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1 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 118, out. 2003 EDITORIAL R elendo Freud vem se tornando o mais tradicional dos eventos da nossa associação. Se por um lado os congressos e jornadas funci- onam como eixos de produção teórica, por outro as discussões nos “Relendos”, intercaladas com as questões institucionais, funcionam como espinha dorsal de uma necessária intimidade e espontaneidade, que em- presta autenticidade transferencial a todos os outros momentos. Este ano, para variar, estivemos em Torres ao invés do clássico en- contro na serra. Variamos também na data, ele é feito no primeiro semestre, desta vez foi agosto. Porém quanto ao rendimento das discussões não hou- ve perdas; suportamos bravamente esta saída da rotina e trabalhamos com o prazer de costume. Nos dedicamos a um texto menos conhecido de Freud, “Uma neurose demoníaca do século XVII”, mas nem por isso menos interes- sante. Ficamos absorvidos pela questão do demônio e sua função de subs- tituto do pai, intrigados quanto às razões pelas quais Freud o concebe como uma neurose – embora sua aparência francamente delirante e o parentesco deste texto com outros de sua época. Foi necessária muita contextualização desta obra para subsidiar a leitura. O que resta porém, é o caráter franca- mente clínico da obra, que não tinha um paciente como foco, mas sim, a questão em si da neurose, da psicose e da melancolia. Nestes tempos de pai questionado, não se fala muito no “coisa ruim”, mas com certeza ele tem suas máscaras. O próximo escrito freudiano a ser trabalhado, ainda não foi definido; mas forte candidato, é o texto: “Algumas conseqüências psíquicas da distin- ção anatômicas entre os sexos”, de 1925. Este texto pode ser um dos sub- sídios para o congresso do ano que vem. O tema do Conversando sobre a APPOA deste ano versou sobre as nossas publicações. Tínhamos uma ambição mais ampla, de que este tema levasse aos circuitos de reconhecimento interno e de formação; foi por aí que a discussão andou. As comissões fazem de fato um papel de conselho editorial embutido em suas tarefas; as dificuldades transferenciais que tal trabalho mobiliza foram exaustivamente tratadas. Mesmo com o cuidado que habitualmente a comissão tem, é inevitável algum mal entendido, uma

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1C. da APPOA, Porto Alegre, n. 118, out. 2003

EDITORIAL

Relendo Freud vem se tornando o mais tradicional dos eventos danossa associação. Se por um lado os congressos e jornadas funci-onam como eixos de produção teórica, por outro as discussões nos

“Relendos”, intercaladas com as questões institucionais, funcionam comoespinha dorsal de uma necessária intimidade e espontaneidade, que em-presta autenticidade transferencial a todos os outros momentos.

Este ano, para variar, estivemos em Torres ao invés do clássico en-contro na serra. Variamos também na data, ele é feito no primeiro semestre,desta vez foi agosto. Porém quanto ao rendimento das discussões não hou-ve perdas; suportamos bravamente esta saída da rotina e trabalhamos com oprazer de costume. Nos dedicamos a um texto menos conhecido de Freud,“Uma neurose demoníaca do século XVII”, mas nem por isso menos interes-sante. Ficamos absorvidos pela questão do demônio e sua função de subs-tituto do pai, intrigados quanto às razões pelas quais Freud o concebe comouma neurose – embora sua aparência francamente delirante e o parentescodeste texto com outros de sua época. Foi necessária muita contextualizaçãodesta obra para subsidiar a leitura. O que resta porém, é o caráter franca-mente clínico da obra, que não tinha um paciente como foco, mas sim, aquestão em si da neurose, da psicose e da melancolia. Nestes tempos depai questionado, não se fala muito no “coisa ruim”, mas com certeza ele temsuas máscaras.

O próximo escrito freudiano a ser trabalhado, ainda não foi definido;mas forte candidato, é o texto: “Algumas conseqüências psíquicas da distin-ção anatômicas entre os sexos”, de 1925. Este texto pode ser um dos sub-sídios para o congresso do ano que vem.

O tema do Conversando sobre a APPOA deste ano versou sobre asnossas publicações. Tínhamos uma ambição mais ampla, de que este temalevasse aos circuitos de reconhecimento interno e de formação; foi por aí quea discussão andou. As comissões fazem de fato um papel de conselhoeditorial embutido em suas tarefas; as dificuldades transferenciais que taltrabalho mobiliza foram exaustivamente tratadas. Mesmo com o cuidadoque habitualmente a comissão tem, é inevitável algum mal entendido, uma

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vez que questões de reconhecimento e de prestígio podem mascarar a fun-ção mesma da publicação de textos por uma instituição analítica, que éfazer circular a produção de seus membros, para permitir a discussão dasidéias que interessem aos analistas.

O Correio da APPOA foi criado para ser um conjunto de informaçõesda associação e mais alguns textos de ocasião. Com a Internet que de certaforma supre a parte das informações, o Correio tendeu a ser mais uma publi-cação, talvez um novo site e uma forma mais organizada de circular as infor-mações sobre o cotidiano da instituição possam fazer com que ele completeseu giro rumo a um formato de revista.

Ficamos de estudar maneiras de difundir mais nossas publicações viaInternet, as novas gerações a usam mais do que as precedentes e de certaforma estamos reproduzindo as formas habituais que fizeram a nossa forma-ção, fortemente apegados ao papel. A questão não é deixar o papel, masabrir um site que possibilite um acesso aos nossos textos.

Está se constituindo o cartel que pensará nosso próximo congresso,sem um nome ainda definido mas com um tema claro: o que é a masculini-dade hoje? Partimos de uma constatação clínica: há uma procura maior deanálise por homens e com uma forte problemática sobre qual o seu papelsexual ou como pai, como profissional, etc. Parece que os lugares tradicio-nais já não estão mais tão claros ou não se ajustam. Um piada femininadeixa claro a suposição de que se existe um homem perfeito (leia-se: român-tico, sensível, educado e fiel) ele seria homossexual. Portanto, as própriasmulheres questionam a possibilidade de um homem se modernizar e semanter em seu papel heterossexual. Um século de militância feminista ques-tionou até a gastura o que seria uma identidade feminina, não que se tenhaencontrado respostas, mas aprendeu a se formular as perguntas. Aos ho-mens parecia que não havia nada a questionar, ledo engano. É um tempo dehomens cansados das certezas que tinham e de viver na incerteza que hojelhes dilui a identidade. Freud se perguntou “o que quer uma mulher?”, apergunta talvez não seja equivalente, talvez não seja “o que quer um ho-mem?”. Por alguma razão, parece-nos que ela seria “o que é um homem?”.

Estamos nos aproximando da jornada sobre a direção da cura nastoxicomanias. A dinâmica desta jornada revela particularidades interessan-tes: o trabalho é o desdobramento do Núcleo das Toxicomanias e o cartelpreparatório ganhou, pelas suas qualidades, um lugar onde as teorias sobrea toxicomania e as suas implicações clínicas são vivamente discutidas. E,como você verá, pelo programa do evento, o seu interesse abrange toda aclínica desse nosso tempo exigente de gozo pleno.

O próximo número do Correio será sobre autoria, sobre o que nos fazautores de um texto. Há uma piada que diz: copie um texto e serás umplagiário, copie muitos e serás um pesquisador. Sem as regulamentaçõesque no discurso universitário pautam a imposição e a arte da escrita, o dis-curso psicanalítico tem se dedicado profusa e confusamente à produçãotextual. Vale a pena tentar algumas pinceladas sobre este assunto, verda-deira obsessão dos psicanalistas.

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NOTÍCIAS NOTÍCIAS

JORNADAS PSICANALÍTICAS DAASSOCIAÇÃO PSICANALÍTICA DE PORTO ALEGRE

A DIREÇÃO DA CURA NAS TOXICOMANIAS:O SUJEITO EM QUESTÃO

Somos bombardeados a todo instante com inúmeros fatos e notíciasque atestam o poder e a eficácia do mundo que gira em torno das drogas.Basta abrirmos o jornal, e nem precisa ser diariamente, para percebermosque esse é, sem dúvida, um dos grandes problemas da nossa atualidade. Oúnico senão, nesse aspecto, é que se enfatiza sobremaneira tudo o quecircula, tudo o que movimenta a engrenagem da drogadição. Aliás, tudo não.Há uma parte esquecida, mas não chega a ser surpresa: não poderíamosesperar outra coisa de uma sociedade que está, cada vez mais, preocupadacom a produção de objetos, incluindo-se aí as drogas, que atenuem nossasangústias e aflições.

Assim, nada mais oportuno que nos dediquemos ao que vem a ser arazão do nosso trabalho, a parte esquecida que dissemos acima: o sujeito.Particularmente, no que diz respeito aos sujeitos que sofrem, padecem, quei-xam-se de suas toxicomanias. Questões que, afinal, mobilizam nossas es-cutas, nossas clínicas, que estão presentes quando pensamos qual odirecionamento tomar quando seguimos uma cura.

É, provavelmente, senso comum que esse sujeito apareça, na maioriadas vezes, obscurecido pelo seu objeto de consumo. Por que seria diferen-te? Por que não delegar a um objeto inerte um poder e uma influência que osujeito não encontra noutro lugar? Lembremos aqui a fala de Mark, persona-gem principal do filme Transpotting:

“As pessoas acham que tem a ver com desespero, morte, miséria. Oque não se pode negar. Mas elas esquecem que há prazer nisto. Caso con-trário, não faríamos. Afinal, não somos idiotas. Não tanto.”

A lógica toxicomaníaca é muito eficaz ao se apropriar do discursohegemônico, dominante. Assim, se a sociedade é de consumo, então, queconsumamos e que nos tornemos escravos desses objetos que nos consti-

SELEÇÃO PARA NOVA TURMAPERCURSO DE ESCOLA 2004

O Percurso de Escola faz parte do quadro de ensino da APPOA,desde 1994, como um lugar possível de desdobramento das perguntas que oencontro com a Psicanálise coloca a cada um. Esta proposta inscreve-secomo um espaço de estudo sistemático dos textos fundamentais de Freud eLacan, bem como das disciplinas que com eles dialogaram no transcurso daconstituição e consolidação da Psicanálise, quais sejam, Lingüística, Antro-pologia, Filosofia e Artes em geral. O Percurso de Escola destina-se àquelesque se sintam concernidos pela Psicanálise e pelas questões que ela suscita.

O trabalho se desenvolve em torno dos seguintes eixos temáticos: oInconsciente, Édipo e Castração, Narcisismo e Identificação, o Sintoma, aTransferência e Temas cruciais da Psicanálise, História e Formação.Esses eixos temáticos são trabalhados ao longo do Percurso, sendo desdo-brados nas perspectivas das obras de Freud e Lacan, em textos clínicos(casos ou textos concernentes à clínica) e ensino contextual (Antropologia,Lingüística, Filosofia, Estética, Literatura, Topologia e outros).

VII TURMA

Início: março/2004Duração: 3 anosEncontros segundas e terças-feiras, das 19h30min às 22h30minPeríodo de inscrições: 15/09 a 31/10/2003Valor da inscrição: R$ 35,00Informações: Sede da Associação Psicanalítica de Porto Alegre – APPOA.

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NOTÍCIAS NOTÍCIAS

PROGRAMA

17/10 – SEXTA-FEIRAAbertura – 18hEntre tóxicos e manias – Eduardo Ely Mendes RibeiroVou apertar mas não vou acender agora – Otávio Augusto W. Nunes

Intervalo

Psicanálise e redução de danos: articulações possíveis – Marta ConteDe qual cura falamos? Relendo conceitos – Sandra Djambolakdjian Torossian

18/10 – SÁBADOAbertura – 9hO gozo em jogo – Ligia Gomes VíctoraConsumir ou não Ser – Jaime Alberto Betts

Intervalo

As crianças de hoje e seus jogos artificiais – Ana Marta MeiraCrimes, drogas, adolescentes e a lei – Márcia Helena de Menezes

Tarde – 14h30minDrogas. Pagar com a carne? – Adão Luiz Lopes da CostaSinto que perdi mas não sei dizer o quê – O objeto nas toxicomanias –Walter Firmo de Oliveira Cruz

Intervalo

ConferênciaMania – Alfredo Jerusalinsky

tuem, parecem pensar enganosamente os toxicômanos. Desta forma, pode-ríamos exemplificar com uma das facetas mais conhecidas dessa psicopato-logia: seja pelo seu excesso, seja pela sua falta, o objeto está sempre aespreita, pronto para agarrar, dominar e derrubar o sujeito. Afinal, há prazernisso.

Nesse aspecto, seria oportuno fazer um esclarecimento. Lacan, noseminário O Sintoma (1974-1975), é muito claro: todos os objetos mantêmuma relação, salvo o objeto a, que é absoluto! O objeto a que nos funda, quenos constitui como sujeitos do desejo, não encontra substituto. Está aí,talvez, o engano da lógica toxicomaníaca: pensar que é possível fazer umaequivalência entre o objeto a, causa de desejo, e um objeto de consumo.

