sereduziu em tamanho e cresceu em coesão.

12 Delors e outros, op. cit.

36

Nossa história humana com viésocidental foi testemunha de duasimportantes explosões. A primeira começouna Grécia em torno do ano 600 A.C.Abarcou todos os campos da indagação,da Matemática até à Filosofia, e cobriu asCiências Físicas e Humanas. A segundatambém se originou na Europa, cerca decinco séculos atrás, e culminou naextraordinária idade do descobrimento edos avanços científicos.

Tanto o antigo sistema grego deconhecimento como o vigente hojecometeram graves erros e protagonizaramespantosos equívocos. O presente estadode nosso planeta constitui prova disso.

Nos dois casos, os erros tiveram suaorigem na petulância humana, no orgulhodominante ou “uma espécie de suposiçãovaidosa que trazia implícita uma irreverentedesatenção aos limites que um universoordenado impõe às ações de homens emulheres”. Os gregos tinham um nomepara esta perversão humana: hubris ouarrogância.

A arrogância era um pecado e osgregos adoravam uma rainha, Nêmesis,que castigava quem o cometia. Este foi ocaso de Ícaro. Por certo, esta é a debilidadeque assedia muitos dos grandes etalentosos. Os sinais de Nêmesis estão portoda parte em torno de nós. Nesse sentido,a imprensa proporciona evidênciadocumentada de forma diária.

Embora a globalização imponha novasdependências, a arrogância doconhecimento atual não está limitada aquem a pratica, acarreta profundasimplicações para a totalidade do planetae afeta alguns dos principais equilíbriosem jogo em nosso frágil planeta.

Saltar o abismo entreo conhecimento e a

aprendizagem é aforma de superar a

trágica imperfeição daidade moderna

Salvar o fosso entre o conhecimento ea aprendizagem é a forma de superar atrágica imperfeição de nossa idademoderna.

Quanto mais generalizado se percebeo conhecimento – à medida em que ainformação parece estar disponível paratodos e ao alcance de nossas mãos – maisprofundo se faz o abismo que separa omundo civilizado de um mundosubdesenvolvido, medido em termos deoportunidades efetivas de aprendizagem.

A consolidação da Aldeia Global daAprendizagem inequivocamente leva àvanguarda da ação internacional os temasdas oportunidades diferenciais deaprendizagem e as desigualdades deconhecimento.

Os grandes fossos de conhecimentoe desigualdades de aprendizagemconstituem fundamentais transgressõesaos sistemas de valores mobiliários esociais da informação.

As lições entregues por nosso passadorecente mostram que, sob a novaeconomia, os fossos de bem-estarapresentam uma grande possibilidade dese ampliar. Devemos projetar-nos paramais além da falácia tecnológica de ummundo conectado. O verdadeiro desafioconsiste em fazer real um mundo coeso.A conectividade – ou a morte da distância– deveria traduzir-se numa maiorproximidade pessoal: a concretização deum mundo global onde as abastadasminorias estejam incondicionalmentecomprometidas com o destino de seusconcidadãos das zonas desfavorecidas,aqueles que são portadores da pobrezaintergeracional e a exclusão herdada.

O que é mais pecul iar nasoc iab i l idade humana é suasurpreendente variabil idade. Adiversidade dos humanos e da vidasocial humana é infinita; sobrepuja qualquer capacidade codificávelconhecida da humanidade.

A diversidade se estende ante nossos olhos e apela aosnossos sistemáticos esforços de observação de todas as maneiraspossíveis.

Por conseguinte, o observar e o refletir sobre a diversidaderepresentam nossa principal fonte de descobrimento, nossamatéria-prima para aprender ao longo da vida.

“O fato de sermos animais sociais não é simplesmente uma característica

adventícia ou acidental de nossa natureza, mas representa o núcleo central

do que significa ser humano. Simplesmente não poderíamos viver, continuar

nossa existência como humanos, se privados de nossa sociabilidade. Nas

palavras de Maurice Godelier, ‘os humanos na sociedade, produzem a

sociedade de maneira que possam viver’... Não nos podemos conhecer salvo

se nos conhecemos em relação aos outros”.

Do anterior se depreende que a aprendizagem ao longo da vida

– uma proposta amplamente respaldada pelos governos e pelas organizações internacionais– depende estreitamente da formação de culturas dinâmicas, tanto a nível individualcomo social.

A aprendizagem contínua apresenta um formidável desafio para todas as sociedadesimpulsionadas pelo conhecimento. As pessoas raramente têm as aptidões necessáriaspara organizar e administrar por si mesmas e a longo prazo os caminhos do conhecimento.Por conseguinte, ao se sustentar as competências e aptidões metacognitivas desde asetapas iniciais da educação formal, está-se convertendo em algo de trascendentalimportância.

Aprender a organizar múltiplas fontes de informação, aprender a aprender deexperiências, enfrentar a dimensão social da formação do conhecimento, aprender aauto-regular o esforço de aprendizagem, aprender a esquecer e a desaprender quandoseja necessário e dar espaço à aprendizagem nova, combinar – em doses adequadas–o conhecimento codificado e tácito, converter o conhecimento inerte em conhecimentoativo de forma permanente, estes são só alguns dos desafios urgentes que formam partede nossa cultura da aprendizagem.

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 37

A aprendizagem ao longo da vidae a nova cidadaniaFundamentosde um novoContrato Social

O compartilhar de um sentido comum de pertencer à sociedade é algo inato àcondição humana. Nas palavras de Michael Carrithers13, continuamente expressamos“uma intensa preocupação mútua e uma tremenda dependência uns dos outros”. O autoracrescenta:

As culturas que exaltam suas diversidades são geradoras deentornos naturais de aprendizagem. Sob esta perspectiva-chave,as culturas de aprendizagem agem sobre a permanência paraproduzir uma cidadania pluralista: aprender a viver juntos abordae reconhece a inevitabilidade de valorizar uma aldeia globalmulticultural. Adicionalmente, as culturas de aprendizagementendem a necessidade de estar permanentemente envolvidasem experiências de conhecimento.

O fato de viver juntos implica reconhecer as diferenças e, oque é mais importante, através da valorização da diversidade,aprendemos a aprender e a crescer juntos.

A aldeia global da aprendizagem pode potencialmente serum lugar melhor e mais seguro para viver.

13 Carrithers, M. (1992), Why Humans HaveCultures, Oxford: Oxford University Press.

EDUCAÇÃO 2000. Sobre conhecimento e aprendizagem

revistaprelac

Uma visão integral da aprendizagempessoal, como vitalmente importante emtodas as etapas da vida, deveria incluirtrês metas distintas de desenvolvimento:

1. O desenvolvimento pessoal e cultural,relacionado com o sentido, aconstrução de significado e a riquezaespiritual.

2. O desenvolvimento social ecomunitário, relacionado com acidadania, a participação e asociabilidade.

3. O desenvolvimento profissional e oemprego sustentável, relacionados coma produção, a satisfação laboral, obem-estar material e as aspiraçõeseconômicas.

Espera-se que, no novo milênio, aaprendizagem contribua de formaimportante à realização do terceiro objetivo,a tradicional meta estabelecida peladimensão econômica da educação. Noentanto, a evolução de nosso mundo emdireção à complexidade e àinterdependência faz necessário umquadro mais amplo de aprendizagem aolongo da vida: colocar em primeira linha oprogresso pessoal e cultural, assim comoo desenvolvimento cidadão – duasnecessidades mais de desenvolvimentohumano que estão muito longe de estaremocultas dentro de um estreito enfoqueeconômico.

Ainda estamos longe de poder transitarda retórica em direção a implementaçãoreal. Por décadas, a educação permanentee ao longo da vida esteve associada aoléxico educacional. Agora, é necessárioabrir novas avenidas que explorem a vidacomo um ativo de aprendizagem essenciale não estritamente no sentido de umhorizonte de tempo expandido, mas tirandoproveito da experiência única queproporciona a vida como valioso objeto de

reflexão. A aprendizagem é inevitavelmenteuma consolidação de intensas jornadasinternas, associadas com “o tesourointerior”.

Não existe um inventário de soluçõesmágicas e instantâneas.

A Comissão para a Educação doSéculo XXI da UNESCO alude a uma sériede prioridades urgentes. Um renovadoimpulso de reforma política contemplaria,entre outras, quatro áreas principais:

1. Oferecer a todos o direito de dispôr detempo para estudar depois de finalizara educação obrigatória.

2. Examinar cuidadosamente os pontosfortes do sistema duplo e estendê-los,de maneira a superar a atual “crise deconfiança” entre as escolas e asempresas.

3. Desenvolver a aprendizagem atravésde redes e estreitas associações, como fim de melhorar as oportunidades deaprendizagem ao longo da vida.

4. Colocar os professores e educadoresno centro da sociedade deaprendizagem e incentivá-los a adotarestratégias de aprendizagem ao longoda vida.

Através do tempo, as escolas, asuniversidades e os professores foram os“pilares do conhecimento” do progressohumano e social. Sonhar junto com aSociedade da Aprendizagem semcontribuir para sua causa não parece seruma atitude aceitável. As escolas aindarepresentam o melhor embrião de centrosde aprendizagem polivalentes; asuniversidades são o eixo central doconhecimento, insubstituíveis fábricas deconhecimento novo e centros deaprendizagem avançada. Os professorescumprem com as exigências básicas para

ocupar a vanguarda das empresas deaprendizagem ao longo da vida. Asociedade dedicada à aprendizagem plenaconfia em seus professores como líderes,não como seguidores.

A tradicional teoria associacionista –brilhantemente projetada pelo gênio deThorndike – influenciou as preferênciaspedagógicas do século XX. Sob estasconjeturas, o exercício e a prática,acompanhados com vínculos erecompensas, seriam suficientes paraabordar uma teoria básica de distribuiçãode aptidões: a a curva de Gauss queacompanha o irrefutável dogma estatístico.Sob este esquema, os professores fariamas vezes de trabalhadores semi-qualificados, cuja obrigação principal seriaa de levar a cabo as instruções formuladaspelos especialistas curriculares.

As novas teorias da aprendizagem dãoênfase a um “novo núcleo central”caracterizado pelo construtivismo doconhecimento e por educandos queparticipam ativamente na autogestão deprocessos cognitivos.

A inteligência deixa de ser consideradaum talento natural e inelástico. As pesquisasrevelam que a imersão a longo prazo emambientes exigentes pode favorecer aaquisição de sólidos “hábitos mentais”. Aaprendizagem geradora possibilita aexpansão da inteligência em incrementos:uma combinação equilibrada de esforçoe habilidade, consistente com umainstrução de excelência e uma tutelacompetente. As aptidões dos professoresadquirem importância crítica e, através doesforço e do contínuo desenvolvimentoprofissional, expandem-se.

38

desempenho prescritos externamente. Emsua qualidade de educandos vitalícios,espera-se que os professores concentremsua atenção em metas de aprendizagemdinâmica e se comprometam a expandiro núcleo básico de aptidões de formaininterrupta.

O seguinte diagrama resume algunsdos desafios do conhecimento que osdocentes deverão enfrentar na Sociedadeda Aprendizagem, suscetíveis de setraduzirem em competências pedagógicasmelhoradas e numa entrega mais efetivaem classe.

“Embora se exija dos profissionais de muitas áreas a

participação em certa quantidade de programas de

educação permanente, para manter vigentes suas

licenças ou certificados, os educadores costumam pensar que o fato de

admitir que ainda se está aprendendo equivale a anunciar uma debilidade

profissional. Este conceito de profissionalismo sugere que a orientação

dirigida à satisfação de metas de desempenho e a visão de capacidade

que a acompanha possuem um caráter imutável. No ambiente que se

baseia no esforço que caracteriza as comunidades localizadas

estratégicamente, onde a capacidade se percebe como um repertório

expansível de aptidões e hábitos, os profissionais são definidos como

pessoas que estão continuamente aprendendo, em vez de pessoas que

já devem saber. Seus papéis incluem o de profesor e o de aluno, professor

e aprendiz, já que mudam continuamente de acordo com o contexto”.

L. Resnick14 descreve os desafios do novo profissionalismodocente de forma particularmente eloqüente:

14 Resnick deu contribuições importantes à reflexão em matériade estender o conceito das organizações de aprendizagemàs escolas e estabelecimentos educacionais.

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 39

Por conseguinte, o selo de distinçãode uma escola da aprendizagem estárepresentado pelo ideal de buscarcontinuamente novos conhecimentos eproporcionar liderança, potenciando umnovo profissionalismo docente. Osprofessores são fundamentalmenteeducandos desejosos de emprendernegociações institucionais para melhoraras metas e reforçar as identidadesprofissionais.

Sob esta nova perspectiva, já não seexige dos professores um número padrãode competências. Há diversas maneirasde obedecer a guias de referência para o

EDUCAÇÃO 2000. Sobre conhecimento e aprendizagem

DESAFIOS DO CONHECIMENTO

PARA DOCENTES

• Conhecimento sobre disciplinas • Conhecimento sobre recursos curriculares• Conhecimento sobre desenvolvimento humano • Conhecimento sobre tecnologia da educação• Conhecimento sobre aprendizagem • Conhecimento sobre colaboração

PODER DE REFLEXÃO

ESTRATÉGIAS

PEDAGÓGICAS

revistaprelac

Num ambiente de aprendizagem globala Educação como Direito encontraum sócio natural na aprendizagem

como Dever.

En outras palavras, o novo milênio ésimilar à tábula rasa que fora tãoeloqüentemente descrita pelos teóricos doEstado natural. De Platão a Rousseau e deHobbes a Rawls, a filosofia social buscoua suprema harmonia através da elaboraçãode contratos sociais estáveis e duráveis.Contratos que são livremente negociadose que estabelecem códigos de conduta

baseados na equilibrada interação dedireitos e deveres na sociedade.

Vale a pena destacar, nesse sentido,outra admirável característica humana: aexistência humana social, contrariamenteà existência humana animal, nasce dapropensão genética de adotar contratosde longo prazo que, através da cultura,tornam-se preceitos morais e leis.

Nossa participação em convêniosduradouros é natural; mais ainda,aceitamos a necessidade de procurá-lospara assegurar nossa sobrevivência:amizades de longo prazo, laços familiares,

pertença a uma comunidade, vínculosculturais. A aprendizagem também é umemprendimento na mente comunitária; umde seus princípios regentes é a ética e ocuidado das instituições fundamentais denossa sociabilidade.

De tal maneira que uma Sociedade daAprendizagem postula uma oportunidadesoberana: a de estabelecer um novoequilíbrio entre os direitos sociais e osdeveres individuais. Adicionalmente,estabelece o momento de reconciliar osdireitos do indivíduo e os direitos culturaisou da coletividade.

“O contrato social é principalmente um

acordo explícito, aceito por todas as

partes envolvidas. O contrato social de

pós-guerra, que durou aproximadamente 50 anos, atualmente se encontra

irremediavelmente obsoleto. Este Estado terminal tornou-se aparente

numa série de conjeturas que hoje já não vigoram: emprego pleno e

estável; benefícios do Estado benfeitor; uma maquinaria de crescimento

econômico sem limites; fé absoluta na governabilidade democrática;

uma estrita separação dos poderes constitucionais.

Sem dúvida, se não implementam um novo esforço concertado,

projetado para produzir um contrato social diferente, adaptado para servir

à complexa sociedade da informação e obter o máximo proveito possível

dos desafios impostos pela aprendizagem, nossas sociedades ver-se-ão

em dificultades cada vez maiores. Neste novo enfoque contratual, a

economia seguirá desempenhando um papel importante; no entanto, a

economia não representa um fator único ou primordial. A obtenção da

cidadania plena e a consecução de um equilíbrio preciso entre os deveres

e os direitos, exigirão de forma crescente a adoção de valores como

justiça, imparcialidade, igualdade e solidariedade, tanto em nossa ordem

nacional como internacional”.

Durante um discurso ante os representantes de alto nível dos associados europeusreunidos em Salônica, propusemos os seguintes conceitos15:

15 Carneiro, R. (1999), “Achieving a minimum learning platformfor all”, em Agora IV, The low–skilled on the European labourmarket: prospects and policy options; Salônica: CEDEFOP.

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NOVOS CIDADÃOS: DIREITOS E DEVERES

EDUCAÇÃO COMO UM DIREITO APRENDIZAGEM COMO UM DEVER

CRÉDITOS DE APRENDIZAGEMOU DE ESTUDOS

TRABALHO E CONTRATOS DEAPRENDIZAGEM

O sonho do homem é o principalimpulsionador da mudança e do progresso.A utopia sempre precedeu o projeto deexeqüibilidade dos futuros alternativos.

Ou, nas palavras de Shelley:

A cidadania consciente representa aprópria base da democracia participativa.A participação exige um nível mínimo deconfiança e de capital social capaz deamparar propósitos comuns de ordemsuperior. Esta esfera de interesse públicosupera o simples direito das pessoas a serdiferentes.

Por esta razão, a democracia seencontra no próprio coração da educaçãopara a cidadania. A atribuição deconcessões à Sociedade da Aprendizagemé estreitamente unida ao aprofundamentodas crenças democráticas e aocompromisso das gerações futuras deaperfeiçoar a democracia.

As escolas e universidades são – esempre foram – bastiões da sociabilidade.São instituições sociais em sua essênciae viveiros da governabilidade social. Osestabelecimentos educacionais e oseducadores estão na vanguarda da novasociedade. Eles representam os motoresdeste admirável mundo novo*.

Eles são os principais responsáveispor tornar possível uma sociedade melhor,através da construção dos alicerces deum novo contrato social que gereeducação, conhecimento e aprendizagemcomo parte dos novos componentes donovo contrato.

Chegou a hora de economizar ao redordos sonhos de grandeza; a sobrevivênciajá não será suficiente.

A abordagem das prioridades do novomilênio representa um chamado à rebelião;assim, todo estabelecimento educacionale a consciência de todo e cada educadorconstituem uma poderosa convocaçãopara cumprir com o dever.

Por outra parte, os líderes sociais,políticos e educacionais uma vez maisenfrentam o formidável desafio de entregarum novo milênio de conhecimentosavançados, aprendizagem ao longo davida e suprema sabedoria.

George Lucas, o famoso artista emágico criador de filmes de nossostempos, vê na educação a pedra angularde nossa sociedade, os fundamentos denossa liberdade e um componenteessencial de nossa democracia. Noprefácio de Learn & Live, uma publicaçãoda Fundação Educacional George Lucas,o produtor escreve:

“Nossos líderes devem tomar difíceis decisões todos

os dias sobre temas tão complexos como a saúde, o

transporte e a infraestrutura. Não podemos dar-nos

ao luxo de deixar a educação fora do debate nacional.

Se compartilhamos um interesse comum pela educação

ao longo de nossas vidas, os enormes recursos da

nação devem colocar-se a serviço desta importante

atividade”.

“Os poetas são os legisladores anônimos do mundo”.

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 41

* N. do T. o autor emprega a expressão “Brave New World”em referência à obra desse nome do escritor Aldous Huxley.

EDUCAÇÃO 2000. Sobre conhecimento e aprendizagem

MAIOR ACESSO,IGUALDADE E QUALIDADE

quais as lições para o Projeto Regional deEducação para a América Latina e o Caribe?

na Educação da América Latina:

Martín Carnoy1

1 O autor agradece ao Banco Inter-Americano deDesenvolvimento seu patrocínio ao projeto CRESUR, queproduziu muitos dos resultados de pesquisa citados nesteartigo e num artigo anterior sobre indicadores educacionais,que também serviu como base para este artigo.

Nas décadas de 80 e 90, como parte de uma transformaçãoglobal, os países da América Latina sofreram uma severa criseeconômica para, em seguida, passar por uma transformaçãoeconômica e pela democratização política. Pressionados paraabrir suas economias ao mundo e privatizar seus serviços públicos,os países da América Latina viram sua distribuição de renda – jáenormemente desigual pelos padrões mundiais – tornar-se aindamais desigual. Em muitos países, apesar do crescimento econômicodos anos 90, a redução dos índices de pobreza foi mínima ounula. O fosso entre ricos e pobres aumentou de forma significativa.

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 43

Professor da Escola de Educação / Universidadede Stanford, Califórnia, EUA.

revistaprelac

Dentro deste contexto, os sistemaseducacionais da América Latina tambémmudaram. Muitas dessas mudançaspretendiam produzir maior igualdade emsociedades que se tornavam cada vezmais desiguais. Nos países maiores, aeducação básica (até nove anos deescolarização) começou a se aproximarda universalidade. Na educaçãosecundária e terciária também se verificouuma rápida expansão. Nos países menosdesenvolvidos da América Latina, asmatrículas na educação primária tambémsubiram. Uma nova ênfase na qualidadeda educação estimulou esforços paratornar escolas e sistemas maisresponsáveis pelo desempenho de seusalunos. Muitos países tambémimplementaram meios alternativos definanciamento da educação. Elesdescentralizaram o controle financeiro,transferindo-o dos ministérios centrais paraas províncias, os distritos e as escolas. Osgovernos encorajaram a educação privadacomo forma de reduzir a despesa públicanessa área.

Podemos considerar todas essasmudanças como reformas educacionais,mas agora compreendemos que, adespeito das boas intenções, nem todaselas contribuíram para o sucesso das metasestabelecidas no Projeto Regional deEducação para a América Latina e oCaribe. Neste artigo, argüirei que hárelativamente poucas reformaseducacionais que verdadeiramente ajudema vasta maioria dos jovens da AméricaLatina e do Caribe a ter mais acesso àeducação e a aprender mais. Emboramuitos analistas estudem principalmenteas mudanças na gestão (organização) dosistema (por exemplo, a descentralizaçãoou uma maior participação dos pais), nasmudanças no financiamento (por exemplo,privatização) ou mudanças na tecnologia(por exemplo, o currículo) como as

2 Por exemplo, Carnoy e Loeb (2001) mostram que a razãoque melhor explica se um estado dos Estados Unidosimplementou “estritas” medidas de responsabilidade pelosresultados é o porcentual de minorias que freqüenta asescolas estatais. Por isso, a necessidade de implementarsistemas de responsabilidade pelos resultados é, em parte,produto de um maior número de estudantes de minoriasque freqüentam a educação secundária. O Chile é outroexemplo. Como resultado de sua enorme expansão daeducação primária a partir de 1980, o Chile se viu forçadoa fazer importantes reformas curriculares em educaçãosecundária na década de 90.

* N. da T. o autor faz uma distinção entre academicachievement (desempenho acadêmico) e attainment(escolaridade, ou número de anos escolares freqüentados);a escolaridade indica o nível educacional atingido (attained).

melhores formas de “melhorar” a educação,há pouca evidência – se alguma houver –de que estas reformas funcionem. Creioque a expansão das taxas de matrícula (oporcentual de uma coorte etária quefreqüenta um nível específico deescolarização) pode ser considerada a“reforma” mais importante do sistemaeducacional. Essas expansões de taxasde matrícula normalmente têm profundasimplicações no que ocorre nas escolas,obrigando o sistema a lidar com novostipos de clientela à medida em que umgrande número de crianças oriundas defamílias de baixa renda entram nasescolas.2 Elas também têm implicaçõesno recrutamento e no aperfeiçoamento deprofessores – a condição sine qua nonpara proporcionar uma educação decenteà crescente massa de crianças de famíliasdesfavorecidas que chega a níveis maisaltos de escolarização.

