retÓrica de aristÓteles a perelman-mazzali

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  • 8/7/2019 RETRICA DE ARISTTELES A PERELMAN-Mazzali

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    ISSN 1982-0496

    Vol. 4 (2008)

    UniBrasil - Faculdades Integradas do Brasil

    Rua Konrad Adenauer, 442, Tarum. CEP: 82820-540 Curitiba - PR Brasil

    Telefone: 55 (41) 3361.4200

    revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/

    RETRICA: DE ARISTTELES A PERELMAN1

    Gisele Cristina Mazzali2

    Sumrio: 1. Sobre Aristteles. 2. Ainda em Aristteles: sobre a retrica. 3. A retrica no

    mundo grego. Origem e perpetuao no discurso jurdico. 4. Os caminhos da

    retrica at o sculo XIX. 5. O sculo XX e o advento da nova retrica com

    Perelman. 6. Consideraes Finais. 7. Referncias.

    RESUMO

    A palavra Retrica originria do grego rhetorik (arte da retrica) e, temsido entendida historicamente em diferentes acepes, mas o sentido que nosinteressa no presente estudo o da concepo aristotlica que a identifica como artedos discursos (Retrica I, 1,1354 a 12), isto , arte de produzir discursos, maisprecisamente discursos persuasivos (pisteis), ou seja, argumentaes (...).

    A retrica uma modalidade discursiva geral, aplicvel s mais variadasdisciplinas uma atividade em que predomina a forma, como a gramtica e a dialtica,e no o contedo. Na concepo de Aristteles, a retrica serve de argumentaesexplcitas e, por isso, representa uma verdadeira forma de racionalidade.

    PALAVRAS-CHAVE

    Aristteles, Retrica, Perelman, Nova retrica.

    1 Trabalho apresentado como requisito parcial de concluso da disciplina Teoria do Direito e da

    Argumentao Jurdica ministrada pelo Prof. Dr. Luiz Virglio Dalla-Rosa, no Mestrado emDireitos Fundamentais e Democracia pelas Faculdade Integradas do Brasil UniBrasil.

    2 Mestranda em Direitos Fundamentais e Democracia pelas Faculdades Integradas do Brasil UNIBRASIL (Curitiba). Especialista em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentvel pelaPUC-PR (Londrina). Advogada.

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    SUMMARY

    The Rhetorical word is originary of the Greek rhetorik (art of the rhetoric)e, has been understood historically in different meanings, but the direction that ininterests them in the present study is of the aristotelian conception that identifies it asart of the speeches (Rhetorical I, 1,1354 the 12), that is, art to produce speeches,more necessarily persuasivos speeches (pisteis), that is, arguments (...). Therhetoric is a general, applicable discursiva modality to the most varied disciplines an activity where the form predominates, as the grammar and the dialectic, and not itcontent. In the conception of Aristotle, the rhetoric serves of explicit arguments e,therefore, she represents a true form of rationality.

    KEYSWORDS

    Aristotle, Rhetoric, Perelman, New rhetoric.

    1 SOBRE ARISTTELES

    Conta a Histria que Aristteles nasceu no primeiro ano da Olimpada,

    XCIX, 384/383 a.C.3

    , em Estagira (a atual Stravos), que fazia parte do reino daMacedonia e que fora colonizada pelos Gregos e nela se falava um dialto jnico.Filsofo grego, discpulo de Plato e professor de Alexandre, o Grande.

    O platonismo o ncleo em torno do qual se constitui a especulaoaristotlica4. Aristteles considerado um dos maiores pensadores de todos ostempos e tambm criador do pensamento lgico. Prestou contribuies fundamentaisem diversas reas do conhecimento humano, aqui especificadas da maneira como eleprprio as distinguiu hierarquicamente, ou seja, as cincias, considerando comoprimeiras as cincias teorticas, isto , as puramente contemplativas, como so ametafsica, a fsica e as matemticas, como segundas as cincias prticas, ou seja, a

    tica e a poltica, e como terceiras as cincias poiticas, a saber as artes. A lgica,

    3 In REALE, Giovanni. Introduo a Aristteles. Traduo: Artur Moro. Lisboa: edies 70, 1997,

    nota de rodap, p. 10.4 Ibidem, p. 13.

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    no faz parte do esquema porque, mais do que cincia, fornece o instrumentopreliminar de toda a cincia, mostrando como raciocina o homem5.