Entretanto, é certo que o debate não se esgota nesta questão. Aexperiência clínica com pacientes toxicômanos vai muito além. Afinal, umadas perguntas que mais concentra nossa atenção tem a ver com o gozotoxicomaníaco. Pois, estaria ele inscrito como gozo fálico ou como gozoOutro?

Mas não só isso. Enquanto psicanalistas, ficamos suscetíveis, tam-bém, às diversas interfaces que uma cura com pacientes toxicômanos acar-reta. Não nos isentamos de, muitas vezes, termos que dialogar com outrasinstituições, sejam elas públicas ou privadas. Ou até sofrermos as influênci-as oriundas de questões políticas, judiciais e mesmo a inclusão de outraspráticas terapêuticas.

Uma observação ainda. Quando falamos de toxicomanias, sabemosnós quantas elas são? Num certo sentido, elas podem estar prensadas nummesmo bloco, mas evidentemente cada sujeito – nosso objeto – irá organi-zar, construir a sua.

Por certo, questões não faltarão na nossa Jornada Clínica. Talvez,tenhamos uma overdose delas. Mas é disso que vivemos, é com isso quetrabalhamos. Afinal, há prazer nisso!

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NOTÍCIAS NOTÍCIAS

INSCRIÇÕES

Categorias Até 03/10/2003 Após 03/10/2003 e no local Associados R$ 45,00 R$ 65,00 Estudantes de graduação* R$ 55,00 R$ 75,00 Profissionais R$ 75,00 R$ 95,00

Importante:

– As vagas são limitadas. Haverá inscrições no local, se ainda houver vagas.– As inscrições poderão ser feitas na APPOA (Rua Faria Santos, 258 –Petrópolis) ou por fax: (51) 3333.7922 com a ficha de inscrição e o compro-vante bancário.– Ao efetuar a inscrição por fax, favor telefonar (APPOA) confirmando suainscrição.– Pagamento bancário para Associação Psicanalítica de Porto Alegre, Ban-co Banrisul, Ag. 0032, C/C: 06.039972.0-6.– *Estudantes de graduação deverão apresentar, ou enviar por fax, compro-vante de matrícula em Curso de GRADUAÇÃO.

LOCAL:NOVOTEL – Av. Soledade, 575, Bairro Três Figueira – Porto Alegre – RSMaiores informações: 3333.2140 – 3333.7922

SÁBADOS CLÍNICOS

Anunciamos que foi aprovada na Mesa Diretiva do dia 21 de setem-bro, que o Serviço de Atendimento Clínico da APPOA passará a se ocuparda promoção dos chamados Sábados Clínicos. Estes acontecerão agoraem duas modalidades distintas: encontros onde são debatidos elementosclínicos que tenham levado o analista a algum impasse – modalidade restri-ta aos associados da APPOA, por tratar-se de material clínico; e uma mo-dalidade aberta a todas as pessoas que quiserem participar, onde será pro-posto para discussão algum tema relevante para a clínica de quem propõe otrabalho.

Salientamos que em ambas modalidades, o apresentador, seguindo omodelo original, convidará um ou mais colegas para que comentem e provo-quem a discussão de seu trabalho, com questões que poderão, talvez, per-mitir avançar na sua escuta.

Os que tiverem interesse em se inscrever para qualquer uma dasmodalidades poderão se dirigir aos membros da Comissão do Serviço deAtendimento Clínico. A saber: Ângela Becker, Carlos Kessler, FranciscoSettineri, Graziela Kraemer, Liz Ramos, Luciane Jardim, Lucy Linhares, MariaCristina Solé, Otávio Nunes e Rossana Oliva.

Assim, dando inicio a este novo momento destas atividades,agendamos para o dia 8 de novembro, às 10 horas, o colega Francisco F.Settineri que estará apresentando, a todos os interessados, questões acer-ca do tema: Quando falar é tratar – O funcionamento da linguagem na clínicapsicanalítica, a partir de elementos de sua tese de doutorado e que terácomo debatedor Gerson S. Pinho.

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NOTÍCIAS NOTÍCIAS

ENCONTRO DA C.E.G. DA CONVERGÊNCIA

Acontecerá em Buenos Aires, em 27,28 e 29 de outubro, a reuniãoanual da Comissão de Enlace Geral que reúne delegados de todas as insti-tuições convocantes do Movimento. Na pauta do encontro, o congresso demaio de 2004, no Rio de Janeiro, é um dos temas principais, assim como aspróximas iniciativas da Convergência no âmbito regional e internacional.

APPOA NA FEIRA DO LIVRO/2003

Neste ano, a APPOA novamente estará presente na Feira do Livro dePorto Alegre, participando das atividades de debate e sessão de autógrafos,conforme programação abaixo.

DEBATE– Atualidade de Machado de Assis – psicanálise e literatura, com LúciaSerrano Pereira e Robson de Freitas PereiraDebatedores convidados (a confirmar): Enéas de Sousa e Luís AugustoFischerDia: 10/11Horário: 19hLocal: sala Leste do Santander Cultural

– Tatuagem e escrita corporal, com Ana Maria da CostaDebatedores convidados (a confirmar): Marilda Batista e Eduardo MendesRibeiroDia: 11/11Horário: 19hLocal: sala Leste do Santander Cultural

LANÇAMENTO DE PUBLICAÇÕES E SESSÕES DE AUTÓGRAFOS

– Dia 10/11, às 17h, no Memorial do RGS: sessão coletiva de autógrafos dolivro Neurose obsessiva e das revistas A direção da cura nas toxicomanias eVariantes da cura, publicados pela APPOA;

– Dia 11/11, às 18h, no Pavilhão de autógrafos: Ana Maria da Costa estaráautografando seu mais recente livro, Tatuagem e marcas corporais– atuali-zação do sagrado, editado pela Casa do Psicólogo;

– Dia 12/11, às 19h, no Pavilhão de autógrafos: Lúcia Serrano Pereira eRobson de Freitas Pereira estarão autografando o livro A clínica do especularna obra de Machado de Assis, organizado pelo Cartel franco-brasileiro eeditado pela Association Lacanienne Internacionale;

– Dia 12/11, às 20h, no Pavilhão de autógrafos: sessão de autógrafos do livroNovos sintomas, ed. Ágalma, com Ana Marta Meira (org.).

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SEÇÃO TEMÁTICA

AS CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA PSICANALÍTICA PARA O ENTENDIMENTO

DAS TOXICOMANIAS

Sandra Djambolakdjian Torossian1

Encontramos, na obra psicanalítica de Freud, várias formulações queexplicitam o mecanismo da adição, além das investigações iniciaisde Freud sobre a cocaína publicadas no livro “Freud e a cocaína”.

Inicialmente, Freud detém-se a explicar a origem de diferentes hábi-tos e refere-se ao jogo, propondo a tese de estarem esses hábitos funda-mentados na substituição de uma pulsão sexual por outra a esta associada.Essa menção aparece numa carta a Fliess, datada de 11 de janeiro de 1897.Em 22 de dezembro do mesmo ano, refere-se à masturbação como sendo oprimeiro e único hábito. As adições como o álcool, a morfina e o tabacoseriam, então, seu substituto. Na mesma carta, Freud já se pergunta pelacura das adições: a adição é curável ou temos que nos conformar e convertera histeria em neurastenia?

A pergunta pela cura das toxicomanias movimenta ainda os psicana-listas, muitas vezes seduzidos pelas propostas de abstinência às drogas.Posição esta descartada por Freud no texto “A etiologia sexual das neuro-ses”, ao sustentar ser a cura de abstinência ineficiente nas adições a narcó-ticos, se não for procurada a fonte do surgimento da necessidade imperativa.

No mesmo texto, o autor situa os narcóticos como compensaçãopela falta de gozo sexual e adverte para a diferença entre o uso dos mesmose a intoxicação. Nem todos os indivíduos que usaram morfina ou cocaína,diz Freud, adquiriram a toxicomania correspondente; diferenciação hoje mui-tas vezes esquecida.

1 Psicanalista. Membro da APPOA. Doutrora em Psicologia do Desenvolvimento/UFRGS.Professora da UNISINOS e UNISC. e-mail: [email protected]

Preparando nossa Jornada Clínica sobre a Direção da Cura nas Toxi-comanias, este número do Correio nos convida a uma aproximaçãoao tema, através de textos que podem operar como fonte de reflexão

e de subsídios para a nossa prática.Publicações psicanalíticas sobre o uso/abuso de drogas são bem

oportunas, afinal não passamos um dia desse ano sem ter visto ou lido naspáginas de nossos jornais e revistas alguma notícia sobre o assunto. Defilho acorrentado pelos pais para se livrar do “vício” a pais/filhos que comete-ram algum ato associado ou decorrente do uso de drogas; afora outrasnotícias do entorno toxicomaníaco: tráfico, mandos e desmandos governa-mentais, organizações criminosas...Violência, crime, paixão... Esta vasti-dão feno-mênica convoca-nos a produzir teoricamente, exige que a clínicapsicanalítica se desdobre fazendo esforços para circunscrever o fato. Afinalé necessário, de alguma maneira, estabelecer propostas, intervenções quepossam problematizar a temática das drogas à luz dos conceitos que inspi-ram e sustentam nossa escuta.

Com esta preocupação, além dos textos temáticos, apresentamos,também, duas recentes publicações sobre esse assunto. Na primeira, umaprodução organizada pela comissão da Revista da APPOA, que em suaprimeira edição deste ano, debruçou-se sobre o tema da direção da curanas toxicomanias. Um trabalho importante da nossa instituição, já que pos-sibilitou veicular a produção de alguns de nossos colegas participantes doNúcleo das Toxicomanias. A segunda publicação contempla uma discus-são muito presente entre nós, que é da adolescência, com um dosatravessamentos mais comuns desta operação psíquica: a passagem/an-coragem pelas/nas toxicomanias.

Certamente o gozo com os tóxicos precisa ser tomado como umefeito de nossa cultura, que acaba por produzir, também, outras adições.Assim, neste número damos início, através de reflexões de Ligia Víctoraacerca do “jogadicto”, ao debate sobre outros fenômenos contemporâneosem que se revelam vícios, manias, adições...

Que o Correio nos “aqueça” para a Jornada!Ana Laura Giongo

Otávio Augusto Winck Nunes

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SEÇÃO TEMÁTICA

enquanto uma unidade patológica uniforme, desconsiderando-se as interro-gações realizadas por Freud em relação aos sujeitos para os quais o uso dealguma substância química provoca uma toxicomania e aqueles para os quaiso mesmo fato não a provoca.

A TOXICOMANIA: UM ENGANOQUE CONDUZ À INDIFERENCIAÇÃO

A concepção da toxicomania, enquanto unidade homogênea, conduza confusões entre usuários de drogas e toxicômanos. Assim, toma-se ocomportamento “uso de drogas” como uma totalidade toxicomaníaca.

Vários autores realizam uma diferenciação descritiva entre o uso dedrogas e a toxicomania. Porém, por permanecerem na descrição de fenôme-nos, não permitem entender as diferenças psíquicas entre os diversos sujei-tos toxicômanos, nem entre as várias toxicomanias.

Le Poulichet salienta que a postura inerente a um tal entendimentonão pode ser considerada um erro, já que revela o espírito do tóxico presen-te nos discursos sociais. Esse espírito pode ser observado nas leis que seaplicam a todos os toxicômanos; no objeto de discurso privilegiado que “atoxicomania” oferece quando aparece como um espelho das imagens sociaisda “intoxicação”, da “epidemia” e do “flagelo social” e, também, ao apresentar oimaginário do tóxico que, na atualidade, cria uma teoria orgânica da psiquê.

É esta entidade toxicomaníaca que se trata de problematizar edesconstruir, enquanto psicanalistas, tanto nos discursos dos pacientes quenos chegam clamando por uma categorização no quadro dos “drogados” –uniforme que poderá vestir seus corpos despidos de nomeação – quanto deseus familiares que compartilham com a sociedade a figura de um flagelodrogaditivo, destruidor de lares. E, ainda, questionar esse mesmo conceitoincorporado por muitos profissionais que lidam com sujeitos toxicômanos,proporcionando uma visão baseada na singularidade.

Não existe uma toxicomania, mas várias toxicomanias, assim comosujeitos que fazem da droga um tóxico. Além disso, o simples fato de consu-mir drogas não define uma toxicomania.

Seguindo a trilha em busca da explicação para a intoxicação, Freudexplicita ser a persistência na organização oral da sexualidade a responsá-vel pela predisposição a ser um sujeito bebedor ou fumante. No mesmo ano,em “O chiste e sua relação com o inconsciente”, detém-se nas propriedadesdos tóxicos e atribui ao álcool a propriedade de levantar as inibições e me-lhorar o humor e a crítica.

