políticas de formação e desenvolvimento profissional ... · deslocamento entre as demandas de...
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POLÍTICAS DE FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL
DOCENTE: DA INTENÇÃO ÀS PRÁTICAS
Dalila Andrade OliveiraUniversidade Federal Minas Geraisi
Resumo
As políticas de formação docente na atualidade têm adquirido relevância em razão da necessidade de responder às exigências de titulação ao conjunto dos professores que atuam nas escolas de educação básica no país. Considerada um dos pilares da valorização docente, a formação inicial e continuada tem sido objeto de disputa de diferentes segmentos. Tais políticas sofrem influência da agenda educacional global e regional. O termo Desenvolvimento Profissional Docente (DPD) emerge como resposta ao nível das políticas públicas em educação e à crise do paradigma de organização burocrático-profissional dos docentes diante de novos modos de gestão dos sistemas educacionais que reclamam maior autonomia e melhores condições de profissionalização. O DPD surge em um contexto de acentuada fragmentação educativa e de flexibilização das relações laborais, produto dos processos recentes de mudanças econômicas e sociais em todo o mundo. Este texto busca refletir sobre os riscos de deslocamento entre as demandas de profissionalização para um modelo de DPD - que pressupõe novas formas de conceber e implementar políticas de formação em que os docentes deixem de ser tratados como objetos e assumam a condição de sujeitos ativos e centrais – em uma realidade em que tais docentes não contam com as condições objetivas e subjetivas mínimas esperadas para o pleno exercício da condição profissional. Para tal análise, serão utilizados dados de um survey (TDEBB-GESTRADO/UFMG) realizado entre 2009 e 2010, com 8.795 respondentes, em escolas públicas de educação básica de sete estados brasileiros. Espera-se observar em que medida as políticas de DPD, como tradução do imperativo da educação ao longo da vida, em um cenário heterogêneo e fragmentado, não seriam muito mais a expressão retórica da sociedade do conhecimento do que políticas efetivas no contexto escolar brasileiro.
Palavras-chave: Formação docente. Políticas de Formação. Desenvolvimento Profissional Docente. Profissão docente.
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As políticas de formação e Desenvolvimento Profissional Docente (DPD) têm
merecido significativo destaque nas últimas duas décadas, em muitas partes do mundo.
Buscando articular a formação continuada às necessidades de profissionalização dos
docentes, tais políticas são apresentadas como requisito indispensável à melhoria da
educação no sentido de atender as demandas para a educação do Século XXI. As
políticas de DPD fundamentam-se no paradigma da sociedade do conhecimento em que
a educação ao longo da vida passa a ser um imperativo (Delors, 1998).
A preocupação em articular políticas de formação às condições de
profissionalização é resultante do acentuado peso que é dado à formação na definição e
certificação da profissão, observado em várias áreas, mas especialmente na educação.
O Relatório "Creating Effective Teaching and Learning Environments: First Results
from TALIS", publicado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) em 2009, traz um estudo comparativo das condições de trabalho e
do ambiente de ensino e aprendizagem em escolas de 23 países. O Relatório atribui
particular ênfase a questões como: até que ponto os professores se acham bem
sucedidos na forma como respondem aos desafios educacionais que enfrentam e até que
ponto existe nas salas de aula um bom comportamento e um ambiente propício à
aprendizagem, considerando o clima disciplinar da sala de aula? O estudo pretendeu
realizar uma análise da avaliação do desempenho dos professores nos países
pesquisados, concluindo que a formação profissional contínua dos professores é fator
decisivo na melhoria das condições de ensino.
Estudo anterior publicado também pela OCDE - Relatório Talis, em 2005,
intitulado: “O papel crucial dos professores: atrair, formar e reter os professores de
qualidade”- tem influenciado enormemente políticas nacionais que vinculam a formação
continuada ao desempenho profissional dos docentes. Os citados estudos, ambos
publicados pela OCDE, expressam a preocupação de atrair, capacitar e conservar os
professores eficientes traduzindo bem o que no mundo vem sendo difundido, sobretudo
pelos Organismos Internacionais, como DPD.
O tema da formação e das políticas de DPD foi sendo trazido para a agenda
global e regional nos últimos anos por força e influência de organismos internacionais,
com especial destaque para a Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (UNESCO), a Organização dos Estados Ibero-americanos para a
Educação, a Ciência e a Cultura (OEI) e a OCDE (Feldfeber, 2010). Esses organismos
têm conseguido difundir uma noção de DPD como orientação para as políticas de
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formação docente em diferentes contextos nacionais. No caso brasileiro, tal política
adquire certa especificidade.
Apesar de a retórica da sociedade do conhecimento ter estado presente em
grande medida nos discursos expressos nos documentos e políticas educativas oficiais
no Brasil, tanto no governo de Fernando Henrique Cardoso quanto de Luiz Inácio Lula
da Silva, curiosamente esses discursos não adotaram o DPD como um conceito que
traduzisse suas proposições no que se refere à formação e profissão docente. O termo
DPD é pouco (ou quase nunca) mencionado nos documentos legais que se referem às
políticas de formação e carreira docente, apesar de, em muitos casos, convergirem na
direção que apontam as tendências internacionais.
As políticas de formação docente no Brasil têm adquirido relevância em razão
da necessidade de responder às exigências de titulação ao conjunto dos professores que
atuam nos estabelecimentos de educação básica no país. Considerada um dos pilares da
valorização docente, a formação inicial e continuada tem sido objeto de disputa de
diferentes segmentos sociais que atuam no campo educacional. Contudo, tais políticas
têm tomado contornos bastante específicos envolvendo a profissionalização dos
docentes que atuam na educação básica pública, sendo compreendida como uma das
exigências para a valorização docente, somadas à remuneração e às condições de
trabalho e carreira.