    A grande contribuio de Aristteles para a Filosofia do Direito foi aelaborao de uma noo de justia, que, discriminando os sentidos do conceito, traoulinhas mestras que perduram at hoje6. Assim como Plato, Aristteles ir ver a Justiacomo virtude total ou virtude perfeita e injustia como um vcio integral. A justia ,ento, para Aristteles, uma virtude, um hbito, ou seja, um modo de agir humano,constante e deliberado; e, tambm um ato. Nesse sentido, o juiz no aquele que tema posse da justia mas sim aquele que a faz atuar, ligando-a a uma pessoa. O Estadopara Aristteles tem por fim formar os cidados, de modo a capacit-los para quecumpram boas aes. A religio necessria para a moralizao do povo. A tica acincia das condutas. A tica se ocupa daquilo que pode ser obtido por aes repetidas,disposies adquiridas ou por hbitos humanos que constituem as virtudes e os vcios.Seu objetivo ltimo garantir ou possibilitar a conquista da felicidade. a moral que,partindo das particularidades que constituem o carter humano, mostra como essasdisposies podem ser modificadas para que se ajustem razo. Estas disposiescostumam estar afastadas do meio-termo, estado que Aristteles considera o ideal, ouseja, o caso de algumas pessoas que ou so muito tmidas ou muito audaciosas.

    Para Aristteles virtude o meio-termo e o vcio se d ou na falta ou noexcesso dela, como por exemplo: a coragem uma virtude e seus contrrios so atemeridade (excesso de coragem) e a covardia (ausncia de coragem). As virtudes

    sempre se realizam e tm sentido no mbito humano. J a virtude especulativa ouintelectual pertence, geralmente, aos filsofos que, fora da vida moral, buscam oconhecimento pelo conhecimento. Desta forma a contemplao aproxima o homemde Deus.

    A poltica7 (ou a filosofia das coisas do homem) na filosofia aristotlica dividida em tica e em poltica propriamente dita (teoria do Estado). Ambas, na

    5 REALE, Giovanni. Op.cit., p. 36.6 SAMPIO, Trcio Ferraz. Dicionrio de Filosofia do Direito. Barreto, Vicente de Paulo.

    Coordenador. Renovar, 2006, pg. 68.7 (...) A cincia poltica no tem somente o objetivo de conhecer o que o bem supremo, masprope-se tambm a realiz-lo; ou melhor, diz Aristteles, o conhecimento dele tem grandeimportncia justamente porque, mirando-o como a um alvo, como fazem os arqueiros,conseguiremos realizar melhor o que deve ser: portanto o bem no apenas um ser que se deveconhecer, mas tambm um dever ser que se deve realizar. (BERTI, Enrico. As Razes deAristteles. Traduo: Dion Davi Macedo. So Paulo:Loyola, 2002, p. 119).

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    verdade, compem a unidade do que Aristteles chamava de filosofia prtica8. Apoltica a cincia que abarca a atividade moral dos homens vistos como cidados.Enquanto a tica se preocupa com a felicidade individual do homem, a poltica sepreocupa com a felicidade coletiva da plis. tarefa da poltica investigar e descobrirquais so as formas de governo e as instituies capazes de assegurar a felicidadecoletiva. Trata-se, portanto, de investigar a constituio do Estado. O Estado realizar-se de acordo comdiferentes constituies. Aristteles define a constituio como: Aestrutura que d ordem cidade, estabelecendo o funcionamento de todos os cargos esobretudo da autoridade soberana9. Giovanni Reale explica que essa autoridade serexercida por um s homem, ou tambm uns poucos ou inclusive a maior parte deles.Essas formas de governos podem ser exercidas de maneira correta (quando dirigidaao interessecomum) ou incorreta (quando dirigida ao interesse privado). Como a

    autoridade soberana pode se realizar de diversas maneiras, existiro tantasconstituies quantas forem essas formas. Da surgem trs formas de constituieslegtimas: (i) monarquia, (ii) aristocracia e (iii) repblica (politeia), s quaiscorrespondem outras tantas formas de constituies ilegtimas: (i) tirania, (ii)oligarquia e (iii) democracia. O direito tambm um desdobramento da tica; e, porser fruto de teses ou hipteses, no necessariamente verdadeiras, mas validadas pelaaprovao da maioria, uma cincia dialtica.

    2 AINDA EM ARISTTELES: SOBRE A RETRICA

    Conforme ensinamento de Giovanni Reale, o Aristteles jovem (deveriacontar com aproximadamente 25 anos de idade nesta poca)10, em sua primeira obrachamada Grilo em homenagem a Grilo, filho de Xenofante morto no ano 362 a.C., na

    8 (...) a filosofia prtica, portanto, tem em comum com a teortica o fato de procurar a verdade, ou

    seja, o conhecimento de como so efetivamente as coisas, e tambm a causa de como so, ou seja,o fato de ser cincia. Sua diferena em relao filosofia teortica que, para esta ltima averdade fim para si mesma, enquanto para a filosofia prtica a verdade no o fim, mas apenasum um meio em vista de outro, ou seja, da ao, sempre situada no tempo presente: no algumacoisa j existente, mas que deve ser feita agora. Enquanto, em suma, a filosofia teortica deixa, porassim dizer, as coisas como esto, aspirando apenas conhecer o porqu de estarem em certo modo,a filosofia prtica, ao contrrio, procura instaurar um novo estado de coisas, e procura conhecer oporqu do seu modo de ser apenas para transform-lo. (Ibidem, p.116).