Em “Luto e Melancolia”, compara o mecanismo da mania ao do alco-olismo. Na intoxicação alcoólica, as toxinas possibilitam a suspensão dogasto em energia de recalque, mecanismo também encontrado na mania.Nas duas situações, o Eu triunfa. No entanto, ignora sobre o que triunfou.

As afirmações precedentes foram reelaboradas pelo autor, o qual, em1927, no seu texto sobre “O humor”, situa a embriaguez na linha do humor,enquanto método do aparelho psíquico cujo objetivo é fugir do sofrimento. Háaí, afirma Freud, um triunfo do Eu e do princípio do prazer e um repúdio àsexigências da realidade.

No texto sobre “Dostoievsky e o parricídio”, Freud retoma a equipara-ção entre o hábito e a toxicomania, ao analisar a paixão patológica deDostoievsky pelo jogo. Aqui, Freud situa a toxicomania na via das paixões ea associa com a adolescência e a masturbação. Retomando as idéias pre-sentes na carta a Fliess, afirma ser o “vício” da masturbação (aspas doautor) substituído pela paixão pelo jogo. Situa, ainda, a base dessa substi-tuição numa das primeiras fantasias do adolescente: que a mãe inicie opúbere na vida sexual para livrá-lo do onanismo.

Seguindo a linha anteriormente apontada, em “O mal-estar na civiliza-ção”, Freud coloca as toxicomanias como uma das possíveis saídas para oalívio da angústia, provocada pelas renúncias, a serem realizadas pelo sujei-to, em benefício da vida na civilização.

Em relação à cura, Freud afirma serem infrutíferas as curas pela abs-tinência de narcóticos, já que estas não priorizam a fonte da paixão e danecessidade pelo tóxico. O legado freudiano em relação a este tema pareceter sido esquecido em alguns momentos, da mesma forma que o foram seusestudos e experiências com a cocaína. A toxicomania passou a ser tratada

TOROSSIAN, S. D. As contribuições da...

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SEÇÃO TEMÁTICA

Petit diferencia três momentos no discurso dos toxicômanos: o mo-mento da perda do efeito inicial, o momento em que o sujeito fala destaperda e o da “lua-de-mel”, situado entre esses dois tempos. Sustenta o autorque, ao contrário do que se possa pensar, não é o momento de “flash” que ossujeitos toxicômanos procuram ao drogar-se, mas aquele no qual o efeito dadroga desaparece.

É neste ponto que aparece o paradoxo na toxicomania. Ao mesmotempo que o sujeito pretende eliminar qualquer indício da castração, eleevidencia a existência da mesma. Tomemos emprestado um exemplo dopróprio Petit para ilustrar essa situação. É comum que um toxicômano serecuse a realizar atividades socialmente propostas como relevantes: estu-dos, trabalho, lazer, etc. Estas são, geralmente, atividades superinvestidase supervalorizadas pelos pais ou por outros representantes dos cuidados.Ao romper com isso, o toxicômano deixa-os “em falta” e, ao mesmo tempo,deixa-se “em falta”.

São as dificuldades com o Nome-do-Pai que levam estes sujeitos aprecisar empreender essa via sintomática. Segundo o autor, a função pater-na aparece enfraquecida nestes sujeitos, os quais precisam encontrar umasolução ortopédica na droga.

Em relação ao estatuto do corpo nas toxicomanias, associado à faltade sustentação paterna, Melman (1991) diz que os toxicômanos se encon-tram com um corpo desertado pelo suporte de uma instância terceira.

Encontramos, ainda, em Le Poulichet, uma diferenciação entre duaslógicas encontradas nas toxicomanias. Suplemento e suplência são os ter-mos introduzidos pela autora para designar as duas lógicas toxicomaníacas.

AS LÓGICAS DA SUPLÊNCIA E DO SUPLEMENTONas toxicomanias, a droga transforma-se em tóxico, assumindo este

um lugar particular no psiquismo. Esse lugar será diferenciado segundo setrate de uma lógica de suplência ou de suplemento.

“O tóxico não é a droga”, diz Le Poulichet (p. 80). O que pode fazer dadroga um tóxico é o lugar que o corpo assume na relação com o Outro. O

Com a criação do conceito de operação farmakon, Le Poulichet atri-bui um estatuto metapsicológico à diferença entre uso de drogas e toxico-mania, bem como à diferenciação entre as várias toxicomanias.

A OPERAÇÃO FARMAKONOperação farmakon é a solução encontrada pela autora acima menci-

onada para nomear a operação psíquica que comporta os sintomastoxicomaníacos. Le Poulichet utiliza-se da propriedade, apontada por Derrida,do farmakon ser remédio e veneno para construir seu conceito de operaçãofarmakon e assim explicar a operação encontrada nas toxicomanias.

“O Farmakon não seria, nas toxicomanias, senão o remédio deum sofrimento ‘insuportável’. Quando fixa-se o inefável numaoperação, esse é já um segundo tempo, o momento de umaretirada, produziu-se uma fratura que entregou a palavra e opensamento ao transtorno de um ‘corpo estranho’ tóxico.” (1987/1990. p.12)

Quando um sujeito consome drogas, ele não pensa nem fala. O atodo consumo não deixa lugar para as palavras, sejam elas pronunciadas oupensadas. A droga vira tóxico, continuidade entre o remédio e o veneno,tendo a propriedade de abolir o antagonismo desses conceitos. Por isso éutilizada pelos sujeitos toxicômanos para suportar a dor das diferenças. Noato do consumo, não há diferenças.

Remédio e veneno são as duas faces que constituem o princípio dofarmakon. Princípio este encontrado em qualquer uso de drogas. Apesar deo principio do farmakon estar presente nos usos de drogas, a operaçãofarmakon é própria das toxicomanias. É nas toxicomanias que o tóxico cons-titui um sintoma que permite ao sujeito escapar de uma dor para ele insupor-tável: a dor da castração.

A operação farmakon constitui uma defesa ao fantasma do sujeitode ter seu desejo engolido pelo Outro. Neste ponto, as afirmações de LePoulichet são similares às de Petit (1990), autor que analisa o discurso desujeitos toxicômanos.

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tarefa será dificultada se ficar numa posição silenciosa ou colocar a absti-nência no lugar oposto ao assinalado por Freud: o do analista.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Le Poulichet, Sylvie (1990). Toxicomanias y Psicoanálisis: Las narcosis del deseo.(Traduzido por Etcheverry, J.L.) Buenos Aires: Amorrortu. (Original publicadoem 1987)

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Melman, Charles (1991). Sobre o Alcoolismo. Em: Estrutura Lacaniana das Psi-coses. Melman, C. Porto Alegre: Artes Médicas.

Melman, Charles (1992). Alcoolismo, Delinqüência e Toxicomania: uma OutraForma de Gozar. (Traduzido por Pereira, R.) São Paulo: Escuta.

Petit, Patrik (1990). Toxicomania e Função Paterna. Em: A Clínica do Toxicômano:a Falta da Falta. Olievenstein, Claude. (Traduzido por Settineri, F.) Porto Ale-gre: Artes Médicas, 52-59. (Original publicado em 1987)

Rassial, Jean-Jacques (1999). O Adolescente e o Psicanalista. (Traduzido porBernardino, F. L.), Rio de Janeiro: Companhia de Freud. (Original publicadoem 1990)

tóxico é uma tentativa de constituição de uma dualidade com a droga, elimi-nando qualquer terceiro dessa relação.

A autora exemplifica a relação estabelecida na hipnose como umarelação tóxica, uma vez que, nesta, o corpo fica diretamente ligado à presen-ça e às sugestões do outro. Assim, a droga poderá transformar-se em tóxicoquando estiver no lugar do hipnotizador, deixando o corpo totalmente entre-gue aos seus efeitos, sem haver alteridade.

Na via do tóxico, o sujeito desaparece deixando um corpo-organismoem funcionamento. No lugar das palavras que fariam do organismo um cor-po, a carne apresenta-se nua, sem a roupa da linguagem. Não há possibili-dade, então, de fazer um desfile vestindo os diferentes significantes de umacadeia metafórica. Não há Outro para quem poder desfilar.

A droga, então, vira tóxico quando ela nada significa. Se vimos que ofarmakon é remédio e veneno, substância e não-substância, este vira tóxicoquando se perde o “jogo” de alternância entre a presença e a ausência, “jogo”ao qual Derrida (1997) atribui um poder fundamental.

“O suplemento de leitura ou de escritura deve ser rigorosamen-te prescrito, mas pela necessidade de um jogo, signo ao qual épreciso outorgar o sistema de todos os seus poderes” (p.8).

Existem toxicômanos que jogam e outros que não jogam. Os primei-ros têm, por momentos, a possibilidade de jogar com as letras. Se elespodem associar no tratamento é porque lhes é possível suportar a falta ins-taurada entre uma palavra e outra. Não se trata, neste caso, de fazer funcio-nar uma máquina, mas de jogar com as palavras, dentre as quais incluem aspalavras “droga” e “tóxico”.

Mas há os sujeitos que não têm possibilidade de estabelecer essejogo. Para estes, a alternância não se coloca como possibilidade. A droga écontinuidade, não há ambivalência. O espaço perdido entre uma e outra pa-lavra é insuportável. Daí a impossibilidade de associação. O corpo é instru-mento a ser colocado à disposição para um funcionamento no qual nadapode se perder. Corpo e droga são um só. Difícil é a tarefa do analista nessescasos: cavocar o momento oportuno de propor um jogo de alternância. Essa

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cocaína porque queria encontrar aí um remédio milagroso, o que viria adestacá-lo na comunidade científica da sua época. No entanto, em carta ànoiva, em 1884, Freud revela que, apesar de seu desejo por encontrar umremédio milagroso, estava em fase de avaliação da utilização terapêutica dacocaína pelos efeitos de resistência e vigor. O objetivo era aplicá-la a doen-ças cardíacas, fadiga nervosa e casos de morfinomania. Ele refere que, mes-mo pouco crente de resultados positivos, iria tentar, pois poderia ter sorte, eera o que precisava para encaminhar seu projeto de montar uma casa e vivercom a noiva (Cesarotto, 1989).

Freud evidenciava seu estilo, primeiro pela sua coragem em estudaros fenômenos a partir de suas próprias experimentações, que serviriam debase para suas teorizações; segundo, pela forte tendência, na época, bioló-gica e neurológica, que ficava demonstrada na orientação da pesquisa com acocaína. Recomendou enfaticamente a administração de cocaína por via sub-cutânea em doses de 0,03 a 0,05 grama, sem risco de acumulação de pro-duto. As injeções tornaram-se mais populares, e seu uso indiscriminado(Cesarotto, 1989).

Byck (1980) escreveu e registrou a maioria dos fatos ligados à cocaí-na que envolveram Freud, como a indicação quanto ao uso da cocaína tam-bém para psicoterapia:

“A psiquiatria conta com uma grande abundância de drogascapazes de reduzir a atividade nervosa de uma pessoa exces-sivamente estimulada, mas não conta com muitos agentes ca-pazes de aumentar a atividade de um sistema nervoso deprimi-do (...) De fato a cocaína tem sido utilizada desde o início nahisteria, na hipocondria, etc., e abundam informações sobrecuras individuais obtidas graças a ela (...) Mas devemos dizerque todavia tem que provar-se o valor da cocaína para a práticapsiquiátrica” (Byck, 1980, p. 160).

Afoito em suas conclusões, Freud mostrava-se ambivalente em rela-ção à cocaína. Ora pressentia que sua investida podia ser uma ilusão frenteà qual reservava uma certa descrença, ora aventurava-se em apostar em

FREUD E A TOXICOMANIA

Marta Conte1

Reconhece-se não somente um número exíguo de trabalhos, artigose pesquisas psicanalíticas sobre as toxicomanias, como tambémum retardo quanto às contribuições da psicanálise para esta clínica.

Poder-se-ia perguntar sobre os determinantes desta constatação. Pode-sefazer uma retrospectiva histórica para buscar, nas origens da psicanálise,qual a relação entre o aparente desinteresse pela psicanálise sobre o temada toxicomania e a experiência singular que Freud estabeleceu com a dro-ga-cocaína.

O “episódio” de Freud com a cocaína, nos primórdios pré-psicanalíti-cos, é considerado por vários autores (Ferbos e Magoudi, 1986; Eyguesier,1983; Ocampo, 1988; Cesarotto, 1989) não apenas um episódio, mas umfator preponderante para o encaminhamento definitivo de Freud em direçãoà consolidação da Psicanálise. Seus biógrafos (Jones, 1975 e Gay, 1989)foram superficiais na análise entre o envolvimento de Freud com a cocaína ea repercussão social desse fato, bem como os possíveis desdobramentosdessa experiência nos rumos de Freud, como decorrência da grande frus-tração com a pesquisa que vinha realizando com a cocaína.