Segundo dados do Censo Escolar de 2011, o Brasil conta com cerca de dois
milhões de professores que atuam na rede pública e privada de educação no território
nacional, dos quais, aproximadamente, 82% atuam na rede pública de ensino. De acordo
com o mesmo censo, o contingente de alunos matriculados na educação básica,
compreendendo suas três etapas – educação infantil, ensino fundamental e ensino médio
e suas modalidades, é de 50.972.619, sendo que cerca de 87% destes estão na rede
pública. Esse contingente tende a aumentar progressivamente pelo fato de que a
Emenda Constitucional n.59 de novembro de 2009 ampliou a obrigatoriedade escolar
que passa a compreender o intervalo de 4 a 17 anos. A ampliação da obrigatoriedade
escolar traz para a agenda atual alguns desafios para as políticas de formação docente
para a educação básica. Na realidade, os desafios não são novos, somente se tornam
mais urgentes, pois desde 1996, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (Lei no. 9394/96), a exigência de se formar mais professores em
nível superior no país para atender a expansão da educação básica já havia sido pautada.
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O número de docentes atuando na educação básica sem a habilitação específica
foi preocupação constante nesses últimos 15 anosii. Foram muitas iniciativas no plano
federal e de diversos estados brasileiros que buscaram oferecer formação em nível
superior para os professores em efetivo exercício nas redes públicas. E o resultado
dessas iniciativas não é desprezível, o número de professores com curso superior no
Brasil cresceu significativamente nesse intervalo histórico. A expansão da matrícula em
educação básica nesse período foi acompanhada pela evolução do grau de instrução dos
professores. Ao longo dos últimos dez anos, a porcentagem de docentes com curso
superior completo cresceu nas três etapas da educação básica. O avanço mais expressivo
ocorreu entre os profissionais que lecionam nas séries iniciais do ensino fundamental.
Em 2001, menos de um terço desses professores (27%) tinha formação superior.
Em 2010, essa porcentagem mais que dobrou, passando para 62,4%. A educação
infantil registrou a segunda evolução mais significativa, passando de 24,7% para 51,8%
de graduados no período. Os dados são do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais (Inep) e abrangem escolas públicas e particulares. Segundo a Associação
Brasileira de Educação a Distância (Abed), a melhoria na titulação dos professores
brasileiros foi içada por outro fenômeno educacional recente: a expansão da educação a
distância (EAD) no país. Entre 2000 e 2008, a quantidade de alunos nessa modalidade,
em cursos de graduação e pós-graduação lato-sensu, cresceu 45.000%, passando de
1.758 para 786.718 matriculados. No mesmo período, o número de cursos reconhecidos
pelo Ministério da Educação aumentou de 13 para 1.752iii.
A ênfase nas políticas de formação docente e a pouca atenção à carreira
A mobilização em torno da formação de professores, envolvendo universidades
públicas e privadas, consórcios e diferentes arranjos institucionais, é acompanhada da
enorme crença de que a formação é a estratégia fundamental para a melhoria da
educação básica. Os argumentos são em geral provindos de uma mesma matriz que
acredita que formando professores para uma atuação eficaz em sala de aula conseguirão
superar as dificuldades de aprendizagem apresentadas por seus alunos e causadora do
baixo desempenho dos mesmos. Trata-se de uma visão restrita que isola fatores,
acreditando que por meio do efeito sala de aula se conseguirá alcançar objetivos e metas
previamente estabelecidos. Esse tipo de análise deposita demasiado peso na capacidade
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que a escola tem por ela mesma de mudar o destino das pessoas, ignorando fatores
estruturais que interferem diretamente nesse processo.
Apesar da relativa centralidade que ocupam as políticas de formação no que
concerne à questão docente no Brasil desde os anos 1990, somente mais recentemente
assistiu-se no plano federal a tentativa de estruturação de uma política nacional de
formação. O Decreto n. 6.755, de 29 de janeiro de 2009, institui a Política Nacional de
Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica, estabelecendo as bases
para a criação do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica
(PARFOR), no âmbito da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES). O PARFOR é apresentado como resultado de um conjunto de ações
do Ministério da Educação (MEC) em colaboração com as secretarias de educação dos
estados e municípios e as instituições públicas de educação superior neles sediadas, para
ministrar cursos superiores gratuitos e de qualidade a professores em exercício nas
escolas públicas, sem formação adequada determinada pela LDB 9394/96, expressando
assim a preocupação em buscar garantir a formação em nível superior para os
professores em exercício nas escolas de educação básica.
Entretanto, o dispositivo legal presente na LDB 9394/96, no seu artigo 62, que
estabelecia a exigência de formação em nível superior para atuação docente na educação
básica e pelo §4 do artigo 87, que estabelece “que até o fim da Década da Educação
(1997-2007) somente serão admitidos professores habilitados em nível superior ou
formados por treinamento em serviço”, vem perdendo força com mudanças recentes
ocorridas no âmbito da legislação educacional brasileira. Os referidos artigos da LDB
9394/96 expressavam um anseio do movimento educacional brasileiro de elevar a
exigência de titulação para ingresso e atuação profissional na educação básica. Com a
Emenda Constitucional n.53iv, o artigo 206 sofre alteração no seu inciso que passa ter a
seguinte redação: “valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na
forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de
provas e títulos, aos das redes públicas”. O termo “profissionais do ensino” é substituído
por “profissionais da educação escolar”, ampliando o raio de abrangência da categoria
profissional que trabalha na educação. A EC53 acresce ao artigo 206 o inciso VIII que
estabelece “piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar
pública, nos termos de lei federal” e o Parágrafo único que traz a seguinte redação: “A
lei disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação
básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de
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carreira, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.”