Em outras palavras, depois de todo oesforço realizado na década de 80 e 90com o propósito de elevar a qualidade daeducação, seria de se esperar que ospaíses da América Latina tivessempresenciado grande melhoria nodesempenho acadêmico* global de alunosde primária e secundária. Aparentemente,esse não foi o caso – pelo menos não háindício algum de que o desempenhomelhorou. Em países que têm realizadoavaliações ao longo do tempo, como oChile, os resultados do período comparável(1994–2000) sugerem um aumento mínimona média de pontuação em provas (Bellei,2001). Isso não seria um problema maiorse o desempenho acadêmico da AméricaLatina fosse relativamente alto em relaçãoaos padrões mundiais ou quandocomparado com, por exemplo, os paísesasiáticos em desenvolvimento. Mas essetambém não é o caso. Estudantes latino-americanos que participaram no TerceiroEstudo Internacional de Matemática eCiências (TIMSS) e na prova PISA da OCDEexibiram um desempenho muito mais baixodo que o dos países europeus ou asiáticos.

44

Há poucas reformaseducacionais queverdadeiramenteajudem a grande

maioria de jovens daAmérica Latina e do

Caribe a melhorar seuacesso à educação e a

aprender mais

MAIOR ACESSO, IGUALDADE E QUALIDADE na Educação da América Latina

• Mesmo que a média do desempenhoeducacional (pontuação de provas)não esteja melhorando, o desempenhode alguns grupos – especificamentealunos desfavorecidos – pode estarmelhorando. Isto é importante,particularmente se essa melhoria podeser associada com alguma reformaespecífica, que seja identificada comoresponsável pela mudança.

• Outras estratégias orientadas para aoferta também devem levar, no final, auma melhoria do desempenhoacadêmico dos alunos, especialmentepara alunos de baixa renda. Entre essasestratégias, uma das mais importantesé a presença do aluno na escola. Essapresença pode ser uma função daparticipação dos pais na escola e daqualidade escolar percebida por eles,incluindo a assiduidade dosprofessores e a organização da escola(Marshall, 2001).

• Muitas das mais importantes reformastratam da expansão do sistemaeducacional para transitar, por exemplo,da universalização da educaçãoprimária para a universalização daeducação secundária. Alguns paísesestão expandindo com muito mais“sucesso” do que outros e certamentepodemos aprender com essasexperiências.

• A maioria dos analistas concorda queos sistemas educacionais não podempromover grandes melhorias na médiado desempenho acadêmico semmelhorar o ensino. Para melhorar oensino é preciso uma combinação demedidas, inclusive melhorar o índicede presença dos professores na escola,recrutar indivíduos melhor treinados emais capacitados para a profissão deprofessor, distribuir igualmente pelasescolas esses indivíduos maispreparados e criar um nível decompromisso entre os professores paramelhorar o desempenho dos alunos.Com base na pesquisa atual,argumentarei que podemos serbastante específicos sobre os tipos deestratégia que funcionam para melhoraro ensino.

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 45

O que nos revelam os últimos 20 anosde reformas educacionais na AméricaLatina sobre as reformas que deveríamospriorizar para atingir os objetivosestabelecidos pelo Projeto Regional deEducação? Se queremos construir umaeducação “melhor” e mais igualitária, quaissão as principais reformas em que ospaíses da América Latina deveriam investir?Será que o fracasso em elevar a pontuaçãodas provas na região significa que nadamudou? Ou, em vez disso, será que os“reformadores” precisam ter umaconcepção melhor sobre aonde asreformas os estão levando? Neste ensaio,sugiro que algumas das reformas deramresultado e que elas nos ensinaram umaenormidade sobre como alocar esforçosno futuro. Proponho vários argumentos-chave:

• As reformas de descentralização eprivatização das décadas de 80 e 90não funcionaram para melhorar odesempenho acadêmico dos alunos,mas pode ter aumentado adesigualdade entre alunos de baixarenda e de alta renda em termos dedesempenho.

revistaprelac

A falsa promessadas reformas estruturais

46

Há firmes indícios de que as reformas estruturais tiveramum impacto relativamente pequeno no “esforço” educativo global em termos de investimentoem educação ou no desempenho do aluno. No final dos anos 70, a Argentina transferiuo controle de suas escolas primárias inteiramente para os governos provinciais e, em1993, transferiu também as escolas secundárias. O maior controle dos recursoseducacionais nas províncias argentinas transferiu o poder de decisão sobre políticaseducacionais para os contextos políticos particulares a cada província, com resultadosmuito variados. Se classificarmos as províncias com base em sua “necessidade”educacional, como definido em seus índices de retenção, evasão, escolaridade e produtobruto per capita, observaremos que, depois da transferência de 1993, as províncias maiscarentes em termos de educação aumentaram o gasto por aluno em praticamente omesmo porcentual que as províncias mais abastadas. As províncias mais carentes emeducação tampouco aumentaram substancialmente a taxa de matrícula na educaçãosecundária, tanto para mais como para menos do que as províncias mais ricas (Cosse,2001). Na década de 90, os aumentos nas taxas de matrícula na educação secundáriamantiveram-se basicamente nos mesmos níveis da década de 80, antes da transferênciade 1993 (Carnoy, Cosse, Cox e Martinez). Portanto, a descentralização não parece terafetado o esforço educacional, o crescimento da matrícula ou a eqüidade do crescimentoda matrícula entre as províncias argentinas. O desempenho acadêmico médio dos alunosentre os anos de 1993 e 1999 é bem mais difícil de avaliar já que as provas não sãocomparáveis, mas na Argentina não há uma percepção de que o desempenho acadêmicoesteja melhorando (Carnoy, Cosse, Cox e Martinez, 2001). O mesmo pode ser dito sobreo esforço educacional e o crescimento da matrícula no México depois da descentralização,no início da década de 90. Os estados não estão aumentando seu investimento emeducação como resultado de ter assumido o controle de suas escolas (Paulin, 2001).

No Chile, a informação disponível sugere que os esperados aumentos de eficiência,derivados de maior concorrência entre as escolas e de um papel cada vez maior paraescolas privadas, não tornaram a escolarização mais eficiente do que antes da reformados subsídios* (McEwan e Carnoy, 2000; Hiesh e Urquiola, 2001; Bellei, 2001). O únicoefeito mais importante que essa reforma terá produzido foi trazer mais recursos privadospara a educação, mas isso ocorreu principalmente porque as famílias tiveram de assumirum alto porcentual (70%) dos custos de enviar seus filhos à universidade (González,2001). A nova legislação de 1993 legalizou a cobrança de matrículas por parte dasescolas privadas subsidiadas. Durante os oito anos seguintes, as contribuições privadasà educação primária e secundária aumentaram, mas essa contribuição é pequena quandocomparada com o investimento que as famílias fizeram na educação superior. Recordemosque, mesmo antes da reforma de 1981, 20% dos alunos freqüentava escolas primáriasprivadas e 6% delas não recebiam subsídios do governo.

* N. da T.: o autor se refere à reforma que subsidia escolasprivadas com dinheiro público, conhecida nos EstadosUnidos como “voucher reform”.

É possível que a privatização dos anos 80 não tenha melhorado nem piorado odesempenho geral dos alunos, mas há evidências que possa ter tido um efeito negativonos alunos carentes. Pesquisas recentes revelam que, no Chile, o desempenho de alunosde baixa renda em escolas privadas, subsidiadas e não religiosas – que representam21% de todos os alunos de educação básica do país –, é marcadamente inferior aoobservado em escolas municipalizadas (McEwan, Carnoy, 2000). De modo que asreformas estruturais parecem ter tido pouco efeito na melhoria global do desempenhoacadêmico e provavelmente tiveram um impacto relativamente pequeno na expansãodas matrículas de educação primária e secundária, embora a privatização possa tertornado possível expandir a educação universitária a um custo público mais baixo.

professores. Nas zonas urbanas, onde asfamílias podem pelo menos evitar asegregação residencial, as “melhores”escolas públicas (as que têm níveis maisaltos de desempenho acadêmicoestudantil, o que representa um maior valoragregado ou um efeito maior de “grupo depares” 3) e muitas escolas privadas atraemmais alunos e enchem suas classes àmáxima capacidade. Escolas com menosprestígio tendem a ter classes menosnumerosas porque operam abaixo de suacapacidade. Isso é precisamente o queesperaríamos de um sistema regulado pelalivre escolha. Se o ensino na América Latinafosse normalmente organizado em tornoa uma atenção personalizada e ao trabalhoem grupos pequenos, o fato de ter ummenor número de alunos na classe dariaum valor agregado mais alto às escolasde classes reduzidas, o que anularia avantagem das escolas de altodesempenho, que já têm os melhoresalunos e onde o efeito de “grupo de pares”é mais intenso. Contudo, a maioria dosprofessores da América Latina ainda utilizao método “giz e diz”, ou método frontal deensino, no qual o tamanho da classe tempouco efeito no quanto aprendem ascrianças .

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Por que algumas estratégiaseducacionais“populares” não sãorelevantes paraa América Latina?

Há uma série de reformaseducacionais “populares”, que podem serimportantes para os países desenvolvidos,mas têm uma relevância questionável nocontexto da América Latina. Por exemplo,hoje há considerável evidência nos EstadosUnidos (com base na experiência sobretamanho da classe no Tennessee) de queo tamanho da classe pode ter um efeitosignificativo no desempenho acadêmicoe, o que é mais importante, naescolaridade* do aluno (Finn e Achilles,1999). Mas, no contexto da América Latina,reduzir o tamanho da classe provavelmentenão é uma reforma relevante para melhorara qualidade. Esse fator está demasiadointer-relacionado com o efeito de paresque resulta da ampla seleção de escolasque se oferece na área urbana; doabsenteísmo de professores e alunos naszonas rurais e urbanas; e de técnicaspedagógicas que não se tornam maiseficientes à medida em que diminui onúmero de alunos por classe.

Portanto, as classes menores comfreqüência são o resultado de uma sériede fatores que tornam estas escolas menosatraentes para a aprendizagem. Nas zonasrurais, por exemplo, o tamanho pequenoda classe pode ser devido ao absenteísmodos alunos, por sua vez desencadeadopelo persistente absenteísmo dos

MAIOR ACESSO, IGUALDADE E QUALIDADE na Educação da América Latina

* N. da T.: ver N. da T. à página 3.3 McEwan, 2001.

revistaprelac

Outro ponto de interesse dosreformadores é a redução das taxas derepetência e evasão. Embora esta metaseja louvável como objetivo de reforma,ela é freqüentemente confundida com ascondições de entrada no nível seguinte deeducação. Por exemplo, em alguns dospaíses mais pobres da América Latina, astaxas de repetência e evasão nos primeirosanos de educação primária são muito maisaltas que em outros países. Será que issosignifica que o fato de melhorar a“qualidade” da educação primária setraduzirá numa redução das taxas derepetência e evasão? Quase com todacerteza a resposta será “sim”, se osreformadores pudessem de fato melhorara qualidade da educação primária. Masvamos supor que em Honduras, porexemplo, nos próximos dez anos, aeducação primária seja universalizada e ataxa de matrícula na educação secundáriaseja expandida radicalmente, e que astaxas de repetência e evasão na escolaprimária caiam substancialmente. Será queisso significa que a qualidade da educaçãoprimária hondurenha melhorou? Talvez sim.Mas é mais provável que as taxasreduzidas de evasão e repetência reflitama mudança de função da educaçãoprimária. Em vez de servir em parte comoinstituição seletora do acesso a escolassecundárias com vagas relativamentelimitadas, a expansão no nível seguintepermitirá que um número muito maior decrianças de primária ingresse no sétimograu. A essa altura, nas zonas rurais ter-se-ão construído mais salas de aula emescolas primárias e até algumas escolassecundárias, criando vagas para um maiornúmero de crianças nos últimos anos daprimária e no primeiro ciclo da secundária.Estas vagas precisam ser preenchidas. Ascrianças serão promovidas a graussuperiores, enquanto que, no passado,elas teriam sido retidas.

Da mesma forma, nos países maisdesenvolvidos da América Latina, a rápidaexpansão da educação secundária quaseautomaticamente implica taxas mais baixasde repetência e evasão nas escolassecundárias. O mecanismo empregadopara determinar o acesso à universidadetambém afeta as taxas de evasão no nívelsecundário. Por exemplo, no Uruguai astaxas de evasão no segundo ciclo deeducação secundária (preparatoria) sãomais altas que nos vizinhos Argentina eChile (Carnoy, Cosse e Martinez, 2001).Será que isso significa que a qualidadeda educação secundária do Uruguai éinferior? Quase certamente ela é tão boaou melhor. A preparatoria uruguaia é umaalta escola secundária muito tradicionalda América Latina, que foi organizada paraselecionar candidatos à universidade. Osque nela se formam têm seu ingresso emuniversidades públicas gratuitasautomaticamente assegurado e elescorrespondem a menos de um quarto dacoorte etária. A menos que a função dapreparatoria uruguaia mude, seja porqueo acesso à universidade está limitado poroutros meios, tais como o alto custo (casodo Chile), ou porque está menos limitado,devido ao aumento de vagas emuniversidades públicas (caso daArgentina), as taxas de evasão terão decontinuar altas, mesmo que a qualidademelhore.

Isso explica por que se deve ter cautelaao fazer das taxas médias de repetênciae evasão de todas as escolas um objetivode reforma educacional. Esses índices sãomedidas muito melhores do acesso àeducação – particularmente para gruposde baixa renda – e, portanto, funcionammelhor como objetivos para otimizar aigualdade da educação.

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A maioria dosprofessores daAmérica Latina

continua utilizandoo método frontal

de ensino

Reformas específicas da qualidadeda educação

Em contraste com as reformas estruturais, as reformasespecíficas – programas para grupos desfavorecidos – parecem ser muito mais eficientespara melhorar o rendimento acadêmico desses grupos. Um exemplo famoso na AméricaLatina é a Escola Nueva da Colômbia, encontrada sob outros nomes em diversos países.A Escola Nueva trabalha com alunos rurais carentes e parece ter tido um impacto positivono desempenho dos estudantes, principalmente através da provisão de uma rede deapoio a professores rurais e aumentando o compromisso deles com o ensino em escolasrurais isoladas (McEwan, 2000).

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 49

Tanto no Chile como na Argentina, as intervenções financeirasdiretas dos ministérios para melhorar os resultados dos alunosde baixa renda também funcionaram. O programa P-900, quecomeçou no Chile em 1990 e que, no final da década, atingiraquase 2.500 escolas, elevou de forma significativa as pontuaçõesde provas em escolas de baixo desempenho acadêmico (Cox,20001; McEwan e Carnoy, 1999). Elementos do Plano Social daArgentina, dirigido a escolas rurais e a alunos carentes em escolassecundárias, também parece ter produzido efeitos positivos nosresultados acadêmicos estudantis. No Uruguai, a assistênciafinanceira direta a escolas de baixo desempenho acadêmico(segundo a avaliação do sexto grau em 1996) provavelmentecontribuiu para uma importante melhoria das pontuações deprovas aplicadas aos alunos mais pobres do país (Filgueira eMartinez, 2001). Um plano dirigido de subvenções públicas* naColômbia, implementado na década de 90, parece ter tido umefeito positivo no desempenho acadêmico de alunos carentes –os estudantes que receberam subvenções e as utilizaram parafreqüentar escolas secundárias privadas (religiosas) permaneceramna escola até os graus superiores e tinham menor tendência àevasão (Angrist e outros, 2000) 4.

Em termos de elevar o rendimento dos alunos, as reformasque procuram objetivos de igualdade são melhor sucedidas queas amplas reformas do sistema, principalmente porque as reformasespecíficas são geralmente dirigidas a grupos que recebemrecursos educacionais menores ou de menor qualidade atéreceberam atenção especial. Esta atenção especial parece darfrutos. Por outro lado, melhorar a produtividade das escolas emsituação desvantajosa através da adoção de tecnologias e recursosque já estão sendo utilizados por alunos de alta renda parece sermais fácil que desenvolver novos métodos elaborados paramelhorar a produtividade da totalidade do sistema educativo. Domesmo modo, o fato de colocar relativamente poucos alunos debaixa renda em cada uma das muitas escolas privadas emfuncionamento, mediante um programa de subvenções específico,como no caso da Colômbia, tem maiores probabilidades debeneficiar os alunos desfavorecidos através do “efeito de pares”do que um plano como o chileno, que cria novas e numerosasescolas privadas de duvidosa qualidade e com fins lucrativos.

Também se pode melhorar a qualidade da educação medianteprogramas específicos para combater altas altas taxas derepetência e evasão entre alunos de educação básica em setoresde baixa renda, especialmente em zonas urbanas, onde asoportunidades de educação secundária são facilmente acessíveis.Nas escolas de baixa renda de Lima ou do Rio de Janeiro, quesão marcadas por altas taxas de repetência e evasão, poder-se-ia utilizar métodos ou materiais novos de ensino ou concentrar-se em melhorar a assistência aos alunos mediante incentivos.Assim, embora fosse extremamente difícil utilizar tais métodospara reduzir a taxa média de evasão em todas as escolas, épossível modificar as taxas de repetência e evasão em certasescolas e entre certos grupos, tornando a qualidade daescolarização pelo menos mais igualitária.

MAIOR ACESSO, IGUALDADE E QUALIDADE na Educação da América Latina

* N. da T.: Targeted voucher plan, no original.4 Angrist, Joshua D., Eric Bettinger, Eric Bloom, Elizabeth

King e Michael Kremer (2000). “Vouchers for PrivateSchooling in Colômbia: Evidence from Randomized NaturalExperiment”. Washington D.C.: Banco Mundial (mimeógrafo).

revistaprelac

Assistência escolar Quero enfatizar especialmenteas estratégias que melhoram a freqüênciados alunos à escola. Praticamente todosos países da América Latina já superarama fase cujo objetivo principal de reformaera simplesmente aumentar o número decrianças na escola primária. O fato de tersuperado esta etapa, no entanto, nãoelimina o problema relacionado com afreqüência com que as crianças realmentevão à escola. Pesquisas recentes sugeremque os pais estarão mais inclinados a enviarseus filhos à escola – e os adolescentesmais dispostos a freqüentá-la – quando ainstrução é de alta qualidade (Hannusheke Lavy, 1994; Bedi e Marshall, 1999;Marshall e White, 2001). Esta melhorqualidade pode representar uma altafreqüência dos professores, bons métodosde ensino e um currículo mais interessantee motivador.

As taxas de freqüência escolar podemser uma boa medida indireta da qualidadeescolar e a interação entre melhores taxasde assistência e melhor qualidade deinstrução, um bom previsor dedesempenhos acadêmicos mais altos. Umdos efeitos colaterais interessantes destainteração é que nas cidades da AméricaLatina as “melhores” escolas tendem a termais alunos em classe do que as “piores”escolas. Motivados, os pais tentam enviarseus filhos a essas escolas melhoresmesmo que não vivam na vizinhançaimediata da escola. Estudos transversaisque medem o efeito do tamanho da classeno desempenho acadêmico dos alunosnão revelam um impacto significativo; umadas razões para isso é provavelmente ofato de que há maior demanda por vagasem escolas reconhecidas como boas. Areputação de uma escola pode serconseqüência principalmente do efeito depares, mas, como argumentei, tais escolastambém atraem os melhores docentes.

Este efeito de “conglomerados”, quereúnem bons professores e bons alunos,enche as classes. Escolas menos atraentesterão um efeito de pares menos positivoou mesmo negativo, professores menoseficientes, menos alunos por classe, piorestaxas de freqüência e um desempenhomédio inferior.

Outra razão para concentrar-se namelhoria da freqüência dos alunos à escolaé que esse dado é relativamente fácil demedir e representa um objetivo concretopara educadores e reformadores. Porexemplo, a bolsa-escola, uma soluçãobrasileira para pais de baixíssima renda,foi especificamente criada para que essasfamílias continuem enviando seus filhos àescola. O sistema de incentivos que o Chileaplicou ao pagamento de docentes(SNED*), também inclui a freqüência entreseus objetivos.

* N. do T. SNED é o Sistema Nacional de Avaliação deDesempenho dos Estabelecimentos EducacionaisSubvencionados.

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Melhor ensino e melhor desempenho dos alunos Os analistas de educaçãosempre insistiram em que um ensino melhor pode ter um impacto importante nodesempenho do aluno. Podemos identificar indicadores de bom ensino que finalmentelevariam a ganhos no desempenho acadêmico estudantil? Podemos identificar reformasque pareçam conduzir à melhoria do ensino? Que possam ter efeitos negativos namelhoria do ensino?

Em vez de referir-me à literatura pedagógica, analisarei questões de incentivos econtra-incentivos que podem afetar o nível de produtividade dos docentes nas escolasda América Latina. Sabemos que é possível alcançar altos níveis de aprendizagem naAmérica Latina porque um país da região, Cuba, parece estar muito mais perto que osoutros dos níveis internacionais de desempenho em matemática. Mesmo que os resultadosdo teste aplicado a alunos de terceiro e quarto grau de 13 países da América Latina,realizado pela OREALC/UNESCO Santiago em 1999, tenha superestimado o nível dodesempenho cubano, há poucas dúvidas de que as pontuações das crianças cubanassão muito superiores às das de crianças de outros países (LLECE, 1999; Carnoy eMarshall, 2001). Um dos elementos que contribui para o êxito cubano é o nível mais altode educação dos pais e os níveis mais baixos de extrema pobreza, refletidos na baixaproporção de crianças que trabalham fora de casa. Mas os fatores associados com aescola também têm seu papel. Em primeiro lugar, as expectativas educacionais em Cubasão altas, como se verifica pelo currículo e pelos livros escolares de matemática. Emsegundo lugar, e este é o tema que desejo enfatizar, a remuneração que recebem osdocentes cubanos com educação universitária é similar à de outros profissionais, demaneira que o fato de abraçar a profissão docente não requereu – pelo menos atérecentemente, antes da influência da indústria turística – sacrifícios financeiros maiores.Os professores também desfrutam de um status semelhante ao de outros profissionaisuniversitários. Portanto, parece que as escolas cubanas podem implementar currículosmais exigentes, em parte porque até os professores de primária têm capacidade paraensinar esses currículos.

Estas diferenças identificam uma série de fatores que poderiamter um efeito importante na qualidade da educação, particularmentenas escolas que atendem crianças de setores carentes. É nessesfatores que os reformadores educacionais deveriam concentrar-se, no quadro do Projeto Regional de Educação.

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Há outros fatores-chave que distinguem as escolas cubanasdas escolas de outros países da América Latina. É pouco provávelque os professores cubanos se ausentem do trabalho de formamuito freqüente, com ou sem justificação. As escolas primáriascubanas oferecem mais horas de instrução e ainda mais horasde matemática por semana que as escolas da maioria dos paísesda América Latina, embora isto varie segundo o país (OREALC,2001, p. 45). E a distribuição de “bons” professores nas escolasurbanas e rurais e nas escolas que servem comunidades pobresou abastadas é muito mais eqüitativa em Cuba do que nos outrospaíses da América Latina. Embora não se disponha de dadosfidedignos sobre as taxas de absenteísmo ou sobre a distribuiçãode professores em Cuba, a evidência anedótica sugere que essasafirmações estão corretas (Carnoy, 1989).