Freud se interessa pelo produto e inicia pesquisas em 1883, após aleitura de um artigo de Aschenbrandt, descrevendo o efeito da cocaína emsoldados. Ele a experimentou em si mesmo regularmente, bem como solici-tava que colegas a experimentassem para somar informações a sua pesqui-sa (Cesarotto, 1989).

O envolvimento de Freud com a cocaína não ocorreu apenas pelouso do produto para obtenção de diferentes efeitos, tal como autoconfiançaem relação a sua virilidade e o alívio da sinusite. Desejava pesquisar a

1 Psicanalista, doutora em Psicologia Clínica, PUC/SP, professora e pesquisadora UNISINOS,Escola de Saúde Pública. E-mail: [email protected]

CONTE, M. Freud e a toxicomania.

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temente sobre este tema chegará a confirmar-se, nós estaría-mos ante uma medicina de valor incalculável. Fica por dizer quetodos os experimentos antes aludidos se realizaram, sem ex-ceção, com os preparados postos no mercado sob a denomi-nação cocaïn mur.solut. Merck” (Byck, 1980, p. 124-125).

Cesarotto (1989) tem a idéia de que Freud queria encontrar algo forado sujeito que pudesse auxiliar no bem-estar psíquico. Desta forma, estariaele resistindo ao reconhecimento da divisão subjetiva, frente a qual não háfármaco que possa suturar sua divisão estrutural, já naquele momento a umpasso da formalização da psicanálise.

Qual teria sido a influência da cocaína na gênese da psicanálise?Escohotado (1996) assegura que os primeiros sonhos interpretados meticu-losamente por Freud acontecem durante o período em que mais tomavacocaína (por via subcutânea e oral), e que o tema do fármaco aparece nosonho chamado de injeção de Irma e o da monografia botânica. Poder-se-iaaventar que Freud teria usado a cocaína, entre outras razões, para aprofundarsua relação com o inconsciente?

Freud foi acusado por Erlenmeyer de dar vazão à terceira praga dahumanidade, depois do álcool e da morfina. Freud, em defesa própria, escre-ve um artigo redigido em 1887, chamado “Observações sobre o cocainismo ea cocainofobia”, no qual reconhece que a utilização da cocaína para aliviarsintomas da abstinência da morfina resultou no uso errado da substância edeu aos médicos a oportunidade de descrever um novo quadro clínico: adependência crônica da cocaína. O ensaio baseado no parecer de umneuropatologista norte-americano tenta mostrar que a dependência da coca-ína só se manifesta em sujeitos já viciados em outras drogas, tais como amorfina, sem que a própria cocaína possa ser responsabilizada por isso(Cesarotto, 1989).

O que desencadeou o uso disseminado e descontrolado da cocaínaem toda a Europa foi um somatório de fatores: o principal foi o econômico,o de mercado. Destaca-se a luta para quebrar o monopólio da Merck,encampada pela Parke Davis, que, através de artigos de médicos de dife-

uma perspectiva inovadora, frente a algo desconhecido. Estaria Freud fasci-nado com a possibilidade de ter encontrado o produto capaz de muitas coi-sas, inclusive de tirá-lo do anonimato e de salvar seu amigo Fleischl damorfinomania? Tal como um homem dos nossos tempos, que se deslumbracom as propriedades dos produtos, ingenuamente caiu “nas mãos” dos labo-ratórios e acreditou em um produto que, aparentemente, se mostrava tecni-camente acessível e adequado a suas pretensões?

Segundo Escohotado (1996), foi o Laboratório Merck que, em 1885,traduziu e publicou em inglês o primeiro texto de Freud sobre a cocaína, deforma reduzida e alterada, selecionando o que interessava para fins de co-mércio: o uso indiscriminado. De acordo com o autor,

“No texto original Freud dizia que a supressão do desejo debeber mediante o uso da cocaína resultou mais difícil que asupressão da morfinomania, enquanto o resumo inglês diz que‘graças à cocaína é possível prescindir totalmente dos asilospara alcoólicos’” (p.78).

Propagandas deste tipo evidenciavam claramente as manipulaçõesda indústria farmacêutica para alcançar o objetivo de promoção e venda deprodutos. Freud foi utilizado como exemplo pelas propagandas da Merckpara divulgar os atributos da cocaína com relação à excitação sexual, en-quanto, na verdade, havia citado apenas três casos que atribuíram dito efeitoà droga. Este laboratório referia que a dose letal era muito alta, o que Freudacabou repetindo ingenuamente (Escohotado, 1996). Já naquela época e nodiscurso de Freud, observa-se o quanto a empresa farmacológica e a propa-ganda difundiam ilusões:

“ A cocaína administrada mediante injeção hipodérmica é umaajuda valiosíssima contra o uso continuado da morfina. Estefato bastaria por si só para conceder ao fármaco um lugar des-tacado entre os tesouros do médico (...) Também se recomen-da a utilização da cocaína em forma continuada para casos decaquexia (estado de desnutrição profunda), anemias agudas eestados febris prolongados. Se tudo o que foi publicado recen-

CONTE, M. Freud e a toxicomania.

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até porque boa parte dos artigos de Freud sobre a cocaína saíram de circu-lação por iniciativa de sua filha Anna, produzindo um não-dito em relação aestas experiências. Os psicanalistas poderiam ter-se sentido desaconse-lhados a aprofundar estas experiências, pois avançar neste campo fariaemergir tabus que trouxeram sérias conseqüências para a vida de Freud.

Ainda, outra razão para este desinteresse, acredito ter ocorrido por-que a psicanálise originou-se no berço da neurose e a partir de uma aborda-gem individual, dificultando pensar em abordagens de quadros clínicos aindapouco pesquisados e que exigem inovações clínicas. Ainda estão sendogestadas modificações no corpo teórico psicanalítico de forma a acolher osquadros de toxicomanias e outros, especialmente se considerarmos o pou-co que se avançou em termos da extensão da prática da psicanálise nasinstituições e nas contribuições voltadas às políticas públicas.

Reconhecer as contribuições subjetivas e sociais que a psicanálisepode oferecer neste campo, influindo na vida dos sujeitos, famílias, grupos einstituições, impulsiona-me a alavancar uma passagem do sintoma à pala-vra.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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rentes países, em revistas especializadas, elogiava a pureza do produto,seus efeitos sobre o estado de ânimo, o aumento de faculdades físicas ementais, assim como o aumento da resistência ao esforço, explorando aomáximo as propriedades do produto. A polêmica era evidente, ora alertavapara os limites da droga e ora apresentava-a como panacéia para todos osmales. Quando os fatos passam a comprovar os danos que a cocaína pro-voca, especialmente quando o uso é abusivo, a revista americana NewYork Medical Record, em 1886, descompromete-se com posições toma-das anteriormente, afirmando que “nenhum método terapêutico causoutantas vítimas em tão pouco tempo como o tratamento pela cocaína”. Em1891, o médico J.B. Mattison, que considerava a droga tão ímpar quantoperigosa, enumera seis mortes e vários casos de intoxicação aguda, aludin-do que mais de duzentas pessoas haviam perdido a vida pela dependênciamédica da cocaína, ainda que o motivo ficasse ocultado (Escohotado, 1996,p. 81).

Freud concluiu que no uso da cocaína havia aspectos mórbidos quedeterminavam o desenvolvimento de uma dependência (informação esta muitoimportante, pois tem-nos permitido avançar na elaboração de terapêuticas).

Não se trata de culpabilizar ou inocentar Freud, mas sim de reconhe-cer as condições históricas e econômicas que animaram suas preocupa-ções naquela época, exatamente anterior às formulações propriamente psi-canalíticas.

Este acontecimento tornou-se um dos episódios mais perturbadoresda vida de Freud (Gay, 1989), pois acaba por desviá-lo de suas pesquisasexperimentais, habitualmente seguidas na época, para orientá-lo na direçãodas investigações psicanalíticas (Escohotado, 1996).

O que foi interpretado como um flagelo pelo qual Freud foi responsabi-lizado, na verdade transformou-se na descoberta do inconsciente, que nãoproduziu menos mal-estar.

Sugiro, como possibilidade de leitura destes acontecimentos, queum certo desinteresse da psicanálise em avançar neste campo possa estarassociado às experiências frustrantes de Freud e sua repercussão social,

CONTE, M. Freud e a toxicomania.

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Dando um passo a mais, pensamos que além de examinarmos astoxicomanias na perspectiva que se refere ao sujeito é fundamental considerá-la em relação ao laço social, na medida em que é no laço social que asubjetividade se engendra. Melman (1992) interpreta as toxicomanias comouma das respostas aos imperativos de consumo vigentes na busca de gozo,propondo-as como sintoma social, inscritas no discurso dominante. Há umgozo particular às toxicomanias, diz-nos Melman, interpretando-o como umgozo que não exige reservas e que encontra na eleição da droga um caminhopara a sua satisfação – o imperativo neurótico goze!, conforme proposiçãode Lacan(1985), teria nas toxicomanias a seguinte determinação: goze já,intensa e instantaneamente, sem limites. Desta forma, este projeto de gozoinserido no discurso social, prioriza a satisfação instantânea das necessida-des produzindo uma lógica de exclusão do Outro/outro nas relaçõesintersubjetivas. Como efeitos desta lógica, há uma exacerbação da solidão,do desamparo, bem como a assunção e entrega aos imperativos de consu-mo.

A partir destas reflexões, concebemos que as toxicomanias são oprotótipo do questionamento sobre o gozo engrendrado na contempora-neidade, ao mesmo tempo em que apresenta as estratégias de proteção queimpedem sua realização, confrontando-nos, assim, com o sofrimento causa-do por esse impasse testemunhado por alguns toxicômanos.

Acrescenta-se ao que é próprio das nossas relações, a massificaçãodos modos de vida e, paradoxalmente, o individualismo. Vivemos numa soci-edade na qual exibem-se as aparências, achata-se a história singular e, emseu lugar, promove-se a espetaculização de eventos, a informação é instan-tânea e confundem-se os domínios do público e do privado.

Agora, partindo das particularidades encontradas nesse contexto,associadas ao narcisismo e as especificidades do laço social contemporâ-neo, propomos a reflexão sobre a intervenção grupal. Faremos isto levandoem consideração algumas das funções terapêuticas que este dispositivoviabiliza a quem se relaciona com as drogas de forma exclusiva e em relaçãoàqueles que desejam questionar sua forma de uso.

O DISPOSITIVO DE GRUPO COMO POSSIBILIDADE DEINTERVENÇÃO NA CLÍNICA DAS TOXICOMANIAS

Vindicas – Grupo de Trabalho e Estudo dasManifestações Sociais Contemporâneas1

Otrabalho com sujeitos toxicômanos demanda variadas formas deintervenção, pelas dificuldades encontradas em relação à demandade tratamento, à transferência e à imposição da droga como única

escolha. O trabalho em grupos coordenado por psicanalistas, associado àanálise individual e, muitas vezes, à abordagem familiar, apresenta-se comodispositivo para dar conta de algumas especificidades relativas à constitui-ção subjetiva dos toxicômanos e sua relação com o laço social.

Ao nos remetermos à clínica das toxicomanias, é fundamental tomaro cuidado de não se referir a uma entidade uniforme. Como afirmam váriosautores (Velho, 1980; Le Poulichet, 1990; Zafiropoulos, 1994; Nogueira Filho,1999; entre outros), não podemos falar da toxicomania, mas das toxicomani-as, apontando aí a multiplicidade sintomática em diversos sujeitos.

Le Poulichet (1994,1996) auxilia-nos a compreender um importanteaspecto das toxicomanias a partir da chamada operação de farmakon. Ope-ração esta, na qual a droga, como defesa, transforma-se em “tóxico” pelafunção subjetiva que adquire para o sujeito, implicando uma relação intensae exclusiva com ela. Além disso, ao resgatar as propriedades do farmakon,Le Poulichet aponta a possibilidade do “tóxico” ser tanto remédio quantoveneno para as dificuldades associadas a suportabilidade da castração. Ditoisso, acrescentamos que as toxicomanias se constituem como sintoma emfunção da problemática narcísica, quando não há o endereçamento de umolhar desejante para o sujeito, e, também, da fragilidade da função paterna,quando não oferece su-porte simbólico necessário para sua ancoragem.

1 Integrantes do Vindicas: Clarice Sampaio Roberto, Marta Conte, Otávio Augusto WinckNunes, Sandra Djambolakdjian Torossian e Tatiane Reis Vianna. Site:www.vindicas.com.br

VINDICAS. O dispositivo de grupo...

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Há, no dispositivo de pertença a um grupo, o convite ao restabeleci-mento de um circuito libidinal de trocas, favorecido por relações de sociabili-dade, onde, através da presença do coordenador e das relações entre a“fratria”, aposta-se na separação entre a lei simbólica e a autoridade do paireal (Kehl,2000;39).