(BRASIL, 2010)
A partir dessas alterações trazidas pela EC53 em 2006, temos em julho de 2008,
a aprovação da Lei do Piso Salarial Nacional para os Profissionais da Educaçãov, Lei n.
11.738, e em agosto de 2009 a Lei 12014, que modifica o artigo 61, da LDB 9394/96,
com a finalidade de discriminar as categorias de trabalhadores que serão consideradas
profissionais da educação escolar básica, estabelecendo:
Art. 1o : O art. 61 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação:Art. 61: Consideram-se profissionais da educação escolar básica os que, nela estando em efetivo exercício e tendo sido formados em cursos reconhecidos, são:I – professores habilitados em nível médio ou superior para a docência na educação infantil e nos ensinos fundamental e médio; II – trabalhadores em educação portadores de diploma de pedagogia, com habilitação em administração, planejamento, supervisão, inspeção e orientação educacional, bem como com títulos de mestrado ou doutorado nas mesmas áreas;III – trabalhadores em educação, portadores de diploma de curso técnico ou superior em área pedagógica ou afim.Parágrafo único. A formação dos profissionais da educação, de modo a atender às especificidades do exercício de suas atividades, bem como aos objetivos das diferentes etapas e modalidades da educação básica, terá como fundamentos:I – a presença de sólida formação básica, que propicie o conhecimento dos fundamentos científicos e sociais de suas competências de trabalho;II – a associação entre teorias e práticas, mediante estágios supervisionados e capacitação em serviço; III – o aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e em outras atividades. (BRASIL, 2009).
Observa-se que essa Lei altera na LDB 9394/96 um princípio bastante caro para
os que lutam pela profissionalização docente compreendendo-a como um processo que
se desenvolve a partir da formação em nível superior. Com essa mudança legal, passa a
ser admitida como norma uma condição que antes era exceção, ou seja, a formação em
nível médio para os profissionais que irão atuar na educação básica. Só se compreende
essa mudança no âmbito legal se forem observadas as ações levadas a termo pelo
movimento sindical docente que resultaram na alteração constitucional por meio da
EC53/2006, ampliando o conceito de profissionais do ensino para profissionais da
educação escolar e, conseqüentemente, a Lei do Piso Salarial Nacional para os
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Profissionais da Educação e, por fim, a Lei 12014/2009 que traz a definição de quais
são esses profissionais.
Com a definição legal de que são profissionais da educação escolar professores
habilitados em nível médio ou superior para a docência na educação infantil e nos
ensinos fundamental e médio, observa-se um rebaixamento da exigência de escolaridade
em relação à LDB 9394/96, no seu Art. 62, ao estabelecer: “A formação de docentes
para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de
graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como
formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro
primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade
Normal”. Naquele momento, segunda metade dos anos 1990, a expectativa era de que
se pudesse alcançar em 10 anos a profissionalização de todos os docentes que atuam na
educação básica por meio de formação em nível superior. As mudanças mais recentes
observadas na legislação são resultantes de processos de luta em que os sindicatos
docentes foram importantes protagonistas. A Confederação Nacional dos Trabalhadores
da Educação (CNTE) exerceu papel de destaque nesses processos, sendo que no afã de
ampliar o conceito de profissionais da educação escolar, para que a lei pudesse fazer
justiça com os que nela já atuam, contribuiu para uma menor exigência de titulação para
o ingresso e permanência na carreira, o que pode resultar em perdas futuras em termos
de responsabilidades do poder público para com a oferta de melhores e maiores
condições de oferta de formação para esses profissionais.
De acordo com o Censo Escolar de 2010, a maioria dos docentes que atua na
educação básica (68,9%) possui formação em nível superior, somente 8% possuem o
curso médio e 22,47% o curso normal médio. Ainda encontram-se, mesmo que em
proporção bastante baixa (0,63%), docentes atuando na educação básica sem formação
mínima, ou seja, com apenas o ensino fundamental. Do total que possui curso superior,
ainda de acordo com o Censo Escolar de 2010, 95,38% realizaram um curso de
licenciatura e 4,61% atuam sem curso de licenciatura.
Observa-se que mesmo em minoria, não é desprezível o número de professores
atuando na educação básica sem possuírem habilitação em nível superior. Esses
números refletem os obstáculos persistentes na realidade brasileira ainda marcada por
grande desigualdade econômica e social que tem reflexos diretos nos desequilíbrios
regionais.
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Formação como condição para a profissionalização
A noção de profissionalização aplicada à educação sempre foi ambígua. De
acordo com Savoie (2009), o uso do termo profissionalização na educação sempre
esteve vinculado ao quadro conceitual da sociologia americana das profissões, em que a
profissionalização supõe não somente a prática do ofício em tempo pleno, mas também
um estatuto legal que reconhece a qualificação dos seus membros como uma formação
específica e a existência de associações profissionais. Ainda de acordo com o mesmo
autor, essa profissionalização se traduz pela constituição de um patrimônio cognitivo e
deontológico comum, sendo assim, as noções de profissionalidade e profissionalização
são impostas no domínio da formação docente fazendo passar do plano social ao das
práticas profissionais e pedagógicas.