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revistaprelac

• O tempo por dia e por ano em que os professores de fatoestão em classe a ensinar é obviamente uma variável crucialquando é baixo o número total de horas por ano. Na Argentina,um país muito desenvolvido em vários aspectos, os alunos deeducação primária vão à escola por uma média de quatrohoras diárias, ou menos de 750 horas por ano. No entanto,em muitas províncias o absenteísmo dos professores érelativamente comum e muitos dias por ano perdem-se emgreves de professores. No extremo oposto do espectroeconômico, Honduras perde cerca de metade de suas horas“oficiais” de educação primária por ano – que já são poucas– devido ao absenteísmo de docentes, fato que ocorreprincipalmente, mas não apenas, em zonas rurais (Carnoy eMcEwan, 1997). O absenteísmo docente é um problemaendêmico na América Latina e, mesmo assim, é raramentediscutido ou empregado como indicador da qualidade daeducação. As reformas orientadas a aumentar a presença deprofessores nas escolas são políticamente complexas, já queconfrontam políticas de emprego corruptas (para o caso doMéxico, ver Bayardo, 1992) ou a oposição dos sindicatos deprofessores, ou ambos. As greves de professores, que emalguns países também respondem por muitos dos diasperdidos, poderiam ser reduzidas se existisse uma melhorcoordenação com as organizações de docentes para tratarde reformas e políticas educacionais, mas elas geralmenterefletem conflitos políticos mais vastos no país envolvido. Nosúltimos dez anos, o Chile teve o privilégio de perder muitopoucos dias por ano por causa de greves de professores,embora isto tenha sido sobretudo o resultado de um períodode consenso na política chilena, após 17 anos de ditaduramilitar (Cox, 2001, Núñez, 2001).

• A distribuição de “qualidade” do professor (medida de acordocom educação, experiência e resultados de testes de avaliaçãosobre o conhecimento que os professores têm nas disciplinas)entre escolas que atendem a alunos de baixa e de alta rendaparece ser altamente desigual até nos estados desenvolvidosde países desenvolvidos, como, por exemplo, no estado deNova York nos Estados Unidos (Langford, Loeb e Wykoff,2001). Estudos recentes realizados no México sugerem que,nas escolas de países em desenvolvimento, existe umapolarização ainda maior da qualidade dos professores (Lastra,2001; Santibáñez, 2001). Isso faz todo sentido por duas razões:professores melhor educados e de nível social mais altoprovavelmente residem em regiões e vizinhanças de rendamais alta, de maneira que é muito mais provável que ensinemem escolas freqüentadas por alunos de alta renda; e existemaior demanda por professores mais capazes, de modo queeles têm mais opções para escolher seu trabalho e tendem,portanto, coeteris paribus, a se transferir para escolas commelhores condições e alunos “mais fáceis”. Como os saláriosgeralmente são determinados por negociações coletivas anível nacional ou regional, todos os professores recebembasicamente o mesmo salário, a despeito de onde trabalhem.Os professores rurais ou de zonas “difíceis” (a Terra do Fogo,por exemplo,) recebem salários maiores, embora nãosuficientemente altos para compensar pessoas que têmpreferências normais de estilo de vida. Em quase todo omundo, tem sido políticamente difícil alocar, de formasistemática, salários substancialmente mais altos paraprofessores que ensinam em escolas de baixa renda, já queisto representa uma transferência transparente de recursospúblicos para os pobres, um gesto ao qual as classes médiasresistem enormemente. Por exemplo, no Chile o plano desubvenções foi elaborado para pagar o mesmo montante porcriança independentemente de seu nível social 5. O efeitodeste regime de pagamento igual é que as crianças de rendamais alta não somente se beneficiam de seu próprio capitalcultural mais rico, mas também de um importante efeito depares por freqüentarem escolas onde os demais alunos tambémprovêem de famílias de alta renda e por receber instrução deprofessores mais experimentados e capazes.

5 A Holanda constitui uma exceção à regra. O plano desubvenções holandês subsidia as crianças de baixa rendacom uma subvenção 25% maior que o montante normal.

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Se acreditamos que esta distribuiçãode recursos é eficiente, então umadistribuição de pares e recursos maisdesigual deveria produzir melhoresresultados médios que uma distribuiçãomais igualitária. A experiência chilenasugere que a maior desigualdade nadistribuição dos alunos não produz umamédia mais alta de desempenho estudantil(Carnoy, 1998). Se fossem igualados osrecursos docentes entre as escolas de altae de baixa renda, elevar-se-ia ou diminuiriaa média dos resultados? Esta pergunta édifícil de responder. É provável que osalunos de baixa renda melhorassemsubstancialmente, mas será que os de altarenda piorariam substancialmente? Umargumento é que os pais de alta rendapodem compensar a maioria dos efeitosnegativos causados por um mau professor,algo que os pais de baixa renda não podemfazer. Mas não temos provas que sustentemesta observação. Outro argumento é quesó se necessitam pequenos incrementosde recursos de alta qualidade para produzirefeitos positivos entre alunos de baixodesempenho, mas que se requeremrecursos muito maiores para produziraumentos de desempenho entre alunosque já têm um alto nível de desempenho.As estimativas chilenas do custo-eficiência,que comparam escolas municipalizadas,escolas privadas subsidiadas e escolasprivadas pagas (de alto custo), sugeremque os alunos destas últimas obtêm asmais altas pontuações de provas, mas queas próprias escolas são muito menos custo-eficientes que as escolas que atendemcrianças de renda e desempenho muitoinferiores (McEwan e Carnoy, 2000). Doponto de vista da eficiência, poder-se-iaargumentar a favor da transferência derecursos, mas o argumento não tem muitasolidez.

resultado da qualidade da formaçãodocente inicial, que é notoriamente má(Lockheed e Verspoor, 1998). Tampoucose relaciona necessariamente com o nívelatual dos salários dos professores, que ébaixo em relação aos salários de outrasprofissões em alguns países, masrelativamente alto para professoras emmuitos países quando comparados comas remunerações de outras trabalhadorascom o mesmo nível de educação (Vega,Experton e Pritchard, 1999; Carnoy eMcEwan, 1997; Santibáñez, 2001). Noentanto, como revelou um estudo recente,os salários relativamente altos pagos aosprofessores podem ser enganosos. Se osprofessores são divididos com base emníveis de educação, os salários relativosmais altos são obtidos pelos que têmeducação secundária e que ensinam nonível primário ou entraram no mercado detrabalho no passado, quando se aceitavamníveis mais baixos de educação (Razquin,2001). É mais provável que as professorascom educação pós-secundária ganhemrelativamente menos que mulheres com omesmo nível de educação em outrasprofissões. Este caso é ainda maisfreqüente entre homens, para quem hámuito mais oportunidades fora da docência.

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 53

Já do ponto de vista da igualdade, émais provável que a transferência demelhores professores para escolas de baixarenda funcione para igualar resultados. Apergunta é como conseguir taltransferência. Os programas de incentivossalariais, tais como o SNED do Chile, quepremia os professores de escolas quesuperam os ganhos obtidos por outras, declasse social similar, na pontuação médiade testes, não foram avaliados por suaeficiência na melhoria sistemática do ensinoou na transferência de bons professorespara escolas de baixo desempenho. Hávantagens e problemas associados comprogramas de incentivos que aumentam ovalor agregado da escola com base naspontuações de provas aplicadas aosalunos. A principal vantagem é que a metaé clara e a escola pode organizar-se aoredor dessa meta. Isso pode criar um efeitoorganizacional positivo de “alinhamento”em torno de desempenhos acadêmicos(Rothstein, Carnoy e Benveniste, 1999). Oinconveniente é que este tipo de incentivopode motivar escolas e professores ainvestir uma quantidade desproporcionalde tempo preparando os alunos para aprova. Também é provável que as escolasmenores exibam uma maior variação anoa ano, dada a maior variabilidade estatísticade seu corpo discente, e, portanto, terãouma maior probabilidade de seremrecompensadas pelo menos de vez emquando (Kane, 2000).

Um problema mais profundo para amaior parte da América Latina é o nívelmédio de capacidade de sua forçadocente. Ele não é simplesmente o

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dos indivíduos atraídos pela profissãodocente. Isto poderia ser mitigado por umaumento no número de mulheres melhoreducadas entrando no mercado detrabalho por causa de mudanças nosvalores relacionados com o trabalho damulher, por exemplo. Também poderia sermitigado pelo custo muito menor de obterum título em docência, comparado a outrostítulos universitários. No entanto, a não serque o trabalho do professor seja muitoprestigiado em outros aspectos, os paísesonde o salário dos professores comeducação pós-secundária é relativamentebaixo, em comparação ao de outrosprofissionais com educação superior,poderiam enfrentar uma escassez dedocentes qualificados, particularmentepara a educação secundária. Nos últimosdez anos e na próxima década, muitasdas mais importantes reformaseducacionais na América Latina tratam daeducação secundária. Os salários relativosdos professores com formação pós-secundária (e a oferta de professores deeducação secundária recém-formados)constituem, portanto, importantesindicadores do êxito potencial de outrasreformas encaminhadas para melhorar odesempenho e a escolaridade* dos alunos.

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Os salários comparativamente maisbaixos dos docentes com educação pós-secundária podem criar um dilema paraas estratégias de reforma educativa. Nosúltimos 20 anos, praticamente todos ospaíses da América Latina gradualmenteelevaram os requisitos educacionais deseus docentes. Em períodos de recessão,como a década de 80, os salários dosprofessores tendem a cair em termos reais.Mesmo assim, os salários relativos dosprofessores, comparados com os detrabalhadores com níveis semelhantes deeducação, provavelmente aumentam(porque os salários do setor público tendema permanecer baixos em comparação comos salários do setor privado). Em períodosde crise econômica é mais fácil atrairpessoas para a profissão docente, atépessoas com mais educação que arequerida. Isso ocorreu no México nadécada de 80, quando muitos diplomadospor universidades, com formação em outrasáreas, optaram pela docência, dada a crisedo setor privado. Mas em períodos decrescimento econômico e rápida expansãoda educação secundária – umacaracterística da década de 90 na AméricaLatina –, recrutar professores comeducação pós-secundária é mais difícil epoderia significar um declínio da qualidade

Em resumo, os fatores-chave no âmbitodo ensino que podem servir aosreformadores como ponto de partida paramelhorar a qualidade da educação,principalmente para os alunos carentes,no contexto do Projeto Regional deEducação, são os seguintes:

* ver N. da T. à página 3.

• Aumentar o número de horas de aulas diárias e anuais que recebe um aluno médioe especialmente o aluno pobre. As horas de aula devem ser estimadas com baseno número requerido de horas ajustado por três fatores: absenteísmo docente,absenteísmo discente e perda de dias devido a greves de professores. Os doisprimeiros são difíceis de medir, mas são (ou deveriam ser) importantes objetivos dereforma educacional. A redução dos dias de greve também deveria ser um objetivo.Se as horas reais de classe aumentam, é provável que o desempenho dos alunosvá melhorar. Em alguns países ou regiões, onde o absenteísmo ou o número insuficientede horas requeridas é um tema importante, aumentar as horas de contato pode sero mais importante objetivo de reforma educacional. É como, certa vez, me perguntouum professor primário de uma escola pobre: “Como se pode esperar que melhoremoso nível do desempenho acadêmico desses alunos se eles só passam três horas emeia por dia na classe?”

• Equalizar a distribuição de professores com educação e experiência entre as escolascom alunos de diferentes níveis sócio-econômicos. Quanto mais polarizada estejaesta variável, mais desigual será a capacidade das escolas e menor a probabilidadede que os programas do governo possam melhorar o desempenho dos alunos emsetores desfavorecidos.

• Prestar particular atenção aos salários dos professores por nível de educaçãocomparados com os de não-professores com a mesma educação. As comparaçõesdevem ser feitas separadamente para homens e mulheres. Quanto mais altos foremos salários relativos dos professores num determinado nível de educação, maior éa probabilidade de que as reformas dirigidas a esse nível sejam bem-sucedidas.

• Aumentar o conteúdo de conhecimento dos jovens que ingressam na profissãodocente. A qualidade da formação inicial é um dos maiores problemas que osreformadores da educação devem enfrentar. Se os professores não possuem umaboa compreensão da matemática, do idioma e das ciências, como se pode esperarque ensinem programas de estudo mais difíceis e motivadores nessas disciplinas?

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MAIOR ACESSO, IGUALDADE E QUALIDADE na Educação da América Latina

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A lógica de melhorara qualidade da educaçãoatravés da expansãoeducativa de matemática, os alunos colombianos de

oitavo grau obtenham pontuação algosuperior a seus companheiros chilenos,mas que a média de educação (o númerode anos de escolarização no Chile entreos grupos etários de 15 a 24 anos) é muitomais alta no Chile do que na Colômbia.Qual é o fator mais importante nadeterminação da produtividade potencialda força de trabalho ou do nível de outrosindicadores sociais ou mesmo daqualidade do sistema educacional?

Para conseguir importantes aumentosnas taxas de escolaridade numdeterminado nível de educação, osgovernos costumam redefinir a naturezadesse nível. Fazem mais do quesimplesmente construir mais prédios efornecer mais professores, embora issotambém seja importante. Necessariamente,eles devem reformar seus sistemas deeducação para acomodar a noção de queuma proporção muito maior de alunos vaiterminar um determinado nível deeducação, seja primário ou universitário.Essas reformas não devem ser tratadasde forma ligeira. Ao mesmo tempo, seusucesso pode ser medido por aumentosna proporção de jovens que chega a níveissuperiores de escolarização.

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Nos últimos 20 anos,a educação expandiu-se em todos ospaíses da América Latina (Castro e Carnoy,1998). Hoje, um maior porcentual dascoortes etárias freqüenta a escola primáriado que em 1980 e muitos mais alunosmatriculam-se na educação secundária ena universidade. Este aumento deve-seem parte ao crescimento econômico daregião e ao conseqüente aumento nosgastos educacionais. Mas uma parteimportante da expansão ocorreu na décadade 80 a despeito da crise econômica.Sabemos que, durante uma criseeconômica, a pressão pela expansão daeducação pode aumentar, já que omontante de renda que se deixa de receberé reduzido, muitas vezes tornando maislucrativo investir no nível de educação paramelhorar futuras. Embora haja exceçõesa esta regra (por exemplo, a Costa Rica,onde a matrícula líqüida na educaçãoprimária e secundária sofreu uma reduçãoem relação aos altos níveis iniciais doperíodo 1980-1990), na década de 80muitos países da América Latina exibiramaumentos nas taxas líqüidas e brutas dematrícula à educação primária esecundária. Em geral, a expansãocontinuou com a recuperação econômicados anos 90, em grande parte pela maiordisponibilidade de financiamento alocadopara a expansão, mas também porque ospaíses estavam há tempos comprometidoscom uma política de expansãoeducacional.

Devemos considerar o maior porcentualde coortes que concluem níveis mais altosde educação, como foi o caso de muitospaíses da América Latina no período 1980-2000, como um êxito da reforma educativadirigida a melhorar a qualidade e aigualdade da educação? Penso que sim,por várias razões.

Historicamente, quase todos os paísesdo mundo elevaram o nível de desempenhoacadêmico de suas populações,aumentando o número médio de anos deescolarização de sucessivas gerações dealunos. O estudo da OCDE, no qual seinclui o Chile, revela as grandes mudançasdetectadas de uma geração à outra. Esteestudo mostra claramente que, em todosos países pesquisados, os jovens de 25anos têm mais educação que seus pais.Isto é, em grande parte, devido ao fato deque completaram níveis mais altos deeducação e não porque freqüentaram“melhores” escolas. Em conseqüência, aincorporação de uma crescente proporçãode uma coorte etária a níveis cada vezmais altos de educação pode ser a coisamais importante que os governos possamfazer para aumentar o desempenhoacadêmico dos alunos. As reformas queatinjam esse objetivo devem serconsideradas bem-sucedidas, mesmo queo nível médio de desempenho acadêmicode alunos de, digamos, oitavo grau nãoexperimente crescimento algum nospróximos dez anos. Em outras palavras,imagine-se que, numa prova internacional

6 Para uma visão geral do nível de preparatoria no México,ver Bernardo Naranjo.

Muitas crianças começam seus estudoscom dois anos de atraso em relação àidade normal de início, aos sete anos, umacaracterística clara de famílias pobres. Masos salários de professor primário sãorelativamente bons, de maneira que oabsenteísmo docente resulta mais de maugerenciamento do que da falta deincentivos. As taxas de repetência nosprimeiros graus são extremamente altas,produzindo altos níveis de evasão. Amelhoria das taxas de escolaridade daeducação primária exigiria a construçãode um grande número de salas de aulaem zonas rurais e em algumas zonasurbanas. Também exigiria construir muitasmais escolas secundárias, já que a maioriadas famílias acha que a principal razãopara completar a educação primária é ter

acesso à educação secundária. Encontrarprofessores para as novas instalações nãoseria problema, já que as escolashondurenhas de formação de professoresgraduam 20 deles para cada um queencontra emprego (Carnoy e McEwan,1997). Mas, além de construir escolas edotá-las de professores, para melhorar astaxas de escolaridade primária hondurenhaseria necessário implementar reformas quereduzam substancialmente o absenteísmodocente, mudem os métodos de ensino eforneçam materiais para melhorar ascondições de aprendizagem em classe –em outras palavras, reformas quereconstruam a educação primáriahondurenha.

No lado oposto do espectro, considere-se a expansão da educação secundária noChile e no México, comparada com o progresso muito mais lento do nível de preparatoriado Uruguai. Seria apenas o resultado de um crescimento econômico diferente? A evidênciasugere outra explicação. Grande parte do rápido crescimento do segundo ciclo da educaçãosecundária no México resultou da criação de novos tipos de escolas técnicas e de escolasde bachillerato, além das preparatorias de elite, associadas com a Universidade Nacionalou com o Politécnico Nacional. Uma das instituições de crescimento mais rápido foi oCONALEP, um sistema autônomo de mais de 250 escolas técnicas, originalmente criadaspara dar capacitação técnica a jovens carentes, que acabariam como trabalhadores qualificadosprincipalmente na indústria mexicana de manufatura. A despeito de taxas de evasão do 50%(aproximadamente igual ao resto do segundo ciclo do nível secundário), o CONALEP conseguiucombinar a educação básica de matemática e língua com treinamento técnico e estágios naindústria, tendo formado um grande número de alunos nos últimos 15 anos. Outras instituiçõesnovas, baseadas em diferentes modelos de segundo ciclo da educação secundária, tambémincorporaram um número relativamente alto de jovens de baixa renda ao sistema. À medidaem que o nível se expandiu, todas essas novas instituições mudaram seus “estatutos” demaneira a que os formandos pudessem usar seus diplomas para entrar no sistema pós-secundário de educação. E até o sistema de pós-secundário começou a mudar para abrirespaço para essa nova “categoria” de formandos. Por exemplo, os governos federal eestaduais criaram um conjunto de novas, bem financiadas escolas técnicas de dois anos –as Universidades Técnicas –, projetadas para fornecer técnicos altamente qualificados àindústria de manufatura e de serviços. Agora, o estatuto dessas escolas mudou novamente,para permitir que seus alunos continuem seus estudos em universidades tradicionais 6.

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 57

MAIOR ACESSO, IGUALDADE E QUALIDADE na Educação da América Latina

Chile y México

Consideremosum país de baixo desempenho dentro daAmérica Latina, como é o caso deHonduras. Em 1998, 31% da populaçãohondurenha entre as idades de 15 e 24anos havia completado cinco anos deeducação ou menos (OREALC InformeRegional, Santiago, Chile, 2001, p. 91).Honduras é um país pobre, mas isso sóexplica parte do problema. As escolasprimárias hondurenhas, especialmente emzonas rurais, sofrem um severoabsenteísmo tanto de professores comode alunos e uma escassez de salas deaula para acomodar alunos de primeiro esegundo graus que poderiam avançar parao terceiro e o quarto grau e seguir até osexto. Isso se deve parcialmente – masnão apenas – ao baixo nível de recursos.

El caso de Honduras

revistaprelac

educação superior à custa do eráriopúblico. As taxas de evasão naspreparatorias uruguaias – da ordem de37% – são muito mais altas que as daArgentina ou as do Chile. Embora hajarazões para crer que o desempenhoacadêmico dos alunos uruguaios deeducação secundária seja tão alto quantoo de argentinos e chilenos, o fato de queos uruguaios têm menos probabilidadesde terminar a educação secundáriasignifica que, provavelmente, seus níveisfinais de escolaridade também serão maisbaixos. A diferença pode ser atribuídadiretamente à falta de uma reforma dosistema secundário de educação no

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O Chile também conseguiu uma importante expansão de suaeducação secundária no período 1980-2000. A expansão chilena,como a mexicana, realizou-se fundamentalmente através daexpansão da educação técnica, parte dela conectada aassociações com a indústria. A expansão chilena também serealizou inicialmente num clima de radicais reformas dedescentralização e privatização sob o governo militar (1981). Umplano de subvenções, ou subsídios, que dava às escolas privadasaproximadamente o mesmo financiamento por aluno que recebiamas escolas públicas, encorajou uma fração substancial deestudantes de escolas secundárias públicas a se transferir paraa educação privada (ver Cox, 1997). Nos anos 90, porém, aexpansão foi impulsionada principalmente por um aumento dofinanciamento da educação secundária técnica e não técnica,uma tentativa de melhorar a educação secundária através de umprograma coordenado de materiais novos, capacitação docente,currículo melhorado e investimento de vulto em computadores ena Internet (ENLACES). Como resultado, as taxas chilenas deescolaridade na educação secundária estão entre as mais altasda região. Um porcentual maior de jovens chilenos completoudez anos de escolarização – mais do que qualquer outro paíslatino-americano, com exceção de Cuba. Embora o aumento do

subsídio por aluno seja produto de um crescimento econômicosustentado, ele também resulta de um alto grau de compromissocom a educação, assumido por uma série de governos chilenosdemocraticamente eleitos. O objetivo de tornar a educaçãosecundária universal para a juventude chilena, apoiado por novosmateriais, novas tecnologias (inclusive novo currículo) e maistreinamento, foi crucial para conseguir altas taxas de escolaridade.Embora a taxa de matrículas nas universidades tenha crescidorapidamente no período 1990-2000, a natureza altamenteprivatizada do sistema de educação superior chileno,especialmente as universidades, permitiu que o Chile expandisseas taxas de matrícula da educação secundária sem impor aogoverno uma onerosa carga financeira pública devida a um enormecrescimento do sistema universitário. Por outro lado, tambémoperou como barreira ao ingresso de muitos alunos graduadospela educação secundária que, se dispusessem de mais fundospúblicos, seriam capazes de completar a educação universitária.Não obstante, parece que o Chile, como o México, conseguiuelevar a escolaridade média de um enorme número de jovenscarentes, principalmente através de reformas da educaçãosecundária, e, por conseguinte, melhorou o nível médio dodesempenho acadêmico.

