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1 PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM: DIFICULDADES OU TRANSTORNOS? As novas contribuições científicas. Ana Lúcia Toledo Fischer da Silva 1 Maria Lidia Sica Szymanski 2 “Se uma criança não pode aprender da maneira como é ensinada, é melhor ensiná-la da maneira que ela pode aprender”. Marion Welchmann RESUMO: A partir das novas pesquisas científicas sobre o funcionamento do cérebro, possibilita-se melhor compreensão do processo de aprendizagem, que ocorre por caminhos diferentes individualmente. Estes conhecimentos geram possibilidades no processo ensino-aprendizagem para obter condições de trabalho pedagógico mais eficiente. Assim esta pesquisa objetivou refletir sobre os problemas na aprendizagem, desafio escolar constante. Identificar e atuar na prevenção das dificuldades e transtornos, precocemente, pode evitar defasagens e conseqüentemente baixa auto-estima, que conduz à falta de motivação, ao fracasso e à indisciplina. A pesquisa de campo envolveu 34 entrevistas, com Pedagogos, professores das salas regulares de Língua Portuguesa e das Salas de Apoio. Observou-se que as Salas de Apoio funcionam com muitas semelhanças em várias escolas, apesar de realidades diferentes. Constataram-se como pontos principais: o número reduzido de alunos, perfil do professor e seu vínculo com o aluno, trabalho com a auto-estima e afetividade, oportunidade de aprendizado com atividades diferenciadas, concretas e lúdicas. Cem por cento dos pesquisados entendem que esta sala contribui para diminuir a reprovação e evasão escolar. É importante refletir que o resultado deste trabalho não se mede apenas em índice de alunos aprovados, pois alunos com muitas defasagens acumuladas nem sempre conseguem superá-las em alguns meses, mas diminuem suas desvantagens, tendo maior oportunidade de desenvolvimento. A análise deste progresso, observando apenas notas e aprovação, não é suficientemente clara, pois não demonstra adequadamente a realidade desse processo, podendo equivocadamente levar a definição de que o aluno não aprendeu ou que a Sala de Apoio não cumpriu sua função. ABSTRACT: After reading the new scientific researches about the brain functions, it’s possible to have a better understanding about the learning process. It occurs by individual means. This knowledge creates possibilities in the teaching-learning process to get a more efficient pedagogical work. So, this research intends to reflect about learning problems, a permanent school challenge. Identifying and working in order to prevent difficulties and disabilities as soon as possible can avoid a delay in learning and low self- steam, which can lead to a lack of motivation, failure and behavioral problems. The research involved 34 interviews with pedagogical workers, regular class teachers and tutors. It showed that tutors in special classes work the same way in many schools, although they have different realities. They have in common a few numbers of students in class and work the same way to create a connection with the students, developing their self-image and affection, giving them opportunities to learn with different activities. A hundred percent of the interviewed people understand that this kind of work contributes to reduce failures and drop outs. It’s important to realize that not always the results of this kind of work can be measured by numbers of students that achieve the promotion to the next level, because it’s difficult for these students to overthrow their disabilities in a few months. In this period of time, they surely have improvements, increasing their opportunities of developing their skills. The analysis of their progress, just by observing their grades and approval is not enough clear, because it can’t demonstrate the reality of this process. This can cause a subjective notion that the students haven’t developed enough or that the tutors haven’t achieved their goals. Palavras-chave: Dificuldades de aprendizagem. Transtornos. Afetividade. 1 Pedagoga, Especialista em Ensino Especial / UNIVALE; Psicopedagogia / ESAP; Didática – Fundamentos Didáticos da Prática Pedagógica / Faculdade de Educação São Luiz. Professora da rede pública estadual – NRE/Cascavel/Paraná. Professora do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE/SEED/SETI/IES – PR; 2 Profª. Orientadora - Mestre e Doutora em Psicologia pela USP e Pós-Doutora em Psicologia, Desenvolvimento Humano e Educação pela FE-UNICAMP.

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PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM: DIFICULDADES OU

TRANSTORNOS? As novas contribuições científicas.

Ana Lúcia Toledo Fischer da Silva1

Maria Lidia Sica Szymanski2

“Se uma criança não pode aprender da maneira como é ensinada, é melhor ensiná-la da maneira que ela pode aprender”. Marion Welchmann

RESUMO: A partir das novas pesquisas científicas sobre o funcionamento do cérebro, possibilita-se melhor compreensão do processo de aprendizagem, que ocorre por caminhos diferentes individualmente. Estes conhecimentos geram possibilidades no processo ensino-aprendizagem para obter condições de trabalho pedagógico mais eficiente. Assim esta pesquisa objetivou refletir sobre os problemas na aprendizagem, desafio escolar constante. Identificar e atuar na prevenção das dificuldades e transtornos, precocemente, pode evitar defasagens e conseqüentemente baixa auto-estima, que conduz à falta de motivação, ao fracasso e à indisciplina. A pesquisa de campo envolveu 34 entrevistas, com Pedagogos, professores das salas regulares de Língua Portuguesa e das Salas de Apoio. Observou-se que as Salas de Apoio funcionam com muitas semelhanças em várias escolas, apesar de realidades diferentes. Constataram-se como pontos principais: o número reduzido de alunos, perfil do professor e seu vínculo com o aluno, trabalho com a auto-estima e afetividade, oportunidade de aprendizado com atividades diferenciadas, concretas e lúdicas. Cem por cento dos pesquisados entendem que esta sala contribui para diminuir a reprovação e evasão escolar. É importante refletir que o resultado deste trabalho não se mede apenas em índice de alunos aprovados, pois alunos com muitas defasagens acumuladas nem sempre conseguem superá-las em alguns meses, mas diminuem suas desvantagens, tendo maior oportunidade de desenvolvimento. A análise deste progresso, observando apenas notas e aprovação, não é suficientemente clara, pois não demonstra adequadamente a realidade desse processo, podendo equivocadamente levar a definição de que o aluno não aprendeu ou que a Sala de Apoio não cumpriu sua função. ABSTRACT: After reading the new scientific researches about the brain functions, it’s possible to have a better understanding about the learning process. It occurs by individual means. This knowledge creates possibilities in the teaching-learning process to get a more efficient pedagogical work. So, this research intends to reflect about learning problems, a permanent school challenge. Identifying and working in order to prevent difficulties and disabilities as soon as possible can avoid a delay in learning and low self-steam, which can lead to a lack of motivation, failure and behavioral problems. The research involved 34 interviews with pedagogical workers, regular class teachers and tutors. It showed that tutors in special classes work the same way in many schools, although they have different realities. They have in common a few numbers of students in class and work the same way to create a connection with the students, developing their self-image and affection, giving them opportunities to learn with different activities. A hundred percent of the interviewed people understand that this kind of work contributes to reduce failures and drop outs. It’s important to realize that not always the results of this kind of work can be measured by numbers of students that achieve the promotion to the next level, because it’s difficult for these students to overthrow their disabilities in a few months. In this period of time, they surely have improvements, increasing their opportunities of developing their skills. The analysis of their progress, just by observing their grades and approval is not enough clear, because it can’t demonstrate the reality of this process. This can cause a subjective notion that the students haven’t developed enough or that the tutors haven’t achieved their goals.

Palavras-chave: Dificuldades de aprendizagem. Transtornos. Afetividade. 1 Pedagoga, Especialista em Ensino Especial / UNIVALE; Psicopedagogia / ESAP; Didática –

Fundamentos Didáticos da Prática Pedagógica / Faculdade de Educação São Luiz. Professora da rede pública estadual – NRE/Cascavel/Paraná. Professora do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE/SEED/SETI/IES – PR;

2 Profª. Orientadora - Mestre e Doutora em Psicologia pela USP e Pós-Doutora em Psicologia, Desenvolvimento Humano e Educação pela FE-UNICAMP.

2

Aprendizagem é um processo complexo e dinâmico, que envolve caminhos e

tempos individuais e se manifesta em conhecimento, acarretando direta ou

indiretamente alguma mudança, que deve ser relativamente duradoura, utilizada em

favor do crescimento individual, resultando em modificações estruturais e funcionais do

Sistema Nervoso Central. Segundo Freire (1992, p.27)

Só aprende verdadeiramente aquele que se apropria do aprendido, transformando-o

em apreendido, com o que pode, por isso mesmo, reinventá-lo, aquele que é capaz de aplicar o aprendido-apreendido a situações existenciais concretas.

Existem vários fatores fundamentais para que a aprendizagem se efetive, como

Drouet (2006) confirma, seja qual for a teoria de aprendizagem considerada, entre eles:

motivação, prévio domínio, inteligência, concentração memória e maturação. Quanto a

esta última, seria errôneo apoiar-se para avaliação unicamente no critério cronológico,

pois a idade mental deveria prevalecer, principalmente para o ingresso nas classes de

alfabetização. Observam-se em muitos casos de problemas de aprendizagem, uma

imaturidade em uma ou várias áreas, cuja superação exige a maturação do sistema

nervoso central e de seus neurônios.

A reflexão sobre problemas de aprendizagem alerta para o fato de que, sem

dúvida, é no Sistema Nervoso Central (SNC) que ocorrem as modificações,

dependendo das tendências genéticas (intrínsecas) associadas às experiências

propiciadas no ambiente (extrínseco). O substrato orgânico é a base do

desenvolvimento cognitivo, mas é fortemente influenciado pelo contexto social no qual

o sujeito interage.

Andrade e Bueno (2006), entre muitos outros pesquisadores, relatam as

modificações resultantes da aprendizagem através de neuroroimagens, indicando

diferentes interações de processos em várias áreas cerebrais, entre escolarizados e

analfabetos, e entre pouco escolarizados e muito escolarizados. Constatam a influência

de certas aprendizagens na infância, em relação a modificações e funcionalidades do

cérebro do indivíduo adulto, quanto à sua arquitetura cerebral.

Apesar de ainda se encontrar utilizadas de forma aleatória em muitas pesquisas

e autores, as denominações: dificuldades, distúrbios ou transtornos de aprendizagem,

atualmente há certo consenso acerca dos critérios relativos a esses termos (JOSÉ e

COELHO, 2006; NUTTI, 2002; SISTO, 2001; RELVAS, 2007, etc.).