Nesse ponto, torna-se necessário, também, aprofundar a função dosemelhante no contexto grupal. As formulações de Kehl em relação à funçãofraterna ajudam-nos a avançar, quando refere que o outro cumpre função emtrês planos, quais sejam:

– a semelhança na diferença introduzida pelo outro no campo narcísico;– a relativização da palavra do pai como verdade absoluta e proporcio-

nando condições para uma autoria de linguagem;– no campo extra-familiar, a abertura a um campo anônimo onde trans-

mitem-se saberes, no qual os irmãos ressaltam suas diferenças sustentan-do o valor da Lei.

Notamos, à luz dessas idéias, que na fratria os integrantes auxiliam-se ao “segurarem a barra” da castração, dividindo seu peso coletivamente,ainda que possamos questionar quão eficaz são os efeitos dessa empreita-da, uma vez que sabemos alicerçar-se na castração imaginária. Entretanto,o fundamental é o recurso que organiza anteparos a uma relação totalizantecom o Outro, na medida em que a fala de cada um dos integrantes do grupopode ter a função de espelhar uma imagem, a quem se encontra numa situ-ação de fragilidade psíquica.

Ainda, ressalta-se a função de pertença a um grupo para sujeitos que,na grande maioria das vezes, apresentam-se a partir de uma ilusão de auto-suficiência absoluta em relação ao semelhante. O trabalho em relação aoslaços estabelecidos no grupo terapêutico aposta na passagem de uma rela-ção instrumental com o semelhante para a viabilização de outro tipo de laçosocial. Pois, torna-se evidente que a escravidão à droga faz com que ostoxicômanos se coloquem ou utilizem-se do outro como instrumento de gozo.Deste modo, os toxicômanos precisam abandonar uma posição de auto-suficiência para que seja possível introduzir a contabilização do semelhante

Em nossa prática, contamos com pelo menos dois tipos de trabalhoem grupos relacionados ao tema em questão. Um, cuja função é viabilizaruma reflexão sobre o uso de drogas estabelecido pelo sujeito, a fim de que,se configurada uma demanda seja indicado algum tipo de tratamento2; outro,como um dos dispositivos de tratamento. Ambas modalidades nos parecemopções interessantes, seja por se constituírem como ingresso para o trabalhoanalítico, seja como recurso à promoção de novas inserções do sujeito emrelações de sociabilidade, principalmente em casos em que se encontramcomprometidas as relações sociais, familiares, laborativas, entre outras.

Além disso, dispomos de alguns princípios para pautar as relaçõesnestes espaços e aos quais nos referimos para intervir, a saber:o respeito àsdiferenças, a preservação das distintas posições, dos momentos e dos tem-pos de cada um para enfrentar seus impasses e a não imposição da absti-nência.

Quanto à abstinência, é pela via da identificação propiciada na trocade experiências em relação ao percurso de vida com as drogas que surge apossibilidade do grupo servir como uma referência, tanto para quem procuraa abstinência como para quem quer dar início ao questionamento de sua“dependência” às drogas. Não tomamos aqui a abstinência ou a problemati-zação do uso como indicadores de cura, mas sim, como um primeiro passono sentido de uma mudança de posição discursiva.

Observamos que nos grupos entrecruzam-se laços transferenciais entreos participantes e entre eles e os coordenadores. Entendemos que as iden-tificações entre os pares são condições essenciais para o estabelecimentode laços transferenciais, aspectos trabalhados pelos coordenadores, repre-sentantes de alteridade, que viabilizam, entre outros pontos, a circulação dapalavra. O grupo fornece uma riqueza de possibilidades identificatórias extre-mamente necessárias ao longo de um tratamento, confluindo numa escutaque auxilia o sujeito a se reorientar frente aos significantes que o represen-tam no mundo.

2 Sobre esse aspecto ver: VINDICAS. Drogas e Trabalho: uma proposta de intervenção nasorganizações, Revista Psicologia: Ciência e Profissão, nº 1, Ano 22, 2002.

VINDICAS. O dispositivo de grupo...

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joga-se com o instante de ver, através do semelhante, o que pode precipitar,em dada ocasião, seu próprio tempo de compreender para então, abrir cami-nho para o momento de concluir.

Avaliamos que um grupo, na proposta aqui formulada, pode permitirque cada um, a seu modo, suporte a falta, seja, inicialmente, através docompartilhamento da falta da droga ou no percurso do tratamento pela trans-formação da posição do sujeito. Podemos sistematizar a direção do trata-mento no caminho percorrido através dos eixos “necessidade”3 – demanda –desejo. Como propõe o tempo lógico de Lacan (1998), frente a designação“sou toxicômano”, no instante de ver, passa a perguntar-se “Quem sou eu?Sou eu ou sou o outro? O que é mesmo que me falta?”, não conseguindomais responder pela droga, advindo daí a angústia que o situa no momentode compreender: “Não é a droga que lhe falta”. “O que me falta é algo parasempre perdido” é a enunciação que emerge no momento de concluir, abrin-do as vias de acesso ao desejo que havia submergido na “necessidade”imperativa da droga.

Sublinhamos até aqui algumas potencialidades e dificuldades relati-vas ao laço social e à problemática narcísica que se associam às toxicoma-nias. Acentuamos que o trabalho em grupos com toxicômanos apresenta-secomo uma das possibilidades de intervenção podendo estar aliada a outrasformas de escuta do sujeito. Também, que o olhar do outro/Outro, presenteno grupo, quando serve de testemunho para uma existência, promove identi-ficações entre a fratria, contribuindo à reorganização subjetiva.

Para concluir nossa reflexão, propomos a seguinte perspectiva: o gru-po, acompanhado por uma escuta analítica, pode promover efeitos de cas-tração simbólica, quando há a possibilidade de cada participante suportar oencontro com diferentes posições discursivas ou experimentar a semelhan-ça na diferença (Kehl, 2000). Ponderamos que um dos sinalizadores do al-cance desta intervenção pode ser considerado pelos deslocamentos subjeti-

3 O termo necessidade, entre aspas, refere-se à necessidade da droga e não a uma neces-sidade orgânica.

em seu circuito libidinal, mediante a posição de respeito às diferenças pro-posta para estarem ali. Trabalha-se, nesse sentido, no estabelecimento delaços simbólicos.

Também, destaca-se a oportunidade da passagem neste processo,de momentos de identificações homogêneas onde “ser drogado” e “sabersobre a droga” tomam conta da fala dos participantes, para, aos poucos, sedepararem – através de interpretações – com as singularidades da históriade cada um, suas insuficiências, vazios e significações.

Como sabemos, as relações de objeto nas toxicomanias se estabele-cem de forma peculiar, quer dizer, no lugar do objeto de desejo há a cristali-zação de um único objeto de satisfação – a droga. Tal cristalização faz trans-bordar um imaginário de fantasias vampíricas, alicerçadas em uma relaçãototalizante com o Outro, conforme já assinalamos. O sujeito imagina-seameaçado em relação ao seu desejo na medida em que as figuras queencarnam o Outro são colocadas numa posição de sugá-lo. Neste sentido, ogrupo apresenta-se como uma possibilidade terapêutica, na construção denovas fronteiras que delimitam um bordeamento pulsional esvaecido, atravésdo exercício de ir e vir (presença-ausência), silenciar em alguns momentos,falar em outros, sem ter que dizer tudo ou supor que o peso da palavraenunciada lhe deixaria transparente e em desamparo.

De acordo com o que desenvolvemos, referimos que a formação grupaltem como efeito fomentar identificações. Desta forma, nestes grupos emque o traço que os identifica está ligado ao artefato droga, há sempre o riscode uma equivalência entre aquilo que são e o que consomem. Esta equiva-lência faz com que o sujeito se proteja na identidade calcada numa relaçãodual com a droga. Pensamos que é no desmonte da fixação a esta identida-de, quando ela instala-se, que podemos esperar deslocamentos.

Um dos diferenciais que a intervenção grupal propicia é que a interpre-tação dirigida a um integrante possa convocar outros a advirem como sujei-tos, viabilizando mediações importantes. Trata-se de uma estratégia quenão exige uma resposta direta do sujeito muito fragilizado ou quando seapresenta de forma passiva, ainda dominado pela droga. Nesta operação,

VINDICAS. O dispositivo de grupo...

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O JOGO DO GOZO1

Ligia Gomes Víctora

Comecei a pensar sobre a psicanálise com o jogadicto2 a partir domomento em que começaram a surgir no consultório sujeitos queme procuravam com o sintoma do jogo. Não encontrando bibliografia

específica na psicanálise a respeito do jogadicto, levantei algumas questõesque, hoje, divido com vocês. Não se trata, portanto, de querer tirar conclu-sões definitivas mas, sim, de elaborar algumas questões a partir da clínica.

Em primeiro lugar, por que eu disse “com” o sintoma do jogo, e não“pelo” sintoma do jogo? Porque não é o jogo o que caracteriza a queixaprincipal do paciente jogadicto. Aliás, normalmente, foi a família que veio sequeixar, ou que exigiu o tratamento, pois estava aflita pelo endividamento oucom as perdas de bens familiares que o jogar inflige. A queixa do sujeitosobre o jogo não aparecia de imediato: às vezes nem com o transcorrer dotrabalho analítico o jogo aparecia como um problema.

Os pacientes que acompanhei tinham alguns traços comuns: erammulheres, com idade entre 50 e 60 anos; em todas houve uma perda queassociavam com o início da busca pelo jogo. Por exemplo, a morte da mãe,sentida como uma falta irrecuperável, insuportável. A auto-vitimização des-tes pacientes é uma constante, lembrando o discurso queixoso dos alcoolistas– cuja responsabilidade por seus sintomas quase sempre/muitas vezes érejeitada.

Ainda, sobre a perda associada como fator “desencadeante”, temoscasos de jogadictos famosos, como Dostoievski, cuja morte do pai apareciana gênese do seu jogar como sintoma. No caso dos meus sujeitos, esta

1 Exposição realizada no Cartel Preparatório da Jornada A direção da cura nas toxicomani-as, dia 07/08/03, na APPOA.2 Vou chamar jogadicto para diferenciar do jogador esportivo (na linguagem médica, opaciente é chamado de “jogador patológico”).

vos decorrentes deste processo, o qual permite também que a droga passede uma posição de objeto ideal para uma outra posição, isto é, de objetointerditado e inserido em uma cadeia significante.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

KEHL, M.R.(org.) A função fraterna. RJ: Relume Dumará, 2000.LACAN, J. O tempo lógico e a asserção da certeza antecipada. Um novo sofisma.

In: Escritos (1945[1996]). RJ: Zahar, 1998._____. O Seminário: Livro 20: Mais, ainda. RJ: Jorge Zahar Editor, 1985.LE POULICHET, S. Toxicomanias y psicoanálisis – Las narcosis del deseo. Buenos

Aires: Amorrortu Editores, 1990.NOGUEIRA FILHO, D. M. Toxicomanias. SP: Escuta, 1999.MELMAN, C. Alcoolismo, delinqüência e toxicomanias – uma outra forma de

gozar. SP: Escuta, 1992.VELHO, G. Nobre e Anjos – um estudo de tóxicos e hierarquias. SP, USP, 1980.

Tese (Doutorado em Antropologia). Faculdade de Filosofia, Letras e CiênciasHumanas, Universidade de São Paulo, 1980.

ZAFIROPOULOS, M. O toxicômano não existe. In: A vocação do êxtase – umaantologia sobre o homem e suas drogas. Ligia Bittencourt (org.), RJ: ImagoEd.: UERJ, 1994.

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prazer se opõem. Enquanto o prazer supõe a tensão mínima, o gozo aumen-ta as tensões do aparelho psíquico.3

A esse propósito, mais uma questão, talvez, relativa à ética: – Emnossos tempos de griffes, próteses de silicone e aparelhos eletrônicos sofis-ticados: em quê estes objetos exteriores, que se apresentam como prolon-gamentos do corpo, aparentemente da mesma forma como a voz e o olhar –podem concernir mais que ao prazer, ao gozo?

Nestes casos, quando se perde um deles, o que foi perdido? O objetoou o próprio corpo? Romper com o compromisso com a anatomia (sexual),com o tempo (o envelhecer, por exemplo), com a morte, também é rompercom o compromisso com as leis do real?

A ADIÇÃO TAMBÉM COMO OPERAÇÃO MATEMÁTICAOutra coisa me chamava atenção: o fato de que todo jogo envolve uma

função matemática (letras, números, cifras, valores) – que não encontra pa-ralelo no uso de drogas ou do álcool. Será que isso apontaria para umasubmissão ao falo?