Emcontraposição, o Uruguai não mudou anatureza de sua educação preparatoria.O país tem uma parcela de seus alunosde segundo ciclo da secundária emeducação técnica, mas isso tambémpermaneceu tradicional. A escolapreparatoria do Uruguai tem a tarefa depreparar alunos para a universidade. Paraos alunos de educação secundária, formar-se significa entrada automática numauniversidade pública gratuita. Como asmatrículas nas universidades expandiram-se lentamente, as escolas preparatoriascontinuam sendo instituições que devemdefinir quem está “apto” a avançar para a

Uruguai – da maneira como está construídano momento, a educação preparatoria nãoestá organizada para produzir graduadosde secundária em massa; ela conservasua missão tradicional de selecionar quementra na universidade. Isso sugere que areforma é uma parte necessária dequalquer expansão educacional e que osucesso das reformas pode ser medidopor sua capacidade de aumentar as taxasde matrícula e escolaridade num nívelespecífico de educação. O governouruguaio reconheceu este axioma e estáavançando para uma reforma dapreparatoria.

Uruguay y Costa Rica

exigentes e mais “práticos”, alguns jovensque não se mostram interessados ou quenão são bons no trabalho acadêmico. Noentanto, uma experiência recente nosEstados Unidos demonstrou que é possívelensinar álgebra a alunos de baixos níveissócio-econômicos se os professores estãodeterminados a fazê-lo. Os resultados deprovas de matemática de oitavo grau paraalunos hispânicos no Texas, onde ospadrões acadêmicos para alunos carentesforam elevados, indicam esta possibilidade(Carnouy, Loeb e Smith, 2001). A análisedos resultados da prova TIMSS em váriospaíses também sugere que o agrupamentode alunos em seções provavelmente reduza média de pontuação nas provas, já quesão tantos os estudantes (os que ficaramnas seções inferiores) que não sãoexpostos a conceitos matemáticos ecientíficos básicos para desenvolverconhecimentos nessas duas disciplinas.Padrões mais baixos permitem que osprofessores nunca tenham de ensinaresses conceitos aos alunos carentes.

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MAIOR ACESSO, IGUALDADE E QUALIDADE na Educação da América Latina

A experiência da Costa Rica na décadade 80 oferece outro tipo de contraste. Porcausa da crise econômica e das exigênciasdos empréstimos de ajuste estrutural doBanco Mundial, a Costa Rica reduziu ogasto público por aluno nas escolassecundárias, começou a cobrar dos alunoso custo dos materiais didáticos e substituiuprofessores experimentados e melhorremunerados por professores jovens, semcertificação (Carnoy e Torres, 1994). Astaxas de repetência e evasão subiram e odesempenho acadêmico nos exames finaisda secundária caíram, tudo indicando umaqueda na qualidade da educaçãosecundária nos anos 80.

Uma das críticas mais comuns ao usodas taxas de matrícula e repetência comomedidas de melhoria educacional é oargumento de que a qualidade daeducação, na secundária, por exemplo,cai automaticamente à medida em queessas taxas sobem. No entanto, háconsiderável evidência de que isso não éverdade. Por exemplo, nos Estados Unidos,a enorme quantidade de graduados desecundária e o enorme aumento daproporção de alunos que fazem a Provade Aptidão Acadêmica (SAT, na sigla eminglês) não levou a uma redução importanteda pontuação média (Rothstein, 1998). Damesma forma, no Chile a pontuação médiaobtida na prova SIMCE (versão paraescolas secundárias) não mostrou reduçãonos anos 90, apesar do aumento naproporção de coortes etárias que fizeramo teste (Bellei, 2001). Esse parece sertambém o caso com os resultados de testesde nível secundário na Argentina (Cosse,2001).

Uma das razões pelas quais aspontuações não diminuem de formasignificativa, mesmo que uma fração maiorda coorte etária inicie e complete umdeterminado nível de escolarização, é queo sistema educacional provavelmente estáorganizado para atingir metas específicas(padrões ou quotas) e não para aumentara produtividade espontaneamente. Nosentido de que são orientadas por quotas,as escolas não são organizações“empreendedoras”. Isso é frustrante paramuitos reformadores. Mas, se forcompreendida, essa orientação a meta (apadrão), que caracteriza o sistema, podeser eficiente em termos de produzir umresultado de qualidade semelhante, mesmoquando a qualidade do material de entradamuda. O sistema pode ter que ser forçadoa fazer isso através de reformas (compare-se o caso do Chile e do Uruguai), mas,uma vez recebidas as novas instruções,provavelmente manterá a média dodesempenho acadêmico mesmo que caiaa média do nível sócio-econômico dosalunos.

Um dos grandes problemasenfrentados pela maioria dos sistemas deeducação é que os educadores preferemagrupar os alunos em diferentes níveis, demaneira a que as metas possam serajustadas ao capital humano que osestudantes trazem para a escola. Parecefazer sentido desviar, para cursos menos

revistaprelac

A expansão educacionalpara melhorar a igualdade

ser atribuída a maiores taxas decrescimento no Chile e a uma economiamais “dinâmica”, mas também pode seratribuída a políticas passadas queoutorgaram vantagens aos ricos sobre ospobres e a classe média. De qualquerforma, mesmo com a incorporação daclasse trabalhadora à educação na escolasecundária no Chile, a distribuição de rendatornou-se mais desigual.

Além do efeito das reformas educativasna expansão educacional e, portanto, naeqüidade educacional, é possível quealgumas políticas educacionais tenhamimpacto significativo no desempenhoacadêmico de alunos de baixa rendadentro de um nível específico deescolarização, mesmo que grandesreformas estruturais tenham um pequenoefeito na produtividade média daeducação. Em países como Chile, Méxicoe Argentina, coletamos uma quantidadeconsiderável de informação sobre oimpacto relativo das reformas estruturais(como a descentralização e a privatização)no desempenho geral dos estudantes.Também está disponível um certo númerode estudos que avaliam o impacto depolíticas dirigidas a alunos de baixa renda.

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Acabo de expor um sólido argumento no sentido de que as reformaseducacionais melhor sucedidas, em termos de aumentar o nível médio de desempenhodas populações, são aquelas que melhoram a escolaridade. Melhorar a escolaridadetambém pode ser a melhor maneira para que regiões e nações melhorem a igualdadeeducacional. A maneira como a educação se expande tem uma influência importantenesse efeito igualdade. Por exemplo, a Colômbia e a Bolívia têm porcentuals relativamentealtos da população entre as idades de 15 e 24 anos com dez ou mais anos de escolarização,mas também porcentuais relativamente altos, do mesmo grupo etário, com menos decinco anos de escolarização. O México tem um porcentual menor com dez anos ou maise um porcentual muito baixo com menos de cinco anos de escolarização. Aparentemente,o México conseguiu uma maior igualdade essencialmente através da universalização daeducação primária, inclusive nas zonas rurais (OREALC, 2001, p. 90).

comparado com o do Brasil, por exemplo;no entanto, a distribuição de renda nosdois países é similarmente desigual. Osistema educacional do Uruguai éprovavelmente menos igualitário que o doChile, mas sua distribuição de renda émuito mais eqüitativa. Uma “razão” (nãocausal mas explicativa) para a maiordesigualdade na distribuição de rendachilena, apesar da maior igualdadeeducacional nesse país, é que é muitomais lucrativo concluir a universidade noChile do que no Uruguai (Carnoy e outros,2001). No Chile, o acesso às universidadesé mais baixo do que deveria ser por causados altos custos de matrícula. Mas o acessoà universidade no Uruguai também érestringido por um sistema de educaçãosecundária que induz os alunos a desertarantes de se formar. Nos dois países, menosde 25% da coorte etária entra nauniversidade. Contudo, quem termina auniversidade no Chile passa a ter umarenda muito maior que aquela auferidapela massa dos formados apenas pelaescola secundária. No Uruguai, a rendados formados pelas universidades não émuito maior do que a dos formados pelaeducação secundária. A diferença pode

Já que muitos países da América Latinaestão na etapa de tentar universalizar aeducação secundária, a expansão dessenível necessariamente passa pelaincorporação de alunos cujos pais têmníveis de educação muito mais baixos. Éevidente na Argentina, no Chile e noUruguai que, nos últimos 20 anos, as“novas” matrículas na educação secundáriaprovêem da classe trabalhadora urbana eda zona rural, e que o principal desafio dareforma educacional é conseguir que essesalunos, pertencentes a uma classe sócio-econômica mais baixa, possam concluircom sucesso a educação secundária. Alémde elevar o nível médio de desempenhoacadêmico da sociedade, como expliqueiacima, as reformas que, de formasignificativa, aumentam o nível médio deescolaridade em geral também devemaumentar a igualdade educacional, porqueincorporam uma fração crescente de jovensde classe sócio-econômica mais baixaprimeiro à educação primária, depois àsecundária e, finalmente, à universitária.

Mas a maior igualdade educacionalnão significa igualdade econômica. Osistema educacional do Chile pode serconsiderado altamente igualitário se

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 61

MAIOR ACESSO, IGUALDADE E QUALIDADE na Educação da América Latina

• A expansão do acesso a um número maior de anos de educação continua sendouma das maneiras mais comuns para uma sociedade melhorar as aptidões matemáticase lingüísticas dos jovens. Os países da América Latina que têm uma média mais altade escolaridade são melhores em termos de produção complexa e suas criançassão mais fáceis de ensinar até níveis mais altos de aptidões acadêmicas na próximageração. Aumentar os anos de educação cursados pelos alunos é uma iniciativa quenão precisa esperar que o desempenho acadêmico dos graus inferiores melhore, oque, de resto, não ocorreu historicamente. Portanto, uma média crescente deescolaridade é, em si mesma e por si mesma, uma meta e uma medida do sucessodas reformas educacionais.

• Os formuladores de política deveriam visar a elevação do número médio de anosde escolarização freqüentados e a manutenção da média da pontuação em provasno mesmo nível num nível de escolarização que está aumentando suas taxas dematrícula e de conclusão de curso rapidamente. Isso significaria que as escolasestariam aumentando sua eficiência. Esse nível teria, com efeito, absorvido alunoscom menos capital cultural e conduzido esse novo corpo discente aos mesmos níveisde desempenho do passado.

• Aumentar o crescimento das taxas de matrícula e de conclusão de curso nos níveisinferiores de escolarização – primeiro primária, depois secundária – beneficia ascrianças de baixo nível sócio-econômico, já que são estes os grupos absorvidosnesses níveis de escolarização quando eles são universalizados. Além disso, osprogramas de melhoria educacional dirigidos a estes grupos geralmente funcionam.

• Aumentar o tempo de contato entre professores e alunos, por meio de um aumentoda assiduidade de ambos à escola e também da maior duração do dia letivo, podemser as estratégias mais importantes para melhorar a qualidade educacional entrealunos de baixa renda nos países latino-americanos. As estratégias educacionaiscentradas nestes objetivos “simples” e fáceis de medir têm a mais alta probabilidadede melhorar a escolaridade dos alunos de baixa renda, a qual terá, por sua vez, omaior impacto educacional possível nas oportunidades econômicas e sociais.

Breves conclusões Baseado no que sabemos sobre como ossistemas educacionais aumentam o volume de conhecimento na sociedade, recomendeiuma série de caminhos que os países da América Latina podem trilhar, dentro das metasgerais do Projeto Regional e Educação, para melhorar a aprendizagem das crianças –particularmente as de baixa renda – e tornar a educação mais eqüitativa.

revistaprelac

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EDUCAÇÃO PARA TODOS. 63

MAIOR ACESSO, IGUALDADE E QUALIDADE na Educação da América Latina

POLÍTICAS DEFORMAÇÃO DOCENTE

na Comunidade do Caribe*

Errol Miller

Definição do Caribe Como região, o Caribe sempre foi definido de maneiras diferentes.Quiçá a definição mais inclusiva seja a que define a região geográfica e culturalmentecomo a zona que se limita ao Norte com as Bermudas e as Bahamas, a Oeste comBelize, que fica no território continental da América Central; a Leste com o arco deilhas que se estende até Barbados e ao Sul com a Guiana, o Suriname, GuianaFrancesa e Venezuela, no território continental da América do Sul, e com as ilhas deAruba, Curaçao e Bonaire. Nesta definição estariam incluídos os territórios de línguaholandesa, inglesa, francesa e espanhola. Algumas definições menos inclusivasagruparam alguns territórios caribenhos com outros grupos, deixando o resto comoo Caribe. Por exemplo, Cuba e a República Dominicana são com freqüênciaclassificados como parte da América Central ou até da América Latina. Martinica,San Martin, Guadalupe e Caiena são oficialmente parte da França. Com freqüência,Porto Rico e as Ilhas Vírgens estadunidenses não são incluídos em conclavescaribenhos, devido à relação que existe com os Estados Unidos. Há também aspossessões holandesas e britânicas, que às vezes são excluídas devido ao fato deque não são países independentes. O ponto é que, se empregamos um critériogeográfico, é possível chegar numa definição inclusiva do Caribe, já que os fatorespolíticos, culturais e lingüísticos costumam operar como critérios exclusivistas quetendem a subdividir a região.

Embora houvesse preferência pela utilização da definição mais inclusiva doCaribe neste documento, o tempo disponível para sua preparação não o permitiu.Em conseqüência, neste trabalho só se fará menção aos territórios de língua inglêsaou da Comunidade do Caribe, como se costuma chamar esta sub-região. Ela incluios países independentes de língua inglêsa e as possessões britânicas.

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 65

Diretor do Instituto de Educação / Universidadedas West Indies, Mona Campus, Kingston, Jamaica.

* N. do T.: a expressão Comunidade do Caribedesigna os países de língua inglesa e osprotetorados britânicos da região.

revistaprelac

propósito e esclarecimentode termos

O propósitodeste trabalho é identificar e analisar aspolíticas de formação docente que foramadotadas nesta sub-região. Abordar-se-ão principalmente temas relacionadoscom as novas políticas, projetos eprogramas de formação docente desdecomeços da década de 90.

Este enfoque na formação docentesignifica mostrar um renovado interessenum tema antigo e, ao mesmo tempo,dar-lhe uma ênfase maior, já que aeducação não é somente uma profissãoantiga, mas que, além disso, a históriada escolarização em massa naComunidade do Caribe foi uma trajetóriaparalela à do mundo desenvolvido.Portanto, a formação docente tem umalonga e forte tradição na sub-região.

Dada a estreita relação que existeentre a escolarização, os professores ea estrutura da sociedade, não seriaaconselhável entrar numa discussãodetalhada das novas políticas, projetose programas de formação docente, sempréviamente destacar algumascaracterísticas importantes da evoluçãoexperimentada pela escolarização e peloensino na Comunidade do Caribe.

Os primeiros institutos pedagógicosdo Caribe foram fundados em 1830, maisou menos na mesma época em queinstitutos similares se criavam naInglaterra. Embora existam numerosassemelhanças tanto em termos de históriacomo de organização, na prática existemvárias diferenças. O uso que se deu àsexpressões formação docente emserviço e antes do serviço, embora elasapresentem diferenças poucoimportantes na prática, pode ser motivode grande confusão.

A expressão formação antes doserviço é geralmente utilizada paradesignar a preparação formal que recebeo docente antes de começar a exercera profissão docente, enquanto que aformação em serviço, geralmente, refere-se à preparação não formal que se realizano lugar de trabalho. A prática daComunidade do Caribe não observaestas distinções. Muitas pessoas sãoempregadas como professores antes dereceber instrução formal como docentes.Nesses casos, a formação profissionaldo professor ocorre em forma posteriorao emprego. A expressão formaçãoprofissional inicial, em lugar de formaçãoantes do serviço, descreve muito maiscorretamente a situación do Caribe. Poroutro lado, a formação antes do serviçoé só uma modalidade através da qualse ha impartido a formação inicial dedocentes. Por conseguinte, naComunidade do Caribe a expressãoformação em serviço bem poderia referir-se tanto à formação inicial como àformação não formal no lugar de trabalho.Portanto, quando neste documento seutilizem as expressões “em serviço” e“antes do serviço”, o significado utilizadoé o da Comunidade do Caribe.

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POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DOCENTE na Comunidade do Caribe

Antecedentes

c) Criou-se capacidade local para formar professores deeducação secundária e professores para escolas especiais.Como resultado disso, a maioria dos docentes de educaçãosecundária e de escolas especiais receberam formaçãoprofissional.

d) Estimularam-se iniciativas para preparar docentes deeducação para a primeira infância dentro do sistema formalde formação docente e de forma separada da formaçãode professores de escolas primárias.

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 67

Desde seu começo nadécada dos 30 até a década dos 50, aformação docente antes do serviçoseguiu essencialmente o mesmo padrão:

• A formação antes do serviço esteve limitada aos professores de nível primário.Não existia capacidade local para formar professores de nível secundário.

• En comparação com a força docente nas escolas, a proporção de docentes emvias de formação era muito inferior. Em 1955, por exemplo, na Comunidade doCaribe, a proporção de docentes formados nos sistemas de educação primáriados diferentes países flutuava entre 7% e 45%.

• A grande maioria dos professores de escolas primárias eran recrutados entreos alunos mais capazes da escola primária. Em seguida, os candidados seintegravam a um sistema de estudantes-professores a partir do qual seselecionavam, através de um exame, quem entraria para os institutos pedagógicos.

• O programa dos institutos pedagógicos tinha uma duração de dois ou três anose sua trajetória era paralela à da educação secundária, em termos de atribuições,com a diferença de que agregava instrução pedagógica.

• Os professores de nível secundário eram recrutados entre os melhores alunosaprovados pelos exames Cambridge, aplicados ao final da educação secundáriae que outorgavam qualificação aos expatriados, principalmente da Grã-Bretanha.As pessoas locais que desejavam adquirir uma formação docente deviam viajarao exterior para obtê-la.

Entre meados da década dos 50 e finais da década dos 80, houve grandes melhorase mudanças na provisão de formação docente antes do serviço. Estes foram osavanços mais significativos:

a) Substancial expansão de entradas em institutospedagógicos responsáveis pela formação de professorespara escolas primárias. Como resultado disto, atualmentea grande maioria dos professores de escolas primárias daregião recebeu educação em instituições de educaçãosuperior. De fato, todos os professores de escolas primáriasdas Bahamas e de Barbados receberam formação atravésde programas da modalidade antes do serviço.

b) O nível acadêmico dos programas elaborados paraprofessores de escolas primárias foi melhorando de formasignificativa, já que os programas antes do serviço requerem,como ponto de partida, a educação secundária completa.A formação de professores primários já não se coincidecom a educação secundária.

revistaprelac

Criou-se uma diversidade de modelos de formação antes do serviço, inclusiveprogramas de dois anos de estudo “intra-muros” mais um ano de estágio, modelodesenvolvido na Comunidade do Caribe Ocidental entre as décadas de 60 e 80: oprograma de três anos atualmente implementado na Jamaica; o modelo de doisanos de estudos “intra-muros” comum à Comunidade do Caribe Oriental: o modelobaseado em três anos de experiência escolar atualmente em uso em Belize e oModelo de Colocações Avançadas, através do qual os candidados com diplomasde pré-grau (Bachelor e Associate) e de nível GCE Avançado, podem obter créditopelo conteúdo das disciplinas e participar num programa de formação profissionalde um ano de duração.

Apesar destas mudanças fundamentais na formação docente, quantitativas equalitativas, que ocorreram na Comunidade do Caribe entre a década de 50 e ofinal da década de 80, já na segunda metade dos anos 80 estava claro que as novasexigências haviam superado as projeções da formação docente antes do serviço.Por certo, estas novas exigências mudaram o clima da celebração para a insatisfaçãoe demandaram mudanças adicionais. Estas exigências podem ser brevementeresumidas assim:

• Embora a formação docente tenha progredido duranteeste tempo, a condição do docente havia se deteriorado.Uma das causas da deterioração foi o progresso no nívelgeral de educação da população. Os docentes que nopassado tinha visto o respeito pessoal condicionado à suamelhor educação, muitas vezes superior à da grandemaioria dos pais e da comunidade em geral, já nãocontavam com essa esmagadora vantagem. Embora oconteúdo das credenciais do docente tivesse melhorado,sua certificação ainda se materializava através decertificados e diplomas em circunstâncias em que o númerode detentores de diplomas da população geral se tornavacada vez maior.

• O rápido avanço da economia global, combinado com adisseminação do processo democrático, exigiatrabalhadores capazes de seguir suas próprias orientaçõese cidadãos que participassem nos aparatos estatais eempresariais dentro da sociedade civil. Estas exigênciasditavam mudanças nos papéis dos docentes e nas relaçõesentre colegas e entre o docente e os estudantes ou pais.Os tradicionais métodos de ensino autoritários e centradosno professor, que privilegiavam o ensino, tiveram de darlugar ao trabalho em equipe e à colaboração, a um maiortrabalho em redes comunitárias e de pais, abordagenscentradas no aluno, estratégias pedagógicas e estratégiasde ensino apoiadas em guias, tudo isso dando ao processode aprendizagem uma nova dimensão de orgulho.

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• Os recursos cada vez mais escassos exigiam a adoção denovas modalidades de entrega, que fossem para além dainstrução convencional, presencial e de jornada completa.

• O progresso das tecnologias da informação e comunicação,que transformou as atividades de produção nas fábricase nos lares, a diversão, o transporte e as comunicações,fez com que muitos enfoques e processos utilizados eminstitutos e escolas ficassem obsoletos. Aplicou-se, então,aos institutos e escolas uma nova engenharia, de maneiraa poder incorporar a informação tecnológica tanto no âmbitoda gestão como no da instrução.

• Os vínculos econômicos e culturais cada vez maiores entreos países do Caribe e diferentes grupos lingüísticosfomentaram uma demanda maior pela aquisição de idiomasestrangeiros.

POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DOCENTE na Comunidade do Caribe

Aperfeiçoamento dacategoria acadêmicae profissional dosprogramas antes doserviço

Vários governos tomaram a determinação de contar com uma força docenteformada inteiramente por pessoas com formação superior, até o final da primeiradécada do século 20. Associa-se com esta decisão política a modernização dosinstitutos pedagógicos, de maneira que possam oferecer formação antes do serviçoatravés de programas que levem à obtenção de diplomas, como é o caso nasBahamas. Desde 1999, todos os docentes que recentemente acabaram programasde formação docente nas Bahamas têm o grau de Bacharel em Educação. Portanto,as Bahamas estão muito bem encaminhadas em direção ao cumprimento da metapor volta do final da década-objetivo. Congruentes com esta direção da política,várias instituições de educação terciária uniram-se à Universidade das West Indies(UWI) para oferecer programas de pré-grau em formação docente. Entre estasincluem-se as seguintes: College of the Bahamas, Universidade de Belize, UniversidadeNorthern Caribbean, University of Technology, Institutos Pedagógicos Church, Micoe Shortwood da Jamaica e o Sir Arthur Lewis Community College de Santa Lúcia.Invariavelmente, estes programas que levam à obtenção de um título são os quecontinuam uma formação prévia que culminou com certificados ou diplomas. Atransição para programas que levem à obtenção de um título, que representa a novamodalidade de programas de formação docente, está associada com uma novacondição e categoria dos institutos pedagógicos e com uma nova aliança comuniversidades regionais e estrangeiras. O College of the Bahamas, instituição queoriginalmente oferecia cursos de dois anos de duração, agora está habilitado paraoferecer cursos de quatro anos. O Instituto Pedagógico de Belize agora é a Faculdadede Educação da Universidade de Belize. A instituição West Indies College foi elevadaà categoria de universidade (Northern Caribbean University), assim como o Institutode Artes, Ciências e Educação, que agora se conhece como a UniversidadeTecnológica. Os Institutos Comunitários Mico, Shortwood e Sir Arthur Lewis formaramalianças com a Universidade das West Indies. O Instituto Pedagógico Church tambémconcretizou uma aliança com a Universidade Temple, dos Estados Unidos.