Os termos Transtorno de aprendizagem e Distúrbio têm o mesmo

significado. Entretanto atualmente tem prevalecido a expressão Transtorno, usada na

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situação em que existe um comprometimento neurológico, ou seja, nos sistemas

biológicos cerebrais, sendo uma constante na vida do aluno. Há, portanto, alguma

disfunção, porém sem nenhuma deficiência mental, não comprometendo a inteligência

ou a capacidade cognitiva. Aliás, uma pessoa com deficiência mental, não é

diagnosticada com transtorno de aprendizagem, pois sua dificuldade vai ser causada

pelo rebaixamento intelectual. As alterações dos transtornos de aprendizagem,

manifestadas por dificuldades significativas na aquisição e uso de alguma habilidade

específica, são intrínsecas ao indivíduo e podem estar presentes com ou sem outras

condições desfavoráveis: social, emocional ou familiar. O termo então, é reservado

para dificuldades específicas, que envolvem disfunções do Sistema Nervoso Central

(SNC), porém em sua estrutura não há necessariamente de lesão.

A terminologia Transtorno de Aprendizagem, registrada no CID-10

(Classificação Internacional de Doenças) elaborado pela Organização Mundial da

Saúde, distingue o Transtorno das Habilidades Acadêmicas (cálculo aritmético, escrita

e leitura) dos demais tipos de transtornos.

É certo que os fatores biológicos contribuem com uma porcentagem inferior à

dos fatores sociológicos nos problemas de aprendizagem encontrados nas escolas,

porém a sua relevância é determinante (FONSECA, 1995, p.120). A pessoa com

transtorno de aprendizagem (transtornos das habilidades acadêmicas), em algum

momento e em alguma área cerebral, não organiza, armazena, transmite ou faz

conexões de informações de forma “normal”, apesar de intelectualmente normal.

As Dificuldades de Aprendizagem estão relacionadas a aspectos de ordem

psicopedagógica, sócio-cultural ou/e emocional-familiar pelos quais o aluno passa.

Assim, não estão ligadas aos sistemas biológicos, não envolvem um comprometimento

orgânico, embora interfiram nas possibilidades do aluno aprender, independentemente

de suas condições neurológicas satisfatórias.

Um cérebro com estrutura normal, com condições funcionais, com neuroquímicas corretas e com elenco genético adequado não significa 100% de garantia de aprendizagem normal; pelo contrário, há mais de um século, pesquisas têm mostrado que as situações extras SNC interferem na aprendizagem (RELVAS, 2007, p. 56).

Definir claramente os limites que separam dificuldades e transtornos não é

simples, os grupos de sintomas são muito heterogêneos e o mesmo sintoma pode ter

diferentes causas, tornando muito difícil demarcar fronteiras. Estas linhas são muito

tênues, pois não se diagnostica os transtornos através de um único ou de vários

exames, os quais apenas colaboram nestas avaliações. Apenas especialistas

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(psicopedagogo, neurologista, psicólogo, fonoaudiólogo, etc.), após minuciosa e

detalhada avaliação multiprofissional, podem avaliar e nomear os transtornos.

A avaliação, nesses casos, partirá de um levantamento minucioso do aluno em

vários aspectos (histórico individual e familiar, social, biológico e pedagógico) e deve

ocorrer durante certo tempo, não apenas em poucos minutos de uma única consulta.

Infelizmente o nosso sistema educacional ainda não tem a participação efetiva destes

profissionais.

Observa-se ainda que, apesar de muitos profissionais das áreas específicas

estarem preparados e se aprofundando nestas especificidades, ainda ocorrem

avaliações errôneas, superficiais ou ultrapassadas, atrapalhando o processo, ao invés

de cumprir com sua função de ajudar.

Muitos destes alunos possuem inteligência normal ou acima da média, porém

suas dificuldades em algumas áreas resultam em uma diferença entre seu potencial e

seu desempenho. Segundo Ianhez (2002, p.9), muitos acabam se afastando do

ambiente escolar por falta de atenção adequada e desconhecimento do porquê de seus

problemas, sujeitando-se a ocupar posições menores na escala social ou até na

marginalidade. Quantas habilidades extraordinárias em determinadas áreas são

desperdiçadas, significando individualmente e socialmente, menor capacidade

produtiva e talento.

É interessante apontar que, na análise dos fatores envolvidos na questão do fracasso escolar, poucos elementos são trazidos para pensarmos o ambiente escolar propriamente dito. Isso causa estranheza tendo em vista se tratar de um problema que ocorre dentro da escola e muitas vezes se restringe a ela, uma vez que essas crianças e esses adolescentes acabam tendo sucesso em outros contextos de suas vidas (MARTINELLI, 2006, p.44).

Assim, o aprender e não-aprender estão vinculados a várias causas que se

interligam e não devem ser desprezadas quando o educador quer compreender os

“porquês” de uma não aprendizagem e oferecer possibilidades para que o aluno possa

aprender. Sabe-se que os fatores como ambiente escolar, ambiente social, contexto

sócio-econômico, emocional e individual em que o aluno está inserido podem causar e

posteriormente reforçar as dificuldades para aprender. Como alertam Coelho e José

(2006, p.24),

Na verdade quando o ato de aprender se apresenta como problemático, é preciso uma avaliação muito mais abrangente e minuciosa. O professor não pode se esquecer de que o aluno é um ser social com cultura, linguagem e valores específicos aos quais ele deve estar sempre atento, inclusive para evitar que seus próprios valores não o impeçam de auxiliar o aluno em seu processo de aprender.

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Muitas descobertas neurocientíficas de avaliação do funcionamento cerebral

estão trazendo novos conhecimentos e/ou respostas para as questões da

aprendizagem. Principalmente a partir de 1990, as pesquisas em relação aos

problemas de aprendizagem, ganharam maior envolvimento de várias áreas como a

Psicologia e a Neurologia. Apresentando-se assim, com mais ênfase, a

Psicopedagogia, a Neurociências e a Neuropsicologia.

Nos processos da aprendizagem o cérebro usa rotas funcionais (caminho que

percorre a ativação ou participação de várias áreas no cérebro para ocorrer a

aprendizagem), a Neurociência tenta definir o local da falha na rota ou seu caminho

alternativo, para compreender melhor as funções envolvidas no processo de

aprendizagem.

É fato que diversas dificuldades de aprendizagem poderão ser resolvidas ou amenizadas quando os educadores tiverem seus olhares focalizados na promoção do desenvolvimento dos diversos estímulos neurais que se expõem de forma que se compreendam os processos e os princípios das estruturas do cérebro, conhecendo e identificando áreas funcionais, visando estabelecer rotas alternativas para aquisição da aprendizagem. (RELVAS, 2007, p.34)

É muito importante que os professores apropriem-se dos conhecimentos que

vêm sendo produzidos na área da Neurociência, que poderão esclarecer alguns

aspectos do processo de aprendizagem, podendo acarretar assim, avanços

significativos, colaborando no processo efetivo de democratização do ensino.

A AFETIVIDADE NO PROCESSO PEDAGÓGICO

Compreende-se que estudar não é fácil, é necessário apropriar-se de

conhecimentos científicos, é preciso em quase todos os momentos muito esforço e

vontade. Estudar dá trabalho, mas pode ser prazeroso. Uma tarefa é prazerosa quando

pode ser desenvolvida com certa liberdade, possibilitando a criatividade, a

experimentação, o pensar. Segundo Szymanski e Pereira Jr. (2006, p.34) “quando o

conhecimento é apresentado ao aprendiz como uma provocação ao pensamento, no

sentido de melhor explicar o mundo, permite-lhe vivenciar tal prazer de forma

consistente o que promove a instalação do desejo de aprender”.

Faz-se necessário lembrar da importância dos vínculos afetivos estabelecidos

com a aprendizagem, pois um aluno pode esquecer-se de várias lições que aprendeu

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com alguns professores, mas vai lembrar-se da atitude docente em relações a ele, e

sua postura em relação ao professor. Afetividade não é necessariamente sinônimo de

afeto, emoção, amor, é mais ameno, pode ser prazer em se relacionar.

O professor, através de elos de afetividade, favorece uma troca entre ele e os alunos, ou seja, vivencia um processo de conquista para despertar o interesse do corpo discente, acontecendo o processo ensino-aprendizagem. Ele precisa da confiança dos alunos, pois na ausência dessa relação afetiva, o sucesso de educar será incompleto, com lacunas; sem o envolvimento deles, não ocorrerá nenhuma aprendizagem significativa (SOUZA, 2004, p.270).

Afeto e cognição se constroem em sintonia. Kupfer (1990, p.88) analisando o

processo de construção do desejo de saber, a partir de uma visão psicanalítica, aponta

para a importância de estarmos atentos para o fato de que “afeto e cognição

necessariamente se tecem juntos”. Vigotski (1998, p.9) também observa que o afetivo e

o intelectual se unem em um sistema dinâmico de significados.

A afetividade constitui-se, sem dúvida, num ponto extremamente importante no

processo pedagógico. Fante (2005, p.68) reforça que os professores são habilitados

somente quanto ao conteúdo das disciplinas, não sendo valorizada a necessidade de

lidar com afeto e acredita que deveriam ser preparados para lidar com a emoção dos

alunos. A emoção determina o envolvimento e como conseqüência a qualidade dos

registros e experiências vividas, afetando a memória e a capacidade de aprendizado. A

dificuldade de relacionamento em sala de aula e suas conseqüências afetivas podem

acarretar vários problemas no aprender.

AUTO-ESTIMA

Proporção existente entre emoção, prazer e aprendizagem, “a emoção está para o prazer, assim como o prazer está para o aprendizado, e a auto-estima é a ferramenta que movimenta os estímulos para gerar bons resultados”. (RELVAS, 2007, p. 123).

Os conceitos de si mesmos, governam as vidas e influenciam de forma muito

presente como se molda o futuro, de forma favorável ou desfavorável. A auto-estima

está relacionada com o valor que a pessoa atribui a si própria e relaciona-se com o

autoconceito, o qual é organizado pela própria pessoa na interação social. É muito

importante observar-se que estas informações podem ter valor real ou irreal, e irão

construindo a identidade pessoal com trocas afetivas e de reforço.

Com certeza pais e educadores, quando fazem certos tipos de comentários

têm intenção positiva, mas o efeito destas atitudes não é o que eles desejam, pois às

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vezes transformam os erros em fracassos pessoais, sendo que os erros podem ser

corrigidos e os fracassos atingem diretamente a identidade e a auto-estima.