    9 REALE, Giovanni. Op. Cit., p. 100.10 REALE, Giovanni. Op. Cit., pg. 14.

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    batalha de Mantinia dirigia nela a sua polmica contra a retrica entendida na formade instigao irracional dos sentimentos, como Grgias11 a idealizara e Iscrates e a sua

    escola a tinham voltado a propr. Nesta obra Aristteles toma posio clara a favor dapaideia platnica e contra a paideia isocrtica que se baseava na retrica. A tese deAristteles defende a idia (a mesma de Plato) de que a retrica no uma tchene, ouseja, no uma arte, nem uma cincia. A retrica que constitua a base dos escritos emhonra de Grilo, entre os quais parece ter havido um do prprio Iscrates, era exatamenteo tipo de retrica contra a qual polemizara Palto no Grgias, e que, como j foi dito,Iscrates novamente reavivara. A aceitao dessa obra pela Academia leva Aristteles aser encarregado a dar um curso oficial de retrica. Toda a orientao do seu curso erano sentido de desfazer todas as pretenses de tipo gorgiano e isocrtico e, para defendera dialtica e, provavelmente, mostrar, como j Plato fizera no Fedro, que a retrica

    para poder adquirir valor tinha que se basear na dialtica12

    .O que mais interessa na polmica de Aristteles contra Iscrates e, portanto,

    contra a retrica de tipo gorgiano a nova concepo de retrica como a arte dacomunicao, no mais do puro encantamento ou da pura sugesto emotiva: por essemotivo a retrica de Aristteles atraiu o interesse dos filsofos contemporneos, sejacomo possvel lgivca do discurso poltico ou judicirio, seja como ocasio derecuperao da dimenso comunicativa da linguagem, para alm daquela dimensopuramente instrumental prpria da ciencia e da tcnica modernas13.

    A Retrica um texto de Aristteles composto por trs livros (I: 1354a

    1377b, II: 1377b 1403a, III: 1403a 1420a) e parece no existir dvidas acerca de suaautenticidade. No livro I, Aristteles analisa e fundamenta os trs gneros retricos: (i)o deliberativo que procura persuadir ou dissuadir; (ii) o judicirio que acusa ou defende

    11 (...) Grgias, que a tradio apresentava como aluno de Empdocles, daquele que Aristteles mesmo

    indica como o descobridor da retrica, levou a efeito, de forma que se tornou emblemtica, um certomodo de entender a retrica que Plato, primeiro, e o prprio Aristteles em seguida reputaram deverser totalmente rechaado. Esse mode de entender a retrica era baseado na prpria filosofia deGrgias, na inverso1, por assim dizer, do eleatismo por ele efetuada, segundo a qual: 1)o ser no ;2) ainda que fosse, no seria cognoscvel; 3) ainda que fosse cognoscvel, no seria comunicvel. Aconseqncia dessas trs teses era que o logos, ou seja, o discurso, no tem mais funo de tornar

    possvel a comunicao, transmitindo de uma pessoa a outra o conhecimento e significando, pormeio do conhecimento, a realidade. Ele, ao contrrio, se substituiu realidade, a instaura, por assimdizer, ele mesmo, cria-a e, em vez de comunicar pensamentos, produz diretamente os efeitos, isto ,causa a paixes, dominando assim completamente a pessoa. (BERTI, Enrico. As Razes deAristteles.Traduo: Dion Davi Macedo. So Paulo: Loyola, 2002, 167)

    12 Sobre a relao entre retrica, dialtica e filosofia ver BERTI, Enrico. Ibidem, p. 171-187.13 BERTI, Enrico. Op. cit., p. 170.

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    e; (iii) o epidtico que elogia ou censura. Alm disso, apresenta argumentos em favor dautilidade da retrica e uma anlise da natureza da prova retrica que o entimema, umsilogismo derivado. No livro II, faz-se uma anlise sobre a relao plano emocional erecepo do discurso retrico. Ou seja, uma srie de elementos como a ira, amizade,confiana, vergonha e seus contrrios so analisados, bem como o carter dos homens(p.ex. o carter dos jovens, o carter dos ricos). Neste livro, tambm volta-se a analisaras formas de argumentao, so apresentados uma srie de tpicos argumentativos, ouso de mximas na argumentao e o uso dos entimemas. No livro III, o estilo e acomposio do discuro retrico so analisados. Alm de elementos como clareza,correo gramatical e ritmo, o uso da metfora e as partes que compem um discursotambm esto presentes neste livro. Com esta obra, Aristteles lana as bases daretrica ocidental. Teoricamente, a evoluo da retrica ao longo dos sculos

    representou muito mais um aperfeioamento da reflexo aristotlica sobre o tema doque construes verdadeiramente originais.