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 69

Respostas de políticaà formação antes do serviçoa partir da década de 90 As inovações e os eventos

que, a partir da década de 90, afetarama formação docente antes do serviço,alguns dos quais tiveram lugar nasegunda parte de 1980, devem servisualizados e interpretados comorespostas de política às exigênciasmencionadas anteriormente. O alcancedeste trabalho só permite uma brevedescrição das mais importantes delas.

revistaprelac

Mudanças naspráticas pedagógicasde formação docente

Introduzindo novosconteúdos deformação docente

Se se deseja que os docentes utilizem enfoques menos didáticos nas escolas,é imperativo ensinar aos estudantes de instituições terciárias o uso de práticaspedagógicas centradas no aluno. Várias iniciativas de reforma dentro da regiãoincorporam componentes que apontam para esse objetivo. Entre estes inclui-se oprojeto DFID/UWI sobre formação de docentes de educação primária em instituiçõesde educação superior no Caribe do Leste, o Projeto EDUTECH de Barbados e osseguintes projetos: Banco Mundial/GOJ ROSE, USAID/IEC e BID/GOJ PESP, queenvolvem a formação de docentes de níveis primário e secundário na Jamaica e oProjeto de Educação Básica BID/GOG para a formação de professores de educaçãoprimária na Guiana.

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No tratamento das estratégias emetas relacionadas com as tecnologiasde informação e comunicação, apublicação Pillars of Partnership andProgress considera fundamental que,além de dominar as correspondentesaptidões, os docentes se convertam emprodutores de software e de materiaisdidáticos que derivem dosconhecimentos gerados através deexperiências enraizadas na cultura doCaribe.

Em termos de formação docente,essas urgentes exigências sociaisimplicam a necessidade de desenvolvernovos conteúdos que, na maioria doscasos, atravessem limites que separamas disciplinas. No momento, estasurgentes exigências sociais sãoabordadas de uma maneira impulsiva econjuntural. Por outro lado, a publicaçãoPillars of Partnership and Progress requeruma abordagem planificada esistemática, plenamente integrada aosprogramas de formação docente. Aforma precisa como isto vai se passarainda está por determinar.

O documento de estratégia deeducação a longo prazo Pillars ofPartnership and Progress, elaboradopela Organização dos EstadosCaribenhos Orientais (OECS), queestabelece as metas educacionais queos nove países membros deverão atingiraté 2010, é provavelmente o documentode política mais completo publicado naComunidade do Caribe. Além das áreasde política educacional rotineiramenteabordadas, Pillars of Partnership andProgress identifica uma categoria sobreas “urgentes exigências sociais”enfrentadas pela Comunidade do Caribe.Nessa categoria incluem-se desastresnaturais, escolas que promovem a saúde,desigualdades genéricas, melhoramentoda participação e desempenho dosestudantes do sexo masculino nasescolas, promoção das associaçõesentre os governos, os agrupamentossociais e as organizações nãogovernamentais, assim como melhoraro emprego dos pais. Em todas estasáreas, os docentes e a formação docentesão percebidos como de vital importânciapara o sucesso das metas adotadas edas estratégias para sua realização.

POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DOCENTE na Comunidade do Caribe

Expansão dasmodalidades utilizadasna entrega deformação docente

A formação docenteantes do serviço e ouso das tecnologiasda informação

O Programa de Formação deDocentes de Escolas Secundáriasmontado pelo Projeto de EducaçãoTerciária da OECS é outra iniciativa daOrganização. O projeto foi elaboradopara formar docentes de escolassecundárias no lugar de trabalhoutilizando uma modalidade de instruçãoque combina o ensino presencial emépocas de verão e de férias, módulosde educação à distância durante osperíodos de escola e a supervisão clínicade ensino na classe. Os aspirantes sãodocentes de escolas secundáriaspertencentes à OECS, com títulos depré-grau ou seu equivalente ou quetenham aprovado as disciplinas dosníveis GCE Avançados.

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 71

Vários países estimularam iniciativasde política que agregam as modalidadeseducação à distância e com base nasescolas, como veículos para a entregade formação docente. Por exemplo, em1994, numa iniciativa para expandir oacesso a futuros docentes das zonasrurais, o Instituto Pedagógico de Belizeacrescentou a educação à distância àsua modalidade formal de formaçãodocente. Esta modalidade de entregainclui quatro elementos: auto-aprendizagem, utilizando materiaisdidáticos elaborados pelo Instituto einteração grupal baseada na escola;visitas mensais de supervisão deinstrutores, realizadas por tutores doInstituto; oficinas mensais em centrosregionais e oficinas anuais de verãorealizadas no Instituto (Thompson, 1999).

O uso da modalidade educação àdistância na Jamaica, com o propósito

de reclassificar os docentes do nível decertificado ao nível de diploma, ilustraoutro exemplo de sucesso. A aplicaçãoutilizada na Jamaica fez uso de muitosdos elementos usados em Belize, comexceção das visitas mensais às escolas.Uma inovação um pouco menos bem-sucedida, embora igualmente importante,foi o uso de um enfoque baseado naescola para formar docentes de nívelsecundário em Granada, através doProjeto LOME III de Educação Terciárianos países da OECS.

Embora o projeto tenha produzidoformados, ele foi severamente dificultadopelo limitado número de docentesexperimentados disponíveis.Adicionalmente, as atividades múltiplasdos poucos docentes que seencontravam disponíveis limitou muito aqualidade e a quantidade de orientaçãooferecida aos aspirantes nas escolas.

Outra das importantes medidas de política que seimplementaram a partir dos anos 90 é o uso das tecnologiasda informação com o fim de modernizar a instrução e a gestãonos institutos pedagógicos responsáveis pela formação dedocentes. Conjeturou-se e asseverou-se que o docente emformação deve receber instrução através da utilização demodernas tecnologias de informação e comunicação, paraque possa usá-las em seu ensino escolar.

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eletrônico (e-mail). Uma dessasinstituições Bethlehem, na Jamaica,estabelece como requisito que todos osestudantes de pedagogia tenhamconhecimentos de computação antesde ingressar. Aqueles que não ostenham, devem fazer cursospreparatórios organizados pela mesmainstituição, para adquirir as aptidõesrequeridas. O projeto Multicare tem porobjetivo dotar todos os institutospedagógicos da Jamaica comlaboratórios computacionais para o usode seu pessoal docente, com o fim deformá-los em tecnologias da informaçãoe permitir-lhes o acesso à Internet.

Mais recentemente, várias instituiçõesde educação superior criaram sítios webque mostram seus programas eatividades, facilitando aos estudantes eao público em geral o acesso àinformação. No entanto, nos últimos trêsanos tem havido esforços para utilizaras tecnologias da informação ematividades essenciais para a formaçãodocente e para as operações de taisinstituições. Provavelmente, a abordagemmais sistemática foi a da DiretoriaConjunta de Formação Docente (JBET)da Universidade das West Indies, juntocom 14 institutos pedagógicos do Caribeocidental.

e a assistência do governo para criarlaboratórios em Erdiston College e emBarbados. No entanto, a iniciativa maisglobal e espetacular, é a medida depolítica EDUTEC 2000, iniciativa dogoverno de Barbados, que propõeinvestir 175 milhões de dólares nospróximos dez anos para atualizar todasas escolas e instituições de educaçãosuperior em matéria de tecnologias deinformação e comunicação. A formaçãode docentes e funcionários de educaçãono uso das tecnologias de informação ecomunicação é uma das principais áreasde concentração do programa lançadoem 1998.

Uma interessante inovação nessesentido é a vinculação de institutospedagógicos com um conglomerado deescolas primárias e secundárias, comoé o caso das instituições de educaçãosuperior Bethlehem e Mico Colleges naJamaica. Estas instituições proporcionamliderança, apoio técnico e formação adocentes e a membros das comunidadesescolares que são parte doconglomerado e, em troca, obtêm acessoàs escolas para realizar práticasdocentes e projetos de pesquisa. Outroaspecto inovador é ofereceraperfeiçoamento aos formadores deestudantes de pedagogia na aplicaçãode tecnologia a suas aulas nos institutospedagógicos, objetivo do projeto daFundação JCSE/Multicare na Jamaica.

Durante a década de 90,práticamente todas as instituições deeducação superior foram dotadas delaboratórios computacionais através dedoações de algum segmento dacomunidade de instituições de educaçãosuperior. Privilegiou-se a formação deestudantes e de pessoal docente na áreacomputacional, particularmente no quese refere a aplicações produtivas eInternet, especialmente o correio

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Nesse sentido, a polêmica não esteveausente. Ocorreram calorosos debatessobre a possibilidade e conveniência deintroduzir tecnologias da informação nossistemas de educação da região,particularmente quando se carece doselementos básicos ou quando estes sãoescassos. No início da década de 90, amaioria dos governos não priorizou aincorporação das tecnologias dainformação nas escolas. No entanto, aadoção de políticas que convidavam ascomunidades e o setor privado atransformar-se em sócios na entrega daeducação, abriu uma janela deoportunidade para que as tecnologiasda informação fossem introduzidas nasescolas. A postura adotada pelascomunidades e o setor privado é que aComunidade do Caribe não poderá sercompetitiva no mundo do futuro se osegressos das escolas não podem utilizarestas tecnologias de forma competente.Até finais da década, todos os governoshaviam elaborado políticas sobretecnologias da informação para escolase institutos pedagógicos que incluíamos componentes correspondentes emprojetos de reforma. Adicionalmente, osorganismos internacionais de doaçãoque, no início dos anos 90, haviamadotado posturas idênticas às dosgovernos, tinham mudado suaperspectiva, assim como os governos.

Os primeiros esforços consistiram nadoação de laboratórios computacionaisa institutos pedagógicos, através dediferentes grupos e fundações e dedoações dos Ministérios da Educação.Alguns exemplos disto são as doaçõesde laboratórios computacionais daFundação Ashscroft ao InstitutoPedagógico de Belize, da IBM Bahamasao College of Bahamas, e a daSociedade Informática da Jamaica avárias instituições de educação superior,

POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DOCENTE na Comunidade do Caribe

A Diretoria Conjunta utilizoutecnologias da informação nasoperações de seu Secretariadodesde 1982. Não obstante, adécada de 90 trouxe novosdesafios. Eis uma breve lista:

• A demanda pela modernização da instrução, para colocarescolas e instituições de educação superior em dia comuma tecnologia que já é comum em lares, oficinas, fábricas,no comércio e no entretenimento. Nesse sentido, éimperativo que os docentes aprendam através dessasnovas tecnologias.

• A necessidade de melhorar a qualidade da formaçãodocente, à luz dos padrões educativos mais estritos quea era tecnológica demanda.

• A necessidade de proporcionar desenvolvimento profissionalpermanente a docentes em serviço. A celeridade e aprofundidade das mudanças tornam necessário que odesenvolvimento profissional dos docentes seja permanente,de maneira que se mantenham informados sobre astransformações em curso.

• O encolhimento dos recursos na medida em que os ajustesestruturais e os problemas financeiros continuamameaçando – e de fato impedem – o fluxo de recursos aosetor educacional.

• A globalização, especialmente dado o acelerado crescimentoda Internet.

• A necessidade de converter-se não só em consumidor,mas também em produtor de conhecimento.

A Diretoria Conjunta, em respostaà demanda por satisfazerobjetivos educacionais eencontrar soluções para estesproblemas que afetam a formaçãodocente, estimulou as seguintesiniciativas:

1. Desenvolvimento de um sistema de informação da gestão(College Manager), que permitirá que as instituições deeducação superior manejem suas operações de forma maiseficiente. O leque de operações inclui admissões, registro,exames, administração financeira e gestão de pessoal. Osistema College Manager também permite realizartransações online com a Diretoria Conjunta e o Ministérioda Educação. Embora as tecnologias já estejam disponíveis,a transição de sistemas baseados no papel e no trabalhomanual para o sistema eletrônico – e a conseqüente transiçãocultural – demonstrou ser um grande desafio e dilatou suaimplementação.

2. Criação de um sítio web que, no futuro, estará no centrode muitas das operações da Diretoria Conjunta de FormaçãoDocente (JBTE, da sigla em inglês). O sítio foi elaboradopara:

a) Entregar informação sobre os programas, cursos,regulamentos, pessoal, publicações, currículo, exames eeventos do JBTE.

b) Proporcionar instrução e apoio técnico aos sistemas Schoole College Manager.

c) Servir de hospedeiro à modalidade conferência online doJBTE.

d) Servir de hospedeiro às operações de educação à distância.e) Servir de hospedeiro ao sistema tutorial de assistência aos

alunos.

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 73

revistaprelac

3. Introdução da modalidade conferência assíncrona onlineentre o pessoal docente de instituições de educaçãosuperior, nas 24 disciplinas compreendidas no currículode formação docente. Através da universidade Virtual(Virtual U), desenvolvida pela Universidade Simon Frasier,tenta-se dar às Diretorias de Estudo meios adicionais decolaboração, reforço de conhecimentos, intercâmbio deboas práticas, uso compartilhado da Internet e outrosrecursos e de condução das atividades rotineiras dasDiretorias online.

4. Fez um teste-piloto de cursos online (mestrado emEducação) oferecidos pela UWI, começando por cursosde formação docente.

Medidas de políticana formaçãodocente em serviço

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5. Fez um teste-piloto de um sistema sem fio, com o fim deconectar as instituições de educação superior entre elas,com a UWI e com as escolas primárias. Esta rede sem fiopermite a transferência de vozes, vídeos e dados entre osnós do sistema. No centro, a rede permite que um grupode estudantes de pedagogia observe e interaja com umcolega, enquanto este dá uma aula numa escola. Esseteste-piloto representa a base do componente dastecnologias de informação e comunicação do CentroCaribenho de Excelência para a Formação Docente,patrocinado pela USAID, e tem como principal foco amelhoria do método de ensino de leitura nos primeiros anosde educação primária. A idéia é que, nos próximos cincoanos, cada uma das 18 instituições de educação superiorresponsáveis pela formação de docentes de nível primárioestejam conectadas a cerca de seis escolas primárias, detal forma que promovam uma comunidade de aprendizagemdedicada a alcançar excelência em leitura e escrita noprimeiro e no terceiro graus. As tecnologias da informaçãoe comunicação serão usadas para dar apoio às provas dediagnóstico e desempenho, ao desenvolvimento eintercâmbio de material didático, à formação docente e àpesquisa dinâmica.

Na década de 90 e até hoje, aformação docente em serviço naComunidade do Caribe serviu econtribuiu para dar apoio à agenda dereformas educacionais em vias deimplementação nos diversos países. Porisso, as políticas de formação docenteem serviço estiveram inextricavelmenteligadas a políticas para melhorar aqualidade da educação e das políticasde reforma curricular. Invariavelmente,a formação docente em serviço foiincluída como um componente dosprojetos de reforma que recebemassistência de doadores bilaterais emultilaterais.

Entre os projetos de reforma queforam implementados na sub-região,incluem-se os seguintes: o Projeto doGoverno de Belize/Projeto de EducaçãoPrimária do Banco Mundial de Belize; oProjeto EDUTECT de Barbados; o Projetodo Governo da Guiana/Projeto deReforma da Educação Secundária doBanco Mundial; o Projeto de FormaçãoDocente em Serviço da Guiana; o Projetode Educação Básica do Governo daGuiana/BID; o Projeto de Reforma daEducação Secundária da Jamaica/BancoMundial; o Projeto de Melhoramento daEducação Primária do BID e os Projetosde Apoio à Educação Primária daJamaica; os Projetos do Banco Mundial

POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DOCENTE na Comunidade do Caribe

e do BID em Trinidad-Tobago, e osProjetos do Banco Mundial em Dominicae Santa Lúcia. O Projeto ROSE doGoverno da Jamaica/BID foi o primeiro.A primeira etapa da reforma foiimplementada em 1993 e finalizada em1998. Este projeto foi um dos quereceberam o Prêmio de Qualidadeoutorgado pelo Banco Mundial em 1999.Dado o limitado alcance destedocumento, nem sequer é possível daruma breve sinopse de cada um destesplanos. Portanto, vai-se utilizar o ProjetoROSE como exemplo das políticasgovernamentais de reforma curricularimplementadas através da assistênciade doadores, um exemplo que inclui umcomponente de formação docente emserviço em apoio à reforma curricular.

As características que definemo currículo ROSE e os aspectosde formação docente da reformapodem resumir-se brevementeassim:

• Um currículo comum para todo tipo de escolas e para todos os alunos dos sétimoao nono graus.

• Agrupamentos baseados em aptidões mistas e ensino a níveis múltiplos entreestes grupos.

• Estudantes que assumem responsabilidade por sua própria aprendizagem.

• Aprendizagem cooperativa entre alunos.

• O docente como facilitador e guia na promoção da aprendizagem do aluno.

• Planejamento em equipe e colaboração entre docentes.

• Integração de áreas de disciplinas.

• Orientação profissional em todas as disciplinas do currículo.

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 75

A Diretoria Conjunta de Formação Docente (JBTE)implementou o Componente de Formação Docente em Serviçodo Projeto ROSE. A filosofia que adotou o JBTE na execuçãoda Formação em Serviço favoreceu o desenvolvimentoprofissional permanente e não a supervisão de docentes. Estaúltima implica o cumprimento universal de todos os padrõesmínimos de ensino contemplados em regulamentos ou diretrizesestabelecidos pelo Ministério da Educação. Em troca, a essênciada primeira é um compromisso voluntário para esforçar-se paraconcretizar os ideais prescritos pela ética da profissão docentee alcançar as metas de qualidade da educação propostas.

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a) Emprego de 25 especialistas em disciplinas, tanto emconteúdo como metodologia, cuja única responsabilidadede jornada completa é a formação docente em serviço emapoio à implementação da Reforma ROSE em suas escolas.Estes especialistas em disciplinas foram distribuídos emcinco equipes regionais em instituições de educaçãosuperior estrategicamente situadas em todo o país.

b) Desenvolvimento e entrega de cursos de metodologia de45 horas de duração, repartidos por estes especialistasem disciplinas durante dez dias no verão, durante os cincoanos de duração do projeto. Estes cursos de metodologiaforam elaborados para orientar e preparar os docentes naimplementação das características que definem a ReformaROSE em cada uma das cinco áreas disciplinares queinclui o projeto, ou seja, Disciplinas Lingüísticas, Matemática,Ciências, Estudos Sociais e Recursos e Tecnologia.

c) Visitas regulares realizadas no transcurso do ano escolarpelos especialistas em disciplinas como apoio aos docentesna implementação dos cursos de metodologia em suasclasses.

d) A realização de oficinas de um ou dois dias entre osconglomerados de escolas, conforme se determine a partirdas observações dos especialistas em disciplinas e dassolicitações dos docentes, produto das visitas às escolas.

e) O desenvolvimento e uso de módulos de auto-aprendizagemde educação à distância para docentes, tanto em termosde conteúdo como de metodologia, conforme prescreve ocurrículo ROSE no sétimo e nono graus, nas diferentesáreas de disciplinas.

f) Desenvolvimento profissional permanente para osespecialistas em disciplinas através de oficinas realizadasde forma regular e de outras iniciativas de colaboração.

Os elementos básicos daestratégia de formação docenteem serviço são os seguintes:

POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DOCENTE na Comunidade do Caribe

• O apoio que os reitores e os chefesde departamentos das grandesescolas dão à reforma e sua liderançapedagógica no interior da escola sãoessenciais para a obtenção datransformação procurada.

• O sucesso alcançado, em termos demodificar os papéis e as relaçõesdos docentes como se prescreve nareforma, varia consideravelmente,não somente entre escolas, mastambém no interior delas.

• O desenvolvimento de materiais deauto-ensino de educação à distânciade alta qualidade é um processolento.

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 77

Algumas das lições derivadas daimplementação do componentede formação docente em serviçodo Projeto ROSE são estas:

• As mudanças que se buscam nasestratégias de ensino eaprendizagem são mais evidentesquando já se implementaramelementos de apoio da reforma. Daíque as mudanças prescritas sejammais evidentes onde se aplicarammateriais curriculares – que estão emuso–, onde as edificações foramrecondicionadas, onde há uma maiorquantidade de materiais didáticos eonde se entregaram os livros de textoprescritos.

• Quando a formação docente emserviço foi o único elemento dareforma implementado na escola e oapoio diminuiu ou retirou-se do todo,os docentes tendem a reverter aostradicionais enfoques centrados noprofessor.

• Tanto os docentes como os alunosapóiam de forma incondicional asmudanças pedagógicas prescritaspela reforma ROSE (Brown, 1998).

• Embora o comportamento dedocentes e alunos passe por algumasmudanças com respeito à direçãoindicada pela reforma, o grau demudança é muito mais modesto queo nível de aceitação e de apoiomanifestado.

• En termos do comportamiento dedocentes e alunos, as mudançasrequeridas não são simplementecosméticas. A natureza fundamentaldessas mudanças exige esforçosconcertados, coordenados esustentados com o fim de conseguirque a grande maioria dos docentesadote o comportamento desejado.

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Integração da formaçãoem serviço e antes do serviço Una importante

característica do Projeto ROSE são osvínculos desenvolvidos em conexão coma formação em serviço e antes doserviço. Um vínculo estabelecia que oscursos de métodos desenvolvidos eentregues através das oficinas de verãode formação em serviço passariam a seros métodos prescritos no ensino dascinco disciplinas comprendidas noprograma de formação antes do serviço,do sétimo ao nono graus. Porconseguinte, todos os egressos deprogramas de formação antes do serviçoa partir de 1995 tinham sido formadosno ensino das cinco disciplinas do sétimoao nono graus, utilizando as estratégiasdefinidas na Reforma ROSE. Outrovínculo relaciona-se com a colocaçãode especialistas de disciplinas em cincoinstitutos pedagógicos estrategicamentesituados em todo o país. Com efeito, aolongo do projeto, estas equipes regionaisfuncionaram como departamentos aserviço dos institutos pedagógicos.

Un entendimento entre o Ministérioda Educação e Cultura e o JBTEestabelecia que, se este modelo deintegração de formação em serviço eantes do serviço desse certo, seriamtomadas medidas para institucionalizaros vínculos. Uma vez analisado esteelemento do projeto, o Ministério daEducação e Cultura concluiu que, dadoo resultado satisfatório alcançado, seriamestabelecidos departamentos nos cincoestabelecimentos de educação superiore que as equipes de especialistas semanteriam de forma permanente. Sobessa nova estrutura, taisestabelecimentos trabalhariam emestreita colaboração com as oficinasregionais locais do Ministério para

continuar oferecendo formação emserviço em apoio à reforma.Adicionalmente, organizariam um sistemade rodízio, mediante o qual os tutorestrabalhariam em programas antes doserviço em institutos pedagógicos e emformação em serviço nas escolas. Esserodízio deveria reforçar a formação antesdo serviço através de uma vinculaçãomais estreita com as escolas.