Tal noção de profissionalização está imbricada com os processos de formação,
sendo então a profissionalização dependente da formação. O que constitui o grupo ou
corpo profissional é justamente o sentimento de pertencimento comum que começa
mesmo antes do ingresso no local de trabalho. Contudo, esse sentimento de
pertencimento comum encontra alguns obstáculos no domínio da educação, por
exemplo, a fisionomia dos docentes do ensino médio é bastante distinta daquela dos que
atuam nos anos iniciais do ensino fundamental e mais ainda dos que atuam na educação
infantil.
Entretanto, para se discutir a formação compreendendo-a como base do processo
constitutivo da profissionalização, é necessário considerar aspectos relativos à
identidade docente. É vasta a discussão sobre a identidade docente na atualidade, são
muitos os estudos que tratam desse tema em distintas realidadesvi. No Brasil, são muitos
os fatores que têm levado à discussão de uma identidade docente engendrada pelos
recentes processos de reforma educacional que trouxeram a descentralização
administrativa, pedagógica e financeira para o âmbito escolar. A ênfase no trabalho
coletivo, a instituição legal da gestão democrática nas escolas públicas e a flexibilidade
curricular foram fatores que culminaram em maior autonomia dos docentes, ao mesmo
tempo em que têm levado à intensificação do trabalho e a maior responsabilização dos
mesmos pelos resultados escolares. (Oliveira, 2004; 2007; 2009; 2010)
Contudo, é a partir da inclusão da Educação Infantil definitivamente como uma
etapa da educação básicavii, compreendendo inclusive as creches, ou seja, a educação
das crianças de 0 a 3 anos, é que a questão da identidade docente será posta no centro do
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sistema. Tal medida obriga a que se pense o profissional da educação básica em um
contexto e rol mais complexo de atividades, responsabilidades e competências que
envolvem desde o cuidado e a atenção no processo educativo presentes na educação
infantil até a fragmentação disciplinar própria do ensino médio. O contraste entre essas
duas pontas da educação básica é tão grande que dificulta pensar a possibilidade de um
grupo homogêneo que possa constituir-se um corpo profissional. Essas dificuldades
refletem-se na definição dos currículos e diretrizes para a formação de professores.
Dentre esses desafios, a formação dos profissionais que atuam na educação
infantil apresenta-se como o mais urgente e polêmico. As especificidades da Educação
Infantil, envolvendo no processo educativo o cuidado e a atenção, conforme já
mencionado, acrescidas ainda à informalidade presente nos processos de trabalho nas
creches e pré-escolas, fruto do descaso de séculos que essa etapa da educação conviveu,
obrigam a revisão dos padrões usuais de formação docente que têm na figura tradicional
do professor que ministra uma disciplina o modelo de profissional a ser perseguido.
Por um lado, temos a resistência em conceber a atuação docente distinta da
tradicional disciplinar e, por outro, temos a ideia vigente ainda de que para cuidar das
crianças pequenas não é necessário ter formação específica, sendo algo natural da
gênese feminina o cuidado e atenção. Não é sem razão que a feminização do magistério
é muito mais presente na educação infantil e que à medida que se avança na educação
básica, aumenta a presença do sexo masculino entre os profissionais.
Os desafios para se pensar a formação inicial docente para atuar na educação
básica, portanto, são muitos e exigentes, requer discutir profundamente e reconhecer as
identidades presentes nesse suposto grupo homogêneo, que na realidade apresenta
complexidades muitas vezes ignoradas. Conhecer suas distinções, seus saberes e
fazeres, seus vínculos e sentimentos de pertencimento institucional, as exigências que
lhes são postas, as responsabilidades e constrangimentos aos quais estão expostos são
condições essenciais para se pensar a adequação curricular da formação que deverá
promover a porta de entrada para o exercício profissional docente. Porém, a formação
não é suficiente para definir a profissionalização docente, é necessário considerar outros
fatores que interferem na identidade profissional dos que atuam na educação básica.
A formação continuada e o DPD
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Se entre os elementos constitutivos da profissionalização docente o critério da
formação inicial específica é indispensável, a necessidade de formação continuada tem
sido cada vez mais reclamada como uma condição para o pleno exercício da docência.
O DPD aparece então como um imperativo, representando a necessidade de os
professores buscarem permanentemente melhorias no seu desempenho, na sua atuação.