Nossa adição mais primitiva – conforme Freud referiu-se na famosacarta a Fliess de 22/12/1897, seria a masturbação: “o primeiro grande vício”.4

No meu entendimento, nossa verdadeira primeira adição seria à linguagem!Melhor dito: uma compulsão ou uma “adição estrutural” enquanto falasseresou seres dependentes da fala, e portanto, do falo.5

O que aparecia no discurso dos meus pacientes jogadictos foi que oque menos interessava no jogo era o fato de ganhar dinheiro. O que estava

3 Em francês, há uma semelhança sonora e escrita entre os termos jouir (gozar) e jouer(jogar). Ambos têm sua raiz no latim, mas jouir vem de gaudire, e jouer de jocare. O termo“jouer” [jogar] é o mesmo que é utilizado para designar a masturbação infantil.4 Os outros “apetites” como o do álcool, da morfina e do tabaco, não seriam mais quesubstitutos, “produtos do deslocamento”, da “adição primitiva”. Em Dostoievski e o parricídio(1928) Freud foi mais específico: escreveu que a “paixão pelo jogo” substituía o “vício doonanismo”, apontando ainda que a atividade apaixonada (passionée) das mãos traía estaderivação.5 VICTORA, L. O falo e a fala. Em Correio da APPOA, n°103, O Sinthoma, junho de 2002, p.51.

perda, na cadeia de associações em análise, relacionava-se com outrasmortes: a do marido, a de um filho.

Por outro lado, o próprio climatério e o declínio da potência sexual docompanheiro, eram vividos como ameaças de abandono. Seria o jogo, comouma droga, um substituto de um objeto perdido? Seria uma tentativa deludibriar a morte implacável?

Uma questão que se apresentou, de início, na discussão com o cartelA direção da cura nas toxicomanias: – Qual a diferença entre “adições” e“compulsões” ? Por compulsão entendo o sintoma presente nos distúrbiosneuróticos. Na economia psíquica, as compulsões funcionariam como efeitodo mundo simbólico sobre o real do corpo. Teriam a ver com o que Lacanchamou de “gozo fálico” – e que supõem a submissão do sujeito à castraçãooperada pela linguagem. Já no caso das adições, considero como a depen-dência patológica do sujeito ao objeto. Neste caso, o gozo em questão seriaaquele gozo suplementar, que Lacan atribuiu às mulheres.

No meu entendimento, tanto os distúrbios alimentares – bulimia,anorexia, quanto as popularmente chamadas “manias” – de limpeza, de aca-demia (obsessão pela forma física); a síndrome de Michael Douglas(compulsão por sexo); a cleptomania; a shoppingmania; como, também, ouso de drogas, álcool, ou mesmo o jogo – todos eles podem se prestar comoobjetos de compulsão ou de adição. O que definiria uma ou outra seria ocaráter da dependência do sujeito ao objeto, ou seja, a construção do fantas-ma. Nos casos de adição ao jogo que acompanhei, observei vários pontoscomuns com as chamadas “compulsões”, assim como outros tantos iguaisàs “adições”.

Quanto à especificidade da escolha do jogo como objeto – por que ojogo e não o álcool ou a droga? – observei nestes sujeitos que o jogo tinha omesmo efeito calmante/excitante relatado pelos usuários de certas drogas ede tabaco. Assim como a droga, o jogo assumia uma função econômica –da economia psíquica, para além da monetária! Levando-se em conta a novaeconomia psíquica do sujeito contemporâneo, como disse Charles Melman,em que a métrica é “gozar a qualquer preço”, sabemos o quanto gozo e

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A LOUCURA DAS TEORIAS DOS JOGOSMinha hipótese baseia-se, também, na biografia de alguns matemáti-

cos que se dedicaram, entre outras coisas, à teoria dos jogos. Alan Turing,Georg Cantor, Blaise Pascal, são exemplos de matemáticos brilhantes que“enlouqueceram”, provavelmente em busca deste número de ouro. Todos vi-veram à frente de seu tempo, deram saltos, romperam com a ciência e osocial e alguns foram condenados por isso.

Todos eles têm em sua história uma “perda irrecuperável” (como amorte da mãe nas histórias das minhas pacientes). De que falta se trata?Real, simbólica ou imaginária? No caso dos drogadictos, parece que recaisobre o campo do real, como um furo num conjunto contínuo. Por isso anecessidade do traço – letra ou número escrito – às vezes na própria pele,na tentativa de burlar a impossibilidade de se escrever a relação sexual. Apele, tida como revestimento contínuo do corpo imaginário. Isso me leva apensar em uma dívida não simbolizável, como operação da falta constitutivado ser, mas vivida como real, tomada no real do corpo. Como saldar essadívida?

No século XX, Turing, talvez nessa tentativa, negou a reproduçãosexuada: pretendia criar clones a partir de uma célula da epiderme, depoistentou construir o homem-máquina, e acabou inventando a linguagem doscomputadores. Georg Cantor, no século XIX, talvez na mesma empreitada,atormentado pelas questões do infinito, do contínuo e do “buraco sem fundo”que representava como O Absoluto (o Outro?) criou os números transfinitos.Mas isso não foi suficiente para escapar da compulsão à bulimia e à coprofagia,com o que preenchia, literalmente, os buracos do corpo descontínuo.

Pascal, por sua vez, no século XVII, criou a primeira teoria das proba-bilidades. Sua biografia impressiona tanto por sua obstinação em relaçãoaos estudos, quanto por seu “amor à penitência”, dizendo que era preciso“punir um corpo de pecador, e puni-lo sem reservas”. Abandonou a vida mun-dana para dedicar-se aos estudos – e à penitência – e, quando morreu,foram encontrados cerca de 800 fragmentos de papel escritos, com diferen-tes formatos e tamanhos, que foram depois publicados com o título Pensa-

em jogo ali era “vencer”, e vencer significava adivinhar o número certo, desco-brir a carta que viria em seguida, fazer a aposta correta. As apostas dossujeitos que analisei eram feitas nas máquinas, nos números (dados ouroleta) e em jogos de cartas.

Ao contrário do que se disse6, Freud não foi o primeiro a traçar umparalelo entre o jogo e as adições. Charles Mackay, estudioso da psicologiapopular, em 1841 reuniu sob o rótulo de “loucura das massas”, entre outras“ilusões populares extraordinárias”: alquimia, bruxaria, leitura da sorte, “ma-nia das tulipas” (ele não entendia como as tulipas podiam valer tanto naHolanda – havia pessoas que sacrificavam terras, casas e jóias em troca deum bulbo), e o que chamou de “mania de dinheiro”. Neste livro, Mackayconta a história de John Law. Nascido em 1671, na Escócia, boêmio,“beberrão” e “jogador irrecuperável” desde a morte de seu pai, quandocontava com apenas 17 anos, Law intercalava a “mania do jogo” com a“mania do dinheiro”. Fazendo jus a seu nome paterno, Law foi o responsá-vel pela invenção do papel-moeda e do jogo em ações de empresas –hoje conhecido como bolsa de valores. Segundo consta, após perder todaa herança que recebera depois da morte do pai, pela manhã ele apostava nabolsa e ganhava montes de dinheiro, e à tarde ele jogava no cassino eperdia tudo!

A hipótese que formulo é de que o gozo do jogadicto não estaria noganhar dinheiro, o que lhe daria um “objeto palpável” e um lugar no campo doprazer, e nem tampouco na tensão entre significantes, o que situaria o jogono gozo fálico, mas, sim, em descobrir – no sentido de desvendar – umafalha no Outro, o que apontaria para o que Lacan chamou de “o gozo de umpuro vazio”. Assim, o ganho máximo seria descobrir um número de ourocapaz de desvendar o furo do Outro. Esta seria a chave de ouro que abriria aporta do Universo!

6 CHASSAING, Écrits psychanalytiques classiques sur les toxicomanies , p.102.

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ca nos dão a consistência do discurso, e não se o fato aconteceu ou não narealidade. É isso o que importa, e o que permite o ato analítico é a transfe-rência, quando o paciente inclui o analista na rede de significantes.

Mesmo assim, chama atenção que o jogadicto minta. Por exemplo,mente que não jogou mais, que não veio à consulta porque estava doente, e,por acaso, ficamos sabendo, mais tarde, que na verdade ele tinha ido jogar.Mente que agora quer mesmo deixar de jogar. Talvez como os pacientestoxicômanos que dizem nunca mais usar droga, ou que vai ser a última vez...– Por que o jogadicto mente? Seria uma necessidade de falar o que supõeque vá agradar ao analista, como o histérico? Seria para sentir seu poder deenganar o outro, como o obsessivo? Seria um teste à eficácia da palavra, ouseja, à eficácia simbólica? Aposto um outro palpite: ao nos enganar, elefunda um discurso feito de puros significantes, como uma linguagem pura-mente lógica. É o mesmo sistema com que se relaciona com o Outro, aotentar desvendar o mistério do Outro, no jogo.

Freud nos ensinou que o determinismo do inconsciente é infinitamen-te mais poderoso que o determinismo genético, fisiológico ou químico-físico.Este determinismo é dado pela linguagem. Já Lacan, provou-nos de muitasmaneiras que a causalidade psíquica é ordenada por uma lógica, e, inclusi-ve, que é esta linguagem formal, lógica, que cria o fato. O desejo inventa/descobre a realidade, como na cinta de Mœbius. A mesma linguagem quevem substituir a coisa, é o que determina o desejo do sujeito.

E é nisso que o jogadicto aposta.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHARRAUD, Nathalie. Essai sur Georg Cantor. Ed. Anthropos. Paris, 1994.CHASSAING, Jean-Louis. Écrits psychanalytiques classiques sur les toxicomanies.

Ed. da Associação Freudiana Internacional. Paris, 1998.DOSTOIEVSKI, Fiódor. O jogador. Ed. Martin-Claret, S.Paulo, 2002.FREUD, S. Dostoievski e o parricídio. Ed. Eletrônica brasileira das obras psicoló-

gicas completas de Sigmund Freud. Imago, Rio, 1998.LACAN, J. Seminário sobre a carta roubada. Escritos. Jorge Zahar, Rio, 1998.

mentos de Pascal. Estes papeizinhos escritos, em qualquer direção, dis-postos às vezes na vertical, ou na horizontal, ou atravessados, ou justapos-tos em círculo, deram margem a inúmeras interpretações. Desafiaram osque tentaram colocá-los “em ordem”. Qual a ordem correta? Muitas erampossíveis. Talvez porque o que importasse era o encadeamento entre ossignificantes.

Pascal em “A aposta – infinito ou nada”, apresentou de forma genial oque está em jogo numa aposta: “se ganhardes, ganhareis tudo, se perderdes,não perdereis nada... Ora, há aqui uma infinidade de vida infinitamente feliz aganhar... e o que jogais é finito. Isso exclui qualquer escolha: sempre quetemos o infinito, e que não há uma infinidade de probabilidades de perdacontra a de ganho, não há que hesitar, é preciso dar tudo.” Conforme OtávioW. Nunes (2003), o que está em jogo numa aposta é “uma relação entre osaber e a verdade do sujeito que pode se tornar acessível e definida noengajamento da experiência subjetiva”. Sobre a questão da verdade e dosaber, outra questão que me pôs a pensar foi a necessidade da mentira,presente no discurso desses meus analisantes.

A FUNÇÃO DO ENGANO: MENTIRA OU BLEFE?Enquanto o obsessivo geralmente se esforça em contar tudo nos mí-

nimos detalhes, como se isso pudesse lhe dar consistência, torná-lo menoscastrado; e o histérico enfeita seu discurso com adjetivos, floreios para dis-trair a atenção do analista da impossibilidade de não ser castrado – o jogadictoparece recorrer, sem alívio, à mentira.

Os analisantes costumam pensar que, como estão pagando para oanalista “resolver seus problemas”, não vale a pena mentir para ele, imagi-nando que assim facilitarão seu trabalho, ou economizarão em consultas.Sabemos que a veracidade do discurso do analisante (seu valor-verdade) não“faz diferença”. A consistência de um discurso neurótico está no fato de serconstituído por sentenças seqüencialmente válidas. Sua “coerência” está narelação entre os termos dentro da cadeia de Significantes de cada sujeito. Alógica do inconsciente é regida pelas leis da linguagem: sintaxe e semânti-

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AS MENINAS, A TELA E O ESPELHO1

Ana Marta Meira2

“O pintor, ligeiramente afastado do quadro, contempla o modelo; ...Entre a fina ponta do pincel e o gume do olhar, o espetáculo vai

libertar o seu volume.” (M. Foucault, As meninas, p.17)

Oseminário O objeto da psicanálise inicia com a referência de Lacanao estatuto do sujeito na psicanálise e à posição da ciência, deter-minada pelas mutações da física. Afirma que a ciência moderna “se

justifica de uma transformação de estilo radical no tempo de seu progresso,da forma galopante de sua ingerência em nosso mundo, de reações emcadeia que caracterizam isto que podemos chamar de expansões de suaenergética.” (Lacan,1965-1966, p.9)

O sujeito da ciência é referido como sendo o sujeito do cogito que adefinição de Descartes inaugura. O sujeito da psicanálise encontra-se presoem uma divisão constituinte que se opera entre o saber e a verdade, repre-sentada topologicamente pela Banda de Moebius. (Lacan;1965-1966; p.10)Esta divisão constituinte do sujeito remete à reflexão acerca da posição doobjeto na psicanálise. Para aprofundar esta questão, Lacan propõe-se a ana-lisar o quadro As meninas, de Velázquez.