    Aristteles considerava importante o conhecimento da retrica por elapossibilitar a estruturao e exposio de argumentos e, desta forma, relacionar-se,de modo direto com a vida pblica. O fundamento da retrica o entimema(silogismo incompleto), ou seja, um silogismo no qual se subentende uma premissaou uma concluso. A retrica alm de ser o meio de persuaso pelo discurso, tambm a teoria e o ensinamento dos discursos verbais da linguagem escrita ouoral, que tornam um discurso persuasivo. Para Aristteles a funo da retrica noera a de somente persuadir, mas ver o que cada caso comporta de persuasivo

    (Retrica, I, 2, 135 a-b)14. Nesse sentido a retrica a arte de procurar, em qualquersituao, o meio de persuaso disponvel. Por exemplo, numa anlise analgica, omdico no possui a misso de dar sade ao doente, mas sim avanar no caminho emdireo cura (Aristteles, s.d.,31). Para Aristteles a retrica um recursoindispensvel para um mundo de incertezas e de conflitos ideolgicos.

    3 A RETRICA NO MUNDO GREGO. ORIGEM E PERPETUAO NO DISCURSOJURDICO

    Estudos contemporneos revelam que o marco judicirio da retrica est numtratado de Retrica, escrito por Tsias e Crax, dois oradores que se notabilizaram na

    14 IORIO FILHO, Rafael M. Dicionrio de Filosofia do Direito. In:BARRETO, Vicente de Paulo.

    Coordenador. Renovar, 2006, p. 723.

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    defesa das vtimas dos arbtrios cometidos pelo tirano de Siracusa, na magna Grcia,hoje Itlia (465 a.C.). Nesta publicao compilou-se vrios preceitos prticos a serem

    utilizados por pessoas envolvidas em conflitos judicirios, em uma poca em que noexistiam advogados. Desde suas origens est, portanto, a Retrica indissociavelmenteligada ao Direito, no aspecto que Aristteles mais tarde chamar de gnero judicialdo discurso retrico. Essa origem judiciria da retrica revela algumas caractersticasque acompanharo a produo do discurso pelos sculos posteriores, alcanando osdias atuais, quais sejam: o uso da argumentao nas disputas judiciais; o compromissocom a finalidade de persuadir os rgos julgadores; o desenvolvimento de tcnicasdistintivas da lgica e do raciocnio contidos na linguagem judiciria para a produode provas, evidncias, princpios etc. Desde ento questes relacionadas tica, crtica aos discursos totalitrios, violncia, construo da verdade jurdica,

    construo de uma teoria da argumentao todas elas questes essenciais Cinciado direito e, portanto, legitimao de um ideal de justia passam a serproblematizadas e enfrentadas partir ou por meio da retrica.

    A retrica tem como seu primeiro paradigma o pensamento dos sofistas15,considerados mestres na arte de bem falar, representados principalmente por Crax,Grgias e Protgoras. Para estes a retrica no visava argumentao com base noverdadeiro, mas no verossmil (eikos). Desta forma, operavam a partir da existnciade uma multiplicidade de opinies quase sempre conflitantes e contraditrias.

    Cabia aos retores operar a chamada transformao retrica, ou seja,

    confrontar com argumentos contrrios. Da advm a definio de Crax, para quem aretrica era a criadora de persuaso. Ela consistiria na arte de convencer qualquerum a respeito de qualquer coisa. Neste contexto se d a interseco da retrica com aerstica, fundada por Protgoras (486-410 a.C.), que consistia na arte de vencerqualquer controvrsia, independentemente de se ter razo.

    A tradio sofistica foi retomada, no sculo XIX, por Schopenhauer emsua A arte de ter sempre razo ou dialtica erstica. O relativismo pragmtico deProtgoras marcado tambm pelas idias da inexistncia de uma verdade em si eda afirmao que cada homem medida de todas as coisas. O que significava dizerque cada um teria a sua verdade e s a retrica permitiria que algum pudesse

    15 (...) o sofista no recorre mesmo a esses argumentos quase lgicos, o exemplo e o entinema. Ele

    manipula, para persuadir, os fatores irracionais que so o ethos (o carter do orador) e o pathos (aspaixes do auditrio, por exemplo, servir-se da xenofobia para justificar a no nacionalizao dosestrangeiros. Ver STIRN, Franois. Compreender Aristteles. Trad. Ephraim F. Alves. Petrpolis:Vozes, 2006. p. 63-64

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    impor a sua opinio. Trata-se da onipotncia da palavra, no submetida a qualquercritrio externo de verdade, como Grgias expressa no discurso do no-ser ou danatureza.