Outro exemplo da integração deformação em serviço e antes do serviço,através de institutos pedagógicos einiciativas de colaboração com oMinistério da Educação, é o caso deBelize. No projeto do Banco Mundial eno DFID, a formação em serviço emapoio às reformas de educação primáriafoi efetuada pelo Instituto Pedagógicode Belize, que criou centros regionaisem todo o país. Os tutores responsáveispela entrega de programas antes doserviço desempenharam um papel críticona entrega da formação em serviçorelacionada com a reforma do CurrículoNacional. Assim, os supervisoresempregados nas regiões para darformação em serviço encarregaram-sede parte da supervisão dosestudantes–professores, tarefanormalmente realizada pelo pessoaldocente do Instituto.

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POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DOCENTE na Comunidade do Caribe

• A entrega sincronizada da reforma do Currículo Nacional ao sistema escolarcom a conseqüente reforma do currículo dos programas de formação antesdo serviço.

• Organização das diversas disciplinas do currículo de formação docente emunidades e a redação de módulos de educação à distância que correspondemàs unidades estabelecidas.

• Utilização de módulos de educação à distância para entregar instruçãosistemática e seqüencial aos docentes que são formalmente treinados emserviço.

• Utilização de módulos de educação à distância em lugares informais comocafeterias, de maneira a entregar formação em serviço em apoio ao processode reforma.

• O uso de equipes regionais na implementação das novas estratégias deensino para dar assistência baseada na escola.

• Estreita colaboração entre os funcionários territoriais de educação do Ministérioda Educação e dos institutos pedagógicos.

Os resultados esperados destaintegração da formação em serviço eantes do serviço são estes:

• Os programas de formação docente fornecidos pelos institutos pedagógicosmanter-se-ão atualizados em termos das reformas educacionais que ocorramno sistema escolar. Em conseqüência, os docentes egressos estarãoadequadamente preparados para os desafios que as escolas devam enfrentar.

• Os institutos pedagógicos participarão estreitamente no desenvolvimentoprofissional dos docentes. Por conseguinte, a formação antes do serviço nãoserá vista como um evento isolado, mas como o começo de umdesenvolvimento profissional permanente.

• A participação de tutores no desenvolvimento profissional permanente dedocentes nas escolas, pelo fato de os manter atualizados sobre as realidadesatuais do sistema escolar, enriquecerá a formação antes do serviço.

Através de seu Instituto PedagógicoErdiston, Barbados representaprovavelmente a abordagem mais globalà integração da formação docente emserviço e antes do serviço. Durante osúltimos seis ou sete anos, o Erdistonofereceu uma gama completa deprogramas de formação docente emserviço e antes do serviço. A instituiçãooferece cerca de 11 programas e cursosde formação docente diferentes, quepodem ser classificados da seguintemaneira:

• Formação antes do serviço para docentes de nível primário em jornadacompleta.

• Formação inicial para docentes de nível secundário através do programa emserviço Diploma em Educação. A entrada neste programa está limitada apessoas que já obtiveram o título de Bacharel (Bachelor’s Degree) em suaárea de especialização.

• Formação em serviço de diretores de escolas através do programa em serviçoCertificado em Educação.

• Cursos informais em serviço para diretores de escola e orientadores.• Cursos informais de formação docente em serviço, elaborados para promover

o desenvolvimento profissional permanente de docentes em todos os níveisdo sistema educacional.

• Cursos de formação docente em serviço em apoio às reformas educacionaisem vias de implementação através do projeto EDUTECT.

Os elementos essenciais do enfoqueutilizado para integrar a formação emserviço e antes do serviço, tanto naJamaica como em Belize, são osseguintes:

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 79

revistaprelac

Aperfeiçoamento deformadores de docentes No tratamento do tema de formação docente, particularmente no que se

relaciona com as políticas dirigidas a reformar os sistemas primários e secundáriosde educação na Comunidade do Caribe e com as reformas da formação de docentes,uma inquietude recorrente foi a de transformar e aperfeiçoar os formadores dedocentes. Por exemplo, se os docentes devem preparar-se através de programasde nível de Bacharel, é imperativo que seus formadores tenham títulos mais avançados.Assim, se o novo currículo requer novos enfoques e estratégias pedagógicas, osprogramas de formação docente deveriam incluir estas estratégias. No entanto, seos formadores de docentes não conseguiram dominar ou utilizar estas estratégias,é muito pouco provável que elas sejam incorporadas com sucesso aos programasde formação docente.

As tradicionais rotas para alcançar este aperfeiçoamento têm sido os diferentestipos de bolsas para universidades estrangeiras. No entanto, esta é uma alternativacara, que está fora do alcance de muitas pessoas e governos. Adicionalmente, asopções oferecidas no exterior às vezes não são adequadas ou relevantes àsnecessidades do Caribe.

Nos últimos 30 anos, as universidades da Comunidade do Caribe começarama abordar esta necessidade através de programas que outorgam títulos maisavançados, particularmente a nível de mestrado. Neste aspecto, a Universidade dasWest Indies foi líder, embora não a única provedora. A Universidade da Guianadesenvolveu seus próprios programas avançados.

Os primeiros esforços das universidades da Comunidade do Caribe, criadospara oferecer programas avançados que abordassem a necessidade de produzirformação docente, limitaram-se principalmente a oferecer programas presenciaisde jornada completa ou parcial. A limitação deste enfoque é que os institutospedagógicos não estão em condições de permitir que uma grande parte de seupessoal assista a programas de jornada completa, enquanto que os programas dejornada parcial estão limitados às pessoas que podem freqüentar a universidadeem horário vespertino.

Um enfoque interessante e inovador está na colaboração entre a Universidadedas West Indies e a Universidade de Alberta, através do Projeto JBTE/Universidadede Alberta/CIDA, elaborado para o pessoal dos institutos pedagógicos do CaribeOcidental.

• Cursos UWI de mestrado ensinadospelo pessoal da universidade deAlberta durante o verão. Estes cursosde verão permitem que os membrosdo pessoal docente participem doPrograma UWI de mestrado emEducação, que pode ser acabadonum prazo bem mais curto.

Os elementos que integram este projetosão os seguintes:

• 12 bolsas para cursos avançadosna Universidade de Alberta.

• Várias bolsas para assistir aprogramas de um semestre deduração na Universidade de Alberta.

80

Durante os cinco anos de duração doprojeto, mais de 250 integrantes do pessoaldocente (aproximadamente a metade) dos14 institutos pedagógicos e dos Ministériosda Educação das Bahamas, de Belize e daJamaica, participaram do curso, seja na modalidadeque outorga créditos ou na modalidade sem crédito.Seis tutores também se registraram no programa de doutoradoda Universidade de Alberta, embora esta alternativa não fosecontemplada originalmente pelo projeto. Em 1998, no final doprojeto, um deles já havia se formado e, desde então, outrosquatro completaram satisfatoriamente o programa de doutoradoe regressaram a seus trabalhos. O Projeto JBTE/Universidadede Alberta/CIDA oferece um modelo que é, ao mesmo tempo,realizável e aplicável ao desenvolvimento profissional dopessoal docente, tanto dentro como fora do âmbito da formaçãodocente.

Em forma mais recente, a Escola de Educação, UWI, Mona,começou a oferecer programas de mestrado através de cursosde verão online. Esta inovação começou em setembro de 2001,com um total de 33 estudantes registrados em dois programas:Administração Educacional e Formação Docente. Estamodalidade de entrega de programas de mestrado permiteaos estudantes fazer dois cursos presenciais durante o verãoe um ou dois cursos online durante o semestre. É possível,então, que um estudante finalize seu programa de mestradoem dois anos acadêmicos, sem abandonar seu emprego dejornada completa. Esta característica é extremamenteimportante, tanto para o estudante, que não pode abandonarseu posto de trabalho, como para a instituição, que não podedar-se ao luxo de o dispensar de suas obrigações trabalhistas.

Um importante aspecto desta modalidade de formação deformadores é que não só os estudantes mas também os tutorespodem ser selecionados de qualquer país do Caribe. De fato,tanto os estudantes como o pessoal responsável por ensinaros cursos residiram em diferentes países, incluindo as IlhasCayman, Barbados, Jamaica, Japão e as Ilhas Turks e Caicos.

O ponto a destacar é que os cursos de verão e onlineconstituem outra modalidade de entrega do programa demestrado em Formação Docente oferecida pela Escola deEducação, Mona. Os estudantes seguem o mesmo currículo,trabalham com os mesmos exercícios e fazem os mesmosexames que os estudantes que aprendem através damodalidade presencial. Como tal, a modalidade de verão eonline está sujeita aos mesmos mecanismos de controle de

qualidade e padrões que a modalidadepresencial. Até agora, os resultados nãomostraram diferenças em níveis de excelência.

Uma faceta interessante da modalidade deverão e online é seu auto-financiamento.

Adicionalmente, o custo é muito competitivo no queconcerne às universidades estrangeiras que atualmente

oferecem programas na região. Em outras palavras, oferecem-se na região programas adaptados às necessidades dedesenvolvimento da formação docente num mercadointernacional competitivo, em condições muito vantajosas.

Baseado no sucesso desta iniciativa, as três Escolas deEducação situadas nos três campi da Universidade das WestIndies começaram a explorar a possibilidade de oferecer todosos programas de mestrado em Educação da UWI através damodalidade de verão e online e estão planejando oferecê-losem conjunto e cooperativamente. Os primeiros passos nessadireção são os planos para montar um programa de mestradoque prepare líderes do Caribe em Educação da PrimeiraInfância, a partir do verão de 2003. O financiamento para seudesenvolvimento foi outorgado pelo Banco Interamericano deDesenvolvimento, mediante uma doação canalizada atravésdo Centro de Desenvolvimento Infantil do Caribe.

O projeto de Apoio à Educação Primária (PESP), que ogoverno da Jamaica está implementando através de umempréstimo do Banco Interamericano de Desenvolvimento,visa a que a reforma curricular dos institutos responsáveis pelaformação de professores primários torne os programas deformação docente antes do serviço consistentes com o novocurrículo nacional que se está implementando nas escolasprimárias. Este componente não apenas inclui a reforma doprograma de formação de docentes de nível primário, mastambém considera, como parte das novas metodologiasprescritas no currículo, o aperfeiçoamento e a formação emserviço dos expositores de institutos pedagógicos. O programade formação de expositores inclui oficinas sobre as novasmetodologias, visitas a escolas primárias com o fim de observara implementação do novo currículo, oficinas sobre o uso detécnicas desenvolvidas como resultados de pesquisas sobreo cérebro e sua aplicação à aprendizagem avançada e asupervisão clínica dos expositores na medida em queimplementem o novo currículo de formação docente nas classesdos institutos pedagógicos.

POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DOCENTE na Comunidade do Caribe

Programasadaptados a lasnecesidades dedesarrollo de la

formacióndocente

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 81

revistaprelac

Conclusão Se tomamos as políticas, programase projetos de formação docenterealizados nos últimos 15 a 20 anos naComunidade do Caribe de forma global,pode-se identificar claramente asseguintes tendências:

3. Vários países elevaram o padrãoacadêmico e profissional paradocentes ao nível de bacharel eimpuseram prazos para suaconcretização. Nesse sentido, asBahamas lideram a sub-região.

1. A totalidade dos países adotou apostura política de que a admissãoa programas de formação docenteé baseada numa finalização bem-sucedida da educação secundária.Como a Comunidade do Caribepossui um padrão comum relativo àfinalização da educação secundária,os critérios de admissão foramdescritos pelo Conselho Caribenhode Exames (CXC) em termos denúmeros e tipos de aprovação ouseus equivalentes. A mudança depolítica foi possível graças àsubstancial expansão da educaçãosecundária que ocorreu nas décadasde 70 e 80.

2. A maioria dos países transitou parauma posição onde a grande maioriados professores de educaçãoprimária recebem formação superioratravés de programas de dois ou trêsanos de duração. Ao mesmo tempo,estimularam-se numerosas iniciativaspara materializar metas similares comrespeito à formação docente deprofessores de educação secundária.Já não se considera aceitável que odomínio do conteúdo da disciplinaseja condição suficiente para ensinarem escolas secundárias.

4. A formação docente em serviçochegou invariavelmente a ser partedos programas de reformaeducacional. Na prática, a totalidadedos programas e empréstimosprovenientes de organismos bilateraise multilaterais apoiaram os programasde formação docente em serviço.

5. Os governos realizaram programasde formação docente antes doserviço com escasso apoio direto deorganismos bilaterais e multilaterais.Os casos de apoio dessesorganismos a este tipo de programasocorreram pela via indireta deiniciativas de formação em serviço.Em outras palavras, durante osúltimos 20 anos, a formação docenteantes do serviço não recebeu maioresinvestimentos de capital naComunidade do Caribe.

82

POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DOCENTE na Comunidade do Caribe

8. Durante as duas últimas décadas,várias iniciativas concentraram-se noaperfeiçoamento dos formadores dedocentes dos institutos pedagógicos.Nos últimos cinco anos, muitas delascomeçaram a incluir medidas paratransformar a pedagogia utilizadanos institutos pedagógicos.

6. Vários países implementarammedidas voltadas para a expansãodas modalidades de entrega deformação docente. Entre elas seincluem os programas presenciaisde jornada parcial, cursos oferecidosdurante as férias, programas deeducação à distância e combinaçõesdessas modalidades.

7. Durante os últimos dez anos,praticamente a totalidade dos paísesoptou por incluir o uso dastecnologias da informação e dacomunicação na formação docente.O grau de financiamento recebidovariou consideravelmente na sub-região.

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 83

Embora as direções tomadas pelas política tenham estimuladoa formação docente na sub-região, todas elas mantiveram a figurado docente como agente da mudança e da transformação. Noentanto, no atual contexto social e cultural da Comunidade doCaribe, concentrar-se no desenvolvimento profissional do docente,particularmente no que se relaciona com o domínio do conteúdoda disciplina e com a técnica pedagógica, já não é suficiente. Osdocentes necessitam entender-se a si mesmos em relação à suasociedade e às mudanças que ocorrem a nível local e global, demaneira a poder estabelecer contatos consigo mesmos e comseus estudantes. A crescente complexidade dos temas sociais eculturais confrontados pelos docentes nas escolas é motivo deperplexidade para muitos deles, que não se sentem preparadospara enfrentar tais desafios. Agora, as políticas de formaçãoapontam para o desenvolvimento pessoal do docente, especialmenteno que diz respeito às rápidas mudanças sociais e culturais queocorrem tanto na sub-região como globalmente.

Emilio Tenti Fanfani

PROFISSIONALIZAÇÃODOS DOCENTES

Algumas dimensões da

Representações e temasda agenda política1

1 Texto modificado do trabalho apresentado na PrimeiraReunião Intergovernamental do Projeto Regional deEducação para a América Latina e o Caribe (PRELAC),Havana, Cuba, novembro de 2002.

2 Utilizam-se aqui alguns resultados de um programa deestudos sobre profissionalização docente desenvolvidono IIPE-UNESCO, em Buenos Aires. O estudo baseia-sena informação produzida pela aplicação de umquestionário a amostras nacionais representativas dedocentes de nível primário e secundário (setor público eprivado), na Argentina, no Peru e no Uruguai.

Conteúdo Este documento começa afirmando o caráterestratégico do fator humano na prestação do serviço educativo.Em seguida, apresentam-se os resultados de um programa depesquisa sobre atitudes e expectativas dos docentes comrelação a seu próprio papel profissional, as novas tecnologiaseducativas e determinadas dimensões que configuram acarreira docente (sistemas de avaliação de docentes easpirações trabalhistas) 2 .

Por último, são propostos certos temas e metas paraconstruir uma agenda de política educacional, relacionadoscom a profissionalização dos docentes a médio prazo e sesugerem alguns critérios políticos especificamente orientadosa garantir as melhores probabilidades de êxito das intervençõesparticularmente voltadas para transformar a subjetividade dodocente e o conjunto de regras e recursos que estruturam suaprofissão.

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 85

Coordenador da Área de Diagnóstico e PolíticaEducacional / Instituto Internacional de Planejamento

da Educação (IIPE), Buenos Aires, Argentina.

revistaprelac

Os docentes constituem o fator determinanteda qualidade da educação A qualidade do recurso humano tem uma importância estratégica fundamental

nos serviços pessoais. O caso da educação é paradigmático. A afirmação pareceóbvia ou até demagógica (os políticos gostam de bajular os professores, especialmenteem tempos de eleições). No entanto, muitas políticas não coincidem com estepostulado.

a) Umas pretendem pura e simplessmente substituir o professor por tecnologia. Éo caso das estratégias que acreditam que as novas tecnologias da educaçãopodem permitir o desenvolvimento da aprendizagem mediante uma relação diretaentre as pessoas e o conhecimento socialmente acumulado. Substituir o professorpor eventuais máquinas de ensinar é uma utopia tão reiterada como fracassada.A primeira aprendizagem, a aprendizagem básica, sempre necessitará damediação de um adulto especializado e as novas tecnologias da informação sãonecessárias e valiosas, desde que usadas em forma inteligente e criativa porprofessores altamente qualificados. Nunca poderão substituir o docente. Poroutro lado, não se pode esquecer que o autodidatismo não é nunca um pontode partida, mas sim um ponto de chegada de toda pedagogia bem-sucedida.

b) Mas outras políticas, em especial políticas de reforma, confiaram mais nosdispositivos institucionais e legais que nos agentes pedagógicos para transformara educação. Desse ponto de vista, os docentes seriam algo como agentes deestruturas que atuam acima deles. Supõe-se que o que os professores fazem,ou seja, suas práticas em classe, está determinado por regras e recursos, istoé, leis, decretos, resoluções, circulares, etc. e recursos financeiros, infraestruturafísica escolar, entre outros, de modo que, se alguém deseja mudar a educação,tem de intervir no quadro legal, regulamentar, e no orçamento. É nesses níveisque se deve fazer a reforma.

Durante a década de 90, a maioria dos países latino-americanos realizou reformas na legislação, na estrutura, nosconteúdos, no modelo de financiamento, gestão e administraçãode seus sistemas educativos, mas não levaram suficiente eadequadamente em conta o fator humano. Com efeito, poucose fez em matéria de formação inicial e permanente, condiçõesde trabalho e remuneração dos docentes latino-americanos.Se o que se quer realmente é modificar o modo de fazer ascoisas na classe, para melhorar a qualidade da aprendizagemefetivamente desenvolvida pelas crianças nos próximos anos,as políticas educacionais deverão colocar no centro da agendaa questão da profissionalização dos docentes, a partir de umaperspectiva integral.

86

Cabe assinalar que a maioria das reformas sefundamentaram nesta perspectiva um tanto determinista eestruturalista, que considera os professores como simplesrobôs que agem em função de efeitos de determinadas normasobjetivas. Esta visão parcial e limitada da atividade docenteinduziu a proposta de reformas parciais e, portanto, limitadasem relação à sua abrangência prática. Muitas mudanças nasleis, regulamentos e projetos curriculares foram incapazes detransformar as práticas, que continuaram obedecendo a velhosmodelos incorporados na cultura e na subjetividade dosdocentes. Nós, os agentes sociais, temos inclusive acapacidade de simular o cumprimento de certas determinaçõesnormativas ao mesmo tempo em que mantemos o grosso denossas rotinas e modos de fazer as coisas.

Alguns definiram acertadamente adocência como uma profissão moral, nosentido de que tem como objetivo aprodução de determinadastransformações na subjetividade dosestudantes. O professor se propõe a"influenciar a vida de seus estudantes".A maioria dos docentes sabe o que faz.Ao menos isto é o que dizem muitosdeles quando explicam porque escolhemesta atividade. Em outras palavras, atarefa do professor tem a ver com amudança, ou melhor, com a produçãode determinadas mudanças na vida decrianças e jovens. A experiência logo seencarrega de frustrá-los. O mal-estardocente é, em parte, resultado dasexpectativas não realizadas.

O que é necessário para ser umagente da mudança na vida dosestudantes? De acordo com Fullan (WhyTeachers Must Become Change Agents.em Educational Leadership Vol. 50,Number 6 March 1993), para ser agenteda mudança requerem-se pelo menostrês propriedades: capacidade deconstruir um ponto de vista pessoal(personal vision-building); umapredisposição para a busca, domínio deconhecimentos e aptidões; ecolaboração.

3 Os dados produzidos no contexto do programa depesquisa sobre a profissionalização dos docentes naArgentina, no Peru e no Uruguai, que está sendodesenvolvido no IIPE/UNESCO em Buenos Aires desdeo ano 2000, revelam que uma proporção significativa dedocentes vive em domicílios situados abaixo da linha depobreza. Por outro lado, há muitos indícios de que osdocentes mais pobres têm mais probabilidade de sucessoem instituições freqüentadas por crianças dessa mesmacondição social.

Mas o ofício do docente secaracteriza por uma série decontradições ou tensões. Entre elas cabemencionar aqui a que resulta de suacondição de funcionário assalariado e,ao mesmo tempo, profissional daeducação. Com efeito, por um lado, namaioria dos casos o docente é umfuncionário assalariado, que trabalha emrelação de dependência e recebe umsalário (e não honorários). Como tal, éum trabalhador que, com freqüência,está sindicalizado e luta coletivamentepela defesa e melhora de suas condiçõesde trabalho. Mas, por outro lado, oprofessor-funcionário é também umprofissional, na medida em que odesempenho de sua atividade requer odomínio de aptidões racionais e técnicasque são exclusivas de seu ofício e quese aprendem em tempos e espaçosdeterminados. Além disso, portradicionalmente trabalhar em contextosinstitucionalizados, o docente goza, naclasse, de uma margem variável deautonomia. Competência técnica eautonomia são componentes clássicosda definição ideal de uma profissão.

Uma política bem-sucedida deprofissionalização dos docentes nãoapenas deve basear-se numa análisedesses fatores objetivos que, de umamaneira ou de outra, introduzem novosdesafios à atividade do professor, mastambém deve consultar o estado dasrepresentações (opiniões, atitudes,valorações, expectativas, etc.) dospróprios docentes sobre aspectossubstantivos de sua própria atividade esobre o contexto no qual ela se realiza3.

Algumas dimensões da PROFISSIONALIZAÇÃO DOS DOCENTES

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 87

revistaprelac

Representações sociais dos professores comrelação às funções daeducação e o sentido de seupróprio papel profissional.