As vivências do processo acadêmico podem ser percebidas de forma positiva

ou negativa. Se o aluno executa a tarefa proposta sente-se capaz, se não há a

instalação do sentimento de incapacidade marcada pelo senso de inferioridade e

fracasso. O "segredo" para trabalhar com a auto-estima é através de desafios que o

aluno consiga superar, para ir assimilando que é capaz. Com este estímulo,

acontecendo por várias vezes, ele vai reformulando seu autoconceito e sentindo-se

seguro de sua capacidade para fazer algo. O desafio deve ser equilibrado, nem muito

fácil que não "desestruture" suas capacidades, ainda que a desestruturação seja

necessária para aprendizagem e assimilação, nem muito difícil que reforce seu

sentimento de incapacidade. Este é o caminho para romper com o ciclo da baixa auto-

estima.

Infelizmente o ciclo mais difícil a se romper é o dos “alunos problemas”, o que é

motivo de preocupações constantes nas escolas. Estes alunos, muitas vezes com

histórias de rejeição e/ou vítimas de agressividade, desenvolvem um autoconceito

negativo, de baixa auto-estima, formando em muitos casos, uma resistente muralha de

proteção, onde demonstram “não se importar nem precisar de nada”, pois já estão

imunes aos discursos dos educadores. E este problema com certeza é mais comum

nos meninos do que nas meninas, elas muitas vezes sucumbem, se fecham, eles lidam

diferente com a rejeição se revoltando, retribuem e sabem que todos querem “vê-los

pelas costas”, sabem que incomodam mas continuam, é uma morte psicológica e social

lenta.

Muitas vezes a competição é usada para estimular a auto-estima

equivocadamente. Não que ela não faça parte da vida nem que não seja permitida em

algum momento, mas usar a competição apenas porque a sociedade a faz? Sociedade

esta que exalta a rivalidade e o vencedor sobre o vencido. Usar desta estratégia sem

muita consciência, apenas servirá para reproduzir e reforçar esta sociedade excludente

e discriminatória, ainda que muito criticada. Os mecanismos competitivos, alimentados

pela escola, segregam grande “fatia” de crianças (FONSECA, 1995, p.100), procurando

selecioná-las.

A competição e seleção escolar entre os desiguais nada ou pouco irá ajudar na

superação de dificuldades. Já se pode até prever, nestas ocasiões de competições,

quem irá ganhar. O resultado será pouco surpreendente na maioria dos casos, quando

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são observadas apenas notas ou comportamento. Aqueles que se destacam são

sempre os mesmos. A grande validade dos desafios deveria ser a superação individual,

o progresso do aluno em relação a ele mesmo, esta é a estratégia ideal para trabalhar

a auto-estima.

O DESAFIO DA ESCOLA

A principal função social da escola é levar o aluno ao aprendizado da leitura,

escrita, raciocínio matemático, conhecimento científico e histórico. Porém não se pode

esquecer que é preciso despertar o raciocínio crítico e criativo e o desejo de saber do

aluno, desenvolvendo suas habilidades e respeitando suas diferenças, o que se torna

cada vez mais complexo para os educadores.

Fonseca (1995, p.83) relata estudos que apontam 25% de alunos com

dificuldades de aprendizagem, 5% com transtornos, 25% de alunos com história de

insucesso escolar, 20% com necessidades especiais e 25% sem nenhuma história de

insucesso, seriam os chamados “normais”. Martinelli (2006, p.43) relata que pelo

menos 40% dos alunos do Ensino Fundamental, sem contar com os alunos com

deficiências, estão em situação de problemas e/ou atraso escolar. Mesmo relevando as

diferenças que se pode notar numa pesquisa, em relação a grupos sociais ou

localidades, esses dados instigam uma reflexão nas escolas: será que estes alunos

“normais” realmente são a normalidade (o mais comum) dentro de uma escola? Então

para quem essa escola está preparada?

Cobra-se dos alunos uma “normalidade” que não existe, e se o aluno não se

enquadrar no esperado para o normal, muitas vezes o sistema escolar o exclui, direta

ou indiretamente, reforçando a exclusão social e cultural que a sociedade vai lhe impor

e mesmo que ele não saiba, já lhe impõe. Apenas uma pequena porcentagem dos

alunos não tem nenhuma dificuldade no tipo de aprendizagem que é exigida na escola.

Saviani (1991) relata que o entendimento que se tem da relação entre

sociedade e educação está por trás dos problemas de aprendizagem.

É preciso pensar que a criança ou adolescente com problemas de aprendizado,

quer de causa orgânica, psíquica ou social carrega e revela uma responsabilidade que

não lhe pertence. O aluno desfavorecido física, neurológica, emocional, psicológica,

cultural, social, ou economicamente, não tem ferramentas pessoais necessárias para

trabalhar com algumas aprendizagens, é preciso oportunizá-las. Observa-se grande

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porcentagem de alunos que não têm a quantidade e qualidade de experiências

sensórias, perceptivas, motoras, culturais, lingüísticas, afetivas, que seriam condições

essenciais para um bom desenvolvimento cognitivo e emocional, e estas desvantagens

só tendem a aumentar, muitas vezes acompanham estes alunos desde os primeiros

anos escolares. Esse processo gera um “déficit cumulativo” (FONSECA, 1995) e um

estigma de implicações psicosociais muito sérias.

Estes alunos são também desfavorecidos pedagogicamente, o que é no

mínimo, muito injusto. A escola necessita igualar condições de oportunidades, não

significa diminuir qualidade ou competência para o ensino, tampouco abaixar mais seu

nível esquecendo-se dos alunos que progridem facilmente, sem dificuldades. Significa

pensar em oportunidades para todos, romper ciclos que só reforçam as diferenças,

tentar compensar a discrepância em vez de legitimar as diferenças com métodos

seletivos.

Quantas das práticas pedagógicas vêm se repetindo há décadas ou séculos?

Vive-se um despreparo, em alguns momentos, por parte também do sistema de ensino,

que trata os desiguais como iguais na questão da aprendizagem, normalmente

contribuindo para o fracasso.

Para Passos (1996, p.117) “Os modelos disciplinares que nossas instituições

insistem em adotar, impulsionam focos de resistência e de luta que sugerem caminhos

de possibilidades, e que podem se tornar visíveis quando se estuda o cotidiano

escolar”. Os próprios alunos vão impondo à escola a necessidade de mudança.

Há algumas décadas, a escola era freqüentada por alguns grupos de alunos,

não eram todas as crianças e adolescentes da região que estudavam. Destes alunos

que iniciavam, muitos paravam de estudar por que eram declarados como “inaptos”

para a aprendizagem pela instituição escolar, e “não davam para isso”, segundo a

família, ou seja, apresentavam problemas no processo de aprendizagem. Hoje, os

sistemas democratizaram o ensino, mas isso não foi sinônimo de democratização

social e cultural, e se a democratização do saber pela escola é difícil, a social e cultural,

parece ainda impossível.

Não há preparo para a diversidade na escola, para a explosão de tecnologia

que traz informações rápidas e diferentes pelas quais os alunos são bombardeados

diariamente. Conseqüentemente, em sala de aula observam-se mais dificuldades e

desinteresse. Os pensamentos e interesses dos jovens mudaram, é preciso descobrir

meios para lidar com esta nova realidade.

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Szymanski e Pereira Jr. (2006, p.121) referem-se ao fato de que, com a

obrigatoriedade no ensino, houve aumento do número de alunos e professores,

resultando em problemas aos docentes, que além de, na época, não possuírem

formação adequada, tiveram que lidar com a diversidade de crianças em sala de aula.

Desta forma, os profissionais da educação também carecem de atendimento

psicopedagógico. Não adianta diagnosticar um caso e encaminhá-lo ao professor que

não recebeu orientação sobre como deve agir ou não possui as condições de apoio

necessárias para que seu trabalho se realize com qualidade.

Dificuldades em vários sentidos vêm-se acumulando nas escolas, num ritmo

maior do que ela está conseguindo acompanhar. Reforçando este fato, Rocha (2002,

p.58) refere-se a diversas situações: alunos que não conseguem superar certas

dificuldades, não apenas porque a escola não se organiza de forma a atender suas

necessidades, mas também porque eles já não se sentem mais competentes para

aprender; professores que, submetidos às mais diversas condições de trabalho, já não

conseguem mais lutar contra sentimentos de impotência e desesperança, o que acaba

por expressar-se nas suas práticas, nas relações com seus alunos, dificultando a

construção de um trabalho coletivo e solidário.

Não se trata de procurar culpados para os problemas educacionais, há

tendência a culpabilizar os pais ou alunos, outras vezes os professores e os métodos.

Todos os envolvidos são parcialmente responsáveis: família, alunos, sociedade e

profissionais. Urge analisar as possibilidades de superação existentes, na busca da

garantia da aprendizagem.

Neste pensar em possibilidades, pode-se citar Gramsci (1978, p.47).

A possibilidade não é a realidade, mas é parte dela, uma realidade: que o homem possa ou não fazer determinada coisa, isso tem importância na valorização daquilo que realmente faz. Possibilidade quer dizer “liberdade”. Mas, a existências das condições ou possibilidades ou liberdade, ainda não é suficiente: é necessário conhecê-las, saber utilizá-las. Querer utilizá-las.

Esse querer utilizar as possibilidades pensadas é o ponto crucial para utilizá-las,

a partir das potencialidades existentes rompendo crenças limitadoras.

Os problemas de aprendizagem não podem ser vistos como “sem solução”, e

sim, como desafios que fazem parte do processo pedagógico. Porém, é cada vez maior

o consenso de que é necessário identificá-los e preveni-los o mais precocemente

possível, para evitar baixos níveis de auto-estima, que conduzem à falta de motivação

e conseqüentemente ao fracasso e à indisciplina. É importante observar que esta

11

“identificação” deve ser realizada com muito cuidado, pois há uma forte tendência a

reduzir qualquer dificuldade a transtorno.

Observando os problemas que ocorrem durante aprendizagem, ressalta-se

atenção para não cair no modelo organicista, achando que o problema é do SNC, com

enfoque apenas no biológico e que nada se pode fazer ou cair num simplismo perigoso

de ver unicamente os problemas como sociais, familiares e econômicos, numa

perspectiva ambientalista. É necessária a visão numa perspectiva dialética, pois não

podemos ficar em um dos extremos, as causas são múltiplas e diversas, e o

desenvolvimento não é conseqüência unicamente do contexto social nem unicamente

genético.