    Se os sofistas gozavam de excelente reputao em sua prpria poca, omesmo no se pode dizer de sua posteridade; graas a Plato, o termo sofista eseus derivados adquiriram uma irreversvel conotao pejorativa. Como tambmmuitas das acepes atuais da palavra retrica como a que a identifica comadornos empolados ou pomposos de um discurso, segundo o dicionrio Aurlio correspondem a distores de fundo platnico daquilo que originariamente sechamou Retrica na Grcia antiga.

    Coube a Aristteles sistematizar o estudo da retrica. Para este filsofo

    grego, a retrica no era simples persuaso, mas distino e escolha dos meiosadequados para persuadir e, para tanto recorria a trs tipos de provas tcnicas: o ethos(quando orador produz confiana, f) e o pathos (quando o orador leva o auditrio emoo, paixo) e o logos (quando o orador mostra o que parece ser verdade; oraciocnio), consistente da prova dialtica da retrica. Quanto s provas no-tcnicasencontram-se: a lei, o testemunho, os contratos e a confisso.

    Aristteles separa, em sua anlise do discurso, o agente, a ao e o resultadoda ao, descrevendo os gneros do discurso em: (1) deliberativo, onde o oradortenta aconselhar, persuadir ou dissuadir membros de uma assemblia sobre umacoisa boa ou m para o futuro e para tanto recorre a exemplos; (2) judicirio, onde oorador tenta persuadir o julgador sobre uma situao justa ou injusta do passadoatravs do mtodo do entinema; e, (3) epidctico ou demonstrativo, onde o oradortenta comover o ouvinte sobre uma coisa digna, bela ou infame, sobre o presente. Omtodo aqui o da amplificao.

    , portanto, de matriz aristotlica o sistema retrico que servir comoparadigma para o estudo posterior da retrica. Este sistema resistir, sem grandesmudanas, at o sculo XIX16. Na composio do discurso a retrica dividida emquatro fases por seu orador: 1 fase a da inveno (heursis), da concepo dodiscurso, na qual o inventor (orador) cataloga todos os argumentos (topoi) e os

    16 No decurso do sculo XIX, dois acontecimentos mudaram radicalmente a situao a favor de

    Aristteles; a ntida revalorizao da filosofia do Estagirita feita por Hegel e a grande ediocrtica de Aristteles promovida pela Academia de Berlim e revista por Bekker juntamente comoutros fillogos de grande fama. (ver BERTI, Enrico. As Razes de Aristteles. Traduo: DionDavi Macedo. So Paulo: Loyola, 2002, p.149 e segs.).

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    meios de persuaso de acordo com o gnero a que pertena o discurso(deliberativo, judicirio ou epidctico). neste momento em que se opera a criao

    dos conceitos que serviro de base para o discurso. A 2 fase a da disposio(txis), da organizao do discurso, dividida em cinco partes: exrdio (prooimion),narrao (piegsis), confirmao (pistis), digresso (parekbasis) e perorao(eplogos). A 3 fase a da elocuo ( lexis) que a parte do discurso que trata doestilo, do bom vernculo; aqui se escolhem as frases com as figuras; e, a 4 fase da ao (hypocrisis), fase da pronunciao do discurso, o meio pelo qual se atingeo pblico (envolve expresso oral e corporal). Aqui se exprimem sentimentos, nemsempre verdadeiros, com o intuito de persuadir o pblico. Esse um recursotpicamente oral. Aristteles desenvolver o conceito de entinema (enthymesthai;considerar, refletir). Acredita-se que o entinema e o exemplo sejam recursos mais

    lgicos. O entinema um silogismo, mas um silogismo truncado, falta-lhe umasdas duas premissas, porque ela admitida, subentendida (a ttulo de endoxa, umaopinio que no necessrio expor, visto ser bvia)17. Quando se faz uso doentinema acredita-se que o receptor da mensagem conhece e concorda com apremissa ou com a concluso silenciada, ainda que tal concordncia no sejaefetiva. Todavia, uma vez que a retrica deseja obter efeitos imediatos, arelevncia pragmtica e estratgica dos entinemas acaba por superar suadeficincia formal.

    A tradio latina perpetuada na cultura ocidental atravs da disseminaoe da utilizao de artifcios retricos quando da compilao do Direito Romano, noCorpus Iuris Civilis de Justiniano. No Digesto, a tcnica da retrica apresenta-se comnotvel vigor, ao condensar os ensinamentos dos jurisconsultos em mximascarregadas de fora persuasiva.