Apesar de em alguns casos a noção de desenvolvimento profissional estar associada à
possibilidade de progresso na vida profissional, levando em consideração outros fatores
para além da formação continuada: salário, condições de trabalho, carreira, o peso
atribuído à formação é preponderante. (Oliveira, 2010)
A formação aparece na literatura difusora da noção de DPD como condição de
tal desenvolvimento, como um projeto coletivo, colaborativo e crítico-reflexivo, em que
o desenvolvimento profissional é, ao mesmo tempo, desenvolvimento institucional
(Ramalho, Gauthier e Nunez, 2004; Gonzales Torres, 2003). A formação continuada é
apresentada como sinônimo de desenvolvimento profissional ao longo da vida, único
fator capaz de justificar e pôr em movimento os outros componentes que conduzem à
profissionalização. A construção da profissão docente estaria assim dada, sobretudo,
pela formação concebida como a possibilidade de aprendizagem permanente. Trata-se
de uma abordagem normativa, que estabelece o desenvolvimento profissional e
institucional como faces da mesma moeda e que atribui à consciência do profissional a
possibilidade de mudança ética na educação. Os professores são, em última instância, os
responsáveis por seu desenvolvimento profissional, que deve ser tomado como um
dever e obrigação para a melhoria da educação em geral. (Oliveira, 2009; 2010)
O peso atribuído à formação, sobretudo a acadêmica, acaba por ressaltar esta
como sendo o principal critério definidor da profissionalização, desprezando, muitas
vezes, o conhecimento obtido na experiência, na prática concreta por esses
profissionais. Segundo Perrenoud (2002), a formação é o caminho para a
profissionalização, pois é ela que permitirá o desenvolvimento da capacidade reflexiva
desses profissionais. O apelo do autor à noção de competência, como a capacidade de o
profissional lidar de forma prática, segura e dinâmica com as novas exigências que se
lhe apresentam no trabalho, parece desconsiderar as condições objetivas desse trabalho
e desses trabalhadores. A noção de competências está intimamente ligada à capacidade
dos indivíduos de se adequarem a novas situações e a resolverem problemas que possam
enfrentar na sua realidade de trabalho. Mas, ao mesmo tempo, essa noção traz em si a
ideia de obtenção de sucesso, de eficiência, ser competente. Tal noção está centrada na
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busca de mobilização das subjetividades dos trabalhadores, do seu envolvimento e
compromisso com os objetivos da instituição, com as demandas da comunidade, do
sistema e dos alunos. Essas políticas apelam para o desempenho do corpo docente: o
professor é o responsável pelo sucesso ou fracasso do sistema, medido em geral pelo
desempenho dos alunos. Ao fazerem essa defesa em um contexto marcado por
condições desiguais e pouco propícias à realização profissional, os argumentos acabam
por traduzirem-se em retórica que oculta (ou nega) as contradições próprias das relações
de trabalho presentes no ambiente escolar.
Desenvolvimento Profissional Docente, gestão e organização do trabalho escolar
O modelo de descentralização adotado pelas políticas educacionais mais recentes
contém um paradoxo. Ao mesmo tempo que se observa a ampliação de mecanismos
capazes de atribuir maior autonomia aos estabelecimentos escolares por meio do
fortalecimento da gestão local, também se percebe o desenvolvimento de estratégias e
ferramentas de controle e regulação. O modelo de autonomia que se observa está
fundamentado em maior responsabilização dos envolvidos, que cada vez mais têm de
responder pelo que fazem, como fazem e para que fazem. Sendo assim, aumenta a
responsabilidade dos trabalhadores docentes sobre o êxito dos alunos, ampliando os
raios de ação e competência desses profissionais. O desempenho dos alunos passa a ser
algo exaustivamente mensurado, avaliado sistematicamente por instrumentos que não
são elaborados no contexto escolar. Da mesma maneira, são muitas as demandas que
chegam a esses trabalhadores como provas e exigências de sua competência em
conseguir responder às prescrições de ordem orçamentárias, jurídicas, pedagógicas e
políticas no âmbito escolar. (Oliveira, 2004; 2010)
O termo DPD emerge como resposta ao nível das propostas de políticas públicas
em educação à crise do paradigma de organização burocrática e profissional dos
docentes diante de novos modos de organização e gestão das escolas e dos sistemas
educativos. Esses novos modos demandam maior autonomia e condições de
profissionalização que incluem os processos de formação.
Observa-se uma grande tensão entre o modo burocrático de organização
profissional dos docentes e dos sistemas educativos. De um lado, tem-se a busca de
condição profissional estabelecida pelos estatutos tradicionais em que a detenção de um
saber específico, a obediência a um código de normas, regras e princípios éticos, a
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licença e autorização para exercício da profissão, entre outras exigências, são os
critérios definidores da profissão como categoria social homogênea (Rodrigues, 2002).
Claro que, no caso dos docentes, tais prerrogativas foram historicamente articuladas à
condição de funcionários públicos, considerando que o magistério se constitui como um
corpo profissional no âmbito dos sistemas educacionais estatais, o que lhes
proporcionavam certa estabilidade. De outro lado, modos mais flexíveis de organização
e gestão dos sistemas educativos com maior ênfase ao trabalho coletivo, a flexibilidade
curricular, a maior participação no nível local, dotando os docentes e suas instituições
de maior autonomia, apontam para um cenário menos estável.
Na retórica das políticas de DPD, os docentes são retratados como indivíduos
que constroem suas próprias carreiras e destino, como o profissional reflexivo,
evocando o caráter reflexivo do sujeito moderno que é responsável por suas escolhas e
decisões (Giddens, 2002). Este apelo à condição de sujeito reflexivo moderno, que
exalta a autonomia do indivíduo que deve tornar-se sujeito de sua experiência,
pressupõe a interiorização de categorias da socialização subjetiva contemporânea que
são notadamente o controle de si, a obrigação de afirmar uma autenticidade e
singularidade pessoal. Entretanto, esse liberalismo da ação é temperado pelo peso dos
constrangimentos e responsabilidades, o que pode resultar em fonte de cobrança
individual e de sofrimento profissional. Isto será tão mais provável quanto mais os
docentes não puderem se ancorar nas garantias e segurança institucional que o
estabelecimento educativo, a carreira, a regulamentação trabalhista e previdenciária,
entre outras, puderem lhe oferecer. (Rayou, 2009)
Observa-se a emergência dessa retórica no contexto de enfraquecimento de um
tipo de regulação do Estado e da educação que pode ser conceitualmente denominado
burocrático-profissional, conforme já comentado. A assunção dessas políticas explica-se
pelo surgimento de formas de regulação fundadas na lógica gerencial que se orientam
pelas regras de mercado, tratando o cidadão como cliente e as instituições públicas
como administrações privadas e que visam, sobretudo, o controle por resultados.