Não é difícil reconhecer o sofrimento de vários alunos com dificuldades, basta

ter um pouco de sensibilidade e observar. Alguns, depois de muito desânimo, parecem

que desistem de si mesmos. Alguns partem para atitudes como agressividade, falta de

segurança ou baixa auto-estima, sendo alvo fácil para provocações e apresentando

maior possibilidade de tornarem-se vítima de bullying.

Ainda encontram-se alunos (e muitos) que disfarçam suas dificuldades com

indisciplina ou recusa para trabalhar. A constante repetição de insucesso leva a defesa

e resistências e frente aos resultados, muitos se convencem que não aprendem e

desistem. Algumas características comuns nos alunos com problemas de aprendizado

são a instabilidade emocional, a vulnerabilidade de humor e temperamento. Alguns se

fecham e tentam passar despercebidamente, outros preferem (inconscientemente)

passar por indisciplinados, por “eu não quero fazer”, do que deixar que os outros

percebam suas dificuldades, o que ocorre proporcionalmente mais na adolescência e

com meninos. Sem recursos internos para trabalhar com a ameaça de exclusão do

processo ensino-aprendizagem, alguns alunos encontram maneiras de permanecer

ativos nesta relação, na maioria das vezes, apresentando problemas de

comportamento.

Para melhorar a aprendizagem, função da escola, segundo Fonseca (1995, p.

267) é necessário que se resolva o “caos interno”, onde os desequilíbrios emocionais

assumem papel de relevante importância nos processos psicológicos da

aprendizagem. Os problemas de aprendizagem afetam aspectos neurológicos, porque

na maioria dos casos subsiste um envolvimento cerebral, e comportamentais porque

concomitantemente está implícito um envolvimento psicoemocional. Assim, os

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distúrbios psicoemocionais, muitas vezes ampliados pelo insucesso na escola resvalam

para um desajuste social.

Ser considerado, ou sentir-se inadequado e incapaz no grupo em que vive é

difícil para o ser humano. Para uma criança ou adolescente em desenvolvimento pode

deixar lacunas muito tristes e nada saudáveis, pois o não saber é vivido, às vezes,

como fracasso e impotência, e não como desafio. E restaurar a confiança de quem se

sente incapaz é um processo demorado.

Todos têm habilidades em algumas áreas, mas ninguém é perfeito em todas.

Deve-se estar aberto para observar que todos aprendem, mas podem aprender de

forma diferente.

CONDIÇÕES BÁSICAS PARA APRENDIZAGEM

A fala, escrita e a leitura não são funções isoladas e autônomas, são

manifestações do sistema funcional de linguagem, que compreende basicamente três

sistemas verbais: auditivo, visual e escrito. O auditivo é o primeiro a ser adquirido, pois

exige menos maturidade neurológica. O mesmo não ocorre com a palavra lida e

escrita.

Nem todos que falam, conseguem ler e escrever. Shaywitz (2006, p.47) afirma

que para falar é apenas necessário ouvir a língua materna. Já a escrita é uma forma

superior de linguagem, é relacionar o signo verbal ao signo gráfico. A criança

primeiramente aprende a ler para depois escrever, e então, principalmente através da

leitura e da escrita, apropria-se dos demais conhecimentos.

A leitura, a escrita e a matemática (não apenas nas séries iniciais), dependem

de uma complexa integração dos processos neurológicos e uma harmoniosa evolução

de habilidades. Entre essas habilidades podem-se citar percepção, esquema corporal,

orientação espacial e temporal, motricidade, lateralidade, psicomotricidade,

coordenação visomotora, ritmo, análise e síntese visual e auditiva, habilidades visuais,

memória, memória cinestésica, linguagem oral, discriminação visual e, discriminação

auditiva.

O conjunto harmonioso destas habilidades deve ser estimulado desde muito

cedo e será imprescindível na educação infantil, por serem elementos básicos para o

aprendizado geral. Suas lacunas e desenvolvimento ineficiente podem deixar seqüelas

13

e dificuldades momentâneas ou permanentes, que acompanharão os alunos por toda

vida ocasionando dificuldades de aprendizado em várias áreas.

Nos problemas de aprendizagem, parecem ser comum dificuldades de

processamento, comunicação, interação, integração, informação, organização,

coordenação, sequencialização. Fonseca (1995) reforça e várias pesquisas

comprovam que algumas crianças ouvem bem, mas não escutam, vêem bem, mas não

captam, nem escrutinam alguns dados, movem-se bem, mas apresentam dificuldades

psicomotoras, de lateralização e direcionalidade. O autor ainda mostra uma pesquisa

que revela as diferenças percentuais de eficiência da motricidade, quer ela fina ou

global, em crianças “normais” e com problemas de aprendizado. As crianças sem

problemas de aprendizado apresentam resultados motores bem superiores em relação

às com problemas. Nas crianças que apresentam problemas de aprendizado,

independentemente de revelarem integridade física, mental e uma motricidade

funcional, ficou evidente um perfil bem mais vulnerável e neurofuncionalmente menos

estruturado, isso leva a pensar na maturidade motora e funcional, que está ligada às

aprendizagens (abstratas, lingüísticas, simbólicas, etc.).

A recomendação parece evidente em relação às dificuldades motoras, e

conseqüentemente a todas as outras também. A observação e o trabalho precoce, por

profissionais com conhecimento e experiência são essenciais para prevenir ou evitar

problemas muitos maiores com o passar do tempo e com as defasagens que com

certeza irão acumular-se. Por isso, é necessário o cuidado com séries iniciais,

desfazendo-se do preconceito de que para lidar com crianças não é necessária muita

especialização ou conhecimento aprofundado. Porém nunca se esquecendo que a

teoria é importante, mas de nada valerá sem a sensibilidade.

Historicamente, quanto mais novos os alunos a quem o professor se dedicava,

mais desprezo quanto à sua competência e menos valor à sua capacidade. Ainda

hoje, infelizmente, observam-se resquícios dessa atitude em muitas situações.

Comprovadamente sabe-se que quanto maior a experiência da pessoa que convive e

trabalha com a criança, melhor se possibilita seu processo de aprendizagem.

Andrade e Bueno (2006, p.154) reforçam que com esta maior possibilidade, as

funções superiores ou corticais tanto vão surgindo como se desenvolvendo, e sem este

aporte seu neurodesenvolvimento está comprometido. Muitas escolas de educação

infantil e primeiras séries se esforçam para alfabetizar e esquecem-se do

desenvolvimento psicomotor, essencial para o desenvolvimento da criança em muitas

14

áreas e para vários tipos de aprendizagens acadêmicas, habilidade esta que a

acompanhará por toda vida.

Talvez seja necessário, como escreve Freire (1994), ao matricular a criança,

que se matricule também seu corpo, para que ele não permaneça esquecido e apenas

silencioso dentro do processo de aprendizagem.

Lembrando ainda, que para desenvolvimento psicomotor e psicossocial, o jogo

é um instrumento pedagógico muito eficaz, é um tipo de linguagem, expressão e

comportamento que pode influenciar positivamente o aprendizado intelectual, apesar

de ser acusado de desocupação. Afirmação esta que parecer estar na contramão da

ciência, pois não há como separar subjetividade de emoção para construção do

conhecimento.

Constata-se ainda, que a Educação Infantil / Educação Fundamental 1º a 4º,

Educação Fundamental 5º a 8º / Ensino Médio e Ensino Superior, constituem-se,

geralmente, em momentos estanques. Essa fragmentação prejudica o conhecimento

sobre os problemas de aprendizagem, e o acompanhamento geral e individual, que

deveria ter uma continuidade, em respeito ao aluno e em comprometimento com a

aprendizagem. Para Shaywitz (2006, p.101),

Quando deixamos as crianças ficarem muito para trás em qualquer momento do ensino, passamos a adotar um modelo de intervenção que remedia em vez de prevenir. Quando as crianças ficam para trás no domínio da capacidade de leitura, serão necessárias intervenções intensas para levá-las de volta ao nível adequado de precisão de leitura - e a fluência na leitura pode ser até mais difícil de recuperar por causa da grande quantidade de prática de leitura que se perde a cada mês e a cada ano em que continuam a ler com dificuldade.

PRINCIPAIS PROBLEMAS NA APRENDIZAGEM

1 - NA MATEMÁTICA

As pessoas com problemas de aprendizado na matemática podem apresentar

dificuldades em uma ou várias áreas, como: no cálculo aritmético, na aprendizagem

mecânica, na memorização, na atenção, nos trabalhos escritos, na coordenação

motora e psicomotora, dificuldade viso-espacial e viso-perceptora, na habilidade de

orientação espacial, na habilidade com símbolos, na orientação temporal e na

habilidade de seqüenciação.

• Discalculia: O principal transtorno encontrado em relação às habilidades cálculo

matemáticas, é um transtorno de desenvolvimento estrutural da maturação das

15

habilidades matemáticas. Observa-se grande dificuldade (não incapacidade) em

muitas destas áreas: compreensão dos números, habilidade de contagem,

habilidades computacionais, solução de problemas escritos e verbais, visualização

objeto-fundo e de conjuntos, seqüenciação, princípios de medidas, conservação,

classificação, compreensão de sinais e estabelecimento de correspondências.

2- NA ESCRITA

Os problemas na escrita constituem-se em dificuldades significativas no

desenvolvimento de habilidades, como mostra Garcia (1998, p.191), produzindo

alterações relevantes no rendimento acadêmico ou nas atividades diárias. É comum

apresentarem-se alterações conjuntas (dois ou mais problemas) envolvendo leitura,

linguagem, matemática, coordenação e habilidade motora, organização ou

concentração, associadas às dificuldades na escrita. São mais freqüentes em pessoas

com problemas no desenvolvimento da fala.

• Disgrafia: É um transtorno que gera dificuldade em passar para a escrita o estímulo

visual da palavra. O aluno não consegue realizar no plano motor o que captou no

visual. Não tem comprometimento visual, nem motor, tampouco intelectual. Os

alunos dísgrafos mais velhos muitas vezes conseguem escrever legivelmente uma

palavra, mas distorcem a seqüência dos movimentos. Os principais erros:

apresentação desordenada de texto, dificuldades com margens e espaços entre

linhas e palavras, traçado de má qualidade, distorção de letras, movimentos

contrários ao da escrita convencional, dificuldade de alinhamento.