    O legado grego da retrica e a sua sistematizao proliferaram no mundoromano. O desenvolvimento do sistema judicirio, da produo incessante delegislao, o advento do ius praectorium criam o ambiente prprio para o surgimentodo iuris-prudentes e dos advogados que praticam a retrica judiciria.

    Ccero e Quintiliano, advogados militantes, so os responsveis pelalatinizao e difuso da retrica grega. Ambos desenvolveram sua retrica num

    trabalho intenso de reordenao e reelaborao partir do modelo aristotlico. Destaforma Ccero prope a completa inverso da ordem da disposio, ou seja, preconizaque esta seja iniciada pelas coisas inventadas por ltimo e, no mais em seu exrdio.

    17 STIRN, Franois. Compreender Aristteles. Trad. Ephraim f. Alves. Petrpolis: Vozes, 2006, p. 64.

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    Esses doutrinadores resgatam para o campo da retrica as questes referentes virtude civil e tica. Para Ccero a arte retrica seria essencial ao ideal de umascientia civilis. A Razo e a eloqncia, com sua fora persuasiva, eram elementosindispensveis na busca da verdade. A eloqncia passa a ser um ideal; de forma queo saber sem eloqncia seria intil, incapaz de fazer qualquer bem s cidades.Quintiliano, por sua vez, ao definir retrica como a arte de bem falar, acaba porincorporar um elemento valorativo prtica discursiva. Ele observa que no se podeatribuir retrica a qualidade de ser o mais belo dos ofcios se esta gerarperversidades.

    4 OS CAMINHOS DA RETRICA AT O SCULO XIX

    A retrica passa a ser considerada essencial na educao greco-romana etambm ao longo da Idade Mdia. A partir do sculo XVI resiste ao advento dopensamento racionalista, expresso no ideal de uma cincia experimental e na buscadas verdades universais. No contexto dos conflitos religiosos e da legitimao dosEstados absolutistasa oratria e a argumentao retrica convivem e so essenciais elaborao dos discursos ideolgicos e polticos. Thomas Hobbes, em seu Leviat,recorre retrica para emprestar fora persuasiva sua defesa da origem contratual edo carter absoluto do poder soberano.

    At o sculo XIX a retrica permanece nos currculos escolares mas acabasucumbindo ao ataque veemente de duas correntes do pensamento, quais sejam: ado Romantismo e do Positivismo cientificista. Vitor Hugo, literato romntico,rejeita a retrica opondo-lhe o paradigma de um ideal de sinceridade, queconsistiria no uso espontneo da linguagem. O Positivismo, por seu turno, excluide seu ideal de construo de uma cincia da linguagem todo um conjunto deelementos valorativos e emotivos, at ento consagrados na tradio das tcnicasretricas.

    Durante um longo tempo a retrica ficou relegada ao plano de mera prticamundana composta de prosaicos artifcios estilsticos. Somente no sculo XX,paralelamente aos estudos da filosofia da linguagem e da filosofia dos valores,filsofos e estudiosos comearam a considerar a retrica como um objeto digno deestudo seja sob seu aspecto formal, seja sob seu aspecto de instrumento depersuaso. Cham Perelman, filsofo de origem polonesa radicado na Blgica, umdesses autores.

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    Para Perelman a noo de auditrio central na retrica. Pois um discursos pode ser eficaz se adaptado ao auditrio que ser quer persuadir ou convencer. Oauditrio tem como caracterstica ser particular, ou seja, ser diferente em razo desuas competncias, crenas, emoes ou pontos de vistas. Em Perelman o auditriobusca o universal, o ideal argumentativo de superao das particularidades levandoem conta implicitamente todas as expectativas e objees.

    O conhecimento do auditrio vital para o sucesso da argumentao.Quanto melhor se conhece o auditrio, maior o nmero de acordos prvios que setem disposio, portanto, melhor fundamentada ser a argumentao.

    Aristteles em sua retrica analisa os diferentes tipos de auditrio,diferenciando-os pela idade ou pela fortuna. Para o filsofo grego a tarefa da retrica

    seria de conquistar a adeso de um auditrio no especializado e, portanto, incapazde seguir um raciocnio complexo.

    A nova retrica de Perelman, por considerar que a argumentao podedirigir-se a auditrios diversos, no se limitar, como a retrica clssica, ao examedas tcnicas do discurso pblico dirigido a uma multido no especializada, mas seinteressar igualmente pelo dilogo socrtico, pela dialtica, tal como foi concebidapor Plato e Aristteles, pela arte de defender uma tese e a de atacar a do adversrio,numa controvrsia. Englobar, portanto, todo o campo da argumentaocomplementar da demonstrao, da prova pela inferncia estudada pela lgicaformal.