Partindo da leitura da célebre análise de Michel Foucault, acerca des-te quadro, e a seguir da análise de Lacan, podemos pensar sobre o lugar quea imagem virtual assume na dimensão singular subjetiva e ao mesmo tempoem sua extensão ao laço social. O lugar atribuído ao virtual, como sendo um

1 O presente trabalho é uma síntese de um capítulo do projeto da dissertação de mestrado “Ainfância, o brincar e os ideais sociais contemporâneos ”.2 Psicóloga, psicanalista, membro da APPOA, Mestranda no curso de Psicologia Social eInstitucional da UFRGS, organizadora do livro Novos sintomas , Ed. Ágalma, com a publica-ção do trabalho Pequenos brinquedos, jogos sem fim.

MACKAY, Charles. Ilusões populares extraordinárias e A loucura das massas.[Extraordinary popular delusions, Londres, 1841] Tradução: Ediouro, Rio, 2001.

MELMAN, Charles. L’homme sans gravité. Ed. Denoël, Paris, 2002.NUNES, Otávio Augusto Winck. A aposta de Lacan. In: Correio da APPOA, n°115,

O objeto da psicanálise. Porto Alegre, 2003.PASCAL, Blaise. A aposta. Coleção Os Pensadores. Abril Cultural, Rio, 1975.TYSZLER, Jean-Jacques. Peut-on jouir de l’infinit?À propos de Alan Turing. In: La

célibataire. EDK, Paris, 1999.

MEIRA, A. M. As meninas, a tela...

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No seminário O objeto da psicanálise,4 Lacan analisa a tela As meni-nas e refere-se à reflexão de Michel Foucault, que participou de seu segundoseminário sobre este tema5. Sobre a obra de Foucault, escreve que “não édifícil ver aí inscrita uma descrição extraordinariamente elegante, isto que éprecisamente esta dupla dimensão que, se vocês lembram, representei ou-tra vez por dois triângulos opostos: isto da visão com este objeto ideal quechamamos olho e que constitui o ápice do plano da visão e este que nosentido inverso se inscreve sob a forma do olhar.” (Lacan,1965-1966, p.250).

Apresentando uma nova via em relação à leitura foucaultiana, Lacanaponta que a tela não é uma representação, “pois, isto, se vê”. Refere-se àposição que Velázquez evoca: “tu não me vês (lá de) onde eu te olho” (p.325), sendo que o lá encontra-se elidido. Afirma que “É ali que eles são, nãolá representados, mas em representação.” (p. 297). Esta posição de elisãodo sujeito é referida por Foucault e retomada por Lacan ao longo da aborda-gem que faz da tela.

Sobre a tela de Velázquez, Lacan afirma: “A tela, aqui, faz funçãodisto que se interpõe entre o sujeito e o mundo. Não é um objeto comoqualquer outro. Ele se pinta qualquer coisa. Antes de definir isto que é repre-sentação, a tela já nos anuncia no horizonte a dimensão disto que da repre-sentação é representante. Antes que o mundo se torne representação, seurepresentante – entendo o representante da representação – emerge.” (Lacan,1965-1966, p.273). Mais adiante, Lacan afirma que esta tela tem como efeitoa subjugação e a relaciona à subversão do sujeito.6 Este quadro “faz ver.”,escreve. (Lacan, 1965-1966, p.298).

4 Lacan, J. L’Objet de la psychanalyse, Séminaire 1965-1966, Paris, Ed. de l’AssociationFreudienne Internationale. Documento de circulação interna da Associação Freudiana Inter-nacional.5 Michel Foucault esteve presente no seminário XVIII, em 18 de maio de 1966, (p. 305-326),Op. Cit.6 “A forma com que vocês responderão a esta questão, onde vocês jogarão suas cartas é,com efeito, absolutamente essencial ao efeito deste quadro. Isto implica esta dimensão deque este quadro subjuga. Depois de sua existência, ele é a base, o fundamento, de todasorte de debates. Esta subjugação tem uma grande relação com o que chamo subversão,justamente, do sujeito.” (Lacan, 1965-66, p.295).

espaço que se constitui entre o sujeito e a tela, é uma questão que convocaà reflexão.

O quadro As meninas de Diego Velázquez pode ser tomado como umenigma que acaba por produzir inúmeras versões a respeito das imagensque o compõem. Desde o célebre capítulo do livro As Palavras e as Coisasde Michel Foucault podemos inaugurar uma travessia por estas constru-ções.

Michel Foucault realiza uma brilhante análise das configurações des-ta tela, pintada por Velázquez em 1656, na Espanha. Ao nos confrontarmoscom a imagem do artista pintando diante de uma tela ao revés, junto à infantaMargarida, suas damas de companhia e os anões da corte, encontramosseus olhos voltados para fora da tela, para o espectador. Velázquez se colo-ca em uma posição que instala a pergunta acerca do lugar do pintor, da obrade arte, dos modelos, das luzes, das visibilidades e invisibilidades.

No final de seu estudo, Foucault refere-se à elisão do sujeito: “Talvezeste quadro de Velázquez figure como que a representação da representa-ção clássica e a definição do espaço que ela abre. Ela intenta, com efeito,representar-se a si mesma com todos os seus elementos, com as suasimagens, os olhares a que se oferece, os rostos que torna visíveis, os gestosque a fazem nascer. Mas aí, nessa dispersão que ela ao mesmo temporecolhe e exibe, é imperiosamente indicado em todas as partes um vazioessencial: a desaparição necessária daquilo que a funda – daquele a que elase assemelha e daquele aos olhos do qual ela não passa de semelhança.Este sujeito mesmo – que é o Mesmo – foi elidido. E liberta, finalmente,dessa relação que a acorrentava, a representação pode oferecer-se comopura representação.” (Foucault; 1966; p.33)3 .

3 É interessante apontar que o sujeito, na psicanálise, encontra-se em uma posição de ex-sistência, mantendo-se fora da dimensão biológica e racional. Roland Chemama escreveque o sujeito não é o eu freudiano, nem o eu da gramática. É “Efeito da linguagem, não é umelemento dela: ele “ex-siste” (mantém-se fora), ao preço de uma perda”. (Chemama;1995;p.208) A elisão é considerada um mecanismo de defesa próprio dos sinais perceptivos, quecessam de operar. Ver referências em Rumo à Palavra, onde Marie Christine Laznik Penotescreve sobre o autismo.

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SEÇÃO DEBATES

A tela da televisão, a tela do videogame, a tela do computador, sãojanelas contemporâneas que marcam a relação do sujeito com o mundo,desde que este inaugura seu processo de constituição. As crianças peque-nas e mesmo os bebês já são colocados diante do desfile de imagens que osocial é pródigo em operar.

As configurações do brincar contemporâneo apontam para a direçãode uma reflexão sobre a posição das crianças diante destas janelas que vãopara mais além de seus olhos, onde seu corpo fica paradoxalmente sobrein-vestido no olhar, no campo da pulsão escópica.

As crianças dirigem seu olhar à tela para nela navegar como especta-doras e, ao mesmo tempo, entre estes dois pontos, entre o olhar e a tela,opera-se uma posição própria do devaneio, uma posição de flâneur9 virtual.Esquecer para lembrar, não deter-se em demasia, estar atentos a pequenosdetalhes, minúsculos detalhes, enigmas por resolver, em uma posição deespectador, são alguns dos caminhos traçados nestas travessias.

As crianças, em meio ao gineceu de Velázquez, encontram-se emuma dimensão que aponta para aquele que olha, para o espectador. Hoje, sefazemos uma contraposição à cena pintada no quadro, as crianças encon-tram a tela no lugar do espelho, como afirma Lacan, neste seminário. Lacan,enunciando in concetto que, no lugar do espelho, que reflete a imagem docasal real, encontra-se a tela da televisão, como apontamos anteriormente,revela que ali há uma convocação aos psicanalistas, no sentido de refletiremacerca da posição do objeto da psicanálise. Acerca deste objeto que seencontra ali onde a imagem não é especularizável, ali onde há um resto,objeto a, olhar.

A tela As meninas revela, justamente, as vias que podem se constituira partir desta dimensão que é própria do desconhecimento e do enigma aque convoca o olhar. As inúmeras leituras, teses, teorias, escritos sobreesta obra apresentam várias versões. Lacan afirma que Velázquez pintava a

9 Ver Walter Benjamin, O Flâneur, em Charles Baudelaire, Um Lírico no Auge do Capitalis-mo, Obras Escolhidas III, SP, Ed. Brasiliense, 1994.

Neste seminário destaca-se, entre outras, uma passagem onde Lacanenuncia que, no lugar do espelho que reflete a imagem do casal real, encon-tra-se a tela da televisão. Refere-se a Velázquez como sendo um visionáriopor ter antecipado este lugar. Nesta passagem, afirma:

“Mas não os deixarei sem vos dizer, quanto a mim, isto que mesugere o fato que um pintor como Velázquez, isto que ele podeter de visionário. (...) Eu vos peço simplesmente de reportar-sea esta pintura sobre qualquer coisa que vale mais que isto quelhes mostrei, para ver como pode ser distante de todo realismo,e de outro modo, não há pintura realista mais visionária, segu-ramente. E olhando melhor isto que se passa ao fundo destacena, neste espelho onde estes personagens nos aparecemcintilantes e são seguramente distintos disto que chameifantasmático, mas verdadeiramente, brilhantes. Me parece aquique em oposição, em polarização a esta janela onde o pintornos enquadra como em espelho, ele nos faz surgir isto que,para nós, sem dúvida, não vem a não importa que lugar quantoa este que se passa para nós e das relações do sujeito aoobjeto a7, a tela de televisão.” (Lacan, 1965-1966, p.304)8.

Michel Foucault participa do seminário seguinte a esta análise. Lacanpropõe-se a trabalhar, a partir da geometria projetiva, com uma precisão que“pode nos permitir colocar no que podemos chamar a subjetividade da visão,de fazer a junção disto com o que aportei já há longo tempo sob o tema donarcisismo do espelho. O espelho é presente neste quadro sob uma formaenigmática, tão enigmática que humoristicamente, a última vez, pude termi-nar dizendo que depois de tudo, na falta de saber o que fazer com isto, nóspoderemos aí ver isto que aparece de uma forma surpreendente em efeito,qualquer coisa que se assemelha singularmente a nossa tela de televisão.Mas isto é evidentemente in concetto.” (1965 -1966, p.306).

7 O objeto a, para Lacan, é referido à falta. É em torno do que falta que o sujeito se constitui.8 Lição de 11 de maio de 1966.

MEIRA, A. M. As meninas, a tela...

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SEÇÃO DEBATES

CHEMAMA, Roland. Dicionário de Psicanálise Larousse. POA: Artes Médicas,1995.

DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos o que nos olha. SP: Ed. 34, 1998.FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas – Uma Arqueologia das ciências

humanas. SP: Martins Fontes, 1966.LACAN, J., O Estádio do Espelho como formador da função do [eu] tal qual nos é

revelada na experiência psicanalítica, Cadernos Lacan. POA: APPOA, 1996._____. L’Objet de la psychanalyse, Séminaire 1965-1966. Paris: Ed. de

l’Association Freudienne Internationale (documento de circulação interna daAssociação Freudiana Internacional).

cena de seu gineceu e não o casal real, como é oficialmente afirmado noMuseu do Prado, local onde encontra-se a tela e como supunha MichelFoucault. Entre jogos de espelhos Velásquez realiza uma obra que apontavisionariamente para o olhar do espectador. E aponta também para o lugardo analista, semblante, tela em branco, que convoca a falar, a realizar umtrabalho de elaboração ali onde há uma nova posição a inventar.

Podemos pensar nesta tela como sendo a colocação em jogo da sin-gularidade daquele que olha, onde a partir de sua fantasmática registrará asignificação do que nela encontra-se invisível. É a esta dimensão que Lacanrefere-se ao apontar que o pintor faz ver a tela10, ou seja, que ninguém passapor ela sem se deter e se deixar aprisionar por ela, tentando desvendar oenigma que propõe.

Neste ponto, a exposição das reflexões que se construíram a respeitodeste quadro revelam uma das vias a que Lacan aponta: a da dimensãopulsional, mais precisamente a escópica, do olhar que funda a exposiçãoque ele realiza sobre a tela.