• Disortografia: Transtorno que acarreta incapacidade de escrever corretamente a

linguagem oral, trocas ortográficas e confusão de letra ou sílabas, sem diminuição

na qualidade do traçado da letra. Podem surgir dificuldades em recordar a

seqüência dos sons das palavras organizadas mentalmente.

3- NA LEITURA

Define-se pela presença de um déficit no desenvolvimento, reconhecimento e

compreensão de textos escritos (Garcia, 1998, p.173). De forma associada, pode

aparecer dificuldades na fala, na linguagem expressiva e no desenvolvimento da

escrita.

16

• Na leitura oral: a leitura oral abrange a visão e a audição. O aluno pode apresentar

problemas se um desses canais estiver recebendo informação distorcida. A

capacidade de discriminação auditiva e visual interfere no processo.

• Na compreensão da leitura: referem-se a problemas quanto à percepção do

significado do que está escrito ou sendo falado. É necessária a compreensão e

análise crítica de idéias explícitas e implícitas no texto.

• Dislexia: Este transtorno tem sido bastante estudado, alguns teóricos a definem

como transtorno da leitura e escrita. Dislexia é um distúrbios específico da

linguagem. Assim como outros transtornos de aprendizagem, acompanha a pessoa

por toda vida, apresentando-se de forma leve ou mais severa. Estima-se uma

incidência em torno 8% de pessoas. O problema central envolve reconhecimento e

codificação fonológica, a consciência fonêmica, que apesar de estar prejudicado na

dislexia, os componentes de nível superior permanecem intactos, como diz

Shaywitz (2006, p. 53):

As capacidades fonológicas não estão relacionadas à inteligência e, na verdade, são bastante independentes dela. Muitas crianças com inteligência superior desenvolvem a dislexia, enquanto crianças com níveis mais baixos lêem com relativa facilidade. As pessoas em geral ficam surpresas ao descobrir que é a consciência fonêmica, e não a inteligência, que indica a facilidade de leitura.

Muitos estudos (Fonseca, 1995, p.36) confirmam que algumas estruturas

cerebrais básicas e rotas de aprendizagem encontram-se alteradas nos disléxicos, sem

ocorrência de lesões, hemorragia ou traumas. Eles possuem uma desabilidade

fonêmica e as desabilidades normalmente aparecem numa atividade obrigatória, na

China, por exemplo, a dificuldade fonêmica não é a mais importante porque o sistema é

em símbolos de palavras, não de sons, lá é preciso ter habilidades de memória visual,

boa capacidade de abstração, pois fazem uso de inúmeros símbolos. No nosso caso, a

capacidade fonêmica fará toda diferença, pois o sistema alfabético é muito valorizado

socialmente.

A língua escrita é uma transição da linguagem oral. Podemos dizer que são na

verdade duas formas de linguagem, sendo que a linguagem escrita exige processos

educacionais específicos, que envolvem codificação e decodificação, requerendo

síntese, análise e discriminação, sendo necessário extrair significado de sinais gráficos.

Estas características não se apresentam de maneira muito eficiente no disléxico. Então

a aquisição não ocorrerá no ritmo que se espera, causando muita frustração,

dificuldades, expectativas e cobranças.

17

Problemas com a compreensão da leitura; medo de ler em voz alta; dificuldade

em encontrar a palavra certa; palavras mal pronunciadas; dificuldade para usar a

memória mecânica; dificuldade para lembrar a tabuada, para escrever números, letras

e palavras; dificuldades com instruções e organizações; problemas em fazer redação;

confusões de letras, sílabas e palavras (troca, inversão, omissão, substituição) podem

estar presentes na vida do disléxico, mas outras habilidades intelectuais, como o

pensamento, a razão, a compreensão, o raciocínio estão intactos.

4- QUANTO À ATENÇÃO

O Transtorno de Déficit de Atenção não é um transtorno de aprendizagem, mas

os sintomas de desatenção e hiperatividade a afetam diretamente, podendo ser

bastante significativo o prejuízo neste processo e na vida escolar de um aluno, como:

repetência, problemas de comportamento, suspensão, abandono, expulsão, problemas

de aprendizado, auto-estima baixa, podendo ainda haver muitas comorbidades

envolvidas. Este é um transtorno neurobiológico, mais comum da infância e da

adolescência (estima-se entre 5 a 8%), com grande índice de probabilidades genéticas.

Geralmente encontra-se a tríade: desatenção, hiperatividade e impulsividade, sendo

como característica principal, a dificuldade de atenção. Entretanto, as características de

hiperatividade e/ou impulsividade podem, ou não, estar simultaneamente presentes no

indivíduo.

Todavia Silva (2003) define que o termo Transtorno de atenção não traduz com

precisão o que ocorre, preferindo usar o termo “instabilidade de atenção”. Tanto o

adulto, como a criança, tem dificuldade para se concentrar em alguns assuntos e/ou

em situações de obrigatoriedade, demonstrando deficiências em algumas condições

seletivas, mas não em todas. Apresentam-se, assim, hiperconcentrados em outros

tipos de atividades que lhes despertem paixão ou interesses espontâneos, nas quais se

sintam motivados ou desafiados. Nestes casos, eles têm dificuldades para desviar a

atenção para outras atividades, por isso algumas pessoas não acreditam que o

indivíduo tenha TDA/H (Transtorno do Déficit de Atenção/ Hiperatividade), pois ele

consegue fazer algumas coisas e outras não. A explicação, diz Mattos (2002), é que a

região cerebral denominada “centro do prazer“ quando muito ativada consegue

comandar a atenção e atenuar o seu mau desempenho.

As pessoas com este Transtorno apresentam a área cerebral responsável pelo

controle dos impulsos e filtragem de estímulo, no córtex pré-frontal, não muito eficiente.

18

Há um substrato orgânico determinando esta característica. Na verdade não é que a

pessoa não consiga prestar atenção em nada, ela presta atenção em tudo o que está a

sua volta, sente-se atraída por qualquer estímulo novo, muitas vezes irrelevante.

Quanto à atenção, Galvão (2003, p.110) observa que não há uma postura-padrão

corporal, em qualquer atividade, que garanta a atenção. A atitude varia conforme a

atividade e estímulo e, muitas vezes, são justamente as variações na posição do corpo

que permitem a manutenção da atenção na atividade que está sendo realizada.

Estas pessoas em geral têm pouca capacidade de monitorar seu

comportamento, conseguindo avaliar as conseqüências de seus atos somente depois

que já aconteceram.

O TDA/H é mais comum nos meninos na forma associada hiperativa e déficit de

atenção. Como normalmente estas crianças “incomodam” na sala de aula e em casa,

acabam por serem mais encaminhados e mais diagnosticados. Nas meninas é mais

comum a forma desatenta e não hiperativa, por esta razão, suas dificuldades passam

muitas vezes despercebidas. O encaminhamento e diagnóstico não tão freqüentes

causam muitos atrasos no aprendizado. O transtorno frequentemente permanece na

idade adulta, nos adolescentes, assim como nos adultos que aparentemente se

“tornaram” mais calmos com a idade, há uma hiperatividade interna responsável por

um estado de inquietação mental permanente.

Existem pesquisas que mostram diferenças em áreas do cérebro nas pessoas

com TDA/H se comparadas com grupo de pessoas sem o transtorno (MONTEIRO,

2005, WAJNSZTEJN, 2008, entre outros). Há um desequilíbrio neuroquímico durante a

transmissão sináptica (comunicação entre neurônios ou entre neurônios e outras

células), nas sinapses, a dopamina e a noradrenalina são exemplos de

Neurotransmissores, que se encontram diminuídos nos TDA, fazendo com que a

atividade do córtex cerebral seja menor. A produção insuficiente dos

neurotransmissores está relacionada diretamente com as funções dos sistemas

dopaminérgicos (relacionado com as atividades motoras, cognitiva, sustentação, foco

de atenção, modulação do comportamento) e noradrenérgicos (relacionado com as

atividades de modulações corticais elevadas, como a atenção, orientações seletivas e

alerta).

As pessoas com TDA/H muitas vezes possuem características de

espontaneidade, criatividade, alta carga emocional e de energia nas suas atitudes,

proporcionando vantagens em muitas atividades, como por exemplo, no meio artístico

19

e naquelas que exigem muita criatividade. A quantidade de pensamentos e

sentimentos vindos de várias áreas, normalmente é intensa nos hiperativos e os

processos cognitivos emocionais e imaginativos podem estar aumentados, criando

muitas vezes maior possibilidade de raciocínio.

O professor deve entender que seu problema não é falta de educação ou de

“déficit intelectual” e lembrar-se que estes comportamentos não são propositais, nem

para desafiá-lo. Mattos (2002) observa que a maioria das pessoas que convivem com

os TDA/H tendem a confundir incapacidade de fazer o correto com falta de desejo de

fazer o correto.

É preciso saber diferenciar instabilidade e inabilidades de desobediência. Ajuda

na organização cotidiana os procedimentos de: regularidade, repetição, rotina

constante e previsível, saber equilibrar cumprimento de regras e flexibilização quanto a

alguns comportamentos. Há necessidade de compreender que o rigor excessivo não

contribuirá, a pessoa com o transtorno deve ser cobrada por coisas das quais é capaz

de fazer, porém não se deve deixar que o TDA/H se torne desculpa para tudo, há de se

achar um equilíbrio sensato por parte dos pais e professores, sempre embasados no

conhecimento do transtorno.

Objetivando investigar como essas dificuldades e transtornos vêm se

manifestando e sendo trabalhados na sala de apoio, realizou-se a pesquisa de campo

descrita a seguir.

PESQUISA DE CAMPO

Este estudo envolveu uma pesquisa realizada no segundo semestre de 2007,

em 32% das escolas distribuídas em diversos bairros da cidade: centrais, próximos ao

centro e periféricos, onde funcionam Salas de Apoio do município de Cascavel. A

cidade de Cascavel contava com 43 turmas de Sala de Apoio, em 32 escolas, assim

esta pesquisa envolveu 10 escolas e 12 salas de apoio.