    O discurso retrico, por querer influenciar, persuadir, se utiliza sempre dalinguagem comum ou da linguagem comum adaptada conforme as circunstncias. um discurso no-especializado por excelncia. A argumentao no visa adeso auma tese exclusivamente pelo fato desta ser verdadeira. Pode-se preferir uma tese outra por parecer mais eqitativa, mais oportuna, mais til, mais razovel, mais bemadaptada situao20.

    Para evitar o que Perelman chama de petio de princpio (um erro deargumentao) o orador deve conhecer o auditrio ou, no mnimo, conhecer osposicionamentos deste em relao ao assunto que ir abordar. Existe uma maneira do

    orador salvar o discurso quando se encontra em uma situao que ignora a opiniodo auditrio. O orador, atravs de perguntas e respostas mtodo socrtico damaiutica poder certificar-se de quais teses o auditrio admite. Mas se o auditrio

    20 PERELMAN, Cham. Op. cit., p. 156.

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    for muito grande o orador ter que partir de hipteses ou de presunes sobre o que aceito ou no pelo auditrio, tendo por base um corpo de conhecimentos, um cdigo

    social, um programa poltico da sociedade em questo etc.

    Na hiptese de um auditrio heterogneo, o orador pode fundamentar seudiscurso em teses geralmente admitidas, em opinies comuns, naquelas decorrentesde senso comum. As idias da razo, segundo Perelman, tm vnculos indiscutveiscom a idia de senso comum21.

    Uma das caractersticas de todas as teorias da argumentao, j analisadaspor Aristteles, a do lugar-comum, que nada mais do que um ponto de vista, umvalor que preciso considerar em qualquer discusso e cuja elaborao apropriadaredundar numa regra, que o orador utilizar em seu esforo de persuaso. assim,

    explica Perelman, que uma reflexo sobre a liberdade pode partir de um lugar-comum tal como a liberdade vale mais do que a escravido. Mesmo tratando-se deuma banalidade, ela pode ainda assim, pela reinterpretao das noes da liberdade ede escravido, resultar uma filosofia original, como a de Spinoza.

    Pelo fato de a retrica se utilizar da linguagem comum, sujeita ambigidade e impreciso, a teoria da argumentao destaca a importncia dainterpretao daquilo que dado, ou seja, daquilo que unvoco e indiscutido. J quea argumentao visa adeso do auditrio a certas teses, as tcnicas argumentativas seapresentaro sob dois aspectos positivo e negativo, o primeiro consiste noestabelecimento de uma solidariedade entre teses que se procuram promover e as

    teses j admitidas pelo auditrio. O segundo visa abalar ou romper a solidariedadeconstatada entre asteses admitidas e as que se opem s teses do orador.

    Perelman alerta para o fato de que aquele que argumenta e procura exercercom seu discurso uma influncia sobre seu auditrio no pode deixar de fazerescolhas, para tanto, necessrio que estabelea os pontos de desacordo e reconduza,a partir deles, o discurso a um plano em que as teses opostas possam ser comparadas,e no qual os argumentos alegados a favor de uma soluo se tornem objees outrae vice-versa.

    Na lgica formal, sempre que algum for posto em contradio, seu discurso

    resultar absurdo em virtude do princpio da identidade. No campo da argumentao,como no h univocidade na linguagem, no se pode falar em contradio, masapenas em incompatibilidade. Portanto, neste caso, o discurso ser considerado, no

    21 PERELMAN, Cham. Op. cit., p. 158.

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    mximo, ridculo e, mesmo assim, somente se o orador no conseguir escapar atravsda reinterpretao de termos.

    No Tratado da Argumentao, escrito em parceria com L. Olbrechts-Tyteca,Perelman prope-se a estudar as tcnicas discursivas atravs das quais acredita serpossvel provocar ou aumentar a adeso das pessoas s teses que so apresentadas sua aceitao. O Tratado da Argumentaovai buscar sua fundamentao em juzosde valor, relacionados dimenso social e histrica do pensamento. A propostacentral de Perelman que, entre a fora de arbitrariedade das crenas e dademonstrao cientfica,

    existe uma lgica do verossmil que constitui a argumentao. Nessaperspectiva, o raciocnio retrico-dialtico retoma a noo de acordo, desprezada

    pelo pensamento positivista.

    Cumpre lembrar que para Perelman a noo de acordo torna-se necessria,principalmente, nos casos em que faltam ou so insuficientes os meios de prova e,nos casos onde o objeto do debate no a verdade de uma proposio, mas sim ovalor de uma deciso, considerada conforme o direito. Neste sentido uma ser aceitase for oportuna, justa e socialmente til.