A avaliação de desempenho ganha força à medida que tal modelo de gestão vai
sendo incorporado pelas instituições educativas. Essas avaliações são referenciadas por
certos objetivos curriculares que buscam, por via de regra, reduzir a incerteza e
opacidade dos clientes em relação a um produto que se adquire no mercado ou um
serviço que se compra. (Maroy, 2011; Barroso, 2009) As políticas de DPD visam
articularem as possibilidades de ganhos profissionais (seja em termos de melhor posição
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na carreira, seja por melhor remuneração) às responsabilidades dos docentes pelos
resultados obtidos nas avaliações.
Com as mudanças na gestão e organização escolar das últimas décadas, os
docentes passaram a ter de constantemente se envolver e negociar com os seus pares
qual a ordem escolar (local) que será estabelecida e quais os objetivos a perseguir, tendo
de conviver sistematicamente com o paradoxo da autonomia e do controle que é
exercido por meio das avaliações que poderão reforçar ou contrariar suas escolhas.
Assim, o modelo de ação pedagógica evolui de um regulamento institucional a um
agenciamento contínuo de situações e de resoluções de problemas. (Rayou, 2009)
O modelo de organização burocrática sustentado na regulamentação de carreiras
estáveis e de uma condição funcional segura vai transitando para um contexto em que
tudo é passível de negociação, no qual o risco é iminente. É nesse contexto que os
docentes são convocados a serem senhores de seu futuro, responsáveis pelo seu
desenvolvimento profissional. Observa-se, assim, um deslocamento entre as demandas
de profissionalização para um modelo de DPD, que supõe novas formas de conceber e
implementar políticas de formação em que os docentes deixem de ser tratados como
meros objetos e assumam a condição de sujeitos ativos e centrais. As políticas de DPD
têm se apresentado e se justificado com esse propósito. Resta indagar se teriam os
docentes as condições objetivas e subjetivas de se assumirem como sujeitos nessas
políticas.
Entre a retórica e os dados de realidade: o peso da formação na condição docente e
seus possíveis efeitos sobre o desempenho escolar
Em recente surveyviii realizado em sete estados do Brasil, tendo como objetivo
analisar o trabalho docente nas suas dimensões constitutivas, identificando seus atores,
o que fazem e em que condições se realiza o trabalho nas escolas de Educação Básica de
redes públicas municipais e estaduais e instituições conveniadas na educação infantil,
foi possível observar que os dados referentes aos elementos constitutivos da valorização
docente – formação, remuneração e condições de trabalho e carreira – são preocupantes.
A partir de 8.795 entrevistas com docentes em unidades educacionais (creches e
escolas) em sete estados brasileiros (Minas Gerais, Espírito Santo, Goiás, Rio Grande
do Norte, Pará, Paraná e Santa Catarina), utilizando-se de um questionário com 85
questões e 319 variáveis, foi traçado o perfil socioeconômico e cultural dos docentes em
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exercício na Educação Básica no Brasil. Buscou-se conhecer a divisão técnica do
trabalho nas unidades educacionais, a emergência de postos, cargos e funções derivados
de novas exigências e atribuições, bem como as atividades desenvolvidas pelos
docentes. Procurou-se ainda conhecer as condições de trabalho: os meios físicos, os
equipamentos disponíveis, os recursos pedagógicos, entre outros fatores que interferem
diretamente na realização do trabalho docente. Foram coletadas informações sobre a
formação inicial e continuada dos docentes, o acesso à literatura específica das áreas de
atuação, às tecnologias e a outros bens culturais para o desenvolvimento de seu
trabalho. As formas de contratação, as condições salariais e de carreira nas diferentes
redes de ensino foram também objeto de investigação.
Foram considerados sujeitos docentes nessa pesquisa os trabalhadores que
realizam atividades que se relacionam diretamente com o processo educativo, sendo
compreendidos aí os professores e outros profissionais que exercem atividade de
docência. Apesar de bastante incipiente, a primeira aproximação com os dados relativos
à formação docente inspira submeter à prova, ainda que dependente de maior tratamento
estatístico, os dados obtidos no que se refere aos efeitos que a formação inicial e a
educação continuada têm sobre as condições profissionais dos docentes.
Com relação à titulação em nível superior na determinação da condição
profissional docente
Os 8.795 respondentes declararam possuir a seguinte formação: 0,18% possuem
o Ensino Fundamental incompleto; 0,27% Ensino Fundamental completo; 0,72%
Ensino Médio incompleto; 14,82% Ensino Médio completo; 32,02% curso superior em
nível de Graduação e 51,99% algum curso de Pós-Graduação. Considerando para esta
análise apenas os docentes que possuem algum curso de pós-graduação e buscando
conhecer sua distribuição entre os sete estados, observa-se um percentual maior de
professores com titulação mais alta no estado do Espírito Santo (73,6%) e em Santa
Catarina (66,8%). Entre os docentes que ocupam outros cargos, o Pará aparece em
primeiro lugar (51,6%) seguido por Santa Catarina (51,3%). O Rio Grande do Norte
apresentou os percentuais mais baixos de docentes com cursos de pós-graduação, tanto
para professores (37,4%) quanto para as demais funções (37,6%).