Esta dimensão do olhar, para além da janela dos olhos11, onde cintilaa imagem, é o ponto que devemos analisar ao investigarmos a posição dosujeito diante da imagem virtual.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BENJAMIN, Walter. O Flâneur. Em Charles Baudelaire, Um Lírico no Auge doCapitalismo, Obras Escolhidas III, SP, Ed. Brasiliense, 1994.

10 Sobre esta posição, Lacan escreve: “Ali não há metáfora, a metáfora aí entra com umcomponente real, esta presença de Velázquez em sua tela, sua figura que porta, de qual-quer sorte, o signo e o suporte que ele é, ao mesmo tempo como a compondo e comoelemento dela, aí está o ponto estrutural representado por onde nos é designado o que elepode estar sendo, por que via se pode fazer que apareça na própria tela, isto que a suportaenquanto sujeito que olha.” (Lacan,1965-1966, p.299).11 Sobre a janela e o objeto a, Lacan enuncia: “... a janela na relação do olhar com o mundovisto é sempre isto que é elidido, que nós podemos representar a função do objeto a, ajanela, quer dizer também a fenda das pálpebras, quer dizer também a entrada da pupila,quer dizer também isto que constitui este objeto o mais primitivo de tudo que é da visão, oquarto escuro.”(Lacan,1965-1966, p. 294)

MEIRA, A. M. As meninas, a tela...

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RESENHA RESENHA

grupal/institucional. Utilizando-se do referencial proposto por Sylvie LePoulichet, a autora serve-se da conceituação da operação de farmakon paracompreender o funcionamento toxicomaníaco. O farmakon teria uma duplafunção, tanto remédio quanto veneno, o que estabeleceria duas lógicas defuncionamento: a de suplemento e a de suplência. Na primeira, haveria umdesfalecimento do Outro; na segunda, a inscrição fálica ocorre e a toxicoma-nia aparece como uma prótese narcísica. Com isso, a autora propõe umaleitura dos três momentos de subjetivação – necessidade-demanda-desejo –com os três momentos lógicos propostos por Lacan: o instante de ver, otempo de compreender e o momento de concluir.

No artigo Contribuições para a clínica psicanalítica com adolescentesusuários de drogas e toxicômanos, Sandra D. Torossian propõe uma leituradas questões que se apresentam na operação adolescente com uma passa-gem ou uma ancoragem nas toxicomanias. Nele, a autora destaca a funçãopsíquica desempenhada pela droga no momento do après-coup da retomadado estágio do espelho, em que preencherá uma lacuna importante deixadapela inoperância simbólica. A autora enfatiza as diferentes posições transferen-ciais que o analista deve ocupar, nesses momentos da clínica com adolescen-tes onde o uso de drogas aparece problematizando uma série de questões.

A mulher toxicômana, de Sílvia S. Chagas, propõe uma relação entreas possíveis diferenças existentes nas questões entre as toxicomanias mas-culinas e as femininas. Para tanto, articula as diferentes representações dofeminino na nossa cultura, identificando pontos entre o lugar da mulher anti-ga com a mulher toxicômana.

Já no artigo A escrita como processo de subjetivação no tratamentodas toxicomanias, Otávio A. W. Nunes articula uma reflexão sobre a produ-ção escrita de pacientes toxicômanos num atelier de escrita oferecido poruma instituição de tratamento. O autor parte do pressuposto de que a escri-ta, como realização da linguagem, pode produzir efeitos subjetivantes, quan-do articula um endereçamento ao Outro.

Na seção “Recordar, Repetir, Elaborar”, encontramos um precioso ar-tigo de Karl Abraham: As relações psicológicas entre a sexualidade e o

A DIREÇÃO DA CURA NASTOXICOMANIAS

Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre. Adireção da cura nas toxicomanias. N°24, Porto Alegre,APPOA, 2003. 157pp.

ARevista da APPOA de n°24 apresentadiferentes perspectivas sobre as toxico-manias, propostas instigantes, afinal a

tarefa é, como lembra o editorial, ‘espinhosa’.O artigo A toxicomania e os paradoxos

da liberdade, de Eduardo M. Ribeiro, discuteas modalidades de consumo de drogas com oideal social de liberdade. O autor propõe, as-sim, um questionamento sobre as diferentes formas que temos para lidarcom os ideais de liberdade promovidos pela humanidade, frente ao temor dedependência seja em relação ao Outro, como referência simbólica, seja emrelação aos outros, com quem estabelecemos trocas. As toxicomanias, nestesentido, poderiam ser uma resposta paradoxal.

No artigo Intoxicação e exclusão social, Walter F. O. Cruz abordaquestões presentes no que chama de práticas psi e a terapêutica dispensa-da aos dependentes químicos. Afirmando que é tanto no exterior, quanto nointerior delas, que nos confrontamos com uma dicotomização do sintomasocial, e por isso o fracasso dos tratamentos que operam com uma lógicanormalizadora. O autor tomou, nesta perspectiva, a questão da toxicomaniacomo modelo para articular os problemas que, no seu entendimento, estãointimamente ligados, como a exclusão social. Propondo, assim, o conceitode clínica ampliada, onde frente a novos impasses nos vemos obrigados apropor a construção de novos saberes.

Marta Conte, no seu artigo Necessidade – demanda – desejo: os tem-pos lógicos na direção do tratamento nas toxicomanias, centra-se sobre aclínica da toxicomania, tanto na sua vertente individual/familiar, quanto na

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RESENHA RESENHA

A CONSTRUÇÃO DASTOXICOMANIAS NA ADOLESCÊNCIA:

TRAVESSIAS E ANCORAGENS

TOROSSIAN, Sandra Djambolakdjian. A construção dastoxicomanias na adolescência: travessias e ancoragens.Santa Cruz do Sul, EDUNISC, 2002. pp.160

Aconstrução das toxicomanias na adoles-cência: travessias e ancoragens, deSandra D. Torossian é outra publicação

indicada para o momento de preparação da nos-sa Jornada Clínica. Sabemos que é na adoles-cência que aparecem ou que se evidenciammuitas das questões relativas às toxicomanias. Sejam elas momentos deancoragem ou de travessias.

O livro, resultado da sua tese de doutorado, nasceu das interrogaçõesque a escuta de adolescentes no seu consultório ou numa instituição lheprovocaram. O que se entrecruzava eram adolescentes que falavam das dro-gas como seu sofrimento principal e outros que buscavam tratamento emfunção do uso de drogas, mas onde isso não organizava seus discursos; deoutro lado, apareciam as questões próprias da operação adolescente, comoa problemática da identificação e o teste da eficácia paterna. Assim, a per-gunta que orientou o trabalho foi: como se constróem as toxicomanias naadolescência?

O percurso teórico traçado pela autora referenciou-se na obra de S.Freud e de J. Lacan, passando por outros psicanalistas que a auxiliaram aentender tanto a toxicomania quanto a adolescência.

As articulações conceituais possibilitaram a consolidação de uma tra-balho que responde a uma importante lacuna existente no campo psicanalí-tico. Encontramos produções relevantes no campo das toxicomanias e no

alcoolismo. Nele, Abraham afirma a existência de uma forte representaçãode conteúdos sexuais dentro das manifestações patológicas dos alcoolistas.

Patrick Petit, psicanalista francês, foi o entrevistado deste número.Nele, responde a algumas questões sobre os problemas que enfrentamoscotidianamente na clínica da toxicomania de maneira clara e precisa, contri-buindo, assim, com uma proposta de teorização pertinente ao tema.

Clarice S. Roberto, em Redução de danos: conseqüências na clínicaanalítica articula um dos mais promissores conceitos dentro da perspectivada saúde pública que é o de Redução de Danos. Nesta perspectiva da Redu-ção de Danos, o argumento principal, e ponto de aproximação com a éticada Psicanálise, é o respeito pelo sujeito em sua singularidade.

Mariane M. Stolzmann interroga, no seu artigo, A internação compul-sória ou a compulsão à internação?, os problemas decorrentes deste tipo deintervenção com adolescentes usuários de drogas. Ressalta as implicaçõessubjetivas ocorridas nestes casos, às vezes, como um recurso necessárioe, em outros, muito questionável.

Adriana P. de Mello, em seu artigo, Não deu nada?, trabalha questõesrelativas a queixas que chegam no Juizado da Infância e da Juventude, ondeaparece nesta realidade diferentes atravessamentos entre a posição subjeti-va e a posição da Justiça.

Vemos que a Revista da APPOA apresenta uma série de questõesque não podemos desconsiderar quando se trabalha com as toxicomanias,pois, como certo, temos que o tema não tem uma única leitura, um únicoenfoque, uma única saída. Temos, sim, ainda, um longo caminho a trilhar e aconstruir a esse respeito.

Otávio Augusto Winck Nunes

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RESENHA RESENHA

muito específicas. Questões como demanda, transferência, abstinência, olugar do analista, enfim, a autora contempla uma série de questões funda-mentais e pouco encontradas em livros que versam sobre o assunto.

Boa leitura!

Otávio Augusto Winck Nunes

campo da adolescência, faltava, portanto, uma produção que unisse os te-mas de forma produtiva e original.

O livro preenche uma lacuna, também, no que diz respeito ao posicio-namento dos analistas frente às inúmeras questões que aparecem na clínicacom adolescentes que usam/abusam de drogas como remédio/veneno, ten-do como objetivo o aplacamento de suas angústias frente à vida.

No primeiro capítulo são expostos as questões que originaram a pesqui-sa, como vimos acima. A teorização de Sylvie Le Poulichet ofereceu os subsí-dios para a análise das toxicomanias. Já na adolescência, a autora seguiu aobra freudiana, chegando às formulações de Jean-Jacques Rassial que situa aadolescência como uma operação do après-coup do estádio do espelho.

No capítulo II, são trabalhados casos de adolescentes escutados pelaautora em que o uso de drogas aparecia como uma questão importante,porém não centralizadora, articulando muito corretamente prática e teoria.

No capítulo III, as reflexões produzidas seguem pela via da construçãodas toxicomanias através da leitura de textos escritos por sujeitos interna-dos numa instituição voltada ao tratamento de toxicômanos.

No capítulo IV, os casos trabalhados são retomados com o objetivo deanalisar o retorno do Outro na operação adolescente. Afinal, qual o lugar doOutro na adolescência; qual a sua importância para a construção das toxico-manias, e como elas podem se diferenciar pela maneira como o sujeito temde se reportar ao Outro?

No capítulo final, Sandra Torossian, discute de maneira mais amplasuas elaborações, ressituando todo seu trabalho e a construção de seuscasos clínicos. Retoma as principais idéias teóricas trabalhadas e desenvol-vidas ao longo do livro, produzindo afirmações e contribuições importantespara quem se ocupa dessa clínica.

A toxicomania não é situada como uma estrutura, podendo-se enten-der que ela faz uma montagem que produz especificidades no transcorrer deuma análise, o que exige do analista uma mobilidade e uma disponibilidade

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06, 13,20 e 27070909 e 2310 e 2403 e 1713 e 2723

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N° 118 – ANO XIN° 118 – ANO XI OUTUBRO OUTUBRO – 200– 200 33

TOXICOMANIASTOXICOMANIASE OUTRAS ADIÇÕESE OUTRAS ADIÇÕES

S U M Á R I O

EDITORIAL 1

NOTÍCIAS 4

SEÇÃO TEMÁTICA 12AS CONTRIBUIÇÕES DA TEORIAAS CONTRIBUIÇÕES DA TEORIAPSICANALÍTICA PARA OPSICANALÍTICA PARA OENTENDIMENTO DASENTENDIMENTO DASTOXICOMANIASTOXICOMANIASSandra DjambolakdjianSandra DjambolakdjianTorossianTorossian 1313FREUD E A TOXICOMANIAFREUD E A TOXICOMANIAMarta ConteMarta Conte 2020O DISPOSITIVO DE GRUPO COMOO DISPOSITIVO DE GRUPO COMOPOSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃOPOSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃONA CLÍNICA DAS TOXICOMANIASNA CLÍNICA DAS TOXICOMANIASVindicas Vindicas – Grupo de trabalho eGrupo de trabalho eestudo das manifestaçõesestudo das manifestaçõessociais contemporâneassociais contemporâneas 2626O JOGO DO GOZOO JOGO DO GOZOLigia Gomes VíctoraLigia Gomes Víctora 3333SEÇÃO DEBATES 41AS MENINASAS MENINAS , A TELA, A TELAE O ESPELHOE O ESPELHOAna Marta MeiraAna Marta Meira 4141

RESENHA 48“A DIREÇÃO DA CURA NAS“A DIREÇÃO DA CURA NASTOXICOMANIAS”TOXICOMANIAS”“A CONSTRUÇÃO“A CONSTRUÇÃO 4848DAS TOXICOMANIAS NADAS TOXICOMANIAS NAADOLESCÊNCIA: TRAVESSIAS EADOLESCÊNCIA: TRAVESSIAS EANCORAGENS”ANCORAGENS” 5151AGENDA 54