A partir deste ponto, apresentam-sealgumas descobertas relacionadas com as representaçõesdos docentes com respeito a determinadas questõesrelacionadas com seu trabalho e sua própria identidade sociale profissional. Estas opiniões têm a ver com algumas dimensõessubstantivas de uma política de profissionalização dos docentesna região. Aqui examinaremos algumas descobertas produzidasno quadro do programa de pesquisa do IIPE sobre condiçõesda profissionalização dos docentes de educação básica naArgentina, Peru e o Uruguai. Os temas a serem examinadostêm a ver com as próprias representações dos docentes comrespeito à função da educação e seu próprio papel profissional,suas aspirações trabalhistas futuras, as atitudes em relaçãoàs novas tecnologias de informação e comunicação (NTIC) esuas predisposições em relação à possibilidade de introduzirdiferenciações na carreira docente em função do mérito e daqualidade da aprendizagem realizada pelos alunos.

a) os docentes e as funções da educação

O questionário aplicado a amostras representativas nacionaisde docentes de educação básica (primária e média) dos paísesanalisados pedia aos docentes que escolhessem, numa listade objetivos propostos, aqueles que eles consideravam comoos mais importantes (tabela Nº1)

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Tabela Nº 1Objetivos prioritários da educação

(dos mais importantes)

ARGENTINA PERU URUGUAI

% % %

Desenvolver a criatividade e o espírito crítico 61,3 57,6 69,6

Preparar para a vida em sociedade 44,6 35,3 42,7

Transmitir conhecimentos atualizados e relev. 27,8 25,1 24,9

Criar hábitos de comportamento 6,4 5,6 6,4

Transmitir valores morais 25,6 47,1 31,1

Selecionar os indivíduos mais capacitados 0,9 2,9 1,1

Proporcionar conhecimentos mínimos 2,8 1,4 3,5

Formar para o trabalho 13,5 14 7,3

Integração dos grupos sociais mais relegados 15,5 10,9 12,9

Ns/Nc 1,5 0,2 0,5

valor. O mesmo pode ser dito dequalquer disciplina ou ciência. O saberacumulado tem essa virtude: não apenasé conhecimento feito, mas é tambémmétodo, estratégia, instrumento, recursopara criticar e superar o dado. Esta éuma característica distinta da culturacontemporânea. Em outras palavras,quando se trata de saberes e aptidõescomplexas, a reprodução estáintimamente ligada à sua própriaprodução renovada. A cultura complexaconserva-se e se transforma num mesmomovimento.

A super-valorização do conhecimentocomo acervo cultural, que deve sertransmitido às novas gerações entra emcontradição com determinadasexpectativas sociais. Por exemplo, éprovável que muitas famílias enviem seusfilhos à escola para que aprendam umasérie de coisas de valor óbvio (tais comoleitura, escrita, capacidades deexpressão oral, cálculo, idiomasestrangeiros, ciências naturais e sociais,valores e critérios estéticos e éticos,domínio de ferramentas para fazer coisasúteis para a vida e para a produção,etc.).

Para além dos significados que osdocentes dão a cada um dos objetivosassinalados (coisa que uma enquete nãoestá em condições de explicitar), podem-se fazer várias leituras desses resultados.Em primeiro lugar, pode-se assinalar oconsenso absoluto em torno de umaformulação tradicional de objetivos daeducação, tal como o desenvolvimentoda criatividade e do espírito crítico. Maseste consenso adquire um significadoparticular quando comparado com aminoria (menos de um terço) que põe oconhecimento como razão de serprincipal da educação escolar. Tudoparece indicar que estamos diante deum paradigma relativamentehegemônico, entre os docentes do ConeSul da América Latina, no modo de veras coisas da educação. O predomíniodessa preferência, para além de seuconteúdo, pode estar associada ao pesode certas correntes pedagógicascontemporâneas que se desenvolveramno calor da crítica a um modo tradicionale esquemático de entender os objetivosda escola que, em sua forma caricatural,foi qualificado como de "educaçãobancária". Em outras palavras, muitospedagogos de prestígio reivindicaram ovalor do desenvolvimento de certasfaculdades intelectuais e ético-moraisnos educandos, diante da ênfase dadaà transmissão de conhecimentosentendidos como informação que osaprendizes deveriam aprender. Em suaforma mais esquemática, a educaçãoconsistiria em "memorizar" um conjuntode conhecimentos que a sociedadeacumulara ao longo de sua história eque se consideravam valiosos para asolução de problemas tanto individuaiscomo derivados da convivência social.

No entanto, poder-se-ia dizer queesta ênfase no desenvolvimento defaculdades complexas, quandoacompanhada por uma desvalorizaçãoda idéia de educação como apropriaçãode conhecimentos e capital cultural emgeral, pode ter conseqüências negativas.Com efeito, a preferência exclusiva pelacriatividade e pelas capacidades críticaspode ficar apenas nas boas intençõesquando se a separa e se a opõe à idéiade educação como apropriação dosfrutos da cultura e da civilizaçãohumanas. A menos que se conceba acriatividade como uma qualidade quasemágica, ou seja, como uma capacidadede fazer algo com nada (igual a umacapacidade divina), esta não é mais queuma simples expressão de desejos senão for acompanhada por uma forteênfase na apropriação das ferramentasde pensamento e de ação que oshomens desenvolveram, codificados eacumulados ao longo de sua história.Em qualquer campo de atividadecomplexa, tanto científico-técnica comoestética ou esportiva, têm maiorprobabilidade de inventar e de criaraqueles que previamente se apropriaramdos elementos culturais anteriormentedesenvolvidos, que provêem umacapacidade concreta de fazer e depensar o novo. São aqueles que maisse apropriaram do capital literárioacumulado que têm maioresprobabilidades de fazer literatura de

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 89

Algumas dimensões da PROFISSIONALIZAÇÃO DOS DOCENTES

revistaprelac

b) Representações do papel docente

O questionário oferecia ao entrevistado duas definiçõestípicas do papel docente. Uma dizia: “O docente é, acima detudo, um transmissor de cultura e conhecimento”. A outraafirmava que “o docente é sobretudo um facilitador daaprendizagem dos alunos”. A primeira corresponde a umaconcepção mais clássica e “dura” do ofício, enquanto a segundaexpressa uma formulação mais contemporânea e provávelmentemais “suave” do papel docente. A preferência dos docentesse orientou decididamente em direção ao segundo termo daopção. (ver Tabela Nº 2).

Só uma minoria não se identificou com nenhuma dasdefinições oferecidas. Estes dados indicam que as definiçõescitadas organizam bastante bem o espaço das alternativaspossíveis em matéria de função docente. Entre os docentesargentinos, o predomínio da idéia do docente como “facilitador”é generalizado em todos os sub-grupos que podem serconstruídos no universo estudado. No entanto, sua intensidadevaria em função de certas características dos sujeitos. Osdados indicam que os professores primários se inclinam maispor esta imagem que seus colegas do secundário. A diferençaé particularmente grande quando se trata de professores dosexo masculino. Também a classe social declarada estáassociada com a definição do papel, já que a imagem dodocente como transmissor do conhecimento e da cultura émais freqüente entre os que se declaram como parte da classemédia alta do que entre os que dizem pertencer às classesmédia baixa e baixa. Os dados indicam que a imagem dodocente como “facilitador” é mais fraca entre os professores

do sexo masculino e entre os docentes que se percebem comosituados nos níveis mais elevados da estrutura social. Nessesgrupos, a velha representação da docência como instânciatransmissora de cultura e conhecimento está mais presente,embora constitua sempre uma posição subordinada.

Esta identificação maciça com o professor como "facilitador"da aprendizagem de alguma maneira coincide com as respostasdadas às funções dominantes atribuídas à educação. Osprofessores latino-americanos parecem não situar o tema doconhecimento e de sua transmissão entre gerações no centrode suas preocupações como profissionais da educação. Estadesvalorização relativa do conhecimento tem provavelmenteduas fontes de alimentação. Por um lado, as difíceis condiçõesde educabilidade de muitos meninos e meninas que não têmsatisfeitas suas necessidades básicas de alimentação, afeto,saúde, etc. e que obrigam a escola a limitar seus objetivos nocampo da transmissão cultural.

Tabela Nº 2Papel do professor

ARGENTINA PERU URUGUAI

% % %

Transmissor de cultura e conhecimento 13,5 9,6 18,0

Facilitador da aprendizagem 72,2 83,7 74,7

Nenhuma das anteriores 10,8 5,8 6,5

Não sabe 3,5 0,9 0,8

Total 100,0 100,0 100,0

90

Outro fato que conspira contra uma adequada valorizaçãodo conhecimento é o peso que têm tido certas correntespedagógicas (pedagogias não diretivas, espontaneísmopedagógico, etc.) na formação do imaginário cultural dadocência latino-americana. Com efeito, as críticas contra certaslimitações e excessos da pedagogia tradicional (racionalismo,formalismo, memorização, enciclopedismo, etc.) podem terdeslizado em direção à formação de outro esquema tão pobree danoso como o primeiro.

No entanto, embora o instrumento aplicado não autorize oanalista a interpretar o sentido que os atores atribuem aoadjetivo “facilitador”, podem-se fazer algumas conjeturas arespeito. A mais positiva consiste em entender que o papelde facilitador da aprendizagem converte o professor numaespécie de gestor do processo de aprendizagem dosestudantes. Sob esta perspectiva, sua função direta nãoconsistiria tanto em transmitir um conhecimento que ele possui,mas em agir como mediador entre as necessidades deaprendizagem do aluno e os conhecimentos socialmentedisponíveis. O bom docente seria alguém capaz de interpretaro que o estudante necessita aprender e orientá-lo em direçãoàs fontes onde este conhecimento está disponível (outrosespecialistas, referências bibliográficas, sítios virtuais, etc.).

Não é o professor quem sabe, ou seja, quem possui oconhecimento e o transmite, mas é ele quem sabe onde estáo conhecimento e conhece os procedimentos que garantema aprendizagem mais eficaz. Mas esta é só uma das possíveisinterpretações da função de "facilitação". A outra é menosotimista e positiva e pode estar associada com um debilitamentodo papel do docente em relação ao desenvolvimento doconhecimento nas pessoas.

De toda maneira, o que é certo é que a ênfase exclusivana criatividade, quando não é acompanhada de uma valorizaçãosimultânea pela apropriação do saber acumulado, corre o riscode constituir-se numa frase vazia, num objetivo de duvidosarealização prática. Esta hipótese é plausível quando se observaa sub-valorização da idéia de transmissão cultural, a qual podeestar associada com um certo esvaziamento em matéria deaprendizagem de conteúdos culturais básicos, tais como odomínio da linguagem, do cálculo, dos elementos básicos dasciências sociais e naturais, das aptidões relacionadas com abusca e a análise da informação, dos idiomas estrangeiros,da apreciação estética, etc. Não é demais recordar que odomínio desses conteúdos constitui uma condição ineludívelde qualquer atividade criativa e crítica.

Os docentes e as novastecnologias da educação O potencial

pedagógico das NTIC constitui umdesafio para a construção de uma novaprofissionalidade dos docentes. Por umlado, nem todos os docentes têm acessoa essa informação ou são consumidores"intensivos" das novas tecnologias dainformação e da comunicação. Não osão nem em sua vida cotidiana, nemcomo profissionais da educação. Poroutro lado, no plano das opiniões tendea predominar uma visão positiva sobreos impactos das NTIC nos processos deensino e aprendizagem. No entanto,

Algumas dimensões da PROFISSIONALIZAÇÃO DOS DOCENTES

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 91

existem alguns temores com relação adeterminados efeitos não desejados,que é preciso levar em conta em todapolítica de inovação pedagógica. Emtodo caso, a visão que surge dainformação analisada é sobretudopositiva. É, contudo, mais provável queos problemas tenham sua origem nosdéficits e defeitos das políticaseducacionais (tanto em matéria deformação de recursos humanos comode equipamento tecnológico dasinstituições) do que na cultura e atitudesdos docentes.

revistaprelac

Em relação à disponibilidade de equipamentos por parte dos docentes, chama aatenção o fato de que mais da metade dos docentes argentinos e uruguaios dispõe decomputador em casa (53,4% e 54,8% respectivamente), enquanto entre os docentesperuanos essa proporção baixa para 19,9%.

Em compensação, é menor o porcentual de docentes que tem acesso à internet emcasa (Uruguai, 45,2%, Argentina, 18,3% e Peru, 3,3%), embora em conjunto constituamuma minoria significativa. Nos dois casos, o acesso às novas tecnologias é mais provávelentre os professores de ensino médio do que entre os professores de ensino primário.Por sua vez, como era de esperar, o lugar de residência determina fortemente o acessoa estas novas tecnologias. A disponibilidade de computadores varia de 60% na GrandeBuenos Aires a 38% nas regiões mais pobres do país (noroeste e nordeste). O mesmoacontece com o acesso à Internet em casa, onde as diferenças são ainda mais fortes 4.

4 Por outro lado, é sintomático o fato de que a absoluta maioria dos docentes dos países estudados afirmou que "nunca navega pela Internet" (70,1% na Argentina, 59,3% no Peru e58,2% no Uruguai). As mesmas proporções de docentes "nunca utilizam o e-mail" em suas comunicações.

Tabela Nº 3Os docentes e as

tecnologias educativas (em %)

Uruguai

Sim 19,9 23,3 43,1 84,7 72,7 87,3

Não 73,0 65,8 42,3 7,8 12,9 6,4

Não sabe 7,0 10,9 14,6 7,5 14,4 6,2

Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0Peru

Sim 28,1 27,8 42,4 79,7 82,8 89,0

Não 59,9 56,7 41,2 11,7 9,3 3,7

NS / NR 12,0 15,5 16,4 8,6 7,9 7,3

Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0Argentina

Sim 18,5 24,0 30,3 79,2 68,4 85,6

Não 69,2 58,8 51,4 9,6 13,7 5,5

NS/NR 12,3 17,2 18,3 11,2 17,9 8,9

Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Substituemparcialmenteo docente na

classe

Desumanizamo ensino

Vão facilitardemais para

os alunos

São recursosque facilitanas tarefas

Vão melhorara qualidade

da educação

Vão ampliar asoportunidades de

acesso aoconhecimento

As atitudes com relação aos impactospedagógicos das novas tecnologiasvariam (Tabela Nº 3). A informação adestacar-se nos dados é que a maioriados docentes não crê que as novastecnologias substituam o trabalho dosdocentes na classe. No entanto, quaseum quinto compartilha este temor naArgentina e no Uruguai. O porcentual éainda maior no Peru. Os docentesargentinos tampouco têm uma atitudegeral negativa em relação à tecnologia,já que a maioria deles (58,8%) tampoucoacredita que ela vá “desumanizar oensino e as instituições pedagógicas”,embora um quarto deles compartilheeste temor (24,0%).

Outro temor, o mais comum entreprofessores, é o que se relaciona com ofato de que as novas tecnologiaspoderiam “facilitar demais para osalunos”. No mais, a atitude dos docentes

é muito receptiva às tecnologias, já quea maioria crê que “vão ampliar asoportunidades de acesso aoconhecimento por parte dos alunos”,que “são recursos que facilitarão a tarefados docentes na classe”; e que“permitirão melhorar a qualidade daeducação e da aprendizagem”. Noentanto, esta maioria é relativa, já queexistem núcleos significativos que ainda

compartilham certos temores de efeitosnão desejados, tanto em termos deencorajar o “facilismo” entre os alunoscomo em termos de “desumanização”do ensino. Por outro lado, é precisoassinalar que existem amplos grupos dedocentes que ainda não têm posição arespeito, o que indicaria a conveniênciade desenvolver uma estratégia decomunicação e informação a respeito.

92

O nível sócio-econômico dosdocentes aparece associado à atitudefrente às novas tecnologias. Os dadosmostram que a atitude positiva é muitomais freqüente nos níveis sócio-econômicos altos que nos mais baixos.Uma razão que eventualmente podeajudar a explicar esta associação é amaior probabilidade dos grupos maisabastados de estar em contato efetivocom as novas tecnologias, ao menos em

suas manifestações mais correntes taiscomo o PC em casa, o uso do e-mail, aconexão Internet, etc.

De resto, a atitude positiva diantedas novas tecnologias é um traçogeneralizado dos docentes,independentemente do nível em quedesempenham sua atividade (primárioou secundária), gênero, região, idade eoutras características relevantesconsideradas neste informe.

Algumas características do trabalho docente A maioria dos docentes dos trêspaíses estudados tem o ensino como única atividade laboral remunerada (TabelaNº 4). Com efeito, só uma minoria deles realiza outras atividades profissionais pelasquais recebe um pagamento. Estes dados indicam que aqueles que exercem estaatividade o fazem de forma exclusiva, o que é um aspecto positivo do ponto de vistada profissionalização.

Tabela Nº 4Porcentual de docentes

que tem outra atividade remunerada

ARGENTINA PERU URUGUAI

Tem 13,2 14,4 17,3

Não tem 86,5 85,6 82,5

Total 100,0 100,0 100,0

Algumas dimensões da PROFISSIONALIZAÇÃO DOS DOCENTES

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 93

Segundo Max Weber, um dos fundadores das ciências sociais modernas, umaprofissão tem ao menos três características fundamentais: a) emprego de conhecimentoracional técnico; b) autonomia no exercício da atividade e c) honra profissional, ouseja, prestígio e reconhecimento social. Nesse sentido, Weber afirmava que umprofissional vive de e para sua profissão. Com isto queria dizer que o profissionaltem uma vocação, ou seja, uma forte orientação afetiva, característica que se resumeno clássico conceito da “vocação”. Mas, ao mesmo tempo, o profissional vive desua profissão, ou seja, dela obtém os recursos necessários para sua existênciaindividual e social. Os resultados do programa de pesquisa do IIPE sobreprofissionalização indicam que o conteúdo vocacional está muito presente nas auto-representações dos docentes.

revistaprelac

5 Por enquanto, o estado do avanço da análise dos dadosnão permite ir além no que se refere ao conteúdoespecífico dos impactos destas diferentes situaçõesobjetivas sobre as dimensões significativas da condiçãodocente.

Por outro lado, os dados objetivos com relação ao pesoque tem o salário dos docentes no total da renda declaradapelos domicílios que habitam mostram a existência de diversassituações típicas (Tabela Nº 5). Com efeito, os dados indicamque para uma minoria relativa de docentes (significativamentemais forte no caso de Uruguai) a renda docente tem um pesorelativo muito baixo no total da renda declarada por seusdomicílios (30% ou menos). Neste caso extremo, é provávelque o trabalho docente tenha para eles um significado muitoespecial, em certa medida diferente em relação aos colegaspara os quais o salário docente é determinante da renda totaldisponível em seus domicílios. Esta última situação, embora

Tabela Nº 5Porcentual da renda familiar que

corresponde ao salário do docente

ARGENTINA PERU URUGUAI

Até 30 % 19,8 12,9 26,6

31 a 70% 35,9 44,3 43,2

Mais de 71 % 35,4 42,8 27,1

Não responderam 8,9 - 3,0

Total 100,0 100,0 100,0

Esta diferenciação deve ser levada em conta na hora dedefinir políticas de transformação das regulações que estruturamo trabalho dos docentes, na medida em que indica a presençade uma heterogeneidade de condição que pode estar associadacom uma diferença na maneira de viver, perceber e valorizaro trabalho dos docentes. Estes resultados apenas constatamuma vez mais a existência de diferentes fatores de diferenciaçãono interior de uma categoria profissional tão massificada comoo magistério. O peso diferencial que tem o salário dos docentespode ter um efeito específico, ao qual se agregam os impactosdiferenciadores relacionados com outros fatores maisconhecidos, tais como a origem social, as condições de vidae de trabalho, o gênero e a idade, o contexto institucional noqual desempenham suas tarefas, a formação inicial e asoportunidades de formação docente contínua, entre outros.

94

seja majoritária, em nenhum caso supera 50%. Esta situaçãofragmentada indica a existência provável de relações diferentescom a atividade docente. Mesmo quando, para a absolutamaioria, o trabalho docente é uma atividade exclusiva (sãopoucos os que realizam outro trabalho remunerado), estadedicação tem diversos significados para os diversossubgrupos estatísticos que se podem construir mediante aanálise dos dados. É provável que estas diferenças objetivasestejam associadas com diversas apreciações, atitudes evalorações, em especial as que se referem às condições detrabalho, remuneração, carreira, etc5.

Os projetos trabalhistasfuturos dos docentes

Por último, toda política de reformadas condições de trabalho dos docentesdeve levar em conta os projetostrabalhistas futuros dos docentes. É óbvioque uma determinada estrutura deincentivos induzirá um determinadosistema de aspirações trabalhistas.

As evidências empíricas disponíveisnos três países estudados mostramresultados complexos e, em certamedida, preocupantes (Tabela Nº 6). Emprimeiro lugar, chama a atenção que,salvo no Uruguai, só uma minoria prevejapermanecer em seu posto atual “duranteos próximos anos”. O resto daspreferências se distribui em sua absolutamaioria em torno de atividadesprofissionais no interior do sistemaeducativo, mas em tarefas fora da classe,ou seja, em atividades não docentes emsentido estrito.

Algumas dimensões da PROFISSIONALIZAÇÃO DOS DOCENTES

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 95

Há duas atividades que concentramo grosso dos desejos de mudança dosdocentes: ocupar cargos de direção egestão; e realizar outras tarefasprofissionais no âmbito educativo taiscomo produzir textos, planificar aatividade pedagógica, realizar projetoscom colegas, etc. A impressão é de que,dada a estrutura objetiva deoportunidades de ascensão oferecidaspela atual carreira docente, umprofissional da educação que queiramelhorar sua situação profissional estáobrigado a deixar de realizar seu trabalhona classe. É óbvio que o sistema nãoprovê ocasiões de ascensão (postos desupervisão, direção, gestão,planejamento, etc.) em quantidadesuficiente para atender à demandaexpressada pelos docentes de classe.Para resolver esta contradição, é precisodesenhar uma carreira docente queofereça oportunidades de ascensão emelhoramento profissional sem obrigara renunciar ao exercício da atividadedocente em classe. Este é um assuntoque é preciso incorporar à agenda dereforma das carreiras docentes namaioria dos países latino-americanos.

Por último, as respostas dos docentesindicam que são uma minoria (em todosos casos inferior a 10%) os docentesque aspiram desempenhar no futurooutras atividades alheias à educação, oque indica que a absoluta maioria dosatuais docentes tem uma forte orientaçãovocacional e um interesse explícito emseu trabalho no âmbito educativo.

Tabela Nº 6Aspirações trabalhistas e profissionaispara os próximos anos

ARGENTINA PERU URUGUAI

% % %

Continuar em seu posto atual 43,6 20,4 52,6

Ocupar cargos de direção e gestão 19,9 24,6 10,1

O mesmo que faz agora, mas em outra instituição 2,3 10,6 7,8

Realizar outra atividade prof, no âmbito educat. 21,5 32,5 16,1

Dedicar-se a outra ocupação 5,8 7,7 3,2

Cargo de inspetor - - 2,6

Aposentar-se - 1,9 3,8

Não sabe 7,0 2,4 3,7

Total 100,0 100,0 100,0

revistaprelac

política de inovação neste sentido deverálevar isso em conta. É provável que asinovações necessárias, se querem serbem-sucedidas para obter os resultadosesperados, devam ser precedidas porum trabalho de argumentação, discussãoe debate. Caso contrário, as resistências,os conflitos e os fracassos serãoaltamente prováveis. Daí a utilidade deconhecer a distribuição daspredisposições e atitudes dos docentes,em função de determinadascaracterísticas tais como a antigüidadeno ofício, o nível educacional e o âmbitoinstitucional (público ou privado) no qualtrabalham, o gênero, a origem, a posiçãoe a trajetória na estrutura social, etc.,para ter uma idéia o mais aproximadapossível dos obstáculos e elementosfacilitadores de determinadas políticasde profissionalização.