Quando se observa os docentes com maior titulação por rede de ensino, constata-
se que o percentual de professores com cursos de pós-graduação é de 53,4% nas redes
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municipais e 57% nas redes estaduais. Entre os docentes com demais funções, chama a
atenção o alto percentual nas redes estaduais, 59,8%. Nas redes municipais, esse
percentual é de 40%. Nas redes conveniadas, os valores ficaram bem abaixo das redes
públicas, sendo 25,8% para professores e 16,6% para as demais funções.
Já quando se põe em evidência os dados por etapas de ensino, observa-se um
percentual maior de docentes com mais alta titulação no Ensino Fundamental e Ensino
Médio em relação à Educação Infantil. O percentual de professores da Educação Infantil
com curso de pós-graduação é de 42%, enquanto para o Ensino Fundamental é de
54,8% e de 58,8% para o Ensino Médio. Nas demais funções, esses valores são ainda
mais discrepantes, sendo 19,2% na Educação Infantil, 52,9% no Ensino Fundamental e
60,4% no Ensino Médio.
Quando se confronta os dados de formação com aqueles relativos à carreira e
condições de trabalho e à remuneração, observa-se que, apesar de apresentarem na sua
maioria a formação compatível para o exercício de suas funções, 84,01% possuem curso
superior; sendo que a maioria investiu na educação continuada em nível de pós-
graduação, 51,99%, tal investimento não vem acompanhado percentualmente dos dados
relativos à carreira. Do total dos respondentes, 46,2% afirmam não estar contemplados
por um plano de carreira.
Em relação aos ganhos salariais, observa-se uma concentração maior de
professores com titulação menor nas faixas salariais mais baixas, em que 39,2% ganham
entre um e dois salários mínimos. Se considerarmos somente as 3 faixas de rendimentos
mais baixos (até três salários mínimos), vemos que mais de 70% dos docentes sem
curso de pós-graduação encontram-se nessas faixas, enquanto para os docentes com
pós-graduação esse percentual fica pouco acima dos 50%.
Esse mesmo comportamento é observado de forma mais acentuada entre os
docentes que ocupam demais funções. A maior concentração de docentes sem cursos de
pós-graduação encontra-se nas três faixas de rendimentos mais baixas, sendo que mais
de 80% dos docentes de menor titulação ganham até três salários mínimos. Entre os
docentes com titulação maior, esse percentual é de 44%.
Constata-se pela rápida apreciação dos dados que, mesmo em níveis muito
baixos e insatisfatórios, os rendimentos dos docentes tendem a acompanhar os níveis de
formação, ou seja, quanto mais titulado maior a remuneração, mesmo que esta seja
abaixo do que percebem outros profissionais com mesma escolaridade.
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A formação continuada e o desenvolvimento profissional
Ainda que possamos considerar a realização de estudos em nível de pós-
graduação como a formação continuada desejável, a Capes tem investido nos últimos
anos na criação e fomento a programas de mestrado profissional dirigidos aos
professores de educação básica em redes públicas. A formação em serviço, por meio de
atividades esporádicas e eventuais, tem sido predominantemente apontada pelos
docentes quando perguntados sobre o acesso que têm a este tipo de educação. Em
relação às atividades de formação continuada assim compreendidas, observa-se um
percentual baixo de docentes que as realizaram, seja entre os professores (16,4%), seja
entre os docentes que desempenham outras funções (14,4%).
Quando se relaciona o fato de ter realizado atividades de formação continuada e
os ganhos salariais, observa-se que não há uma relação direta de ganho. A distribuição
que se apresenta exibe percentuais muito semelhantes entre as faixas salariais em meio
aos docentes que realizaram ou não atividades desse tipo. O que nos leva a inferir que
tais atividades têm pouco impacto na remuneração dos docentes.
De todo modo, a formação continuada com essas características parece ter ainda
menos efeitos entre os professores que os demais docentes. No caso dos docentes das
demais funções, apesar de se observar um comportamento semelhante, fica mais clara
uma leve diferença. Os docentes que realizaram atividades de formação continuada
apresentam percentual um pouco maior em algumas faixas de salários mais altos, como
na faixa entre quatro e cinco salários mínimos, por exemplo, na qual o percentual dos
que realizaram as atividades é de 10,4% contra 8,1% dos que não realizaram. Essa
variação pode ser explicada pela presença dos especialistas e dirigentes escolares que
figuram nessa faixa, mas este é um dado ainda carente de maior apreciação. Um
comportamento inverso é observado na faixa salarial mais baixa, em que o percentual
dos que realizaram tais atividades é de 10,8%, enquanto os que não realizaram atingem
18,2%.
A participação em atividades de formação continuada aparece em terceiro lugar
entre os aspectos mais valorizados nos planos de cargos e salários tanto dos professores
quanto dos docentes que ocupam outras funções. A titulação aparece em primeiro lugar,
seguida pelo tempo de serviço. O percentual de docentes que destacaram a participação
em atividades de formação continuada como um aspecto valorizado no plano de cargos
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e salários é de 21,1% para os professores e 20,2% para os docentes que ocupam outras
funções.
A titulação docente e o desempenho dos professores
Nas políticas atuais, tem sido argumento recorrente o investimento em formação
docente para a melhoria do desempenho escolar, esta não é uma particularidade do
Brasil, como bem já demonstrado em documento publicado pela OCDE em 2009 e
citado no início deste texto. Ao relacionar a formação, sobretudo inicial, dos docentes
com os patamares alcançados no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
(IDEB), apesar de não ser possível afirmar se há ou não uma correlação estatisticamente
significativa entre um percentual maior de docentes com titulação mais alta e os
resultados obtidos, observa-se um acompanhamento nessa direção.