    Para um melhor entendimento de sua tese Perelmam cita o exemplo doadvogado que ao relatar ao juiz o caso que est a defender, est na verdade buscandoa adeso deste e, s pode obt-la mostrando-lhe que tal adeso est justificada, por

    que ser aprovada pelas instncias superiores e pela opinio pblica. Para tanto oadvogado no parte de verdades (axiomas), mas sim de alguns acordos prvios quelhe permitiro conseguir a adeso. Portanto o conceito de acordo desdobra-se noconceito de acordo prvio. Esse pode ter sua origem em fatos de conhecimentopblico ou notrio, podem dizer respeito hierarquia de valores de uma dadasociedade, podem se referir a auditrios especficos tais como congregaesreligiosas, grupos profissionais etc.

    6 CONSIDERAES FINAIS

    Conclumos com Berti para quem (...) a retrica, mesmo sendo uma formade racionalidade especificamente diferente da cincia , contudo, estruturada tambmela por argumentaes, em particular, por argumentaes dialticas, o que noapenas lhe confere um carter tcnico preciso, mas permite-lhe, em alguma medida,

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    aproximar-se da verdade, e por isso, a faz ser algo profundamente diferente seja dopuro ornamento exterior do discurso, seja da v tagarelice, qual foi reduzida,

    respectivamente no melhor e no pior dos casos, por uma mentalidade moderna queassumiu a matemtica como nico parmetro com o qual medir a validade dosdiscursos22. Em Franois Stirn A retrica a aplicao da dialtica, que toma porobjeto temas do dia-a-dia, morais, filosficos, aos debates pblicos, s deliberaescoletivas que se do em trs lugares principais: assemblias polticas, tribunais,reunies onde se pronunciam elogios ou censuras. Debate-se nas primeiras sobre ofuturo; nas segundas, sobre o passado; nas terceiras, sobre o presente, conforme ostrs gneros dominantes: o gnero poltico, o gnero judicirio, o gnero epidtico23.Ou como quer Dalla-Rosa O fundamento mesmo da retrica est na idia deliberdade do indivduo que, enquanto destinatrio de um discurso possui o poder de

    decidir segundo sua vontade24

    .Por fim, cabe ressaltar que Aristteles serviu-se da sua doutrina da potncia

    e do ato 25 (pelo menos em parte) para demonstrar a existncia de Deus e entender asua natureza, e segundo o prprio Filsofo os conceitos de potncia e de ato tmtambm um papel fundamental no mbito de todas as outras cincias. Da a nossaopo de fazer uso deste mesmo conceito da potncia e do ato respeitosamente e,esperamos que apropriadamente no sentido de que se todos aqueles que se sabemou se reconheam como legtimos detentores da palavra fizerem um bom e honestouso da retrica reivindicando e lutando para que os valores e princpios afirmadosno texto constitucional tenham efetividade; que a justia social seja perseguida; que

    se assegure o mnimo suficiente para a satisfao das necessidades bsicas do serhumano , aplicando o conceito aristotlico de potncia e de ato s cinciashumanas da solidariedade e da cooperao, certamente aquilo que ainda est empotncia no prembulo e nos captulos que tratam dos direitos sociais e econmicosda Constituio brasileira, se tornar ato.

    22 BERTI, Enrico. Op. Cit., p. 186.23 STIRN, Franois. Op. Cit., p. 63.24 DALLA-ROSA, Luiz Verglio. Uma Teoria do Discurso Constitucional. So Paulo: Landy, 2002,

    p.5925 Na Metafsica de Aristteles o ato tem prioridade e superioridade absolutas sobre a potncia; narealidade, a potncia sempre em funo do ato e est condicionada pelo ato de que potncia.Finalmente o ato superior a potncia, porque um modo de ser das substncias eternas. (...) amadeira potncia dos diferentes objetos que com ela se podem fazer porque capacidadeconcreta de assumir as formas dos diferentes objetos. Em contrapartida, a forma configura-secomo ato ou atuao dessa capacidade.

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    7 REFERNCIAS

    ARISTTELES. Retrica das Paixes. Prefcio: Michel Meyer. Introduo, notas e traduo dogrego: Isis Borges B. Da Fonseca. So Paulo: Martins Fontes, 2003.

    BERTI, Enrico. As Razes de Aristteles. Traduo: Dion Davi Macedo. So Paulo: Edies Loyola,2002.

    DALLA-ROSA, Luiz Verglio. Uma Teoria do Discurso Constitucional. So Paulo: Landy, 2002.

    PERELMAN, Cham. Lgica Jurdica. So Paulo: Martins Fontes, 2000.

    PERELMAN, Chaim e OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da Argumentao. Trad. MariaErmentina Galvo. So Paulo: Martins Fontes, 2002.

    REALE, Giovanni. Introduo a Aristteles. Traduo: Artur Moro. Lisboa: Edies 70, 1997.

    STIRN, Franois. Compreender Aristteles. Trad. Ephraim f. Alves. Petrpolis: Vozes, 2006.