A Sala de Apoio, implementada desde 2004, é resultado de um projeto do

Estado do Paraná, para atender os alunos de 5ª séries, tendo como objetivo ajudar a

sanar defasagem de conteúdos através de aulas planejadas constantemente, a partir

das dificuldades individuais e do grupo. As turmas funcionavam com o máximo de 20

alunos (sendo que no ano de 2008 este número baixou para 15), em período de contra-

turno e tem quatro aulas semanais.

20

Os profissionais envolvidos diretamente com estas turmas são professores

licenciados na Língua Portuguesa, na Matemática e Pedagogos da equipe pedagógica,

que também podem ser professores nestas salas. No município de Cascavel tem-se a

orientação da importância e valorização dos professores que tenham experiências de

1ª à 4ª série, assim como a necessidade indiscutível destes profissionais terem um

perfil especial para trabalhar com estes alunos, desenvolvendo atividades diversas,

alternativas e diferenciadas, trabalhando com o lúdico e material concreto. À escola,

cabe certa autonomia para a indicação deste professor.

Apesar das disciplinas trabalhadas serem apenas Língua Portuguesa e

Matemática, espera-se que o aluno possa beneficiar-se direta ou indiretamente nas

outras disciplinas, pois irão ser trabalhadas, principalmente, leitura, escrita, oralidade,

raciocínio lógico, interpretação, operações matemáticas básicas, concentração,

buscando-se um trabalho individualizado Educador-Educando. Os alunos com

deficiências e transtornos de aprendizagem, que tem laudos de avaliações médicas ou

psicológicas, são atendidos na Sala de Recurso, porém como muitos não têm estas

avaliações acabam sendo alunos das Salas de Apoio.

A pesquisa pretendia analisar como as Salas de Apoio vêm contribuindo para a

superação dos problemas de aprendizado. Assim, buscar-se-á analisar nestas salas,

como as opções metodológicas diferenciadas, turmas e professores diferentes

daqueles que o aluno já dispõe no ensino regular, podem contribuir para a evolução do

aprendizado e consequentemente para melhor relacionamento, auto-estima, menor

evasão e repetência escolar.

Tratou-se de uma pesquisa exploratória que, conforme Gil (1999, p.43), tem

como principal finalidade desenvolver, esclarecer conceitos e idéias, tendo em vista, a

formulação de problemas ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores.

Trabalhou-se na perspectiva de Pesquisa-ação procurando unir a pesquisa à pratica.

Foram realizadas 34 entrevistas, com os professores das Salas de Apoio, professores

das salas regulares na disciplina de Língua Portuguesa e Pedagogos da Equipe

Pedagógica destas escolas. Algumas perguntas foram feitas para os profissionais das

três áreas, outras para os professores das salas regulares e de apoio e outras apenas

para os pedagogos.

21

RESULTADOS ENCONTRADOS

Em relação às maiores dificuldades encontradas para trabalhar com a sala de

apoio, a resposta mais citada apontou os alunos faltosos. Setenta por cento dos

entrevistados relatam que a ausência desses alunos decorre da falta de

acompanhamento familiar, pais que trabalham fora o dia todo e não incentivam seus

filhos ou não conseguem estar presentes para controlar a ida para as aulas,

culpabilizando a família.

Dez por cento dos professores referem-se ainda ao fato de que algumas

famílias, não entendem a necessidade ou não aceitam este benefício e não enviam

seus filhos para a sala de apoio, porém esta dificuldade parece ser restrita a alguns

casos. Outras famílias precisam das crianças para auxiliar em casa, principalmente no

cuidado com irmãos menores nas famílias mais carentes. Dificultando esta ida para a

escola, aparece também como grande responsável, com 40% de indicações, a

locomoção e o transporte para os dois períodos durante dois dias na semana, devido

ao custo, e às vezes, ao tempo gasto para a locomoção.

Neste sentido, a possibilidades de desenvolver o trabalho pedagógico, com

quatro aulas em um único dia, facilitaria muito a assiduidade do aluno, assim como

possibilitaria trabalhos mais elaborados, que precisassem de continuidade e tempo

maior. Seria também possível maior respeito ao tempo individual do aluno desta faixa

etária, o qual já é tão pressionado para acompanhar o ritmo na classe regular. Porém,

neste caso, seria indispensável a motivação com atividades interessantes e com

alternativas variadas.

Falta de espaço adequado e fixo ainda existe em 30% das escolas, as quais

adaptam lugares ou tentam achar algum dia da semana que tenha um horário com

salas ociosas para poderem funcionar.

Para o acompanhamento mais individual e consistente dos professores e

principalmente dos alunos, faltam profissionais na equipe pedagógica, de acordo com

35% das respostas apresentadas pelos docentes. A equipe pedagógica direciona

alguns pedagogos para acompanhar, sempre que necessário, os alunos durante os

dois períodos, e como o número de pedagogos normalmente é insuficiente na equipe

pedagógica, o acompanhamento fica prejudicado.

Trinta por cento dos professores entrevistados consideram que há necessidade

de mais materiais de apoio, além do livro já elaborado, lançado pela SEED, para este

22

fim e de cursos para um maior conhecimento sobre como lidar com dificuldades para

aprender.

Como esta sala possui características próprias, deveria possibilitar o

desenvolvimento de alternativas pedagógicas atraentes e efetivas. Porém 10% dos

relatos docentes afirmam que esse trabalho fica prejudicado por fatores como troca de

professores durante o ano letivo, além da resistência que observam em alguns

docentes em desenvolver um trabalho adaptado para estes alunos, diferenciado das

atividades das salas regulares.

Foi pedido aos professores da Língua Portuguesa entrevistados que relatassem

as maiores dificuldades de aprendizagem apresentadas pelos alunos, em relação à

leitura e escrita e o resultado foi: 50% na interpretação; 40% na pontuação e 40%

dificuldades na leitura (fluência); 30% concordâncias, 30% trocas de letras e também

30% relatam a falta de hábito de leitura; 25% referem-se a problemas de grafia; 25%

relataram falta de organização e seqüência de idéias; 25% referem-se à pronúncia

erradas de palavras e consequentemente escrita errada; 20% à falta de atenção; 20%

à acentuação; 18% a problemas gerais de ortografia e 5% alfabetização deficiente.

Quanto à realidade social conhecida destes alunos, é bastante variável,

principalmente de acordo com a região da escola. Cinqüenta por cento dos

entrevistados relatam ser a situação econômica familiar discente, em geral, baixa. Os

outros 50% tem alunos de famílias em que a situação econômica não é tão difícil, tem

alunos assistidos e alguns carentes.

Quanto à situação em que vivem, cerca de 50% pode ser exemplificada por

afirmações como: “sem um dos pais”; “com familiares”; “estão fora da idade”; “em

famílias desestruturadas”, ”ficam sozinhos o dia todo”.

Segundo alguns pedagogos a falta de equilíbrio familiar, de uma formação que

garanta uma tranqüilidade familiar, cultural e econômica leva algumas famílias ao

desinteresse, à falta de incentivo, refletindo no desenvolvimento e nas atitudes dos

alunos da escola. Em relação a isso Fonseca (1995, p.115) analisa:

Observa-se que as crianças desfavorecidas são bombardeadas por estímulos mais perturbadores, ao mesmo tempo, privadas de uma estimulação auditiva e lingüística consistente. As dificuldades de processamento da informação lingüística auditiva, atenção seletiva, discriminação, identificação, sequenciação, retenção, etc. tendem a prejudicar o desenvolvimento da linguagem e a elaboração de estruturas cognitivas[...] enquanto as necessidades biológicas afetivas não se resolvem prontamente nos alunos desfavorecidos, muito pouco se pode fazer às estruturas cognitivas. Essas só emergirão de um alicerce emocional afetivo forte, baseado na aplicação de condutas sociais de confiança, segurança, encorajamento, aceitação, compreensão, sucesso, reforço, etc.

23

A qualidade e variedade de estimulações e oportunidades familiares e sociais é

uma face de privação cultural que interfere nas condições mínimas requeridas para

uma escolarização adequada e bom desenvolvimento da aprendizagem. Porém não é

suficiente, nem justo que se culpe apenas os alunos e suas as famílias, é necessário

pensar na discrepância social oportunizando reais situações de aprendizado.

Ao interrogarem-se as docentes quanto à contribuição da participação nesta sala

para a auto-estima, as respostas foram sempre afirmativas, com complementações e

justificativas: “contribui de forma bem definida melhorando as notas, o desempenho na

sala e a segurança nas atividades”; “os próprios alunos percebem seus avanços”; “os

alunos melhorando na participação, se apropriando da aprendizagem, trabalhando em

menores grupos, a segurança e confiança melhoram consideravelmente”; “a

oportunidade de superação e atividades diferenciadas para aprender, com certeza

colabora muito”.

Trinta e três por cento dos professores fazem relação entre o trabalho na sala

de apoio e a auto-estima, no sentido dela estar baixa entre alunos que, por exemplo,

não conseguem avanços normalmente e relatam que a partir do momento que o aluno

passa a acreditar mais em si, fica mais confiante e seguro, ele aumenta sua auto-

estima e progride. Incluíram nestas respostas os alunos agitados e desatentos, que

muitas vezes estão com sua confiança e auto-estima prejudicadas. Segundo dois

depoimentos, a sala de apoio chega a suprir parte da afetividade que muitos alunos

necessitam. Devido ao número menor de alunos em sala, o relacionamento com o

professor pode ficar mais estreito, se o professor permitir e facilitar o vínculo, tiver

afetividade, a qual não pode ser confundida com falta de limite ou aceitação de tudo,

mas significa dar oportunidades para um bom relacionamento. O trabalho com o

autoconceito e consequentemente com a auto-estima ajudaria muito na aprendizagem

destes alunos, os quais provavelmente já se encontram com várias desvantagens.

Todos os professores relatam que, em suas escolas, é feito um trabalho

envolvendo professores e alunos buscando conscientizá-los, quanto à valorização,

orientação e respeito às diferenças. Porém não há, ou nunca perceberam

discriminação com relação aos alunos por freqüentarem a sala de apoio. Em uma

escola foi iniciado um projeto de inclusão para trabalhar estes temas, o qual no

momento da pesquisa se encontrava parado. Em outras escolas este trabalho é feito

sempre que possível ou quando há necessidade.