Apesar de terem sido considerados para este estudo como docentes com maior
titulação aqueles que responderam possuir pós-graduação como maior titulação dentre
os respondentes do survey, não foi realizada uma distinção entre aqueles que realizaram
Especialização, Mestrado ou Doutorado. Optou-se por considerar a pós-graduação como
uma categoria única, uma vez que 92,5% dos docentes que possuem algum curso de
pós-graduação fizeram apenas especialização, não sendo significativo tratar as
categorias em separado.
Nesse sentido, dois estados se destacaram com um percentual superior de
professores com titulação maior, Espírito Santo (73,6%) e Santa Catarina (66,8%). Os
percentuais mais baixos ficaram com o Rio Grande do Norte, tanto para professores
(37,4%) quanto para as demais funções (37,6%).
Conforme já observado, a despeito de não ser possível afirmar se há ou não uma
correlação estatisticamente significativa entre um percentual superior de docentes com
titulação maior e os resultados do IDEB, cabe ressaltar que o Rio Grande do Norte é o
Estado que apresenta o menor IDEB entre os Estados participantes da pesquisa, tanto
para o Ensino Fundamental anos iniciais (3,5) e anos finais (2,9), quanto para o Ensino
Médio (2,9). O Estado do Espírito Santo aparece com um IDEB intermediário em todas
as etapas avaliadas. Santa Catarina aparece com o melhor IDEB para as séries finais do
Ensino Fundamental (4,2) e Ensino Médio (4,2). Nos anos iniciais do Ensino
Fundamental, Santa Catarina aparece em terceiro lugar (5,0). Todavia, merece destaque
o desempenho de Minas Gerais no IDEB, aparecendo em primeiro lugar nos anos
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iniciais (5,8) e em segundo lugar nos anos finais e Ensino Médio, mas com desempenho
muito próximo ao de Santa Catarina (4,1 em ambos).
Foi considerado nesse estudo o IDEB do ano de 2009 por se tratar do mesmo
ano da coleta de dados da Pesquisa Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil,
aqui utilizados.
Comentários finais: o deslocamento das condições de profissionalização para o
DPD
Este texto procurou especular, a partir da confrontação de dados de realidade,
obtidos por meio da realização de um survey com docentes que atuam na educação
básica em redes públicas e instituições conveniadas (educação infantil), a relação entre
o que a literatura acadêmica vem conceituando como DPD e os vínculos diretos entre os
componentes desse conceito na prática. A definição do termo DPD inclui a articulação
entre a formação continuada e as necessidades de profissionalização dos docentes, como
requisito indispensável à melhoria da educação, no sentido de atender as demandas para
a educação do Século XXI. Fundamentadas no paradigma da sociedade do
conhecimento, em que a educação ao longo da vida passa a ser um imperativo, os
docentes são responsabilizados pelo desenvolvimento da sua condição profissional. O
termo DPD emerge, assim, como resposta ao nível das políticas públicas em educação à
crise do paradigma de organização burocrático- profissional dos docentes diante de
novos modos de gestão dos sistemas educacionais que reclamam maior autonomia e
melhores condições de profissionalização.
No Brasil, esse termo não foi amplamente assumido, embora não seja difícil
constatar essa orientação presente em gestões municipais, estaduais e mesmo em
algumas iniciativas no plano federal que apontam a responsabilização dos docentes pelo
seu desenvolvimento profissional, atribuindo-lhes a culpa pelos pífios resultados
escolares e sendo muitas vezes acompanhadas essas iniciativas por políticas de controle
que preveem a punição e premiação.
É importante perceber em que medida essas políticas podem estar a serviço de
naturalizar um modo de regulação que, baseado na autonomia dos sujeitos, desloca as
responsabilidades do plano institucional ao plano individual. A complexidade que
envolve o corpo docente da educação básica no Brasil, da educação infantil ao ensino
médio, apresentando sérios entraves à constituição de uma identidade profissional no
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sentido tradicional, somada à fragmentação educativa resultante das desigualdades
persistentes neste país são aspectos que devem ser considerados na definição de
políticas públicas de formação e profissionalização docente.
A noção de DPD assume uma retórica que põe em risco o princípio universalista
da escola republicana. Com todas as contradições que tal princípio comporta na
atualidade, a constatação de que as escolas são distintas não só nos aspectos culturais e
sociais, o que é bem verdade, mas também nos seus objetivos e condições, muitas vezes
vem acompanhadas de políticas e discursos que incitam a competição entre escolas por
melhor desempenho para obter maiores ganhos, obscurecendo o sentido da coisa
pública. A responsabilização dos docentes pelas suas condições de trabalho, suas
carreiras e seus destinos, nesse contexto, vem associada à responsabilização pelo
sucesso ou fracasso da instituição. O estímulo ao individualismo e à competição, ao
investimento pessoal na carreira, reforçado pelos mecanismos de avaliação de
desempenho individual, pode pôr em risco a dimensão do sujeito histórico social, do
sujeito político que constrói sua subjetividade coletiva e assim dificultar ainda mais as
possibilidades de desenvolvimento de uma identidade que de fato restitua aos docentes
o sentimento de pertencimento a um grupo profissional, ainda que comportando
heterogeneidades.
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