Em síntese, pode-se dizer que aabsoluta maioria dos docentes dospaíses estudados realiza esta atividadede forma exclusiva e pretende continuartrabalhando no sistema educativo nofuturo mediato. No entanto, salvo noUruguai, só a minoria deseja "continuarem seu posto atual", ou seja, continuarcom o trabalho docente em classe. Porsua vez, é provável que a relação quemantêm os docentes com sua atividadeé parcialmente determinada pelo pesoque tem o salário docente no total darenda disponível nos domicílios ondevivem. Não é o mesmo viver da docênciae realizar esta atividade simplesmentecomo um trabalho vocacional e emfunção da própria realização pessoal.Por outro lado, também manifestam umaatitude positiva diante dos desafios dasnovas tecnologias da informação e dacomunicação, embora minoriassignificativas manifestem uma

preocupação com certos impactosnegativos que pode acarretar seu usosistemático na educação. Por último,quando se coloca a possibilidade deestabelecer diferenciações salariais emfunção da qualidade do trabalhorealizado, as opiniões são muitodivididas, assim como quando se colocaa possibilidade de levar em conta aavaliação da aprendizagem dos alunosno conjunto de fatores que determinamo salário docente. Por último, a maioriados docentes argentinos e peruanosdiscorda dos mecanismos utilizados paraavaliar seu desempenho profissional. NoUruguai, a opinião sobre essesdispositivos está até extremamentedividida.

Os dados indicam que as questõesreferentes às condições de trabalho,carreira e remuneração dos docentesprovocam reações divididas entre osinteressados, razão pela qual toda

96

A avaliação do trabalho docente A avaliação é uma dimensão constitutiva do trabalhodocente. Mas o docente não é apenas um "avaliador sistemático e profissional", mastambém, por assim dizer, um objeto avaliado, tanto por seus superiores hierárquicos(diretores, supervisores, etc.) como pelo sistema educacional como tal (instânciasnacionais de avaliação da qualidade docente). A avaliação dos docentes tende ainstalar-se na agenda de política educacional da maioria dos países latino-americanos.Dadas as implicações trabalhistas desta prática, é um tema que interessa e preocupaos líderes e militantes da maioria dos sindicatos docentes.

O próprio bom senso indica que não é fácil “avaliar o avaliador”. Em todos ospaíses existem regulações e dispositivos que formam um sistema de avaliação dosdocentes. Esta avaliação determina o lugar que ocupam os docentes na estruturaocupacional do sistema educativo e portanto contribui para definir salário, carreira,etc.

Uma clara maioria de docentes da Argentina e do Peru manifesta-se contra osmecanismos vigentes de avaliação de seu trabalho (Tabela No.7). Esta posiçãocrítica é também majoritária no Uruguai, embora neste país as posições pareçamestar mais equilibradas. Na Argentina, a discórdia é maior no resto do país do quena capital e entre os do setor público, os de classe média alta e alta, os professoresdo sexo masculino de ensino médio e os que são chefes de família.

O questionário aplicado pediu aos docentes quequalificassem o grau de pertinência de certos critérios paradeterminar as categorias salariais. Entre esses critérios incluiu-se a “avaliação periódica do desempenho profissional”, alémde outros fatores clássicos tais como o título acadêmico, aantigüidade docente e a zona geográfica de desempenho.Para a Argentina, os resultados indicam que “a avaliação” écolocada em terceiro lugar de importância, logo depois daantigüidade e do título acadêmico (Tabela Nº 8) . Esta ordemdos critérios indica o predomínio de uma visão tradicional comrelação aos fatores que determinam o salário docente. Noentanto, existem alguns fatores que estão associados com aprobabilidade de valorizar mais o desempenho. Estes são: serhomem e professor de ensino médio, trabalhar como docenteem instituições privadas e estar situado nos extratos sociaismédio alto e alto.

Os docentes peruanos colocam a avaliação periódica emprimeiro lugar, os uruguaios, em segundo lugar e os argentinos,em terceiro lugar. Pode-se dizer, porém, que em geral todosincluem de alguma maneira a avaliação periódica como umcritério importante. O consenso desaparece quando se tratade valorizar os sistemas concretos de medição e valorizaçãode critérios que se empregam em cada um dos paísesconsiderados.

Perguntou-se aos docentes quais são os agentes maisadequados para realizar a avaliação da qualidade de seutrabalho; as respostas mostram que nem todos os agentesgozam do mesmo grau de legitimidade. Alguns desses agentessão mais “tradicionais” que outros. Entre os primeiros podemcitar-se as autoridades da instituição escolar (supervisores,diretores, etc.). Mais recentes são as propostas de incluir osagentes que formam a demanda do sistema educativo (alunos,pais de família, representantes da comunidade, etc.) nossistemas de avaliação de docentes. A tabela Nº 9 apresentaalguns dados sobre a distribuição das opiniões dos docentesentrevistados.

Tabela Nº 7Grau de adequação dos mecanismosvigentes de avaliação dos docentes

ARGENTINA PERU URUGUAI

Adequação

Sim 14,7 16,8 42,2

Não 60,8 75,6 47,6

Ns/Nc 24,5 7,6 10,2

Total 100,0 100,0 100,0

Algumas dimensões da PROFISSIONALIZAÇÃO DOS DOCENTES

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 97

Tabela Nº 8Critérios que devem ser utilizados paradeterminar categorias salariais dosdocentes (qualificação de 1 a 10 segundoa importância atribuída)

CRITÉRIOS ARGENTINA PERU URUGUAI

Antigüidade docente 8,3 7,0 9,0

Título acadêmico 8,2 7,8 9,7

Avaliação periódica 8,0 7,9 9,5

Outros antecedentes acadêmicos 7,7 6,3 8,7

Zona geográfica de trabalho 7,8 6,8 8,8

No Uruguai se refere a “contexto social doestabelecimento”

*

*

revistaprelac

função.Por último, só uma minoria de

docentes outorga legitimidade aosdestinatários da educação, suas famíliase à comunidade para participar naavaliação de seu trabalho, pelo que todaproposta neste sentido é provável quesuscite reações críticas da maioria docorpo docente.

É evidente que as instâncias quegozam de maior aceitação são asautoridades das instituições (diretores esupervisores). As outras instâncias, salvoexceções, só são reconhecidas pormenos da metade dos docentes. Estesdados indicam que os docentes se vêema si mesmos como funcionários de umaorganização que têm uma posição bemdeterminada numa hierarquiaorganizacional. Assim, quem tem a

autoridade formal sobre os docentes sãoos que têm a responsabilidade de avaliara qualidade de seu trabalho. Outro tipode autoridades, informais ouinstitucionais, como os especialistas ouos colegas mais destacados são aceitospor uma minoria de docentes comoagentes de sua própria avaliação. Cabedestacar os 54% de docentes uruguaiosque reconhece os “colegas maisdestacados” para o cumprimento desta

Atitudes diante da diferenciação eda classificação

Toda avaliação se traduz numa classificação e numadiferenciação. Avaliar consiste em estabelecer uma ordem, uma hierarquia. Nessesentido, consiste em algo mais complexo que uma simples medição. Dizemos queuma escola que obtém uma média elevada de rendimento numa área do saber é“melhor” que outra que obtém médias mais baixas. Assim, isso implica formularjuízos de valor. Mas, em todos os casos, as avaliações (de alunos ou de docentes)têm como resultado uma formalização e objetivação de diferenças (na qualidade equantidade de aprendizagem desenvolvida, na qualidade do trabalho docente, etc.).Nesse sentido, é interessante interrogar-se sobre a legitimidade que tem esta idéiageral no corpo docente. Para aproximar-nos dela podemos recorrer à análise dasrespostas dadas a duas questões conceitualmente associadas.

98

AGENTES ARGENTINA PERU URUGUAI

Autoridades da instituição (diretor, supervisor) 73,7 45,5 (a) 76,0 (c)

Supervisor ou Inspetor no corresp. no corresp. 76,8

Especialistas em educação e outros especialistas 48,3 36,1 41,1

Colegas docentes mais qualificados 41,4 38,3 54,2

Técnicos do Ministério da Educação da Nação 30,6 52,3 no corresp.

Técnicos dos ministérios provinciais 30,4 27,4 (b) no corresp.

Os alunos dos estabelecimentos 23,5 17,8 25,6

Pais de família e a comunidade escolar 20,0 34,4 12,6

Comunidade docente de cada escola no corresp. 31,5 no corresp.

Ns/Nc 2,5 0,8 13,4

Tabela Nº 9Agentes que deveriamparticipar na avaliação

dos docentes

(a) a equipe diretora do centro educativo

(b) os técnicos e especialistas dos organismos intermediários (USES, Região)

(c) o diretor

Algumas dimensões da PROFISSIONALIZAÇÃO DOS DOCENTES

A primeira tem a ver com a própriaidéia de estabelecer diferenciaçõessalariais para premiar “os melhoresdocentes”. A pergunta, à primeira vista,pode parecer ingênua, ou até óbvia sefosse colocada para uma amostra deprofissionais tradicionais, tais comomédicos ou advogados. É provável quea maioria desses entrevistadosrespondesse positivamente à pergunta“você acredita que é preciso encontraros mecanismos adequados para que osmelhores engenheiros ganhem mais doque os outros?”. No entanto, estapergunta não teve uma resposta deconsenso entre os docentes dos paísesaqui examinados. Pelo contrário, nos trêscasos há uma certa polarização dasopiniões sobre esta questão, que àprimeira vista parecia apontar para umaresposta uniforme e de bom senso(Tabela Nº 10).

Tabela Nº 10Estou de acordo com a proposição

“é preciso encontrar mecanismosadequados para que os melhores

professores ganhem mais que os outros”

Mais uma vez, o caso do Peru difereda Argentina e do Uruguai. Emboranesse país exista uma clara maioria emfavor da proposição, no Uruguai ocorreo contrário e na Argentina há um certoequilíbrio entre as respostas possíveis.No Peru também é baixo o porcentualde docentes que não está em condiçõesde tomar posição, enquanto essa atitudeé mais numerosa entre os docentes daArgentina e o Uruguai.

Tabela Nº 11Fatores associados com a oposição àproposta de estabelecer mecanismosadequados para que os melhores docentesganhem mais que os outros.

Acordo ARGENTINA PERU URUGUAI

Sim 42,9 64,1 39,1

Não 40,1 31,8 45,9

Não sabe 16,9 4,1 15,0

Total 100,0 100,0 100,0

ARGENTINA PERU URUGUAI

De nível primário X X X

Do setor público X X X

Mulheres X X

De classe média baixa e baixa X

Que vivem em domicílios pobres X

Com mobilidade social descendente X X X

Com mobilidade social ascendente

“Facilitadores da aprendizagem” X

“Transmissores de conhecimento e cultura” X

Insegurança no trabalho X

A Tabela Nº 11 mostra alguns fatoresassociados com a probabilidade demanifestar uma posição crítica comrelação a uma proposta que pretendeestabelecer diferenciações erecompensas em função da qualidadedo desempenho no trabalho dosdocentes. O desacordo é mais provávelentre os professores de primário, os quetrabalhan no setor público, as mulherese os que têm posições e trajetóriassociais mais desfavorecidas.

Outra variável cujo comportamentopode ajudar a comprender asresistências ao estabelecimento dediferenças salariais entre os docentes éa que tem a ver com o valor atribuído àigualdade (comparada à liberdade). Comefeito, o questionário propõe aosdocentes que optem entre as seguintesproposições:

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 99

revistaprelac

“A. Para mim, a liberdade e a igualdade são igualmente importantes.Mas, se tivesse de escolher uma ou outra, consideraria a liberdadepessoal como a mais importante, ou seja, que cada um possa viverem liberdade e se desenvolver sem obstáculos”

“B. Tanto a liberdade e como a igualdade são importantes, mas setivesse de escolher uma das duas, consideraria a igualdade como amais importante, ou seja, que ninguém seja desfavorecido e que asdiferenças de classe social não sejam tão fortes”

uma matriz histórica do tipo legal-burocrático, não favorece oestabelecimento de critérios dedesempenho que favoreçam asdiferenciações nas recompensasmateriais em função de qualidade dodesempenho. A esse respeito, caberecordar que nesses contextos aindatem certa vigência o clássico principio“a trabalho igual, remuneração igual”,que regia as ocupações assalariadas.

Tabela Nº 12Orientação em direção

a liberdade e a igualdade

ARGENTINA PERU URUGUAI

A liberdade 34,4 40,8 33,5

A igualdade 39,3 47,6 42,2

Nenhuma das duas/depende 19,6 8,4 20,7

Ns/Nc 6,7 3,2 3,6

Total 100,0 100,0 100,0

Os resultados que aparecem naTabela Nº 12 indicam que os docentestendem a privilegiar o valor da igualdadesobre o da liberdade. Esta predisposiçãoa valorizar a igualdade tem umsignificado particular num contextohistórico e social marcado peloincremento das desigualdades nadistribuição de bens e recursos tãoestratégicos como a riqueza, a renda eo poder. Sob este ponto de vista, osdocentes constituem uma categoriasocial que se opõe e resiste às políticaspúblicas que produzem desigualdades.

Mas esta atitude também pode estarassociada com as resistências que seapresentam em proporções significativasde docentes ao estabelecimento dediferenciações salariais em função decritérios de qualidade do trabalhoprofissional dos docentes. Cabe levarem conta que o próprio estatuto desteofício, que se desempenha em contextosinstitucionais muito estruturados, com

Tabela Nº 13Fatores associados com apreferência pela igualdad

FACTORES ARGENTINA PERU URUGUAI

Jovens (menores de 30 anos) X X

Mobilidade descendente X X

Classe declarada baixa X X X

Setor público X X

Setor privado X

Professores do sexo masculino X

Docentes chefes de família X

Insegurança no trabalho X

Regiões pobres X

Também neste caso, a preferênciapor estes valores que, de algumamaneira, estruturam o campo ideológico-cultural da maioria das sociedadescapitalistas contemporâneas estáassociada com determinadaspropriedades dos sujeitos estudados. Atabela Nº 13 oferece alguma informaçãosobre os fatores positivamenteassociados com a preferência pelaigualdade.

100

Algumas dimensões da PROFISSIONALIZAÇÃO DOS DOCENTES

A diferença entre os salários maiselevados e os mais baixos vai de 2,8 noUruguai a 3,3 na Argentina e 4,5 no Peru.Em todos os casos estas diferençasideais são “igualitárias” diante dasdistribuições reais de salários e rendasnas sociedades consideradas.

Em síntese, tudo parece indicar quea cultura dominante entre os docentesprivilegia fortemente o valor da igualdade.Este apego ao igualitarismo deve serlevado em conta quando se trata deinstituir mecanismos que, de algumamaneira, podem ser percebidos comouma ameaça à realização deste idealobjetivamente valorizado pelos docentes.

8. Temas da agendae critérios de política

À primeira vista, a posição e atrajetória dos docentes na estrutura socialestariam associadas à probabilidade deaderir a determinados valores políticose sociais. Os mais desfavorecidos (tantoem termos objetivos como subjetivos)estariam mais predispostos a valorizara igualdade que a liberdade. No casoda Argentina, os docentes que vivemnas regiões mais pobres do territórionacional e se sentem inseguros em seuspostos de trabalho manifestam a mesmapreferência.

Por outro lado, no caso da Argentinae do Peru, os docentes do setor públicoaderem preferencialmente ao valor daigualdade, enquanto no Uruguai ocorre

o inverso, ou seja, esta preferência émais freqüente entre os docentes dosetor privado.

Outro indicador do valor que osdocentes atribuem à igualdade deduz-se da resposta dada a uma perguntasobre o salário que deveriam receberdiferentes categorias ocupacionais (eentre elas os docentes de primária esecundária). As respostas produzidaspermitem ter uma idéia das diferençassalariais que os docentes estão dispostosa reconhecer entre diferentes grupossociais. em geral se observa que osdocentes da Argentina e do Uruguaicompartilham uma imagem ideal daestrutura social, que é muito igualitária.

Quase todos os ministérios e secretarias de educação da regiãoincorporaram em sua agenda política as principais dimensões que contribuem paraa profissionalização dos docentes. Estas vão desde os critérios de seleção erecrutamento de estudantes de magistério, passando pelos programas de formaçãoinicial e permanente, os mecanismos de entrada no sistema educativo, a estruturae dinâmica da carreira docente e o sistema de incentivos até os mecanismos maisadequados para a avaliação do desempenho docente.

Existem mais acordos com relação ao diagnóstico e crítica dos dispositivos einstituições que regem cada fase constitutiva da profissão docente do que comrelação às respostas e propostas necessárias em cada circunstância. Desse modo,todos concordam que é preciso melhorar os mecanismos de recrutamento paragarantir a seleção de melhores candidados para as instituições formadoras deprofessores. Também há consenso em afirmar que, na maioria das vezes, a formaçãoinicial que se oferece não está à altura dos desafios profissionais que os futurosdocentes deverão resolver nas classes, que a formação que se oferece aos professoresem exercício não tem muito de contínua nem de pertinente, que o sistema deincentivos não funciona adequadamente e que as recompensas que se oferecemresultam atrativas para atrair e manter os melhores recursos humanos no serviço,que, em muitos casos, a única maneira de um docente melhorar seu estatutoprofissional é deixando o serviço, ou seja, deixando de ser professor para ser diretorou supervisor (coisa muito pouco provável para a maioria, dado o caráterestruturalmente reduzido desses postos de direção e gestão).

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 101

revistaprelac

Este consenso nos diagnósticos não se reproduz no plano das propostas depolítica. Mais que políticas específicas, o que se pode propor são estratégias oumodos de fazer política que garantam melhor probabilidade de êxito às reformasque há para garantir as melhores oportunidades de profissionalização da docêncialatino-americana.

Unicamente como exemplo, apresenta-se em seguida uma lista de objetivos emetas que poderiam ser objeto de discussão e consenso. A maioria delas foi pensadapara um horizonte temporal de médio prazo (o ano 2015, por exemplo).

• 100% dos docentes de todas asmodalidades (inicial, básica,secundária e técnica) com formaçãopedagógica básica.

• 50% dos docentes de educaçãobásica com formação básica nasNTIC.

• Promover linhas de crédito parafacilitar o acesso dos docentes aosequipamentos tecnológicos básicos(PC, e-mail, conexão Internet, etc.).

• Oferecer oportunidades anuais decapacitação e atualização para todosos docentes.

• Garantir um acompanhamentopedagógico adequado na primeiraetapa da inserção laboral.

• Estabelecer um programa deincentivos econômicos (bolsas) paraa formação inicial de docentes.

• Atualizar e reforçar os programas deformação docente, estabelecendocritérios básicos a nível nacional paraa acreditação das instituiçõesformadoras.

• Criar e implementar um examenacional para a entrada na carreiradocente, com a participação derepresentantes qualificados dasorganizações profissionais docentes.

• Institucionalização de mecanismosde avaliação anual de desempenho,segundo critérios e indicadoreselaborados e de consenso, com aparticipação dos docentes e adefinição de uma carreira com níveisde excelência profissional e critériosde ascensão sem abandonar aclasse.

• Definir um porcentual significativo dosalário em função do nível deformação alcançado e dos resultadosalcançados na avaliação anual derendimento.

• Que todos os docentes de educaçãobásica que atendem os 30% maispobres da população escolar tenhamdedicação exclusiva em escolas dejornada completa.

• Procurar concentrar o trabalhodocente num só estabelecimento(50% dos docentes dosestabelecimentos educativos de nívelmédio com dedicação exclusiva etempo completo numa instituição).

• Reservar 15% do tempo de trabalhodos docentes para tarefasprofissionais fora da classeinstitucionalmente pautadas(participação em grupos de trabalhocom colegas, tutorias de alunos,produção de materiais, etc.).

• Atribuição dos docentes maisexperimentados aos primeiros trêsanos do nível básico (ciclo dealfabetização).

En função dos temas acimaapresentados, as metaspoderiam ser as seguintes:

102

Algumas dimensões da PROFISSIONALIZAÇÃO DOS DOCENTES

É óbvio que o caráter e a dimensãodas metas depende das possibilidadese condições de partida de cada umadas sociedades consideradas. Noentanto, aqui é preciso resgatar a própriautilidade da idéia de meta, ou seja, deum objetivo que tem não apenas umajustificação ou fundamento, mas tambémuma expressão quantificada situada numhorizonte temporal definido. As metas,uma vez debatidas e coletivamenteassumidas, têm a capacidade de darsentido aos esforços que cada atorcoletivo tem de realizar para cumpri-las.

Por outro lado, existe uma relação deinterdependência entre as metas e osrecursos necessários para cumpri-las.Estes determinam o alcance das metas,mas as próprias metas, quando sãosignificativas e socialmente desejadas,também têm a capacidade de justificara geração e mobilização de recursosque, de outro modo, permaneceriamlatentes ou se orientariam em direção aoutras finalidades. É nesta dialética dopossível e do desejável que a definiçãode metas tem um sentido e cumpre umafunção política determinada.

Por último, as metas e as estratégiasque se adotam para alcançá-las devemlevar em conta tanto a situação objetiva(por exemplo, as limitaçõesorçamentárias, os marcos institucionais,os interesses e relações de força dosprincipais atores do campo da políticaeducativa, etc.) como as condiçõessubjetivas, ou seja, as atitudes,representações, valores, predisposições,etc. dos atores sociais que acabamosde examinar. Esta segunda dimensãoda realidade, que tem a ver com a culturados atores (ou seja, suas representações,expectativas, atitudes, aspirações, etc.),é a mais descuidada pelas reformaseducacionais, sempre mais inclinadas àmudança das estruturas que àtransformação da cultura dos agentes.As mudanças na subjetividade não seproduzem por decreto (como é o casodas reformas da estrutura).Reestruturação não é o mesmo quereenculturação. Para cambiar asubjetividade dos atores (e portanto suaspráticas), num contexto político pluralistae democrático, requerem-se doisrecursos fundamentais: um longohorizonte de tempo e um conjunto depredisposições e aptidõesespecificamente orientadas ànegociação, à discussão e ao acordo.

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 103

Toda políticaeficaz de

mejoramientode la condición

docente necesitadesplegarse enun horizonte de

tiempo largo

Toda política eficaz de melhoramento dacondição docente necessita desdobrar-se num longo horizonte de tempo. Esteé um recurso que deve ser produzidocoletivamente através do acordo e daparticipação de todos os atoresenvolvidos. A experiência indica que oacordo é sempre o resultado dacombinação de três qualidadesnecessárias: a) a vontade política dechegar a um acordo; b) um conjunto deaptidões técnicas que habilitam para aargumentação, a discussão e anegociação realista e racional; e c) asqualidades éticas básicas (sinceridade,responsabilidade, respeito aoscompromissos assumidos, etc.)necessárias para o diálogo criativo. Oxaláos principais atores do campo daspolíticas educacionais latino-americanas(políticos, especialistas, sindicalistas,líderes das organizações educativas,etc.) tenham e façam o que é necessáriopara melhorar o profissionalismo dosdocentes e, desse modo, garantir asmelhores oportunidades deaprendizagem para todos os latino-americanos.