24

Várias escolas fazem um trabalho com alunos, suas famílias e pedagogos, com

reuniões e conversas para orientações e esclarecimentos, principalmente ao iniciar a

participação de um novo grupo ou um novo aluno na sala de apoio. Também é

realizada orientação às classes, no sentido de que qualquer aluno pode ser

encaminhado para estas salas, em qualquer época do ano, não se constituindo em

“castigo”, mas sim em oportunidade. Inclusive, 15% das entrevistas, relatam que alunos

ou famílias solicitam para participar, mesmo não sendo chamados e, ainda relatos de

alunos que não querem ser dispensados da sala de apoio.

Os professores relatam que quinze por cento das escolas reivindicaram a

extensão do projeto para as 6ª séries, dando continuidade até a 8ª série. E, em 20%

das entrevistas constataram-se depoimentos docentes segundo os quais, nem todos

profissionais se envolvem neste tipo de trabalho de respeito às diferenças e

dificuldades individuais, pois têm dificuldades em reconhecer, avaliar ou trabalhar com

estas diferenças.

É importante reconhecer-se as limitações, em alguns momentos, para lidar com

as diferenças. É normal que o relacionamento seja mais fácil e prazeroso com os

alunos com os quais o professor se identifica. Para Perrenoud (2001, p.25):

É normal ter preferência por aqueles que nos gratificam, compartilham seu respeito pelo conhecimento, pelo outro, pela higiene, pelas regras de viver, pelo trabalho bem feito, pela sinceridade e honestidade, pelos códigos convenientemente estabelecidos. Os alunos que rejeitam a escola sem o saber rejeitam também o professor e seus valores, os que se aborrecem o magoam, os que fazem barulho o perturbam, os que recusam ajuda ou tentam enganá-lo o desconcertam. Os problemas de aprendizagem raramente se apresentam sob o aspecto de dificuldades cognitivas puras.

A discriminação negativa não é intencional ou conscientemente parte da prática

pedagógica, mas sim muitas vezes escapa da percepção clara, pois não se pode

subestimar que exista um choque de culturas, o qual irá influenciar no progresso e

fracasso escolar, porque a distância pode não ser apenas cultural e social, mas

também uma questão de afinidade.

Vinte por cento dos professores da sala de apoio entrevistados afirmam

desenvolver um trabalho integrado com os professores das salas regulares e a equipe

pedagógica, pois isso ajuda e favorece o aluno, foco principal do processo. Porém 80%

do conjunto dos entrevistados relatam que tentam fazer este trabalho: “Sempre que

possível há uma interação, troca de idéias e pontos de vista com objetivo de auxiliar

alunos e seus estudos”. Entretanto, admitem que: “o acompanhamento não é feito

como deveria, na prática fica muito a desejar pela falta de disponibilidade de tempo”;

25

“Normalmente não se consegue fazer constantemente este trabalho, pela escassez de

tempo e profissionais o trabalho fica prejudicado”;

Em grande parte dos relatos as maiores dificuldades para realizar este trabalho

conjunto está na indisponibilidade de horários, na falta de tempo dos pedagogos e

professores, assoberbados com muitas turmas e alunos. Existe ainda “uma cultura”,

uma rotina que dificulta o trabalho do pedagogo. Sua função pedagógica é um ativismo

que o envolve no dia a dia com vários tipos de atendimentos, cobertura à falta de

professores e principalmente casos de indisciplina em sala de aula, espaço no qual

muitos casos deveriam estar na alçada docente.

Quanto à possibilidade de diferenciar as atividades e a avaliação, envolvendo

adaptações para os alunos com dificuldades de aprendizado, todos concordam que

esta atitude seria o ideal. Entretanto, nem sempre na prática isso ocorre.

Em uma escola especificamente a professora da sala de apoio é a mesma da

sala regular e tem contato direto com os professores, conhece bem cada aluno e suas

dificuldades, facilitando este trabalho. Porém, a possibilidade de o professor da sala

regular ser o mesmo da sala de apoio deve ser vista com atenção. Esta prática dará

certo, conforme o vínculo e perfil do professor. É certo que facilita, corta muitos

caminhos, como conhecer o aluno, ter maior acesso às famílias e aos professores,

conhecer os problemas de aprendizagem podendo fazer o acompanhamento do

progresso do aluno na sala regular e permitir maior controle das faltas. Mas o

fundamental é o bom relacionamento aluno/professor, que deve ser empático,

afetuoso, ter um bom domínio do conteúdo e da turma, ser flexível e saber diversificar

metodologias.

Nas Salas de Apoio, o professor pode conhecer melhor os alunos e suas

necessidades, por trabalhar com um grupo menor, fazendo encaminhamentos e

atividades diferenciadas, em 100% das opiniões, mesmo assim é difícil um trabalho

totalmente individualizado. Cerca de 4% dos professores relatam, porém, que existem

até professores da sala de apoio que preferem a forma tradicional de ensinar, não

propondo atividades diferentes das desenvolvidas no ensino regular. Nestes casos,

esses professores não apresentam o perfil adequado para esse trabalho, pois apenas

reproduzem o que já está sendo feito com este aluno na sala de aula regular.

Nas salas regulares, de acordo com o depoimento de 60% dos entrevistados, os

encaminhamentos e as atividades diferenciadas não acontecem normalmente, ainda

que os professores considerem necessário: “Seria o mais apropriado sempre, pois

26

muitos necessitam de mais tempo para a mesma atividade, os lentos, os com

transtorno de atenção e os hiperativos”; “É difícil, seria necessário, mas nas salas

regulares só alguns professores conseguem fazer isso”; “A possibilidade existe, mas

com tantos alunos em sala de aula..”. Essas afirmações deixam implícita a dificuldade

concreta decorrente do número de alunos em sala de aula. Reforçando esta idéia, há

muitos relatos de que vários alunos apresentam problemas nas salas regulares, como

indisciplina, desatenção, hiperatividade, desmotivação e principalmente falta de

realização de atividades. Porém não apresentam as mesmas características nas salas

de apoio, ou não apresentam de forma acentuada.

Entretanto, outros 40% dos depoimentos relatam que é feito trabalho

diferenciado nas salas regulares: “É necessário fazer, buscando estratégias para ajudar

os alunos na superação”; “Tão possível quanto necessário senão a reprovação seria

maior”. Constata-se, portanto, progresso na concepção pedagógica do processo de

ensino-aprendizagem. Em uma escola especificamente foi relatado que a escola é uma

escola de inclusão: “A possibilidades de adaptação está presente e se não houver

opções dificulta a proposta, porém é muito trabalhoso, há muitas diferenças entre

cognitivo, motor, auto-estima, atenção... se não houver possibilidade diferente gera

indisciplina e também é importante a adaptação professor e aluno”.

O relato dos professores das Salas de Apoio sobre quais estratégias,

encaminhamentos ou atividades são mais usadas por eles para trabalhar com as

dificuldades de aprendizado, revelou alternativas como: o trabalho diverso com vários

tipos de textos envolvendo interpretação, análise, elaboração de resumos, produção e

reestruturação, leituras, identificação de elementos e idéias (90%); atividades lúdicas

como jogos, exercícios diversos, uso de materiais concretos, recortes, colagens,

desenhos, sons de letras, dinâmicas de grupo (50%); atividades diversificadas

envolvendo oralidade (40%); produção de trabalhos coletivos (30%); debates (20%);

produção de cartazes e apresentação de trabalhos (10%). Nota-se que algumas

estratégias utilizadas exigem quebra dos padrões e modelos com os quais o professor

conviveu desde que entrou para a escola ainda enquanto aluno.

Houve total concordância quanto à contribuição das salas de apoio para a

evolução das notas dos alunos no decorrer do ano: “A contribuição é enorme”; “Alguns

melhoram logo, outros com problemas afetivos e de alfabetização é um processo mais

demorado”, “Ajuda, mas a nota não é o principal, esta sala ajuda no resgate da leitura e

escrita”. Em uma escola a professora relata: “É importante que os professores

27

entendam que determinados alunos estão vivenciando a construção de um

conhecimento tardio, os educadores envolvidos precisam compreender esse processo

agindo com cuidado na hora da avaliação”.

Observa-se, portanto, que muitos professores envolvidos com o trabalho em

sala de apoio têm a consciência de que a aprendizagem acadêmica envolve um

processo lento e gradativo, e que é responsabilidade da escola dar conta das

defasagens de aprendizado que resultaram, as vezes, de suas próprias falhas em

algum momento do processo.

Quando questionados se a participação nesta sala contribui para diminuir a

reprovação e evasão escolar, as respostas foram unânimes, 100% dos entrevistados

confirmam que sim: “Com certeza contribui para a diminuição da reprovação e evasão”;

“Muitas vezes é o meio pelo qual o aluno supera suas dificuldades e readquire

confiança e auto-estima”, “É certo, o atendimento é diferente e mais individualizado

isso ajuda muitos alunos a entenderem, melhorarem e progredirem”; “Com certeza,

haja vista resultados dos anos anteriores”.

Relatos revelam que nas escolas em que o mesmo pedagogo vem

acompanhando as 5ª séries durante anos, observando dados e levantamentos de anos

anteriores, a sala de apoio contribui significativamente para a redução da repetência e

conseqüentemente também da evasão escolar.

Em todas as escolas entrevistadas existe a alternativa pedagógica da Sala de

Recurso para o trabalho, com muitos, dos alunos que apresentam deficiências e

transtornos de aprendizagem, inclusive em 20% das escolas, comentando a

necessidade de mais uma turma.

Quando questionados se os alunos ficam o ano todo nesta sala de apoio, em

100% das escolas, normalmente os alunos ficam por um período e não o ano todo.

Quando os professores percebem que o aluno superou dificuldades, supriu as

defasagens apresentadas, é dispensado e outro aluno encaminhado. Entretanto, há

alunos que necessitam de um período maior, freqüentando o tempo necessário para a

superação de conteúdos, podendo freqüentar o ano inteiro, se necessário.

Observou-se que a Sala de Apoio funciona com muitas semelhanças em várias

escolas, apesar de realidades diferentes. A sua necessidade na escola é real, assim

como sua contribuição em relação à aprendizagem. Esta sala tem evoluído em relação

ao seu funcionamento, desde a implantação do projeto, sendo realmente uma tentativa

de flexibilização e acesso ao ensino, como rege sua Resolução e Instrução de

28

Funcionamento. Seus pontos extremamente positivos são: o trabalho com número

reduzido de alunos; o perfil do professor, pois o vínculo com aluno é de muita

importância; o trabalho com a auto-estima; a oportunidade de aprendizado com

atividades diferenciadas, concretas e lúdicas.

Constata-se, através de muitos relatos, que esta Sala de Apoio, assim como a

Sala de Recurso, realmente estão sendo “adotadas” por muitos professores como uma

das poucas alternativas para lidar com as diferenças e oportunizar um aprendizado de

maior qualidade.

A maioria dos professores, tanto na sala de apoio quanto na sala regular, não

teve formação suficientemente adequada para trabalhar com tanta diversidade. As

dificuldades, transtornos e deficiências estão cada vez mais presentes nas escolas e,

ainda que em alguns casos, haja falta de vontade para lidar com esta realidade, na

maioria das situações constata-se pouca estrutura, pouco apoio, falta de habilitação

nesta área, falta de possibilidades para encaminhamentos multiprofissionais e

orientações necessárias.

Conclui-se esta análise, partindo da constatação que a Sala de Apoio,

oportuniza grande contribuição para o aprendizado. Observa-se constantemente o

questionamento das causas pelas quais o índice de evasão e reprovação não está

ainda zerado na quinta série, apesar haver redução neste sentido. Fonseca (1995,

p.79) relata que muitas das características reveladas por crianças e jovens com

problemas de aprendizagem indicam que eles não conseguem mudar facilmente, nas

salas regulares, do insucesso para o sucesso, mesmo com suporte e apoios

pedagógicos. Para conhecer a heterogeneidade destes alunos há necessidade de

diagnóstico multidisciplinar.

Os alunos atendidos nas salas de apoio, são alunos com alguns problemas de

aprendizado, com defasagens e/ou problemas de atenção, muitas vezes, alunos que

aprendem de forma mais lenta, se beneficiam das classes regulares e especialmente

das classes de apoio, mas nem sempre atingem as exigências e os objetivos

esperados em alguns meses. A intervenção, quanto mais precoce, certamente é

melhor. O aluno de 5ª série não tem muito mais tempo a esperar, e a intervenção de

qualidade poderá favorecer os aspectos: motor, social, emocional, lingüísticos,

cognitivo, lógico, etc.

29

Fonseca (1995, p. 123) reflete que caso não haja intervenção precoce, a escola

limitar-se-á a conservar e intensificar as desigualdades “sociais” em vez de fazer algo

para corrigir.

Nestes casos é importante ressaltar e refletir que nem sempre o resultado se

mede em índice de alunos que passam de ano. Deve-se pensar que alguns alunos com

muitas defasagens ou dificuldades acumuladas no decorrer dos anos escolares ou com

grande déficit cultural, nem sempre conseguem esta superação em apenas oito ou

nove meses. Mas com certeza diminuem suas desvantagens e têm maior oportunidade

para se desenvolver neste período, mesmo que não tenha sido o suficiente para

acompanharem a próxima série, o trabalho pedagógico não é perdido de maneira

alguma. É imprescindível a necessidade de oportunizar situações nas quais se

minimizem os déficits e desvantagens de muitos alunos.

A qualidade de ensino e o aprendizado exigem que se observem as

necessidades e tempos individuais, assim como se oportunize estas possibilidades

para que o aluno progrida e evolua em seu processo de aprendizagem. A análise deste

progresso, observando apenas notas, períodos do ano letivo e aprovação, não é

suficientemente adequada e clara, pois não demonstra, às vezes, a realidade desse

processo, podendo tornar subjetiva a definição simplista de que ele não aprendeu, não

se desenvolveu ou que a Sala de Apoio não cumpriu sua função.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conhecer a historia do aluno e tratá-lo como único pode mudar o rumo de sua

historia. Para trabalhar com o ser humano temos que pensá-lo como bio-psico-social,

observando que apresentam estilos cognitivos diferentes.

Observam-se muitos contrastes quando se analisam os problemas de

aprendizado. Problemas estes que podem ser leves ou profundos, temporários ou

permanentes, experimentados por pessoas inteligentes, criativas, capazes, habilidosas,

muitas vezes subestimadas em suas capacidades. As dificuldades e transtornos de

aprendizagem encerram-se em problemas de aprendizagem, não em problemas de

incapacidade.

É preciso ter clareza de que não existem soluções prontas, são necessárias

alternativas de intervenções, pois as dificuldades apresentam-se de diversas formas e

maneiras. Urge repensar em métodos, pois todos os métodos obtêm sucesso com

30

alguns alunos, mas nenhum terá sucesso com todos. É preciso refletir sobre o aluno

que “não se dá bem na escola”, será porque ele não quer, porque não estuda? Ou não

estuda porque, por mais que se esforce não consegue ser bem sucedido? Quem gosta

de fazer algo que nunca consegue fazer bem? E a escola, será que em algum

momento contribui para esta situação?

Hoje, há uma tendência em considerar os problemas de aprendizado em um

conceito classificatório que envolve ter ou não ter dificuldades ou transtorno, que se

associa a uma concepção de necessidades especiais. Entretanto, os problemas podem

ocorrer ao longo da vida de qualquer pessoa. Neste sentido, dever-se-ia falar em

necessidades curriculares e diversidades de aprendizagens (SISTO, 2001, p.30).

Vale lembrar que a Declaração de Samamanca - documento sobre a educação

inclusiva, de 1994 – estabelece que além da inclusão de deficientes, a escola inclusiva

é aquela que contempla muitas outras necessidades educacionais, inclusive as

dificuldades de aprendizado temporárias ou permanentes. Escola inclusiva esta, em

cuja construção não se pode mais negar a participar, seja por consciência ou por lei. A

grande capacidade da escola e também seu desafio, não está apenas em como ela lida

com o comum, o “normal”, mas como ela lida com as diferenças, as diversidades. Não

basta ter uma escola regular: “Um ensino regular, tão regular que expulsa quem não se

enquadra” (CARVALHO, 2005, p.124). A escola só ensina todos quando fica atenta à

necessidade de respeito ao ritmo, observando a capacidade individual.

Flexibilizar, mediar não é facilitar nem privilegiar, é oportunizar. Fazer algumas

diferenciações é dar mais oportunidades para o aluno com problemas aprender, agir e

interagir. Não significa trabalhar sempre individualmente, e sim trabalhar também a

autonomia sem reforçar o individualismo, não se trata de colocá-lo numa situação de

assistência. Trata-se de acompanhá-lo continuamente, pois ensinar exige criar

condições, suscitar vontades, sendo que nem sempre os alunos (com dificuldades ou

não) são cooperativos, esforçados ou bem-educados, o que torna esse trabalho nem

sempre fácil ou gratificante em curto prazo. Talvez seja importante reconhecer que,

muitas vezes, é extremamente difícil ter tolerância e lidar com a diferença cultural.

Freire (2005) fala em tolerância quanto ao respeito, não em tolerância como um favor,

envolvendo superioridade, mas como virtude da convivência humana, da qualidade de

conviver com o diferente, não com o inferior.

Então é imprescindível rever práticas e conceitos que correspondam a

desempenhos ideais, nos quais se espera que todos se encaixem no comportamento

31

padrão e tenham resultados iguais, já que os problemas de aprendizagem não são

exceções no sistema educacional. Há que se pensar em implementar modificações

legais, estruturais, científicas e pedagógicas nas instituições escolares.

Na cultura escolar, a questão da avaliação é preponderante. Entretanto, quando

se trabalha com problemas de aprendizagem é impossível manter sempre os mesmos

critérios. Para Perrenoud (1993, p.173) “Mudar a avaliação significa, provavelmente,

mudar a escola”. Para mudar a avaliação seria necessário mudar o tipo de relação dos

sujeitos com a cultura escolar e consequentemente mudar a própria escola.

A mudança depende do olhar dos que fazem parte de um vínculo. Em

psicopedagogia, o elo que conjuga teoria e prática é a afetividade (FELDMAN, 2006, p.

212). A educação é um processo social e individual, fundamental para o ser humano

desenvolver-se, de fato, humanizado e humanizador. Os problemas de aprendizagem,

sejam eles dificuldades ou transtornos, parecem não ser encarados num modelo de

interação e dialética, ora alguns os vêm no aluno, ora outros os vêem no professor e na

escola. Falta uma perspectiva integrada, pois ao buscar delimitar razão ou culpa,

perde-se de vista uma dimensão global do problema.

Os aspectos neurológicos foram bastante ignorados na formação de

professores, sendo sempre mais observadas as variáveis pedagógicas exteriores,

porém agora também não se pode cair na perspectiva apenas neurológica do

processo. É preciso absorver os novos conhecimentos embasados em argumentos

científicos para que se cometam menos erros. O conhecimento não pode ser estanque,

pois a educação sairá perdendo.

A aprendizagem acarreta modificações nas conexões cerebrais, há plasticidade,

e as mudanças ambientais influenciam nesta plasticidade. Nesse sentido, é

imprescindível o conhecimento sobre o desenvolvimento cerebral na aprendizagem,

para que sejam desenvolvidas estratégias de ensino e aprendizagem. Conhecimento

que pode fazer toda diferença no processo, já que este depende de estruturas que são

conseguidas pela mediação científica e cultural de pessoas preparadas.

Muitas investigações documentam a possibilidade de proporcionar modificações

cerebrais positivas oportunizando condições para a melhoria da aprendizagem. Parece,

assim, indispensável usar os recursos e estudos das novas ciências como a

neurociência, a neurolinguística, e a neuropsicologia, sendo que a leitura e escrita já

acarretaram uma evolução cerebral diferenciada no ser humano.

32

Levar em conta a diferenciação num sistema cuja organização é alheia a esta

preocupação dá, às vezes, a impressão de que o magistério constitui-se em um ofício

impossível (PERRENOUD, 2001, p.116). Querer resolver todos os problemas pode ser

desestimulador. É preciso estabelecer objetivos razoáveis.

Trata-se de uma relação pedagógica. É lógico que o professor não poderá fazer

a parte do aluno por ele. No sucesso de uma relação, cada um entra com uma parte, e

talvez o maior desafio docente seja o estabelecimento de um vínculo afetivo com o

aluno, que o leve a desejar percorrer o caminho da aprendizagem.

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